doc. sandra cardinali - setembro

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática O ENSINO E APRENDIZAGEM DA CÉLULA EM MODELOS TÁTEIS PARA ALUNOS CEGOS EM ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL Sandra Mara Mourão Cardinali Belo Horizonte 2008

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As pessoas que mesmo impedidas de enxergar são capazes de ver e compreender o mundo pelo toque de suas mãos.

Agradecimentos

Para esta conquista contei com o apoio de muitos...

Agradeço a Deus pela luz que ilumina sempre o meu caminho.

Ao meu saudoso pai e minha querida mãe, pela vida de dedicação.

Ao Humberto, pela cooperação e imenso apoio no período da realização deste trabalho, que me fez ausente mesmo presente.

Às minhas queridas filhas, Fernanda, Isabela e Marcella pela confiança

inabalável e incondicional.

Às minhas amigas verdadeiras por me apoiarem nesta tarefa.

À Natália pelo companheirismo, amizade e parceria nos trabalhos acadêmicos que nos acrescentaram muito, sobretudo profissionalmente.

Ao Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, pelo grande incentivo para a realização desta capacitação.

Aos professores, funcionários e dirigentes do Instituto São Rafael, pela

colaboração e incentivo durante a realização da pesquisa.

À equipe do Museu de Ciências Morfológicas da UFMG, em especial à Diretora Drª. Maria das Graças Ribeiro, e à professora Sandra Resende Lima, pela disponibilidade, confiabilidade e carinho destinado aos estudantes cegos

participantes da pesquisa.

Ao professor Dr. Francisco Ângelo Coutinho, por me fazer acreditar que poderia ir além.

Finalmente, meu sincero agradecimento ao meu orientador, Dr. Amauri Carlos

Ferreira, pelo interesse, dedicação, ensinamentos notáveis e palavras de incentivo em toda trajetória para elaboração deste trabalho. Com você, me senti amparada

e segura em todos os momentos do estudo.

Muito obrigada a todos! Serão para sempre lembrados!

Não é preciso ter olhos abertos para ver o Sol, nem é preciso ter ouvidos afiado para ouvir o trovão. Para ser vitorioso você precisa ver o que não é visível. (Sun

Tsu)

RESUMO

O presente estudo aborda a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais, matriculados na primeira série do ensino médio da rede regular de ensino de Belo Horizonte - MG e o processo de ensino-aprendizagem da célula e de suas estruturas, através da utilização de modelos táteis. A relação do aluno cego no ensino da biologia celular antes e depois do contato com os modelos se constata na importância da utilização de material didático concreto, como facilitador da abstração dos conceitos da célula e de suas estruturas. A pesquisa foi realizada em dois momentos: no primeiro foi utilizado um modelo bidimensional da célula, confeccionado artesanalmente, apresentado aos participantes na sala de apoio do Instituto São Rafael. No segundo momento foram utilizados dez modelos tridimensionais apresentados aos participantes no Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva, do Museu de Ciências Morfológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, espaço considerado na pesquisa como de educação não formal. A inserção desses modelos concretos nas atividades desenvolvidas com os alunos cegos mostrou que o processo de aprendizagem para este público de alunos demanda práticas pedagógicas diferenciadas, que necessariamente levam a um processo de compreender o tato como instrumento de percepção do mundo. Esta pesquisa é de natureza qualitativa. O método de pesquisa-ação e de história oral em sua vertente temática foram utilizados para melhor compreender o entendimento dos estudantes cegos em relação aos modelos de percepção tátil, como também, para confecção do modelo artesanal de célula. Palavras-chave: Inclusão de estudantes cegos; Ensino da célula; Percepção; Modelos didáticos concretos.

