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A busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional através de uma estratégia de smart power Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Relações Internacionais Rio de Janeiro 2014.2

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A busca brasileira por uma maior inserção no campo de

segurança internacional através de uma estratégia de

smart power

Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza

Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Relações Internacionais

Rio de Janeiro

2014.2

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO

A busca brasileira por uma maior inserção no campo de

segurança internacional através de uma estratégia de

smart power

Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza

Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel

Monografia apresentado ao

Instituto de Relações Internacionais

da Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro (PUC-Rio) como

requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em Relações

Internacionais.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Relações Internacionais

Rio de Janeiro

2014.2

Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, por terem me

proporcionado essa oportunidade de estudo e por todo o apoio durante os anos de

graduação.

Ao Instituto de Relações Internacionais e a todos os seus professores pela

ajuda em minha formação acadêmica. À professora Layla Dawood por todas as

conversas, críticas e conselhos metodológicos durante a elaboração do projeto

inicial deste trabalho.

Aos colegas de trabalho por compreenderem meus momentos de

dificuldades e prazos a serem cumpridos, capítulos a serem entregues, e interesse

em nossas conversas sobre o tema de pesquisa deste trabalho.

Ao meu orientador, Kai Michael Kenkel, que mesmo nunca tendo sido

meu professor aceitou desde o inicio me orientar de braços abertos. Desde o

inicio, mesmo com horários tão apertados me foi sempre solicito e disponível,

sendo extremamente crítico e rígido, mas com comentários e sugestões

indispensáveis, as quais sem este trabalho não seria o mesmo.

E por último, mas definitivamente não menos importantes, a todos meus

amigos próximos que conheci e que me acompanharam durante todos esses anos

de graduação nos bons e maus momentos.

Resumo

Este trabalho procura analisar a busca brasileira por uma maior inserção no

campo de segurança internacional - configurado em seus objetivos

estratégicos, como a busca por um assento permanente no CSNU - a partir

de uma releitura do conceito de smart power. Este, uma vez criado pelos

EUA para legitimar suas ações, será abordado de outra forma quando

aplicado às potências emergentes como o Brasil, de forma que seja usado

como uma estratégia para suprir a falta de hard power do país. A partir de

então, serão abordadas formas do país conseguir se inserir em temas de

segurança. Isso é feito através da atuação em seus nichos diplomáticos que

interferem no campo de segurança. Focado no caso brasileiro, o trabalho

aborda os campos de nicho diplomático do país que tornam isso possível a

partir da atuação do país em operações de paz e no âmbito da cooperação

sul-sul.

Palavras-Chave: Política Externa Brasileira – Smart Power – Operações de

Paz – Cooperação Sul-Sul – Segurança Internacional – Nicho Diplomático

Abstract

This work aims to analyze Brazil’s search for greater profile in the area of

international security – with a defined strategic goals of permanent

membership in the United Nations Security Council - through a

reinterpretation of the concept of smart power. Created by US academics to

explain their actions, the concept will be adapted to the needs of an

emerging power like Brazil to be used as a strategy to address the country’s

hard power deficit. The study addresses in which ways the country is able

to enter the global security agenda. This is done through the its activities in

diplomatic niches in the security field. Focused on the Brazilian case, the

thesis covers Brazil's diplomatic niches that make this insertion possible

from the performance of the country in peacekeeping operations and in the

context of South-South cooperation.

Key-words: Brazilian Foreign Policy – Smart Power – Peace Operations –

South-South Cooperation – International Security – Niche Diplomacy

Sumário Agradecimentos ............................................................................................................. 0

Resumo ............................................................................................................................. 0

1. Introdução ................................................................................................................ 7

2. Aporte Teórico ...................................................................................................... 14

2.1. Smart Power .................................................................................................. 14

2.2. Funcionalismo Liberal ................................................................................ 24

2.3. Potências Médias ......................................................................................... 28

2.4. Metodologia ................................................................................................... 37

3. Cooperação Sul-Sul ............................................................................................. 45

3.1. Cooperação Internacional para o Desenvolvimento ........................... 45

3.2. A Cooperação Sul-Sul ................................................................................. 50

4. Operações de Paz ................................................................................................ 61

4.1. Definições do termo .................................................................................... 61

4.2. Evolução Normativa das Operações de Paz ......................................... 66

4.2.1. Uma Agenda para a Paz ...................................................................... 68

4.2.2. Relatório Brahimi .................................................................................. 70

4.2.3. Debates sobre soberania e intervenção ......................................... 71

4.2.4. A Responsabilidade de Proteger ..................................................... 71

4.2.5. A Responsabilidade ao Proteger ..................................................... 76

4.3. Atuação das potências emergente em Operações de Paz e na

Cooperação Sul-Sul ................................................................................................. 80

5. A Inserção Brasileira através do Smart Power ............................................. 85

5.1. O Brasil na Atual Ordem Mundial............................................................. 85

5.2. A Agenda Brasileira de Cooperação ................................................................. 93

5.2.1. A Cooperação Sul-Sul como Nicho Diplomático Brasileiro .................... 95

5.2.2. O Brasil e os BRICS na ordem internacional .......................................... 100

5.3. As Operações de Paz como Nicho Diplomático Brasileiro ............................ 102

5.3.1. O Marco brasileiro: A atuação no Haiti ......................................... 103

5.3.2. A tentativa de inserção no nicho normativo de operações de

paz ................................................................................................................. 105

5.3.3. A Cooperação no campo de Operações de Paz ......................... 107

6. Conclusão: Perspectivas para o futuro ........................................................ 109

7. Bibliografia ........................................................................................................... 119

Lista de abreviações

ABC – Agência Brasileira de Cooperação

AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas

AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento

BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CAD – Comitê de Assistência ao Desenvolvimento

CCOPAB – Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil

CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento

CNS – Cooperação Norte-Sul

CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas

CSS – Cooperação Sul-Sul

CTPD – Cooperação Técnica para o Desenvolvimento

END – Estratégia Nacional de Defesa

IBAS – Índia, Brasil e África do Sul

LBDN – Livro Branco de Defesa Nacional

MINUSTAH – Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti

NHBs – Necessidades Humanas Básicas

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONU – Organização das Nações Unidas

PND – Política Nacional de Defesa

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

R2P – Responsabilidade de Proteger

RwP – Responsabilidade ao Proteger

UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

UNOSSC – Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul

ZOPACAS – Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

1. Introdução

O Brasil vem se tornando cada vez mais um ator reconhecido e de

importância significativa na política internacional. A tradição brasileira para

com o multilateralismo é algo constante em sua política externa, podendo

ser vista desde outros tempos, como o da criação da Liga das Nações. Após

o fim da Guerra Fria, vemos um momento onde questões de segurança

tiveram um grande desenvolvimento no cenário internacional, propagados

em foros multilaterais. Nesse ambiente surgem novos polos de poder, que

passaram a ser vistos pela sociedade internacional como uma nova

oportunidade de reestruturar a esfera internacional, buscando assim uma

nova tentativa de atingir a paz e a harmonia.

Vivemos nesse momento oportuno para o crescimento da cooperação

entre estados e busca por uma maior inserção de diferentes atores na norma

internacional. Em um cenário onde o multilateralismo é mais amplamente

difundido, é possível encontrarmos uma maior participação daqueles que

antes eram pouco ouvidos (HERZ, 2011).

Para potências emergentes esse momento se tornou muito

importante, onde o processo de integração poderia vir a significar desde

uma fonte de ameaça à estabilidade daquele país no sistema; um escudo

protetor para ameaças externas; ou até mesmo uma plataforma para a

projeção de poder de determinado país no internacional.

É importante ressaltar que o Brasil, na condição de potência

emergente, ainda enfrenta uma série de desafios que muitas das “grandes

potências” e “países desenvolvidos” já têm dado como estabilizados. A

questão da fome e pobreza pode ser um exemplo disso. No entanto o Brasil

vem demonstrando assumir um papel de liderança e preponderância

regional na América do Sul, solidificando a região como uma entidade

político-econômica, a ser levada em conta no cenário internacional, e

assumindo o papel de seu líder como potência hegemônica consensual, e

8

fortificando e aumentando cada vez mais sua imagem como um ator global

com uma maior presença no plano internacional.

Vemos o regionalismo como uma das principais vertentes da política

externa brasileira na década de 90. Uma série de fatores pode ser apontada

como responsável disto, como também fatores domésticos, como a

redemocratização do país, e a crise econômica que assolou o Cone Sul

nessa década—fazendo com que estes temessem um isolamento de

organizações do hemisfério norte—e por uma inflexão da rivalidade

político-estratégica com a Argentina, com a assinatura de acordos de obras

de infraestrutura1 (NEVES, 2012), tornando o Brasil uma potência civil,

que busca a transposição, para o nível internacional, de seu processão de

“civilização” interno (MAULL).

Assim, a elite política brasileira passou a ver a região latino americana

e do Cone Sul como um possível espaço de cooperação, no qual se

buscariam soluções para problemas domésticos, e também como uma

possível plataforma para que o Brasil se consolidasse como uma potência

regional e aumentasse sua projeção de poder no globo. Assim, vemos

teóricos como Sean Burges (2008, p.21) que defendem a tese de que o

Brasil exerce uma “hegemonia consensual” na América do Sul,

estabelecendo-se como uma potência regional. Uma vez que este, não tendo

recursos econômicos suficientes para arcar com os custos de integração

mais profunda, utiliza-se de recursos como interações regionais, obras de

infraestrutura e outras formas de cooperação para fortalecer a sua presença

na região e no mundo. Burges (ibid) coloca que, mesmo que o Brasil exerça

uma liderança frágil no cone sul isso pode vir a gerar resultados positivos

para o país, ressaltando que isso é uma estratégia brasileira que vem se

afirmando desde a década de 1990 até os dias atuais. Podendo ser vista

iniciada com o governo Fernando Henrique Cardoso e fortemente

incentivada no governo Lula.

1 Vemos, por exemplo, a assinatura do acordo tripartite entre Brasil, Argentina e Paraguai para a

construção da usina de Itaipu (Brasil-Paraguai) e usina de Corpus (Argentina-Paraguai).

9

O Brasil então, nessa época, já via a necessidade de mudar a seu

comportamento perante a região e a comunidade internacional para que o

mesmo fosse adequado, de forma que o seu papel nos foros multilaterais e

no campo da segurança internacional lhe propusesse uma maior influência e

capital diplomático em negociações internacionais. A busca por uma maior

inserção brasileira no sistema internacional no campo da segurança pode ter

algumas diferentes abordagens analíticas com base na consolidação interna

de um objetivo brasileiro, projetado em uma conduta externa, no plano

internacional. Assim, pode ser identificada a iniciativa de se adotar uma

nova lógica para a política externa brasileira que se desse por meio da

autonomia pela integração (VIGEVANI et al, 2003), em que o país tivesse

mais participação nos assuntos da agenda global.

Assim o Brasil passou a se envolver em questões internacionais com

mais frequência, buscando sempre se manifestar, mas continuando a

defender seus princípios e valores consolidados internamente, como uma

potência civil. Identificamos isso através de diversas ações como a tardia

adesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 1998, devido à defesa

do conceito de soberania e não-intervenção, onde os formadores de política

tem buscado continuar a construir a imagem do Brasil como um país

pacífico que coopera e coordena suas ações com os outros (CARDOSO,

2001, p.7), e maximizando as vantagens da globalização para o seu

desenvolvimento e se tornado mais presente em discussões internacionais.

No que tange a questão de segurança, é importante ressaltar que é

muito difícil para um país tornar-se influente na área de segurança sem

possuir efetivamente recursos de hard power, no entanto, com o fim da

Guerra Fria e da dicotomia bipolar de poder, e com uma guinada de força

no multilateralismo e na promoção de instituições multilaterais, vemos o

Brasil, assim como outros países com menos hard power, buscando

envolver-se, em questões de segurança internacional. Uma das formas disso

ser feito, foi através da participação de Operações de Paz.

10

Além disso, o Brasil busca reforçar o multilateralismo e inserir os

interesses brasileiros e se aproveitar de oportunidades de cooperação que

podem ser identificadas no curso da implementação dos processos de paz

(UZIEL, 2010, p.86). Não obstante, a estratégia brasileira é pautada no

renome do Brasil no plano internacional, buscando manter bons

relacionamentos com todos e defender seus interesses, empenhado na

construção de uma ordem global mais próspera e pacífica, como visto em

seu Livro Branco (BRASIL, 2012). Assim, pode-se ver a importância do

comportamento e participação brasileira perante organismos multilaterais.

Historicamente o Brasil vem defendendo no campo diplomático os

princípios de não intervenção e defesa da soberania nas mais diversas

instituições multilaterais. Tais conceitos muito se aplicam quando o Brasil

trata de questões do cooperação internacional e da promoção da paz e

construção da paz em situações de conflito, de forma a ser reforçada ao

longo dos anos e articulado junto de sua política externa e política de

defesa. A forma como o Brasil se porta no plano internacional quanto a

esses assuntos é regida pelo fato de ser uma potência emergente com pouco

hard power, sendo assim, um ator que busca se utilizar de todos os seus

meios possíveis meios possíveis, como recursos de soft power2 para

perseguir sua estratégia de política externa e se inserir em questões de

segurança na sociedade internacional, aumentando sua influência no globo.

O Brasil faz uso desse aspecto para elaborar sua política externa (HERZ,

2011, p.3).

Grande parte da política brasileira é de seu renome no plano

internacional, buscando manter bons relacionamentos com todos e defender

seus interesses, empenhado na construção de uma ordem global mais

próspera e pacífica. Assim, pode-se ver a importância do comportamento e

participação brasileira perante organismos multilaterais (BRASIL, 2012), e

como se dá a elaboração de sua grande estratégia política.

2 Tendo Soft Power como a habilidade de cooptação, de definir a agenda, de persuadir e exercer

atração positiva. S. Nye, ‘Soft Power’, Foreign Policy, No.80, 1990, pp.153–71.

11

Por grande estratégia entendemos a partir do conceito cunhado pelo

historiador, militar e teórico inglês da estratégia, Liddell Hart (1967). De

acordo com o autor, vemos que o papel da grande estratégia é de coordenar

e direcionar os recursos de uma nação para atingir seus objetivos políticos.

Segundo o este, a grande estratégia trabalha também com a distribuição de

recursos e poderes do aparato estatal, olhando além da guerra e da paz que a

segue. A grande estratégia deve não só combinar os mais variados

instrumentos disponíveis pelo estado da melhor forma possível, mas

também regulá-los para buscar a manutenção da paz (HART, 1967).

É uma discussão muito prospera, se o Brasil deve se focar e

aumentar seus recursos de hard power, considerando a expansão das

ambições internacionais do país e sua influência no globo, ou se tal

iniciativa minaria a reputação pacífica de o Brasil mantém por tantos anos,

e se isso iria, verdadeiramente, de encontro com os objetivos brasileiros.

Assim, questiona-se se o Brasil deveria agir de acordo com a lógica realista

da consequência de suas ações, ou então, sob uma ótica funcionalista

liberal, se deve agir de acordo com o papel e imagem que este almeja no

sistema internacional para formular sua grande estratégia.

Frente à todos os novos desafios e reestruturações do sistema

internacional contemporâneo, permeado por conflitos e disputas de poder e

influência, vemos a propagação de uma série de objetivos globais como o

fim de conflitos, promoção da estabilidade e desenvolvimento econômico,

dentre outros. Com isso, vemos a busca do fim de conflitos cada vez mais

por situações que não a do uso da força, e com essa condicionante, os

Estados que possuem muito hard power, e aqueles que não o possuem o

suficiente para se manifestar sobre o assunto, devem almejar uma nova

estratégica de inserção e aceitamento de suas políticas nas agendas

internacionais de segurança, sendo necessário buscarem uma estratégia em

que melhor combinem seus recursos e sejam aceitos perante a sociedade.

Com isso surge a busca por uma estratégia inteligente de projeção de poder:

12

o smart power. A participação brasileira será então vista a partir de tal

abordagem. A sua participação se pautará na literatura de nichos

diplomáticos, que respaldam em assuntos de segurança, pois uma das

formas de se exercer smart power pode ser através do multilateralismo

institucional.

A pesquisa será pautada após o fim da Guerra Fria, onde houve uma

redefinição geral do conceito de segurança no campo das Relações

Internacionais, com enfoque desde a retomada do antigo pleito pelo assento

permanente no Conselho de Segurança, assim como por uma instância

reformista no discurso da política externa brasileira mais participativa no

cenário internacional apontando para a necessidade de uma reforma das

instituições de governança global que fosse mais condizente com o

panorama geopolítico atual.

São necessárias instituições que não reflitam um cenário de pós-

Segunda Guerra com uma distribuição de poder centrada nas grandes

potências da época, não mais vigentes na política global. Assim, a busca do

Brasil por mais influência é baseada no pleito de que se deve haver uma

maior representatividade que reflita na configuração atual de poder do

mundo, dando voz aos países não representados por estruturas arcaicas,

como a do Conselho de Segurança, reformando as Organizações

Internacionais.

O trabalho será dividido em etapas, a fim de identificar sob uma

lente teórica específica, descrever, analisar e interpretar os fenômenos da

atualidade o intuito da busca brasileira por uma maior inserção no campo de

segurança internacional, através de uma possível estratégia de smart power.

Para tal, haverá uma revisão de literatura teórica, onde a partir disso,

identificaremos possíveis áreas de atuação – nichos diplomáticos – e

veremos como tais áreas tangem à discussão da área de segurança. Após

estabelecer tal relação, o trabalho entrará no estudo de caso do governo

13

brasileiro, procurando identificar se a atuação nessas áreas é algo pertinente

e condizente com a busca brasileira por uma maior inserção. O trabalho

concluirá com um balanço da análise dessas áreas, identificando então a

estratégia brasileira e buscando conclusões e recomendações futuras.

2. Aporte Teórico

2.1. Smart Power

Empenhado na construção de uma ordem global mais próspera e

pacífica, mantendo bons relacionamentos com todos e defendendo seus

interesses, o Brasil, assim como muitos outros países, busca expandir sua

inserção no cenário global, envolvendo-se cada vez mais em fóruns

internacionais. Não obstante, como parte de sua grande estratégia de defesa,

o Brasil busca então projetar poder a partir de uma tentativa de conversão

de soft power, a ser definido a seguir, em sua busca por influência (HERZ,

2011, p.4).

Para tal análise, é necessário compreender mais profundamente as

relações de poder e como estas fazem parte da estratégia brasileira. O

argumento escolhido para tal análise é embasado a partir da concepção de

poder de Joseph S. Nye (1990, 2004; 2007, p.1). Com isso, deve-se

primeiramente abordar a definição de poder como um todo, que é um dos

grandes pontos de debate nas teorias de Relações Internacionais.

De acordo com Nye, poder é concebido ao se pensar em termos de

comportamento, sendo este a “habilidade de afetar o comportamento de

outros para conseguir os resultados que um deseja” (NYE, 2004, p.2).

Logo, a concepção de poder é relacional, onde é impossível não levar em

conta os outros atores do sistema, que interagem e compartilham o mesmo

espaço anárquico em que os Estados se encontram. Tendo em mente tal

característica, do poder como relacional é possível generalizar três

comportamentos dos Estados a fim de se atingir poder: “[v]ocê pode coagi-

los com ameaças. Você pode levá-los com punições ou pagamentos. Ou

você pode atrair e cooptá-los a querer os resultados que você deseja” (NYE,

2004, p.2).

15

Ao detalhar mais especificamente tais generalizações, vemos então

dois conceitos de poder, muito utilizados no campo das Relações

Internacionais, o hard power e o soft power. O primeiro, hard power, diz

respeito à habilidade que um Estado tem de afetar o comportamento de

outros para atingir resultados almejados seja por coerções ou ameaças, e

como o Estado (ator em análise neste caso), se utiliza de seus recursos e

influências a fim de fazê-lo (a influência, então, também pode ser abordada

como um recurso de hard power, uma vez fundamentada a um

comportamento de um determinado ator de forma a que este aja não

somente por atração a outro). Isto é, o hard power diz respeito aos dois

primeiros comportamentos de um Estado, identificado por Nye, onde este

age a fim de coagir outro com ameaçar, ou fazer uso de punições ou

pagamentos, a fim de atingir seu objetivo. Já, o segundo conceito diz

respeito à capacidade de um ator influenciar outros pela atração/cooperação

ao invés de coerção ou de pagamentos e punições, que é como Nye (2004,

p.5) vai definir soft power.

É importante ressaltar que segundo Nye (2004), apesar do poder ser

julgado em forma de comportamento para produzir resultados desejados,

este não é facilmente mensurado com antecedência, dificultando estudos de

comportamentos prévios dos atores. Além disso, para julgarmos o poder,

temos sempre de analisar o contexto no qual este está inserido, pois este não

é algo imutável.

Nye (2004, p.8) vai argumentar também, que determinado Estado3

pode obter seus resultados desejados na política devido a uma série de

razões, dentre elas a admiração dos valores de um país por outro, levando

este a segui-lo, tendo determinado país como exemplo e vendo seus

objetivos como legítimos. Assim, é importante definir uma agenda que

atraia outros países para seus objetivos. Com isso, podemos observar neste

3 É importante ressaltar que o Estado é o ator central da análise de Nye, no entanto tais relações

também podem ser transpostas a outros níveis de análise.

16

mundo anárquico onde os Estados são atores soberanos, que a preocupação

com a Segurança Internacional é um importante tópico na agenda global.

O soft power tende a ser mais importante quando a distribuição de

poder no sistema internacional encontra-se mais disperso – tal qual como no

mundo atual multipolar onde vemos os fóruns da ONU com debates com

diferentes polos de poder, buscando coordenar políticas para participações

conjuntas em operações de paz – e também tem maior impacto em objetivos

mais gerais, como as discussões gerais da segurança internacional, ou no

âmbito do Brasil, em sua estratégia nacional de defesa. Porém o hard power

não pode ser deixado de lado, pois continua influenciando muito na relação

entre os Estados.

Nye aborda o conceito de poder primordialmente como algo

relacional, mas devemos ter em mente também que a literatura de poder

cresce constantemente, tornando necessário entender a relação entre os

próprios conceitos de poder, como é o caso do hard power e do soft power.

Essa é uma relação bem complexa, onde até mesmo o uso da força pode

acabar gerando soft Power, dependendo da forma como é utilizada e

percebida pelos demais atores, o que é muitas vezes o caso de discursos de

defesa de princípios como a proteção de nações amigas de agressão, ou pela

prática de manutenção da paz.

Assim, a fim de titulo, podemos identificar como indicadores do

poder as seguintes características, como definidas na tabela abaixo:

Tabela 2

Hard Power Soft Power

Espectro de

comportamentos

- Coerção;

- Indução;

- Definição de Agendas;

- Atração;

- Cooptação;

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Recursos mais

prováveis

- Uso da força;

- Sanções;

- Ameaças;

- Recompensas;

- Instituições;

- Valores;

- Cultura;

- Políticas;

Fontes de poder

- Absoluta;

- Majoritariamente força

militar e econômica;

- Tangíveis, facilmente

mensuradas;

- Direta, de curto prazo

e com resultados

imediatos;

- Relativa: baseada no

contexto;

- Majoritariamente força

cultural;

- Intangíveis, dificilmente

mensuradas;

- Indireta, à longo prazo e

com resultados

demorados;

Tabela elaborada com base nos conceitos de Nye (2004, p.5-10).

A relação entre hard power e soft power, não deve ser entendida

como uma relação de exclusão, onde só um dos tipos de poderes pode

existir, ou em que um exclua o outro. Há muitas vezes em que o hard power

e o soft power interferem um no outro, uma vez que a distinção entre estes

ocorre em grau de comportamento. Na realidade, ambos podem ser

complementares, e a habilidade e estratégia de combinar efetivamente esses

dois termos, pode ser cunhada como ‘smart power’ (NYE, 2007, p.373).

Smart power não é nem hard nem soft (power) - é a

combinação hábil de ambos. Smart power significa desenvolver uma

estratégia integrada, base de recursos e ferramentas para alcançar

objetivos (aqueles) que tem como base tanto o hard, como o soft

power. É uma abordagem que (...) investe pesadamente em alianças,

parcerias e instituições em todos os níveis de expansão (...) da

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influência e estabelecer a legitimidade de ações (...) (ARMITAGE &

NYE 2007, p.11).

Uma vez utilizado determinado poder, isso pode afetar o outro de tal

forma que seja necessário diminuí-lo, ou até mesmo aumentá-lo, de acordo

com o contexto específico em que estão inseridos, não sendo

necessariamente onde para obter determinado tipo de poder tem que se

diminuir o outro. É uma relação bastante complexa e depende muito

daquele que a analisa e de como percebe os fatos, que não se limita somente

a tangibilidade, ou intangibilidade dos recursos. Uma ameaça, por exemplo,

pode ser algo intangível, no entanto, ela força determinado ator a agir de

uma forma, sendo assim, uma ação de hard Power (NYE, 2004, p.26). O

que realmente importa na diferenciação dos poderes é o contexto em que

estão inseridos em seu uso.

O conceito é abordado por diversos outros acadêmicos e aqueles

detentores de cargos políticos, torando-o um conceito frutífero, para ser

usado neste trabalho. Para Suzanne Nossel (2004, p.2), autora à qual, além

de Nye, é atribuída à criação do conceito, o smart power é abordado ao

analisar o caso dos Estados Unidos, num contexto pós-Guerra Fria, onde o

sistema internacional se tornou algo muito mais amplo do que antes era, e

em diversos casos, como o do terrorismo, em que as estratégias

exclusivamente de hard power não seriam sempre a melhor forma para o

governo norte americano agir, devendo sempre levar em conta alianças,

instituições internacionais, uma diplomacia mais cuidadosa e o poder das

ideias (NOSSEL, 2004, p.4).

