a busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional através de uma...
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A busca brasileira por uma maior inserção no campo de
segurança internacional através de uma estratégia de
smart power
Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza
Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Relações Internacionais
Rio de Janeiro
2014.2
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO
A busca brasileira por uma maior inserção no campo de
segurança internacional através de uma estratégia de
smart power
Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza
Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel
Monografia apresentado ao
Instituto de Relações Internacionais
da Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio) como
requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Relações
Internacionais.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Relações Internacionais
Rio de Janeiro
2014.2
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, por terem me
proporcionado essa oportunidade de estudo e por todo o apoio durante os anos de
graduação.
Ao Instituto de Relações Internacionais e a todos os seus professores pela
ajuda em minha formação acadêmica. À professora Layla Dawood por todas as
conversas, críticas e conselhos metodológicos durante a elaboração do projeto
inicial deste trabalho.
Aos colegas de trabalho por compreenderem meus momentos de
dificuldades e prazos a serem cumpridos, capítulos a serem entregues, e interesse
em nossas conversas sobre o tema de pesquisa deste trabalho.
Ao meu orientador, Kai Michael Kenkel, que mesmo nunca tendo sido
meu professor aceitou desde o inicio me orientar de braços abertos. Desde o
inicio, mesmo com horários tão apertados me foi sempre solicito e disponível,
sendo extremamente crítico e rígido, mas com comentários e sugestões
indispensáveis, as quais sem este trabalho não seria o mesmo.
E por último, mas definitivamente não menos importantes, a todos meus
amigos próximos que conheci e que me acompanharam durante todos esses anos
de graduação nos bons e maus momentos.
Resumo
Este trabalho procura analisar a busca brasileira por uma maior inserção no
campo de segurança internacional - configurado em seus objetivos
estratégicos, como a busca por um assento permanente no CSNU - a partir
de uma releitura do conceito de smart power. Este, uma vez criado pelos
EUA para legitimar suas ações, será abordado de outra forma quando
aplicado às potências emergentes como o Brasil, de forma que seja usado
como uma estratégia para suprir a falta de hard power do país. A partir de
então, serão abordadas formas do país conseguir se inserir em temas de
segurança. Isso é feito através da atuação em seus nichos diplomáticos que
interferem no campo de segurança. Focado no caso brasileiro, o trabalho
aborda os campos de nicho diplomático do país que tornam isso possível a
partir da atuação do país em operações de paz e no âmbito da cooperação
sul-sul.
Palavras-Chave: Política Externa Brasileira – Smart Power – Operações de
Paz – Cooperação Sul-Sul – Segurança Internacional – Nicho Diplomático
Abstract
This work aims to analyze Brazil’s search for greater profile in the area of
international security – with a defined strategic goals of permanent
membership in the United Nations Security Council - through a
reinterpretation of the concept of smart power. Created by US academics to
explain their actions, the concept will be adapted to the needs of an
emerging power like Brazil to be used as a strategy to address the country’s
hard power deficit. The study addresses in which ways the country is able
to enter the global security agenda. This is done through the its activities in
diplomatic niches in the security field. Focused on the Brazilian case, the
thesis covers Brazil's diplomatic niches that make this insertion possible
from the performance of the country in peacekeeping operations and in the
context of South-South cooperation.
Key-words: Brazilian Foreign Policy – Smart Power – Peace Operations –
South-South Cooperation – International Security – Niche Diplomacy
Sumário Agradecimentos ............................................................................................................. 0
Resumo ............................................................................................................................. 0
1. Introdução ................................................................................................................ 7
2. Aporte Teórico ...................................................................................................... 14
2.1. Smart Power .................................................................................................. 14
2.2. Funcionalismo Liberal ................................................................................ 24
2.3. Potências Médias ......................................................................................... 28
2.4. Metodologia ................................................................................................... 37
3. Cooperação Sul-Sul ............................................................................................. 45
3.1. Cooperação Internacional para o Desenvolvimento ........................... 45
3.2. A Cooperação Sul-Sul ................................................................................. 50
4. Operações de Paz ................................................................................................ 61
4.1. Definições do termo .................................................................................... 61
4.2. Evolução Normativa das Operações de Paz ......................................... 66
4.2.1. Uma Agenda para a Paz ...................................................................... 68
4.2.2. Relatório Brahimi .................................................................................. 70
4.2.3. Debates sobre soberania e intervenção ......................................... 71
4.2.4. A Responsabilidade de Proteger ..................................................... 71
4.2.5. A Responsabilidade ao Proteger ..................................................... 76
4.3. Atuação das potências emergente em Operações de Paz e na
Cooperação Sul-Sul ................................................................................................. 80
5. A Inserção Brasileira através do Smart Power ............................................. 85
5.1. O Brasil na Atual Ordem Mundial............................................................. 85
5.2. A Agenda Brasileira de Cooperação ................................................................. 93
5.2.1. A Cooperação Sul-Sul como Nicho Diplomático Brasileiro .................... 95
5.2.2. O Brasil e os BRICS na ordem internacional .......................................... 100
5.3. As Operações de Paz como Nicho Diplomático Brasileiro ............................ 102
5.3.1. O Marco brasileiro: A atuação no Haiti ......................................... 103
5.3.2. A tentativa de inserção no nicho normativo de operações de
paz ................................................................................................................. 105
5.3.3. A Cooperação no campo de Operações de Paz ......................... 107
6. Conclusão: Perspectivas para o futuro ........................................................ 109
7. Bibliografia ........................................................................................................... 119
Lista de abreviações
ABC – Agência Brasileira de Cooperação
AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas
AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CAD – Comitê de Assistência ao Desenvolvimento
CCOPAB – Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
CNS – Cooperação Norte-Sul
CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas
CSS – Cooperação Sul-Sul
CTPD – Cooperação Técnica para o Desenvolvimento
END – Estratégia Nacional de Defesa
IBAS – Índia, Brasil e África do Sul
LBDN – Livro Branco de Defesa Nacional
MINUSTAH – Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
NHBs – Necessidades Humanas Básicas
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PND – Política Nacional de Defesa
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
R2P – Responsabilidade de Proteger
RwP – Responsabilidade ao Proteger
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
UNOSSC – Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul
ZOPACAS – Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
1. Introdução
O Brasil vem se tornando cada vez mais um ator reconhecido e de
importância significativa na política internacional. A tradição brasileira para
com o multilateralismo é algo constante em sua política externa, podendo
ser vista desde outros tempos, como o da criação da Liga das Nações. Após
o fim da Guerra Fria, vemos um momento onde questões de segurança
tiveram um grande desenvolvimento no cenário internacional, propagados
em foros multilaterais. Nesse ambiente surgem novos polos de poder, que
passaram a ser vistos pela sociedade internacional como uma nova
oportunidade de reestruturar a esfera internacional, buscando assim uma
nova tentativa de atingir a paz e a harmonia.
Vivemos nesse momento oportuno para o crescimento da cooperação
entre estados e busca por uma maior inserção de diferentes atores na norma
internacional. Em um cenário onde o multilateralismo é mais amplamente
difundido, é possível encontrarmos uma maior participação daqueles que
antes eram pouco ouvidos (HERZ, 2011).
Para potências emergentes esse momento se tornou muito
importante, onde o processo de integração poderia vir a significar desde
uma fonte de ameaça à estabilidade daquele país no sistema; um escudo
protetor para ameaças externas; ou até mesmo uma plataforma para a
projeção de poder de determinado país no internacional.
É importante ressaltar que o Brasil, na condição de potência
emergente, ainda enfrenta uma série de desafios que muitas das “grandes
potências” e “países desenvolvidos” já têm dado como estabilizados. A
questão da fome e pobreza pode ser um exemplo disso. No entanto o Brasil
vem demonstrando assumir um papel de liderança e preponderância
regional na América do Sul, solidificando a região como uma entidade
político-econômica, a ser levada em conta no cenário internacional, e
assumindo o papel de seu líder como potência hegemônica consensual, e
8
fortificando e aumentando cada vez mais sua imagem como um ator global
com uma maior presença no plano internacional.
Vemos o regionalismo como uma das principais vertentes da política
externa brasileira na década de 90. Uma série de fatores pode ser apontada
como responsável disto, como também fatores domésticos, como a
redemocratização do país, e a crise econômica que assolou o Cone Sul
nessa década—fazendo com que estes temessem um isolamento de
organizações do hemisfério norte—e por uma inflexão da rivalidade
político-estratégica com a Argentina, com a assinatura de acordos de obras
de infraestrutura1 (NEVES, 2012), tornando o Brasil uma potência civil,
que busca a transposição, para o nível internacional, de seu processão de
“civilização” interno (MAULL).
Assim, a elite política brasileira passou a ver a região latino americana
e do Cone Sul como um possível espaço de cooperação, no qual se
buscariam soluções para problemas domésticos, e também como uma
possível plataforma para que o Brasil se consolidasse como uma potência
regional e aumentasse sua projeção de poder no globo. Assim, vemos
teóricos como Sean Burges (2008, p.21) que defendem a tese de que o
Brasil exerce uma “hegemonia consensual” na América do Sul,
estabelecendo-se como uma potência regional. Uma vez que este, não tendo
recursos econômicos suficientes para arcar com os custos de integração
mais profunda, utiliza-se de recursos como interações regionais, obras de
infraestrutura e outras formas de cooperação para fortalecer a sua presença
na região e no mundo. Burges (ibid) coloca que, mesmo que o Brasil exerça
uma liderança frágil no cone sul isso pode vir a gerar resultados positivos
para o país, ressaltando que isso é uma estratégia brasileira que vem se
afirmando desde a década de 1990 até os dias atuais. Podendo ser vista
iniciada com o governo Fernando Henrique Cardoso e fortemente
incentivada no governo Lula.
1 Vemos, por exemplo, a assinatura do acordo tripartite entre Brasil, Argentina e Paraguai para a
construção da usina de Itaipu (Brasil-Paraguai) e usina de Corpus (Argentina-Paraguai).
9
O Brasil então, nessa época, já via a necessidade de mudar a seu
comportamento perante a região e a comunidade internacional para que o
mesmo fosse adequado, de forma que o seu papel nos foros multilaterais e
no campo da segurança internacional lhe propusesse uma maior influência e
capital diplomático em negociações internacionais. A busca por uma maior
inserção brasileira no sistema internacional no campo da segurança pode ter
algumas diferentes abordagens analíticas com base na consolidação interna
de um objetivo brasileiro, projetado em uma conduta externa, no plano
internacional. Assim, pode ser identificada a iniciativa de se adotar uma
nova lógica para a política externa brasileira que se desse por meio da
autonomia pela integração (VIGEVANI et al, 2003), em que o país tivesse
mais participação nos assuntos da agenda global.
Assim o Brasil passou a se envolver em questões internacionais com
mais frequência, buscando sempre se manifestar, mas continuando a
defender seus princípios e valores consolidados internamente, como uma
potência civil. Identificamos isso através de diversas ações como a tardia
adesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 1998, devido à defesa
do conceito de soberania e não-intervenção, onde os formadores de política
tem buscado continuar a construir a imagem do Brasil como um país
pacífico que coopera e coordena suas ações com os outros (CARDOSO,
2001, p.7), e maximizando as vantagens da globalização para o seu
desenvolvimento e se tornado mais presente em discussões internacionais.
No que tange a questão de segurança, é importante ressaltar que é
muito difícil para um país tornar-se influente na área de segurança sem
possuir efetivamente recursos de hard power, no entanto, com o fim da
Guerra Fria e da dicotomia bipolar de poder, e com uma guinada de força
no multilateralismo e na promoção de instituições multilaterais, vemos o
Brasil, assim como outros países com menos hard power, buscando
envolver-se, em questões de segurança internacional. Uma das formas disso
ser feito, foi através da participação de Operações de Paz.
10
Além disso, o Brasil busca reforçar o multilateralismo e inserir os
interesses brasileiros e se aproveitar de oportunidades de cooperação que
podem ser identificadas no curso da implementação dos processos de paz
(UZIEL, 2010, p.86). Não obstante, a estratégia brasileira é pautada no
renome do Brasil no plano internacional, buscando manter bons
relacionamentos com todos e defender seus interesses, empenhado na
construção de uma ordem global mais próspera e pacífica, como visto em
seu Livro Branco (BRASIL, 2012). Assim, pode-se ver a importância do
comportamento e participação brasileira perante organismos multilaterais.
Historicamente o Brasil vem defendendo no campo diplomático os
princípios de não intervenção e defesa da soberania nas mais diversas
instituições multilaterais. Tais conceitos muito se aplicam quando o Brasil
trata de questões do cooperação internacional e da promoção da paz e
construção da paz em situações de conflito, de forma a ser reforçada ao
longo dos anos e articulado junto de sua política externa e política de
defesa. A forma como o Brasil se porta no plano internacional quanto a
esses assuntos é regida pelo fato de ser uma potência emergente com pouco
hard power, sendo assim, um ator que busca se utilizar de todos os seus
meios possíveis meios possíveis, como recursos de soft power2 para
perseguir sua estratégia de política externa e se inserir em questões de
segurança na sociedade internacional, aumentando sua influência no globo.
O Brasil faz uso desse aspecto para elaborar sua política externa (HERZ,
2011, p.3).
Grande parte da política brasileira é de seu renome no plano
internacional, buscando manter bons relacionamentos com todos e defender
seus interesses, empenhado na construção de uma ordem global mais
próspera e pacífica. Assim, pode-se ver a importância do comportamento e
participação brasileira perante organismos multilaterais (BRASIL, 2012), e
como se dá a elaboração de sua grande estratégia política.
2 Tendo Soft Power como a habilidade de cooptação, de definir a agenda, de persuadir e exercer
atração positiva. S. Nye, ‘Soft Power’, Foreign Policy, No.80, 1990, pp.153–71.
11
Por grande estratégia entendemos a partir do conceito cunhado pelo
historiador, militar e teórico inglês da estratégia, Liddell Hart (1967). De
acordo com o autor, vemos que o papel da grande estratégia é de coordenar
e direcionar os recursos de uma nação para atingir seus objetivos políticos.
Segundo o este, a grande estratégia trabalha também com a distribuição de
recursos e poderes do aparato estatal, olhando além da guerra e da paz que a
segue. A grande estratégia deve não só combinar os mais variados
instrumentos disponíveis pelo estado da melhor forma possível, mas
também regulá-los para buscar a manutenção da paz (HART, 1967).
É uma discussão muito prospera, se o Brasil deve se focar e
aumentar seus recursos de hard power, considerando a expansão das
ambições internacionais do país e sua influência no globo, ou se tal
iniciativa minaria a reputação pacífica de o Brasil mantém por tantos anos,
e se isso iria, verdadeiramente, de encontro com os objetivos brasileiros.
Assim, questiona-se se o Brasil deveria agir de acordo com a lógica realista
da consequência de suas ações, ou então, sob uma ótica funcionalista
liberal, se deve agir de acordo com o papel e imagem que este almeja no
sistema internacional para formular sua grande estratégia.
Frente à todos os novos desafios e reestruturações do sistema
internacional contemporâneo, permeado por conflitos e disputas de poder e
influência, vemos a propagação de uma série de objetivos globais como o
fim de conflitos, promoção da estabilidade e desenvolvimento econômico,
dentre outros. Com isso, vemos a busca do fim de conflitos cada vez mais
por situações que não a do uso da força, e com essa condicionante, os
Estados que possuem muito hard power, e aqueles que não o possuem o
suficiente para se manifestar sobre o assunto, devem almejar uma nova
estratégica de inserção e aceitamento de suas políticas nas agendas
internacionais de segurança, sendo necessário buscarem uma estratégia em
que melhor combinem seus recursos e sejam aceitos perante a sociedade.
Com isso surge a busca por uma estratégia inteligente de projeção de poder:
12
o smart power. A participação brasileira será então vista a partir de tal
abordagem. A sua participação se pautará na literatura de nichos
diplomáticos, que respaldam em assuntos de segurança, pois uma das
formas de se exercer smart power pode ser através do multilateralismo
institucional.
A pesquisa será pautada após o fim da Guerra Fria, onde houve uma
redefinição geral do conceito de segurança no campo das Relações
Internacionais, com enfoque desde a retomada do antigo pleito pelo assento
permanente no Conselho de Segurança, assim como por uma instância
reformista no discurso da política externa brasileira mais participativa no
cenário internacional apontando para a necessidade de uma reforma das
instituições de governança global que fosse mais condizente com o
panorama geopolítico atual.
São necessárias instituições que não reflitam um cenário de pós-
Segunda Guerra com uma distribuição de poder centrada nas grandes
potências da época, não mais vigentes na política global. Assim, a busca do
Brasil por mais influência é baseada no pleito de que se deve haver uma
maior representatividade que reflita na configuração atual de poder do
mundo, dando voz aos países não representados por estruturas arcaicas,
como a do Conselho de Segurança, reformando as Organizações
Internacionais.
O trabalho será dividido em etapas, a fim de identificar sob uma
lente teórica específica, descrever, analisar e interpretar os fenômenos da
atualidade o intuito da busca brasileira por uma maior inserção no campo de
segurança internacional, através de uma possível estratégia de smart power.
Para tal, haverá uma revisão de literatura teórica, onde a partir disso,
identificaremos possíveis áreas de atuação – nichos diplomáticos – e
veremos como tais áreas tangem à discussão da área de segurança. Após
estabelecer tal relação, o trabalho entrará no estudo de caso do governo
13
brasileiro, procurando identificar se a atuação nessas áreas é algo pertinente
e condizente com a busca brasileira por uma maior inserção. O trabalho
concluirá com um balanço da análise dessas áreas, identificando então a
estratégia brasileira e buscando conclusões e recomendações futuras.
2. Aporte Teórico
2.1. Smart Power
Empenhado na construção de uma ordem global mais próspera e
pacífica, mantendo bons relacionamentos com todos e defendendo seus
interesses, o Brasil, assim como muitos outros países, busca expandir sua
inserção no cenário global, envolvendo-se cada vez mais em fóruns
internacionais. Não obstante, como parte de sua grande estratégia de defesa,
o Brasil busca então projetar poder a partir de uma tentativa de conversão
de soft power, a ser definido a seguir, em sua busca por influência (HERZ,
2011, p.4).
Para tal análise, é necessário compreender mais profundamente as
relações de poder e como estas fazem parte da estratégia brasileira. O
argumento escolhido para tal análise é embasado a partir da concepção de
poder de Joseph S. Nye (1990, 2004; 2007, p.1). Com isso, deve-se
primeiramente abordar a definição de poder como um todo, que é um dos
grandes pontos de debate nas teorias de Relações Internacionais.
De acordo com Nye, poder é concebido ao se pensar em termos de
comportamento, sendo este a “habilidade de afetar o comportamento de
outros para conseguir os resultados que um deseja” (NYE, 2004, p.2).
Logo, a concepção de poder é relacional, onde é impossível não levar em
conta os outros atores do sistema, que interagem e compartilham o mesmo
espaço anárquico em que os Estados se encontram. Tendo em mente tal
característica, do poder como relacional é possível generalizar três
comportamentos dos Estados a fim de se atingir poder: “[v]ocê pode coagi-
los com ameaças. Você pode levá-los com punições ou pagamentos. Ou
você pode atrair e cooptá-los a querer os resultados que você deseja” (NYE,
2004, p.2).
15
Ao detalhar mais especificamente tais generalizações, vemos então
dois conceitos de poder, muito utilizados no campo das Relações
Internacionais, o hard power e o soft power. O primeiro, hard power, diz
respeito à habilidade que um Estado tem de afetar o comportamento de
outros para atingir resultados almejados seja por coerções ou ameaças, e
como o Estado (ator em análise neste caso), se utiliza de seus recursos e
influências a fim de fazê-lo (a influência, então, também pode ser abordada
como um recurso de hard power, uma vez fundamentada a um
comportamento de um determinado ator de forma a que este aja não
somente por atração a outro). Isto é, o hard power diz respeito aos dois
primeiros comportamentos de um Estado, identificado por Nye, onde este
age a fim de coagir outro com ameaçar, ou fazer uso de punições ou
pagamentos, a fim de atingir seu objetivo. Já, o segundo conceito diz
respeito à capacidade de um ator influenciar outros pela atração/cooperação
ao invés de coerção ou de pagamentos e punições, que é como Nye (2004,
p.5) vai definir soft power.
É importante ressaltar que segundo Nye (2004), apesar do poder ser
julgado em forma de comportamento para produzir resultados desejados,
este não é facilmente mensurado com antecedência, dificultando estudos de
comportamentos prévios dos atores. Além disso, para julgarmos o poder,
temos sempre de analisar o contexto no qual este está inserido, pois este não
é algo imutável.
Nye (2004, p.8) vai argumentar também, que determinado Estado3
pode obter seus resultados desejados na política devido a uma série de
razões, dentre elas a admiração dos valores de um país por outro, levando
este a segui-lo, tendo determinado país como exemplo e vendo seus
objetivos como legítimos. Assim, é importante definir uma agenda que
atraia outros países para seus objetivos. Com isso, podemos observar neste
3 É importante ressaltar que o Estado é o ator central da análise de Nye, no entanto tais relações
também podem ser transpostas a outros níveis de análise.
16
mundo anárquico onde os Estados são atores soberanos, que a preocupação
com a Segurança Internacional é um importante tópico na agenda global.
O soft power tende a ser mais importante quando a distribuição de
poder no sistema internacional encontra-se mais disperso – tal qual como no
mundo atual multipolar onde vemos os fóruns da ONU com debates com
diferentes polos de poder, buscando coordenar políticas para participações
conjuntas em operações de paz – e também tem maior impacto em objetivos
mais gerais, como as discussões gerais da segurança internacional, ou no
âmbito do Brasil, em sua estratégia nacional de defesa. Porém o hard power
não pode ser deixado de lado, pois continua influenciando muito na relação
entre os Estados.
Nye aborda o conceito de poder primordialmente como algo
relacional, mas devemos ter em mente também que a literatura de poder
cresce constantemente, tornando necessário entender a relação entre os
próprios conceitos de poder, como é o caso do hard power e do soft power.
Essa é uma relação bem complexa, onde até mesmo o uso da força pode
acabar gerando soft Power, dependendo da forma como é utilizada e
percebida pelos demais atores, o que é muitas vezes o caso de discursos de
defesa de princípios como a proteção de nações amigas de agressão, ou pela
prática de manutenção da paz.
Assim, a fim de titulo, podemos identificar como indicadores do
poder as seguintes características, como definidas na tabela abaixo:
Tabela 2
Hard Power Soft Power
Espectro de
comportamentos
- Coerção;
- Indução;
- Definição de Agendas;
- Atração;
- Cooptação;
17
Recursos mais
prováveis
- Uso da força;
- Sanções;
- Ameaças;
- Recompensas;
- Instituições;
- Valores;
- Cultura;
- Políticas;
Fontes de poder
- Absoluta;
- Majoritariamente força
militar e econômica;
- Tangíveis, facilmente
mensuradas;
- Direta, de curto prazo
e com resultados
imediatos;
- Relativa: baseada no
contexto;
- Majoritariamente força
cultural;
- Intangíveis, dificilmente
mensuradas;
- Indireta, à longo prazo e
com resultados
demorados;
Tabela elaborada com base nos conceitos de Nye (2004, p.5-10).
A relação entre hard power e soft power, não deve ser entendida
como uma relação de exclusão, onde só um dos tipos de poderes pode
existir, ou em que um exclua o outro. Há muitas vezes em que o hard power
e o soft power interferem um no outro, uma vez que a distinção entre estes
ocorre em grau de comportamento. Na realidade, ambos podem ser
complementares, e a habilidade e estratégia de combinar efetivamente esses
dois termos, pode ser cunhada como ‘smart power’ (NYE, 2007, p.373).
Smart power não é nem hard nem soft (power) - é a
combinação hábil de ambos. Smart power significa desenvolver uma
estratégia integrada, base de recursos e ferramentas para alcançar
objetivos (aqueles) que tem como base tanto o hard, como o soft
power. É uma abordagem que (...) investe pesadamente em alianças,
parcerias e instituições em todos os níveis de expansão (...) da
18
influência e estabelecer a legitimidade de ações (...) (ARMITAGE &
NYE 2007, p.11).
Uma vez utilizado determinado poder, isso pode afetar o outro de tal
forma que seja necessário diminuí-lo, ou até mesmo aumentá-lo, de acordo
com o contexto específico em que estão inseridos, não sendo
necessariamente onde para obter determinado tipo de poder tem que se
diminuir o outro. É uma relação bastante complexa e depende muito
daquele que a analisa e de como percebe os fatos, que não se limita somente
a tangibilidade, ou intangibilidade dos recursos. Uma ameaça, por exemplo,
pode ser algo intangível, no entanto, ela força determinado ator a agir de
uma forma, sendo assim, uma ação de hard Power (NYE, 2004, p.26). O
que realmente importa na diferenciação dos poderes é o contexto em que
estão inseridos em seu uso.
O conceito é abordado por diversos outros acadêmicos e aqueles
detentores de cargos políticos, torando-o um conceito frutífero, para ser
usado neste trabalho. Para Suzanne Nossel (2004, p.2), autora à qual, além
de Nye, é atribuída à criação do conceito, o smart power é abordado ao
analisar o caso dos Estados Unidos, num contexto pós-Guerra Fria, onde o
sistema internacional se tornou algo muito mais amplo do que antes era, e
em diversos casos, como o do terrorismo, em que as estratégias
exclusivamente de hard power não seriam sempre a melhor forma para o
governo norte americano agir, devendo sempre levar em conta alianças,
instituições internacionais, uma diplomacia mais cuidadosa e o poder das
ideias (NOSSEL, 2004, p.4).