ABSTRACT

The present study is about the inclusion of students with special educational needs enrolled in the first series of regular high school level in Belo Horizonte and the teaching-learning process of the cell and its structures through the use of tactile real models. The teaching relation of blind student with cellular biology before and after the contact with offered models shaws the importance of using the real material as facilitator of the abstractional concepts of the cell and its structures. The research was carried out in two phases, in the first step a bydimensional model of cell, handmade confectioned, was offered to the participants to support classroom teaching at Institute São Rafael. The second step ten three-dimensional models were offered to the students a Specialized Laboratory for visually impaired students, of Museum of Morphological Sciences of the Federal University of Minas Gerais, place considered in the research as non formal education. The insertion of these authentic models in activities developed with blind students revealed that learning process for this kind of students demand differentiated pedagogical practices that necessarily conducts to a comprehension process of sense of the touch as an instrument for perception of the world. This research has a qualitative approach. The methodology of action research and verbal history in its thematic source had been used in this study to better understand the blind students’ comprehension in relation to the models of tactile perception, as also, for confection of the handmade model of cell. Keywords: inclusion of blind students; teaching of the cell; perception; real models.

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Modelo simplificado da célula ..........................................................................46 FIGURA 2 Modelo artesanal bidimensional da célula .....................................................49 FIGURA 3 Diagrama das percepções dos alunos ...........................................................50 FIGURA 4 Vista do Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva.............................57 FIGURA 5 Célula em corte...................................................................................................59 FIGURA 6 Contato tátil com o modelo da célula em corte .............................................59 FIGURA 7 Leitura tátil da legenda em Braille da célula em corte .................................60 FIGURA 8 retículo endoplasmático rugoso (em corte)....................................................61 FIGURA 9 Complexo de Golgi.............................................................................................62 FIGURA 10 Complexo de Golgi (em corte) .......................................................................62 FIGURA 11 Mitocôndria fechada e em corte ....................................................................63 FIGURA 12 Retículo endoplasmático liso (em corte) ......................................................64 FIGURA 13 Lisossomo (em corte) ......................................................................................65 FIGURA 14 Centríolo ............................................................................................................66 FIGURA 15 Núcleo Celular com corte parcial...................................................................67 FIGURA 16 João Ventura, pesquisadora e Wagner Ferreira.........................................71 FIGURA 17 João Ventura.....................................................................................................71 FIGURA 18 João Ventura e Wagner Ferreira ...................................................................72

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Modelo bidimensional e as categorias das falas dos alunos entrevistados.............................................................................................................53 QUADRO 2 Modelo tridimensional pela categoria das falas dos alunos entrevistados..................................................................................................................................70

LISTA DE SIGLAS

CEFET-MG- Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais

DNA- Ácido Desoxirribonucléico

DV- Deficiente Visual

ICB- Instituto de Ciências Biológicas

IFETS- Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica

LDBN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MCM- Museu de Ciências Morfológicas

MEC- Ministério da Educação e Cultura

SEE/MG- Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais

SEEP- Secretaria de Educação Especial

NAPNEE- Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educativas Especiais

NEE- Necessidades Educativas Especiais

ONCE- Organização Nacional dos Cegos

ONU- Organizações das Nações Unidas

PNUD- Programas, Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento

SEESP- Secretaria de Educação Especial

SETEC- Programa desenvolvido pela Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica

TECNEP- Programa de Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas

com Necessidades Educativas Especiais

UFMG- Universidade Federal de Minas Gerais

UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência

UNICEF- Fundo das Nações Unidas para a Infância

UTRAMIG- Fundação de Educação para o Trabalho de Minas Gerais

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................14 1.1 A inclusão de Deficientes Visuais no Ensino Reg ular...................................21 2 O MODELO DA CÉLULA BIDIMENSIONAL TANGÍVEL NO ESPA ÇO DE EDUCAÇÃO FORMAL .................................... .........................................................35 2. 1 O processo de ensino e aprendizagem da célula no modelo bidimensional tátil .............................................. ..............................................................................44 3 O MODELO TRIDIMENSIONAL TANGÍVEL DA CÉLULA E DE S UAS ESTRUTURAS CELULARES NO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO NÃO FOR MAL.......56 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ......................................................74 REFERÊNCIAS.........................................................................................................79 APÊNDICE................................................................................................................86 APÊNDICE 1 - IUBS .................................. ...............................................................87 ANEXOS ...................................................................................................................88 ANEXO 1 - SISTEMA DE ESCRITA BRAILLE ............... .........................................89 ANEXO 2 - DECLARAÇÃO............................... .......................................................90 ANEXO 3 - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DO USO DE NOME REAL E DA IMAGEM DOS SUJEITOS DA PESQUISA ........................... ...................................................91 ANEXO 4 - AUTORIZAÇÃO .............................. .......................................................92 ANEXO 5 - ARTIGO ................................... ..............................................................93