Ainda segundo Nossel, o engajamento multilateral de um ator, de

acordo com a visão de liberais, é vista como uma escolha ditada pela lógica

do smart power,uma vez que vemos no liberalismo a tendência dos países

de se envolverem em organismos multilaterais, promoção da democracia e

outros valores que prezam pelo não uso do hard power, pensamento esse

19

compartilhado por outros autores, como Johanna Forman (2009), que traz

as Nações Unidas como um possível instrumento de smart power dos

Estados Unidos, por colocar em um plano menor o poderio militar, dando

também grande importância às alianças, parcerias e instituições, alinhando-

os ao interesse nacional de um Estado.

O conceito de smart power, abordado como um corolário ao conceito

de soft power, surge na necessidade de um melhor entendimento das

concepções de poder no mundo cosmopolita moderno, refletindo ela própria

numa mudança nas Relações Internacionais (GALLAROTTI, 2013, p.5).

Assim, como uma combinação do soft power e do hard power, o smart

power surge otimizado o poder nacional, por diversificar suas estratégias de

busca. A partir disso, Gallarotti (2013, p.46-52) busca definir uma série de

estratégias e fatores a serem considerados para a utilização do smart power,

sendo uma delas o fato de que o poder não deve ser baseado somente em

recursos, mas sim também em seus outcomes e percepções produzidas pelas

ações de um Estado, tendo como objetivo otimizar a combinação dos

benefícios do soft power com as características baseadas no hard power.

Assim, podemos ver esse calculo de custo beneficio, visando otimizar seu

poder, a ação de um Estado traduzida em seus nichos diplomáticos

(conceito a ser mais desenvolvido à frente), onde aqueles que não possuem

hard power suficiente para se manter no sistema, deve optar por atuar em

áreas temáticas na qual ele tenha uma vantagem comparativa maior, lhe

permitindo uma maior influência no sistema internacional, exercendo

assim, smart power.

Com o recente surgimento do conceito, principalmente em discursos

estadunidenses sobre políticas públicas e políticas voltadas para o Oriente

Médio, vemos uma crescente importância no conceito, no entanto, este foi

pouco desenvolvido teoricamente. Faz-se necessário, então, diminuir a

insuficiência teórica do conceito e estudar suas deficiências, como

Gallarotti faz em seus trabalhos, ‘The Power curse’ (2010), ‘Soft Power:

20

what it is, why is it important, and the conditions under which it can be

effectively used’ (2011), e especialmente em seu mais recente trabalho,

‘Smart Power: what it is, why it’s important, and the conditions for its

effective use’ (2013), para articular o conceito de uma forma mais

sistemática, a fim de que este seja mais proveitoso para os policymakers.

A nova concepção de poder trazida junto com o conceito reflete a

mudança de cenário no qual a política internacional e as relações

internacionais estão inseridas, tendo sido um conceito muito abraçado por

teóricos liberais e teóricos construtivistas. Uma percepção mais perspicaz

do conceito pode aumentar fortemente a influência dos formadores de

política, dando uma vantagem, em relação àqueles que Gallarotti (2013,

p.5) alega que são “vítimas da ilusão do hard power”, uma crítica

principalmente a teorias realistas das relações internacionais.

Segundo o Gallarotti (2013, p. 24-28), a principal diferença entre os

conceitos de soft power e hard power, que tem que ser correlacionados para

compreendermos a existência do smart power, é o seu entendimento à

medida que o hard power extrai o seu cumprimento através da confiança

nos recursos de poder tangível, enquanto o soft Power vai cultivar todos

seus recursos através de formas mais indiretas e não coercitivas, que é visto

como um ‘meta-poder’ onde o poder é relacionado a ele mesmo e as

relações sociais em que está inserido, tal qual como pode ser exemplificado

pela elaboração de novas políticas e ações em que os Estados valorizem uns

aos outros (GALLAROTTI, 2013, p. 27).

Para melhor compreendermos o conceito de smart power, temos que

analisar mais a fundo as fontes catalisadoras do seu corolário, o soft power.

Este, segundo Nye (2004, p.11-14) é fundamentado em suas fontes

domésticas e internacionais.

Em suas fontes domésticas encontramos uma série de características

e comportamentos, tanto culturais, como de suas instituições políticas.

21

Vemos, como fontes domésticas, a necessidade de um comportamento

interno em que o Estado precisa aumentar a percepção de sua legitimidade

perante seu povo, podendo então fortalecer as decisões e objetivos de sua

política externa (NYE, 2004, p.56-57). No que diz respeito à cultura

doméstica, vemos a busca pela criação de uma coesão social em que o

Estado busca oferecer a sua população um estilo de vida atraente em que se

tenha uma qualidade de vida elevada, liberdade de escolhas (também em

questões como status cultural, religioso, racial e étnico), tolerância para

com seus membros e oportunidades suficientes que os permita manter esse

padrão de vida adquirido. No plano doméstico, é necessário também que o

Governo esteja baseado em suas instituições políticas, fundamentado em

um governo democrático constitucional, onde haja um liberalismo político

pluralista (quanto à existência de partidos políticos e diferentes opiniões

vigentes), e que seu aparato burocrático funcione, a fim de que o governo

possa ser operacionalizado com eficiência.

Vendo então as fontes domésticas que fundamentam o soft power é

interessante abordar o conceito de potência civil de Hanns Maull (1990, p.

92). Segundo o autor, o conceito surge no final da Segunda Guerra,

intensificado ao fim da Guerra Fria, com o “surgimento” de um novo tipo

de poder no plano internacional, onde vemos uma diminuição na

importância do hard power e das forças militares frente aos novos desafios

que surgem na área internacional (como instabilidade políticas, luta contra o

terrorismo, problemas ambientais e o tráfico internacional de drogas)

(MAULL, 1990, p. 103).

Uma potência civil busca:

A aceitação da necessidade de cooperação com os outros na

busca de objetivos internacionais; b) a concentração de meios não

militares, principalmente econômicos, para garantir as metas

nacionais, com o poder militar deixado como instrumento residual

servindo essencialmente para salvaguardar outro meio de interação

22

internacional; e c) uma vontade de desenvolver estruturas

supranacionais para tratar de questões críticas da conduta

internacional (MAULL, 1990, p.93).

De acordo com esse comportamento, vemos o quanto o soft power é

baseado em premissas domésticas, dando ênfase a como a interdependência

é aqui também vertical, entre o estado e sua sociedade, buscando o bem

estar social. De acordo com o conceito de Potência Civil, é interessante

identificar essa nova forma de se compreender a política internacional, onde

os valores e a interpenetração entre o estado e a sociedade acabam gerando

uma mudança no bem-estar social onde assuntos econômicos, e sociais

acabam tendo um grande impacto na política internacional de um Estado

para criar uma legitimidade política da ação deste (MAULL, 1990, p.102-

3). Torna-se crucial a compreensão da externalização da consolidação

interna da política e valores da sociedade e sua interferência na política

externa. Identifica-se então, um processo civilizatório, onde vemos a

transposição de valores domésticos para a política externa de um país, como

a solidariedade para com outros, e a noção e sentimento de justiça e

responsabilidade para o futuro do mundo.

Quanto às fontes internacionais, vemos que o empoderamento do soft

Power se dá pelo comprometimento e respeito dos Estados para as leis,

normas e instituições internacionais, principalmente fundamentado em

práticas multilaterais, em detrimento do unilateralismo, e que os Estados

tenham a complacência para sacrificar interesses nacionais em curto prazo

para atingir o bem maior coletivo. Também é necessário, de acordo com

Nye (2004, p.56-57), de que o governo adote políticas econômicas liberais.

Tudo isso deve ser levado em conta um quadro em que a

globalização se disseminou pelo mundo, aumentando assim os efeitos da

interdependência entre os demais atores da política internacional. Isso teve

uma série de consequências, dentre elas, a disseminação de informação e de

23

valores - como a defesa à democracia - onde foi criada uma série de

impedimentos para o uso indiscriminado do hard Power dando um maior

acesso à informação aos tomadores de decisão, fazendo com que estes

passem a levar em conta mais fatores e opções na hora de decidirem sobre

que ações políticas vão tomar, buscando assim, balancear seus recursos de

forma mais calculada.

Com a globalização, também se vê o crescente papel das

organizações e regimes internacionais, sobretudo ao final da Guerra Fria, na

política, incentivando a cooperação entre os Estados, e pondo cada vez mais

novos constrangimentos a certos comportamentos, como o uso da força, e

coerção de outros.

Como mencionado acima, para julgarmos o poder, temos sempre de

analisar o contexto no qual este está inserido, uma vez que este não é algo

imutável, questionando sempre as fontes e as próprias teorias de poder.

Tendo em mente que os tomadores de decisão devem sempre considerar as

múltiplas consequências possíveis ao relacionar poder, uma vez que está

tudo interligado no Sistema Internacional, deve se pensar sempre nos

resultados que uma decisão pode ter em vez de simplesmente em recursos

de poder. O objetivo maior é atingir o smart Power, e isso é feito quando se

busca uma otimização de poder, combinando o hard e soft Power.

Para outros acadêmicos como Chester Crocker4 (2007, p.13), smart

power vai envolver o uso estratégico de táticas de diplomacia, formas de

persuasão, capacitação de pessoal, projeção de poder e de usar a influência,

de modo que esta se torne rentável para o ator em questão, envolvendo,

basicamente, a força militar do aparato estatal assim como todas as suas

formas de diplomacia.

4 Chester Crocker, Secretário de Estado-Assistete Norte Americano, para assuntos africanos, de

1981 a 1989, doutor e mestre pela John Hopkins University em estudos internacionais, e professor

associado e diretor do programa de mestrado da School of Foreign Service da Georgetown

University.

24

2.2. Funcionalismo Liberal

Assim, como dito anteriormente o Brasil não possui recursos

excepcionais de poder latente e outras formas de hard power, logo, para

buscar melhoras os termos de sua inserção no cenário internacional, além

da concepção de poder abordada por Nye (2004, p.1-4), Nossel (2007) e

outros, vista acima, deve-se também explorar um pouco mais o arcabouço

teórico do funcionalismo liberal para compreendermos as relações de poder

e como o Brasil é visto no cenário internacional.

O funcionalismo é uma vertente do pensamento liberal que busca

trazer aspectos empíricos à teoria, observando a realidade para identificar

tendências. Os funcionalistas enfatizam a cooperação e partem de um

cálculo racional de custo x benefício, ou seja, parte-se da lógica de um ator

racional, que maximiza suas utilidades, privilegiando os elementos de

cooperação do sistema internacional. Como pai do funcionalismo, vemos

David Mitrany, em seu trabalho “A working peace system” (1946), escrito

no pós Segunda Guerra Mundial, onde ele busca compreender como, a

partir de agências especializadas de trabalho (tratando de temas

específicos), a cooperação pode aos poucos se alastrar e se aprofundar entre

os Estados. O foco de Mitrany em seu trabalho original era de trabalhar

com organizações temáticas, limitadas, destinadas a cumprir deveres

específicos e como isso pode aprofundar a cooperação entre os Estados.

Os funcionalistas buscam em sua análise, focar seu estudo na criação

das Nações Unidas e seu impacto no mundo. Eles vão observar então a

criação desta e de suas agências especializadas, como é o caso da

Organização Mundial de Saúde (OMS), do Alto Comissariado das Nações

Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para

Alimentação e Agricultura (FAO), e diversas outras agências. Os

25

funcionalistas buscam entender como a partir dessas agências específicas, a

cooperação pode aos poucos se alastrar e se aprofundar no relacionamento

entre os Estados.

De acordo com o funcionalismo, o aprofundamento da cooperação se

daria de uma forma gradual e lenta, porém firme. Ou seja, se começaria

cooperando em áreas temáticas restritas e aos poucos essa cooperação se

aprofundaria e se expandiria, promovendo assim a “paz por partes”

(SCHUMAN, 1952, p.76). Tal cooperação não se daria através somente de

um ato de fé escrito, ela tomaria forma de um corpo vivo através de um

processo orgânico, na medida em que os diferentes atores passassem a

desempenhar funções específicas de uma forma conjunta.

O objetivo principal dos funcionalistas era estudar o

funcionamento das organizações internacionais e analisar como a

criação de agências especializadas no tratamento de questões

específicas das relações entre Estados poderia conduzir,

gradualmente, ao aprofundamento da cooperação (NOGUEIRA &

MESSARI, 2005, P.76).

Tal cooperação, como pode ser observada, é exercida através da

criação de organizações funcionais internacionais, na qual os Estados

escolhem, racionalmente, delegar parte de sua soberania a estas, a fim de

que as organizações pudessem coordenar tarefas que são uma necessidade

comum entre os Estados. Tal tarefa dificilmente seria exercida de forma

efetiva por apenas um Estado, para garantir aquele interesse e necessidade

comum dos demais, por isso a cooperação se dá nesse nível. É importante

atentar aqui, que de acordo com os funcionalistas, a cooperação pela busca

de necessidades comuns entre os Estados nos assuntos de baixa política, ou

em temas não controversos, que também é comumente denominado pelos

funcionalistas de temas apolíticos.

26

A cooperação então é dada de uma forma bem lenta, de modo que os

Estados passem a migrar a sua lealdade não só de seu aparato estatal

doméstico, mas também para as novas organizações internacionais criadas

por eles. Na medida em que as organizações internacionais se revelarem

mais eficientes do que os Estados, na provisão de suas necessidades

materiais, a lealdade vai migrar do Estado para essas agências

especializadas, e transferindo a lógica territorial, que perde peso, em

detrimento da lógica funcional.

Algumas críticas feitas aos teóricos funcionalistas seriam de que está

é uma lógica de jogo soma-zero, no qual Estados não teriam muito a ganhar

com tal cooperação, uma vez que normalmente é necessário abdicar-se de

ganhos pessoais e imediatos em detrimento de um possível ganho comum

no futuro. Outra crítica que pode ser feita é de questionar a lealdade do

Estado frente aos seus cidadãos apenas sobre fatores de baixa política como

necessidades materiais, ou há aqueles que dizem que a lealdade está

fundada em fatores subjetivos e simbólicos como o patriotismo.

No entanto, os funcionalistas dizem que o spill-over é um efeito de

transbordamento de confiança; uma vez iniciada a cooperação em

determinadas áreas temáticas, restritas, e de baixa política, a lealdade e

confiança irão aos poucos se ampliando, transbordando, para outras áreas,

podendo chegar até mesmo aos temas de alta política, confirmando assim a

migração da lealdade para as organizações internacionais especializadas.

É importante ressaltar, que de acordo com autores funcionalistas

como Karl Deutsch e David Mitrany (1946, p.112), o spillover da

cooperação internacional se dá pela promoção do desenvolvimento técnico

se também pela busca por escolhas racionais dos estados para que estes

consigam obter uma vantagem gradual de inserção no sistema, buscando

sempre a escolha racional da busca pela paz.

27

Mitrany escreve logo no contexto de pós-Segunda Guerra e criação

da ONU, principalmente nas décadas de 1940 e 1950. Já na década de 1960,

Ernst Haas começa a formular o que fica conhecido como

neofuncionalismo. Ao revisitar o funcionalismo liberal, busca-se entender

seus pontos mais criticados e as falhas do modelo. A maior mudança então

nessa revisão é o uso de uma abordagem política, antes ausente no

funcionalismo.

De acordo com Haas (1964), os teóricos do funcionalismo

acreditaram em um processo automático da cooperação e integração

regional, marcado fortemente por um otimismo exagerando quanto ao

processo natural e determinista da cooperação e integração. Com isso, Haas

enfatiza a necessidade de uma lógica voluntarista, onde ele questiona a

ideia dos funcionalistas de que a cooperação tem inicio em assuntos

técnicos e sem grande interesse político, para depois avançar para esferas de

alta política.

Para ele, e os demais teóricos neofuncionalistas, é questionada essa

separação entre técnica e política que se tem no funcionalismo. Haas afirma

que não há tal separação, e que justamente por isso não é possível confiar

em um processo natural, automático, que culmina na cooperação de

natureza política. Segundo ele, desde o começo da cooperação o Estado está

presente e determinando as etapas do processo de cooperação. Haas rompe

com essa noção de que pode existir uma separação clara e nítida entre

técnica e política. Os neofuncionalistas vão adentrar nos níveis de análise

do Estado, assim como Nye analisa também fatores domésticos para

entender a noção de poder, e leva em consideração a ação de grupos

(empresários, sindicatos, diferentes ministérios) internos do Estado.

No entanto, uma série de fatores permanece semelhante entre os

autores. Tanto os funcionalistas e os neofuncionalistas conservam o ator

racional, que prezam pela lógica do custo x benefício. Sendo que os

neofuncionalistas vão dizer que o processo é mais truncado (impedido), não

28

é tão natural. O efeito de transbordamento da cooperação também é algo

pensado e almejado pelos Estados.

Nesse sentido, Haas enxerga a dinâmica do spill-over (ou

transbordamento) de uma forma menos fragmentada e mais

dependente do impulso vindo de centros decisórios, incluindo os

próprios governos nacionais. (...) Haas acrescenta um componente

importante ao modelo funcionalista: valores. (NOGUEIRA &

MESSARI, 2005, P.79).

Assim, podemos ver como isso é trazido para o caso em análise, de

que o Brasil, se aprofundando em agências especializadas temas como a

cooperação internacional, a promoção da construção da paz e da cooperação

sul-sul, aumenta a relação do Brasil com outros países através de

organismos temáticos. Isso é visto em órgãos específicos das Nações

Unidas, ou órgãos internos do Brasil, como a Agência Brasileira de

Cooperação (ABC), maximizando o poder do Brasil no sistema

internacional, causando um spill over da cooperação começada em assuntos

de cooperação para temas de alta política como a Segurança Internacional.

2.3. Potências Médias

Além disso, se faz necessária uma análise dos conceitos de potências

médias e potências emergentes a fim de compreender melhor a posição do

Brasil no sistema internacional e seus objetivos e motivações. O conceito de

potências médias pode ser problemático quanto a sua forma de definição,

porém deve ser compreendido, especialmente levando em conta mudanças

na estrutura da ordem global como o aumento de assuntos econômicos, de

meio ambiente e de direitos humanos na agenda global, onde após o fim da

Guerra Fria com a deserção da hegemonia norte americana, faz-se

29

necessário prestar atenção às novas fontes de liderança5 no Sistema

Internacional, vindo de novos polos de poder.

Em meados da década de 1980 surge um debate acadêmico e político

sobre liderança no cenário internacional, sobre o que seria a liderança e

quais seriam as suas fontes. É defendido então, baseado no argumento de

Ruggie (1992) de que houve uma deserção de um ator hegemônico no plano

internacional, fazendo-se necessário voltar à atenção às novas fontes de

liderança que surgem no mundo. Tal liderança na política global pode ser

expressa tanto de forma sistêmica, como doméstica, ou regional.

Neste período os debates acerca da globalização e da

interdependência são intensificados e trazem também consigo a necessidade

de uma maior preocupação com questões específicas, como a da cooperação

internacional e discussões de meio ambiente, economia e direitos humanos,

num momento onde se vê uma grande incerteza e redefinição do papel de

atores “secundário”, vulgo, as não tradicionais grandes potências do sistema

internacional, no processo de cooperação e da redefinição da ordem global.

Tais atores vão passar a ter uma influência não tão irrestrita como se tinha

durante o período da Guerra Fria e agindo de acordo com os poderes

hegemônicos vigentes.

O que há então é uma nova análise na categoria de liderança no

sistema, não uma mudança em sua estrutura. O plano internacional tem

passado por um processo de reformas e mudanças, especialmente no que

cerne a cooperação nas mais diversas agendas internacionais. Logo, nesse

período é sugerido que inúmeros fatores modificam e constrangem a

estrutura anárquica do sistema internacional, sendo necessário levar em

conta as nuances e complexidades das relações entre agente-estrutura e na

sua relação de liderança e capacidade de formulação de políticas de

5 É importante ressaltar aqui que liderança é diferente de hegemonia, sendo está uma forma de

representação de maior conhecimento em áreas específicas, e os líderes de determinadas áreas

podem ser ao mesmo tempo seguidores em outras, logo, não sendo atores hegemônicos no

sistema.

30

diversos estados. Com essa nova redefinição de fontes de liderança, surge

então o conceito de potências médias na literatura das Relações

Internacionais buscando uma melhor compreensão da posição destes no

plano internacional e como isso afeta sua tomada de decisão.

É possível definirmos um país como uma potência média a partir das

seguintes variáveis: Pelo seu lugar na hierarquia do sistema internacional

(normalmente medido por atributos quantitativos, como população, área,

recursos, capacidades militares); pela geografia, sendo a potência média

aquela que se localiza entre grandes potências (estados poderosos em suas

regiões são potências médias no sistema); aqueles com uma posição média

entre ideologias – como mais bem visto na lógica da guerra fria; ou por uma

visão normativa, são aqueles vistos como que tem capacidade de inferir

certa influência diplomática, sem o uso da força (COOPER, 1994, p.17).

Para autores como Glazebrook (1947, p.303), o conceito de

potências médias é definido pelo comportamento dos Estados, tendo o

aparato estatal e suas políticas formadas por três fatores: A sua oposição ao

indevido controle de uma grande potência, a tendência crescente para agir

em conjunto com outros atores, e a influência que eles exercem

individualmente (GLAZEBROOK, 1947, p. 308). Para autores como

Behringer, o papel das potências médias é enfatizado pelo seu exercício de

liderança em agendas como a de segurança humana e na agenda de

operações de paz. Em conformidade com isso, ele acentua a ideia de

middlepowermanship formulada por Cox (1989, p. 826-7) para analisar suas

políticas externas e identificar tendências de comportamento das potências

médias e seus recursos de soft power para se engajar em soluções

multilaterais a problemas internacionais ocupando uma posição

comprometedora no sistema internacional (BEHRINGER, 2005).

Alguns aspectos em comum nas diferentes definições de potências

médias, que também poderão ser observados em Cooper, é a busca destes

para “soluções multilaterais a problemas internacionais”, tomando sempre

31

posições comprometedoras e adotando princípios que defender a noção de

uma boa cidadania no plano internacional, agindo em disputas

internacionais, muitas das vezes como mediadores, como diretriz de suas

políticas externas e relações diplomáticas. Ao analisarmos tais definições,

podemos dizer que o aspecto que melhor define uma potência média é sua

função e comportamento no contexto em que estão inseridos na ordem

global. Essas e outras concepções também são defendidas por diversos

autores e teóricos das ciências sociais, no entanto, permaneceremos aqui

com a visão principal baseada em Cooper (1994, p;19-22), como

mencionada acima.

Com isso, muitas vezes as potências médias são vistas como países

médios responsáveis pela manutenção do equilíbrio e ordem global, e

acabam atribuindo a si próprios tal papel no cenário buscando envolver-se

nos demais temas e agendas. Desta forma, podemos melhor identificar a

essência da atividade diplomática das potências médias de acordo com seu

comportamento. Tal comportamento, também conhecido como

“middlepowermanship” por Cooper, (1994, p.19), é visto como a tendência

das potências médias de buscar soluções multilaterais a problemas

internacionais; tendência de assumir posições comprometedoras em

disputas; e sua tendência em adotar noções de uma ‘boa cidadania global’

para guiar sua diplomacia, tudo isso sendo feito tendo em mente o cálculo

estratégico e racional do interesse próprio desses Estados.

Desde o pós-Segunda Guerra se criou a ideia de potências médias

como ponte entre o ocidente e o oriente, principalmente devido à atenção

diferenciada que esses países dão à mediação e a resolução de conflitos

internacionais através de, como o funcionalismo já falava, de soluções

multilaterais para problemas internacionais, sobretudo quando se deparam

com conflitos regionais com grande chance de se espalharem pelo sistema.

No entanto não se pode ignorar que durante boa parte do período da Guerra

Fria o comportamento de tais Estados encontrou-se fortemente limitado à

32

situações de segurança e geopolítica, fazendo-os trabalhar somente com

assuntos relacionados à operações de manutenção da paz e controle de

armamentos em casos onde não havia um interesse tão forte dos Estados

Unidos e da União Soviética. Muito do movimento das potências médias

era então limitado, tanto no âmbito das Nações Unidas, e principalmente do

seu Conselho de Segurança, como no demais relacionamento entre os países

devido à bipolaridade vigente do sistema.

Com o fim da Guerra Fria as potências médias vêm se tornando cada

vez mais rápidas e flexíveis para respostas políticas. Com o aumento da

interdependência, cada vez mais novas possibilidades foram se abrindo para

as potências médias agirem no sistema. Muitos procuram tentar ocupar o

vazio de liderança que se surgiu no fim da guerra fria, com novas formas de

ação criativa para ocupar posições de liderança, adotando uma posição mais

ativa. Isso se torna possível com o crescimento da importância de assuntos

de “baixa política” na agenda internacional, o que foi muito importante para

tal mudança de comportamento das potências médias. O alargamento da

agenda de segurança foi um fator muito importante, para potências médias a

busca por bem estar econômico era algo tão importante com suas

concepções de integridade territorial, soberania e segurança (COOPER,

1994, p.21).

O que aconteceu no final dos anos 1980 e 1990 foi uma mudança

segmentada do comportamento das potências médias para um

comportamento multifacetado, e não uma busca das potências médias por

uma mudança estrutural de controle de poder. Eles não almejavam a

liderança por coerção ou baseado em suas capacidades econômicas

superiores, mas sim através de iniciativas baseadas em influência e poder de

suas capacidades diplomáticas. Isso é fortemente corroborado pela noção de

poder de Nye (2004, p.1-5), e de soft power, onde vemos a capacidade de

um ator influenciar outros pela atração/cooperação ao invés de coerção ou

de pagamentos e punições. Que também é condizente com o

33

comportamento das potências médias, devido a sua posição hierárquica no

sistema.