Ainda segundo Nossel, o engajamento multilateral de um ator, de
acordo com a visão de liberais, é vista como uma escolha ditada pela lógica
do smart power,uma vez que vemos no liberalismo a tendência dos países
de se envolverem em organismos multilaterais, promoção da democracia e
outros valores que prezam pelo não uso do hard power, pensamento esse
19
compartilhado por outros autores, como Johanna Forman (2009), que traz
as Nações Unidas como um possível instrumento de smart power dos
Estados Unidos, por colocar em um plano menor o poderio militar, dando
também grande importância às alianças, parcerias e instituições, alinhando-
os ao interesse nacional de um Estado.
O conceito de smart power, abordado como um corolário ao conceito
de soft power, surge na necessidade de um melhor entendimento das
concepções de poder no mundo cosmopolita moderno, refletindo ela própria
numa mudança nas Relações Internacionais (GALLAROTTI, 2013, p.5).
Assim, como uma combinação do soft power e do hard power, o smart
power surge otimizado o poder nacional, por diversificar suas estratégias de
busca. A partir disso, Gallarotti (2013, p.46-52) busca definir uma série de
estratégias e fatores a serem considerados para a utilização do smart power,
sendo uma delas o fato de que o poder não deve ser baseado somente em
recursos, mas sim também em seus outcomes e percepções produzidas pelas
ações de um Estado, tendo como objetivo otimizar a combinação dos
benefícios do soft power com as características baseadas no hard power.
Assim, podemos ver esse calculo de custo beneficio, visando otimizar seu
poder, a ação de um Estado traduzida em seus nichos diplomáticos
(conceito a ser mais desenvolvido à frente), onde aqueles que não possuem
hard power suficiente para se manter no sistema, deve optar por atuar em
áreas temáticas na qual ele tenha uma vantagem comparativa maior, lhe
permitindo uma maior influência no sistema internacional, exercendo
assim, smart power.
Com o recente surgimento do conceito, principalmente em discursos
estadunidenses sobre políticas públicas e políticas voltadas para o Oriente
Médio, vemos uma crescente importância no conceito, no entanto, este foi
pouco desenvolvido teoricamente. Faz-se necessário, então, diminuir a
insuficiência teórica do conceito e estudar suas deficiências, como
Gallarotti faz em seus trabalhos, ‘The Power curse’ (2010), ‘Soft Power:
20
what it is, why is it important, and the conditions under which it can be
effectively used’ (2011), e especialmente em seu mais recente trabalho,
‘Smart Power: what it is, why it’s important, and the conditions for its
effective use’ (2013), para articular o conceito de uma forma mais
sistemática, a fim de que este seja mais proveitoso para os policymakers.
A nova concepção de poder trazida junto com o conceito reflete a
mudança de cenário no qual a política internacional e as relações
internacionais estão inseridas, tendo sido um conceito muito abraçado por
teóricos liberais e teóricos construtivistas. Uma percepção mais perspicaz
do conceito pode aumentar fortemente a influência dos formadores de
política, dando uma vantagem, em relação àqueles que Gallarotti (2013,
p.5) alega que são “vítimas da ilusão do hard power”, uma crítica
principalmente a teorias realistas das relações internacionais.
Segundo o Gallarotti (2013, p. 24-28), a principal diferença entre os
conceitos de soft power e hard power, que tem que ser correlacionados para
compreendermos a existência do smart power, é o seu entendimento à
medida que o hard power extrai o seu cumprimento através da confiança
nos recursos de poder tangível, enquanto o soft Power vai cultivar todos
seus recursos através de formas mais indiretas e não coercitivas, que é visto
como um ‘meta-poder’ onde o poder é relacionado a ele mesmo e as
relações sociais em que está inserido, tal qual como pode ser exemplificado
pela elaboração de novas políticas e ações em que os Estados valorizem uns
aos outros (GALLAROTTI, 2013, p. 27).
Para melhor compreendermos o conceito de smart power, temos que
analisar mais a fundo as fontes catalisadoras do seu corolário, o soft power.
Este, segundo Nye (2004, p.11-14) é fundamentado em suas fontes
domésticas e internacionais.
Em suas fontes domésticas encontramos uma série de características
e comportamentos, tanto culturais, como de suas instituições políticas.
21
Vemos, como fontes domésticas, a necessidade de um comportamento
interno em que o Estado precisa aumentar a percepção de sua legitimidade
perante seu povo, podendo então fortalecer as decisões e objetivos de sua
política externa (NYE, 2004, p.56-57). No que diz respeito à cultura
doméstica, vemos a busca pela criação de uma coesão social em que o
Estado busca oferecer a sua população um estilo de vida atraente em que se
tenha uma qualidade de vida elevada, liberdade de escolhas (também em
questões como status cultural, religioso, racial e étnico), tolerância para
com seus membros e oportunidades suficientes que os permita manter esse
padrão de vida adquirido. No plano doméstico, é necessário também que o
Governo esteja baseado em suas instituições políticas, fundamentado em
um governo democrático constitucional, onde haja um liberalismo político
pluralista (quanto à existência de partidos políticos e diferentes opiniões
vigentes), e que seu aparato burocrático funcione, a fim de que o governo
possa ser operacionalizado com eficiência.
Vendo então as fontes domésticas que fundamentam o soft power é
interessante abordar o conceito de potência civil de Hanns Maull (1990, p.
92). Segundo o autor, o conceito surge no final da Segunda Guerra,
intensificado ao fim da Guerra Fria, com o “surgimento” de um novo tipo
de poder no plano internacional, onde vemos uma diminuição na
importância do hard power e das forças militares frente aos novos desafios
que surgem na área internacional (como instabilidade políticas, luta contra o
terrorismo, problemas ambientais e o tráfico internacional de drogas)
(MAULL, 1990, p. 103).
Uma potência civil busca:
A aceitação da necessidade de cooperação com os outros na
busca de objetivos internacionais; b) a concentração de meios não
militares, principalmente econômicos, para garantir as metas
nacionais, com o poder militar deixado como instrumento residual
servindo essencialmente para salvaguardar outro meio de interação
22
internacional; e c) uma vontade de desenvolver estruturas
supranacionais para tratar de questões críticas da conduta
internacional (MAULL, 1990, p.93).
De acordo com esse comportamento, vemos o quanto o soft power é
baseado em premissas domésticas, dando ênfase a como a interdependência
é aqui também vertical, entre o estado e sua sociedade, buscando o bem
estar social. De acordo com o conceito de Potência Civil, é interessante
identificar essa nova forma de se compreender a política internacional, onde
os valores e a interpenetração entre o estado e a sociedade acabam gerando
uma mudança no bem-estar social onde assuntos econômicos, e sociais
acabam tendo um grande impacto na política internacional de um Estado
para criar uma legitimidade política da ação deste (MAULL, 1990, p.102-
3). Torna-se crucial a compreensão da externalização da consolidação
interna da política e valores da sociedade e sua interferência na política
externa. Identifica-se então, um processo civilizatório, onde vemos a
transposição de valores domésticos para a política externa de um país, como
a solidariedade para com outros, e a noção e sentimento de justiça e
responsabilidade para o futuro do mundo.
Quanto às fontes internacionais, vemos que o empoderamento do soft
Power se dá pelo comprometimento e respeito dos Estados para as leis,
normas e instituições internacionais, principalmente fundamentado em
práticas multilaterais, em detrimento do unilateralismo, e que os Estados
tenham a complacência para sacrificar interesses nacionais em curto prazo
para atingir o bem maior coletivo. Também é necessário, de acordo com
Nye (2004, p.56-57), de que o governo adote políticas econômicas liberais.
Tudo isso deve ser levado em conta um quadro em que a
globalização se disseminou pelo mundo, aumentando assim os efeitos da
interdependência entre os demais atores da política internacional. Isso teve
uma série de consequências, dentre elas, a disseminação de informação e de
23
valores - como a defesa à democracia - onde foi criada uma série de
impedimentos para o uso indiscriminado do hard Power dando um maior
acesso à informação aos tomadores de decisão, fazendo com que estes
passem a levar em conta mais fatores e opções na hora de decidirem sobre
que ações políticas vão tomar, buscando assim, balancear seus recursos de
forma mais calculada.
Com a globalização, também se vê o crescente papel das
organizações e regimes internacionais, sobretudo ao final da Guerra Fria, na
política, incentivando a cooperação entre os Estados, e pondo cada vez mais
novos constrangimentos a certos comportamentos, como o uso da força, e
coerção de outros.
Como mencionado acima, para julgarmos o poder, temos sempre de
analisar o contexto no qual este está inserido, uma vez que este não é algo
imutável, questionando sempre as fontes e as próprias teorias de poder.
Tendo em mente que os tomadores de decisão devem sempre considerar as
múltiplas consequências possíveis ao relacionar poder, uma vez que está
tudo interligado no Sistema Internacional, deve se pensar sempre nos
resultados que uma decisão pode ter em vez de simplesmente em recursos
de poder. O objetivo maior é atingir o smart Power, e isso é feito quando se
busca uma otimização de poder, combinando o hard e soft Power.
Para outros acadêmicos como Chester Crocker4 (2007, p.13), smart
power vai envolver o uso estratégico de táticas de diplomacia, formas de
persuasão, capacitação de pessoal, projeção de poder e de usar a influência,
de modo que esta se torne rentável para o ator em questão, envolvendo,
basicamente, a força militar do aparato estatal assim como todas as suas
formas de diplomacia.
4 Chester Crocker, Secretário de Estado-Assistete Norte Americano, para assuntos africanos, de
1981 a 1989, doutor e mestre pela John Hopkins University em estudos internacionais, e professor
associado e diretor do programa de mestrado da School of Foreign Service da Georgetown
University.
24
2.2. Funcionalismo Liberal
Assim, como dito anteriormente o Brasil não possui recursos
excepcionais de poder latente e outras formas de hard power, logo, para
buscar melhoras os termos de sua inserção no cenário internacional, além
da concepção de poder abordada por Nye (2004, p.1-4), Nossel (2007) e
outros, vista acima, deve-se também explorar um pouco mais o arcabouço
teórico do funcionalismo liberal para compreendermos as relações de poder
e como o Brasil é visto no cenário internacional.
O funcionalismo é uma vertente do pensamento liberal que busca
trazer aspectos empíricos à teoria, observando a realidade para identificar
tendências. Os funcionalistas enfatizam a cooperação e partem de um
cálculo racional de custo x benefício, ou seja, parte-se da lógica de um ator
racional, que maximiza suas utilidades, privilegiando os elementos de
cooperação do sistema internacional. Como pai do funcionalismo, vemos
David Mitrany, em seu trabalho “A working peace system” (1946), escrito
no pós Segunda Guerra Mundial, onde ele busca compreender como, a
partir de agências especializadas de trabalho (tratando de temas
específicos), a cooperação pode aos poucos se alastrar e se aprofundar entre
os Estados. O foco de Mitrany em seu trabalho original era de trabalhar
com organizações temáticas, limitadas, destinadas a cumprir deveres
específicos e como isso pode aprofundar a cooperação entre os Estados.
Os funcionalistas buscam em sua análise, focar seu estudo na criação
das Nações Unidas e seu impacto no mundo. Eles vão observar então a
criação desta e de suas agências especializadas, como é o caso da
Organização Mundial de Saúde (OMS), do Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), e diversas outras agências. Os
25
funcionalistas buscam entender como a partir dessas agências específicas, a
cooperação pode aos poucos se alastrar e se aprofundar no relacionamento
entre os Estados.
De acordo com o funcionalismo, o aprofundamento da cooperação se
daria de uma forma gradual e lenta, porém firme. Ou seja, se começaria
cooperando em áreas temáticas restritas e aos poucos essa cooperação se
aprofundaria e se expandiria, promovendo assim a “paz por partes”
(SCHUMAN, 1952, p.76). Tal cooperação não se daria através somente de
um ato de fé escrito, ela tomaria forma de um corpo vivo através de um
processo orgânico, na medida em que os diferentes atores passassem a
desempenhar funções específicas de uma forma conjunta.
O objetivo principal dos funcionalistas era estudar o
funcionamento das organizações internacionais e analisar como a
criação de agências especializadas no tratamento de questões
específicas das relações entre Estados poderia conduzir,
gradualmente, ao aprofundamento da cooperação (NOGUEIRA &
MESSARI, 2005, P.76).
Tal cooperação, como pode ser observada, é exercida através da
criação de organizações funcionais internacionais, na qual os Estados
escolhem, racionalmente, delegar parte de sua soberania a estas, a fim de
que as organizações pudessem coordenar tarefas que são uma necessidade
comum entre os Estados. Tal tarefa dificilmente seria exercida de forma
efetiva por apenas um Estado, para garantir aquele interesse e necessidade
comum dos demais, por isso a cooperação se dá nesse nível. É importante
atentar aqui, que de acordo com os funcionalistas, a cooperação pela busca
de necessidades comuns entre os Estados nos assuntos de baixa política, ou
em temas não controversos, que também é comumente denominado pelos
funcionalistas de temas apolíticos.
26
A cooperação então é dada de uma forma bem lenta, de modo que os
Estados passem a migrar a sua lealdade não só de seu aparato estatal
doméstico, mas também para as novas organizações internacionais criadas
por eles. Na medida em que as organizações internacionais se revelarem
mais eficientes do que os Estados, na provisão de suas necessidades
materiais, a lealdade vai migrar do Estado para essas agências
especializadas, e transferindo a lógica territorial, que perde peso, em
detrimento da lógica funcional.
Algumas críticas feitas aos teóricos funcionalistas seriam de que está
é uma lógica de jogo soma-zero, no qual Estados não teriam muito a ganhar
com tal cooperação, uma vez que normalmente é necessário abdicar-se de
ganhos pessoais e imediatos em detrimento de um possível ganho comum
no futuro. Outra crítica que pode ser feita é de questionar a lealdade do
Estado frente aos seus cidadãos apenas sobre fatores de baixa política como
necessidades materiais, ou há aqueles que dizem que a lealdade está
fundada em fatores subjetivos e simbólicos como o patriotismo.
No entanto, os funcionalistas dizem que o spill-over é um efeito de
transbordamento de confiança; uma vez iniciada a cooperação em
determinadas áreas temáticas, restritas, e de baixa política, a lealdade e
confiança irão aos poucos se ampliando, transbordando, para outras áreas,
podendo chegar até mesmo aos temas de alta política, confirmando assim a
migração da lealdade para as organizações internacionais especializadas.
É importante ressaltar, que de acordo com autores funcionalistas
como Karl Deutsch e David Mitrany (1946, p.112), o spillover da
cooperação internacional se dá pela promoção do desenvolvimento técnico
se também pela busca por escolhas racionais dos estados para que estes
consigam obter uma vantagem gradual de inserção no sistema, buscando
sempre a escolha racional da busca pela paz.
27
Mitrany escreve logo no contexto de pós-Segunda Guerra e criação
da ONU, principalmente nas décadas de 1940 e 1950. Já na década de 1960,
Ernst Haas começa a formular o que fica conhecido como
neofuncionalismo. Ao revisitar o funcionalismo liberal, busca-se entender
seus pontos mais criticados e as falhas do modelo. A maior mudança então
nessa revisão é o uso de uma abordagem política, antes ausente no
funcionalismo.
De acordo com Haas (1964), os teóricos do funcionalismo
acreditaram em um processo automático da cooperação e integração
regional, marcado fortemente por um otimismo exagerando quanto ao
processo natural e determinista da cooperação e integração. Com isso, Haas
enfatiza a necessidade de uma lógica voluntarista, onde ele questiona a
ideia dos funcionalistas de que a cooperação tem inicio em assuntos
técnicos e sem grande interesse político, para depois avançar para esferas de
alta política.
Para ele, e os demais teóricos neofuncionalistas, é questionada essa
separação entre técnica e política que se tem no funcionalismo. Haas afirma
que não há tal separação, e que justamente por isso não é possível confiar
em um processo natural, automático, que culmina na cooperação de
natureza política. Segundo ele, desde o começo da cooperação o Estado está
presente e determinando as etapas do processo de cooperação. Haas rompe
com essa noção de que pode existir uma separação clara e nítida entre
técnica e política. Os neofuncionalistas vão adentrar nos níveis de análise
do Estado, assim como Nye analisa também fatores domésticos para
entender a noção de poder, e leva em consideração a ação de grupos
(empresários, sindicatos, diferentes ministérios) internos do Estado.
No entanto, uma série de fatores permanece semelhante entre os
autores. Tanto os funcionalistas e os neofuncionalistas conservam o ator
racional, que prezam pela lógica do custo x benefício. Sendo que os
neofuncionalistas vão dizer que o processo é mais truncado (impedido), não
28
é tão natural. O efeito de transbordamento da cooperação também é algo
pensado e almejado pelos Estados.
Nesse sentido, Haas enxerga a dinâmica do spill-over (ou
transbordamento) de uma forma menos fragmentada e mais
dependente do impulso vindo de centros decisórios, incluindo os
próprios governos nacionais. (...) Haas acrescenta um componente
importante ao modelo funcionalista: valores. (NOGUEIRA &
MESSARI, 2005, P.79).
Assim, podemos ver como isso é trazido para o caso em análise, de
que o Brasil, se aprofundando em agências especializadas temas como a
cooperação internacional, a promoção da construção da paz e da cooperação
sul-sul, aumenta a relação do Brasil com outros países através de
organismos temáticos. Isso é visto em órgãos específicos das Nações
Unidas, ou órgãos internos do Brasil, como a Agência Brasileira de
Cooperação (ABC), maximizando o poder do Brasil no sistema
internacional, causando um spill over da cooperação começada em assuntos
de cooperação para temas de alta política como a Segurança Internacional.
2.3. Potências Médias
Além disso, se faz necessária uma análise dos conceitos de potências
médias e potências emergentes a fim de compreender melhor a posição do
Brasil no sistema internacional e seus objetivos e motivações. O conceito de
potências médias pode ser problemático quanto a sua forma de definição,
porém deve ser compreendido, especialmente levando em conta mudanças
na estrutura da ordem global como o aumento de assuntos econômicos, de
meio ambiente e de direitos humanos na agenda global, onde após o fim da
Guerra Fria com a deserção da hegemonia norte americana, faz-se
29
necessário prestar atenção às novas fontes de liderança5 no Sistema
Internacional, vindo de novos polos de poder.
Em meados da década de 1980 surge um debate acadêmico e político
sobre liderança no cenário internacional, sobre o que seria a liderança e
quais seriam as suas fontes. É defendido então, baseado no argumento de
Ruggie (1992) de que houve uma deserção de um ator hegemônico no plano
internacional, fazendo-se necessário voltar à atenção às novas fontes de
liderança que surgem no mundo. Tal liderança na política global pode ser
expressa tanto de forma sistêmica, como doméstica, ou regional.
Neste período os debates acerca da globalização e da
interdependência são intensificados e trazem também consigo a necessidade
de uma maior preocupação com questões específicas, como a da cooperação
internacional e discussões de meio ambiente, economia e direitos humanos,
num momento onde se vê uma grande incerteza e redefinição do papel de
atores “secundário”, vulgo, as não tradicionais grandes potências do sistema
internacional, no processo de cooperação e da redefinição da ordem global.
Tais atores vão passar a ter uma influência não tão irrestrita como se tinha
durante o período da Guerra Fria e agindo de acordo com os poderes
hegemônicos vigentes.
O que há então é uma nova análise na categoria de liderança no
sistema, não uma mudança em sua estrutura. O plano internacional tem
passado por um processo de reformas e mudanças, especialmente no que
cerne a cooperação nas mais diversas agendas internacionais. Logo, nesse
período é sugerido que inúmeros fatores modificam e constrangem a
estrutura anárquica do sistema internacional, sendo necessário levar em
conta as nuances e complexidades das relações entre agente-estrutura e na
sua relação de liderança e capacidade de formulação de políticas de
5 É importante ressaltar aqui que liderança é diferente de hegemonia, sendo está uma forma de
representação de maior conhecimento em áreas específicas, e os líderes de determinadas áreas
podem ser ao mesmo tempo seguidores em outras, logo, não sendo atores hegemônicos no
sistema.
30
diversos estados. Com essa nova redefinição de fontes de liderança, surge
então o conceito de potências médias na literatura das Relações
Internacionais buscando uma melhor compreensão da posição destes no
plano internacional e como isso afeta sua tomada de decisão.
É possível definirmos um país como uma potência média a partir das
seguintes variáveis: Pelo seu lugar na hierarquia do sistema internacional
(normalmente medido por atributos quantitativos, como população, área,
recursos, capacidades militares); pela geografia, sendo a potência média
aquela que se localiza entre grandes potências (estados poderosos em suas
regiões são potências médias no sistema); aqueles com uma posição média
entre ideologias – como mais bem visto na lógica da guerra fria; ou por uma
visão normativa, são aqueles vistos como que tem capacidade de inferir
certa influência diplomática, sem o uso da força (COOPER, 1994, p.17).
Para autores como Glazebrook (1947, p.303), o conceito de
potências médias é definido pelo comportamento dos Estados, tendo o
aparato estatal e suas políticas formadas por três fatores: A sua oposição ao
indevido controle de uma grande potência, a tendência crescente para agir
em conjunto com outros atores, e a influência que eles exercem
individualmente (GLAZEBROOK, 1947, p. 308). Para autores como
Behringer, o papel das potências médias é enfatizado pelo seu exercício de
liderança em agendas como a de segurança humana e na agenda de
operações de paz. Em conformidade com isso, ele acentua a ideia de
middlepowermanship formulada por Cox (1989, p. 826-7) para analisar suas
políticas externas e identificar tendências de comportamento das potências
médias e seus recursos de soft power para se engajar em soluções
multilaterais a problemas internacionais ocupando uma posição
comprometedora no sistema internacional (BEHRINGER, 2005).
Alguns aspectos em comum nas diferentes definições de potências
médias, que também poderão ser observados em Cooper, é a busca destes
para “soluções multilaterais a problemas internacionais”, tomando sempre
31
posições comprometedoras e adotando princípios que defender a noção de
uma boa cidadania no plano internacional, agindo em disputas
internacionais, muitas das vezes como mediadores, como diretriz de suas
políticas externas e relações diplomáticas. Ao analisarmos tais definições,
podemos dizer que o aspecto que melhor define uma potência média é sua
função e comportamento no contexto em que estão inseridos na ordem
global. Essas e outras concepções também são defendidas por diversos
autores e teóricos das ciências sociais, no entanto, permaneceremos aqui
com a visão principal baseada em Cooper (1994, p;19-22), como
mencionada acima.
Com isso, muitas vezes as potências médias são vistas como países
médios responsáveis pela manutenção do equilíbrio e ordem global, e
acabam atribuindo a si próprios tal papel no cenário buscando envolver-se
nos demais temas e agendas. Desta forma, podemos melhor identificar a
essência da atividade diplomática das potências médias de acordo com seu
comportamento. Tal comportamento, também conhecido como
“middlepowermanship” por Cooper, (1994, p.19), é visto como a tendência
das potências médias de buscar soluções multilaterais a problemas
internacionais; tendência de assumir posições comprometedoras em
disputas; e sua tendência em adotar noções de uma ‘boa cidadania global’
para guiar sua diplomacia, tudo isso sendo feito tendo em mente o cálculo
estratégico e racional do interesse próprio desses Estados.
Desde o pós-Segunda Guerra se criou a ideia de potências médias
como ponte entre o ocidente e o oriente, principalmente devido à atenção
diferenciada que esses países dão à mediação e a resolução de conflitos
internacionais através de, como o funcionalismo já falava, de soluções
multilaterais para problemas internacionais, sobretudo quando se deparam
com conflitos regionais com grande chance de se espalharem pelo sistema.
No entanto não se pode ignorar que durante boa parte do período da Guerra
Fria o comportamento de tais Estados encontrou-se fortemente limitado à
32
situações de segurança e geopolítica, fazendo-os trabalhar somente com
assuntos relacionados à operações de manutenção da paz e controle de
armamentos em casos onde não havia um interesse tão forte dos Estados
Unidos e da União Soviética. Muito do movimento das potências médias
era então limitado, tanto no âmbito das Nações Unidas, e principalmente do
seu Conselho de Segurança, como no demais relacionamento entre os países
devido à bipolaridade vigente do sistema.
Com o fim da Guerra Fria as potências médias vêm se tornando cada
vez mais rápidas e flexíveis para respostas políticas. Com o aumento da
interdependência, cada vez mais novas possibilidades foram se abrindo para
as potências médias agirem no sistema. Muitos procuram tentar ocupar o
vazio de liderança que se surgiu no fim da guerra fria, com novas formas de
ação criativa para ocupar posições de liderança, adotando uma posição mais
ativa. Isso se torna possível com o crescimento da importância de assuntos
de “baixa política” na agenda internacional, o que foi muito importante para
tal mudança de comportamento das potências médias. O alargamento da
agenda de segurança foi um fator muito importante, para potências médias a
busca por bem estar econômico era algo tão importante com suas
concepções de integridade territorial, soberania e segurança (COOPER,
1994, p.21).
O que aconteceu no final dos anos 1980 e 1990 foi uma mudança
segmentada do comportamento das potências médias para um
comportamento multifacetado, e não uma busca das potências médias por
uma mudança estrutural de controle de poder. Eles não almejavam a
liderança por coerção ou baseado em suas capacidades econômicas
superiores, mas sim através de iniciativas baseadas em influência e poder de
suas capacidades diplomáticas. Isso é fortemente corroborado pela noção de
poder de Nye (2004, p.1-5), e de soft power, onde vemos a capacidade de
um ator influenciar outros pela atração/cooperação ao invés de coerção ou
de pagamentos e punições. Que também é condizente com o
33
comportamento das potências médias, devido a sua posição hierárquica no
sistema.