A igualdade foi inventada porque os humanos

não são idênticos. (François Jacob)

14

1 INTRODUÇÃO

Em decorrência dos frutos de idéias que fundamentaram a Revolução

Francesa (1789), igualdade, liberdade e fraternidade, a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, promulgada e adaptada em Assembléia Geral das Nações

Unidas em 1948, conjuga o valor de liberdade ao valor de igualdade, já que assume

que não há liberdade sem igualdade, nem tampouco igualdade sem liberdade.

Nesse sentido, o valor da diversidade se impõe como condição para o alcance da

universalidade e a indivisibilidade dos Direitos Humanos. (FERRONATO, 2002, p.9)

Em um primeiro momento, a atenção aos Direitos Humanos foi marcada pela

tônica da proteção geral e abstrata com base na igualdade formal. No entanto, mais

recentemente, passou-se a mencionar a pessoa como sujeita de direito respeitado

em suas peculiaridades e particularidades. O respeito à diversidade passou a ser

efetivado às diferenças, impulsionando ações de cidadania voltadas ao

reconhecimento de sujeitos de direitos, tendo em vista que são seres humanos.

As especificidades de cada pessoa não devem ser elemento para a construção de desigualdades, discriminações ou exclusões, mas sim, norteadoras de políticas afirmativas voltadas para a construção de contextos sociais inclusivos e proclama o direito de todas as pessoas à educação. (ARANHA, 2004, p. 24)

Segundo Ferronato (2002), a educação pode ou não facilitar a entrada das

pessoas nas relações sociais, haja vista que os primeiros contatos diretos com os

indivíduos, aparentemente diferentes, acontecem na escola. Até esse momento, o

meio familiar constitui uma das únicas fontes de relação interpessoal. Quando entra

na escola, a criança se depara com parte da realidade do universo ao qual pertence

no ambiente escolar e passa a perceber que a diferença é inerente às relações

humanas.

A diversidade ao longo da história foi desrespeitada e, no sistema educacional,

isso não foi diferente, pois na escola há uma tendência a receber alunos dentro de

padrões homogêneos. De um modo geral, a escola regular não foi planejada para

acolher a diversidade de indivíduos, mas para a padronização e seus objetivos

educativos são dirigidos àqueles que são considerados dentro dos padrões de

normalidade. Portanto, não está acostumada a lidar pedagogicamente com as

15

diferenças. Diante disso, vem segregando e excluindo de diversas formas os que

fogem dos padrões, pois esses demandam, em seu processo de aprendizagem,

respostas específicas ou diferentes das que são habitualmente dadas à média dos

seus alunos. (IMBERNÓN, 2000 apud MARTINS, 2006, p. 17).

Entretanto, nas últimas décadas, o sistema escolar tem sido desafiado a obter

uma forma equilibrada, que resulte em uma resposta educativa comum e

diversificada, capaz de promover uma cultura comum a todos os educandos,

respeitando as especificidades e as necessidades individuais, reconhecendo, ainda,

que a diversidade é um dos fatores mais importantes para conseguir um ensino de

qualidade, embora não seja fácil de alcançar. (MARTINS, 2006.p.18)

Dessa forma, a educação e a escola, para atenderem efetivamente todas as

crianças e adolescentes, precisam reverter a atual situação de exclusão, na qual se

encontram grande parte dos alunos, em especial aqueles que apresentam

necessidades educativas especiais, com uma educação não apenas inclusiva, mas

de qualidade significativa e transformadora para todos. (BRASIL, 2004)

A Conferência Mundial Sobre Educação Para Todos (1994), sobre a

universalização ao acesso à educação e a promoção da equidade, ampliando as

idéias da Declaração Universal dos Direitos Humanos, destaca as necessidades

básicas da aprendizagem das pessoas com deficiência. Seguindo o contexto desse

documento destaca-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado através

da Lei Federal nº.8.069/90, em seu artigo 53, que afirma: - “toda criança e

adolescente têm direito à educação para o seu pleno desenvolvimento, o exercício

da cidadania e a qualificação para o trabalho”.