Assim, na década de 1990, com o alargamento do conceito de

segurança e a nova dinâmica do mundo no pós Guerra Fria, tem-se a

impulsão do comportamento das potências médias com o aumento da

ramificação e transbordamento (spill over) de assuntos domésticos na

política internacional. Assim vemos tais países adotando um padrão de

comportamento6 em três instâncias: como catalisador de esforços

diplomáticos, tomando liderança e agregando seguidores com base em sua

energia política e intelecto; e um comportamento como Facilitador na

definição de agendas, formando associais coalizões - como uma das

técnicas centrais das potências médias para atingir alguma liderança

internacional (COOPER, 1994, p.24-5). Como pode ser entendido o caso do

Brasil e sua maior participação em foros multilaterais e no CSNU; e

também um comportamento como gerenciador da ordem com ênfase na

construção de instituições e normas – como pode ser entendida, por

exemplo, a iniciativa brasileira de propor o conceito de Responsabilidade ao

Proteger.

Como pode ser percebido acima o termo potências médias é bastante

ambíguo. A fim de melhor elucidar o leitor sobre o conceito e evitar cair

numa tautologia sobre o mesmo, Adam Chapnick (1999) publicou um

trabalho no qual busca esquematizar o conceito para melhor defini-lo. Com

isso, foram criadas três abordagens para o conceito de potências médias,

todas elas partes das seguintes premissas básicas: potência média é um

estado, numa visão estadocêntrica, do cenário internacional que é

basicamente caracterizado por não ser uma potência grande ou pequena. As

três abordagens trazidas então por Chapnick (1999, p.73) são o modelo

funcional, o modelo comportamental e o modelo hierárquico. Para melhor

6 Padrão de comportamento estabelecido com base nas dimensões de Oran Young, em Cooper,

1994, p.12.

34

compreender a definição de potência média através de cada um desses

modelos é preciso ter em mente também clara a definição de potências

grandes e pequenas.

O primeiro dos modelos, o funcional, traz a potência média como

“estados que são capazes de exercer influências em assuntos internacionais

em instâncias específicas e os diferencia dos demais” (CHAPNICK, 1999,

p.74), assim a grande potência é aquele Estado que exerce influência

independente das circunstâncias e a potência pequena é aquele que não

consegue exercer qualquer tipo de influência. No entanto, de acordo com

esse modelo, encontramos o problema de que por ser definido pela sua

influência em determinada instância e circunstâncias, a definição de uma

potência média é limitada pelo tempo e as circunstancias específicas na qual

o Estado consegue exercer sua influência, sendo então um conceito

flutuante. No entanto, tal conceito é muito utilizado, pois dá aos Estados a

oportunidades de exercerem influência e aumentarem seu poder e percepção

no cenário internacional no futuro, uma vez fortemente ligado ao

funcionalismo e a participação dos Estados no multilateralismo e em

organizações internacionais.

O modelo comportamental, tal qual como muito abordado

anteriormente, traz a definição de que potências médias são aqueles que

“buscam soluções multilaterais a problemas internacionais, tomando

posições comprometedoras em disputas internacionais e defendem noção de

uma boa cidadania no plano internacional” (COOPER, 1994, p.19) e

também são aqueles que expressam seus desejo por um maior status

internacional. Bernard Wood caracteriza, dentro desse mesmo modelo,

potências médias como “lideres regionais, mediadores de conflitos, poderes

morais multilaterais e que buscam status” (WOOD, 1988, p.19-20), e assim,

agindo multilateralmente como uma estratégia de perseguir seus objetivos

pessoais no plano internacional. Assim, a partir deste modelo, qualquer

estado pode ser considerado uma potência média, uma vez que este esteja

35

agindo de acordo com o seu comportamento padrão de buscar soluções

multilaterais, tomar posições comprometedoras e defender a noção de boa

cidadania no plano internacional.

O terceiro modelo apresentado é o modelo hierárquico. Segundo esse

conceito, a definição de potência média é uma definição relacional

compreendida entre potências. A maior proposição defendida por aqueles

que defendem o modelo hierárquico é que, como para Holmes (1967), a

classificação de potência média seria uma ferramenta de política externa,

que questionam muitas vezes que esses Estados na verdade seriam melhor

classificados como potências funcionais, isto é: “estados capazes de exercer

influência na comunidade internacional baseado em suas capacidades

relativas, interesses e envolvimento em assuntos específicos em

determinados tempos” (CHAPNICK, 1999, p. 78). O modelo hierárquico

define claramente a relação de potências como sendo sempre estados, e

define as pequenas e grande potências, trazendo as potências médias em

relação à estes, assim, pode-se argumentar que países que são/foram

potências funcionais por muito tempo acabaram merecendo, a partir de

então, o título de potências médias (no entanto, deve-se elucidar que esta é

uma relação muito subjetiva e relativa à analise de cada um).

Vendo que há inúmeros debates sobre a definição do termo, conclui-

se, mesmo que não haja uma única definição aceita, o termo faz-se

necessário para que vejamos a busca por interesse e significado político ao

termo, onde adquirir o status de potência média é tem se tornado um

símbolo de poder na comunidade internacional (CHAPNICK, 1999, p.79).

O simples fato de um estado passar a se denominar como uma potência

média já traz consigo uma ideia de como este pretende se portar e se

promover para manter ao menos a ilusão de um exercício de influência na

esfera internacional.

Dentro da categoria de potências médias, vemos também a categoria

de potências emergentes que são mais comumente definidas como aqueles

36

países que atingiram o status de potência média somente depois do fim da

Guerra Fria e que frequentemente é internamente menos consolidado e

situado na tradicional periferia global, o que é o caso do Brasil. As

potências emergentes, diferentemente das potências médias tradicionais

como a Austrália ou o Canadá, costumam ter uma atitude muito mais

ambivalente seguindo mais instrumentalmente seus interesses próprios nas

organizações internacionais.

Ao analisarmos pela perspectiva geográfica dentro do aporte das

potências médias, que podem ser países pequenos até dentro de sua própria

região, o contraste com a potência emergente, que frequentemente se baseia

num papel de liderança ou preponderância regional em casos onde se há

uma relação complicada com a região onde está inserido. O que mais uma

vez, vemos o Brasil como um ótimo exemplo de potência emergente. E

como dito anteriormente, o caso da potência emergente é aquele em que o

país pode ser muitas vezes ao mesmo tempo seguidor no sistema global,

enquanto é líder em sua região.

Assim, a fim de relacionarmos ainda mais as teorias e conceitos

apresentados até agora, vemos no funcionalismo a literatura de nichos

diplomáticos. Nesta, é possível observar onde um país pode ser grande

demais para não agir em nenhuma área ou agenda do sistema internacional,

mas ao mesmo tempo é pequeno demais para agir em todas estas (como

seria diferentemente o caso de uma grande potência que teria capacidade

para tal). Assim, precisa-se de um critério em que se permita que os

princípios daquele país sejam traduzidos em ação concreta (COOPER,

1994, p.25). Isto é, o país irá optar por atuar em áreas temáticas onde a sua

vantagem comparativa é maior e lhe permite uma maior influência no

sistema internacional, essa literatura, de áreas temáticas privilegiadas é

conhecida como nichos diplomáticos.

A literatura de nichos diplomáticos pode ser vista como uma forma

de exercer smart power, pois há uma combinação estratégica de atuação

37

onde o país é capaz de exercer mais influência. Um exemplo típico de nicho

diplomático de potências médias e o que será abordado ao longo do

trabalho é a resolução de conflitos, em particular a forte participação em

operações construção da paz e Cooperação Internacional para o

Desenvolvimento, do Brasil no campo da Cooperação Sul-Sul.

2.4. Metodologia

O Brasil vem, ao longo do tempo, buscando uma maior participação

no cenário internacional, almejando tornar-se um global player. Sendo

assim, a partir de uma abordagem racionalista, procurar-se-á identificar

como o Brasil vem buscando se inserir mais ativamente em temas que

possuem algum efeito na área de segurança para se tornar um global player

no sistema internacional. A partir então da lógica de consequência e da

lógica da adequação7 das ações brasileiras, será colocada a análise da

hipótese de que o Brasil Busca maximizar o efeito de sua inserção na área

de segurança, com o objetivo de aumentar a sua influência em órgãos de

decisão ligados a esse conceito.

No entanto, deve-se deixar claro, que mesmo de acordo com March e

Olsen (1998), essa lógica pode se sobrepor. Na política essas lógicas:

Não são mutualmente excludentes. Como resultado, a ação

política geralmente não pode ser explicada exclusivamente em termos

de uma lógica e sua consequência, ou adequação. Qualquer ação

específica provavelmente envolve elementos de ambas. Atores

políticos são constituídos por ambos seus interesses, os quais eles

avaliam suas consequências esperadas, como pelas regras

7 Segundo March & Olsen (1998, p.949-52), a lógica da consequência é aquela onde a ações dos

atores é movida pela expectativa de sua consequência frente outros atores e coletivos, enquanto a

lógica da adequação, não lida diretamente com a consequência das ações de um ator, e sim que

este é motivado pelo que o mesmo acha apropriado como comportamento, agindo diferentemente

em situações particulares, levando em conta seus valores, princípios étnicos, aspirações, seu papel

em determinado local, e aquilo que lhe é esperado de se fazer, baseado nas normas.

38

incorporadas em suas identidades e instituições políticas. Eles

calculam as consequências e seguem regras, e a relação entre os dois

é muitas vezes sutil. (MARCH & OLSEN, 1998, p.952).

Essa busca por se tornar um ator proeminente no campo de

segurança é interessante não pelo fato do Brasil almejar se tornar

propriamente um país mais ativo em assuntos de segurança, mas sim por ser

a forma de buscar influência no sistema internacional. O campo de alta

política, segurança, é a maneira como o Brasil pode obter mais influência e

barganha de poder que vem junto da ideia de segurança no sistema

internacional anárquico, no entanto, é importante ressaltar que o Brasil não

tem meios fortes de segurança e assim está querendo produzir uma inserção

na área com meios não tradicionais de segurança. Assim, a estratégia para

tal inserção se dá através do smart power, onde o Brasil investe em áreas

onde tem muita experiência e vantagem comparativa para se obter um

maior retorno no investimento de capital diplomático.

Deve-se levar em conta a relevância político-teórico que vem sido

atribuída ao conceito de smart power. Tal conceito começou a ser mais

discutido e operacionalizado nas Relações Internacionais a partir da política

externa norte americana, tendo Joseph S. Nye (2007), como um de seus

fundadores. Logo, a análise a ser feita se mostra inovadora no quesito de

abordar tal conceito no que cerne a análise feita a partir de uma potência

emergente, e não como uma estratégia de grande potência, como foi visto

pela criação do conceito como uma política dos Estados Unidos.

A fim de ocupar uma nova posição no sistema, o Brasil persegue

objetivos como: a busca por um assento permanente no Conselho de

Segurança das Nações Unidas e uma maior participação em órgãos dessa

natureza. Para isso ele deve se mostrar como um ator mais ativo em

assuntos de segurança. Devido ao seu baixo hard power, será então

analisada em vista do conceito de smart power como corolário do soft

power, identificando como o Brasil vem abordando temas no qual ele

39

possui vantagem comparativa perante aos demais para obter um maior

capital diplomático influenciando o campo da Segurança, sendo esses temas

a cooperação internacional para o Desenvolvimento, no âmbito de ações da

Agência Brasileira de Cooperação (ABC), cooperação Sul-Sul, participação

em operações de paz promovendo a construção da paz e a sua atuação em

debates de intervenção e questões de operações de paz colocando o Brasil

como um empreendedor de normas no sistema. Assim, o Brasil segue uma

cultura estratégica na qual ele busca fazer segurança sem fazer segurança no

sentido em que busca demonstrar ser ativo em assuntos de segurança sem

ter os meios para tal (hard power), fazendo então segurança através do

smart power.

Devido a grande amplitude e abordagens possíveis para esse

argumento, optou-se nesse trabalho, por focar a busca brasileira por smart

power no campo de segurança. Assim, será visto que o Brasil busca atingir,

como estratégia política, focar em atividades no qual ele possui vantagem

comparativa em relação a outros países, mas que possuem efeito no âmbito

da segurança como a sua participação nos debates acerca das operações de

paz junto às Nações Unidas, a elaboração de novas normas humanitárias,

como visto pela proposta de criação do conceito de “responsabilidade ao

proteger”.8 Além disso, será vista também, a participação brasileira em

Operações de Paz e seu engajamento e comprometimento no envio de um

maior contingente de tropas e pessoal qualificado para tais missões, tendo

como respaldo um crescimento de suas capacidades de hard power9 (como,

por exemplo, com a criação do CCOPAB10

, e o aumento da participação da

política brasileira em operações de paz) em operações de construção da paz

trabalhando para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e

como isso possibilita o Brasil a melhorar os termos de sua inserção no plano

internacional como um global player.

8 Responsibility While Protecting (RwP em ingles).

9 Respaldo esse em instâncias como o aumento do aprendizado, profissionalização, capacidades e

novas formas de exercício de táticas militares. 10

Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil.

40

Para tal análise, será trabalhado então, com uma pesquisa qualitativa

– a fim de descrever, analisar e interpretar os fenômenos da atualidade -, e

um método de abordagem dedutiva, no qual a partir do raciocínio lógico

chegar-se-á em uma conclusão a respeito de determinadas premissas,

baseadas na teoria de Nye (2004; 2007) e do seu conceito de smart power,

que será posta em análise (GIL, 2002).

Assim, faz-se necessária a criação de alguns indicadores, a fim de

identificarmos quando e como o smart power se manifesta. Todavia, como

o conceito foi criado por formuladores de política à serviço do governo dos

Estados Unidos, muito do que existe sobre a base de como o smart power se

manifesta é de acordo com os objetivos estratégicos do próprio país. Deste

modo, ao aplicarmos o conceito para potências médias e emergentes é

necessário ter em mente que estes não o estão utilizando como uma

estratégia política complementar ao uso de hard power, como é o caso dos

Estados Unidos, mas sim como um complemento à sua força política

justamente por não possuírem hard power (ver Tabela 2) o suficiente para

se pautarem somente neste no plano internacional. O que pode ser dito,

sobre as potências médias e emergentes, é que a lógica de poder é aplicada

nesse caso é diferente. Estes, ao buscarem smart power estão fazendo de

uma necessidade (da falta de hard power), uma virtude, para poderem se

tornarem atores mais influentes e suprirem a sua falta de hard power no

cenário internacional. Assim as ações e comportamento do Estado poderão

ser diferentes, assim como os indicadores utilizados para identificar as

condições de manifestação do smart power.

É importante identificar que tipo de comportamento e contexto o

Estado está inserido para decidir fazer uso do smart power. Assim, as

condições que possibilitam tal escolha se dão pelos seguintes fatores.

Primeiramente, o Estado encontra-se num lugar onde o custo de uso do

hard power tornou-se muito alto, logo não é prudente que se faça uso deste

– o que passou a ser um paradigma bem claro desde meados da década de

41

1990. Além disso, nesse mesmo contexto, vê-se o crescimento da

democracia na ordem global desincentivando o uso do poder latente – o que

ocorre principalmente no caso de países que já possuíam muito hard power,

como os Estados Unidos. Uma terceira condição que incentiva o uso do

smart power é o aumenta da interdependência e da propagação de valores

sociais e econômicos modernos que incentivam cada vez mais o desuso do

hard power. Nisso a institucionalização e o papel das Organizações

Internacionais passam a ganhar um papel cada vez mais forte, incentivando

cada vez mais a cooperação entre os Estados, dificultando e deslegitimando

ações coercitivas através do uso da força.

A definição deste cenário já faz com que possamos entender um

pouco mais a opção do uso do smart power, e um pouco dos valores e

cultura que o regem. É necessário destacar que depende muito do contexto e

da combinação de uso entre hard e soft power para se ter o smart power,

podendo mudar de acordo com tempo, ator que o utiliza e seu espaço no

cenário internacional. Para ficar mais claro, temos que ter em mente a

concepção de que o smart power é um processo, uma abordagem de como o

poder será exercido e diferenciado, tendo sempre objetivos e agendas a

serem atingidos.

De acordo com Pallaver (2011, p.107) devem ser seguidos os

seguintes passos para identificar smart power e o comportamento de seus

atores. Primeiramente, deve-se buscar um entendimento do contexto em que

o poder está inserido, para compreender a balança de poder e as diferentes

intensidades do uso do hard e do soft power, verificando então a

possibilidade de se aplicar o smart power num cenário institucional

específico, no qual busca-se alianças e parcerias para definir novas

políticas, que se faz necessário para se ter um melhor entendimento dos

objetivos que tal Estado pretende atingir. Lembrando que o smart power

busca atingir metas para o bem público global que vai fazer com que a

influência e legitimidade daquele autor aumente no cenário internacional.

42

Tentaremos definir como alguns dos possíveis indicadores os

seguintes: a busca pelo comprometimento com o multilateralismo,

analisando o envolvimento e participação do Estado em Organizações

Internacionais; a busca pelo desenvolvimento, cooperação e parcerias com

os demais atores; a busca pela integração de todos os instrumentos de

poder, sendo eles hard ou soft; a elaboração de uma agenda política

doméstica buscando reformas institucionais e reforço da presença da

política externa no cenário internacional prezando pelo bem publico global.

Como o smart power é o uso de toda a gama de ferramentas de poder

disponíveis, devemos considerar então a economia, diplomacia, força

militar, cultura e aparato legal como possíveis fontes desse poder, logo o

smart power será atingido quando estes forem utilizados na melhor

combinação possível para cada situação. Assim, o foco nas áreas de

vantagem comparativa, e de nichos diplomáticos é uma forma a qual uma

potência média tem maior chance para sucessor de obter smart power e

assim aumentar sua influência e legitimidade na esfera internacional.

O foco em nichos diplomáticos depende muito da especialidade e

vantagens comparativas de cada país e em cada circunstância, tendo de ser

avaliado caso a caso. Alguns exemplos, são a busca por diplomacia cultural,

que é responsável por criar projetos onde a cultura e valores de um país são

difundidos, visando sua inserção internacional. Através da diplomacia

cultura, busca-se a criação de uma sintonia entre projetos domésticos e

sociais, com projetos internacionais, levando em conta também o poder da

sociedade civil e sua aceitação (tendo a política interna como um forte

determinando para a política externa), que sob a lógica funcionalista liberal

é um exemplo do transbordamento de influência através da cooperação ente

os Estados.

Ao buscar entender o momento presente no qual o Brasil busca

aumentar seu status de poder no sistema internacional, como em um

momento de redistribuição de capacidades do mesmo, será analisada a

43

elaboração de sua estratégia política, tendo como principais fontes de

análise a participação brasileira com operações de construção da paz, como

é o caso da atuação do Brasil na MINUSTAH, projetos de cooperação

realizados pela ABC, principalmente no eixo da Cooperação Sul-Sul,

pronunciamentos oficiais do governo e do Ministério do Exterior, a fim de

identificar as intenções do governo brasileiro.

Com isso o trabalho será dividido em cinco etapas: Primeiramente

foram mobilizados, através de pesquisa bibliográfica, os principais

conceitos pertinentes para essa análise. A partir da literatura de potências

médias emergentes veremos o conceito de Nye acerca do smart power, para

então relacionarmos como a análise da teoria do funcionalismo liberal,

como parte do arcabouço teórico para abordarmos como as práticas de

smart power transbordam para o campo de segurança.

Após tal revisão de literatura teórica, na segunda etapa, abordarmos

um procedimento de investigação tipológico, no qual será visto, como

expressão dos aspectos significativos da realidade de uma potência média e

sua subcategoria de potência emergente, a literatura de Operações de Paz,

como avançaram, tanto na parte prática, como sua evolução e debates

normativos, abarcando diversos documentos importantes para as Nações

Unidas. Assim, a segunda parte será concluída relacionando isso com as

teorias anteriormente vistas, e como isso pode se tornar um instrumento de

smart Power.

Na terceira parte, será elaborado um histórico evolutivo da

Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) e focando mais

especificamente na Cooperação Sul-Sul (CSS), para então, depois de tal

levantamento, tal qual como na sessão anterior, poder relacionar os

impactos disso com a lente teórica abordada, permitindo identificar como a

cooperação permite o transbordamento temático para a área de segurança.

44

Após essas três etapas, o trabalho entrará no estudo de caso do

Brasil, abordando então suas estratégias políticas, contrastando suas

características com o comportamento de uma potência emergente e assim

colocarmos em análise os nichos diplomáticos brasileiros da cooperação

sul-sul e da atuação em operações de paz para focar na hipótese de que o

Brasil Busca maximizar o efeito de sua inserção na área de segurança, com

o objetivo de aumentar a sua influência em órgãos de decisão ligados a esse

conceito. Isso será feito através da pesquisa documental que irá mobilizar

uma série de documentos, de acordo com as estratégias brasileiras em soft e

hard power. Serão, então, analisados desde discursos em fóruns das Nações

Unidas até noticias e declarações governamentais relacionadas à

participação e discussão brasileira em Operações de Paz, dialogando com

fontes secundárias (artigos acadêmicos) para identificarmos o cálculo

estratégico brasileiro (como artigos falando da importância e participação

em projetos para Cooperação Internacional para o Desenvolvimento,

mobilização de força brasileira para treinamento e participação em

operações de paz, e artigos problematizando e apresentando a atuação

brasileira nas Nações Unidas, ou propondo a criação e repensando o

conceito de RwP).

Isso tudo será feito a fim de, em sua quinta e última etapa,

identificar, na conclusão, as estratégias brasileiras para garantir uma maior

inserção e participação, com melhores termos, no cenário internacional, e

compreender como o Brasil vem buscando sua maior inserção no cenário

internacional para se tornar um global player ativo através de uma visão

funcionalista e com estratégias de smart power. Espera-se, a partir dessa

pesquisa chegar a identificar tal pratica brasileira e possivelmente

recomendações de como, e se, o Brasil deve continuar com tal estratégia,

caso seja identificado que a mesma tem se mostrado sucesso, mesmo que

em fase inicial.

3. Cooperação Sul-Sul

3.1. Cooperação Internacional para o Desenvolvimento

Embora já tenham existido antecedentes que se remontam à ações de

assistência ao desenvolvimento anteriormente, a Cooperação Internacional

para o Desenvolvimento (CID) tem como marco de seu início o fim da

Segunda Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria, marcado por um

contexto de crescimento econômico sem precedente que se deu nas décadas

seguintes.

Assim, as primeiras menções á cooperação surgem com a

conferência de Bretton Woods, que resultou na criação de mecanismos

auxiliares para a promoção do desenvolvimento, como o Fundo Monetário

Internacional, o Banco Mundial e práticas econômicas que buscavam a

reconstrução da Europa no pós Segunda Guerra.

Até então, principalmente nas décadas de 40 e 50, grande parte da

cooperação ocorria de forma bilateral, seguindo a lógica desenvolvimentista

de que os países desenvolvidos, baseando-se em sua lógica de crescimento

e padrões econômicos, viam o “subdesenvolvimento”, como eles mesmos o

classificavam, como uma falha econômica, logo, a cooperação nessa época

se dá majoritariamente pela transferência de recursos e compra e venda de

bens e servidos do país doador (LEITE, 2012, p.9). Sob essa ótica, o

desenvolvimento era então visto a partir dos países industrializados e

desenvolvidos como uma noção de progresso histórico, no qual os países

subdesenvolvidos ainda tinham um caminho a trilhar para fazer os mesmos

passos e um dia chegar ao patamar dos países desenvolvidos. Isso ficou

conhecido como a teoria da modernização, onde é classificado o estado de

46

subdesenvolvimento colocado numa lógica de busca por sua superação para

o modero (MORAES, 2006, p.43).

Localizada no contexto da Guerra Fria, muitos países buscaram o

desenvolvimento e ajuda militar a outros países condicionados fortemente à

ideologia e ao interesse políticos e econômicos da época, como foi o caso

de muitos dos países socialistas, que buscavam atrair a influência de outros

Estados com regimes “amigáveis” para sua ideologia (MAWDSLEY, 2012,

p.48). O mesmo ocorria com o mundo capitalista, onde se instaurou o Plano

Marshall, que apoiava a reconstrução de diversos países da Europa e no

mundo, assim foi criada a Organização Europeia de Cooperação Econômica

(OECE), para supervisionar os recursos concebidos pelo Plano Marshall.

No âmbito multilateral, a cooperação surge com a criação das

Nações Unidas, que tenta estrutura-la pela primeira vez, com o lançamento

do Programa de Assistência Técnica em 194811

, englobando o conceito na

nova arquitetura multilateral pós Segunda Guerra. A criação de agências

especializadas e acordos para a cooperação, no entanto, não se deu somente

nesse âmbito. Nesse primeiro momento a ideia predominante acerca da

cooperação nas Nações Unidas se limitava a criação de instituições efetivas

para que uma sociedade pudesse se desenvolver e se reconstruir no pós

Segunda Guerra e atingir a autonomia.

Ao longo dos anos essa visão acerca da cooperação logo se

modificou, muitos autores começaram a criticar a noção de teoria da

modernização seguida pelos países do Norte global12

e questionando a

noção de “progresso“, e a ideia de que o progresso atingido por alguns

países do ocidente não seria a única opção viável de evolução e

11

Resolução 304 da 4ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em: <

http://daccess-dds-

ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/051/23/IMG/NR005123.pdf?OpenElement >. Acesso

em 11 set 2014. 12

Como foi o caso de Claude Lévi-Strauss em sua obra Race et Histoire (1952), onde ele vai falar

que o tempo “progresso” não é nem necessário nem algo continuo, que não é adequado para

representar a realidade. Segundo ele, a humanidade em “progresso” não pode ser comparada a

subida de degraus em uma escada para chegar em um panorama superior (p.18).