Assim, na década de 1990, com o alargamento do conceito de
segurança e a nova dinâmica do mundo no pós Guerra Fria, tem-se a
impulsão do comportamento das potências médias com o aumento da
ramificação e transbordamento (spill over) de assuntos domésticos na
política internacional. Assim vemos tais países adotando um padrão de
comportamento6 em três instâncias: como catalisador de esforços
diplomáticos, tomando liderança e agregando seguidores com base em sua
energia política e intelecto; e um comportamento como Facilitador na
definição de agendas, formando associais coalizões - como uma das
técnicas centrais das potências médias para atingir alguma liderança
internacional (COOPER, 1994, p.24-5). Como pode ser entendido o caso do
Brasil e sua maior participação em foros multilaterais e no CSNU; e
também um comportamento como gerenciador da ordem com ênfase na
construção de instituições e normas – como pode ser entendida, por
exemplo, a iniciativa brasileira de propor o conceito de Responsabilidade ao
Proteger.
Como pode ser percebido acima o termo potências médias é bastante
ambíguo. A fim de melhor elucidar o leitor sobre o conceito e evitar cair
numa tautologia sobre o mesmo, Adam Chapnick (1999) publicou um
trabalho no qual busca esquematizar o conceito para melhor defini-lo. Com
isso, foram criadas três abordagens para o conceito de potências médias,
todas elas partes das seguintes premissas básicas: potência média é um
estado, numa visão estadocêntrica, do cenário internacional que é
basicamente caracterizado por não ser uma potência grande ou pequena. As
três abordagens trazidas então por Chapnick (1999, p.73) são o modelo
funcional, o modelo comportamental e o modelo hierárquico. Para melhor
6 Padrão de comportamento estabelecido com base nas dimensões de Oran Young, em Cooper,
1994, p.12.
34
compreender a definição de potência média através de cada um desses
modelos é preciso ter em mente também clara a definição de potências
grandes e pequenas.
O primeiro dos modelos, o funcional, traz a potência média como
“estados que são capazes de exercer influências em assuntos internacionais
em instâncias específicas e os diferencia dos demais” (CHAPNICK, 1999,
p.74), assim a grande potência é aquele Estado que exerce influência
independente das circunstâncias e a potência pequena é aquele que não
consegue exercer qualquer tipo de influência. No entanto, de acordo com
esse modelo, encontramos o problema de que por ser definido pela sua
influência em determinada instância e circunstâncias, a definição de uma
potência média é limitada pelo tempo e as circunstancias específicas na qual
o Estado consegue exercer sua influência, sendo então um conceito
flutuante. No entanto, tal conceito é muito utilizado, pois dá aos Estados a
oportunidades de exercerem influência e aumentarem seu poder e percepção
no cenário internacional no futuro, uma vez fortemente ligado ao
funcionalismo e a participação dos Estados no multilateralismo e em
organizações internacionais.
O modelo comportamental, tal qual como muito abordado
anteriormente, traz a definição de que potências médias são aqueles que
“buscam soluções multilaterais a problemas internacionais, tomando
posições comprometedoras em disputas internacionais e defendem noção de
uma boa cidadania no plano internacional” (COOPER, 1994, p.19) e
também são aqueles que expressam seus desejo por um maior status
internacional. Bernard Wood caracteriza, dentro desse mesmo modelo,
potências médias como “lideres regionais, mediadores de conflitos, poderes
morais multilaterais e que buscam status” (WOOD, 1988, p.19-20), e assim,
agindo multilateralmente como uma estratégia de perseguir seus objetivos
pessoais no plano internacional. Assim, a partir deste modelo, qualquer
estado pode ser considerado uma potência média, uma vez que este esteja
35
agindo de acordo com o seu comportamento padrão de buscar soluções
multilaterais, tomar posições comprometedoras e defender a noção de boa
cidadania no plano internacional.
O terceiro modelo apresentado é o modelo hierárquico. Segundo esse
conceito, a definição de potência média é uma definição relacional
compreendida entre potências. A maior proposição defendida por aqueles
que defendem o modelo hierárquico é que, como para Holmes (1967), a
classificação de potência média seria uma ferramenta de política externa,
que questionam muitas vezes que esses Estados na verdade seriam melhor
classificados como potências funcionais, isto é: “estados capazes de exercer
influência na comunidade internacional baseado em suas capacidades
relativas, interesses e envolvimento em assuntos específicos em
determinados tempos” (CHAPNICK, 1999, p. 78). O modelo hierárquico
define claramente a relação de potências como sendo sempre estados, e
define as pequenas e grande potências, trazendo as potências médias em
relação à estes, assim, pode-se argumentar que países que são/foram
potências funcionais por muito tempo acabaram merecendo, a partir de
então, o título de potências médias (no entanto, deve-se elucidar que esta é
uma relação muito subjetiva e relativa à analise de cada um).
Vendo que há inúmeros debates sobre a definição do termo, conclui-
se, mesmo que não haja uma única definição aceita, o termo faz-se
necessário para que vejamos a busca por interesse e significado político ao
termo, onde adquirir o status de potência média é tem se tornado um
símbolo de poder na comunidade internacional (CHAPNICK, 1999, p.79).
O simples fato de um estado passar a se denominar como uma potência
média já traz consigo uma ideia de como este pretende se portar e se
promover para manter ao menos a ilusão de um exercício de influência na
esfera internacional.
Dentro da categoria de potências médias, vemos também a categoria
de potências emergentes que são mais comumente definidas como aqueles
36
países que atingiram o status de potência média somente depois do fim da
Guerra Fria e que frequentemente é internamente menos consolidado e
situado na tradicional periferia global, o que é o caso do Brasil. As
potências emergentes, diferentemente das potências médias tradicionais
como a Austrália ou o Canadá, costumam ter uma atitude muito mais
ambivalente seguindo mais instrumentalmente seus interesses próprios nas
organizações internacionais.
Ao analisarmos pela perspectiva geográfica dentro do aporte das
potências médias, que podem ser países pequenos até dentro de sua própria
região, o contraste com a potência emergente, que frequentemente se baseia
num papel de liderança ou preponderância regional em casos onde se há
uma relação complicada com a região onde está inserido. O que mais uma
vez, vemos o Brasil como um ótimo exemplo de potência emergente. E
como dito anteriormente, o caso da potência emergente é aquele em que o
país pode ser muitas vezes ao mesmo tempo seguidor no sistema global,
enquanto é líder em sua região.
Assim, a fim de relacionarmos ainda mais as teorias e conceitos
apresentados até agora, vemos no funcionalismo a literatura de nichos
diplomáticos. Nesta, é possível observar onde um país pode ser grande
demais para não agir em nenhuma área ou agenda do sistema internacional,
mas ao mesmo tempo é pequeno demais para agir em todas estas (como
seria diferentemente o caso de uma grande potência que teria capacidade
para tal). Assim, precisa-se de um critério em que se permita que os
princípios daquele país sejam traduzidos em ação concreta (COOPER,
1994, p.25). Isto é, o país irá optar por atuar em áreas temáticas onde a sua
vantagem comparativa é maior e lhe permite uma maior influência no
sistema internacional, essa literatura, de áreas temáticas privilegiadas é
conhecida como nichos diplomáticos.
A literatura de nichos diplomáticos pode ser vista como uma forma
de exercer smart power, pois há uma combinação estratégica de atuação
37
onde o país é capaz de exercer mais influência. Um exemplo típico de nicho
diplomático de potências médias e o que será abordado ao longo do
trabalho é a resolução de conflitos, em particular a forte participação em
operações construção da paz e Cooperação Internacional para o
Desenvolvimento, do Brasil no campo da Cooperação Sul-Sul.
2.4. Metodologia
O Brasil vem, ao longo do tempo, buscando uma maior participação
no cenário internacional, almejando tornar-se um global player. Sendo
assim, a partir de uma abordagem racionalista, procurar-se-á identificar
como o Brasil vem buscando se inserir mais ativamente em temas que
possuem algum efeito na área de segurança para se tornar um global player
no sistema internacional. A partir então da lógica de consequência e da
lógica da adequação7 das ações brasileiras, será colocada a análise da
hipótese de que o Brasil Busca maximizar o efeito de sua inserção na área
de segurança, com o objetivo de aumentar a sua influência em órgãos de
decisão ligados a esse conceito.
No entanto, deve-se deixar claro, que mesmo de acordo com March e
Olsen (1998), essa lógica pode se sobrepor. Na política essas lógicas:
Não são mutualmente excludentes. Como resultado, a ação
política geralmente não pode ser explicada exclusivamente em termos
de uma lógica e sua consequência, ou adequação. Qualquer ação
específica provavelmente envolve elementos de ambas. Atores
políticos são constituídos por ambos seus interesses, os quais eles
avaliam suas consequências esperadas, como pelas regras
7 Segundo March & Olsen (1998, p.949-52), a lógica da consequência é aquela onde a ações dos
atores é movida pela expectativa de sua consequência frente outros atores e coletivos, enquanto a
lógica da adequação, não lida diretamente com a consequência das ações de um ator, e sim que
este é motivado pelo que o mesmo acha apropriado como comportamento, agindo diferentemente
em situações particulares, levando em conta seus valores, princípios étnicos, aspirações, seu papel
em determinado local, e aquilo que lhe é esperado de se fazer, baseado nas normas.
38
incorporadas em suas identidades e instituições políticas. Eles
calculam as consequências e seguem regras, e a relação entre os dois
é muitas vezes sutil. (MARCH & OLSEN, 1998, p.952).
Essa busca por se tornar um ator proeminente no campo de
segurança é interessante não pelo fato do Brasil almejar se tornar
propriamente um país mais ativo em assuntos de segurança, mas sim por ser
a forma de buscar influência no sistema internacional. O campo de alta
política, segurança, é a maneira como o Brasil pode obter mais influência e
barganha de poder que vem junto da ideia de segurança no sistema
internacional anárquico, no entanto, é importante ressaltar que o Brasil não
tem meios fortes de segurança e assim está querendo produzir uma inserção
na área com meios não tradicionais de segurança. Assim, a estratégia para
tal inserção se dá através do smart power, onde o Brasil investe em áreas
onde tem muita experiência e vantagem comparativa para se obter um
maior retorno no investimento de capital diplomático.
Deve-se levar em conta a relevância político-teórico que vem sido
atribuída ao conceito de smart power. Tal conceito começou a ser mais
discutido e operacionalizado nas Relações Internacionais a partir da política
externa norte americana, tendo Joseph S. Nye (2007), como um de seus
fundadores. Logo, a análise a ser feita se mostra inovadora no quesito de
abordar tal conceito no que cerne a análise feita a partir de uma potência
emergente, e não como uma estratégia de grande potência, como foi visto
pela criação do conceito como uma política dos Estados Unidos.
A fim de ocupar uma nova posição no sistema, o Brasil persegue
objetivos como: a busca por um assento permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas e uma maior participação em órgãos dessa
natureza. Para isso ele deve se mostrar como um ator mais ativo em
assuntos de segurança. Devido ao seu baixo hard power, será então
analisada em vista do conceito de smart power como corolário do soft
power, identificando como o Brasil vem abordando temas no qual ele
39
possui vantagem comparativa perante aos demais para obter um maior
capital diplomático influenciando o campo da Segurança, sendo esses temas
a cooperação internacional para o Desenvolvimento, no âmbito de ações da
Agência Brasileira de Cooperação (ABC), cooperação Sul-Sul, participação
em operações de paz promovendo a construção da paz e a sua atuação em
debates de intervenção e questões de operações de paz colocando o Brasil
como um empreendedor de normas no sistema. Assim, o Brasil segue uma
cultura estratégica na qual ele busca fazer segurança sem fazer segurança no
sentido em que busca demonstrar ser ativo em assuntos de segurança sem
ter os meios para tal (hard power), fazendo então segurança através do
smart power.
Devido a grande amplitude e abordagens possíveis para esse
argumento, optou-se nesse trabalho, por focar a busca brasileira por smart
power no campo de segurança. Assim, será visto que o Brasil busca atingir,
como estratégia política, focar em atividades no qual ele possui vantagem
comparativa em relação a outros países, mas que possuem efeito no âmbito
da segurança como a sua participação nos debates acerca das operações de
paz junto às Nações Unidas, a elaboração de novas normas humanitárias,
como visto pela proposta de criação do conceito de “responsabilidade ao
proteger”.8 Além disso, será vista também, a participação brasileira em
Operações de Paz e seu engajamento e comprometimento no envio de um
maior contingente de tropas e pessoal qualificado para tais missões, tendo
como respaldo um crescimento de suas capacidades de hard power9 (como,
por exemplo, com a criação do CCOPAB10
, e o aumento da participação da
política brasileira em operações de paz) em operações de construção da paz
trabalhando para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e
como isso possibilita o Brasil a melhorar os termos de sua inserção no plano
internacional como um global player.
8 Responsibility While Protecting (RwP em ingles).
9 Respaldo esse em instâncias como o aumento do aprendizado, profissionalização, capacidades e
novas formas de exercício de táticas militares. 10
Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil.
40
Para tal análise, será trabalhado então, com uma pesquisa qualitativa
– a fim de descrever, analisar e interpretar os fenômenos da atualidade -, e
um método de abordagem dedutiva, no qual a partir do raciocínio lógico
chegar-se-á em uma conclusão a respeito de determinadas premissas,
baseadas na teoria de Nye (2004; 2007) e do seu conceito de smart power,
que será posta em análise (GIL, 2002).
Assim, faz-se necessária a criação de alguns indicadores, a fim de
identificarmos quando e como o smart power se manifesta. Todavia, como
o conceito foi criado por formuladores de política à serviço do governo dos
Estados Unidos, muito do que existe sobre a base de como o smart power se
manifesta é de acordo com os objetivos estratégicos do próprio país. Deste
modo, ao aplicarmos o conceito para potências médias e emergentes é
necessário ter em mente que estes não o estão utilizando como uma
estratégia política complementar ao uso de hard power, como é o caso dos
Estados Unidos, mas sim como um complemento à sua força política
justamente por não possuírem hard power (ver Tabela 2) o suficiente para
se pautarem somente neste no plano internacional. O que pode ser dito,
sobre as potências médias e emergentes, é que a lógica de poder é aplicada
nesse caso é diferente. Estes, ao buscarem smart power estão fazendo de
uma necessidade (da falta de hard power), uma virtude, para poderem se
tornarem atores mais influentes e suprirem a sua falta de hard power no
cenário internacional. Assim as ações e comportamento do Estado poderão
ser diferentes, assim como os indicadores utilizados para identificar as
condições de manifestação do smart power.
É importante identificar que tipo de comportamento e contexto o
Estado está inserido para decidir fazer uso do smart power. Assim, as
condições que possibilitam tal escolha se dão pelos seguintes fatores.
Primeiramente, o Estado encontra-se num lugar onde o custo de uso do
hard power tornou-se muito alto, logo não é prudente que se faça uso deste
– o que passou a ser um paradigma bem claro desde meados da década de
41
1990. Além disso, nesse mesmo contexto, vê-se o crescimento da
democracia na ordem global desincentivando o uso do poder latente – o que
ocorre principalmente no caso de países que já possuíam muito hard power,
como os Estados Unidos. Uma terceira condição que incentiva o uso do
smart power é o aumenta da interdependência e da propagação de valores
sociais e econômicos modernos que incentivam cada vez mais o desuso do
hard power. Nisso a institucionalização e o papel das Organizações
Internacionais passam a ganhar um papel cada vez mais forte, incentivando
cada vez mais a cooperação entre os Estados, dificultando e deslegitimando
ações coercitivas através do uso da força.
A definição deste cenário já faz com que possamos entender um
pouco mais a opção do uso do smart power, e um pouco dos valores e
cultura que o regem. É necessário destacar que depende muito do contexto e
da combinação de uso entre hard e soft power para se ter o smart power,
podendo mudar de acordo com tempo, ator que o utiliza e seu espaço no
cenário internacional. Para ficar mais claro, temos que ter em mente a
concepção de que o smart power é um processo, uma abordagem de como o
poder será exercido e diferenciado, tendo sempre objetivos e agendas a
serem atingidos.
De acordo com Pallaver (2011, p.107) devem ser seguidos os
seguintes passos para identificar smart power e o comportamento de seus
atores. Primeiramente, deve-se buscar um entendimento do contexto em que
o poder está inserido, para compreender a balança de poder e as diferentes
intensidades do uso do hard e do soft power, verificando então a
possibilidade de se aplicar o smart power num cenário institucional
específico, no qual busca-se alianças e parcerias para definir novas
políticas, que se faz necessário para se ter um melhor entendimento dos
objetivos que tal Estado pretende atingir. Lembrando que o smart power
busca atingir metas para o bem público global que vai fazer com que a
influência e legitimidade daquele autor aumente no cenário internacional.
42
Tentaremos definir como alguns dos possíveis indicadores os
seguintes: a busca pelo comprometimento com o multilateralismo,
analisando o envolvimento e participação do Estado em Organizações
Internacionais; a busca pelo desenvolvimento, cooperação e parcerias com
os demais atores; a busca pela integração de todos os instrumentos de
poder, sendo eles hard ou soft; a elaboração de uma agenda política
doméstica buscando reformas institucionais e reforço da presença da
política externa no cenário internacional prezando pelo bem publico global.
Como o smart power é o uso de toda a gama de ferramentas de poder
disponíveis, devemos considerar então a economia, diplomacia, força
militar, cultura e aparato legal como possíveis fontes desse poder, logo o
smart power será atingido quando estes forem utilizados na melhor
combinação possível para cada situação. Assim, o foco nas áreas de
vantagem comparativa, e de nichos diplomáticos é uma forma a qual uma
potência média tem maior chance para sucessor de obter smart power e
assim aumentar sua influência e legitimidade na esfera internacional.
O foco em nichos diplomáticos depende muito da especialidade e
vantagens comparativas de cada país e em cada circunstância, tendo de ser
avaliado caso a caso. Alguns exemplos, são a busca por diplomacia cultural,
que é responsável por criar projetos onde a cultura e valores de um país são
difundidos, visando sua inserção internacional. Através da diplomacia
cultura, busca-se a criação de uma sintonia entre projetos domésticos e
sociais, com projetos internacionais, levando em conta também o poder da
sociedade civil e sua aceitação (tendo a política interna como um forte
determinando para a política externa), que sob a lógica funcionalista liberal
é um exemplo do transbordamento de influência através da cooperação ente
os Estados.
Ao buscar entender o momento presente no qual o Brasil busca
aumentar seu status de poder no sistema internacional, como em um
momento de redistribuição de capacidades do mesmo, será analisada a
43
elaboração de sua estratégia política, tendo como principais fontes de
análise a participação brasileira com operações de construção da paz, como
é o caso da atuação do Brasil na MINUSTAH, projetos de cooperação
realizados pela ABC, principalmente no eixo da Cooperação Sul-Sul,
pronunciamentos oficiais do governo e do Ministério do Exterior, a fim de
identificar as intenções do governo brasileiro.
Com isso o trabalho será dividido em cinco etapas: Primeiramente
foram mobilizados, através de pesquisa bibliográfica, os principais
conceitos pertinentes para essa análise. A partir da literatura de potências
médias emergentes veremos o conceito de Nye acerca do smart power, para
então relacionarmos como a análise da teoria do funcionalismo liberal,
como parte do arcabouço teórico para abordarmos como as práticas de
smart power transbordam para o campo de segurança.
Após tal revisão de literatura teórica, na segunda etapa, abordarmos
um procedimento de investigação tipológico, no qual será visto, como
expressão dos aspectos significativos da realidade de uma potência média e
sua subcategoria de potência emergente, a literatura de Operações de Paz,
como avançaram, tanto na parte prática, como sua evolução e debates
normativos, abarcando diversos documentos importantes para as Nações
Unidas. Assim, a segunda parte será concluída relacionando isso com as
teorias anteriormente vistas, e como isso pode se tornar um instrumento de
smart Power.
Na terceira parte, será elaborado um histórico evolutivo da
Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) e focando mais
especificamente na Cooperação Sul-Sul (CSS), para então, depois de tal
levantamento, tal qual como na sessão anterior, poder relacionar os
impactos disso com a lente teórica abordada, permitindo identificar como a
cooperação permite o transbordamento temático para a área de segurança.
44
Após essas três etapas, o trabalho entrará no estudo de caso do
Brasil, abordando então suas estratégias políticas, contrastando suas
características com o comportamento de uma potência emergente e assim
colocarmos em análise os nichos diplomáticos brasileiros da cooperação
sul-sul e da atuação em operações de paz para focar na hipótese de que o
Brasil Busca maximizar o efeito de sua inserção na área de segurança, com
o objetivo de aumentar a sua influência em órgãos de decisão ligados a esse
conceito. Isso será feito através da pesquisa documental que irá mobilizar
uma série de documentos, de acordo com as estratégias brasileiras em soft e
hard power. Serão, então, analisados desde discursos em fóruns das Nações
Unidas até noticias e declarações governamentais relacionadas à
participação e discussão brasileira em Operações de Paz, dialogando com
fontes secundárias (artigos acadêmicos) para identificarmos o cálculo
estratégico brasileiro (como artigos falando da importância e participação
em projetos para Cooperação Internacional para o Desenvolvimento,
mobilização de força brasileira para treinamento e participação em
operações de paz, e artigos problematizando e apresentando a atuação
brasileira nas Nações Unidas, ou propondo a criação e repensando o
conceito de RwP).
Isso tudo será feito a fim de, em sua quinta e última etapa,
identificar, na conclusão, as estratégias brasileiras para garantir uma maior
inserção e participação, com melhores termos, no cenário internacional, e
compreender como o Brasil vem buscando sua maior inserção no cenário
internacional para se tornar um global player ativo através de uma visão
funcionalista e com estratégias de smart power. Espera-se, a partir dessa
pesquisa chegar a identificar tal pratica brasileira e possivelmente
recomendações de como, e se, o Brasil deve continuar com tal estratégia,
caso seja identificado que a mesma tem se mostrado sucesso, mesmo que
em fase inicial.
3. Cooperação Sul-Sul
3.1. Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
Embora já tenham existido antecedentes que se remontam à ações de
assistência ao desenvolvimento anteriormente, a Cooperação Internacional
para o Desenvolvimento (CID) tem como marco de seu início o fim da
Segunda Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria, marcado por um
contexto de crescimento econômico sem precedente que se deu nas décadas
seguintes.
Assim, as primeiras menções á cooperação surgem com a
conferência de Bretton Woods, que resultou na criação de mecanismos
auxiliares para a promoção do desenvolvimento, como o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Mundial e práticas econômicas que buscavam a
reconstrução da Europa no pós Segunda Guerra.
Até então, principalmente nas décadas de 40 e 50, grande parte da
cooperação ocorria de forma bilateral, seguindo a lógica desenvolvimentista
de que os países desenvolvidos, baseando-se em sua lógica de crescimento
e padrões econômicos, viam o “subdesenvolvimento”, como eles mesmos o
classificavam, como uma falha econômica, logo, a cooperação nessa época
se dá majoritariamente pela transferência de recursos e compra e venda de
bens e servidos do país doador (LEITE, 2012, p.9). Sob essa ótica, o
desenvolvimento era então visto a partir dos países industrializados e
desenvolvidos como uma noção de progresso histórico, no qual os países
subdesenvolvidos ainda tinham um caminho a trilhar para fazer os mesmos
passos e um dia chegar ao patamar dos países desenvolvidos. Isso ficou
conhecido como a teoria da modernização, onde é classificado o estado de
46
subdesenvolvimento colocado numa lógica de busca por sua superação para
o modero (MORAES, 2006, p.43).
Localizada no contexto da Guerra Fria, muitos países buscaram o
desenvolvimento e ajuda militar a outros países condicionados fortemente à
ideologia e ao interesse políticos e econômicos da época, como foi o caso
de muitos dos países socialistas, que buscavam atrair a influência de outros
Estados com regimes “amigáveis” para sua ideologia (MAWDSLEY, 2012,
p.48). O mesmo ocorria com o mundo capitalista, onde se instaurou o Plano
Marshall, que apoiava a reconstrução de diversos países da Europa e no
mundo, assim foi criada a Organização Europeia de Cooperação Econômica
(OECE), para supervisionar os recursos concebidos pelo Plano Marshall.
No âmbito multilateral, a cooperação surge com a criação das
Nações Unidas, que tenta estrutura-la pela primeira vez, com o lançamento
do Programa de Assistência Técnica em 194811
, englobando o conceito na
nova arquitetura multilateral pós Segunda Guerra. A criação de agências
especializadas e acordos para a cooperação, no entanto, não se deu somente
nesse âmbito. Nesse primeiro momento a ideia predominante acerca da
cooperação nas Nações Unidas se limitava a criação de instituições efetivas
para que uma sociedade pudesse se desenvolver e se reconstruir no pós
Segunda Guerra e atingir a autonomia.
Ao longo dos anos essa visão acerca da cooperação logo se
modificou, muitos autores começaram a criticar a noção de teoria da
modernização seguida pelos países do Norte global12
e questionando a
noção de “progresso“, e a ideia de que o progresso atingido por alguns
países do ocidente não seria a única opção viável de evolução e
11
Resolução 304 da 4ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em: <
http://daccess-dds-
ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/051/23/IMG/NR005123.pdf?OpenElement >. Acesso
em 11 set 2014. 12
Como foi o caso de Claude Lévi-Strauss em sua obra Race et Histoire (1952), onde ele vai falar
que o tempo “progresso” não é nem necessário nem algo continuo, que não é adequado para
representar a realidade. Segundo ele, a humanidade em “progresso” não pode ser comparada a
subida de degraus em uma escada para chegar em um panorama superior (p.18).
47
desenvolvimento para outros países. Durante as décadas que se seguiram,
principalmente nas décadas de 1970 e 1970, muito mudou, com o grande
movimento de independência dos países da África e da Ásia, passou a se
optar mais para que a cooperação ocorresse no âmbito de instituições
multilaterais.