O documento de maior polêmica foi a “Declaração de Salamanca” de 1994.

Documento resultante da “Conferência Mundial de Educação”, financiado pelo

governo espanhol e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura

e Ciências (UNESCO), que avançando um pouco mais, além do discurso, definiu o

princípio fundamental da escola inclusiva e proclama que todas as crianças devem

aprender juntas, sempre que possível, independentemente de qualquer dificuldade

ou diferença que possam ter.

16

Nesse sentido, a Declaração de Salamanca1 assinala que as crianças

deficientes devem ter acesso às escolas comuns, com uma prática pedagógica

centralizada no atendimento às suas necessidades e aponta que

todas as escolas regulares com orientação para a educação inclusiva, são as mais eficazes no combate às atitudes discriminatórias, proporcionando condições para o desenvolvimento de comunidades integradoras, base da construção da sociedade inclusiva e obtenção de uma real educação para todos. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CULTURA E CIÊNCIAS, apud FERRONATO, 2002, p. 17).

O direito da pessoa deficiente à educação comum está implícito na

Declaração Mundial de Educação para Todos, comprometendo-se a garantir

educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos - sem exceção - de

modo a satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem.

Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deverá poder aproveitar as oportunidades educativas destinadas a satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades englobam tanto as ferramentas essenciais para a aprendizagem (tais como alfabetização, expressão oral, cálculo e solução de problemas) como os conteúdos básicos da aprendizagem (conhecimentos, habilidades, valores e atitudes) de que os seres humanos necessitam para sobreviver, desenvolver todas as suas capacidades, viver e trabalhar com dignidade, tomar decisões informadas e continuar aprendendo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, apud FERRONATO, 2002, p. 17)2.

A Declaração Mundial de Educação para Todos, por sua vez, inspirou o Plano

Decenal de Educação para Todos3 que traz um reordenamento do Sistema Nacional

de Educação, a partir da alteração de toda a organização dos diferentes ciclos e de

uma nova concepção de educação básica, passando a trabalhar com uma estrutura

formal do sistema, de acordo com a Lei Nacional de Diretrizes e Bases (BRASIL,

2003, p.11).

Nessa reorganização, surgem dois níveis estruturantes de educação: da

Educação Básica, com as modalidades Educação de Jovens e Adultos; Educação

Profissional; Educação Especial; Educação Indígena e da Educação Superior. Essas 1 UNESCO. Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Genebra, 1994. 2 Artigo 1º, Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (ONU, 1994). 3 BRASIL, 1993.

17

alterações trazem repercussões diretas sobre a organização e gestão da escola e

sobre a prática pedagógica.

Assim, as modalidades educativas perpassam os dois níveis estruturantes de

organização do ensino.

De um lado, como ordenamento legal, necessariamente vinculado às diretrizes e aos parâmetros curriculares do nível correspondente e, de outro, como concepção operativa, ordenando todos os alunos de acordo com a possibilidade de aprender e supõe uma escola “onde caibam todos”, numa perspectiva de uma educação inclusiva. (CARNEIRO, apud NASCIMENTO, 2004, p. 6)

Em seqüência, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas

(ONU) aprovou o documento “Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para

pessoas com Deficiência” que Sassaki coloca (2003, p.119).

As autoridades de educação comum são responsáveis pela educação de pessoas com deficiência em ambientes inclusivos. Elas devem garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integrante do planejamento educacional nacional, do desenvolvimento de currículo e da organização escolar. A educação em escolas comuns pressupõe a provisão de intérprete e outros serviços de apoio adequados. Serviços adequados de acessibilidade e de apoio, projetados para atender às necessidades de pessoas com diferentes deficiências, devem ser prestados.

Assim, o conceito de educação inclusiva e a sua prática surgem da

necessidade da melhoria no acesso educacional para aqueles que se encontram em

necessidades educativas especiais e reconhece a necessidade e a urgência do

ensino ministrado no sistema comum de educação ser para todas as crianças.

Educação inclusiva significa provisão de oportunidades eqüitativas a todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiências severas, para que eles recebam serviços educacionais eficazes, com os necessários serviços suplementares de auxílios e apoios, em classes adequadas à idade em escolas da vizinhança, a fim de prepará-los para a vida produtiva como membros plenos da sociedade (CENTRO NACIONAL DE RESTRUTURAÇÃO E INCLUSÃO EDUCACIONAL, apud SASSAKI, 2003, p. 122).