47

desenvolvimento para outros países. Durante as décadas que se seguiram,

principalmente nas décadas de 1970 e 1970, muito mudou, com o grande

movimento de independência dos países da África e da Ásia, passou a se

optar mais para que a cooperação ocorresse no âmbito de instituições

multilaterais.

Criado em 1965, com base no Programa Ampliado de Assistência

Técnica das Nações Unidas e no Fundo Especial das Nações Unidas, de

1958, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),

para servir com uma rede de desenvolvimento global da ONU, que busca

dar apoio à processos nacionais que buscam acelerar o desenvolvimento

humano trabalhando com redução da pobreza, governança democrática,

recuperação e prevenção de crises, e meio ambiente e desenvolvimento

sustentável (UNDP, s.d.).

Imerso às críticas da teoria da modernização, começa a surgir o novo

paradigma de desenvolvimento baseado nas “necessidades humanas

básicas” (NHBs), dando grande atenção a questões da pobreza e o

entendimento de que o crescimento do PIB nas economias que estavam

sendo investidas, não necessariamente estava incluindo a população pobre

nesse “progresso” e que as NHBs não estavam sendo atingidas (LEITE,

2012, p.11). A abordagem das NHBs logo tornou-se dominante, mesmo que

não tendo uma grande aceitação, em primeira instância, dos países

beneficiados. Criaram-se programas sociais, como a campanha Freedom

from Hunger da FAO13

na década de 1960, e outros que buscassem a

erradicação da pobreza, para suprir as NHBs, assim como este estava

presente na criação do PNUD.

13

A campanha Freedom From Hunger da FAO iniciou-se em 1963, como parte da iniciativa das

Nações Unidas de declararem a década de 60, como a década do desenvolvimento, buscando

formas de aumentar a produção mundial de alimentos, proteção de terras de cultivo, e também

incentivando a arrecadação e investimentos na busca pelo fim da fome mundial. Mais informações

sobre a campanha encontram-se disponíveis em:

<http://www.fao.org/docrep/f3200e/f3200e01.htm>. Acesso em 12 set. 2014.

48

Porém, os Estados do “Sul”, em sua maioria os receptores da ajuda

internacional, em muito se colocaram contrários à nova abordagem de

desenvolvimento das NHBs, pois viam aquele modelo como insustentável

que priorizavam o crescimento urbano, onde as elites viviam, e onde os

países doadores direcionavam sua ajuda. No entanto, essa abordagem em

muito negligenciava a parte rural das cidades.

Também na década de 1960 foi criada a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tinha como

objetivo a formulação de políticas comuns acerca da cooperação

internacional para o desenvolvimento. Em sua estrutura organizacional, foi

criado o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD) para coordenar

as políticas e práticas dos programas de governo de seus países membros

para a assistência internacional. Vemos na OCDE grande parte da CID

ainda sob a logica de cooperação vertical ou CNS (GOMES, 2013, p.31-

32).

Com o decorrer dos anos, após os choques do petróleo na década de

1970, a desaceleração do crescimento industrial diminuiu

consideravelmente, e em concomitância também houve uma redução na

ajuda internacional, que vinha ocorrendo em grande peso nas últimas três

décadas. No entanto, com a inclusão de uma série de novos temas ao

discurso pró-desenvolvimento, como a promoção de transições econômicas

e políticas, prevenção de conflitos, etc., a partir da década de 1980,

retomou-se a quantidade de recursos destinados para ajuda estrangeira (ver

Tabela 1) principalmente no âmbito multilateral. Com o fim da Guerra Fria,

isso aumentou ainda mais, com a introdução de ainda mais temas, como

meio-ambiente, população, papel da mulher e outros; como pode ser

observado na Tabela 1 (ESCOBAR, 1995, p.154-160).

A década de 1990 foi uma década muito conturbada, com muitos

debates acerca da cooperação e ajuda internacional. Uma distinção muito

importante de se fazer é a distinção entre cooperação e ajuda/assistência,

49

em meados do século XX essa distinção era muito pouco feita. A

diferenciação da linguagem nesse caso traz uma análise bem interessante.

Enquanto menciona-se desenvolvimento para ambos os casos não há como

ter um discernimento em relação a como isso é feito. Ao falarmos de

ajuda/assistência pressupõe-se uma hierarquia assimétrica entre os doadores

e os receptores, e também é uma linguagem incumbida de valores morais,

tal qual como o sentimento de “progresso”, muito criticado na teoria da

modernização. Já ao falarmos de cooperação, pressupõe-se uma

característica de maior horizontalidade e de projetos e iniciativas

multilaterais, onde se buscam relações de benefícios mútuos entre as partes

participantes.

As inúmeras agências de desenvolvimento passam a englobar uma

enorme gama de assuntos, temáticas e ocasiões em que eles devem atuar

inclusive situações de emergência e pós-emergência, que até então era

compreendido majoritariamente como área de atuação das organizações de

emergência e ajuda internacional, abrindo espaço para um aumento do

número de recursos oficiais que passam a ser destinados para o

desenvolvimento.

Foi retomada a atenção internacional no âmbito das Nações Unidas

sobre temas de desenvolvimento e da busca pelas NHBs, tendo como marco

a elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (também

conhecido como Metas do Milênio), trazendo uma série de compromissos,

com a busca pela erradicação da pobreza, igualdade dos sexos, redução da

mortalidade infantil, prover educação básica universal, dentre outros. As

metas do milênio foram criadas a partir do Grupo de Desenvolvimento das

Nações Unidas (UNDG, em inglês), que foi estabelecido em 1997 pelo

Secretário-Geral, Kofi Annan, unindo 32 fundos das Nações Unidas, como

a FAO, PNUD, UNICEF, e outros, que buscam fortalecer e aumentar a

cooperação entre as agências da ONU, para buscar objetivos

50

internacionalmente aceitos para a promoção do desenvolvimento (UNDG,

s.d.).

De acordo com uma série de indicadores pré-estabelecidos, viu-se

que muitas das metas não poderiam ser cumpridas no prazo estipulado (até

2015) e com isso, novas discussões surgiram a cerca do desenvolvimento.

Criou-se então, na Assembleia Geral, a Agenda Pós-2015, onde se discute a

necessidade de aumentar, ou de diminuir o número de metas, envolvendo a

discussão do que se busca e qual é o escopo do desenvolvimento buscado

pelo programa (ECOSOC, s.d.), que tem como um dos principais órgãos

conselheiros o UNDG.

No âmbito de discussões internacionais, muito se foi criticado a

cerca dos programas de desenvolvimento, e vemos também o aumento na

busca por participação de países emergentes e menos influentes no sistema

internacional querendo ter uma participação maior em tais programas.

Como grande parte dos recursos destinados ao desenvolvimento e a ajuda

internacional era proveniente principalmente de países como os Estados

Unidos, e outros países já considerados desenvolvidos, como Canadá,

Suécia, dentre outros, surge a plataforma da Cooperação Sul-Sul onde os

países emergentes podem agir com maior força e influência no cenário

internacional, focando em alguns de seus nichos diplomáticos para trabalhar

com a cooperação e desenvolvimento.

3.2. A Cooperação Sul-Sul

“South-South cooperation is a broad term used to describe diverse

types of co-operation among developing countries. The more

significant are: co-operation among developing states in multilateral

negotiations with the developed countries; promotion of South-South

trade; the development assistance”

Bobiash, 1992, p.6

51

Durante a Guerra Fria teve-se um grande movimento de

descolonização, principalmente de países da África e da Ásia, aumentando

exponencialmente o número de países membros das Nações Unidas. Com

isso, e com o debate de desenvolvimento à tona, os chamados países do “sul

global” passaram a ser vistos como um grupo específico e com alguns

interesses articulados, como o seu desenvolvimento através de estratégias

multilaterais (GOMES, 2013). Em 1955 ocorre o primeiro esforço em prol

de uma união desses países e do que passou a ser conhecido como o

Movimento dos Não-Alinhados (MNA) (que só veio a ser oficialmente

criado em 1961 na Conferência de Belgrado), onde passaram a existir

demandas dirigidas a organizações internacionais por parte desse novo

grupo.

Como antes mencionado por Escobar, (1995, p.154-160), o MNA

defendia que o desenvolvimento não deveria ser entendido como um

processo único, e sim algo de poderia ser atingido de diversas formas, além

de estabelecerem dez princípios para guarem a cooperação entre os países

do sul global, dentre eles vemos o respeito dos direitos humanos, a busca

pelo multilateralismo, o reforço do direito de soberania dos povos,

resolução de conflitos e disputas internacionais por meios pacíficos, e que

se defendesse a promoção do interesse mútuo e cooperação entre suas

partes (FINAL COMMUNIQUE OF THE ASIAN-AFRICAN

CONFERENCE OF BANDUNG, 1995), legitimando suas práticas, e uma

das grandes bases da Cooperação Sul-Sul, que surge fazendo frente ao

modelo vigente de Cooperação Norte-Sul imbuído na lógica de ‘doador e

receptor’, que não havia necessariamente uma troca de interesses mútuos

entre as partes.

Isso pode ser visto como uma prática, onde a cooperação entre os

países do Sul buscam desenvolver seus nichos diplomáticos através do

spillover de cooperação e do compartilhamento de valores e interesses de

52

mútuo beneficio. Esses países podem optar por focar somente nas áreas

onde possuem vantagem comparativa em relação aos outros, uma vez que

estes ainda não são países grandes o suficiente para atuarem em diversas

áreas, logo complementando o interesse um do outro e cooperando entre si,

os países no eixo da cooperação sul-sul estão aumentando sua participação

no cenário internacional enquanto se desenvolvem, o que pode ser

considerada uma estratégia de smart power.

No plano multilateral, os países em desenvolvimento, ou os países do

sul global, encontravam-se muito insatisfeitos, apesar de muitos serem

recém independentes, estes logo foram trazidos para o lógica bipolar

vigente durante a Guerra Fria, tendo sempre seus interesses subjugados

frente aos dos EUA e URSS, no entanto, com a criação da Conferência das

Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), reúne-se

pela primeira vez no âmbito da ONU, um grupamento de países em

desenvolvimento, que buscava uma maior articulação e cooperação entre

suas partes. Reúne-se pela primeira vez, então, o Grupo dos 77 (G77), que

buscava institucionalizar a cooperação entre estes, que só se concretizou em

1988, com o estabelecimento do Sistema Global de Preferências Comerciais

entre Países em Desenvolvimento (LEITE, 2012, p.15).

Com o crescimento da economia dos países do Sul, muitos acabaram

migrando de receptores de ajuda, para potências econômicas emergentes

que buscam assumir uma maior responsabilidade na promoção do

desenvolvimento. Estes países focaram muito na cooperação para a busca

de um desenvolvimento humano sustentável no Sul Global e redefinir a

lógica e estrutura da cooperação para o desenvolvimento internacional, que

vão fortemente de encontro com o comportamento de um país que deseja

exprimir smart power no cenário internacional. No entanto deve-se ter claro

que o percentual de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD) dos

países que não participam do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento

53

(CAD), ainda é muito baixo para representar uma parcela significativa dos

países do Sul Global (QUADIR, 2013, p.322).

Em relação ao CAD, que compõe a estrutura da OCDE, este foi

criado com o objetivo de coordenar políticas e práticas dos programas de

governo de seus países membros, para a cooperação para o

desenvolvimento, no entanto, o que é observado é que estes são em sua

maioria os tradicionais doadores do Norte que mantem a lógica de doador-

receptor que a CSS vem buscando romper. De acordo com a OCDE, o

desenvolvimento dos países emergentes deve ser feito através da AOD –

por países membros do CAD14

, que em sua maioria são países do Norte -

que é definida como:

Fluxos para países e territórios na lista do CAD de

beneficiários dos beneficiários da AOD, e para as instituições

multilaterais que são:

i. fornecida por órgãos oficiais, incluindo os governos

estaduais e locais, ou através por suas agências executivas; e

ii. Cada transação das quais:

a) é administrada com a promoção do desenvolvimento

econômico e bem-estar dos países como principal objectivo o

desenvolvimento; e

b) é concessional em caráter e transmite um elemento de

doação de pelo menos 25 por cento (calculada a uma taxa de

desconto de 10 por cento) (OCDE, 2008b, p.1).

Sob essa definição, vemos que é reafirmada a lógica vertical da

Cooperação Norte-Sul, com um caráter de doação aos “beneficiários” –

reforçada constantemente pelas classificações utilizadas em seus relatórios

de termos como ‘prover assistência’, ‘beneficiários’, e ‘doadores’15

-, em

14

São membros do CAD: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia do Sul,

Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Japão,

Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e

União Europeia. 15

A utilização desse vocabulário pode ser percebido em diversos documentos que estabelecem as

diretrizes do CAD, como, por exemplo, no ‘DAC Guidelines and Reference Series’, disponível

em: < http://www.oecd-ilibrary.org/development/dac-guidelines-and-reference-series_19900988>.

Acesso em 17 out. 2014.

54

vez de uma cooperação em pé de igualdade entre as partes, de modo que

estes sejam vistas como agentes parceiros, numa cooperação horizontal, que

a CSS busca construir.

Uma questão muito importante ao estudarmos a abordagem da

Cooperação Sul-Sul é o desejo dos países do Sul Global em modificar a

estrutura de cooperação e desenvolvimento vigente, mudando da lógica

condicional de ajuda, para uma abordagem baseada nos princípios de

igualdade, parceria e interesse mutuo entre as partes, que é a ‘cooperação

horizontal’ entre os países do eixo sul global. Isso pode ser chamado de

‘desenvolvimento alternativo’, onde é dada voz às preocupações de ambas

as partes e possibilita que os países desenvolvam estratégias mais

abrangentes para a industrialização promovendo reformas políticas,

segurança alimentar e na criação de novas instituições para um novo regime

de ajuda global, no entanto como isso é feito varia de país, para país de

acordo com seus interesses, disponibilidades (QUADIR, 2013, p. 331) e

nichos diplomáticos. Assim, podemos ver a cooperação sul-sul como uma

área de nicho diplomático de possível plataforma para a elaboração de uma

estratégia de smart power.

Com a Cooperação Sul-Sul os países do sul global aumentaram a sua

visibilidade no cenário internacional e sua participação em ajuda

internacional, além disso, foram percursores na busca por uma nova

narrativa de cooperação para o desenvolvimento que vai além da tradicional

lógica hierárquica de doador receptor imbuída na Cooperação Norte-Sul.

Eles vêm buscando uma cooperação horizontal, onde há uma preocupação

com o bem público global, promoção do multilateralismo e de alianças e

parcerias entre as partes. É com isso, que muitos desses países acabam se

focando em seus nichos diplomáticos e a cooperação, como no

funcionalismo liberal, vai avançando para diversas outras esferas.

Deste modo, a Cooperação Sul-Sul acaba tratando de diversos temas,

como um dos mais abordados atualmente, a busca pela segurança alimentar

55

e a erradicação da pobreza, e mudanças políticas que transbordam para o

campo de segurança, especialmente desde o alargamento do conceito com o

fim da Guerra Fria.

A credibilidade, legitimidade e incentivo necessário para a

participação dos atores na cooperação sul-sul é fundamental para o

entendimento da participação de seus atores. A proximidade histórica e

cultural entre os países do sul global, ou pelo menos o sentimento de

pertencimento existente entre estes é muito importante para legitimar a

atuação desses países, que como através do smart power busca a aceitação e

reconhecimento dos atores a fim de agir no cenário internacional, como

possibilita que os Estados ajam de acordo com a sua lógica de adequação

(MARCH & OLSEN, 1998, p.949) de seu comportamento, agindo como

apropriado entre os países do Sul Global, e defendendo seus valores

comuns.

A credibilidade, legitimidade e incentivos envolvidos na Cooperação

Sul-Sul trouxeram uma rearticulação nas posições dos agentes do campo,

vendo uma participação muito mais receptiva no relacionamento entre os

países em desenvolvimento, e consequentemente na capacidade das

agências de desenvolvimento e assistência desses países, tem se tornado

mais eficiente. Com isso, vemos como a CSS pode ser parte de uma

estratégia de smart power, no qual há um forte fator de soft power incluído,

onde os países buscam parcerias e alianças (em vez de uma relação

hierárquica de “cooperação vertical”), buscando a defesa de um bem

público global, tal qual como na defesa e busca pelo desenvolvimento, que

como preza o smart power, é uma forma de propagar valores para um

mundo mais estável e multilateral, e também para atingir objetivos

estratégicos específicos dos países que utilizam sua estratégia, como no

caso das potências emergentes, que buscam aumentar sua participação no

cenário internacional tentando suprir sua falta de hard power.

56

Claramente a CSS, quando vista sob a ótica do funcionalismo gera

um spillover de cooperação, começando de áreas de maior afinidade

histórico/cultural entre as partes, e indo além, para diversos assuntos que

tangem o campo da segurança. Um exemplo disso, é a enorme preocupação

na CSS em programas de desenvolvimento que lidam com temas de

segurança, como a reconstrução de aparato estatal em Estados frágeis, a

busca por segurança alimentar e a implementação de programas sociais,

visando uma maior estabilidade interna nos países, evitando a ocorrência,

ou recorrência de novos e antigos conflitos.

Em 1978, a Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul foi criada no

âmbito do PNUD como Comité de Alto Nível da Assembleia Geral sobre a

cooperação Sul-Sul. De acordo como a Unidade Especial, a Cooperação

Sul-Sul é:

É um amplo enquadramento para a colaboração entre os

países do Sul nos domínios políticos, econômicos, sociais, culturais,

ambientais e técnicos. Envolvendo dois ou mais países em

desenvolvimento, pode ocorrer em uma base bilateral, regional, sub-

regional ou inter-regional. Os países em desenvolvimento

compartilham conhecimentos, habilidades, competências e recursos

para atender aos seus objetivos de desenvolvimento através de

esforços concertados. Os recentes desenvolvimentos na cooperação

Sul-Sul tomaram a forma no aumento do volume do comércio Sul-Sul,

os fluxos Sul-Sul de investimento estrangeiro direto, os movimentos de

integração regional, a transferência de tecnologia, o

compartilhamento de soluções e especialistas, e outras formas de

intercâmbio (Tradução livre, UNOSSC, s.d.).

Este, em 2012, foi transformando no Escritório das Nações Unidas

para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC), tendo agora sob seu mandato,

atribuições como a promoção e coordenação da Cooperação Sul-Sul e

Cooperação Triangular em escala global e da ONU. Ainda em 1978,

ocorreu a conferência da UNCTAD que deu origem ao Plano de Ação de

Buenos Aires (PABA), que apresentou uma série de recomendações para os

57

países em desenvolvimento e a implementação da Cooperação Técnica

entre estes (GOMES, 2013, p.36). Esse é um exemplo de como a

cooperação técnica, que antes era muito mais definida no âmbito bilateral,

passou a ganhar novas conferências multilaterais, como se preza o

funcionalismo e o smart power por uma busca por uma maior aceitação

geral, pela participação, sem mencionar como o fato de ser um

comportamento adequado de os Estados adotarem, agindo de acordo com

seus valores, princípios e objetivos estratégicos levando em consideração

seu papel em determinado lugar.

Após os choques do petróleo na década de 1970, grande parte das

economias globais encontrava-se em recessão, período onde a ajuda

internacional para o desenvolvimento esforços em prol da cooperação

técnica não foram perseguidos. No entanto, com o fim da Guerra Fria e a

promoção do multilateralismo, vemos uma recuperação da CSS na agenda

de diversos países do Sul Global. O Sul Global passa a ganhar um novo

espaço em agendas de foros multilaterais, legitimando a CSS como uma

alternativa viável às críticas da CNS.

Em 2003, a Cooperação Sul-Sul foi integrada à diversas áreas do

PNUD, como a área da governança democrática. As potências emergentes

trazem ao desenvolvimento modelos alternativos que priorizam o fator

interno de construção, o que é um link muito grande entre desenvolvimento

e segurança. Além disso, a característica da CSS de lidar com uma

abordagem mais humana - que enfatiza a eliminação da pobreza, segurança

alimentar e outras causas estruturais como parte da causa do conflito - dá

aos países do Sul Global um grande respaldo de legitimidade para agirem

principalmente em operações de manutenção e construção da paz

(MATHUR, 2014, p.28).

Com essa maior institucionalização da Cooperação Sul-Sul, vemos a

UNCTAD elaborando seu próprio ponto de vista de como a cooperação

para o desenvolvimento deveria ser conduzida, fugindo da tradicional

58

lógica dualista da relação doador-receptor vigente até então, definindo a

Cooperação Sul-Sul como:

O processo, instituições e arranjos, desenhados para

promover cooperação política, econômica e técnica entre países em

desenvolvimento, ao buscar objetivos para o desenvolvimento comum.

Tem escopo multidimensional, envolvendo cooperação em áreas como

comércio, finanças, investimento, bem como troca de conhecimento,

habilidades e expertise técnica entre países em desenvolvimento.

Geograficamente, abrange a cooperação bilateral, intra e inter-

regional, bem como a colaboração entre os países em

desenvolvimento em questões multilaterais destinadas a melhorar a

sua participação e integração na economia mundial (tradução livre,

UNCTAD, 2010, p.1).

Tal institucionalização levou a uma maior discussão e aceitação de

estratégias de cooperação e desenvolvimento através da CSS e da

Cooperação Triangular, sendo inclusive mencionada como uma das formas

de promover a cooperação para as Metas do Milênio, incentivando a

participação de economias emergentes e destacando seu papel como

fornecedores de recursos e ajuda internacional. Em reunião em Genebra,

sobre a Integração e Cooperação no sistema das Nações Unidas, discutindo

os objetivos pós-2015 a CSS é incluída como um componente importante

para a elaboração das novas metas e para o desenvolvimento de estratégias

de desenvolvimento e globalização (UNCTAD, 2014).

A CSS é fortemente vista no surgimento de novos grupamentos e

coalizões que se formaram no século XXI, como o fórum de diálogo Índia-

Brasil-África do Sul (IBAS) e do agrupamento BRICS, que buscam

modelos alternativos e sustentáveis de desenvolvimento com agências como

o Banco Mundial, ou por iniciativas próprias, como a criação do Fundo e do

Banco dos BRICS. Assim a CSS passou a ser incorporada como um dos

pilares fundamentais de atuação, tanto nas políticas dos países do Sul

Global, como de organizações multilaterais e agências de cooperação, na

“cooperação triangular” (LEITE, 2012, p. 20-22), como foi o caso da

59

OCDE, até então uma Organização tipicamente marcada pela “cooperação

vertical”, com o Acordo de Acra. O acordo de Acra traz a noção de que os

receptores da ajuda internacional devem ser vistos não só como receptores,

mas como sócios no processo de cooperação, dando um caráter mais

“horizontal” à cooperação entre as partes. De acordo com a Agenda para a

Ação de Acra

A cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento busca observar

o princípio de não interferência nas questões internacionais,

igualdade entre os parceiros em desenvolvimento e respeito pela sua

independência, soberania nacional, diversidade cultural e questões

indenitárias e locais. Tem um papel importante na cooperação

internacional para o desenvolvimento e é um complemento valioso

para a cooperação Norte-Sul (OCDE, 2008a, par.19).

A CSS e a atuação dos atores do Sul Global acabou rearticulando os

agentes e a lógica do campo da Cooperação Internacional para o

Desenvolvimento, isso fez que com países emergentes pudessem ter uma

voz maior nessa esfera e assim se projetar mais no cenário internacional

através de estratégias de smart power que focassem na atuação destes na

CSS. Isso gerou uma série de debates e visões a cerca da CSS e da CID.

De acordo com a teoria social sobre a cooperação, vemos que as

trocas que ocorrem entre os países podem ser diretas ou indiretas, isto é,

podem envolver somente as partes envolvidas na cooperação, ou podem ter

um reconhecimento não desejado, ou de terceiros. No caso de países como

a Índia, atuando em outros de forte instabilidade, como o Afeganistão,

vemos trocas indiretas de colocar a CSS em destaque como um modelo de

atuação alternativo, que agrega a dimensão do desenvolvimento a assuntos

de segurança internacional e à questão de operações de paz. O mesmo

também pode ser observado na presença brasileira no Haiti (LEITE, 2012,

p.28-31).

60

A CSS tem como característica também o sentimento de ganho

mutuo das partes, fazendo assim, com que essa cooperação tenda a ser

estendida para outras áreas, que não puramente a técnica, contribuindo

assim, para níveis mais avançados de cooperação, como a própria

coordenação de políticas destes países, como por exemplo, podemos

identificar posicionamentos em comum de países que realizam a CSS, como

é o caso dos países IBSA. A CSS, ainda de acordo com a teoria social

sobre a cooperação, é um processo complexo, que leva fortemente em conta

os nichos diplomáticos dos países, isso é, seus conhecimentos específicos, e

de adoção de políticas, como na promoção de políticas sociais exportadas

para outros países, que podem configurá-la como uma estratégia de smart

power.

Sob a ótica do institucionalismo, vemos, num contexto marcado pela

interação estratégica e interdependência entre os atores, a busca da

maximização dos ganhos dos atores, baseados no comportamento dos

próprios Estados, e de sua relação com outros. Assim, a cooperação, e, por

conseguinte a Cooperação Sul-Sul, também poder ser vista como um

processo de coordenação de políticas entre países, baseado em seus cálculos

estratégicos. Esta podendo fazer parte de uma estratégia de smart power,

uma vez que se busca, através do institucionalismo e da interdependência,

suprir a falta de hard power, para que os objetivos do país possam ser

atingidos pelo spill over de cooperação, onde cada um tem a capacidade de

focar em seu próprio nicho diplomático (LEITE, 2012, p.26-7).