Criado em 1965, com base no Programa Ampliado de Assistência
Técnica das Nações Unidas e no Fundo Especial das Nações Unidas, de
1958, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
para servir com uma rede de desenvolvimento global da ONU, que busca
dar apoio à processos nacionais que buscam acelerar o desenvolvimento
humano trabalhando com redução da pobreza, governança democrática,
recuperação e prevenção de crises, e meio ambiente e desenvolvimento
sustentável (UNDP, s.d.).
Imerso às críticas da teoria da modernização, começa a surgir o novo
paradigma de desenvolvimento baseado nas “necessidades humanas
básicas” (NHBs), dando grande atenção a questões da pobreza e o
entendimento de que o crescimento do PIB nas economias que estavam
sendo investidas, não necessariamente estava incluindo a população pobre
nesse “progresso” e que as NHBs não estavam sendo atingidas (LEITE,
2012, p.11). A abordagem das NHBs logo tornou-se dominante, mesmo que
não tendo uma grande aceitação, em primeira instância, dos países
beneficiados. Criaram-se programas sociais, como a campanha Freedom
from Hunger da FAO13
na década de 1960, e outros que buscassem a
erradicação da pobreza, para suprir as NHBs, assim como este estava
presente na criação do PNUD.
13
A campanha Freedom From Hunger da FAO iniciou-se em 1963, como parte da iniciativa das
Nações Unidas de declararem a década de 60, como a década do desenvolvimento, buscando
formas de aumentar a produção mundial de alimentos, proteção de terras de cultivo, e também
incentivando a arrecadação e investimentos na busca pelo fim da fome mundial. Mais informações
sobre a campanha encontram-se disponíveis em:
<http://www.fao.org/docrep/f3200e/f3200e01.htm>. Acesso em 12 set. 2014.
48
Porém, os Estados do “Sul”, em sua maioria os receptores da ajuda
internacional, em muito se colocaram contrários à nova abordagem de
desenvolvimento das NHBs, pois viam aquele modelo como insustentável
que priorizavam o crescimento urbano, onde as elites viviam, e onde os
países doadores direcionavam sua ajuda. No entanto, essa abordagem em
muito negligenciava a parte rural das cidades.
Também na década de 1960 foi criada a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tinha como
objetivo a formulação de políticas comuns acerca da cooperação
internacional para o desenvolvimento. Em sua estrutura organizacional, foi
criado o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD) para coordenar
as políticas e práticas dos programas de governo de seus países membros
para a assistência internacional. Vemos na OCDE grande parte da CID
ainda sob a logica de cooperação vertical ou CNS (GOMES, 2013, p.31-
32).
Com o decorrer dos anos, após os choques do petróleo na década de
1970, a desaceleração do crescimento industrial diminuiu
consideravelmente, e em concomitância também houve uma redução na
ajuda internacional, que vinha ocorrendo em grande peso nas últimas três
décadas. No entanto, com a inclusão de uma série de novos temas ao
discurso pró-desenvolvimento, como a promoção de transições econômicas
e políticas, prevenção de conflitos, etc., a partir da década de 1980,
retomou-se a quantidade de recursos destinados para ajuda estrangeira (ver
Tabela 1) principalmente no âmbito multilateral. Com o fim da Guerra Fria,
isso aumentou ainda mais, com a introdução de ainda mais temas, como
meio-ambiente, população, papel da mulher e outros; como pode ser
observado na Tabela 1 (ESCOBAR, 1995, p.154-160).
A década de 1990 foi uma década muito conturbada, com muitos
debates acerca da cooperação e ajuda internacional. Uma distinção muito
importante de se fazer é a distinção entre cooperação e ajuda/assistência,
49
em meados do século XX essa distinção era muito pouco feita. A
diferenciação da linguagem nesse caso traz uma análise bem interessante.
Enquanto menciona-se desenvolvimento para ambos os casos não há como
ter um discernimento em relação a como isso é feito. Ao falarmos de
ajuda/assistência pressupõe-se uma hierarquia assimétrica entre os doadores
e os receptores, e também é uma linguagem incumbida de valores morais,
tal qual como o sentimento de “progresso”, muito criticado na teoria da
modernização. Já ao falarmos de cooperação, pressupõe-se uma
característica de maior horizontalidade e de projetos e iniciativas
multilaterais, onde se buscam relações de benefícios mútuos entre as partes
participantes.
As inúmeras agências de desenvolvimento passam a englobar uma
enorme gama de assuntos, temáticas e ocasiões em que eles devem atuar
inclusive situações de emergência e pós-emergência, que até então era
compreendido majoritariamente como área de atuação das organizações de
emergência e ajuda internacional, abrindo espaço para um aumento do
número de recursos oficiais que passam a ser destinados para o
desenvolvimento.
Foi retomada a atenção internacional no âmbito das Nações Unidas
sobre temas de desenvolvimento e da busca pelas NHBs, tendo como marco
a elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (também
conhecido como Metas do Milênio), trazendo uma série de compromissos,
com a busca pela erradicação da pobreza, igualdade dos sexos, redução da
mortalidade infantil, prover educação básica universal, dentre outros. As
metas do milênio foram criadas a partir do Grupo de Desenvolvimento das
Nações Unidas (UNDG, em inglês), que foi estabelecido em 1997 pelo
Secretário-Geral, Kofi Annan, unindo 32 fundos das Nações Unidas, como
a FAO, PNUD, UNICEF, e outros, que buscam fortalecer e aumentar a
cooperação entre as agências da ONU, para buscar objetivos
50
internacionalmente aceitos para a promoção do desenvolvimento (UNDG,
s.d.).
De acordo com uma série de indicadores pré-estabelecidos, viu-se
que muitas das metas não poderiam ser cumpridas no prazo estipulado (até
2015) e com isso, novas discussões surgiram a cerca do desenvolvimento.
Criou-se então, na Assembleia Geral, a Agenda Pós-2015, onde se discute a
necessidade de aumentar, ou de diminuir o número de metas, envolvendo a
discussão do que se busca e qual é o escopo do desenvolvimento buscado
pelo programa (ECOSOC, s.d.), que tem como um dos principais órgãos
conselheiros o UNDG.
No âmbito de discussões internacionais, muito se foi criticado a
cerca dos programas de desenvolvimento, e vemos também o aumento na
busca por participação de países emergentes e menos influentes no sistema
internacional querendo ter uma participação maior em tais programas.
Como grande parte dos recursos destinados ao desenvolvimento e a ajuda
internacional era proveniente principalmente de países como os Estados
Unidos, e outros países já considerados desenvolvidos, como Canadá,
Suécia, dentre outros, surge a plataforma da Cooperação Sul-Sul onde os
países emergentes podem agir com maior força e influência no cenário
internacional, focando em alguns de seus nichos diplomáticos para trabalhar
com a cooperação e desenvolvimento.
3.2. A Cooperação Sul-Sul
“South-South cooperation is a broad term used to describe diverse
types of co-operation among developing countries. The more
significant are: co-operation among developing states in multilateral
negotiations with the developed countries; promotion of South-South
trade; the development assistance”
Bobiash, 1992, p.6
51
Durante a Guerra Fria teve-se um grande movimento de
descolonização, principalmente de países da África e da Ásia, aumentando
exponencialmente o número de países membros das Nações Unidas. Com
isso, e com o debate de desenvolvimento à tona, os chamados países do “sul
global” passaram a ser vistos como um grupo específico e com alguns
interesses articulados, como o seu desenvolvimento através de estratégias
multilaterais (GOMES, 2013). Em 1955 ocorre o primeiro esforço em prol
de uma união desses países e do que passou a ser conhecido como o
Movimento dos Não-Alinhados (MNA) (que só veio a ser oficialmente
criado em 1961 na Conferência de Belgrado), onde passaram a existir
demandas dirigidas a organizações internacionais por parte desse novo
grupo.
Como antes mencionado por Escobar, (1995, p.154-160), o MNA
defendia que o desenvolvimento não deveria ser entendido como um
processo único, e sim algo de poderia ser atingido de diversas formas, além
de estabelecerem dez princípios para guarem a cooperação entre os países
do sul global, dentre eles vemos o respeito dos direitos humanos, a busca
pelo multilateralismo, o reforço do direito de soberania dos povos,
resolução de conflitos e disputas internacionais por meios pacíficos, e que
se defendesse a promoção do interesse mútuo e cooperação entre suas
partes (FINAL COMMUNIQUE OF THE ASIAN-AFRICAN
CONFERENCE OF BANDUNG, 1995), legitimando suas práticas, e uma
das grandes bases da Cooperação Sul-Sul, que surge fazendo frente ao
modelo vigente de Cooperação Norte-Sul imbuído na lógica de ‘doador e
receptor’, que não havia necessariamente uma troca de interesses mútuos
entre as partes.
Isso pode ser visto como uma prática, onde a cooperação entre os
países do Sul buscam desenvolver seus nichos diplomáticos através do
spillover de cooperação e do compartilhamento de valores e interesses de
52
mútuo beneficio. Esses países podem optar por focar somente nas áreas
onde possuem vantagem comparativa em relação aos outros, uma vez que
estes ainda não são países grandes o suficiente para atuarem em diversas
áreas, logo complementando o interesse um do outro e cooperando entre si,
os países no eixo da cooperação sul-sul estão aumentando sua participação
no cenário internacional enquanto se desenvolvem, o que pode ser
considerada uma estratégia de smart power.
No plano multilateral, os países em desenvolvimento, ou os países do
sul global, encontravam-se muito insatisfeitos, apesar de muitos serem
recém independentes, estes logo foram trazidos para o lógica bipolar
vigente durante a Guerra Fria, tendo sempre seus interesses subjugados
frente aos dos EUA e URSS, no entanto, com a criação da Conferência das
Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), reúne-se
pela primeira vez no âmbito da ONU, um grupamento de países em
desenvolvimento, que buscava uma maior articulação e cooperação entre
suas partes. Reúne-se pela primeira vez, então, o Grupo dos 77 (G77), que
buscava institucionalizar a cooperação entre estes, que só se concretizou em
1988, com o estabelecimento do Sistema Global de Preferências Comerciais
entre Países em Desenvolvimento (LEITE, 2012, p.15).
Com o crescimento da economia dos países do Sul, muitos acabaram
migrando de receptores de ajuda, para potências econômicas emergentes
que buscam assumir uma maior responsabilidade na promoção do
desenvolvimento. Estes países focaram muito na cooperação para a busca
de um desenvolvimento humano sustentável no Sul Global e redefinir a
lógica e estrutura da cooperação para o desenvolvimento internacional, que
vão fortemente de encontro com o comportamento de um país que deseja
exprimir smart power no cenário internacional. No entanto deve-se ter claro
que o percentual de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD) dos
países que não participam do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento
53
(CAD), ainda é muito baixo para representar uma parcela significativa dos
países do Sul Global (QUADIR, 2013, p.322).
Em relação ao CAD, que compõe a estrutura da OCDE, este foi
criado com o objetivo de coordenar políticas e práticas dos programas de
governo de seus países membros, para a cooperação para o
desenvolvimento, no entanto, o que é observado é que estes são em sua
maioria os tradicionais doadores do Norte que mantem a lógica de doador-
receptor que a CSS vem buscando romper. De acordo com a OCDE, o
desenvolvimento dos países emergentes deve ser feito através da AOD –
por países membros do CAD14
, que em sua maioria são países do Norte -
que é definida como:
Fluxos para países e territórios na lista do CAD de
beneficiários dos beneficiários da AOD, e para as instituições
multilaterais que são:
i. fornecida por órgãos oficiais, incluindo os governos
estaduais e locais, ou através por suas agências executivas; e
ii. Cada transação das quais:
a) é administrada com a promoção do desenvolvimento
econômico e bem-estar dos países como principal objectivo o
desenvolvimento; e
b) é concessional em caráter e transmite um elemento de
doação de pelo menos 25 por cento (calculada a uma taxa de
desconto de 10 por cento) (OCDE, 2008b, p.1).
Sob essa definição, vemos que é reafirmada a lógica vertical da
Cooperação Norte-Sul, com um caráter de doação aos “beneficiários” –
reforçada constantemente pelas classificações utilizadas em seus relatórios
de termos como ‘prover assistência’, ‘beneficiários’, e ‘doadores’15
-, em
14
São membros do CAD: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia do Sul,
Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Japão,
Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e
União Europeia. 15
A utilização desse vocabulário pode ser percebido em diversos documentos que estabelecem as
diretrizes do CAD, como, por exemplo, no ‘DAC Guidelines and Reference Series’, disponível
em: < http://www.oecd-ilibrary.org/development/dac-guidelines-and-reference-series_19900988>.
Acesso em 17 out. 2014.
54
vez de uma cooperação em pé de igualdade entre as partes, de modo que
estes sejam vistas como agentes parceiros, numa cooperação horizontal, que
a CSS busca construir.
Uma questão muito importante ao estudarmos a abordagem da
Cooperação Sul-Sul é o desejo dos países do Sul Global em modificar a
estrutura de cooperação e desenvolvimento vigente, mudando da lógica
condicional de ajuda, para uma abordagem baseada nos princípios de
igualdade, parceria e interesse mutuo entre as partes, que é a ‘cooperação
horizontal’ entre os países do eixo sul global. Isso pode ser chamado de
‘desenvolvimento alternativo’, onde é dada voz às preocupações de ambas
as partes e possibilita que os países desenvolvam estratégias mais
abrangentes para a industrialização promovendo reformas políticas,
segurança alimentar e na criação de novas instituições para um novo regime
de ajuda global, no entanto como isso é feito varia de país, para país de
acordo com seus interesses, disponibilidades (QUADIR, 2013, p. 331) e
nichos diplomáticos. Assim, podemos ver a cooperação sul-sul como uma
área de nicho diplomático de possível plataforma para a elaboração de uma
estratégia de smart power.
Com a Cooperação Sul-Sul os países do sul global aumentaram a sua
visibilidade no cenário internacional e sua participação em ajuda
internacional, além disso, foram percursores na busca por uma nova
narrativa de cooperação para o desenvolvimento que vai além da tradicional
lógica hierárquica de doador receptor imbuída na Cooperação Norte-Sul.
Eles vêm buscando uma cooperação horizontal, onde há uma preocupação
com o bem público global, promoção do multilateralismo e de alianças e
parcerias entre as partes. É com isso, que muitos desses países acabam se
focando em seus nichos diplomáticos e a cooperação, como no
funcionalismo liberal, vai avançando para diversas outras esferas.
Deste modo, a Cooperação Sul-Sul acaba tratando de diversos temas,
como um dos mais abordados atualmente, a busca pela segurança alimentar
55
e a erradicação da pobreza, e mudanças políticas que transbordam para o
campo de segurança, especialmente desde o alargamento do conceito com o
fim da Guerra Fria.
A credibilidade, legitimidade e incentivo necessário para a
participação dos atores na cooperação sul-sul é fundamental para o
entendimento da participação de seus atores. A proximidade histórica e
cultural entre os países do sul global, ou pelo menos o sentimento de
pertencimento existente entre estes é muito importante para legitimar a
atuação desses países, que como através do smart power busca a aceitação e
reconhecimento dos atores a fim de agir no cenário internacional, como
possibilita que os Estados ajam de acordo com a sua lógica de adequação
(MARCH & OLSEN, 1998, p.949) de seu comportamento, agindo como
apropriado entre os países do Sul Global, e defendendo seus valores
comuns.
A credibilidade, legitimidade e incentivos envolvidos na Cooperação
Sul-Sul trouxeram uma rearticulação nas posições dos agentes do campo,
vendo uma participação muito mais receptiva no relacionamento entre os
países em desenvolvimento, e consequentemente na capacidade das
agências de desenvolvimento e assistência desses países, tem se tornado
mais eficiente. Com isso, vemos como a CSS pode ser parte de uma
estratégia de smart power, no qual há um forte fator de soft power incluído,
onde os países buscam parcerias e alianças (em vez de uma relação
hierárquica de “cooperação vertical”), buscando a defesa de um bem
público global, tal qual como na defesa e busca pelo desenvolvimento, que
como preza o smart power, é uma forma de propagar valores para um
mundo mais estável e multilateral, e também para atingir objetivos
estratégicos específicos dos países que utilizam sua estratégia, como no
caso das potências emergentes, que buscam aumentar sua participação no
cenário internacional tentando suprir sua falta de hard power.
56
Claramente a CSS, quando vista sob a ótica do funcionalismo gera
um spillover de cooperação, começando de áreas de maior afinidade
histórico/cultural entre as partes, e indo além, para diversos assuntos que
tangem o campo da segurança. Um exemplo disso, é a enorme preocupação
na CSS em programas de desenvolvimento que lidam com temas de
segurança, como a reconstrução de aparato estatal em Estados frágeis, a
busca por segurança alimentar e a implementação de programas sociais,
visando uma maior estabilidade interna nos países, evitando a ocorrência,
ou recorrência de novos e antigos conflitos.
Em 1978, a Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul foi criada no
âmbito do PNUD como Comité de Alto Nível da Assembleia Geral sobre a
cooperação Sul-Sul. De acordo como a Unidade Especial, a Cooperação
Sul-Sul é:
É um amplo enquadramento para a colaboração entre os
países do Sul nos domínios políticos, econômicos, sociais, culturais,
ambientais e técnicos. Envolvendo dois ou mais países em
desenvolvimento, pode ocorrer em uma base bilateral, regional, sub-
regional ou inter-regional. Os países em desenvolvimento
compartilham conhecimentos, habilidades, competências e recursos
para atender aos seus objetivos de desenvolvimento através de
esforços concertados. Os recentes desenvolvimentos na cooperação
Sul-Sul tomaram a forma no aumento do volume do comércio Sul-Sul,
os fluxos Sul-Sul de investimento estrangeiro direto, os movimentos de
integração regional, a transferência de tecnologia, o
compartilhamento de soluções e especialistas, e outras formas de
intercâmbio (Tradução livre, UNOSSC, s.d.).
Este, em 2012, foi transformando no Escritório das Nações Unidas
para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC), tendo agora sob seu mandato,
atribuições como a promoção e coordenação da Cooperação Sul-Sul e
Cooperação Triangular em escala global e da ONU. Ainda em 1978,
ocorreu a conferência da UNCTAD que deu origem ao Plano de Ação de
Buenos Aires (PABA), que apresentou uma série de recomendações para os
57
países em desenvolvimento e a implementação da Cooperação Técnica
entre estes (GOMES, 2013, p.36). Esse é um exemplo de como a
cooperação técnica, que antes era muito mais definida no âmbito bilateral,
passou a ganhar novas conferências multilaterais, como se preza o
funcionalismo e o smart power por uma busca por uma maior aceitação
geral, pela participação, sem mencionar como o fato de ser um
comportamento adequado de os Estados adotarem, agindo de acordo com
seus valores, princípios e objetivos estratégicos levando em consideração
seu papel em determinado lugar.
Após os choques do petróleo na década de 1970, grande parte das
economias globais encontrava-se em recessão, período onde a ajuda
internacional para o desenvolvimento esforços em prol da cooperação
técnica não foram perseguidos. No entanto, com o fim da Guerra Fria e a
promoção do multilateralismo, vemos uma recuperação da CSS na agenda
de diversos países do Sul Global. O Sul Global passa a ganhar um novo
espaço em agendas de foros multilaterais, legitimando a CSS como uma
alternativa viável às críticas da CNS.
Em 2003, a Cooperação Sul-Sul foi integrada à diversas áreas do
PNUD, como a área da governança democrática. As potências emergentes
trazem ao desenvolvimento modelos alternativos que priorizam o fator
interno de construção, o que é um link muito grande entre desenvolvimento
e segurança. Além disso, a característica da CSS de lidar com uma
abordagem mais humana - que enfatiza a eliminação da pobreza, segurança
alimentar e outras causas estruturais como parte da causa do conflito - dá
aos países do Sul Global um grande respaldo de legitimidade para agirem
principalmente em operações de manutenção e construção da paz
(MATHUR, 2014, p.28).
Com essa maior institucionalização da Cooperação Sul-Sul, vemos a
UNCTAD elaborando seu próprio ponto de vista de como a cooperação
para o desenvolvimento deveria ser conduzida, fugindo da tradicional
58
lógica dualista da relação doador-receptor vigente até então, definindo a
Cooperação Sul-Sul como:
O processo, instituições e arranjos, desenhados para
promover cooperação política, econômica e técnica entre países em
desenvolvimento, ao buscar objetivos para o desenvolvimento comum.
Tem escopo multidimensional, envolvendo cooperação em áreas como
comércio, finanças, investimento, bem como troca de conhecimento,
habilidades e expertise técnica entre países em desenvolvimento.
Geograficamente, abrange a cooperação bilateral, intra e inter-
regional, bem como a colaboração entre os países em
desenvolvimento em questões multilaterais destinadas a melhorar a
sua participação e integração na economia mundial (tradução livre,
UNCTAD, 2010, p.1).
Tal institucionalização levou a uma maior discussão e aceitação de
estratégias de cooperação e desenvolvimento através da CSS e da
Cooperação Triangular, sendo inclusive mencionada como uma das formas
de promover a cooperação para as Metas do Milênio, incentivando a
participação de economias emergentes e destacando seu papel como
fornecedores de recursos e ajuda internacional. Em reunião em Genebra,
sobre a Integração e Cooperação no sistema das Nações Unidas, discutindo
os objetivos pós-2015 a CSS é incluída como um componente importante
para a elaboração das novas metas e para o desenvolvimento de estratégias
de desenvolvimento e globalização (UNCTAD, 2014).
A CSS é fortemente vista no surgimento de novos grupamentos e
coalizões que se formaram no século XXI, como o fórum de diálogo Índia-
Brasil-África do Sul (IBAS) e do agrupamento BRICS, que buscam
modelos alternativos e sustentáveis de desenvolvimento com agências como
o Banco Mundial, ou por iniciativas próprias, como a criação do Fundo e do
Banco dos BRICS. Assim a CSS passou a ser incorporada como um dos
pilares fundamentais de atuação, tanto nas políticas dos países do Sul
Global, como de organizações multilaterais e agências de cooperação, na
“cooperação triangular” (LEITE, 2012, p. 20-22), como foi o caso da
59
OCDE, até então uma Organização tipicamente marcada pela “cooperação
vertical”, com o Acordo de Acra. O acordo de Acra traz a noção de que os
receptores da ajuda internacional devem ser vistos não só como receptores,
mas como sócios no processo de cooperação, dando um caráter mais
“horizontal” à cooperação entre as partes. De acordo com a Agenda para a
Ação de Acra
A cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento busca observar
o princípio de não interferência nas questões internacionais,
igualdade entre os parceiros em desenvolvimento e respeito pela sua
independência, soberania nacional, diversidade cultural e questões
indenitárias e locais. Tem um papel importante na cooperação
internacional para o desenvolvimento e é um complemento valioso
para a cooperação Norte-Sul (OCDE, 2008a, par.19).
A CSS e a atuação dos atores do Sul Global acabou rearticulando os
agentes e a lógica do campo da Cooperação Internacional para o
Desenvolvimento, isso fez que com países emergentes pudessem ter uma
voz maior nessa esfera e assim se projetar mais no cenário internacional
através de estratégias de smart power que focassem na atuação destes na
CSS. Isso gerou uma série de debates e visões a cerca da CSS e da CID.
De acordo com a teoria social sobre a cooperação, vemos que as
trocas que ocorrem entre os países podem ser diretas ou indiretas, isto é,
podem envolver somente as partes envolvidas na cooperação, ou podem ter
um reconhecimento não desejado, ou de terceiros. No caso de países como
a Índia, atuando em outros de forte instabilidade, como o Afeganistão,
vemos trocas indiretas de colocar a CSS em destaque como um modelo de
atuação alternativo, que agrega a dimensão do desenvolvimento a assuntos
de segurança internacional e à questão de operações de paz. O mesmo
também pode ser observado na presença brasileira no Haiti (LEITE, 2012,
p.28-31).
60
A CSS tem como característica também o sentimento de ganho
mutuo das partes, fazendo assim, com que essa cooperação tenda a ser
estendida para outras áreas, que não puramente a técnica, contribuindo
assim, para níveis mais avançados de cooperação, como a própria
coordenação de políticas destes países, como por exemplo, podemos
identificar posicionamentos em comum de países que realizam a CSS, como
é o caso dos países IBSA. A CSS, ainda de acordo com a teoria social
sobre a cooperação, é um processo complexo, que leva fortemente em conta
os nichos diplomáticos dos países, isso é, seus conhecimentos específicos, e
de adoção de políticas, como na promoção de políticas sociais exportadas
para outros países, que podem configurá-la como uma estratégia de smart
power.
Sob a ótica do institucionalismo, vemos, num contexto marcado pela
interação estratégica e interdependência entre os atores, a busca da
maximização dos ganhos dos atores, baseados no comportamento dos
próprios Estados, e de sua relação com outros. Assim, a cooperação, e, por
conseguinte a Cooperação Sul-Sul, também poder ser vista como um
processo de coordenação de políticas entre países, baseado em seus cálculos
estratégicos. Esta podendo fazer parte de uma estratégia de smart power,
uma vez que se busca, através do institucionalismo e da interdependência,
suprir a falta de hard power, para que os objetivos do país possam ser
atingidos pelo spill over de cooperação, onde cada um tem a capacidade de
focar em seu próprio nicho diplomático (LEITE, 2012, p.26-7).
Ainda sob a ótica do liberalismo, vemos a cooperação como algo que
acaba afetando e transbordando para o campo da segurança, uma vez que os
Estados são atores racionais e definem seu comportamento no cálculo de
custo beneficio e de adequação de seu comportamento perante os demais,
estes, acabam partindo do raciocínio de que a cooperação evita a
recorrência de conflitos, assim, ao cooperarem, os atores estão buscando
também lidar com assuntos de segurança.