Sassaki (2003) aponta que o movimento da inclusão tem sido aplicado em

várias partes do mundo e em diferentes segmentos sociais e educacionais e vem

gradativamente tomando o lugar da integração social, pautando-se nos princípios da

18

aceitação das diferenças individuais, da valorização de todas as pessoas, na

convivência dentro da diversidade humana, na aprendizagem através da

cooperação. Esse movimento iniciou-se na década de 1980, primeiramente nos

países mais desenvolvidos, tomando força na década de 1990, nos países em

desenvolvimento.

Apesar de o conceito de inclusão ser recente, Sassaki (2003) aponta que

alguns de seus aspectos já eram empregados, simultaneamente, na fase da

integração social, com a derrubada da prática da exclusão social. No entanto, a fase

da integração social não foi suficiente para acabar com a discriminação contra as

pessoas com necessidades especiais, nem proporcionou uma verdadeira

participação com igualdade de oportunidade para todos. Todavia, não se pode negar

o valor dessa fase, pois foi nela que ocorreu a inserção das pessoas com

necessidades especiais na sociedade, embora se esperasse que de alguma maneira

essas estivessem capacitadas para superar as barreiras físicas, programáticas e

atitudinais.

Nesse sentido, Sassaki (2003) mostra que o processo de inclusão está

vinculado ao estilo de vida independente que lhe é essencial, garantindo às

pessoas, com necessidades especiais, maior participação na sociedade, tanto na

condição de beneficiário dos bens e dos serviços como na de contribuinte ativo no

desenvolvimento social, econômico, cultural e político da nação.

Segundo Caiado (2006), a luta pela inclusão, cuja lógica de funcionamento se

assenta na exclusão, é um desafio social e educacional. Ainda que possamos

reconhecer os avanços alcançados pela Constituição Brasileira de 1988, que

consolidou várias conquistas de direitos, conhecida como Constituição cidadã, o

problema dos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), especialmente

dos alunos deficientes, ainda não foi resolvido e não pode ser visto sob a ótica da

responsabilização familiar ou da ideologia de mérito individual.

Mesmo com o registro na redação constitucional do direito à educação do

aluno deficiente no ensino regular, art. 208, e o direito de cidadania para todos, isso

ainda não é uma realidade, já que milhares de crianças e adolescentes que

apresentam necessidades educativas especiais, vinculadas ou não à deficiência,

não encontram escolas organizadas para receber a todos e fazer um bom

atendimento, o que é uma forma de discriminar. A falta desse apoio acarreta

desistência escolar e falta de progressão para os níveis mais elevados de ensino, o

19

que é uma forma de desigualdade de condições e permanência na escola.

O Brasil vem construindo um novo tempo para transformar essa realidade e

fazer com que as escolas brasileiras se tornem inclusivas, democráticas e de

qualidade. (BRASIL, 2004).

A educação inclusiva busca “a prática da inclusão de todos,

independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultura,

em escolas e salas de aula provedoras, onde as necessidades desses alunos sejam

satisfeitas” (STAINBACK & STAINBACK, apud MARTINS, 2006, p.19).

O conceito de escola inclusiva, disseminada a partir da Conferência Mundial

sobre Necessidades Educacionais Especiais (1994), da UNESCO, demonstra uma

preocupação com todos os tipos de pessoas que se encontravam excluídos da

escola. (MARTINS, 2006, p. 18).

Esse documento conceitua a expressão Necessidades Educativas Especiais

(NEE), referindo-se a “todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de

sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem”; o que significa que o

conceito de NEE abrange,

crianças com deficiência bem dotadas. Crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minoria lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginados. (BRASIL, apud CAIADO, 2006, p.19)

Esse documento, ao equiparar-se completamente aos princípios da Educação

para Todos e ao conceito de equidade, satisfaz a perspectiva da educação,

enquanto instrumento de investimento para o capital. Nesse sentido, a escola para

todos deve admitir um contingente que, historicamente, foi deixado de fora da escola

regular, mas que hoje deve ser reconhecido como potencial para o trabalho e a

escola deve ajudá-lo a ser economicamente ativo (CAIADO, 2006 p. 19).