Ainda sob a ótica do liberalismo, vemos a cooperação como algo que

acaba afetando e transbordando para o campo da segurança, uma vez que os

Estados são atores racionais e definem seu comportamento no cálculo de

custo beneficio e de adequação de seu comportamento perante os demais,

estes, acabam partindo do raciocínio de que a cooperação evita a

recorrência de conflitos, assim, ao cooperarem, os atores estão buscando

também lidar com assuntos de segurança.

4. Operações de Paz

Let me tell you now

Ev'rybody's talking about

Revolution, evolution, masturbation,

flagellation, regulation, integrations,

meditations, United Nations,

Congratulations.

All we are saying is give peace a chance

- John Lennon, Give Peace A Chance

4.1. Definições do termo

Ao abordarmos o conceito de Operações de Paz, é necessário,

primeiramente, definirmos o mesmo, e ao falarmos definir, não quer dizer

somente encontrar uma definição básica a ser seguida, e sim compreender

que há diversas formas de se interpretar o termo e utiliza-lo de maneiras

diferentes. Em 2008 quando o Departamento de Operações de Paz (DPKO,

2008) lançou seu manual de princípios e diretrizes, não foi definida

especificamente a definição de operações de paz, e sim as principais

operações relacionadas à paz e à segurança. Dentro dessa categoria,

encontramos cinco subdivisões, que haviam sido previamente definidas por

Boutros Boutros-Ghali, Secretário Geral das Nações Unidas na Agenda

para a Paz em 1992 (UNITED NATIONS, 2008) sendo elas: (i) Prevenção

de Conflitos; (ii) Estabelecimento da Paz16

; (iii) Manutenção da Paz17

; (iv)

Imposição da Paz18

, e; (v) Construção da Paz19

.

De acordo com o departamento de operações de paz, a prevenção de

conflitos diz respeito à “aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas

para manter disputas inter ou intra-estados de escalar num conflito

violento,” a Estabelecimento da Paz se refere às “medidas para resolver

16

Peacemaking; 17

Peacekeeping; 18

Peace enforcement; 19

Peacebuilding;

62

conflitos em andamento, e normalmente envolve ação diplomática para que

as partes hostis cheguem à um acordo,” as ações de Manutenção da Paz,

então, serão uma “técnica desenvolvida para preservar a paz, quando frágil,

onde a luta foi interrompida, e para prover assistência na implementação de

acordos atingidos pelos apaziguadores20

,” a quarta diretriz de ação para a

paz, Imposição da Paz, “envolve a aplicação, com a autorização do

Conselho de Segurança, de uma série de medidas coercivas, incluindo o uso

da força militar, (...) em situações em que (...) foi determinada a existência

de ameaças à paz,” já a última subdivisão, Construção da Paz, aborda as

“medidas direcionadas para a redução do risco de extinção, ou reincidência

do conflito pelo reforço das capacidades nacionais em todos os níveis, para

a administração do conflito, e estabelecer bases para a paz e o

desenvolvimento sustentáveis” (DPKO, 2008, p.18-19).

Em uma primeira análise, pode-se esperar que cada uma dessas

subdivisões ocorra numa etapa diferente do conflito, trabalhando

cronologicamente na evolução do processo político do conflito, no entanto,

deve-se ter em mente que podem haver diversos momentos onde tais fases

se sobrepõem, tendo assim uma operação de paz multidimensional, sendo

compostas por diversos componentes das mais diferentes fases de operações

de paz, em diferentes estágios de conflito, ocorrendo raramente em uma

ordem linear. É importante ressaltar que tais classificações só surgiram

muito recentemente na história das Operações de paz das Nações Unidas, o

que nos mostra que mesmo com mais de 60 anos de história, as operações

de paz ainda continuam em uma constante fase de evolução e adaptação.

Um fato importante de se atentar é que na Carta das Nações Unidas

não há uma menção direta às operações de paz, porém encontra-se base

legal para exercê-la nos capítulos VI, VII e VIII ao mencionar que se deve

lidar com “resolução pacífica de conflitos”, e “ações que dizem respeito à

paz, brechas na paz e atos de agressão”, mais comumente decididas pelo

20

Peacemakers;

63

Conselho de Segurança. É importante ressaltar que houve uma expansão no

conceito de operações de paz, juntamente com o fim da guerra fria e a

expansão do tipo de conflitos no qual as Nações Unidas passaram a

interferir.

Durante a Guerra Fria, e desde a criação das Nações Unidas, é

possível encontrar uma série de transformações na prática de operações de

paz, modificando tanto sua natureza, como seu propósito, refletindo a

situação política do momento (BELLAMY et all, 2010, p.13). A partir

dessa noção, foram identificadas, até então, cinco diferentes gerações de

operações de paz, sendo estas modificadas ao longo do tempo e da

conjuntura internacional. As gerações são criadas uma em cima da outra,

acumulando seu significado. É muito comum que haja uma mudança de

mandato de operações de paz de uma geração para outra, atribuindo-lhe

suas novas características (KENKEL, 2013, p.124). As gerações são

divididas de acordo com fatores como o nível de força e a profundidade em

que esta é utilizada, assim como na natureza do conflito em que se

encontram, como sendo um conflito doméstico, ou externo.

A primeira geração de operações de paz eram majoritariamente o

que chamamos hoje de operações tradicionais, que são aquelas que

conduzem processos de observação, monitoramento e elaboração de

relatórios do conflito ao Secretário-Geral e às Nações Unidas. As operações

tradicionais também são aquelas que são autorizadas principalmente de

acordo com Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, e tem como função

monitorar o cessar fogo e fazer a separação entre forças combatente

impedindo a retomada do conflito, uma vez estabelecido o cessar fogo. As

principais características das operações dessa geração é o consentimento da

nação que a recebe, a imparcialidade da missão entre as partes do conflito e

o não-uso da força por parte das tropas das Nações Unidas (KENKEL,

2013, P.126). Contrastando esse tipo de operações com as restantes, autores

como Doyle e Sambanis (2006), estabeleceram outras duas tipologias de

64

gerações de operações de paz. Além das ditas operações tradicionais, que

são empregadas com a autorização das partes conflitantes a fim de criar

confiança, manter cessar fogo, ou negociar a paz, vemos também as

chamadas operações multidimensionais.

Com a evolução dos conflitos e da atuação de terceiras partes nestes

vemos um aumento da atuação das Nações Unidas em diversos aspectos.

Além de fazerem muito do que era feito nas missões tradicionais, as

operações multidimensionais, também chamadas de operações complexas,

englobam uma nova gama de ações, como a busca pela defesa dos Direitos

Humanos, controle de armamentos, contribuírem para eleições

democráticas e processos de reconstrução do aparato político estatal. A

maior diferença apresentada na segunda geração de operações de paz é a

introdução de tarefas de civis no contingente da missão. Além disso, essa

nova geração de missões é mais ambiciosa do que a primeira geração,

buscando mandatos mais envolventes, buscando ir além da cessão de

conflitos, mas sim, buscando numa assistência para a transição para a paz

(KENKEL, 2013, p.128).

A terceira tipologia segundo Doyle e Sambanis (2006, p.15-16) é

aquele em que inclui as operações que compreendem a imposição da paz,

isto é, o uso autorizado da força, pelo Conselho de Segurança, legitimado

no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não contam com a

autorização das partes do conflito. Para outros atores como Kenkel (2013,

p.130), a terceira geração de operações de paz, também conhecidas como

operações de imposição de paz, aumentam a permissibilidade do uso da

força durante as missões, não tendo muitas novas mudanças na natureza de

seu mandato, das missões de segunda geração. Essa geração é marcada

principalmente com três missões aprovadas na década de 1990, a

UNOSOM, na Somália, a UNPROFOR, no contexto da guerra da Croácia e

da Bósnia e a UNAMIR, aprovada após o genocídio em Ruanda.

65

Essa terceira geração foi muito criticada, principalmente no início

dos anos 2000 com a publicação do Relatório Brahimi, que abriu espaço

para a criação de uma quarta geração de operações. Esta surgiu com o

crescimento dos debates de ajuda humanitária e acerca das recentes

intervenções humanitárias no final da década de 1990. Essa nova geração

abarca um novo componente em seu mandato, passando a tratar também da

construção da paz (peacebuilding) em situações de conflito, marcada por

missões como as de transição de governo em Estados-falidos, o caso do

Kosovo e do Timor-Leste, onde a ONU exerce soberania naquele território

a fim de reconstruir seu aparato estatal e burocrático. Tais missões são

características por ter um caráter mais intrusivo e de terem uma duração

maior que as demais, além de abarcarem diversos projetos sociais, políticos

e humanitários (DOYLE E SAMBANIS, 2006, p.16-18).

Há ainda, como dita por alguns autores, a geração de missões

híbridas, onde a ONU passa a trabalhar junto com outras organizações

multilaterais, em sua grande maioria organizações regionais, como é o caso

de missões em conjunto com a União Africana, na Somália e no Sudão

(POPOVSKI & FATH-LIHIC, 2012. p.149-151). Nessa “última” geração

de operações de paz, tal característica de hibridismo das tropas e trabalho

junto de outras Organizações, muda seu mandado sob o respaldo do

Capitulo VIII da Carta das Nações Unidas. Nessa geração vemos uma

mudança na divisão de trabalhos no sistema internacional de operações de

paz, como vemos no caso da participação brasileira na MINUSTAH

(KENKEL, 2013, 135-6).

Na evolução das diferentes tipologias e ações das operações de paz

vemos constantemente surgirem discussões e debates, que em sua maioria,

permeiam sobre temáticas como a efetividade das operações e as

capacidades das Nações Unidas, a soberania dos Estados e a questão da

intervenção nestes, a intervenção humanitária e o consentimento ou não

desta pelas partes envolvidas no conflito, e a imparcialidade das missões de

66

paz. Tais temas geram grandes discussões envolvendo estados membros e

não-membros das nações unidas. Muito é discutido a fim de estabelecer,

modificar e aperfeiçoar as normas que permeiam as operações de paz, e

com isso, muito de sua prática também é modificada. Por isso, é necessário

compreender um pouco mais a fundo a evolução destas normas, para

entender o comportamento dos países frente às mesmas e como isso pode

impactar em suas ações.

4.2. Evolução Normativa das Operações de Paz

A primeira Operação de Paz das Nações Unidas ocorreu em 1948,

criada para supervisionar a trégua entre Israel e Palestina. Desde então,

como visto anteriormente no histórico das Operações de Paz, muita coisa

mudou em relação à aprovação e execução de tais missões. Com isso, é

possível identificarmos uma evolução e criação de novas normas e regras

tanto para aprovar, como na execução de uma operação de paz. É muito

importante compreender mais a fundo como esse processo se dá, a fim de

identificar práticas e posicionamentos político-estratégicos de Estados e

Organizações quanto a sua participação nas mesmas. É também entendendo

esse processo, que vai ser possível identificar o impacto da ação destes

atores nas Operações de Paz e no campo da segurança.

Durante todo o período da Guerra Fria, em pouco se avançou a

discussão de Operações de Paz dentro das Nações Unidas, em grande parte

devido ao “congelamento” do Conselho de Segurança pela distribuição

bipolar de poder vigente na época entre os Estados Unidos e a União

Soviética, impedindo que muito fosse decidido no Conselho. Assim, com a

queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria, houve uma grande

redistribuição de poder no sistema internacional.

67

É nesse mesmo contexto em que vemos, teoricamente falando, o

alargamento e aprofundamento do conceito de segurança, o aumento do

debate acerca de direitos humanos para a proteção da população de um

Estado dele mesmo, o novo enfoque no indivíduo que dá origem ao

conceito de segurança humana, e o surgimento de diretrizes como o R2P e a

paz liberal numa nova dinâmica do mundo no pós-Guerra Fria. Tais

acontecimentos também têm impactos diretos no contexto da época, onde

vemos o Conselho de Segurança começando a ter uma quantidade muito

maior de reuniões e aprovando muito mais a criação de missões de paz no

mundo21

. O conceito de segurança no sistema internacional deixou de ter

sua leitura tradicional somente de questões interestatais, passando a ter

agora uma conotação muito mais abrangente, levando também em conta

questões internas de um próprio Estado, como a defesa contra desastres

naturais, violação de Direitos Humanos e conflitos políticos internos. A paz

não é mais vista só como a ausência de guerra.

Vemos também o surgimento de inúmeros debates acerca da ajuda

humanitária. Em 1991 é criado o Escritório das Nações Unidas para a

Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA em inglês), tratando da

emergência humanitária como algo contigum no espaço e tempo, que é

integrado entre todos os aspectos bases de uma emergência (prevenção,

socorro, reconstrução e desenvolvimento). Após casos como o genocídio de

Ruanda em 1994 e do Kosovo durante a década de 1990, surge o conceito

de emergências complexas, que abarcam muito bem um exemplo de ação

de operações de paz multidimensionais, onde se vê em casos de emergência

uma articulação intrínseca entre suas causa políticas e regionais, tratando de

graves violações de direitos humanos e violência interna em conflitos. Tais

mudanças, incluindo novos casos, critérios e motivos para o envio de ajuda

humanitária, que pode ocorrer através de operações de paz, é em grande

21

Até o fim da década de 1980 foram aprovadas somente 18 missões de paz, desde a criação da

ONU, frente a mais de 50 missões aprovadas nos 20 anos seguintes. Para mais informações sobre

as missões de paz aprovadas pela ONU, acesse a lista aqui:

<http://www.un.org/en/peacekeeping/documents/operationslist.pdf >. Acesso em 22 ago 2014.

68

parte relacionado ao aumento do numero destas a partir da década de 1990.

Isso faz com que países menores possam se envolver em formas de

cooperação e de ajuda humanitária, seja através do envio de pessoal para

participar das operações, seja com ajuda financeira, seja pela importação de

programas sociais e de know how nas mais diversas áreas de especialização

de determinado país, para o país em conflito. É nesse caso, em que

potências médias e potências emergentes costumam agir, focando-se em seu

nicho diplomático, para que possam fazer parte tanto do debate, como da

prática das operações de paz. Isso acaba resultando num transbordamento

para o campo da segurança, que é diretamente ligado ás operações de paz, e

aumentando o capital diplomático desses países, que não possuem hard

power suficiente para se colocar frente à questões de segurança.

4.2.1. Uma Agenda para a Paz

O maior exemplo de impacto das mudanças que aconteceram na

década de 1990, e com o fim da Guerra Fria no mundo real pode ser visto

com a elaboração da Agenda para Paz, pelo Secretário-Geral das Nações

Unidas, Boutros Boutros-Ghali (1992). O documento foi feito a pedido do

Conselho de Segurança, que buscava novas recomendações e análises para

lidar com questões de paz e segurança internacional, reforçando a prática de

estabelecimento e manutenção da paz, que havia se tornado cada vez mais

constante no âmbito das Nações Unidas. Assim foi elaborada a Agenda

para Paz, onde foi estabelecido um conjunto de normas para delimitar uma

série de limites e condições de atuação em operações de paz da ONU. O

documento focava-se principalmente nos termos pós-conflito, de como agir

e solidificar a paz naquela região evitando uma possível retomada do

conflito, feitas através de uma série de medidas especificadas em seu

69

relatório, como no desarmamento das partes do conflito e o repatriamento

de refugiados (BOUTROS-GHALI, 1992).

Este documento ficou conhecido como um dos primeiros a classificar

operações de paz em diversas categorias, assim como por ter sido o

primeiro a introduzir o conceito de pós-conflito. A partir da Agenda para

Paz, que estabelece conjunto de normas condicionantes e limitantes a

atuação das Nações Unidas em operações de paz, abre-se precedente para

uma série de debates e propostas de novas normas. Isso se desdobrou,

futuramente, na criação da Capstone Doctrine das Nações Unidas, criada

em 2008, revisada em 2010, no relatório ‘New Horizon’, que tem diversas

atribuições. Desde a reestruturação do departamento de operações de paz,

até a criação e especificação de conceitos, como a diferenciação entre

estabelecimento, manutenção, imposição e construção da paz, vemos

tentativas de moldar normas e de agir de uma forma mais legítima no

cenário internacional que se encontre de acordo com a Carta das Nações

Unidas.

A carta das Nações Unidas, por sua vez, pode ser observada, como

prioritariamente prezando pela paz e segurança internacional, defendendo

os princípios de soberania dos Estados e a defesa pela promoção dos

Direitos Humanos. Assim, podemos compreender a ONU como uma

organização que preze pela diplomacia e pela cooperação em detrimento de

ações individuais. A defesa do multilateralismo e suas outras características

previamente mencionadas vão de encontro direto com o comportamento

padrão de potências médias, e emergentes, assim como de ações e

estratégias de smart power onde o país enfatizam o uso do soft e smart

power, defendendo os conceitos de soberania, não indiferença e não

intervenção e apostando em mecanismos multilaterais, para manter a

igualdade entre todos, que é o comportamento típico daqueles que não

podem confiar unicamente no hard power para defender seus interesses

70

perante a comunidade internacional e influenciar em discussões e decisões

relacionadas ao campo de segurança, como é o caso das operações de paz.

4.2.2. Relatório Brahimi

Outra mudança institucional a cerca das operações de paz no âmbito

das Nações Unidas foi a elaboração do Relatório Brahimi em 2000, que

tinha como seu objetivo remodelar o formato das operações de paz. O

documento indicava as principais falhas destas e sinalizava medidas que

deveriam ser tomadas seguindo aspectos políticos e práticos também

sinalizados no relatório. Um dos propósitos do relatório era de revitalizar a

ação do DPKO, que enfrentava críticas, principalmente daqueles que

lidavam com a questão da ajuda humanitária, que passa a ter uma maior

relação com operações de paz, quanto à prestação de socorro, reconstrução

e desenvolvimento da sociedade, agora também feita através de operações

de paz.

A maior diferença trazida no relatório Brahimi é o aumento do uso

da força em operações de paz. Como visto na sessão anterior, o relatório foi

criado no mesmo contexto do surgimento da terceira geração de operações

de paz, que inclui o uso autorizado da força, pelo Conselho de Segurança,

legitimado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não contam

com a autorização das partes do conflito, aumentando a permissibilidade do

uso da força durante as missões.

O relatório trouxe também a questão de que as operações de paz tem

também um papel fundamental na elaboração política da sociedade, não

sendo somente forças interposicionais entre partes de um conflito, mas sim

tomando parte na construção da política local e processos eleitorais de uma

nova sociedade. Sendo hoje mais bem integradas, e relacionando mais

71

fortemente as operações de paz com o desenvolvimento, na busca por uma

paz positiva (GALTUNG, 1969, p.183-6).

4.2.3. Debates sobre soberania e intervenção

Com a constante mudança de regras e normas nos debates a cercadas

operações de paz, vemos também o surgimento de um dos conceitos mais

discutidos atualmente, em discussões sobre intervenção humanitária,

soberania e legitimidade dos Estados. O conceito da Responsabilidade de

Proteger (R2P) foi elaborado em 2001 pela Comissão Internacional de

Intervenção e Soberania do Estado e, em 2005, foi adotado pelas Nações

Unidas, na Cúpula Mundial22

, em documento assinado após a reunião anual

Assembleia Geral. Reunião essa que também acabou sendo base para a

formulação das Metas para o Desenvolvimento do Milênio23

.

4.2.4. A Responsabilidade de Proteger

O conceito de “responsabilidade de proteger” surge então com o

objetivo de ser uma ferramenta para realizar o duplo desafio de, assegurar o

respeito ao direito de soberania dos Estados, e ao mesmo tempo conciliar a

responsabilidade da sociedade internacional para lidar com as violações de

normas humanitárias. No entanto, como pode-se ver, ele é algo pouco

cômodo para países emergentes, como o Brasil, que buscam aumentar sua

participação e influência no plano multilateral, pois acabam se mostrando

céticos ao conceito, uma vez que estes ainda defendem princípios clássicos

22

UNITED NATIONS. GENERAL ASSEMBLY. A/RES/60/1. 2005 World Summit. LX

Session of the United Nations General Assembly, 24 out 2005. Disponível em:

<http://daccessddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/487/60/PDF/N0548760.pdf?OpenElement>.

Acesso em 17 ago 2014. 23

Millenium Development Goals

72

westfalianos, como a defesa à soberania e não-interferência no território dos

outros Estados.

De acordo com o relatório da Comissão Internacional de Intervenção

e Soberania do Estado, qualquer nova abordagem acerca de uma possível

intervenção com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos no

mundo deve ser pautada em quatro objetivos básicos, sendo estes:

estabelecer normas e regras que determinem quando e como é autorizada

uma intervenção; legitimá-la apenas depois que todas as outras abordagens

para a resolução do conflito tenham falhado; garantir que a intervenção,

uma vez estabelecida, seja conduzida de acordo com seu propósito,

buscando minimizar os danos institucionais e a seres humanos; e ajudar a

eliminar, quando possível, a causa dos conflitos, buscando promover a paz

durável e sustentável (INTERNATIONAL COMISSION ON

INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY, 2001, p.11).

Uma vez introduzido o debate pela Comissão Internacional de

Soberania e Intervenção, muito foi discutido, principalmente no âmbito das

Nações Unidas. Tal debate resultou, em 2005, na inclusão do termo na

própria Organização. O documento final da Cúpula Mundo daquele ano

continha, em seus parágrafos 138 e 139, o conceito de “responsabilidade de

proteger” associando-o à responsabilidade de cada Estado de proteger suas

populações contra genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes

contra a humanidade, reiterando, em grande parte, o que foi dito no

documento de 2001 da Comissão de Internacional de Intervenção e

Soberania do Estado. Assim, podemos identificar uma clara evolução

normativa ao longo do tempo, nas normas humanitárias, que afetam a

execução e aprovação de operações de paz, desde 2001, até 2005, e

continuando posteriormente com os debates críticos do próprio conceito da

responsabilidade de proteger.

A maior diferença que se teve nas Nações Unidas em relação a

discussões anteriores sobre a “responsabilidade de proteger“ foi apresentada

no parágrafo 139, onde a definição da aplicação do conceito deve ser

73

discutida e aprovada por iniciativa multilateral no âmbito do Conselho de

Segurança das Nações Unidas, ao passo que, anteriormente, a questão da

autoridade era mais abrangente, havendo a possibilidade de discussões

serem feitas na Assembleia Geral, antes do conceito ser institucionalizado.

Assim, a Responsabilidade de Proteger busca regulamentar o que

antes era chamado de “direito de intervir”24

. Com isso, tem-se maior

regulamentação e institucionalização da construção de normas para a

intervenção humanitária. Através da R2P busca-se fazer uma avaliação dos

conflitos em debate, com o intuito de identificar se determinado Estado é

capaz ou não de exercer sua soberania e o dever de proteger sua população.

Em caso negativo, seguindo as diretrizes da responsabilidade de proteger, a

comunidade internacional tem o dever de intervir, mesmo sem o

consentimento do Estado foco do conflito, a fim de proteger a população e

evitar que as normas do direito humanitário continuem sendo

desrespeitadas.

A “responsabilidade de proteger” não busca apenas aprovar e realizar

uma intervenção nos Estados, mas sim se focar nos custos e resultados desta

ação, frente ao fato da possibilidade de se não agir, ponderando a

assistência, intervenção e a reconstrução durante e no pós-conflito.

Com isso, é possível observar que dentro da definição do conceito da

responsabilidade de proteger há três tipos de responsabilidades mais

específicas, sendo estas a “responsabilidade de prevenir”, que diz respeito

às causas básicas e às causas diretas do conflito; a “responsabilidade de

reagir” tratando de elaborar uma resposta às situações de necessidade

humana com as medidas adequadas, podendo incluir até mesmo medidas

coercitivas para supri-las; e a “responsabilidade de reconstruir”, na qual a

sociedade internacional deve ministrar assistência, especialmente após o

caso de uma intervenção militar, para a reconstrução e reconciliação da

24

Termo o qual foi utilizado pela própria Comissão Internacional de Intervenção e Soberania do

Estado. Ver pag. 11 do relatório.

74

região de conflito (INTERNATIONAL COMISSION ON

INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY, 2001, p.xi).

Após todo esse avanço, e modificações acerca do conceito, vemos o

mesmo sendo cada vez mais discutido no âmbito das Nações Unidas, o

mesmo passou a ser institucionalizado dentro da Organização. Nos debates

sobre o conceito, muito se discutiu quanto ao uso da força, países como o

Brasil, e outras potências emergentes, e do Sul Global, se mostraram, em

um primeiro momento, fortemente contrários ao conceito, por não respeitar

a soberania dos países.

No entanto, ao longo da evolução das discussões, através de um

pronunciamento o secretário-geral, Ban Ki-Moon, tomou como

compromisso pessoal de transformar o conceito em uma política das

Nações Unidas, esclarecendo também uma série de pontos sobre o conceito,

que mudou o rumo de suas discussões.

Com base nisto, o conceito de “responsabilidade de proteger” é

definido como tendo três pilares bases:

1. Estados têm a responsabilidade primária de proteger sua

população de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a

humanidade;

2. A comunidade internacional tem a responsabilidade de prover

assistência à esses Estados, para que possam cumprir sua responsabilidade e

de construir essas capacidades;

3. A comunidade internacional deve tomar uma resposta temporal e

decisiva de quando um Estado está falhando em cumprir suas

responsabilidades e agir então de forma necessária e executar sua

responsabilidade de proteger (UNITED NATIONS, 2009).

Após a Cúpula Mundo, em 2005, e o pronunciamento de Ban Ki-

Moon em 2009, o conceito passou a ser mais bem desenvolvido nas práticas

da ONU. Uma das maiores contribuições ao debate em 2009 foi a

75

abordagem “estreita, porém profunda” com a definição dos três pilares do

conceito. Uma limitação estreita ao uso da força, somente quanto aos seus

crimes estipulados (genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes

contra a humanidade), que era um dos pontos em maior contradição,

sobretudo por parte dos países do Sul; e profunda, no que se refere à criação

de um debate mais abrangente (KENKEL, 2012, p.20).