4. Operações de Paz
Let me tell you now
Ev'rybody's talking about
Revolution, evolution, masturbation,
flagellation, regulation, integrations,
meditations, United Nations,
Congratulations.
All we are saying is give peace a chance
- John Lennon, Give Peace A Chance
4.1. Definições do termo
Ao abordarmos o conceito de Operações de Paz, é necessário,
primeiramente, definirmos o mesmo, e ao falarmos definir, não quer dizer
somente encontrar uma definição básica a ser seguida, e sim compreender
que há diversas formas de se interpretar o termo e utiliza-lo de maneiras
diferentes. Em 2008 quando o Departamento de Operações de Paz (DPKO,
2008) lançou seu manual de princípios e diretrizes, não foi definida
especificamente a definição de operações de paz, e sim as principais
operações relacionadas à paz e à segurança. Dentro dessa categoria,
encontramos cinco subdivisões, que haviam sido previamente definidas por
Boutros Boutros-Ghali, Secretário Geral das Nações Unidas na Agenda
para a Paz em 1992 (UNITED NATIONS, 2008) sendo elas: (i) Prevenção
de Conflitos; (ii) Estabelecimento da Paz16
; (iii) Manutenção da Paz17
; (iv)
Imposição da Paz18
, e; (v) Construção da Paz19
.
De acordo com o departamento de operações de paz, a prevenção de
conflitos diz respeito à “aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas
para manter disputas inter ou intra-estados de escalar num conflito
violento,” a Estabelecimento da Paz se refere às “medidas para resolver
16
Peacemaking; 17
Peacekeeping; 18
Peace enforcement; 19
Peacebuilding;
62
conflitos em andamento, e normalmente envolve ação diplomática para que
as partes hostis cheguem à um acordo,” as ações de Manutenção da Paz,
então, serão uma “técnica desenvolvida para preservar a paz, quando frágil,
onde a luta foi interrompida, e para prover assistência na implementação de
acordos atingidos pelos apaziguadores20
,” a quarta diretriz de ação para a
paz, Imposição da Paz, “envolve a aplicação, com a autorização do
Conselho de Segurança, de uma série de medidas coercivas, incluindo o uso
da força militar, (...) em situações em que (...) foi determinada a existência
de ameaças à paz,” já a última subdivisão, Construção da Paz, aborda as
“medidas direcionadas para a redução do risco de extinção, ou reincidência
do conflito pelo reforço das capacidades nacionais em todos os níveis, para
a administração do conflito, e estabelecer bases para a paz e o
desenvolvimento sustentáveis” (DPKO, 2008, p.18-19).
Em uma primeira análise, pode-se esperar que cada uma dessas
subdivisões ocorra numa etapa diferente do conflito, trabalhando
cronologicamente na evolução do processo político do conflito, no entanto,
deve-se ter em mente que podem haver diversos momentos onde tais fases
se sobrepõem, tendo assim uma operação de paz multidimensional, sendo
compostas por diversos componentes das mais diferentes fases de operações
de paz, em diferentes estágios de conflito, ocorrendo raramente em uma
ordem linear. É importante ressaltar que tais classificações só surgiram
muito recentemente na história das Operações de paz das Nações Unidas, o
que nos mostra que mesmo com mais de 60 anos de história, as operações
de paz ainda continuam em uma constante fase de evolução e adaptação.
Um fato importante de se atentar é que na Carta das Nações Unidas
não há uma menção direta às operações de paz, porém encontra-se base
legal para exercê-la nos capítulos VI, VII e VIII ao mencionar que se deve
lidar com “resolução pacífica de conflitos”, e “ações que dizem respeito à
paz, brechas na paz e atos de agressão”, mais comumente decididas pelo
20
Peacemakers;
63
Conselho de Segurança. É importante ressaltar que houve uma expansão no
conceito de operações de paz, juntamente com o fim da guerra fria e a
expansão do tipo de conflitos no qual as Nações Unidas passaram a
interferir.
Durante a Guerra Fria, e desde a criação das Nações Unidas, é
possível encontrar uma série de transformações na prática de operações de
paz, modificando tanto sua natureza, como seu propósito, refletindo a
situação política do momento (BELLAMY et all, 2010, p.13). A partir
dessa noção, foram identificadas, até então, cinco diferentes gerações de
operações de paz, sendo estas modificadas ao longo do tempo e da
conjuntura internacional. As gerações são criadas uma em cima da outra,
acumulando seu significado. É muito comum que haja uma mudança de
mandato de operações de paz de uma geração para outra, atribuindo-lhe
suas novas características (KENKEL, 2013, p.124). As gerações são
divididas de acordo com fatores como o nível de força e a profundidade em
que esta é utilizada, assim como na natureza do conflito em que se
encontram, como sendo um conflito doméstico, ou externo.
A primeira geração de operações de paz eram majoritariamente o
que chamamos hoje de operações tradicionais, que são aquelas que
conduzem processos de observação, monitoramento e elaboração de
relatórios do conflito ao Secretário-Geral e às Nações Unidas. As operações
tradicionais também são aquelas que são autorizadas principalmente de
acordo com Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, e tem como função
monitorar o cessar fogo e fazer a separação entre forças combatente
impedindo a retomada do conflito, uma vez estabelecido o cessar fogo. As
principais características das operações dessa geração é o consentimento da
nação que a recebe, a imparcialidade da missão entre as partes do conflito e
o não-uso da força por parte das tropas das Nações Unidas (KENKEL,
2013, P.126). Contrastando esse tipo de operações com as restantes, autores
como Doyle e Sambanis (2006), estabeleceram outras duas tipologias de
64
gerações de operações de paz. Além das ditas operações tradicionais, que
são empregadas com a autorização das partes conflitantes a fim de criar
confiança, manter cessar fogo, ou negociar a paz, vemos também as
chamadas operações multidimensionais.
Com a evolução dos conflitos e da atuação de terceiras partes nestes
vemos um aumento da atuação das Nações Unidas em diversos aspectos.
Além de fazerem muito do que era feito nas missões tradicionais, as
operações multidimensionais, também chamadas de operações complexas,
englobam uma nova gama de ações, como a busca pela defesa dos Direitos
Humanos, controle de armamentos, contribuírem para eleições
democráticas e processos de reconstrução do aparato político estatal. A
maior diferença apresentada na segunda geração de operações de paz é a
introdução de tarefas de civis no contingente da missão. Além disso, essa
nova geração de missões é mais ambiciosa do que a primeira geração,
buscando mandatos mais envolventes, buscando ir além da cessão de
conflitos, mas sim, buscando numa assistência para a transição para a paz
(KENKEL, 2013, p.128).
A terceira tipologia segundo Doyle e Sambanis (2006, p.15-16) é
aquele em que inclui as operações que compreendem a imposição da paz,
isto é, o uso autorizado da força, pelo Conselho de Segurança, legitimado
no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não contam com a
autorização das partes do conflito. Para outros atores como Kenkel (2013,
p.130), a terceira geração de operações de paz, também conhecidas como
operações de imposição de paz, aumentam a permissibilidade do uso da
força durante as missões, não tendo muitas novas mudanças na natureza de
seu mandato, das missões de segunda geração. Essa geração é marcada
principalmente com três missões aprovadas na década de 1990, a
UNOSOM, na Somália, a UNPROFOR, no contexto da guerra da Croácia e
da Bósnia e a UNAMIR, aprovada após o genocídio em Ruanda.
65
Essa terceira geração foi muito criticada, principalmente no início
dos anos 2000 com a publicação do Relatório Brahimi, que abriu espaço
para a criação de uma quarta geração de operações. Esta surgiu com o
crescimento dos debates de ajuda humanitária e acerca das recentes
intervenções humanitárias no final da década de 1990. Essa nova geração
abarca um novo componente em seu mandato, passando a tratar também da
construção da paz (peacebuilding) em situações de conflito, marcada por
missões como as de transição de governo em Estados-falidos, o caso do
Kosovo e do Timor-Leste, onde a ONU exerce soberania naquele território
a fim de reconstruir seu aparato estatal e burocrático. Tais missões são
características por ter um caráter mais intrusivo e de terem uma duração
maior que as demais, além de abarcarem diversos projetos sociais, políticos
e humanitários (DOYLE E SAMBANIS, 2006, p.16-18).
Há ainda, como dita por alguns autores, a geração de missões
híbridas, onde a ONU passa a trabalhar junto com outras organizações
multilaterais, em sua grande maioria organizações regionais, como é o caso
de missões em conjunto com a União Africana, na Somália e no Sudão
(POPOVSKI & FATH-LIHIC, 2012. p.149-151). Nessa “última” geração
de operações de paz, tal característica de hibridismo das tropas e trabalho
junto de outras Organizações, muda seu mandado sob o respaldo do
Capitulo VIII da Carta das Nações Unidas. Nessa geração vemos uma
mudança na divisão de trabalhos no sistema internacional de operações de
paz, como vemos no caso da participação brasileira na MINUSTAH
(KENKEL, 2013, 135-6).
Na evolução das diferentes tipologias e ações das operações de paz
vemos constantemente surgirem discussões e debates, que em sua maioria,
permeiam sobre temáticas como a efetividade das operações e as
capacidades das Nações Unidas, a soberania dos Estados e a questão da
intervenção nestes, a intervenção humanitária e o consentimento ou não
desta pelas partes envolvidas no conflito, e a imparcialidade das missões de
66
paz. Tais temas geram grandes discussões envolvendo estados membros e
não-membros das nações unidas. Muito é discutido a fim de estabelecer,
modificar e aperfeiçoar as normas que permeiam as operações de paz, e
com isso, muito de sua prática também é modificada. Por isso, é necessário
compreender um pouco mais a fundo a evolução destas normas, para
entender o comportamento dos países frente às mesmas e como isso pode
impactar em suas ações.
4.2. Evolução Normativa das Operações de Paz
A primeira Operação de Paz das Nações Unidas ocorreu em 1948,
criada para supervisionar a trégua entre Israel e Palestina. Desde então,
como visto anteriormente no histórico das Operações de Paz, muita coisa
mudou em relação à aprovação e execução de tais missões. Com isso, é
possível identificarmos uma evolução e criação de novas normas e regras
tanto para aprovar, como na execução de uma operação de paz. É muito
importante compreender mais a fundo como esse processo se dá, a fim de
identificar práticas e posicionamentos político-estratégicos de Estados e
Organizações quanto a sua participação nas mesmas. É também entendendo
esse processo, que vai ser possível identificar o impacto da ação destes
atores nas Operações de Paz e no campo da segurança.
Durante todo o período da Guerra Fria, em pouco se avançou a
discussão de Operações de Paz dentro das Nações Unidas, em grande parte
devido ao “congelamento” do Conselho de Segurança pela distribuição
bipolar de poder vigente na época entre os Estados Unidos e a União
Soviética, impedindo que muito fosse decidido no Conselho. Assim, com a
queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria, houve uma grande
redistribuição de poder no sistema internacional.
67
É nesse mesmo contexto em que vemos, teoricamente falando, o
alargamento e aprofundamento do conceito de segurança, o aumento do
debate acerca de direitos humanos para a proteção da população de um
Estado dele mesmo, o novo enfoque no indivíduo que dá origem ao
conceito de segurança humana, e o surgimento de diretrizes como o R2P e a
paz liberal numa nova dinâmica do mundo no pós-Guerra Fria. Tais
acontecimentos também têm impactos diretos no contexto da época, onde
vemos o Conselho de Segurança começando a ter uma quantidade muito
maior de reuniões e aprovando muito mais a criação de missões de paz no
mundo21
. O conceito de segurança no sistema internacional deixou de ter
sua leitura tradicional somente de questões interestatais, passando a ter
agora uma conotação muito mais abrangente, levando também em conta
questões internas de um próprio Estado, como a defesa contra desastres
naturais, violação de Direitos Humanos e conflitos políticos internos. A paz
não é mais vista só como a ausência de guerra.
Vemos também o surgimento de inúmeros debates acerca da ajuda
humanitária. Em 1991 é criado o Escritório das Nações Unidas para a
Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA em inglês), tratando da
emergência humanitária como algo contigum no espaço e tempo, que é
integrado entre todos os aspectos bases de uma emergência (prevenção,
socorro, reconstrução e desenvolvimento). Após casos como o genocídio de
Ruanda em 1994 e do Kosovo durante a década de 1990, surge o conceito
de emergências complexas, que abarcam muito bem um exemplo de ação
de operações de paz multidimensionais, onde se vê em casos de emergência
uma articulação intrínseca entre suas causa políticas e regionais, tratando de
graves violações de direitos humanos e violência interna em conflitos. Tais
mudanças, incluindo novos casos, critérios e motivos para o envio de ajuda
humanitária, que pode ocorrer através de operações de paz, é em grande
21
Até o fim da década de 1980 foram aprovadas somente 18 missões de paz, desde a criação da
ONU, frente a mais de 50 missões aprovadas nos 20 anos seguintes. Para mais informações sobre
as missões de paz aprovadas pela ONU, acesse a lista aqui:
<http://www.un.org/en/peacekeeping/documents/operationslist.pdf >. Acesso em 22 ago 2014.
68
parte relacionado ao aumento do numero destas a partir da década de 1990.
Isso faz com que países menores possam se envolver em formas de
cooperação e de ajuda humanitária, seja através do envio de pessoal para
participar das operações, seja com ajuda financeira, seja pela importação de
programas sociais e de know how nas mais diversas áreas de especialização
de determinado país, para o país em conflito. É nesse caso, em que
potências médias e potências emergentes costumam agir, focando-se em seu
nicho diplomático, para que possam fazer parte tanto do debate, como da
prática das operações de paz. Isso acaba resultando num transbordamento
para o campo da segurança, que é diretamente ligado ás operações de paz, e
aumentando o capital diplomático desses países, que não possuem hard
power suficiente para se colocar frente à questões de segurança.
4.2.1. Uma Agenda para a Paz
O maior exemplo de impacto das mudanças que aconteceram na
década de 1990, e com o fim da Guerra Fria no mundo real pode ser visto
com a elaboração da Agenda para Paz, pelo Secretário-Geral das Nações
Unidas, Boutros Boutros-Ghali (1992). O documento foi feito a pedido do
Conselho de Segurança, que buscava novas recomendações e análises para
lidar com questões de paz e segurança internacional, reforçando a prática de
estabelecimento e manutenção da paz, que havia se tornado cada vez mais
constante no âmbito das Nações Unidas. Assim foi elaborada a Agenda
para Paz, onde foi estabelecido um conjunto de normas para delimitar uma
série de limites e condições de atuação em operações de paz da ONU. O
documento focava-se principalmente nos termos pós-conflito, de como agir
e solidificar a paz naquela região evitando uma possível retomada do
conflito, feitas através de uma série de medidas especificadas em seu
69
relatório, como no desarmamento das partes do conflito e o repatriamento
de refugiados (BOUTROS-GHALI, 1992).
Este documento ficou conhecido como um dos primeiros a classificar
operações de paz em diversas categorias, assim como por ter sido o
primeiro a introduzir o conceito de pós-conflito. A partir da Agenda para
Paz, que estabelece conjunto de normas condicionantes e limitantes a
atuação das Nações Unidas em operações de paz, abre-se precedente para
uma série de debates e propostas de novas normas. Isso se desdobrou,
futuramente, na criação da Capstone Doctrine das Nações Unidas, criada
em 2008, revisada em 2010, no relatório ‘New Horizon’, que tem diversas
atribuições. Desde a reestruturação do departamento de operações de paz,
até a criação e especificação de conceitos, como a diferenciação entre
estabelecimento, manutenção, imposição e construção da paz, vemos
tentativas de moldar normas e de agir de uma forma mais legítima no
cenário internacional que se encontre de acordo com a Carta das Nações
Unidas.
A carta das Nações Unidas, por sua vez, pode ser observada, como
prioritariamente prezando pela paz e segurança internacional, defendendo
os princípios de soberania dos Estados e a defesa pela promoção dos
Direitos Humanos. Assim, podemos compreender a ONU como uma
organização que preze pela diplomacia e pela cooperação em detrimento de
ações individuais. A defesa do multilateralismo e suas outras características
previamente mencionadas vão de encontro direto com o comportamento
padrão de potências médias, e emergentes, assim como de ações e
estratégias de smart power onde o país enfatizam o uso do soft e smart
power, defendendo os conceitos de soberania, não indiferença e não
intervenção e apostando em mecanismos multilaterais, para manter a
igualdade entre todos, que é o comportamento típico daqueles que não
podem confiar unicamente no hard power para defender seus interesses
70
perante a comunidade internacional e influenciar em discussões e decisões
relacionadas ao campo de segurança, como é o caso das operações de paz.
4.2.2. Relatório Brahimi
Outra mudança institucional a cerca das operações de paz no âmbito
das Nações Unidas foi a elaboração do Relatório Brahimi em 2000, que
tinha como seu objetivo remodelar o formato das operações de paz. O
documento indicava as principais falhas destas e sinalizava medidas que
deveriam ser tomadas seguindo aspectos políticos e práticos também
sinalizados no relatório. Um dos propósitos do relatório era de revitalizar a
ação do DPKO, que enfrentava críticas, principalmente daqueles que
lidavam com a questão da ajuda humanitária, que passa a ter uma maior
relação com operações de paz, quanto à prestação de socorro, reconstrução
e desenvolvimento da sociedade, agora também feita através de operações
de paz.
A maior diferença trazida no relatório Brahimi é o aumento do uso
da força em operações de paz. Como visto na sessão anterior, o relatório foi
criado no mesmo contexto do surgimento da terceira geração de operações
de paz, que inclui o uso autorizado da força, pelo Conselho de Segurança,
legitimado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não contam
com a autorização das partes do conflito, aumentando a permissibilidade do
uso da força durante as missões.
O relatório trouxe também a questão de que as operações de paz tem
também um papel fundamental na elaboração política da sociedade, não
sendo somente forças interposicionais entre partes de um conflito, mas sim
tomando parte na construção da política local e processos eleitorais de uma
nova sociedade. Sendo hoje mais bem integradas, e relacionando mais
71
fortemente as operações de paz com o desenvolvimento, na busca por uma
paz positiva (GALTUNG, 1969, p.183-6).
4.2.3. Debates sobre soberania e intervenção
Com a constante mudança de regras e normas nos debates a cercadas
operações de paz, vemos também o surgimento de um dos conceitos mais
discutidos atualmente, em discussões sobre intervenção humanitária,
soberania e legitimidade dos Estados. O conceito da Responsabilidade de
Proteger (R2P) foi elaborado em 2001 pela Comissão Internacional de
Intervenção e Soberania do Estado e, em 2005, foi adotado pelas Nações
Unidas, na Cúpula Mundial22
, em documento assinado após a reunião anual
Assembleia Geral. Reunião essa que também acabou sendo base para a
formulação das Metas para o Desenvolvimento do Milênio23
.
4.2.4. A Responsabilidade de Proteger
O conceito de “responsabilidade de proteger” surge então com o
objetivo de ser uma ferramenta para realizar o duplo desafio de, assegurar o
respeito ao direito de soberania dos Estados, e ao mesmo tempo conciliar a
responsabilidade da sociedade internacional para lidar com as violações de
normas humanitárias. No entanto, como pode-se ver, ele é algo pouco
cômodo para países emergentes, como o Brasil, que buscam aumentar sua
participação e influência no plano multilateral, pois acabam se mostrando
céticos ao conceito, uma vez que estes ainda defendem princípios clássicos
22
UNITED NATIONS. GENERAL ASSEMBLY. A/RES/60/1. 2005 World Summit. LX
Session of the United Nations General Assembly, 24 out 2005. Disponível em:
<http://daccessddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/487/60/PDF/N0548760.pdf?OpenElement>.
Acesso em 17 ago 2014. 23
Millenium Development Goals
72
westfalianos, como a defesa à soberania e não-interferência no território dos
outros Estados.
De acordo com o relatório da Comissão Internacional de Intervenção
e Soberania do Estado, qualquer nova abordagem acerca de uma possível
intervenção com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos no
mundo deve ser pautada em quatro objetivos básicos, sendo estes:
estabelecer normas e regras que determinem quando e como é autorizada
uma intervenção; legitimá-la apenas depois que todas as outras abordagens
para a resolução do conflito tenham falhado; garantir que a intervenção,
uma vez estabelecida, seja conduzida de acordo com seu propósito,
buscando minimizar os danos institucionais e a seres humanos; e ajudar a
eliminar, quando possível, a causa dos conflitos, buscando promover a paz
durável e sustentável (INTERNATIONAL COMISSION ON
INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY, 2001, p.11).
Uma vez introduzido o debate pela Comissão Internacional de
Soberania e Intervenção, muito foi discutido, principalmente no âmbito das
Nações Unidas. Tal debate resultou, em 2005, na inclusão do termo na
própria Organização. O documento final da Cúpula Mundo daquele ano
continha, em seus parágrafos 138 e 139, o conceito de “responsabilidade de
proteger” associando-o à responsabilidade de cada Estado de proteger suas
populações contra genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes
contra a humanidade, reiterando, em grande parte, o que foi dito no
documento de 2001 da Comissão de Internacional de Intervenção e
Soberania do Estado. Assim, podemos identificar uma clara evolução
normativa ao longo do tempo, nas normas humanitárias, que afetam a
execução e aprovação de operações de paz, desde 2001, até 2005, e
continuando posteriormente com os debates críticos do próprio conceito da
responsabilidade de proteger.
A maior diferença que se teve nas Nações Unidas em relação a
discussões anteriores sobre a “responsabilidade de proteger“ foi apresentada
no parágrafo 139, onde a definição da aplicação do conceito deve ser
73
discutida e aprovada por iniciativa multilateral no âmbito do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, ao passo que, anteriormente, a questão da
autoridade era mais abrangente, havendo a possibilidade de discussões
serem feitas na Assembleia Geral, antes do conceito ser institucionalizado.
Assim, a Responsabilidade de Proteger busca regulamentar o que
antes era chamado de “direito de intervir”24
. Com isso, tem-se maior
regulamentação e institucionalização da construção de normas para a
intervenção humanitária. Através da R2P busca-se fazer uma avaliação dos
conflitos em debate, com o intuito de identificar se determinado Estado é
capaz ou não de exercer sua soberania e o dever de proteger sua população.
Em caso negativo, seguindo as diretrizes da responsabilidade de proteger, a
comunidade internacional tem o dever de intervir, mesmo sem o
consentimento do Estado foco do conflito, a fim de proteger a população e
evitar que as normas do direito humanitário continuem sendo
desrespeitadas.
A “responsabilidade de proteger” não busca apenas aprovar e realizar
uma intervenção nos Estados, mas sim se focar nos custos e resultados desta
ação, frente ao fato da possibilidade de se não agir, ponderando a
assistência, intervenção e a reconstrução durante e no pós-conflito.
Com isso, é possível observar que dentro da definição do conceito da
responsabilidade de proteger há três tipos de responsabilidades mais
específicas, sendo estas a “responsabilidade de prevenir”, que diz respeito
às causas básicas e às causas diretas do conflito; a “responsabilidade de
reagir” tratando de elaborar uma resposta às situações de necessidade
humana com as medidas adequadas, podendo incluir até mesmo medidas
coercitivas para supri-las; e a “responsabilidade de reconstruir”, na qual a
sociedade internacional deve ministrar assistência, especialmente após o
caso de uma intervenção militar, para a reconstrução e reconciliação da
24
Termo o qual foi utilizado pela própria Comissão Internacional de Intervenção e Soberania do
Estado. Ver pag. 11 do relatório.
74
região de conflito (INTERNATIONAL COMISSION ON
INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY, 2001, p.xi).
Após todo esse avanço, e modificações acerca do conceito, vemos o
mesmo sendo cada vez mais discutido no âmbito das Nações Unidas, o
mesmo passou a ser institucionalizado dentro da Organização. Nos debates
sobre o conceito, muito se discutiu quanto ao uso da força, países como o
Brasil, e outras potências emergentes, e do Sul Global, se mostraram, em
um primeiro momento, fortemente contrários ao conceito, por não respeitar
a soberania dos países.
No entanto, ao longo da evolução das discussões, através de um
pronunciamento o secretário-geral, Ban Ki-Moon, tomou como
compromisso pessoal de transformar o conceito em uma política das
Nações Unidas, esclarecendo também uma série de pontos sobre o conceito,
que mudou o rumo de suas discussões.
Com base nisto, o conceito de “responsabilidade de proteger” é
definido como tendo três pilares bases:
1. Estados têm a responsabilidade primária de proteger sua
população de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a
humanidade;
2. A comunidade internacional tem a responsabilidade de prover
assistência à esses Estados, para que possam cumprir sua responsabilidade e
de construir essas capacidades;
3. A comunidade internacional deve tomar uma resposta temporal e
decisiva de quando um Estado está falhando em cumprir suas
responsabilidades e agir então de forma necessária e executar sua
responsabilidade de proteger (UNITED NATIONS, 2009).
Após a Cúpula Mundo, em 2005, e o pronunciamento de Ban Ki-
Moon em 2009, o conceito passou a ser mais bem desenvolvido nas práticas
da ONU. Uma das maiores contribuições ao debate em 2009 foi a
75
abordagem “estreita, porém profunda” com a definição dos três pilares do
conceito. Uma limitação estreita ao uso da força, somente quanto aos seus
crimes estipulados (genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes
contra a humanidade), que era um dos pontos em maior contradição,
sobretudo por parte dos países do Sul; e profunda, no que se refere à criação
de um debate mais abrangente (KENKEL, 2012, p.20).