Segundo Freitag, citado por Caiado (2006), a concepção de educação, como

formadora de capital humano, vai justificar os investimentos e as interferências do

Estado na educação, uma vez que ela é vista como promotora de desenvolvimento

para o país.

No âmbito educacional, os movimentos brasileiros para a educação inclusiva

foram pautados por políticas nacionais e internacionais, tendo como marco a

“Declaração Mundial sobre Educação para Todos”, realizada em Jomtein, na

20

Tailândia em 1990. Promovida por vários órgãos e programas, Banco Mundial,

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura e Fundo das Nações Unidas

para a Infância (UNICEF). No seu Art. 3º, conclama aos países a

[...] tomarem medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante de ensino. Nesse documento, é afirmada a necessidade de se garantir a educação básica para todos, como condição sine qua non para o desenvolvimento. (CAIADO, 2006, p. 26)

Atrelado a esse documento, no âmbito da Deficiência e das Necessidades

Educativas Especiais e à “Declaração de Salamanca”, de 1994, devem ser

consideradas também as “Normas Sobre a Equiparação de Oportunidades para

Pessoas com Deficiência” aprovada pela ONU, 1993. (SASSAKI, 2003, p. 49).

No Brasil, a década de 1990 foi representada por um período de grandes

avanços no processo da inclusão das pessoas com necessidades especiais, no qual

discussões referentes à inclusão começaram a tomar consistência, com as leis, as

diretrizes e os decretos o que possibilitou mudanças de paradigma da educação.

Nesse direcionamento, podemos destacar a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBN) nº. 9394/96, em seu capítulo V, que estabelece a

educação das pessoas com necessidades educativas especiais, preferencialmente,

na rede regular, o que traz uma nova concepção no entendimento da educação e

integração dessas pessoas. Embora haja um avanço com a LDBN no sentido de

propor atendimento às pessoas com necessidades educativas especiais no âmbito

escolar regular, o compromisso de subvencionar as instituições especializadas

assistenciais foi mantido desde que as mesmas atendam aos critérios estabelecidos

pela legislação.

Seguindo esse direcionamento, em 2001, com a Lei Federal nº. 10172,

referente ao “Plano Nacional de Educação”, aprovado depois de longos debates e

de algumas circunstâncias conflitivas na Comissão de Educação, Cultura e Desporto

da Câmara Federal, estabelece objetivo e meta para a educação de alunos com

necessidades educacionais especiais e faz referência aos padrões mínimos de infra-

estrutura das escolas para atendimento, bem como faz articulação das ações de

educação especial com a política de educação para o trabalho (BRASIL, 2003.p.

14).

21

Bueno, et. al (2004) afirma que não é simplesmente por decreto que a

educação inclusiva se tornará uma realidade, é preciso que se avaliem as reais

condições que possibilitem a inclusão gradativa, contínua, sistemática e planejada

de crianças e/ou adultos com necessidades educacionais especiais nos sistemas de

ensino.

A educação especial, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

lança, tanto para a escola como para toda sociedade, um desafio muito grande no

que se refere à inclusão. Conseqüentemente, o desafio atual dos profissionais da

educação deve ser lutar por uma escola inclusiva com qualidade de ensino, base

para o desenvolvimento econômico, social e político, comprometida com o cidadão.

Nessa perspectiva, para que a igualdade seja real, é preciso que sejam

garantidas as condições apropriadas de atendimento às peculiaridades individuais,

de forma que todos possam usufruir das oportunidades existentes. Porém, há que se

destacar que o tratamento diferenciado não se refere à instituição de privilégios e,

sim, à disponibilidade das condições exigidas na garantia da igualdade.