Como a evolução normativa das operações de paz é algo constante,

vemos, até o presente momento, que diversas partes do conceito encontram-

se extremamente controversas em seus debates. Mais especificamente

falando, o terceiro pilar que aborda a questão de compreender a força

militar como último recurso, e de como seu uso deve ser feito. Tal

discussão aparece devido à tensão entre dois grandes pressupostos do

sistema político internacional - a defesa pela soberania (o princípio de não-

intervenção) e pela defesa do indivíduo (o princípio dos direitos humanos) –

que são alvos de críticas tanto em momentos onde não há/houve

intervenção humanitária, como foi o caso de Ruanda em 1994, e também

em casos onde houve intervenção, como ocorrido no Kosovo em 1995

(KENKEL, 2008).

As discussões sobre a “responsabilidade de proteger”, presentes

desde 2005 na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança, tiveram

grande repercussão e foram muito discutidas em 2011, quando, num

contexto político instável e de muitas tensões, rodeado pelos eventos

políticos da Primavera Árabe, em particular da situação da Líbia, e mais

futuramente da Síria, muito se questionou sobre o conceito.

Ao mesmo tempo em que o debate acerca da responsabilidade de

proteger ganhava mais força nos diversos foros multilaterais, com o caso

líbio, este passou a ser fortemente criticado, por ter sido usado em parte

como uma ferramenta que possibilitou aos Estados Unidos e à OTAN, de

forçarem uma mudança no regime político Líbio a sociedade internacional

se mostrava mais atenta às discussões da “responsabilidade de proteger” e

do caso líbio. Nesse contexto (não como uma relação de causalidade direta

76

ligada á este conflito), surge o debate para a criação de um novo conceito,

em torno das responsabilidades e regulamentações de intervenções da

sociedade internacional.

Assim, ao final de 2011, surge a noção de Responsabilidade ao

Proteger (RwP) introduzida pelo Brasil no âmbito da Assembleia Geral das

Nações Unidas. No documento de concepção brasileira, a “responsabilidade

ao proteger” indica uma série de princípios, parâmetros e procedimentos, a

maioria dos quais restringe o recurso à força e, em parte, até mesmo a ação

dos ditos três pilares de modo mais geral, dialogando diretamente com o seu

conceito antecessor, o R2P.

4.2.5. A Responsabilidade ao Proteger

Criado em novembro de 2011, internamente pelo Brasil25

, o conceito

da Responsabilidade ao Proteger (RwP26

) vai além do conceito de

“responsabilidade de proteger”, tendo como mudança a necessidade de se

ter uma maior institucionalização e regulamentação da situação, para

realizar ou não uma intervenção, caso realmente acredite-se haver

necessidade; a busca por uma maior institucionalização e a regulamentação

do processo de intervenção, que deve continuar a ocorrer durante o curso da

mesma, no teatro de operações da guerra, não somente antes de sua

realização, como era feito anteriormente, segundo a “responsabilidade de

proteger”.

Um fator importante para compreender a inserção do conceito é

contexto político do Brasil naquele momento. O país encontrava-se dividido

entre defender seus princípios clássicos (assim como foi o caso de diversos

países da América Latina e do Sul Global), e ao mesmo tempo

questionando seu papel como potência emergente, buscando se tornar um

25

Permanent Mission of the Federative Republic of Brazil to the United Nations, “Responsibility

while protecting> elements for the development and promotion of a concept”, 9 November 2011,

United Nations Document A/66/551-S/2011/701. Disponível em:

<http://www.un.int/brazil/speech/Concept-Paper-%20RwP.pdf>. Acesso em 10 out 2014. 26

Responsibility While Protecting (RwP), no inglês.

77

stakeholder global, participando mais e tomando novas responsabilidades

no sistema internacional, e na promoção pelo bem global, o que fazia com

que o país reforçasse o seu apoio ao multilateralismo e à normatividade

defendida nas Nações Unidas -- que agora incluía o conceito de R2P

(KENKEL, 2012, p.21).

Outro fator importante para compreender a inserção do RwP é o

contexto de debates que surge nas Nações Unidas após a intervenção da

OTAN na Líbia, acentuando ainda mais as críticas à Responsabilidade de

Proteger, ao qual o Brasil sempre foi um pouco crítico, desde o seu início,

pela questão do uso da força e do respeito da soberania e não-intervenção

dos outros países. Além disso, fica clara a preocupação do Brasil com a

possível instrumentalização e legitimação de intervenções militares com

objetivos políticos, justificadas por preocupações humanitárias (VAZ, 2013,

p.196).

Inseridos em meio a toda essa discussão, é possível observar a

resistência dos países do Sul ao conceito de R2P como uma resistência da

dominância normativa dos países do Norte (o próprio conceito do R2P é

criado no Canadá), mostrando o desejo do Sul Global e dos países

emergentes em se inserirem melhor na atual ordem global e distribuição de

poder. Assim, estes vão apoiar o conceito da RwP, interpretando-o como

uma tentativa normativa de contribuir para os problemas globais de uma

forma mais honesta, participativa e construtiva – fazendo resistência ao

Norte Global .

O conceito de “responsabilidade ao proteger” nos remete aos três

pilares da “responsabilidade de proteger”. Estes devem atuar de forma

lógica e conjunta, com prudência política, e não como etapas que formam

uma relação automática entre proteção de civis e o uso da força.

Assim, podemos observar um pouco do processo de evolução

normativa e institucional no campo da ação humanitária, desenvolvimento e

de segurança internacional - tendo como foco a Organização das Nações

78

Unidas - acerca do modo como as intervenções militares são conduzidas

nos dias atuais,

Em primeiro plano, uma série de princípios e diretrizes que

deve ser completamente debatidos e levados em consideração antes

de um mandato do Conselho de Segurança autorizar o uso de

qualquer tipo de força militar; em segundo lugar, algum tipo de

monitoramento mais aprimorado e revisões do processo (que autoriza

o uso de força militar), que seja seriamente debatido por todos os

membros do Conselho de Segurança, durante a implementação do

mesmo (EVANS, 2012).

Dessa forma, a evolução normativa se dá em parte, no debate da

responsabilidade de proteger com o governo brasileiro exprimindo a

necessidade de uma reavaliação dos três pilares centrais em que repousa o

conceito de ”responsabilidade de proteger,” e buscando a criação de

mecanismos capazes de fornecer uma avaliação mais objetiva e detalhada

dos perigos envolvidos na utilização do uso da força em intervenções das

Nações Unidas, a qual se acredita que deveria ter como objetivo principal a

proteção de civis, sendo assim inaceitável que uma intervenção sob o

mandato da ONU cause mais danos a civis do que os próprios conflitos que

justificaram a criação da missão. A importância do conceito também se

estende ao estimulo e a inclusão dos países do Sul nos debates de

intervenção humanitária e em sua criação normativa, algo que não era

comum até então.

A ”responsabilidade ao proteger” defende não só a análise e a

vigilância da magnitude das ameaças dos conflitos, mas também a

elaboração de regras mais consistentes e confiáveis, juntamente a novos

parâmetros para o exercício responsável da segurança coletiva por parte do

Conselho de Segurança (VIOTTI, 2012). Nesse caso, grande parte do

debate normativo se dá quanto ao teor e legitimidade se tem na aprovação e

execução de uma operação de paz, diferentemente de como foi dito

anteriormente com o caso do relatório Brahimi e da Agenda Para Paz.

79

A recepção do conceito no plano internacional quanto ao

aprofundamento dos debates de normas de intervenção foi, em primeira

instância, um sucesso, no entanto, o conceito em si foi fortemente criticado

pela comunidade internacional como sendo simplesmente a reprodução do

que já havia sido estabelecido na responsabilidade de proteger; e que esse

estaria atrapalhando a institucionalização do conceito anterior. Outra critica

feita sobre o conceito, foi devido à falta de capital diplomático investido

pelo Brasil, que após o surgimento do conceito não continuou a mencioná-

lo em seus discursos oficiais, e não houve uma nova tentativa de incluí-lo

nos debates de intervenção, não tendo chance de melhor formula-lo e de ser

aceito no plano internacional.

Assim, após essa análise de como as normas estão em constante

mudança, é possível identificar, principalmente em novas propostas como a

responsabilidade de proteger e responsabilidade ao proteger - que regulam e

colocam novos empecilhos à intervenção - de que tal envolvimento dos

países é uma prática típica de países que fazem uso do smart power, uma

vez que buscam legitimar suas ações através da inclusão de novas normas, e

também de compensarem, em casos com o do Brasil (a ser analisado

futuramente), a sua falta de hard power à fim de que seja defendida sua

leitura particular de conceitos como à defesa a soberania, não-intervenção e

não-indiferença dos países, que é uma interpretação particular de países que

não podem depender única e exclusivamente de hard power.

As operações de paz tem sua origem no campo da segurança

internacional, na busca pela resolução de conflitos e pelo estabelecimento

da paz e segurança internacional, prezando por um mundo mais harmônico

e com menos conflitos. Como já dito anteriormente, as Operações de Paz

tem como propósito a manutenção da paz e segurança internacional, e são

operadas de acordo com os princípios e diretrizes da Carta das Nações

Unidas, de acordo com seu mandato específico delimitado pelo Conselho de

Segurança, sempre buscando a defesa dos Direitos Humanos e o respeito ao

Direito Humanitário Internacional. Os princípios básicos das Operações de

80

Paz envolvem o consentimento das partes afetadas, a imparcialidade das

forças das Nações Unidas em sua ação, e o não uso da força, com exceção

de casos de autodefesa e na defesa dos termos estabelecidos em seu

mandato (DPKO, 2008, p.31-8).

4.3. Atuação das potências emergente em Operações de Paz

e na Cooperação Sul-Sul

No atual panorama global, vemos cada vez mais a importância que

tem ganhado o multilateralismo e o foco renovado que se tem no uso de

ferramentas políticas e diplomáticas na busca pela resolução de conflitos

junto de um suporte a longo-prazo de estruturas de reconstrução políticas,

econômicas, burocráticas e sociais. Isso fez com que surgisse uma série de

novos desafios e oportunidades nas Nações Unidas de como lidar com os

conflitos, sobretudo por parte do Departamento de Assuntos Políticos27

.

As novas demandas em operações de paz tem se tornado bastante

complexa e lidando com muito mais profundidade do que se antes existia

nas missões da ONU. Lidar com Estados frágeis, prevenção de conflitos,

mediação de controversas e restauração de processos políticos

democráticos, e ao mesmo tempo assegurar que as operações de paz sejam

rápidas e efetivas tem sido um desafio cada vez maior no âmbito das

Nações Unidas.

A busca por parceiros não convencionais e a preferência de países

afetados por conflitos, de atores do Sul Global, tem buscado uma demanda

cada vez maior para incentivar a Cooperação Sul-Sul na busca pela paz

sustentável entre partes conflitantes.

Ban Ki-Moon (2011, p.17), discutindo sobre o reforço do sistema

das Nações Unidas no mundo, levou em consideração o relatório de 27

UNDPA – United Nations Department of Political Affairs

81

capacidades civis do DPKO, e incentivou ainda mais a promoção da

Cooperação Sul-Sul na atuação de conflitos:

A Cooperação Sul-Sul e mecanismos triangulares fornecem

assistência crítica de curto e longo prazo, na sequência do conflito,

como evidenciado pela variedade de iniciativas em que os doadores

têm investido pesadamente. O cenário existente no âmbito do PNUD

para a cooperação Sul-Sul fornece um ponto de referência em

potencial para mecanismos eficazes de fazê-lo. O Grupo incentiva

novos investimentos nesses mecanismos.

Assim, vemos a Cooperação Sul-Sul sendo incluída, como parte de

uma estratégia mais abrangente, no pilar de paz e segurança das Nações

Unidas, impactando em suas discussões. O Sul Global vem ganhando cada

vez mais reconhecimento como uma fonte potencial com expertise a ser

utilizada no tratamento para com Estados frágeis em ambientes

multilaterais. As relações Sul-Sul de Cooperação para o desenvolvimento

vêm destacando cada vez mais relações de parceria entre iguais, pelo

benefício mutuo, confiando em suas experiências em transições

democráticas e em seus históricos domésticos para lidar com situações

como pobreza e fome, a busca por agendas de paz, vêm legitimando cada

vez mais seu papel no cenário internacional, redefinindo os conceitos de

assistência e cooperação, pela partilha de experiências. Isso acabou

refletindo num aumento representativo por uma demanda de modelo de

arquitetura internacional mais inclusivo e representativo, dando uma maior

voz aos países emergentes (MATHUR, 2014, p.5).

Apesar de seus próprios desafios econômicos e políticos, e seu

status ambíguo como contribuinte e recipiente de assistência, as

potências emergentes, no espírito da solidariedade, desenvolveram

extensivos programas de assistência bilateral com outros países em

desenvolvimento no âmbito da Cooperação Sul-Sul que se estende

além da esfera economia [transbordando] para esferas políticas e de

segurança em países afetados por conflitos (MATHUR, 2014, p.20).

82

Podemos ver, claramente, como o campo da Cooperação Sul-Sul tem

transbordado para assuntos de segurança, e por consequência, aumentado a

participação e inserção de países envolvidos com a CSS no campo de

segurança internacional.

O DPKO e o Conselho de Segurança vem levando cada vez mais em

conta a CSS em relação à conflitos, sobretudo no que diz na promoção da

reconstrução da paz e promoção do desenvolvimento em situações de pós-

conflito. A CSS busca uma abordagem mais humana às situações, buscando

o bem público global, assim como o interesse mútuo das partes, o que acaba

levando à cooperação pelo desenvolvimento internacional, que transborda

nas mais diversas áreas. Em situações de conflito, a atuação de países do

Sul Global traz não só a busca por um cessar fogo e o fim das disputas, mas

também se preocupa e se solidariza com os “problemas” dos envolvidos,

em grande parte devido ao fato destes também já terem passado (ou estarem

passando) por problemas semelhantes como o combate à fome, o que os faz

ter uma maior legitimidade e experiência para agir naquela região, assim

como uma maior receptividade pelas partes do conflito. O próprio Conselho

de Segurança já enfatizou a importância de trabalhar com a experiência de

tais países em países em conflito (NAÇÕES UNIDAS, 2009).

De acordo com diversos estudiosos, a Cooperação Sul-Sul oferece

um panorama complementar legítimo para estabelecimento e construção da

paz, por se preocuparem e serem sensíveis ao contexto em que os conflitos

estão, com medidas inclusivas, e por serem mais bem recebidas devido aos

contextos históricos e culturais serem mais similares entre as partes. Como

é o caso da Cooperação entre o Brasil e Moçambique, onde buscava-se o

reforço das estruturas políticas de Moçambique e promover a coesão social,

dando ao país a oportunidade de aprender com o Brasil sobre integração

social e políticas de inclusão no desenvolvimento da economia local

(NGANJE, 2013a, p.2-4).

83

Cooperação Sul-Sul oferece um quadro de cooperação para o

desenvolvimento internacional, que pode ser aproveitada para apoiar a

construção da paz e de construção do Estado esforços sensíveis ao contexto,

socialmente inclusivas, e ideologicamente neutras na África carregadas de

conflito adaptável e complementares. No entanto, a falta de uma

infraestrutura consolidada de ajuda ainda é algo insuficiente no Sul Global,

muitas das suas ações são orientados pela procura, à medida em que

aparecem, fazendo com que estes ainda dependam dos países do Norte em

muitos casos, mas não se pode negar o crescimento de sua participação no

cenário internacional e em assuntos de segurança, como a participação de

Operações de paz, e na busca pelo desenvolvimento e pelo bem publico

global.

O panorama das operações de construção da paz mudou bastante,

trazendo com eles a necessidade de processos políticos mais inclusivos e

participativos, no quais as diferentes partes da sociedade se sentissem

pertencentes, evitando o relapso de um conflito já terminado. Assim a CSS

tem encontrado uma grande receptividade em operações de estabelecimento

e construção da paz devido à contribuição e assistência dos países do Sul,

que compartilham de suas características políticas, sociais e culturais, além

de suas próprias experiências de transição de seus países (NGANJE,

2013b).

A promoção da CSS e a relevância da atuação de países do Sul

Global em mandatos de operações de paz vêm ocorrendo cada vez mais nas

Nações Unidas28

em temas de operações de paz, mobilizando fortemente o

conceito e ligando a um dos pilares básicos das Nações Unidas, a promoção

da paz e segurança internacional. Com isso, podemos observar uma

crescente importância no tema, dando a ele um maior respaldo político, para

28

Exemplos de documento no Conselho de Segurança e Assembleia Geral das Nações Unidas que

mencionam a defesa e promoção da Cooperação Sul-Sul e incentivando a participação de atores do

Sul Global em operações de Peacebuilding e Peacemaking: S/PRST/2009/23; S/2010/386;

S/2012/746; S/2009/304; S/2011/527; S/2012/645; S/2012/486; S/PRST/2012/29;

(S/PRST/2012/29); A/RES/66/655

84

países que buscam se engajar mais em temas de segurança e aumentar a sua

inserção no cenário internacional. Além disso, é muito importante

ressaltarmos, que a relação das potências emergentes se envolvendo em

operações de paz no sul global, e promovendo também a Cooperação Sul-

Sul, pode ser considerada uma estratégia de smart power, uma vez que esta

preza pelo bem publico geral, combina recursos de hard e soft power, tal

qual como pode fazer parte de uma agenda política dos atores envolvidos,

por uma lógica de adequação de seu comportamento no plano internacional.

Com isso, vemos uma mudança na dinâmica de poder, no qual os países

emergentes, ao agirem, mudam o comportamento dos outros atores perante

a sua atuação nas Operações de Paz, como também, indiretamente o

comportamento de outros atores, que não aqueles do Sul Global, e que

sejam países emergentes, inserindo-se fortemente no campo da segurança

internacional, que é o berço das Operações de Paz.

5. A Inserção Brasileira através do Smart Power

5.1. O Brasil na Atual Ordem Mundial

“Se o Brasil se abre para o mundo, o mundo se volta para

o Brasil. Essa dinâmica é portadora de esperança, mas

também de novas e grandiosas responsabilidades”

Presidenta Dilma Rousseff

Brasília, 5 de abril de 2011

Com o fim da Guerra Fria, vemos uma reconfiguração na

distribuição de poder e relação entre os atores no cenário internacional

devido à mudança de uma dicotomia bipolar para multipolar. Novos polos

de poder surgem, o que passou a ser visto pela sociedade internacional

como uma nova oportunidade de reestruturar o internacional e uma nova

tentativa de atingir a paz e harmonia no globo, principalmente por parte da

América do Sul (HERZ, 2010, p.603).

Nesse contexto, cabe ressaltar a diferença existente entre percepções

domésticas e percepções internacionais sobre o Brasil, o que faz com que,

dependendo da situação, isso possa ser algo oportuno para o país. Em

grande parte da percepção externa, o Brasil vem ganhando cada vez mais

destaque e interesse pela comunidade internacional, se tornando um

parceiro desejado devido à seus objetivos estratégicos, recente crescimento

econômico e ambições, investindo nos mais diversos programas e

iniciativas que reafirmam sua crescente estatura global (THIELE, 2014,

p.57). O Brasil tem uma visão interna de que a busca pela liderança global é

um objetivo importante a ser seguido, que diz respeito à sua estratégia de

defesa nacional e de política externa (HERZ, 2012, p.17; BRASIL, 2012),

como um “provedor de paz”.

Tal ambição brasileira de contribuir com a ordem internacional, e na

busca por um ambiente favorável à paz faz parte de sua característica como

86

um país pacífico, que não se envolva há muito tempo em conflitos e disputa

com outros, mas não pode-se ignorar que este é um país que vem crescendo

bastante no cenário internacional e com isso, não se pode ignorar os

antagonismos que o Brasil pode vir a sofrer no plano internacional, por isso,

este deve se preocupar também com sua defesa nacional e estratégias de

inserção para suprir a sua falta de hard power (AMORIM, 2013).

Imerso na globalização, vemos, a partir da ótica do funcionalismo

liberal, a criação de novas relações e contato entre os continentes, fazendo

com que estes possam ter um maior acesso aos novos mercados, recursos,

serviços, e uma gama de novas possiblidades para os países se relacionarem

e cooperarem entre si. Nesse cenário, além de novas oportunidades, surgem

novos desafios, como o aumento do tráfico de drogas e tráfico humano

entre os continentes. Com a expansão da agenda de segurança durante a

década de 1990, abre-se espaço também para atores que antes não tinham

voz, se manifestarem e participarem mais de discussões pertinentes ao

tema.

Eis que então, o Brasil, seguido de seu crescimento recente, e de

sucesso na promoção da democracia e buscando uma maior estabilidade

política (tanto no plano doméstico, como no internacional) vai buscar se

tornar um ator mais participativo e influente em discussões globais.

Confiando em seu histórico e reputação de um país pacífico o Brasil vai

defender a cooperação e defesa do multilateralismo na agenda de segurança,

contando com o spill over da cooperação e participação dos demais na

arena internacional. Como a sétima maior economia de um mundo

interdependente, o governo brasileiro acredita que o mesmo deve ser

reconhecido como um ator global relevante do campo da segurança

internacional (THIELE, 2014, p. 62).

Apesar de ser uma das maiores economias do mundo, o Brasil não

possui muito hard power, fazendo com que o Brasil tenha que contar com

seus outros recursos, como os de soft power, para estender suas relações no

87

globo e desenvolver sua influência política de uma maneira em que o

mesmo seja bem aceito pelos demais e não o vejam como uma ameaça.

Uma forma de aumentar ainda mais tal influência, pode ser através de uma

estratégia de smart power, e para isso o Brasil tem que combinar seus

recursos da forma mais oportuna o possível, dependendo da situação.

Uma das medidas que o país busca tomar é de aumentar a sua força

militar. Para sua melhor coordenação, uma das primeiras medidas nesse

esforço foi a criação do Ministério da Defesa, em 1999, sob o decreto

nº3.080, que tem sob sua responsabilidade a articulação das forças armadas

e sua relação às demais áreas do Estado, assim como a elaboração de

políticas ligadas à defesa e segurança do país, que pode ser vista na

elaboração da END, em 2008 e atualizada em 2012, assim como do LBDN

em 2012, onde fica estabelecido que:

Nos últimos anos, a política externa brasileira projetou

valores e interesses na moldagem da governança global. O Brasil tem

desenvolvido sua própria agenda externa com maior autonomia para

definir as prioridades para seu progresso como nação.

Esse patrimônio exige defesa. O Brasil se considera e é visto

internacionalmente como um país amante da paz, mas não pode

prescindir da capacidade militar de dissuasão e do preparo para

defesa contra ameaças externas. Não é possível afirmar que a

cooperação sempre prevalecerá sobre o conflito no plano

internacional (BRASIL, 2012, p.11).

Nesse sentido, vê-se que a ambição brasileira de projeção

internacional é um objetivo almejado pelo país, devendo buscar

“intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior

inserção em processos decisórios internacionais” (BRASIL, 2012, p.24) e

que o mesmo define que para tal, é preciso também investir em suas áreas

deficitárias, como de segurança.

Nesse ambiente estratégico, a atuação internacional deve

primar pela consolidação de mecanismos de governança mais

88

representativos da nova realidade internacional, voltados para a paz

e a segurança mundiais e para o bem-estar da humanidade (BRASIL,

2012, p.29).

Sendo assim, a agenda de segurança internacional, uma agenda

atrativa para a qual o Brasil busca melhorar suas condições de inserção no

cenário internacional. Tal contexto leva o Brasil a buscar projetar soft

power, uma vez que seus recursos materiais e comportamentos que levem

os outros, de forma coerciva ou punitiva, para influenciar os outros a

agirem como deseja, não são fortes o suficiente, por não terem hard power

o suficiente para que possam agir dessa forma. Uma vez que a influência

por si só não é sinônimo de soft power, o Brasil deve procurar argumentar e

tornar suas ações (valores, política, cultura, práticas) atrativas para que

outros o acompanhem e aceitem, por isso seu comportamento é

particularmente importante em sua busca por poder, através do smart power

(NYE, 2004).

É importante ressaltar aqui, que a utilização do smart power, aqui, é

abordado numa logica diferente da aplicada na criação do conceito, como

um complemento ao hard power já existente, e sim, abordado justamente

como um complemento a sua falta de hard power no cenário internacional.

Assim, o Brasil, em sua estratégia de defesa, estabeleceu algumas metas,

como:

Meta 3 — Participar de operações de paz e de ações humanitárias de

interesse do País, no cumprimento de mandato da Organização das

Nações Unidas (ONU), com amplitude compatível com a estatura

geopolítica do País (BRASIL, 2012, p.24).

Definindo também seus objetivos estratégicos a serem perseguidos,

tais quais como:

89

I. Garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade

territorial;

(...)

IV. Contribuir para a estabilidade regional;

V. Contribuir para a manutenção da paz e da segurança

internacionais;

VI. Intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua

maior inserção em processos decisórios internacionais;

(BRASIL, 2012, p.24).

Nisso, vemos o Brasil se comprometer com o multilateralismo e

intensificando sua projeção e participação em foros multilaterais, e também

buscando estabelecer parcerias e cooperação com demais países, a fim de

uma tentativa de liderança através de parcerias, que se faz possível pelo fato

do Brasil ser um “parceiro desejado” no cenário internacional.

Isso se dá não somente pelo crescimento que o país mostrou nas

últimas décadas, mas também acaba sendo uma própria consequência

político da iniciativa do governo de tentar se inserir mais no cenário

internacional e ser um ator mais participativo. Sua crescente posição

assumindo responsabilidades globais, como um papel de protagonismo no

processo de integração da América do Sul, liderando as discussões e

formulação de normas no âmbito do MERCOSUL e da UNASUL,

iniciativas sob a cúpula dos BRICS, investimentos em Cooperação Sul-Sul

no IBAS, sua tentativa de reviver a ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação

do Atlântico Sul), entre outras (THIELE, 2014, p.64).