Como a evolução normativa das operações de paz é algo constante,
vemos, até o presente momento, que diversas partes do conceito encontram-
se extremamente controversas em seus debates. Mais especificamente
falando, o terceiro pilar que aborda a questão de compreender a força
militar como último recurso, e de como seu uso deve ser feito. Tal
discussão aparece devido à tensão entre dois grandes pressupostos do
sistema político internacional - a defesa pela soberania (o princípio de não-
intervenção) e pela defesa do indivíduo (o princípio dos direitos humanos) –
que são alvos de críticas tanto em momentos onde não há/houve
intervenção humanitária, como foi o caso de Ruanda em 1994, e também
em casos onde houve intervenção, como ocorrido no Kosovo em 1995
(KENKEL, 2008).
As discussões sobre a “responsabilidade de proteger”, presentes
desde 2005 na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança, tiveram
grande repercussão e foram muito discutidas em 2011, quando, num
contexto político instável e de muitas tensões, rodeado pelos eventos
políticos da Primavera Árabe, em particular da situação da Líbia, e mais
futuramente da Síria, muito se questionou sobre o conceito.
Ao mesmo tempo em que o debate acerca da responsabilidade de
proteger ganhava mais força nos diversos foros multilaterais, com o caso
líbio, este passou a ser fortemente criticado, por ter sido usado em parte
como uma ferramenta que possibilitou aos Estados Unidos e à OTAN, de
forçarem uma mudança no regime político Líbio a sociedade internacional
se mostrava mais atenta às discussões da “responsabilidade de proteger” e
do caso líbio. Nesse contexto (não como uma relação de causalidade direta
76
ligada á este conflito), surge o debate para a criação de um novo conceito,
em torno das responsabilidades e regulamentações de intervenções da
sociedade internacional.
Assim, ao final de 2011, surge a noção de Responsabilidade ao
Proteger (RwP) introduzida pelo Brasil no âmbito da Assembleia Geral das
Nações Unidas. No documento de concepção brasileira, a “responsabilidade
ao proteger” indica uma série de princípios, parâmetros e procedimentos, a
maioria dos quais restringe o recurso à força e, em parte, até mesmo a ação
dos ditos três pilares de modo mais geral, dialogando diretamente com o seu
conceito antecessor, o R2P.
4.2.5. A Responsabilidade ao Proteger
Criado em novembro de 2011, internamente pelo Brasil25
, o conceito
da Responsabilidade ao Proteger (RwP26
) vai além do conceito de
“responsabilidade de proteger”, tendo como mudança a necessidade de se
ter uma maior institucionalização e regulamentação da situação, para
realizar ou não uma intervenção, caso realmente acredite-se haver
necessidade; a busca por uma maior institucionalização e a regulamentação
do processo de intervenção, que deve continuar a ocorrer durante o curso da
mesma, no teatro de operações da guerra, não somente antes de sua
realização, como era feito anteriormente, segundo a “responsabilidade de
proteger”.
Um fator importante para compreender a inserção do conceito é
contexto político do Brasil naquele momento. O país encontrava-se dividido
entre defender seus princípios clássicos (assim como foi o caso de diversos
países da América Latina e do Sul Global), e ao mesmo tempo
questionando seu papel como potência emergente, buscando se tornar um
25
Permanent Mission of the Federative Republic of Brazil to the United Nations, “Responsibility
while protecting> elements for the development and promotion of a concept”, 9 November 2011,
United Nations Document A/66/551-S/2011/701. Disponível em:
<http://www.un.int/brazil/speech/Concept-Paper-%20RwP.pdf>. Acesso em 10 out 2014. 26
Responsibility While Protecting (RwP), no inglês.
77
stakeholder global, participando mais e tomando novas responsabilidades
no sistema internacional, e na promoção pelo bem global, o que fazia com
que o país reforçasse o seu apoio ao multilateralismo e à normatividade
defendida nas Nações Unidas -- que agora incluía o conceito de R2P
(KENKEL, 2012, p.21).
Outro fator importante para compreender a inserção do RwP é o
contexto de debates que surge nas Nações Unidas após a intervenção da
OTAN na Líbia, acentuando ainda mais as críticas à Responsabilidade de
Proteger, ao qual o Brasil sempre foi um pouco crítico, desde o seu início,
pela questão do uso da força e do respeito da soberania e não-intervenção
dos outros países. Além disso, fica clara a preocupação do Brasil com a
possível instrumentalização e legitimação de intervenções militares com
objetivos políticos, justificadas por preocupações humanitárias (VAZ, 2013,
p.196).
Inseridos em meio a toda essa discussão, é possível observar a
resistência dos países do Sul ao conceito de R2P como uma resistência da
dominância normativa dos países do Norte (o próprio conceito do R2P é
criado no Canadá), mostrando o desejo do Sul Global e dos países
emergentes em se inserirem melhor na atual ordem global e distribuição de
poder. Assim, estes vão apoiar o conceito da RwP, interpretando-o como
uma tentativa normativa de contribuir para os problemas globais de uma
forma mais honesta, participativa e construtiva – fazendo resistência ao
Norte Global .
O conceito de “responsabilidade ao proteger” nos remete aos três
pilares da “responsabilidade de proteger”. Estes devem atuar de forma
lógica e conjunta, com prudência política, e não como etapas que formam
uma relação automática entre proteção de civis e o uso da força.
Assim, podemos observar um pouco do processo de evolução
normativa e institucional no campo da ação humanitária, desenvolvimento e
de segurança internacional - tendo como foco a Organização das Nações
78
Unidas - acerca do modo como as intervenções militares são conduzidas
nos dias atuais,
Em primeiro plano, uma série de princípios e diretrizes que
deve ser completamente debatidos e levados em consideração antes
de um mandato do Conselho de Segurança autorizar o uso de
qualquer tipo de força militar; em segundo lugar, algum tipo de
monitoramento mais aprimorado e revisões do processo (que autoriza
o uso de força militar), que seja seriamente debatido por todos os
membros do Conselho de Segurança, durante a implementação do
mesmo (EVANS, 2012).
Dessa forma, a evolução normativa se dá em parte, no debate da
responsabilidade de proteger com o governo brasileiro exprimindo a
necessidade de uma reavaliação dos três pilares centrais em que repousa o
conceito de ”responsabilidade de proteger,” e buscando a criação de
mecanismos capazes de fornecer uma avaliação mais objetiva e detalhada
dos perigos envolvidos na utilização do uso da força em intervenções das
Nações Unidas, a qual se acredita que deveria ter como objetivo principal a
proteção de civis, sendo assim inaceitável que uma intervenção sob o
mandato da ONU cause mais danos a civis do que os próprios conflitos que
justificaram a criação da missão. A importância do conceito também se
estende ao estimulo e a inclusão dos países do Sul nos debates de
intervenção humanitária e em sua criação normativa, algo que não era
comum até então.
A ”responsabilidade ao proteger” defende não só a análise e a
vigilância da magnitude das ameaças dos conflitos, mas também a
elaboração de regras mais consistentes e confiáveis, juntamente a novos
parâmetros para o exercício responsável da segurança coletiva por parte do
Conselho de Segurança (VIOTTI, 2012). Nesse caso, grande parte do
debate normativo se dá quanto ao teor e legitimidade se tem na aprovação e
execução de uma operação de paz, diferentemente de como foi dito
anteriormente com o caso do relatório Brahimi e da Agenda Para Paz.
79
A recepção do conceito no plano internacional quanto ao
aprofundamento dos debates de normas de intervenção foi, em primeira
instância, um sucesso, no entanto, o conceito em si foi fortemente criticado
pela comunidade internacional como sendo simplesmente a reprodução do
que já havia sido estabelecido na responsabilidade de proteger; e que esse
estaria atrapalhando a institucionalização do conceito anterior. Outra critica
feita sobre o conceito, foi devido à falta de capital diplomático investido
pelo Brasil, que após o surgimento do conceito não continuou a mencioná-
lo em seus discursos oficiais, e não houve uma nova tentativa de incluí-lo
nos debates de intervenção, não tendo chance de melhor formula-lo e de ser
aceito no plano internacional.
Assim, após essa análise de como as normas estão em constante
mudança, é possível identificar, principalmente em novas propostas como a
responsabilidade de proteger e responsabilidade ao proteger - que regulam e
colocam novos empecilhos à intervenção - de que tal envolvimento dos
países é uma prática típica de países que fazem uso do smart power, uma
vez que buscam legitimar suas ações através da inclusão de novas normas, e
também de compensarem, em casos com o do Brasil (a ser analisado
futuramente), a sua falta de hard power à fim de que seja defendida sua
leitura particular de conceitos como à defesa a soberania, não-intervenção e
não-indiferença dos países, que é uma interpretação particular de países que
não podem depender única e exclusivamente de hard power.
As operações de paz tem sua origem no campo da segurança
internacional, na busca pela resolução de conflitos e pelo estabelecimento
da paz e segurança internacional, prezando por um mundo mais harmônico
e com menos conflitos. Como já dito anteriormente, as Operações de Paz
tem como propósito a manutenção da paz e segurança internacional, e são
operadas de acordo com os princípios e diretrizes da Carta das Nações
Unidas, de acordo com seu mandato específico delimitado pelo Conselho de
Segurança, sempre buscando a defesa dos Direitos Humanos e o respeito ao
Direito Humanitário Internacional. Os princípios básicos das Operações de
80
Paz envolvem o consentimento das partes afetadas, a imparcialidade das
forças das Nações Unidas em sua ação, e o não uso da força, com exceção
de casos de autodefesa e na defesa dos termos estabelecidos em seu
mandato (DPKO, 2008, p.31-8).
4.3. Atuação das potências emergente em Operações de Paz
e na Cooperação Sul-Sul
No atual panorama global, vemos cada vez mais a importância que
tem ganhado o multilateralismo e o foco renovado que se tem no uso de
ferramentas políticas e diplomáticas na busca pela resolução de conflitos
junto de um suporte a longo-prazo de estruturas de reconstrução políticas,
econômicas, burocráticas e sociais. Isso fez com que surgisse uma série de
novos desafios e oportunidades nas Nações Unidas de como lidar com os
conflitos, sobretudo por parte do Departamento de Assuntos Políticos27
.
As novas demandas em operações de paz tem se tornado bastante
complexa e lidando com muito mais profundidade do que se antes existia
nas missões da ONU. Lidar com Estados frágeis, prevenção de conflitos,
mediação de controversas e restauração de processos políticos
democráticos, e ao mesmo tempo assegurar que as operações de paz sejam
rápidas e efetivas tem sido um desafio cada vez maior no âmbito das
Nações Unidas.
A busca por parceiros não convencionais e a preferência de países
afetados por conflitos, de atores do Sul Global, tem buscado uma demanda
cada vez maior para incentivar a Cooperação Sul-Sul na busca pela paz
sustentável entre partes conflitantes.
Ban Ki-Moon (2011, p.17), discutindo sobre o reforço do sistema
das Nações Unidas no mundo, levou em consideração o relatório de 27
UNDPA – United Nations Department of Political Affairs
81
capacidades civis do DPKO, e incentivou ainda mais a promoção da
Cooperação Sul-Sul na atuação de conflitos:
A Cooperação Sul-Sul e mecanismos triangulares fornecem
assistência crítica de curto e longo prazo, na sequência do conflito,
como evidenciado pela variedade de iniciativas em que os doadores
têm investido pesadamente. O cenário existente no âmbito do PNUD
para a cooperação Sul-Sul fornece um ponto de referência em
potencial para mecanismos eficazes de fazê-lo. O Grupo incentiva
novos investimentos nesses mecanismos.
Assim, vemos a Cooperação Sul-Sul sendo incluída, como parte de
uma estratégia mais abrangente, no pilar de paz e segurança das Nações
Unidas, impactando em suas discussões. O Sul Global vem ganhando cada
vez mais reconhecimento como uma fonte potencial com expertise a ser
utilizada no tratamento para com Estados frágeis em ambientes
multilaterais. As relações Sul-Sul de Cooperação para o desenvolvimento
vêm destacando cada vez mais relações de parceria entre iguais, pelo
benefício mutuo, confiando em suas experiências em transições
democráticas e em seus históricos domésticos para lidar com situações
como pobreza e fome, a busca por agendas de paz, vêm legitimando cada
vez mais seu papel no cenário internacional, redefinindo os conceitos de
assistência e cooperação, pela partilha de experiências. Isso acabou
refletindo num aumento representativo por uma demanda de modelo de
arquitetura internacional mais inclusivo e representativo, dando uma maior
voz aos países emergentes (MATHUR, 2014, p.5).
Apesar de seus próprios desafios econômicos e políticos, e seu
status ambíguo como contribuinte e recipiente de assistência, as
potências emergentes, no espírito da solidariedade, desenvolveram
extensivos programas de assistência bilateral com outros países em
desenvolvimento no âmbito da Cooperação Sul-Sul que se estende
além da esfera economia [transbordando] para esferas políticas e de
segurança em países afetados por conflitos (MATHUR, 2014, p.20).
82
Podemos ver, claramente, como o campo da Cooperação Sul-Sul tem
transbordado para assuntos de segurança, e por consequência, aumentado a
participação e inserção de países envolvidos com a CSS no campo de
segurança internacional.
O DPKO e o Conselho de Segurança vem levando cada vez mais em
conta a CSS em relação à conflitos, sobretudo no que diz na promoção da
reconstrução da paz e promoção do desenvolvimento em situações de pós-
conflito. A CSS busca uma abordagem mais humana às situações, buscando
o bem público global, assim como o interesse mútuo das partes, o que acaba
levando à cooperação pelo desenvolvimento internacional, que transborda
nas mais diversas áreas. Em situações de conflito, a atuação de países do
Sul Global traz não só a busca por um cessar fogo e o fim das disputas, mas
também se preocupa e se solidariza com os “problemas” dos envolvidos,
em grande parte devido ao fato destes também já terem passado (ou estarem
passando) por problemas semelhantes como o combate à fome, o que os faz
ter uma maior legitimidade e experiência para agir naquela região, assim
como uma maior receptividade pelas partes do conflito. O próprio Conselho
de Segurança já enfatizou a importância de trabalhar com a experiência de
tais países em países em conflito (NAÇÕES UNIDAS, 2009).
De acordo com diversos estudiosos, a Cooperação Sul-Sul oferece
um panorama complementar legítimo para estabelecimento e construção da
paz, por se preocuparem e serem sensíveis ao contexto em que os conflitos
estão, com medidas inclusivas, e por serem mais bem recebidas devido aos
contextos históricos e culturais serem mais similares entre as partes. Como
é o caso da Cooperação entre o Brasil e Moçambique, onde buscava-se o
reforço das estruturas políticas de Moçambique e promover a coesão social,
dando ao país a oportunidade de aprender com o Brasil sobre integração
social e políticas de inclusão no desenvolvimento da economia local
(NGANJE, 2013a, p.2-4).
83
Cooperação Sul-Sul oferece um quadro de cooperação para o
desenvolvimento internacional, que pode ser aproveitada para apoiar a
construção da paz e de construção do Estado esforços sensíveis ao contexto,
socialmente inclusivas, e ideologicamente neutras na África carregadas de
conflito adaptável e complementares. No entanto, a falta de uma
infraestrutura consolidada de ajuda ainda é algo insuficiente no Sul Global,
muitas das suas ações são orientados pela procura, à medida em que
aparecem, fazendo com que estes ainda dependam dos países do Norte em
muitos casos, mas não se pode negar o crescimento de sua participação no
cenário internacional e em assuntos de segurança, como a participação de
Operações de paz, e na busca pelo desenvolvimento e pelo bem publico
global.
O panorama das operações de construção da paz mudou bastante,
trazendo com eles a necessidade de processos políticos mais inclusivos e
participativos, no quais as diferentes partes da sociedade se sentissem
pertencentes, evitando o relapso de um conflito já terminado. Assim a CSS
tem encontrado uma grande receptividade em operações de estabelecimento
e construção da paz devido à contribuição e assistência dos países do Sul,
que compartilham de suas características políticas, sociais e culturais, além
de suas próprias experiências de transição de seus países (NGANJE,
2013b).
A promoção da CSS e a relevância da atuação de países do Sul
Global em mandatos de operações de paz vêm ocorrendo cada vez mais nas
Nações Unidas28
em temas de operações de paz, mobilizando fortemente o
conceito e ligando a um dos pilares básicos das Nações Unidas, a promoção
da paz e segurança internacional. Com isso, podemos observar uma
crescente importância no tema, dando a ele um maior respaldo político, para
28
Exemplos de documento no Conselho de Segurança e Assembleia Geral das Nações Unidas que
mencionam a defesa e promoção da Cooperação Sul-Sul e incentivando a participação de atores do
Sul Global em operações de Peacebuilding e Peacemaking: S/PRST/2009/23; S/2010/386;
S/2012/746; S/2009/304; S/2011/527; S/2012/645; S/2012/486; S/PRST/2012/29;
(S/PRST/2012/29); A/RES/66/655
84
países que buscam se engajar mais em temas de segurança e aumentar a sua
inserção no cenário internacional. Além disso, é muito importante
ressaltarmos, que a relação das potências emergentes se envolvendo em
operações de paz no sul global, e promovendo também a Cooperação Sul-
Sul, pode ser considerada uma estratégia de smart power, uma vez que esta
preza pelo bem publico geral, combina recursos de hard e soft power, tal
qual como pode fazer parte de uma agenda política dos atores envolvidos,
por uma lógica de adequação de seu comportamento no plano internacional.
Com isso, vemos uma mudança na dinâmica de poder, no qual os países
emergentes, ao agirem, mudam o comportamento dos outros atores perante
a sua atuação nas Operações de Paz, como também, indiretamente o
comportamento de outros atores, que não aqueles do Sul Global, e que
sejam países emergentes, inserindo-se fortemente no campo da segurança
internacional, que é o berço das Operações de Paz.
5. A Inserção Brasileira através do Smart Power
5.1. O Brasil na Atual Ordem Mundial
“Se o Brasil se abre para o mundo, o mundo se volta para
o Brasil. Essa dinâmica é portadora de esperança, mas
também de novas e grandiosas responsabilidades”
Presidenta Dilma Rousseff
Brasília, 5 de abril de 2011
Com o fim da Guerra Fria, vemos uma reconfiguração na
distribuição de poder e relação entre os atores no cenário internacional
devido à mudança de uma dicotomia bipolar para multipolar. Novos polos
de poder surgem, o que passou a ser visto pela sociedade internacional
como uma nova oportunidade de reestruturar o internacional e uma nova
tentativa de atingir a paz e harmonia no globo, principalmente por parte da
América do Sul (HERZ, 2010, p.603).
Nesse contexto, cabe ressaltar a diferença existente entre percepções
domésticas e percepções internacionais sobre o Brasil, o que faz com que,
dependendo da situação, isso possa ser algo oportuno para o país. Em
grande parte da percepção externa, o Brasil vem ganhando cada vez mais
destaque e interesse pela comunidade internacional, se tornando um
parceiro desejado devido à seus objetivos estratégicos, recente crescimento
econômico e ambições, investindo nos mais diversos programas e
iniciativas que reafirmam sua crescente estatura global (THIELE, 2014,
p.57). O Brasil tem uma visão interna de que a busca pela liderança global é
um objetivo importante a ser seguido, que diz respeito à sua estratégia de
defesa nacional e de política externa (HERZ, 2012, p.17; BRASIL, 2012),
como um “provedor de paz”.
Tal ambição brasileira de contribuir com a ordem internacional, e na
busca por um ambiente favorável à paz faz parte de sua característica como
86
um país pacífico, que não se envolva há muito tempo em conflitos e disputa
com outros, mas não pode-se ignorar que este é um país que vem crescendo
bastante no cenário internacional e com isso, não se pode ignorar os
antagonismos que o Brasil pode vir a sofrer no plano internacional, por isso,
este deve se preocupar também com sua defesa nacional e estratégias de
inserção para suprir a sua falta de hard power (AMORIM, 2013).
Imerso na globalização, vemos, a partir da ótica do funcionalismo
liberal, a criação de novas relações e contato entre os continentes, fazendo
com que estes possam ter um maior acesso aos novos mercados, recursos,
serviços, e uma gama de novas possiblidades para os países se relacionarem
e cooperarem entre si. Nesse cenário, além de novas oportunidades, surgem
novos desafios, como o aumento do tráfico de drogas e tráfico humano
entre os continentes. Com a expansão da agenda de segurança durante a
década de 1990, abre-se espaço também para atores que antes não tinham
voz, se manifestarem e participarem mais de discussões pertinentes ao
tema.
Eis que então, o Brasil, seguido de seu crescimento recente, e de
sucesso na promoção da democracia e buscando uma maior estabilidade
política (tanto no plano doméstico, como no internacional) vai buscar se
tornar um ator mais participativo e influente em discussões globais.
Confiando em seu histórico e reputação de um país pacífico o Brasil vai
defender a cooperação e defesa do multilateralismo na agenda de segurança,
contando com o spill over da cooperação e participação dos demais na
arena internacional. Como a sétima maior economia de um mundo
interdependente, o governo brasileiro acredita que o mesmo deve ser
reconhecido como um ator global relevante do campo da segurança
internacional (THIELE, 2014, p. 62).
Apesar de ser uma das maiores economias do mundo, o Brasil não
possui muito hard power, fazendo com que o Brasil tenha que contar com
seus outros recursos, como os de soft power, para estender suas relações no
87
globo e desenvolver sua influência política de uma maneira em que o
mesmo seja bem aceito pelos demais e não o vejam como uma ameaça.
Uma forma de aumentar ainda mais tal influência, pode ser através de uma
estratégia de smart power, e para isso o Brasil tem que combinar seus
recursos da forma mais oportuna o possível, dependendo da situação.
Uma das medidas que o país busca tomar é de aumentar a sua força
militar. Para sua melhor coordenação, uma das primeiras medidas nesse
esforço foi a criação do Ministério da Defesa, em 1999, sob o decreto
nº3.080, que tem sob sua responsabilidade a articulação das forças armadas
e sua relação às demais áreas do Estado, assim como a elaboração de
políticas ligadas à defesa e segurança do país, que pode ser vista na
elaboração da END, em 2008 e atualizada em 2012, assim como do LBDN
em 2012, onde fica estabelecido que:
Nos últimos anos, a política externa brasileira projetou
valores e interesses na moldagem da governança global. O Brasil tem
desenvolvido sua própria agenda externa com maior autonomia para
definir as prioridades para seu progresso como nação.
Esse patrimônio exige defesa. O Brasil se considera e é visto
internacionalmente como um país amante da paz, mas não pode
prescindir da capacidade militar de dissuasão e do preparo para
defesa contra ameaças externas. Não é possível afirmar que a
cooperação sempre prevalecerá sobre o conflito no plano
internacional (BRASIL, 2012, p.11).
Nesse sentido, vê-se que a ambição brasileira de projeção
internacional é um objetivo almejado pelo país, devendo buscar
“intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior
inserção em processos decisórios internacionais” (BRASIL, 2012, p.24) e
que o mesmo define que para tal, é preciso também investir em suas áreas
deficitárias, como de segurança.
Nesse ambiente estratégico, a atuação internacional deve
primar pela consolidação de mecanismos de governança mais
88
representativos da nova realidade internacional, voltados para a paz
e a segurança mundiais e para o bem-estar da humanidade (BRASIL,
2012, p.29).
Sendo assim, a agenda de segurança internacional, uma agenda
atrativa para a qual o Brasil busca melhorar suas condições de inserção no
cenário internacional. Tal contexto leva o Brasil a buscar projetar soft
power, uma vez que seus recursos materiais e comportamentos que levem
os outros, de forma coerciva ou punitiva, para influenciar os outros a
agirem como deseja, não são fortes o suficiente, por não terem hard power
o suficiente para que possam agir dessa forma. Uma vez que a influência
por si só não é sinônimo de soft power, o Brasil deve procurar argumentar e
tornar suas ações (valores, política, cultura, práticas) atrativas para que
outros o acompanhem e aceitem, por isso seu comportamento é
particularmente importante em sua busca por poder, através do smart power
(NYE, 2004).
É importante ressaltar aqui, que a utilização do smart power, aqui, é
abordado numa logica diferente da aplicada na criação do conceito, como
um complemento ao hard power já existente, e sim, abordado justamente
como um complemento a sua falta de hard power no cenário internacional.
Assim, o Brasil, em sua estratégia de defesa, estabeleceu algumas metas,
como:
Meta 3 — Participar de operações de paz e de ações humanitárias de
interesse do País, no cumprimento de mandato da Organização das
Nações Unidas (ONU), com amplitude compatível com a estatura
geopolítica do País (BRASIL, 2012, p.24).
Definindo também seus objetivos estratégicos a serem perseguidos,
tais quais como:
89
I. Garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade
territorial;
(...)
IV. Contribuir para a estabilidade regional;
V. Contribuir para a manutenção da paz e da segurança
internacionais;
VI. Intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua
maior inserção em processos decisórios internacionais;
(BRASIL, 2012, p.24).
Nisso, vemos o Brasil se comprometer com o multilateralismo e
intensificando sua projeção e participação em foros multilaterais, e também
buscando estabelecer parcerias e cooperação com demais países, a fim de
uma tentativa de liderança através de parcerias, que se faz possível pelo fato
do Brasil ser um “parceiro desejado” no cenário internacional.
Isso se dá não somente pelo crescimento que o país mostrou nas
últimas décadas, mas também acaba sendo uma própria consequência
político da iniciativa do governo de tentar se inserir mais no cenário
internacional e ser um ator mais participativo. Sua crescente posição
assumindo responsabilidades globais, como um papel de protagonismo no
processo de integração da América do Sul, liderando as discussões e
formulação de normas no âmbito do MERCOSUL e da UNASUL,
iniciativas sob a cúpula dos BRICS, investimentos em Cooperação Sul-Sul
no IBAS, sua tentativa de reviver a ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação
do Atlântico Sul), entre outras (THIELE, 2014, p.64).