1.1 A inclusão de Deficientes Visuais no Ensino Reg ular

No Brasil, o anseio em equiparar oportunidades educacionais aos deficientes

foi apoiado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, concebida em

meio à luta em favor da educação inclusiva, que no capítulo V- Art. 58, reservado à

Educação Especial, assegura aos alunos deficientes a oferta de educação na

escola, preferencialmente na rede regular de ensino. (FERRRONATO, 2002, p. 10)

Segundo Ferronato (2002), isso implica um processo de aumento do número

de alunos pertencentes a esse grupo nas escolas regulares. Contudo, uma parcela

da população entende que a escola inclusiva deve abranger uma maior quantidade

de alunos deficientes na rede regular. No entanto, quantidade não significa

qualidade e, para atingir sua eficácia, toda a comunidade escolar deve estar

envolvida no processo de inclusão, visando a alternativa para o atendimento de

qualidade.

Assinalamos que o atendimento ao educando Deficiente Visual (DV), muitas

vezes à deriva do sistema educacional, requer do professor uma prática pedagógica

22

que minimize qualquer tipo de discriminação em relação aos videntes. Nessa

perspectiva, o professor deve conhecer as características da deficiência visual para

melhor atendê-lo, pois nesse universo encontram-se os estudantes cegos que são

como quaisquer outros e respondem bem quando sabem o que é esperado deles e

quando o esperado está de acordo com suas habilidades. (AMARAL, apud SILVA,

2006, p. 151).

Segundo Ferronato (2002), a Organização Mundial de Saúde lista que cerca

de 1 a 1,5 % da população mundial tem alguma deficiência visual, sendo que mais

de 90% encontra-se nos países em desenvolvimento. No Brasil há cerca de 1,6

milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual (cerca de 10% da

população total), e a maioria com baixa visão. Estima-se que no país, a cada 3 mil

crianças, uma é cega e a cada 500, uma tem visão subnormal.

Para Ochaíta e Espinosa (2004), algumas pessoas nascem sem a visão

(cegueira congênita), outras a perdem com o tempo (cegueira adquirida) e outras,

ainda, a possuem com baixo grau de eficiência (visão subnormal ou baixa visão), e

todas elas lutam para que seus direitos sejam atendidos. Esses dados levam-nos a

questionar a propósito da participação social e educacional dessas pessoas e de

seus limites e possibilidades quanto à deficiência/eficiência, minimizando mitos e

superstições à seu respeito.

Segundo Ochaíta e Espinosa (2004) a cegueira é uma deficiência sensorial que

se caracteriza pelo fato de que as pessoas que dela padecem têm seu sistema

visual de coleta de informações total ou seriamente prejudicado. Nesta condição

utilizam os demais sistemas sensoriais para conhecer o mundo à sua volta. A

utilização do tato e do ouvido, como também em menor medida, o olfato e o paladar,

passam a ser substitutos da visão e conferirá certas peculiaridades na construção do

desenvolvimento e da aprendizagem destas pessoas.

Como a maior parte das informações que recebemos do mundo à nossa volta,

cerca de 80%, é fornecida pelo sentido visual, na sua ausência, o processo de

aprendizagem ocorrera por meio da integração dos sentidos remanescentes.

Ochaíta e Espinosa (2004) apontam que a população com cegueira é

heterogênea, incluindo não somente pessoas que vivem na escuridão total,

consideradas legalmente cegas, mas também aquelas com resquícios visuais,

aproveitáveis no seu desenvolvimento e aprendizagem.

23

Pelechano e Ibáñez citado por Ochaíta e Espinosa (2004) apontam que não

existe uma concordância na definição da cegueira funcional. A Organização

Nacional dos Cegos (ONCE), na Espanha, considera legalmente cega a pessoa que,

apesar da melhor correção visual, ainda apresenta um décimo de visão nos dois

olhos, além de possuir uma limitação de caráter permanente e incurável. A perda da

visão ou a sua baixa eficiência é multifatorial, variando desde características

hereditárias a doenças, como diabetes e rubéola ou vícios, como alcoolismo, além

de traumatismos oculares.

Carvalho, citado por Ochaíta e Espinosa (2004), afirma que, clinicamente, o

indivíduo, para ser considerado cego, deve apresentar acuidade visual menor que

0,1 com a melhor correção ou campo visual abaixo de 20 graus. Apresenta visão

reduzida quem possui acuidade visual de 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ou um

campo visual entre 20 e 50 graus, não podendo ser corrigida por tratamento clínico

ou cirúrgico nem por óculos convencionais. Porém, é desejado que essas pessoas

desenvolvam seu potencial e levem uma vida normal, não deixando que sentimentos

de compaixão, dó e desprezo sejam destinados a elas, não as deixando progredir. O

fato de não enxergarem não as torna melhores nem piores do que outras pessoas,

só as fazem diferentes, uma diferença não digna de julgamento nem descriminação.