O reconhecimento brasileiro como lidero regional da América do

Sul, e um dos maiores players no Sul Global se dá não só pelo seu recente

crescimento econômico e tamanho geográfico do país, mas principalmente

por sua política externa que revolve acerca da busca por sua autonomia e

relevância na política internacional (SARAIVA & VALENÇA, 2011,

p.100).

90

No que tange a política externa brasileira, é muito importante

ressaltar seus pilares conceituais, como a defesa à soberania29

, não

intervenção30

e “não indiferença”31

. Ao desenvolver tais conceitos, o Brasil

busca contribuir para uma maior estabilidade de seu entorno e do cenário

internacional, criando um ambiente mais favorável aos seus interesses (seja

quanto à defesa de seus valores, ou interesses políticos e econômicos)

(HERMANN, 2011). No entanto, devemos levar em conta que a

interpretação brasileira desses conceitos é muito específica, é uma

interpretação clássica em que o Brasil defende a não intervenção nos

territórios soberanos dos Estados, que é uma interpretação típica de

potências médias e emergentes, que não possuem hard power o suficiente

para se resguardar no plano internacional.

A busca por uma maior inserção brasileira no sistema internacional

no campo da segurança pode ter algumas diferentes abordagens analíticas

com base na consolidação interna de um objetivo brasileiro, projetado em

uma conduta externa, no plano internacional. O fator interno é algo muito

importante, transpondo seus valores e práticas para a política externa e

buscando um continuum entre suas políticas externa e doméstica, tais quais

como a democracia, liberdade e economia de mercado. Isso faz com que, no

plano externo o Brasil tenda a limitar o uso da força como uma ferramenta

de resolução de conflitos, e participe mais ativamente na formulação de

normas gerias e propagação da institucionalização multilateral, buscando

retificar os desequilíbrios econômicos e sociais no mundo, como o combate

ao subdesenvolvimento e às injustiças sociais. Com base nesses atores

podemos ver o Brasil como uma potência civil.

29

Em seu sentido clássico: Autoridade final e absoluta do Estado sob os assuntos domésticos de

seu território (HERMANN, 2011, P.30). 30

Base a qual repousam a realidade internacional da anarquia, de que um Estado não deve

interferir, ou intervir, nos assuntos internos de outro. 31

“Iniciativas para ajudar países vizinhos e amigos a superar a condição de subdesenvolvimento e

a não sucumbir diante de situações de convulsão sociopolítica ou de conflitos armados.”

(HERMANN, 2011, p.232)

91

Ao pensarmos em características geopolíticas do Brasil, vemos a

busca por um maior reconhecimento e status no plano internacional. Num

extremo, pode-se dizer que seria a busca de um status de grande potência,

entre os demais atores. Assim, o Brasil buscaria a maximização de seu

poder, principalmente em seus recursos de hard power, que é o maior

indicador, sob uma ótica realista, para identificar as grandes potências.

Assim, o Brasil age defendendo sua visão arcaica e absoluta dos conceitos

de soberania e não-intervenção no plano internacional para reafirmar a

legitimidade do país como um ator primário na política internacional. É

importante ressaltar a tradição brasileira para com o multilateralismo que

vem desde a criação da Liga das Nações e da ONU (HERZ, 2012, p.6). De

acordo com essa forma de inserção, o Brasil vê, nos foros multilaterais, uma

ferramenta de exercício de poder e expansão de sua influência, baseado

num cálculo estratégico, e na lógica da consequência, que segundo March e

Olsen (1998, p.949) deve pesar suas ações movidas pela expectativa de sua

consequência frente à outros atores.

No entanto, se observamos o comportamento de inserção brasileiro

sob uma ótima do funcionalismo liberal, vemos suas ações regradas

majoritariamente pela lógica da adequação, onde o Brasil tende a pesar suas

ações sendo movido pelo comportamento adequado que o país representa

em determinada situação, levando em conta seus valores, princípios e

aspirações no plano internacional. Dessa forma, podemos ver o Brasil

almejando consolidar sua posição de potência emergente, como uma

potência média, de acordo com seus recursos, comportamento e papel em

que se insere no sistema internacional.

Observa-se então no Brasil, a defesa do multilateralismo como

resultado da nova ordem global multipolar32

, uma conduta que busca

compensar a ausência de hard power por uma forte atuação na área

32

Multipolaridade e Multilaretalismo são conceitos diferentes. “A multipolaridade é um conceito

descritivo, e o multilateralismo um conceito prescritivo. O primeiro se refere a fatos, o segundo a

valores.” (AMORIM, 2013).

92

normativa e técnica, buscando o fortalecimento de regras e normas para a

governança global, de forma que possa ter seus interesses resguardados

também pelas instituições multilaterais. Com essa finalidade, o Brasil

precisa contribuir com iniciativas e decisões multilaterais, mantendo sempre

um comportamento adequado com seu papel, de forma que seja aceito no

plano internacional e condizente com seus interesses nacionais.

É importante destacar que o Brasil, como uma potência emergente,

ainda enfrenta uma série de questões internas que muitas das “grandes

potências” e “países desenvolvidos” já têm estabilizadas, como a questão da

fome e pobreza em sua população. No entanto o país vem demonstrando

exercer um papel de liderança e preponderância regional na América do

Sul, solidificando a região como uma entidade político-econômica,

construindo cada vez mais uma imagem de um ator global com uma

presença maior no plano internacional.

Essa integração (da América do Sul) não somente contribuirá

para a defesa do Brasil, como possibilitará fomentar a

cooperação militar regional e a integração das bases industriais de

defesa. Afastará a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os

países avança-se rumo à construção da unidade sul-americana. O

Conselho de Defesa Sul-Americano, em debate na região, criará

mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos e fomentar a

cooperação militar regional e a integração das bases industriais de

defesa, sem que dele participe país alheio à região (BRASIL, 2008,

p.7).

Para se consolidar mais ainda nessas áreas o Brasil deve focar sua

atuação nas áreas temáticas onde possui vantagem comparativa, permitindo-

lhe uma influência maior no sistema internacional. Como visto

anteriormente, então, o Brasil deverá focar em seus nichos diplomáticos, de

forma a melhor balancear seus recursos de hard e soft power, para formular

uma estratégia de smart power e se inserir no campo da segurança

internacional.

93

Seguindo essa linha de pensamento o governo brasileiro, sob a

presidência de Luis Inácio Lula da Silva, intensificou em larga escala sua

participação na ordem global. Perseguindo bandeiras declaradas como a

democratização global dos processos de decisão em instâncias multilaterais,

garantindo um ambiente internacional mais favorável para potências

emergentes, como o próprio Brasil, de modo que eles possam se tornar

também catalizadores da ordem global (CERVO, 2003, p.9).

A partir do explorado anteriormente, será observado nesta sessão, um

estudo de caso focado nos nichos diplomáticos da Cooperação Sul-Sul e das

Operações de Paz, que como vistos anteriormente são campos que podem

vir a ter um impacto considerável no campo da segurança internacional,

dependendo do contexto em que estão inseridos. Assim, será analisada

agora a atuação brasileira nesses campos, de forma a identificar como, e se,

isso contribui para uma estratégia de smart power de inserção no sistema

internacional.

5.2. A Agenda Brasileira de Cooperação

A cooperação é a outra estratégia que nos permite prover paz a um mundo tão

turbulento. O espaço privilegiado da cooperação é o entorno estratégico do

Brasil, conformado pela América do Sul, de um lado, e pelo Atlântico Sul e pela

orla ocidental da África, por outro (AMORIM, 2013, p.3).

A grande contribuição brasileira no campo da CID diz respeito à

CSS, que foi dado como o principal foco de sua agenda de cooperação,

onde o país promove a transferência de soluções inovadoras para o

desenvolvimento nos mais diversos setores, como no combate à fome,

ampliando seu compromisso com a CID promovendo uma nova lógica de

cooperação, diferente da tradicional lógica de doador/receptor da CNS

(AYLLÓN & LEITE, 2010, p. 69-70).

94

Como parte de uma potência civil, o Brasil busca exportar fatores de

sua política doméstica para sua política externa. Como é o caso de sua luta

pelo desenvolvimento social e o combate à pobreza. A desigualdade social

é uma questão histórica no Brasil que perdura por séculos. Não há aqui

espaço para fazermos um histórico da desigualdade social brasileira, e de

como essa questão avançou durante os séculos, no entanto, deve-se frisar

que como analisado por diversos teóricos, como Amado Cervo (2001), Jose

Alves (2001) e Pio Penna (2006, p.349) o modelo econômico neoliberal não

conseguiu suprir as necessidades de desenvolvimento no país, que uma

solução para tais questões seria a participação do Estado como coordenador

de políticas desenvolvimentistas e redistributivas são fatores imperativos

para a região promover o desenvolvimento social e o fim da desigualdade.

A questão internacional mais importante presente é a da busca de

mecanismos para superar as diferenças sociais e a busca pelo fim da

pobreza no país. Deve se identificar, a partir dessas iniciativas, a sua relação

com a política externa e na busca para a CID.

Com o crescimento econômico do Brasil, que o colocou entre as 10

maiores potências econômicas do mundo, o país também busca expandir

sua participação em agendas internacionais que buscam lidar com

problemas de desigualdade, principalmente com discussões acerca da

erradicação da pobreza e o combate à fome e à miséria. Na década de 1990,

sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, surgem reformas na

previdência social, e pelo menos no papel, discursos para lidar com a

questão agrária, que era algo muito delicado no país devido às dimensões

que o Movimento dos Sem Terra (MST) ganhou no país. No entanto, a

maioria das inciativas domésticas que surgiram no Brasil - e tiveram

algumas delas se tornando referência mundial na luta por melhorias sociais

e da CID – surgiram no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A principal iniciativa que deu reconhecimento internacional às suas

políticas foi o Programa Fome Zero, que incorporava programas de

95

educação, saúde, erradicação do trabalho infantil, geração de emprego e

renda, servia de catalisador dos programas sociais de seu governo. Outro

programa que se tornou referência mundial, foi o programa de transferência

de renda do ‘Bolsa Família’ (PENNA, 2006, p.355).

Essa preocupação em lidar com questões sociais foi então

incorporada no governo Lula, à sua política externa, assumindo a promoção

do desenvolvimento social como um ponto importante em sua agenda.

Segundo o ministro do exterior da época, Celso Amorim (2005), “a ação

diplomática do Governo Lula é concebida como instrumento de apoio ao

projeto de desenvolvimento social e econômico do país” de forma que esta

tenha “uma dimensão humanista, que se projeta na promoção da cooperação

internacional para o desenvolvimento e para a paz”.

5.2.1. A Cooperação Sul-Sul como Nicho Diplomático Brasileiro 33 34

Desde a década de 1930 vemos indícios da luta brasileira por

desenvolvimento. Com a criação da Comissão Nacional de Assistência

Técnica (CNAT) em 1950 foi possível que o aparato estatal brasileiro

aprendesse técnicas de captação de recursos e know-how dos países do

Norte no campo da cooperação (no entanto, ainda eram tratadas como

‘assistência técnica’). Ao fim dos anos 1960, vendo o aumento expressivo

da oferta institucional de recursos externos e frente a necessidade de se

adequar a demanda por desenvolvimento e ‘ajuda’ internacional e

doméstica, vemos a busca por uma estruturação do sistema brasileiro de

cooperação, como ressaltadas nos primeiros Planos Nacionais de

Desenvolvimento (PND).

33

Para informações detalhadas sobre os projetos de CSS conduzidos pelo Brasil, consultar site

oficial da ABC, disponível em: <http://www.abc.gov.br/Projetos/CooperacaoSulSul>. 34

Para mais informações mais detalhadas e específicas sobre projetos conferir relatório do MRE

aqui: <http://funag.gov.br/loja/download/421-South-

South_Cooperation_Activities_Carried_Out_By_Brazil.pdf>.

96

Em resposta, em 1969 é criado o Sistema Nacional de Cooperação

Técnica fundamentado sobre a égide do O Ministério de Relações

Exteriores e do Ministério de Planejamento que passaram a institucionalizar

mais como o país deveria realizar sua Cooperação Técnica Internacional

sob escopo de sua nova Divisão de Cooperação Técnica (DCOPT), e

também estabelecendo a Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica

Internacional (SUBIN). A institucionalização da cooperação técnica

contribuiu para o país desenvolver suas habilidades, se especializar e

também conseguir reproduzir seu aprendizado dentro de seu próprio

território (AYLLON & LEITE, 2010, p.73).

Nas décadas que se seguiram o Brasil começou a firmar diversos

acordos e parcerias de cooperação técnica, principalmente com países

latino-americanos e países africanos, como Paraguai, Colômbia, Peru Costa

do Marfim, Nigéria e Senegal. Ao se introduzir no sistema internacional de

cooperação como um receptor, o país passou então a atuar de forma dupla,

buscando a transferência de tecnologia e conhecimento de países já mais

desenvolvidos para compartilhar e transferia capacidades tecnológicas para

os demais países do Sul.

Isso proporcionou ao Brasil um maior estreitamento de suas relações

com a América Latina, e com o Sul Global em geral, dando-lhe um grande

poder de negociação retratando-se como representante do Sul. Espera-se

então que a CSS facilitasse a articulação dos países do Sul (que na época

eram tratados como países do “terceiro mundo”) e reafirmando-o como uma

potência emergente no cenário internacional que busca expandir sua

participação nos demais foros internacionais.

Faz se um pouco redundante comentar aqui, que sob uma ótima

institucionalista liberal, em um mundo interdependente, vemos esse um

primeiro passo da cooperação para que esta acabe transbordando para as

demais áreas, sejam elas políticas, econômicas, sociais ou culturais.

97

Tal transbordamento é observado no campo da CID quando, com o

passar do tempo a CTPD ganhou grande força na esfera internacional,

gerando uma série de iniciativas, como a criação do PABA o âmbito da

América do Sul. O Brasil, vendo a dimensão que a CTPD ganhara, procura

mais uma vez reestruturar seus mecanismos e sistemas de cooperação,

acabando agora com o comando duplo da área, que antes era feito pela

SUBIC e pela DCOPT, unindo-os em um só sob tutela do MRE e assim

criando a Agência Brasileira de Cooperação em 1987 (ABC, s.d.).

A década subsequente, sob o governo de FHC (1995-2002) focou

num aumento das ações de CSS brasileiras em decorrência do

aprofundamento de políticas de aproximação brasileira com países latino-

americanos e africanos, o que reforça mais uma vez a lógica

institucionalista liberal de transbordamento da cooperação em diversas

áreas. Nesse período também a cooperação não evoluiu somente quanto ao

numero de ações realizadas, mas também em natureza, indo além do seu

enforque tradicional ad hoc para algo com um maior planejamento e

estruturação, institucionalizando ainda mais a ABC (GONÇALVES, 2011,

p.49).

É com a chegada de Lula ao governo, como explicitado

anteriormente, que a CTPD brasileira adquiri um verdadeiro cunho

estratégico quanto a inserção internacional do país e passa a privilegiar as

relações Sul-Sul abordando também questões sociais.

Não se pode ignorar aqui a participação de atores não

governamentais (como as ONGs) na Cooperação Sul-Sul brasileira – que

com certeza tem uma grande parcela também no reconhecimento

internacional do Brasil como um ator protagonico no campo da CSS. No

entanto, o mesmo não será abordado neste trabalho uma vez que o objetivo

é identificar estratégias do Estado brasileiro, e não da participação do Brasil

em todos os setores, em um nicho diplomático. Mas ainda a fim de

esclarecimento, é necessário ressaltar que, como característica de uma

98

potência civil, o governo brasileiro trabalha constantemente para

desenvolver seu know how no âmbito da cooperação também no plano

doméstico. Um exemplo disso foi a realização do Encontro Nacional de

ONGs sobre Cooperação e Redes organizado pelo IBASE sob iniciativa da

ABC, em 1989.

Uma das primeiras iniciativas internacionais do governo brasileiro

para a CID no âmbito da CSS que podemos encontrar foi a inciativa

conjunta entre a Índia, Brasil e África do Sul, é a criação do fundo de

solidariedade IBAS, que tem como propósito ajudar os países mais pobres

em programas sociais específicos (NAÇÕES UNIDAS, 2004). Durante o

governo Lula vê-se o forte crescimento na diplomacia brasileira para

colocar em evidência programas domésticos implantados, para o plano

internacional, como também uma tentativa de conseguir novos parceiros

nas políticas sociais, a fim de promover e desenvolver novos projetos de

desenvolvimento, de forma mais horizontal, e aumentar a pressão sobre

países mais ricos que reforçavam a lógica da CNS e AOD, para incentivar

as questões sociais a CID, sobretudo no âmbito da CSS.

A entrada de Lula no governo traz uma nova ênfase à CSS.

Expandindo suas relações com o Sul Global, como no G20, IBAS,

aproximação dos países africanos, e empenhado em revitalizar o

MERCOSUL e consolidar ainda mais a integração da América Latina,

vemos durante o governo Lula uma aproximação também entre os países

em desenvolvimento, em geral, principalmente no que diz respeito à

balança comercial e à projetos de cooperação.

Movido pela solidariedade social, vê-se também na CSS uma

oportunidade do Brasil focar nesta área como um de seus nichos

diplomáticos e assim expandir sua influência não só na economia, como na

política global. Isso é identificado também, por muitos estudiosos, com a

busca declarada de Brasília por um assento permanente no CSNU

(SOARES DE LIMA & HIRST, 2006; AYLLON & LEITE, 2010, P.77-8).

99

Tal motivação é diferente da motivação implicada na execução da

tradicional cooperação vertical/CNS, agindo de forma mais consensual e

smart, como um importante instrumento da política externa do país.

A transferência de práticas, a participação de múltiplos atores

domésticos e internacionais e o compromisso com atores regionais, inter-

regionais e multilaterais em favor do desenvolvimento são algumas das

maiores contribuições da CSS brasileira. Podemos destacar alguns projetos

como o programa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI) buscando a reestruturação dos sistemas de educação professional e

centros de formação professional em países africanos e asiáticos de língua

portuguesa, e países da América Latina, como Angola, Cabo Verde, Guiné-

Bissau, Timor-Leste, Paraguai, Colômbia (SENAI, s.d.).

Além disso, no âmbito da ABC, vemos diversos trabalhos na área de

saúde e segurança alimentar para ações tais quais o combate à enfermidades

na África (como é o caso da luta contra a malária, doença negligenciada

pelos países do Norte), implantação de sistemas de saúde único e públicos,

como foi o caso da criação do Instituto Sul-americano de Governo em

Saúde (ISAGS), dentro do também recentemente criado Centro de Relações

Internacionais em Saúde (CRIS), em 2009, pela FioCruz, aprofundando e

promovendo intercâmbio técnico e acadêmico de questões de saúde na

América do Sul, que trabalha em conjunto da ABC e do Ministério de

Saúde (FIOCRUZ, s.d.).

O Brasil também se destaca na cooperação na área de saúde e

segurança alimentar. Uma das iniciativas é a da transferência de tecnologia

dos bancos de leite que impactaram na redução da mortalidade infantil no

país, para replicá-lo em países como Venezuela, Uruguai, Argentina,

Equador e Cuba. Os programas ‘Fome Zero’ e ‘Bolsa Família’ ganharam

reconhecimento internacional e foram tomados como referência mundial

para a reprodução de projetos similares em outros países. O programa

‘Fome Zero’ tornou-se uma referência mundial tão importante no combate à

100

fome à pobreza, que hoje é um modelo reconhecido pela FAO (Organização

das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e pelo PMA (Programa

Mundial de Alimentos). Tal programa, ainda gerou a criação do

International Policy Center For Inclusive Growth (IPC-IG) em 2002, e em

2004 firmou parceria com o PNUD, tendo suas principais atividades ligadas

com países do Sul (FRAUNDORFER, 2013, p.92-6).

Como uma plataforma de compartilhamento de conhecimentos e

técnicas o IPC trabalhou também na disseminação do programa Bolsa

Família que passou a ser uma das mais importantes estratégias brasileiras de

combate à fome e à pobreza a partir de técnicas de proteção social e

transferência de renda (Ibid). Ainda nessa linha, como já mencionado

anteriormente, há a criação do Fundo IBAS em 2004 para lidar com essa

temática.

Demais programas na área agropecuária também ocorrem,

principalmente por meio da Empresa Brasileira de Investigação

Agropecuária (EMBRAPA), tratando de temas como a produção de

biocombustíveis e transferência de tecnologias para produção de alimentos

em zonas tropicais.

Assim, vemos podemos ver a atuação brasileira no campo da CSS

como uma opção de área temática em que foca seus trabalhos onde possui

vantagem comparativa, lhe permitindo uma maior influência no sistema

internacional na área de segurança, pois como visto nos capítulos

anteriores, a CSS afeta o campo de segurança internacional. A CSS então,

pode ser vista como uma forma de exercer smart power, pois há uma

combinação estratégica de atuação onde o país é capaz de exercer mais

influência utilizando-a como moeda diplomática na agenda de segurança.

5.2.2. O Brasil e os BRICS na ordem internacional

101

Com as mudanças no Sistema Internacional no pós Guerra Fria sob a

ótica do institucionalismo liberal vemos a tendência de uma busca pacifica

da passagem da unipolaridade para a multipolaridade, uma vez que a

preocupação com a paz existe sob o consenso liberal de que se deve buscar

soluções multilaterais para problemas internacionais. Nesse caso, as

potências emergentes dão suporte para esse novo equilíbrio de poder

buscando se envolver mais ativamente com o multilateralismo (FONSECA,

2013, p.31), seja ele em diversas formas, como o minilateralismo, que é

visto na participação brasileira nos BRICS.

Em relação à participação dos BRICS, o Brasil se porta como um

defensor do fortalecimento do multilateralismo e da busca pela participação

dos atores sem representatividade nos foros internacionais, sendo crítico da

hegemonia das normas econômicas liberais, primam pelo desenvolvimento

e pela melhora das condições sociais, buscando aumentar a inclusão social e

regular o setor financeiro, de forma que sejam melhores coordenadas as

formas da CID (diferentemente da busca pela AOD). Nesse sentido,

podemos dizer que essa potência emergente está buscando revisar a ordem

liberal atual e sua demanda por segurança economia e proteção social

(SOARES DE LIMA & CASTELAN, 2012, p.255-7).

Para o Brasil o concerto dos BRICS tem objetivos estratégicos e

táticos claros quanto à sua política externa. A busca por alianças,

condizentes com seu papel de potência média e emergente seguidora das

normas internacionais reforça a busca por um protagonismo no plano

multilateral, e tornando assim estas mesmas normas e regras mais acessíveis

e permeáveis aos interesses dos países em desenvolvimento (Ibid).

No subcampo da CSS temos como exemplo o ‘Novo Banco de

Desenvolvimento’ dos BRICS, criado na cúpula dos BRICS em Fortaleza,

entre os dias 15 e 16 de julho de 2014, que é uma medida que busca mitigar

as desigualdades sociais, fortalecer a posição dos países do bloco na agenda

internacional e também de aumentar a cooperação sul-sul, uma vez que a

102

busca pela reforma da arquitetura financeira internacional e regulamento

econômico busca facilitar projetos de CID, sobre tudo no âmbito da CSS.

O Banco, assim como o pronunciado dos BRICS após a sua última

cúpula em 2014,l busca renovar a disposição e o engajamento com os

demais países, principalmente os em desenvolvimento e economias

emergente, com vista de fomentar a cooperação e solidariedade entre

nações e povos. O Banco visa mobilizar recursos para infraestrutura e

desenvolvimento sustentável em projetos nos BRICS e demais economias

emergentes e países em desenvolvimento para promover o crescimento e

desenvolvimento do bem público global (ITAMARATY, 2014).

5.3. As Operações de Paz como Nicho Diplomático Brasileiro

A defesa pelo multilateralismo e o envolvimento brasileiro em

mediação de conflitos internacionais e em operações de paz é um fator

constante na política externa do país. Desde a criação da Liga das Nações o

país se colocou como mediador de conflitos, como parte de seu

comportamento de uma potência média/emergente que almeja um maior

reconhecimento e participação no plano internacional (SOARES DE LIMA

& HIRST, 2006, p.25-6).

Desde a primeira missão do Brasil, este vem participando de forma

consistente nas operações de paz, principalmente naquelas aprovadas sob o

Capitulo VI da Carta das Nações Unidas, se destacando como um dos

maiores contribuintes na UNEF35

, em Suez, da UNAVEM III36

, em angola,

da UNTAET, no Timor Leste37

, da UNOMOZ38

, em Moçambique e

finalmente da MINUSTAH no Haiti (UZIEL, 2010)..

35

First United Nations Emergency Force, que durou de 1956-67 para lidar com a questão de Suez. 36

United Nations Angola Verification Missions (1995-97) 37

United Nations Transitional Administration in East Timor (1999-2002)

103

Seu envolvimento com operações de paz se faz possível pelo país ser

uma potência emergente, democrática com uma situação política

minimamente estável, para que ele possa se portar como um ator que se

envolve em questões internacionais. Possui uma das maiores forças

armadas da região, e a mais avançada tecnologicamente, contanto com um

contingente de mais de 350.000 homens, fazendo que o país seja um ator

influente na região e também em sua contribuição de tropas (KENKEL,

2010, p. 652).

O Brasil age orientado pelo desejo de aumentar sua participação em

instituições internacionais defendendo seus princípios, como a busca por

resolução pacífica de conflitos que é diretamente ligado à sua leitura

particular sulamericana dos conceitos de soberania e não-intervenção. Sua

reputação como um país que mantem a paz cresceu bastante com a

participação na MINUSTAH.