O reconhecimento brasileiro como lidero regional da América do
Sul, e um dos maiores players no Sul Global se dá não só pelo seu recente
crescimento econômico e tamanho geográfico do país, mas principalmente
por sua política externa que revolve acerca da busca por sua autonomia e
relevância na política internacional (SARAIVA & VALENÇA, 2011,
p.100).
90
No que tange a política externa brasileira, é muito importante
ressaltar seus pilares conceituais, como a defesa à soberania29
, não
intervenção30
e “não indiferença”31
. Ao desenvolver tais conceitos, o Brasil
busca contribuir para uma maior estabilidade de seu entorno e do cenário
internacional, criando um ambiente mais favorável aos seus interesses (seja
quanto à defesa de seus valores, ou interesses políticos e econômicos)
(HERMANN, 2011). No entanto, devemos levar em conta que a
interpretação brasileira desses conceitos é muito específica, é uma
interpretação clássica em que o Brasil defende a não intervenção nos
territórios soberanos dos Estados, que é uma interpretação típica de
potências médias e emergentes, que não possuem hard power o suficiente
para se resguardar no plano internacional.
A busca por uma maior inserção brasileira no sistema internacional
no campo da segurança pode ter algumas diferentes abordagens analíticas
com base na consolidação interna de um objetivo brasileiro, projetado em
uma conduta externa, no plano internacional. O fator interno é algo muito
importante, transpondo seus valores e práticas para a política externa e
buscando um continuum entre suas políticas externa e doméstica, tais quais
como a democracia, liberdade e economia de mercado. Isso faz com que, no
plano externo o Brasil tenda a limitar o uso da força como uma ferramenta
de resolução de conflitos, e participe mais ativamente na formulação de
normas gerias e propagação da institucionalização multilateral, buscando
retificar os desequilíbrios econômicos e sociais no mundo, como o combate
ao subdesenvolvimento e às injustiças sociais. Com base nesses atores
podemos ver o Brasil como uma potência civil.
29
Em seu sentido clássico: Autoridade final e absoluta do Estado sob os assuntos domésticos de
seu território (HERMANN, 2011, P.30). 30
Base a qual repousam a realidade internacional da anarquia, de que um Estado não deve
interferir, ou intervir, nos assuntos internos de outro. 31
“Iniciativas para ajudar países vizinhos e amigos a superar a condição de subdesenvolvimento e
a não sucumbir diante de situações de convulsão sociopolítica ou de conflitos armados.”
(HERMANN, 2011, p.232)
91
Ao pensarmos em características geopolíticas do Brasil, vemos a
busca por um maior reconhecimento e status no plano internacional. Num
extremo, pode-se dizer que seria a busca de um status de grande potência,
entre os demais atores. Assim, o Brasil buscaria a maximização de seu
poder, principalmente em seus recursos de hard power, que é o maior
indicador, sob uma ótica realista, para identificar as grandes potências.
Assim, o Brasil age defendendo sua visão arcaica e absoluta dos conceitos
de soberania e não-intervenção no plano internacional para reafirmar a
legitimidade do país como um ator primário na política internacional. É
importante ressaltar a tradição brasileira para com o multilateralismo que
vem desde a criação da Liga das Nações e da ONU (HERZ, 2012, p.6). De
acordo com essa forma de inserção, o Brasil vê, nos foros multilaterais, uma
ferramenta de exercício de poder e expansão de sua influência, baseado
num cálculo estratégico, e na lógica da consequência, que segundo March e
Olsen (1998, p.949) deve pesar suas ações movidas pela expectativa de sua
consequência frente à outros atores.
No entanto, se observamos o comportamento de inserção brasileiro
sob uma ótima do funcionalismo liberal, vemos suas ações regradas
majoritariamente pela lógica da adequação, onde o Brasil tende a pesar suas
ações sendo movido pelo comportamento adequado que o país representa
em determinada situação, levando em conta seus valores, princípios e
aspirações no plano internacional. Dessa forma, podemos ver o Brasil
almejando consolidar sua posição de potência emergente, como uma
potência média, de acordo com seus recursos, comportamento e papel em
que se insere no sistema internacional.
Observa-se então no Brasil, a defesa do multilateralismo como
resultado da nova ordem global multipolar32
, uma conduta que busca
compensar a ausência de hard power por uma forte atuação na área
32
Multipolaridade e Multilaretalismo são conceitos diferentes. “A multipolaridade é um conceito
descritivo, e o multilateralismo um conceito prescritivo. O primeiro se refere a fatos, o segundo a
valores.” (AMORIM, 2013).
92
normativa e técnica, buscando o fortalecimento de regras e normas para a
governança global, de forma que possa ter seus interesses resguardados
também pelas instituições multilaterais. Com essa finalidade, o Brasil
precisa contribuir com iniciativas e decisões multilaterais, mantendo sempre
um comportamento adequado com seu papel, de forma que seja aceito no
plano internacional e condizente com seus interesses nacionais.
É importante destacar que o Brasil, como uma potência emergente,
ainda enfrenta uma série de questões internas que muitas das “grandes
potências” e “países desenvolvidos” já têm estabilizadas, como a questão da
fome e pobreza em sua população. No entanto o país vem demonstrando
exercer um papel de liderança e preponderância regional na América do
Sul, solidificando a região como uma entidade político-econômica,
construindo cada vez mais uma imagem de um ator global com uma
presença maior no plano internacional.
Essa integração (da América do Sul) não somente contribuirá
para a defesa do Brasil, como possibilitará fomentar a
cooperação militar regional e a integração das bases industriais de
defesa. Afastará a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os
países avança-se rumo à construção da unidade sul-americana. O
Conselho de Defesa Sul-Americano, em debate na região, criará
mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos e fomentar a
cooperação militar regional e a integração das bases industriais de
defesa, sem que dele participe país alheio à região (BRASIL, 2008,
p.7).
Para se consolidar mais ainda nessas áreas o Brasil deve focar sua
atuação nas áreas temáticas onde possui vantagem comparativa, permitindo-
lhe uma influência maior no sistema internacional. Como visto
anteriormente, então, o Brasil deverá focar em seus nichos diplomáticos, de
forma a melhor balancear seus recursos de hard e soft power, para formular
uma estratégia de smart power e se inserir no campo da segurança
internacional.
93
Seguindo essa linha de pensamento o governo brasileiro, sob a
presidência de Luis Inácio Lula da Silva, intensificou em larga escala sua
participação na ordem global. Perseguindo bandeiras declaradas como a
democratização global dos processos de decisão em instâncias multilaterais,
garantindo um ambiente internacional mais favorável para potências
emergentes, como o próprio Brasil, de modo que eles possam se tornar
também catalizadores da ordem global (CERVO, 2003, p.9).
A partir do explorado anteriormente, será observado nesta sessão, um
estudo de caso focado nos nichos diplomáticos da Cooperação Sul-Sul e das
Operações de Paz, que como vistos anteriormente são campos que podem
vir a ter um impacto considerável no campo da segurança internacional,
dependendo do contexto em que estão inseridos. Assim, será analisada
agora a atuação brasileira nesses campos, de forma a identificar como, e se,
isso contribui para uma estratégia de smart power de inserção no sistema
internacional.
5.2. A Agenda Brasileira de Cooperação
A cooperação é a outra estratégia que nos permite prover paz a um mundo tão
turbulento. O espaço privilegiado da cooperação é o entorno estratégico do
Brasil, conformado pela América do Sul, de um lado, e pelo Atlântico Sul e pela
orla ocidental da África, por outro (AMORIM, 2013, p.3).
A grande contribuição brasileira no campo da CID diz respeito à
CSS, que foi dado como o principal foco de sua agenda de cooperação,
onde o país promove a transferência de soluções inovadoras para o
desenvolvimento nos mais diversos setores, como no combate à fome,
ampliando seu compromisso com a CID promovendo uma nova lógica de
cooperação, diferente da tradicional lógica de doador/receptor da CNS
(AYLLÓN & LEITE, 2010, p. 69-70).
94
Como parte de uma potência civil, o Brasil busca exportar fatores de
sua política doméstica para sua política externa. Como é o caso de sua luta
pelo desenvolvimento social e o combate à pobreza. A desigualdade social
é uma questão histórica no Brasil que perdura por séculos. Não há aqui
espaço para fazermos um histórico da desigualdade social brasileira, e de
como essa questão avançou durante os séculos, no entanto, deve-se frisar
que como analisado por diversos teóricos, como Amado Cervo (2001), Jose
Alves (2001) e Pio Penna (2006, p.349) o modelo econômico neoliberal não
conseguiu suprir as necessidades de desenvolvimento no país, que uma
solução para tais questões seria a participação do Estado como coordenador
de políticas desenvolvimentistas e redistributivas são fatores imperativos
para a região promover o desenvolvimento social e o fim da desigualdade.
A questão internacional mais importante presente é a da busca de
mecanismos para superar as diferenças sociais e a busca pelo fim da
pobreza no país. Deve se identificar, a partir dessas iniciativas, a sua relação
com a política externa e na busca para a CID.
Com o crescimento econômico do Brasil, que o colocou entre as 10
maiores potências econômicas do mundo, o país também busca expandir
sua participação em agendas internacionais que buscam lidar com
problemas de desigualdade, principalmente com discussões acerca da
erradicação da pobreza e o combate à fome e à miséria. Na década de 1990,
sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, surgem reformas na
previdência social, e pelo menos no papel, discursos para lidar com a
questão agrária, que era algo muito delicado no país devido às dimensões
que o Movimento dos Sem Terra (MST) ganhou no país. No entanto, a
maioria das inciativas domésticas que surgiram no Brasil - e tiveram
algumas delas se tornando referência mundial na luta por melhorias sociais
e da CID – surgiram no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A principal iniciativa que deu reconhecimento internacional às suas
políticas foi o Programa Fome Zero, que incorporava programas de
95
educação, saúde, erradicação do trabalho infantil, geração de emprego e
renda, servia de catalisador dos programas sociais de seu governo. Outro
programa que se tornou referência mundial, foi o programa de transferência
de renda do ‘Bolsa Família’ (PENNA, 2006, p.355).
Essa preocupação em lidar com questões sociais foi então
incorporada no governo Lula, à sua política externa, assumindo a promoção
do desenvolvimento social como um ponto importante em sua agenda.
Segundo o ministro do exterior da época, Celso Amorim (2005), “a ação
diplomática do Governo Lula é concebida como instrumento de apoio ao
projeto de desenvolvimento social e econômico do país” de forma que esta
tenha “uma dimensão humanista, que se projeta na promoção da cooperação
internacional para o desenvolvimento e para a paz”.
5.2.1. A Cooperação Sul-Sul como Nicho Diplomático Brasileiro 33 34
Desde a década de 1930 vemos indícios da luta brasileira por
desenvolvimento. Com a criação da Comissão Nacional de Assistência
Técnica (CNAT) em 1950 foi possível que o aparato estatal brasileiro
aprendesse técnicas de captação de recursos e know-how dos países do
Norte no campo da cooperação (no entanto, ainda eram tratadas como
‘assistência técnica’). Ao fim dos anos 1960, vendo o aumento expressivo
da oferta institucional de recursos externos e frente a necessidade de se
adequar a demanda por desenvolvimento e ‘ajuda’ internacional e
doméstica, vemos a busca por uma estruturação do sistema brasileiro de
cooperação, como ressaltadas nos primeiros Planos Nacionais de
Desenvolvimento (PND).
33
Para informações detalhadas sobre os projetos de CSS conduzidos pelo Brasil, consultar site
oficial da ABC, disponível em: <http://www.abc.gov.br/Projetos/CooperacaoSulSul>. 34
Para mais informações mais detalhadas e específicas sobre projetos conferir relatório do MRE
aqui: <http://funag.gov.br/loja/download/421-South-
South_Cooperation_Activities_Carried_Out_By_Brazil.pdf>.
96
Em resposta, em 1969 é criado o Sistema Nacional de Cooperação
Técnica fundamentado sobre a égide do O Ministério de Relações
Exteriores e do Ministério de Planejamento que passaram a institucionalizar
mais como o país deveria realizar sua Cooperação Técnica Internacional
sob escopo de sua nova Divisão de Cooperação Técnica (DCOPT), e
também estabelecendo a Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica
Internacional (SUBIN). A institucionalização da cooperação técnica
contribuiu para o país desenvolver suas habilidades, se especializar e
também conseguir reproduzir seu aprendizado dentro de seu próprio
território (AYLLON & LEITE, 2010, p.73).
Nas décadas que se seguiram o Brasil começou a firmar diversos
acordos e parcerias de cooperação técnica, principalmente com países
latino-americanos e países africanos, como Paraguai, Colômbia, Peru Costa
do Marfim, Nigéria e Senegal. Ao se introduzir no sistema internacional de
cooperação como um receptor, o país passou então a atuar de forma dupla,
buscando a transferência de tecnologia e conhecimento de países já mais
desenvolvidos para compartilhar e transferia capacidades tecnológicas para
os demais países do Sul.
Isso proporcionou ao Brasil um maior estreitamento de suas relações
com a América Latina, e com o Sul Global em geral, dando-lhe um grande
poder de negociação retratando-se como representante do Sul. Espera-se
então que a CSS facilitasse a articulação dos países do Sul (que na época
eram tratados como países do “terceiro mundo”) e reafirmando-o como uma
potência emergente no cenário internacional que busca expandir sua
participação nos demais foros internacionais.
Faz se um pouco redundante comentar aqui, que sob uma ótima
institucionalista liberal, em um mundo interdependente, vemos esse um
primeiro passo da cooperação para que esta acabe transbordando para as
demais áreas, sejam elas políticas, econômicas, sociais ou culturais.
97
Tal transbordamento é observado no campo da CID quando, com o
passar do tempo a CTPD ganhou grande força na esfera internacional,
gerando uma série de iniciativas, como a criação do PABA o âmbito da
América do Sul. O Brasil, vendo a dimensão que a CTPD ganhara, procura
mais uma vez reestruturar seus mecanismos e sistemas de cooperação,
acabando agora com o comando duplo da área, que antes era feito pela
SUBIC e pela DCOPT, unindo-os em um só sob tutela do MRE e assim
criando a Agência Brasileira de Cooperação em 1987 (ABC, s.d.).
A década subsequente, sob o governo de FHC (1995-2002) focou
num aumento das ações de CSS brasileiras em decorrência do
aprofundamento de políticas de aproximação brasileira com países latino-
americanos e africanos, o que reforça mais uma vez a lógica
institucionalista liberal de transbordamento da cooperação em diversas
áreas. Nesse período também a cooperação não evoluiu somente quanto ao
numero de ações realizadas, mas também em natureza, indo além do seu
enforque tradicional ad hoc para algo com um maior planejamento e
estruturação, institucionalizando ainda mais a ABC (GONÇALVES, 2011,
p.49).
É com a chegada de Lula ao governo, como explicitado
anteriormente, que a CTPD brasileira adquiri um verdadeiro cunho
estratégico quanto a inserção internacional do país e passa a privilegiar as
relações Sul-Sul abordando também questões sociais.
Não se pode ignorar aqui a participação de atores não
governamentais (como as ONGs) na Cooperação Sul-Sul brasileira – que
com certeza tem uma grande parcela também no reconhecimento
internacional do Brasil como um ator protagonico no campo da CSS. No
entanto, o mesmo não será abordado neste trabalho uma vez que o objetivo
é identificar estratégias do Estado brasileiro, e não da participação do Brasil
em todos os setores, em um nicho diplomático. Mas ainda a fim de
esclarecimento, é necessário ressaltar que, como característica de uma
98
potência civil, o governo brasileiro trabalha constantemente para
desenvolver seu know how no âmbito da cooperação também no plano
doméstico. Um exemplo disso foi a realização do Encontro Nacional de
ONGs sobre Cooperação e Redes organizado pelo IBASE sob iniciativa da
ABC, em 1989.
Uma das primeiras iniciativas internacionais do governo brasileiro
para a CID no âmbito da CSS que podemos encontrar foi a inciativa
conjunta entre a Índia, Brasil e África do Sul, é a criação do fundo de
solidariedade IBAS, que tem como propósito ajudar os países mais pobres
em programas sociais específicos (NAÇÕES UNIDAS, 2004). Durante o
governo Lula vê-se o forte crescimento na diplomacia brasileira para
colocar em evidência programas domésticos implantados, para o plano
internacional, como também uma tentativa de conseguir novos parceiros
nas políticas sociais, a fim de promover e desenvolver novos projetos de
desenvolvimento, de forma mais horizontal, e aumentar a pressão sobre
países mais ricos que reforçavam a lógica da CNS e AOD, para incentivar
as questões sociais a CID, sobretudo no âmbito da CSS.
A entrada de Lula no governo traz uma nova ênfase à CSS.
Expandindo suas relações com o Sul Global, como no G20, IBAS,
aproximação dos países africanos, e empenhado em revitalizar o
MERCOSUL e consolidar ainda mais a integração da América Latina,
vemos durante o governo Lula uma aproximação também entre os países
em desenvolvimento, em geral, principalmente no que diz respeito à
balança comercial e à projetos de cooperação.
Movido pela solidariedade social, vê-se também na CSS uma
oportunidade do Brasil focar nesta área como um de seus nichos
diplomáticos e assim expandir sua influência não só na economia, como na
política global. Isso é identificado também, por muitos estudiosos, com a
busca declarada de Brasília por um assento permanente no CSNU
(SOARES DE LIMA & HIRST, 2006; AYLLON & LEITE, 2010, P.77-8).
99
Tal motivação é diferente da motivação implicada na execução da
tradicional cooperação vertical/CNS, agindo de forma mais consensual e
smart, como um importante instrumento da política externa do país.
A transferência de práticas, a participação de múltiplos atores
domésticos e internacionais e o compromisso com atores regionais, inter-
regionais e multilaterais em favor do desenvolvimento são algumas das
maiores contribuições da CSS brasileira. Podemos destacar alguns projetos
como o programa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) buscando a reestruturação dos sistemas de educação professional e
centros de formação professional em países africanos e asiáticos de língua
portuguesa, e países da América Latina, como Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau, Timor-Leste, Paraguai, Colômbia (SENAI, s.d.).
Além disso, no âmbito da ABC, vemos diversos trabalhos na área de
saúde e segurança alimentar para ações tais quais o combate à enfermidades
na África (como é o caso da luta contra a malária, doença negligenciada
pelos países do Norte), implantação de sistemas de saúde único e públicos,
como foi o caso da criação do Instituto Sul-americano de Governo em
Saúde (ISAGS), dentro do também recentemente criado Centro de Relações
Internacionais em Saúde (CRIS), em 2009, pela FioCruz, aprofundando e
promovendo intercâmbio técnico e acadêmico de questões de saúde na
América do Sul, que trabalha em conjunto da ABC e do Ministério de
Saúde (FIOCRUZ, s.d.).
O Brasil também se destaca na cooperação na área de saúde e
segurança alimentar. Uma das iniciativas é a da transferência de tecnologia
dos bancos de leite que impactaram na redução da mortalidade infantil no
país, para replicá-lo em países como Venezuela, Uruguai, Argentina,
Equador e Cuba. Os programas ‘Fome Zero’ e ‘Bolsa Família’ ganharam
reconhecimento internacional e foram tomados como referência mundial
para a reprodução de projetos similares em outros países. O programa
‘Fome Zero’ tornou-se uma referência mundial tão importante no combate à
100
fome à pobreza, que hoje é um modelo reconhecido pela FAO (Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e pelo PMA (Programa
Mundial de Alimentos). Tal programa, ainda gerou a criação do
International Policy Center For Inclusive Growth (IPC-IG) em 2002, e em
2004 firmou parceria com o PNUD, tendo suas principais atividades ligadas
com países do Sul (FRAUNDORFER, 2013, p.92-6).
Como uma plataforma de compartilhamento de conhecimentos e
técnicas o IPC trabalhou também na disseminação do programa Bolsa
Família que passou a ser uma das mais importantes estratégias brasileiras de
combate à fome e à pobreza a partir de técnicas de proteção social e
transferência de renda (Ibid). Ainda nessa linha, como já mencionado
anteriormente, há a criação do Fundo IBAS em 2004 para lidar com essa
temática.
Demais programas na área agropecuária também ocorrem,
principalmente por meio da Empresa Brasileira de Investigação
Agropecuária (EMBRAPA), tratando de temas como a produção de
biocombustíveis e transferência de tecnologias para produção de alimentos
em zonas tropicais.
Assim, vemos podemos ver a atuação brasileira no campo da CSS
como uma opção de área temática em que foca seus trabalhos onde possui
vantagem comparativa, lhe permitindo uma maior influência no sistema
internacional na área de segurança, pois como visto nos capítulos
anteriores, a CSS afeta o campo de segurança internacional. A CSS então,
pode ser vista como uma forma de exercer smart power, pois há uma
combinação estratégica de atuação onde o país é capaz de exercer mais
influência utilizando-a como moeda diplomática na agenda de segurança.
5.2.2. O Brasil e os BRICS na ordem internacional
101
Com as mudanças no Sistema Internacional no pós Guerra Fria sob a
ótica do institucionalismo liberal vemos a tendência de uma busca pacifica
da passagem da unipolaridade para a multipolaridade, uma vez que a
preocupação com a paz existe sob o consenso liberal de que se deve buscar
soluções multilaterais para problemas internacionais. Nesse caso, as
potências emergentes dão suporte para esse novo equilíbrio de poder
buscando se envolver mais ativamente com o multilateralismo (FONSECA,
2013, p.31), seja ele em diversas formas, como o minilateralismo, que é
visto na participação brasileira nos BRICS.
Em relação à participação dos BRICS, o Brasil se porta como um
defensor do fortalecimento do multilateralismo e da busca pela participação
dos atores sem representatividade nos foros internacionais, sendo crítico da
hegemonia das normas econômicas liberais, primam pelo desenvolvimento
e pela melhora das condições sociais, buscando aumentar a inclusão social e
regular o setor financeiro, de forma que sejam melhores coordenadas as
formas da CID (diferentemente da busca pela AOD). Nesse sentido,
podemos dizer que essa potência emergente está buscando revisar a ordem
liberal atual e sua demanda por segurança economia e proteção social
(SOARES DE LIMA & CASTELAN, 2012, p.255-7).
Para o Brasil o concerto dos BRICS tem objetivos estratégicos e
táticos claros quanto à sua política externa. A busca por alianças,
condizentes com seu papel de potência média e emergente seguidora das
normas internacionais reforça a busca por um protagonismo no plano
multilateral, e tornando assim estas mesmas normas e regras mais acessíveis
e permeáveis aos interesses dos países em desenvolvimento (Ibid).
No subcampo da CSS temos como exemplo o ‘Novo Banco de
Desenvolvimento’ dos BRICS, criado na cúpula dos BRICS em Fortaleza,
entre os dias 15 e 16 de julho de 2014, que é uma medida que busca mitigar
as desigualdades sociais, fortalecer a posição dos países do bloco na agenda
internacional e também de aumentar a cooperação sul-sul, uma vez que a
102
busca pela reforma da arquitetura financeira internacional e regulamento
econômico busca facilitar projetos de CID, sobre tudo no âmbito da CSS.
O Banco, assim como o pronunciado dos BRICS após a sua última
cúpula em 2014,l busca renovar a disposição e o engajamento com os
demais países, principalmente os em desenvolvimento e economias
emergente, com vista de fomentar a cooperação e solidariedade entre
nações e povos. O Banco visa mobilizar recursos para infraestrutura e
desenvolvimento sustentável em projetos nos BRICS e demais economias
emergentes e países em desenvolvimento para promover o crescimento e
desenvolvimento do bem público global (ITAMARATY, 2014).
5.3. As Operações de Paz como Nicho Diplomático Brasileiro
A defesa pelo multilateralismo e o envolvimento brasileiro em
mediação de conflitos internacionais e em operações de paz é um fator
constante na política externa do país. Desde a criação da Liga das Nações o
país se colocou como mediador de conflitos, como parte de seu
comportamento de uma potência média/emergente que almeja um maior
reconhecimento e participação no plano internacional (SOARES DE LIMA
& HIRST, 2006, p.25-6).
Desde a primeira missão do Brasil, este vem participando de forma
consistente nas operações de paz, principalmente naquelas aprovadas sob o
Capitulo VI da Carta das Nações Unidas, se destacando como um dos
maiores contribuintes na UNEF35
, em Suez, da UNAVEM III36
, em angola,
da UNTAET, no Timor Leste37
, da UNOMOZ38
, em Moçambique e
finalmente da MINUSTAH no Haiti (UZIEL, 2010)..
35
First United Nations Emergency Force, que durou de 1956-67 para lidar com a questão de Suez. 36
United Nations Angola Verification Missions (1995-97) 37
United Nations Transitional Administration in East Timor (1999-2002)
103
Seu envolvimento com operações de paz se faz possível pelo país ser
uma potência emergente, democrática com uma situação política
minimamente estável, para que ele possa se portar como um ator que se
envolve em questões internacionais. Possui uma das maiores forças
armadas da região, e a mais avançada tecnologicamente, contanto com um
contingente de mais de 350.000 homens, fazendo que o país seja um ator
influente na região e também em sua contribuição de tropas (KENKEL,
2010, p. 652).
O Brasil age orientado pelo desejo de aumentar sua participação em
instituições internacionais defendendo seus princípios, como a busca por
resolução pacífica de conflitos que é diretamente ligado à sua leitura
particular sulamericana dos conceitos de soberania e não-intervenção. Sua
reputação como um país que mantem a paz cresceu bastante com a
participação na MINUSTAH.
5.3.1. O Marco brasileiro: A atuação no Haiti
Uma vez estabelecida pela resolução 1542 (2004), pelo CSNU, o
Brasil foi convidado pela ONU para liderar o contingente militar da Missão
das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, que foi o numero mais
expressivo já enviado pelo governo brasileiro. Tal operação foi aprovada
baseada no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, algo completamente
diferente dos precedentes brasileiros. No entanto Brasília afirma que
somente o paragrafo sétimo do projeto era baseado no capítulo VII, e que
esta era uma missão de manutenção e construção da paz, logo, condizente
com a posição brasileira não-intervencionista e não-indiferente à defesa
dos direitos humanos, buscando a mitigação das fontes indiretas da
violência (DINIZ, 2005, p.101).
38
United Nations Operation in Mozambique (1993094)
104
Assim o Brasil busca se inserir na MINUSTAH aumentando sua
participação no sistema global e aumentando seu comprometimento com a
nova agenda de segurança e com a segurança coletiva (SOARES DE
LIMA, 2010, p.412). Apesar de o Brasil ter consentido participar de uma
operação de paz aprovada com a característica de ter aprovada o uso da
força não se pode negar o foco constante na busca pela construção da paz e
na busca pela mitigação da violência estrutural na região. Mesmo com sua
mudança quanto às políticas de operações de paz, o país focou bastante no
desenvolvimento e integração dos mais diversos setores da sociedade
haitiana; e também se engajou baseado em sua afinidade cultural e contato
mais próximo e identificação com o Haiti (KENKEL, 2010, p.656),
comportamento condizente com a sua posição de ator proeminente na
região e como uma potência emergente que busca soluções multilaterais à
problemas internacionais e se põe como um ator diretamente envolvido e se
comprometendo em resolvê-los.
Exemplo de programas e inciativas implementadas e executadas pelo
contingente brasileiro no Haiti - como a inserção social dos soldados da
MINUSTAH na sociedade haitiana oferecendo serviços médicos,
distribuindo alimentos, promovendo DDR, participando de eventos da
sociedade, como o investimento no futebol para lidar com questões sociais
no país (MINISTERIO DA DEFESA, s.d., p.23-6; UNIC, 2011) -, reforçam
a busca brasileira pelo bem público e funcionando de forma a seguir as
normas internacionais e buscando aumentar a cooperação entre os países.
A atuação brasileira no Haiti é considerada um marco na política
externa brasileira quanto à sua participação em operações de paz, fazendo-o
ser citado mundialmente como referência pela sua atuação. Isso é um dos
exemplos que fazem deste um nicho diplomático de atuação, a fim de se
inserir e participar mais ativamente das agendas e discussões de segurança
internacional e por ser condizente com seus princípios e política externa
buscando estratégias que não fazem uso da força para transformar conflitos
105
políticos e reforçar o aparato estatal, estabilizando a situação e protegendo
sua população.
A partir de sua atuação na MINUSTAH, o país se porta efetivamente
como uma potência regional, agindo como mediador de conflitos
internacionais e ainda se mostrando capaz de lidar com as novas ameaças e
mudanças que surgem no campo de resolução de conflitos, como a
importância do desenvolvimento socioeconômico e da reconstrução do
aparato político estatal na busca da mitigação da violência estrutural no
país.
5.3.2. A tentativa de inserção no nicho normativo de
operações de paz
A inserção brasileira na participação de debates acerca da construção
da paz, que por um lado pode ser vista na participação dos capacetes azuis e
envio de tropas para ajuda humanitária como uma constante em sua política
externa, assim como na ajuda ao desenvolvimento bilateral e à cooperação
sul-sul como parte da solução de situações de conflito, por outro lado, além
da participação efetiva, vemos também a presença do Brasil acerca dos
debates do mesmo.
A sua participação ativa em Operações de Manutenção da Paz
defende e marca a postura brasileira que privilegia o multilateralismo
sempre respaldada pela legitimidade brasileira no Sul Global (uma vez que
este não possui hard Power). Podemos ver tal participação em Operações
de Paz como um instrumento inserido na política externa brasileira que se
inicia com a participação do Brasil em sua primeira Operação de
Manutenção da Paz das Nações Unidas, a UNEF39
. Desde então vemos o
39
United Nations Emergency Force
106
Brasil participando ativamente tanto no envio de tropas para tais Operações,
como nos debates acerca da normatividade das mesmas (UZIEL, 2010).
Quanto à participação nos debates da mesma, o posicionamento do
Brasil não foi sempre tão constante, mas há uma mudança recente a ser
observada. Como visto anteriormente, uma das mais recentes novidades
normativas quanto às operações de paz foi a criação do conceito da R2P.
Este, no entanto, aumentou o espectro de isolação, perda de participação e
influência brasileira no plano multilateral, dado o fato do Brasil ser cético
ao conceito (assim como outros países emergentes), por defender tão
veementemente seus princípios clássicos de soberania e não intervenção
(que são bem diferentes da leitura mainstream/global sobre os conceitos)
(KENKEL, 2012, p.12-8).
Frente à isso, e após se por muito contra o conceito, o Brasil acabou
aceitando-o, a fim de se adequar e fazer parte do sistema multilateral das
Nações Unidas, principalmente devido à um fator particular. Esse fato é a
definição de três novos pilares para a R2P, com o relatório do Secretário-
Geral, Implementing the Responsibility to Protect em 2009. Pilares estes, já
anteriormente mencionados, que atentam para a responsabilidade do
Estado, da comunidade internacional em sua condição de formadora de
capacidades, e quanto ao tempo e respostas decisivas a serem todas.
A maior ressalva brasileira quanto a esses pilares foi da questão da
temporalidade, e se os pilares deveriam ser seguidos numa ordem
cronológica, ou não, trazendo críticas da sociedade internacional quanto a
inação perante uma situação de crise, mas o Brasil já mostrava uma posição
mais receptiva ao conceito, que não havia anteriormente (ALMEIDA,
2013).
No entanto, principalmente após acontecimentos como o caso da
Líbia, o país surge com a proposta da presidente Dilma Rousseff do
conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP), em 2011, que foi um
107
marco na política externa brasileira por ter sido a primeira vez que o
governo propôs a criação de um conceito junto às Nações Unidas.
Com essa iniciativa o Brasil estava começando a se tornar um
empreendendedor de normas, no entanto a presidenta Dilma Rousseff não
levou a iniciativa a frente, sem grande aceitação da comunidade
internacional (como visto no item 4.2.5). Após tentativas de convergências
e lutando contra as incertezas do ocidente acerca do conceito, o Brasil
acabou abrindo mão de sua posição, como quando aceitou a resolução
condenando a Síria.
Não conseguindo se inserir tanto no campo normativo de operações
de paz, como o faz com sua participação efetiva. Isso poderia ter sido uma
boa estratégia para o Brasil aumentar ainda mais seu capital diplomático na
área, e aumentar sua projeção (BENNER, 2013, p.9). No entanto, fica de
lição que o país tem capacidade e capital suficiente para levar adiante
iniciativas deste tipo, e deve ser esse o seu modus operandi caso deseje
levar adiante sua estratégia de smart power de uma buscar por maior
inserção no campo da segurança, não tendo hard power o suficiente para
fundamentar suas iniciativas (SPEKTOR, 2012, p.8). Como uma potência
emergente deve buscar defender suas iniciativas e lutar por elas para ganhar
seu devido espaço na esfera internacional e realmente se inserir no nicho
diplomático normativo das operações de paz, como o tem feito em sua
participação efetiva na área.
5.3.3. A Cooperação no campo de Operações de Paz
Medindo esforços pela sua participação seguindo com as normas
internacionais no âmbito da ONU o governo brasileiro cria, em 2005, o
Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOpPaz), inspirado nas
108
discussões iniciadas em 1989 pela Resolução 44/49, da Assembleia Geral
das Nações Unidas, sobre a “Revisão Abrangente da Questão das
Operações de Paz em Todos os seus Aspectos” - que encorajou os membros
da ONU à estabelecerem programas de treinamento para militares e civis
civil, tendo em vista seu emprego em operações de paz.
Aumentando sua participação e investindo em maiores esforços para
o engajamento brasileiro com operações de paz, no dia 15 de junho de
2010, sob a portaria nº 952-MD atribui ao CIOpPaz, a responsabilidade de
preparar os militares e civis brasileiros (e de nações amigas) que serão
enviados em missões de paz, modificando seu nome para Centro Conjunto
de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB). O objetivo do Centro é “Ser um
líder global na promoção da excelência do preparo de recursos humanos
para operações de paz e desminagem humanitária.” (CCOPAB, s.d.).
Vemos aqui uma interseção entre ambos os nichos diplomáticos
brasileiros em que a cooperação de nações amigas, principalmente daquelas
do Sul Global, ocorre no campo de operações de paz, buscando um spill
over de cooperação e através de treinamentos bilaterais e multilaterais com
tropas e oficiais de outros países, para passar adiante o know how brasileiro
adquirido em operações de paz, principalmente no que diz respeito à
construção da paz em situações de conflito e outras missões em situações de
reconstrução da sociedade civil. Comportamento condizente com o de uma
potência média que busca o bem publico global, trabalhando através de
normas e procedimentos multilaterais para resolver problemas
internacionais. Portando-se assim como uma referência na área e
fortalecendo suas alianças e posição no cenário global.
6. Conclusão: Perspectivas para o futuro
A busca por um assento permanente no CSNU reflete a ambição
brasileira por se tornar um ator proeminente na segurança internacional. A
implementação deste objetivo é o fio condutor da política externa e da
política de segurança brasileira – demandas do Brasil por reforma são
seguidas de demandas globais para que o país tenha mais hard power –
tendo como lugar privilegiado sua atuação em Operações de Paz nesse
pleito (KENKEL, 2012, p.30).
Tal pleito vem de ambições antigas por parte do Brasil, desde a
criação da Liga das Nações o Brasil desejava um papel proeminente na
organização, desejando ser o representante da América do Sul na mesma.
Com a criação da ONU, tal ambição retorna, porém a mesma foi vetada
pela União Soviética e pela Grã-Bretanha (VARGAS, 2011, p.85).
Ao final da década de 1980, com o fim da Guerra Fria e o retorno do
Brasil à democracia, seus formuladores de política externa acreditaram que
o novo contexto internacional necessitava de uma revisão das estruturas
políticas multilaterais, o que seria um bom argumento para a retomada da
busca por um assento permanente que fosse mais condizente com a nova
redistribuição da ordem mundial (VARGAS, 2011, p.87-9). Assim, os
argumentos baseado num discurso de soft power para o pleito por um
assento permanente no CSNU, eram baseados na necessidade de manter a
legitimidade da ordem contemporânea internacional, face as recentes
mudanças do sistema; a busca brasileira por assumir um papel de destaque
no cenário internacional respaldado pelo crescimento de sua importância,
assim como poder político econômico; e além disso, resguardado no
argumento de que o Sul Global deve ter uma representação no CSNU, de
devido a crescente importância do país frente ao Sul, este deveria ser o seu
representante.
110
A questão da reforma das Nações Unidas, e principalmente da
reforma do CSNU traz a luz da busca por mudanças nas normas e regras
vigentes que refletem os interesses daqueles que busca mais poder e
prestígio na ordem internacional escalando em sua hierarquia, de modo à
adequar as instituições internacionais ao novo padrão que surge com o fim
da guerra fria. Muito desse pleito é reforçado com base no fortalecimento
dos BRICS como um bloco, dando maior força e lugar ao Brasil.
A politização dos BRICS de um acrônimo econômico para um bloco
político é um ótimo exemplo da busca dos países emergentes, dentre eles o
Brasil, por mais espaço na agenda internacional. Pode-se dizer, por um
lado, que há uma busca conservadora por parte dos BRICS por manter o
status quo, mas que estes agora se portam como atores mais proeminentes
na agenda internacional e a politização do grupo, frente à heterogeneidade
do grupo mostra a inteligência política e diplomática do grupo que coloca
seus membros num patamar institucional que não seria possível que
chegassem individualmente, ou mesmo se pautando somente em seus
próprios recursos de hard power. Por isso, essa coordenação e busca por
cooperação entre os países BRICS, também pode ser vista como parte de
uma estratégia de smart power no contexto atual de seus países membros
emergentes. Os BRICS como grupo trás a frente à questão da busca por
instituições de governança internacional que busca lidar com as mais
diferentes questões, sejam elas no campo da segurança internacional,
economia ou política, e por isso, dá uma um apoio à candidatura do Brasil
ao assento permanente do CSNU.
Há uma contradição nessa busca brasileira por querer se passar como
líder do Sul, e ao mesmo tempo ainda ter ambições como uma reforma do
CSNU para este assumir um assento permanente no mesmo, tendo poderes
do Norte “dominador”. Mas deve-se levar em conta que o pleito brasileiro
não é somente para que este assuma um assento permanente, mas na busca
por uma reconfiguração do sistema das Nações Unidas de forma mais
111
representativa da ordem global vigente, e não da ordem global de durante a
Guerra Fria, quando a ONU foi criada e a configuração de poder no mundo
era completamente diferente da atual.
O CSNU vem ampliando seu campo de atuação, proporcionando
oportunidades para o Brasil mostrar sua capacidade e capital diplomático,
contribuindo para sua candidatura no mesmo. No entanto, as crises e
mudanças no sistema internacional dos últimos anos ainda não chegaram a
produzir mudanças decisivas nas estruturas de governança global de forma
que medidas como a reforma da ONU e do CSNU ainda não tenham
ocorrido.
A fim de conclusão, é importante elucidar neste momento que este
trabalho teve pretensões de analisar principalmente as motivações e
repercussões das escolhas e ações brasileiras na sua busca política por uma
maior inserção na agenda de segurança internacional, mas faz-se ciente de
que há diversos outros fatores e razões que interferem na atuação brasileira
nesta área e, sobretudo na política internacional como um todo. Questões
econômicas influenciam fortemente no campo da CID; políticas públicas e
políticas domésticas afetam decisões quanto à condução da política
internacional (como visto anteriormente ao discutir-se a questão de potência
civil). Assim, é de conhecimento próprio que o trabalho não tem
profundidade suficiente para que todos esses campos sejam avaliados em
toda sua real profundidade necessária, e sim, a partir do contexto
internacional em que o Brasil está inserido neste momento.
Assim, primeiramente, buscou-se, nesse trabalho um entendimento
do contexto em que o poder está inserido, para compreender a balança de
poder e as diferentes intensidades do uso do hard e do soft power,
verificando então a possibilidade de se aplicar o smart power num cenário
institucional específico, no qual busca-se alianças e parcerias para definir
112
novas políticas, que se faz necessário para se ter um melhor entendimento
dos objetivos que tal Estado pretende atingir. Lembrando que o smart
power busca atingir metas para o bem público global que vai fazer com que
a influência e legitimidade daquele autor aumente no cenário internacional.
A escolha por uma estratégia de soft ou smart power, não é
classificada exclusivamente como uma “escolha dos mais fracos”, pelo fato
do Brasil não possuir tanto hard power, mas também uma decisão da elite
política brasileira que opta por manter os valores, princípios e tradições
internas do país, transpassando-os para o plano externo, de promover a paz
e democracia, assim como respeitando a soberania e o território dos demais.
Não obstante, não podemos ignorar que o próprio país já optou por
focar em estratégias de hard power, como durante a Guerra do Paraguai, no
fim do século XIX, no entanto, tende a reforçar sua tradição de país pacífico
e na busca por um bem público global, respeitando as normas
internacionais, e promovendo a cooperação, tende a evitar soluções que se
pautem no uso da força, obrigando os demais a ter determinado
comportamento. O país prefere se utilizar de forma mais balanceada de seus
recursos, para buscar atingir um papel de liderança pela participação e pelas
parcerias com os demais países, cooperando e promovendo a paz. O Brasil,
como uma potência emergente, articula seus recursos de soft power, com
aqueles de hard power, compreendidos e utilizados aqui principalmente em
natureza de operações de paz ( não para a guerra convencional), para seus
objetivos.
Assim, a escolha consciente do Brasil por buscar uma estratégia de
smart power é algo condizente com sua postura no plano internacional e
com o papel que o país vem assumindo na América do Sul e no Sul Global,
seja como um hegemon consensual no continente, como um líder não-
intervencionista no Sul Global, que reafirma a percepção do Brasil no plano
internacional como um “parceiro desejado”.
113
A opção pelo smart power como uma potência emergente se torna
possível também devido à alguns fatores de conjuntura, como o fato do
Brasil não possuir disputas territoriais declaradas por suas fronteiras, pelo
seu comprometimento com o multilateralismo e a promoção da
institucionalização e cumprimento de normas internacionais e a busca pelo
regionalismo e integração com a América Latina, principalmente com a
evolução de projetos como a UNASUL e o MERCOSUL, fazendo-o deste
um país muito estável, cercado de países amistosos, sem muitas ameaças à
possíveis ataques à seu território.
No entanto essa construção de um consenso e convergência de
interesses não ocorre somente no Cone Sul. A reputação brasileira de um
país representativo e líder potencial são perpassadas pelo Sul Global, onde
o Brasil está integrado em diversas iniciativas, como sua participação no
G77 e G20, IBAS, iniciativas dos BRICS, tomando posição e passando a
imagem de representante de seus semelhantes, expandindo seu capital
político.
Quanto às formas como o Brasil tem buscado alcançar esse papel de
destaque no cenário internacional, vemos sua atuação na CSS e em
operações de paz de forma que este possa se tornar um global player com
maior influência. Tornando-o um líder normativo com políticas muito
atrativas para outros atores. O Brasil busca se inserir na ordem global
através da cooperação promovendo princípios democráticos, respeito pelos
direitos humanos e estado de direito, buscando a redução da pobreza e
desigualdades.
O campo da CSS tem se destacado como um forte elemento de soft
power ampliando a atuação brasileira no Sul Global e sua
representatividade no Sistema Internacional, já sendo tratado como um dos
atores indispensáveis quando se discute temas como a segurança alimentar,
aumentando sua participação e importância na área. Programas sociais
como o ‘Bolsa Família’ e o ‘Fome Zero’ aumentaram bastante a
114
importância do Brasil em diálogos acerca da CID na exportação de seus
programas.
Seu renome na área tem crescido bastante, mas o país ainda precisa
se consolidar mais internamente, lidando com suas próprias crises para
transpor suas soluções também em sua política externa, como potência
civil, que foi como muitos desses programas vieram a acontecer. Uma
grande oportunidade de crescimento do Brasil nessa área é aumentar sua
presença no continente africano não só no que diz respeito à CTPD, como
também na promoção de cooperação para construção de instituições
políticas e de diálogos junto à sociedade civil, governos e ONGs na região.
Alguns desafios a serem enfrentados para se destacar mais ainda
nessa área que devem ser mencionados são a falta de uma legislação
abrangente quanto ao estabelecimento de parceria com demais países; o fato
de ter seu orçamento subordinado ao MRE, muitas vezes limita a atuação da
ABC quanto à sua capacidade de recursos disponíveis para execução de
projetos; além disso, há uma falta de coordenação e eficácia para lidar com
a burocracia de tais iniciativas, retardando a execução de projetos. Fazendo-
se necessário que o país regulamente mais tal atividade e tenha um
planejamento específico quanto aos objetivos que deseja atingir nessa área,
não atuando somente pela demanda.
Quanto a participação em operações de paz, este pode ser
considerado o mais importante nicho diplomático para a projeção de smart
power, principalmente no que diz respeito a atuação em operações de
construção da paz. A atuação do Brasil no Haiti contribuiu para o país
aprender e orquestrar mais suas próprias manobras militares, as quais o país
utilizou durante o período de 2008 em suas iniciativas de pacificação de
favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Vemos neste, uma nova
oportunidade de treinamento para as próprias tropas brasileiras, que não se
envolve diretamente em situações de conflitos, devido histórico de ser uma
nação pacífica e sem guerras – assim como uma combinação de pontos
115
fortes de soft power com hard power na implementação de programas e
políticas de reconstrução social e política trabalhando juntos. O Brasil age
assim sobrepondo as lógicas de adequação e consequência, onde calcula o
custo-benefício de atuar nas missões, com o cálculo de seus objetivos
estratégicos, assim como o seu comportamento esperado com suas
obrigações internacionais (MARCH & OLSEN, 1998, p.952).
Caso um sucesso, o espectro da participação de operações de paz e
no uso de suas ferramentas disponíveis para a resolução de conflitos, o
Brasil pode ter uma maior receptividade em sua estratégia de smart power
de se inserir mais ativamente na agenda internacional de segurança a partir
de seus nichos diplomáticos como o das operações de paz, como um
mediador de conflitos engajado com a manutenção das normas e da paz e
segurança internacional. Só cabendo ao Brasil para deixar sua marca se
comprometendo com seu envolvimento em operações de paz.
Sua projeção através da participação efetiva no nicho de operações
de paz caminha em um bom ritmo, sendo um dos carros fortes do Brasil na
área de segurança, assim como um bom argumento de barganha para a
busca por um assento permanente no CSNU, no entanto, há algumas
dificuldades que o país tem que enfrentar e melhorias a fazer.
Ainda não há uma organização regular da participação em operações
de paz (que vem melhorando com o aprimoramento de instituições como o
CCOPAB), o país não tem um contingente específico treinando com essa
finalidade, e sim começa a separar um uma vez que uma missão é definida
(REZENDE, 2010, p.106). Tal participação apresenta um desafio de
coordenação militar, que é ao mesmo tempo uma oportunidade para o
Brasil aprender mais com isso e aperfeiçoar suas táticas.
Apesar de sua crescente percepção e presença no cenário
internacional, podemos ver em diversas situações, como a negligência do
país em levar a frente à defesa do conceito de RwP, e posturas ainda um
116
pouco omissivas em questões internacional, que o Brasil ainda tem um
longo caminho para se consolidar como um ator proeminente no campo de
segurança internacional.
Recentes acontecimentos tomaram o sistema internacional menos
maleável, como foi o caso da crise econômico, que acabou também
impulsionando o G8 a ganhar forças no sistema internacional. Tensões
político-econômicas na América do Sul, como a crise argentina, tornaram o
continente uma região mais difícil para o Brasil operar sua política externa
e expandir seu prestigio e influência. Pela sua inclinação política e histórica
o Brasil deve buscar uma maior integração regional, na qual o país exerce
um papel de liderança. Dessa forma o país terá uma presença internacional
mais forte como líder de um bloco regional e ao mesmo tempo mais
representativo como hegemon consensual na região, uma vez que tenha
esforços para fortalecer blocos como o MERCOSUL e a UNASUL.
O lugar atual do Brasil na ordem global ainda não o permite que
atinja seu objetivo no campo de segurança e consiga um assento
permanente no CSNU. No campo da segurança, sobretudo com recente
acontecimento como a crise da Síria, Líbia, Ucrânia e uma forte retomada
de tensões com o Estado Islâmico (sobretudo no que tange a questão do
conflito de Israel-Palestina) é possível observar uma volta da agenda
internacional de segurança sendo definida pelas grandes potências, em
detrimento da participação dos países emergentes (SKPETOR, 2014).
Tal fato pode ser explicado pelo poder de veto no CSNU, onde o
mesmo foi aplicado em quase todos os casos acima. Isso serve para indicar
que mesmo com as tentativas de países emergentes, e mais especificamente
do Brasil (que se mostrou um tanto quanto omisso nesses últimos casos
durante o governo de sua presidenta Dilma Rousseff) de projeção e busca
por influência nos processos decisórios na agenda de segurança (tal qual
como foi o caso da iniciativa do RwP). Ainda pode-se observar o impacto
que a falta de hard power tem sob a definição da agenda de segurança
117
internacional, e sobretudo no que tange a busca pela reforma da ONU e do
CSNU, não acatando a entrada de novos membros permanentes.
Independente da atuação brasileira nestes nichos diplomáticos tê-lo
tornando referência nas respectivas áreas, tal estratégia de smart e soft
power, ainda deve demorar a fazer efeito, dependendo da conjuntura e
contexto para trazer de fato algum resultado na posição do Brasil no campo
de segurança e lhe dar mais capital diplomático e poder de barganha, pois o
país tem um hard power ainda baixo. Isso na atual configuração do sistema
internacional ainda interfere muito nas decisões a serem tomadas na ordem
global. A criação de políticas e documentos oficiais quanto á Defesa
Nacional, como a criação da PND, END e do LBDN, são exemplos de
como o Brasil vem buscando enfrentar seus desafios para se consolidar no
campo de Segurança Internacional, lidando com sua falta de hard power. O
importante de se destacar aqui, é que a forma como o Brasil deve buscar
aumentar seu hard power não deve ser na forma tradicional de
simplesmente aumentar seus armamentos, tecnologias e exército, mas sim
através do smart power, como uma potência média, transformando também
seus recursos de soft power em áreas ligadas à assuntos de segurança.
Não se pode negar que o papel do Brasil é muito maior nos dias de
hoje do que era durante a época da Guerra Fria, já tendo algum impacto –
mesmo que não efetivo e final – em questões de segurança e na ordem
global. O país vem contribuindo cada vez mais para a redefinição de
elementos decisivos de poder, incluindo os recursos brasileiros além da
leitura tradicional de hard power. Algumas áreas estratégicas em que o
Brasil deve investir mais para sua promoção no campo de segurança é
quanto à segurança marítima do atlântico sul; reforçando seu papel de
liderança na América Latina, incentivando o aumento da integração
regional; e reforçar seu próprio aparato militar.
A nova realidade do Brasil no cenário internacional reflete com a
busca por seus objetivos estratégicos de inserção no campo de segurança
118
internacional e para se tornar um global player. O país tem crescido
consistentemente com seus objetivos, no entanto, ainda não conseguiu cavar
um espaço no cenário internacional forte o suficiente para que ele possa se
afirmar e fazer de seus objetivos estratégicos uma realidade.
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