5.3.1. O Marco brasileiro: A atuação no Haiti

Uma vez estabelecida pela resolução 1542 (2004), pelo CSNU, o

Brasil foi convidado pela ONU para liderar o contingente militar da Missão

das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, que foi o numero mais

expressivo já enviado pelo governo brasileiro. Tal operação foi aprovada

baseada no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, algo completamente

diferente dos precedentes brasileiros. No entanto Brasília afirma que

somente o paragrafo sétimo do projeto era baseado no capítulo VII, e que

esta era uma missão de manutenção e construção da paz, logo, condizente

com a posição brasileira não-intervencionista e não-indiferente à defesa

dos direitos humanos, buscando a mitigação das fontes indiretas da

violência (DINIZ, 2005, p.101).

38

United Nations Operation in Mozambique (1993094)

104

Assim o Brasil busca se inserir na MINUSTAH aumentando sua

participação no sistema global e aumentando seu comprometimento com a

nova agenda de segurança e com a segurança coletiva (SOARES DE

LIMA, 2010, p.412). Apesar de o Brasil ter consentido participar de uma

operação de paz aprovada com a característica de ter aprovada o uso da

força não se pode negar o foco constante na busca pela construção da paz e

na busca pela mitigação da violência estrutural na região. Mesmo com sua

mudança quanto às políticas de operações de paz, o país focou bastante no

desenvolvimento e integração dos mais diversos setores da sociedade

haitiana; e também se engajou baseado em sua afinidade cultural e contato

mais próximo e identificação com o Haiti (KENKEL, 2010, p.656),

comportamento condizente com a sua posição de ator proeminente na

região e como uma potência emergente que busca soluções multilaterais à

problemas internacionais e se põe como um ator diretamente envolvido e se

comprometendo em resolvê-los.

Exemplo de programas e inciativas implementadas e executadas pelo

contingente brasileiro no Haiti - como a inserção social dos soldados da

MINUSTAH na sociedade haitiana oferecendo serviços médicos,

distribuindo alimentos, promovendo DDR, participando de eventos da

sociedade, como o investimento no futebol para lidar com questões sociais

no país (MINISTERIO DA DEFESA, s.d., p.23-6; UNIC, 2011) -, reforçam

a busca brasileira pelo bem público e funcionando de forma a seguir as

normas internacionais e buscando aumentar a cooperação entre os países.

A atuação brasileira no Haiti é considerada um marco na política

externa brasileira quanto à sua participação em operações de paz, fazendo-o

ser citado mundialmente como referência pela sua atuação. Isso é um dos

exemplos que fazem deste um nicho diplomático de atuação, a fim de se

inserir e participar mais ativamente das agendas e discussões de segurança

internacional e por ser condizente com seus princípios e política externa

buscando estratégias que não fazem uso da força para transformar conflitos

105

políticos e reforçar o aparato estatal, estabilizando a situação e protegendo

sua população.

A partir de sua atuação na MINUSTAH, o país se porta efetivamente

como uma potência regional, agindo como mediador de conflitos

internacionais e ainda se mostrando capaz de lidar com as novas ameaças e

mudanças que surgem no campo de resolução de conflitos, como a

importância do desenvolvimento socioeconômico e da reconstrução do

aparato político estatal na busca da mitigação da violência estrutural no

país.

5.3.2. A tentativa de inserção no nicho normativo de

operações de paz

A inserção brasileira na participação de debates acerca da construção

da paz, que por um lado pode ser vista na participação dos capacetes azuis e

envio de tropas para ajuda humanitária como uma constante em sua política

externa, assim como na ajuda ao desenvolvimento bilateral e à cooperação

sul-sul como parte da solução de situações de conflito, por outro lado, além

da participação efetiva, vemos também a presença do Brasil acerca dos

debates do mesmo.

A sua participação ativa em Operações de Manutenção da Paz

defende e marca a postura brasileira que privilegia o multilateralismo

sempre respaldada pela legitimidade brasileira no Sul Global (uma vez que

este não possui hard Power). Podemos ver tal participação em Operações

de Paz como um instrumento inserido na política externa brasileira que se

inicia com a participação do Brasil em sua primeira Operação de

Manutenção da Paz das Nações Unidas, a UNEF39

. Desde então vemos o

39

United Nations Emergency Force

106

Brasil participando ativamente tanto no envio de tropas para tais Operações,

como nos debates acerca da normatividade das mesmas (UZIEL, 2010).

Quanto à participação nos debates da mesma, o posicionamento do

Brasil não foi sempre tão constante, mas há uma mudança recente a ser

observada. Como visto anteriormente, uma das mais recentes novidades

normativas quanto às operações de paz foi a criação do conceito da R2P.

Este, no entanto, aumentou o espectro de isolação, perda de participação e

influência brasileira no plano multilateral, dado o fato do Brasil ser cético

ao conceito (assim como outros países emergentes), por defender tão

veementemente seus princípios clássicos de soberania e não intervenção

(que são bem diferentes da leitura mainstream/global sobre os conceitos)

(KENKEL, 2012, p.12-8).

Frente à isso, e após se por muito contra o conceito, o Brasil acabou

aceitando-o, a fim de se adequar e fazer parte do sistema multilateral das

Nações Unidas, principalmente devido à um fator particular. Esse fato é a

definição de três novos pilares para a R2P, com o relatório do Secretário-

Geral, Implementing the Responsibility to Protect em 2009. Pilares estes, já

anteriormente mencionados, que atentam para a responsabilidade do

Estado, da comunidade internacional em sua condição de formadora de

capacidades, e quanto ao tempo e respostas decisivas a serem todas.

A maior ressalva brasileira quanto a esses pilares foi da questão da

temporalidade, e se os pilares deveriam ser seguidos numa ordem

cronológica, ou não, trazendo críticas da sociedade internacional quanto a

inação perante uma situação de crise, mas o Brasil já mostrava uma posição

mais receptiva ao conceito, que não havia anteriormente (ALMEIDA,

2013).

No entanto, principalmente após acontecimentos como o caso da

Líbia, o país surge com a proposta da presidente Dilma Rousseff do

conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP), em 2011, que foi um

107

marco na política externa brasileira por ter sido a primeira vez que o

governo propôs a criação de um conceito junto às Nações Unidas.

Com essa iniciativa o Brasil estava começando a se tornar um

empreendendedor de normas, no entanto a presidenta Dilma Rousseff não

levou a iniciativa a frente, sem grande aceitação da comunidade

internacional (como visto no item 4.2.5). Após tentativas de convergências

e lutando contra as incertezas do ocidente acerca do conceito, o Brasil

acabou abrindo mão de sua posição, como quando aceitou a resolução

condenando a Síria.

Não conseguindo se inserir tanto no campo normativo de operações

de paz, como o faz com sua participação efetiva. Isso poderia ter sido uma

boa estratégia para o Brasil aumentar ainda mais seu capital diplomático na

área, e aumentar sua projeção (BENNER, 2013, p.9). No entanto, fica de

lição que o país tem capacidade e capital suficiente para levar adiante

iniciativas deste tipo, e deve ser esse o seu modus operandi caso deseje

levar adiante sua estratégia de smart power de uma buscar por maior

inserção no campo da segurança, não tendo hard power o suficiente para

fundamentar suas iniciativas (SPEKTOR, 2012, p.8). Como uma potência

emergente deve buscar defender suas iniciativas e lutar por elas para ganhar

seu devido espaço na esfera internacional e realmente se inserir no nicho

diplomático normativo das operações de paz, como o tem feito em sua

participação efetiva na área.

5.3.3. A Cooperação no campo de Operações de Paz

Medindo esforços pela sua participação seguindo com as normas

internacionais no âmbito da ONU o governo brasileiro cria, em 2005, o

Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOpPaz), inspirado nas

108

discussões iniciadas em 1989 pela Resolução 44/49, da Assembleia Geral

das Nações Unidas, sobre a “Revisão Abrangente da Questão das

Operações de Paz em Todos os seus Aspectos” - que encorajou os membros

da ONU à estabelecerem programas de treinamento para militares e civis

civil, tendo em vista seu emprego em operações de paz.

Aumentando sua participação e investindo em maiores esforços para

o engajamento brasileiro com operações de paz, no dia 15 de junho de

2010, sob a portaria nº 952-MD atribui ao CIOpPaz, a responsabilidade de

preparar os militares e civis brasileiros (e de nações amigas) que serão

enviados em missões de paz, modificando seu nome para Centro Conjunto

de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB). O objetivo do Centro é “Ser um

líder global na promoção da excelência do preparo de recursos humanos

para operações de paz e desminagem humanitária.” (CCOPAB, s.d.).

Vemos aqui uma interseção entre ambos os nichos diplomáticos

brasileiros em que a cooperação de nações amigas, principalmente daquelas

do Sul Global, ocorre no campo de operações de paz, buscando um spill

over de cooperação e através de treinamentos bilaterais e multilaterais com

tropas e oficiais de outros países, para passar adiante o know how brasileiro

adquirido em operações de paz, principalmente no que diz respeito à

construção da paz em situações de conflito e outras missões em situações de

reconstrução da sociedade civil. Comportamento condizente com o de uma

potência média que busca o bem publico global, trabalhando através de

normas e procedimentos multilaterais para resolver problemas

internacionais. Portando-se assim como uma referência na área e

fortalecendo suas alianças e posição no cenário global.

6. Conclusão: Perspectivas para o futuro

A busca por um assento permanente no CSNU reflete a ambição

brasileira por se tornar um ator proeminente na segurança internacional. A

implementação deste objetivo é o fio condutor da política externa e da

política de segurança brasileira – demandas do Brasil por reforma são

seguidas de demandas globais para que o país tenha mais hard power –

tendo como lugar privilegiado sua atuação em Operações de Paz nesse

pleito (KENKEL, 2012, p.30).

Tal pleito vem de ambições antigas por parte do Brasil, desde a

criação da Liga das Nações o Brasil desejava um papel proeminente na

organização, desejando ser o representante da América do Sul na mesma.

Com a criação da ONU, tal ambição retorna, porém a mesma foi vetada

pela União Soviética e pela Grã-Bretanha (VARGAS, 2011, p.85).

Ao final da década de 1980, com o fim da Guerra Fria e o retorno do

Brasil à democracia, seus formuladores de política externa acreditaram que

o novo contexto internacional necessitava de uma revisão das estruturas

políticas multilaterais, o que seria um bom argumento para a retomada da

busca por um assento permanente que fosse mais condizente com a nova

redistribuição da ordem mundial (VARGAS, 2011, p.87-9). Assim, os

argumentos baseado num discurso de soft power para o pleito por um

assento permanente no CSNU, eram baseados na necessidade de manter a

legitimidade da ordem contemporânea internacional, face as recentes

mudanças do sistema; a busca brasileira por assumir um papel de destaque

no cenário internacional respaldado pelo crescimento de sua importância,

assim como poder político econômico; e além disso, resguardado no

argumento de que o Sul Global deve ter uma representação no CSNU, de

devido a crescente importância do país frente ao Sul, este deveria ser o seu

representante.

110

A questão da reforma das Nações Unidas, e principalmente da

reforma do CSNU traz a luz da busca por mudanças nas normas e regras

vigentes que refletem os interesses daqueles que busca mais poder e

prestígio na ordem internacional escalando em sua hierarquia, de modo à

adequar as instituições internacionais ao novo padrão que surge com o fim

da guerra fria. Muito desse pleito é reforçado com base no fortalecimento

dos BRICS como um bloco, dando maior força e lugar ao Brasil.

A politização dos BRICS de um acrônimo econômico para um bloco

político é um ótimo exemplo da busca dos países emergentes, dentre eles o

Brasil, por mais espaço na agenda internacional. Pode-se dizer, por um

lado, que há uma busca conservadora por parte dos BRICS por manter o

status quo, mas que estes agora se portam como atores mais proeminentes

na agenda internacional e a politização do grupo, frente à heterogeneidade

do grupo mostra a inteligência política e diplomática do grupo que coloca

seus membros num patamar institucional que não seria possível que

chegassem individualmente, ou mesmo se pautando somente em seus

próprios recursos de hard power. Por isso, essa coordenação e busca por

cooperação entre os países BRICS, também pode ser vista como parte de

uma estratégia de smart power no contexto atual de seus países membros

emergentes. Os BRICS como grupo trás a frente à questão da busca por

instituições de governança internacional que busca lidar com as mais

diferentes questões, sejam elas no campo da segurança internacional,

economia ou política, e por isso, dá uma um apoio à candidatura do Brasil

ao assento permanente do CSNU.

Há uma contradição nessa busca brasileira por querer se passar como

líder do Sul, e ao mesmo tempo ainda ter ambições como uma reforma do

CSNU para este assumir um assento permanente no mesmo, tendo poderes

do Norte “dominador”. Mas deve-se levar em conta que o pleito brasileiro

não é somente para que este assuma um assento permanente, mas na busca

por uma reconfiguração do sistema das Nações Unidas de forma mais

111

representativa da ordem global vigente, e não da ordem global de durante a

Guerra Fria, quando a ONU foi criada e a configuração de poder no mundo

era completamente diferente da atual.

O CSNU vem ampliando seu campo de atuação, proporcionando

oportunidades para o Brasil mostrar sua capacidade e capital diplomático,

contribuindo para sua candidatura no mesmo. No entanto, as crises e

mudanças no sistema internacional dos últimos anos ainda não chegaram a

produzir mudanças decisivas nas estruturas de governança global de forma

que medidas como a reforma da ONU e do CSNU ainda não tenham

ocorrido.

A fim de conclusão, é importante elucidar neste momento que este

trabalho teve pretensões de analisar principalmente as motivações e

repercussões das escolhas e ações brasileiras na sua busca política por uma

maior inserção na agenda de segurança internacional, mas faz-se ciente de

que há diversos outros fatores e razões que interferem na atuação brasileira

nesta área e, sobretudo na política internacional como um todo. Questões

econômicas influenciam fortemente no campo da CID; políticas públicas e

políticas domésticas afetam decisões quanto à condução da política

internacional (como visto anteriormente ao discutir-se a questão de potência

civil). Assim, é de conhecimento próprio que o trabalho não tem

profundidade suficiente para que todos esses campos sejam avaliados em

toda sua real profundidade necessária, e sim, a partir do contexto

internacional em que o Brasil está inserido neste momento.

Assim, primeiramente, buscou-se, nesse trabalho um entendimento

do contexto em que o poder está inserido, para compreender a balança de

poder e as diferentes intensidades do uso do hard e do soft power,

verificando então a possibilidade de se aplicar o smart power num cenário

institucional específico, no qual busca-se alianças e parcerias para definir

112

novas políticas, que se faz necessário para se ter um melhor entendimento

dos objetivos que tal Estado pretende atingir. Lembrando que o smart

power busca atingir metas para o bem público global que vai fazer com que

a influência e legitimidade daquele autor aumente no cenário internacional.

A escolha por uma estratégia de soft ou smart power, não é

classificada exclusivamente como uma “escolha dos mais fracos”, pelo fato

do Brasil não possuir tanto hard power, mas também uma decisão da elite

política brasileira que opta por manter os valores, princípios e tradições

internas do país, transpassando-os para o plano externo, de promover a paz

e democracia, assim como respeitando a soberania e o território dos demais.

Não obstante, não podemos ignorar que o próprio país já optou por

focar em estratégias de hard power, como durante a Guerra do Paraguai, no

fim do século XIX, no entanto, tende a reforçar sua tradição de país pacífico

e na busca por um bem público global, respeitando as normas

internacionais, e promovendo a cooperação, tende a evitar soluções que se

pautem no uso da força, obrigando os demais a ter determinado

comportamento. O país prefere se utilizar de forma mais balanceada de seus

recursos, para buscar atingir um papel de liderança pela participação e pelas

parcerias com os demais países, cooperando e promovendo a paz. O Brasil,

como uma potência emergente, articula seus recursos de soft power, com

aqueles de hard power, compreendidos e utilizados aqui principalmente em

natureza de operações de paz ( não para a guerra convencional), para seus

objetivos.

Assim, a escolha consciente do Brasil por buscar uma estratégia de

smart power é algo condizente com sua postura no plano internacional e

com o papel que o país vem assumindo na América do Sul e no Sul Global,

seja como um hegemon consensual no continente, como um líder não-

intervencionista no Sul Global, que reafirma a percepção do Brasil no plano

internacional como um “parceiro desejado”.

113

A opção pelo smart power como uma potência emergente se torna

possível também devido à alguns fatores de conjuntura, como o fato do

Brasil não possuir disputas territoriais declaradas por suas fronteiras, pelo

seu comprometimento com o multilateralismo e a promoção da

institucionalização e cumprimento de normas internacionais e a busca pelo

regionalismo e integração com a América Latina, principalmente com a

evolução de projetos como a UNASUL e o MERCOSUL, fazendo-o deste

um país muito estável, cercado de países amistosos, sem muitas ameaças à

possíveis ataques à seu território.

No entanto essa construção de um consenso e convergência de

interesses não ocorre somente no Cone Sul. A reputação brasileira de um

país representativo e líder potencial são perpassadas pelo Sul Global, onde

o Brasil está integrado em diversas iniciativas, como sua participação no

G77 e G20, IBAS, iniciativas dos BRICS, tomando posição e passando a

imagem de representante de seus semelhantes, expandindo seu capital

político.

Quanto às formas como o Brasil tem buscado alcançar esse papel de

destaque no cenário internacional, vemos sua atuação na CSS e em

operações de paz de forma que este possa se tornar um global player com

maior influência. Tornando-o um líder normativo com políticas muito

atrativas para outros atores. O Brasil busca se inserir na ordem global

através da cooperação promovendo princípios democráticos, respeito pelos

direitos humanos e estado de direito, buscando a redução da pobreza e

desigualdades.

O campo da CSS tem se destacado como um forte elemento de soft

power ampliando a atuação brasileira no Sul Global e sua

representatividade no Sistema Internacional, já sendo tratado como um dos

atores indispensáveis quando se discute temas como a segurança alimentar,

aumentando sua participação e importância na área. Programas sociais

como o ‘Bolsa Família’ e o ‘Fome Zero’ aumentaram bastante a

114

importância do Brasil em diálogos acerca da CID na exportação de seus

programas.

Seu renome na área tem crescido bastante, mas o país ainda precisa

se consolidar mais internamente, lidando com suas próprias crises para

transpor suas soluções também em sua política externa, como potência

civil, que foi como muitos desses programas vieram a acontecer. Uma

grande oportunidade de crescimento do Brasil nessa área é aumentar sua

presença no continente africano não só no que diz respeito à CTPD, como

também na promoção de cooperação para construção de instituições

políticas e de diálogos junto à sociedade civil, governos e ONGs na região.

Alguns desafios a serem enfrentados para se destacar mais ainda

nessa área que devem ser mencionados são a falta de uma legislação

abrangente quanto ao estabelecimento de parceria com demais países; o fato

de ter seu orçamento subordinado ao MRE, muitas vezes limita a atuação da

ABC quanto à sua capacidade de recursos disponíveis para execução de

projetos; além disso, há uma falta de coordenação e eficácia para lidar com

a burocracia de tais iniciativas, retardando a execução de projetos. Fazendo-

se necessário que o país regulamente mais tal atividade e tenha um

planejamento específico quanto aos objetivos que deseja atingir nessa área,

não atuando somente pela demanda.

Quanto a participação em operações de paz, este pode ser

considerado o mais importante nicho diplomático para a projeção de smart

power, principalmente no que diz respeito a atuação em operações de

construção da paz. A atuação do Brasil no Haiti contribuiu para o país

aprender e orquestrar mais suas próprias manobras militares, as quais o país

utilizou durante o período de 2008 em suas iniciativas de pacificação de

favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Vemos neste, uma nova

oportunidade de treinamento para as próprias tropas brasileiras, que não se

envolve diretamente em situações de conflitos, devido histórico de ser uma

nação pacífica e sem guerras – assim como uma combinação de pontos

115

fortes de soft power com hard power na implementação de programas e

políticas de reconstrução social e política trabalhando juntos. O Brasil age

assim sobrepondo as lógicas de adequação e consequência, onde calcula o

custo-benefício de atuar nas missões, com o cálculo de seus objetivos

estratégicos, assim como o seu comportamento esperado com suas

obrigações internacionais (MARCH & OLSEN, 1998, p.952).

Caso um sucesso, o espectro da participação de operações de paz e

no uso de suas ferramentas disponíveis para a resolução de conflitos, o

Brasil pode ter uma maior receptividade em sua estratégia de smart power

de se inserir mais ativamente na agenda internacional de segurança a partir

de seus nichos diplomáticos como o das operações de paz, como um

mediador de conflitos engajado com a manutenção das normas e da paz e

segurança internacional. Só cabendo ao Brasil para deixar sua marca se

comprometendo com seu envolvimento em operações de paz.

Sua projeção através da participação efetiva no nicho de operações

de paz caminha em um bom ritmo, sendo um dos carros fortes do Brasil na

área de segurança, assim como um bom argumento de barganha para a

busca por um assento permanente no CSNU, no entanto, há algumas

dificuldades que o país tem que enfrentar e melhorias a fazer.

Ainda não há uma organização regular da participação em operações

de paz (que vem melhorando com o aprimoramento de instituições como o

CCOPAB), o país não tem um contingente específico treinando com essa

finalidade, e sim começa a separar um uma vez que uma missão é definida

(REZENDE, 2010, p.106). Tal participação apresenta um desafio de

coordenação militar, que é ao mesmo tempo uma oportunidade para o

Brasil aprender mais com isso e aperfeiçoar suas táticas.

Apesar de sua crescente percepção e presença no cenário

internacional, podemos ver em diversas situações, como a negligência do

país em levar a frente à defesa do conceito de RwP, e posturas ainda um

116

pouco omissivas em questões internacional, que o Brasil ainda tem um

longo caminho para se consolidar como um ator proeminente no campo de

segurança internacional.

Recentes acontecimentos tomaram o sistema internacional menos

maleável, como foi o caso da crise econômico, que acabou também

impulsionando o G8 a ganhar forças no sistema internacional. Tensões

político-econômicas na América do Sul, como a crise argentina, tornaram o

continente uma região mais difícil para o Brasil operar sua política externa

e expandir seu prestigio e influência. Pela sua inclinação política e histórica

o Brasil deve buscar uma maior integração regional, na qual o país exerce

um papel de liderança. Dessa forma o país terá uma presença internacional

mais forte como líder de um bloco regional e ao mesmo tempo mais

representativo como hegemon consensual na região, uma vez que tenha

esforços para fortalecer blocos como o MERCOSUL e a UNASUL.

O lugar atual do Brasil na ordem global ainda não o permite que

atinja seu objetivo no campo de segurança e consiga um assento

permanente no CSNU. No campo da segurança, sobretudo com recente

acontecimento como a crise da Síria, Líbia, Ucrânia e uma forte retomada

de tensões com o Estado Islâmico (sobretudo no que tange a questão do

conflito de Israel-Palestina) é possível observar uma volta da agenda

internacional de segurança sendo definida pelas grandes potências, em

detrimento da participação dos países emergentes (SKPETOR, 2014).

Tal fato pode ser explicado pelo poder de veto no CSNU, onde o

mesmo foi aplicado em quase todos os casos acima. Isso serve para indicar

que mesmo com as tentativas de países emergentes, e mais especificamente

do Brasil (que se mostrou um tanto quanto omisso nesses últimos casos

durante o governo de sua presidenta Dilma Rousseff) de projeção e busca

por influência nos processos decisórios na agenda de segurança (tal qual

como foi o caso da iniciativa do RwP). Ainda pode-se observar o impacto

que a falta de hard power tem sob a definição da agenda de segurança

117

internacional, e sobretudo no que tange a busca pela reforma da ONU e do

CSNU, não acatando a entrada de novos membros permanentes.

Independente da atuação brasileira nestes nichos diplomáticos tê-lo

tornando referência nas respectivas áreas, tal estratégia de smart e soft

power, ainda deve demorar a fazer efeito, dependendo da conjuntura e

contexto para trazer de fato algum resultado na posição do Brasil no campo

de segurança e lhe dar mais capital diplomático e poder de barganha, pois o

país tem um hard power ainda baixo. Isso na atual configuração do sistema

internacional ainda interfere muito nas decisões a serem tomadas na ordem

global. A criação de políticas e documentos oficiais quanto á Defesa

Nacional, como a criação da PND, END e do LBDN, são exemplos de

como o Brasil vem buscando enfrentar seus desafios para se consolidar no

campo de Segurança Internacional, lidando com sua falta de hard power. O

importante de se destacar aqui, é que a forma como o Brasil deve buscar

aumentar seu hard power não deve ser na forma tradicional de

simplesmente aumentar seus armamentos, tecnologias e exército, mas sim

através do smart power, como uma potência média, transformando também

seus recursos de soft power em áreas ligadas à assuntos de segurança.

Não se pode negar que o papel do Brasil é muito maior nos dias de

hoje do que era durante a época da Guerra Fria, já tendo algum impacto –

mesmo que não efetivo e final – em questões de segurança e na ordem

global. O país vem contribuindo cada vez mais para a redefinição de

elementos decisivos de poder, incluindo os recursos brasileiros além da

leitura tradicional de hard power. Algumas áreas estratégicas em que o

Brasil deve investir mais para sua promoção no campo de segurança é

quanto à segurança marítima do atlântico sul; reforçando seu papel de

liderança na América Latina, incentivando o aumento da integração

regional; e reforçar seu próprio aparato militar.

A nova realidade do Brasil no cenário internacional reflete com a

busca por seus objetivos estratégicos de inserção no campo de segurança

118

internacional e para se tornar um global player. O país tem crescido

consistentemente com seus objetivos, no entanto, ainda não conseguiu cavar

um espaço no cenário internacional forte o suficiente para que ele possa se

afirmar e fazer de seus objetivos estratégicos uma realidade.

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