Historicamente, a educação de cegos no Brasil foi marcada pela criação de

instituições especializadas, com propósito de ajudá-las no seu convívio diário para

alcançarem independência, autonomia e, assim, atenuando sua dependência. Nessa

perspectiva, foi criado o Imperial Instituto de Meninos Cegos, em 1854, por iniciativa

de D. Pedro II. Porém, diante do seu custo elevado, tornou-se inacessível à maioria.

Outro fator agravante para os alunos matriculados nessa instituição era a

segregação causada pelo isolamento em relação aos videntes, pois a instituição só

permitia matrículas de alunos cegos. No entanto, não se deve ignorar o avanço que

essa instituição significou para o país. (MEC/SEF apud FERRONATO 2002, p. 37).

O Instituto dos meninos cegos mais tarde passou a se chamar Instituto

Benjamin Constant, que se tornou um centro de referência para todo o país, na

educação e habilitação de deficientes visuais, atuando nas áreas de capacitação de

professores, no desenvolvimento de projetos relacionados à deficiência visual e na

produção e adaptação de material pedagógico.

Três ex-alunos do Instituto Benjamim Constant, em 1925, tiveram a idéia e a

iniciativa de lutar pela criação, em Belo Horizonte, de uma escola para educar os

24

cegos de Minas. No ano seguinte, no governo de Fernando de Melo Viana, foi

instituído o Instituto São Rafael, inaugurado em 02 de setembro de 1926.

O Instituto São Rafael, desde a sua criação, ofereceu cursos de alto nível e

muito bem aceitos. Sua regulamentação, entretanto, ocorreu somente em 1934,

quando foi definida a sua estrutura pedagógica. (CRUZ FILHO, 2003, p. 23)

Atualmente, a escola oferece vários cursos e atendimento integral ao educando

com deficiência visual e conta com o valoroso apoio de um grupo de voluntários que

desempenham as funções de ledor, gravador de livros literários, digitador, dentre

outras. Como recurso pedagógico, os alunos se utilizam o Sistema Braille para

escrita e leitura tátil, obras literárias gravadas em fita cassete, mapas em alto relevo

e outros materiais adaptados. Entretanto, hoje já não mais oferece o ensino médio,

embora continue mantendo professores de Ensino Médio em seu corpo docente,

que dão suporte pedagógico aos alunos com deficiência visual da rede regular de

ensino, na sala de apoio. Desta maneira, neste local os estudantes têm atendimento

individualizado, superando suas dificuldades escolares. A opção por este local para

a apresentação do modelo bidimensional artesanal da célula, baseou-se no não

comprometimento das atividades escolares, na escola regular, espaço de educação

formal.

Analisando as possibilidades atuais de que o aluno cego dispõe para estudar

no ensino regular, chegamos à reflexão sobre as práticas pedagógicas que,

historicamente, vêm sendo construídas na sua educação. Essas práticas apontam

as concepções do educador a propósito do conceito de deficiência e educação

especial, evidenciando que tal educador nem sempre tenha consciência das

concepções que fundamentam o seu trabalho. (CAIADO, 2006, p.34)

Segundo Vygostsky citado por Caiado (2006), a evolução da concepção da

deficiência visual compreende três estágios principais: o período místico, o período

biológico-ingênuo e o período científico.

O período místico corresponde da Antiguidade à Idade Média e uma parte

significativa da História Moderna. Registros e manifestações da cultura popular

revelam que, no imaginário coletivo desse período, a cegueira era considerada uma

grande desgraça, assim como um dom extraordinário. Se por um lado a pessoa cega

era vista como indefesa e desamparada, por outro lado lhe era conferida a

possibilidade de visão interior e lhe predispunha a uma luz espiritual, só a ela

acessível. O homem cego compunha a categoria dos profetas do futuro, já que tinha

25

a visão interna despertada. È nessa perspectiva de um dom extraordinário que

temos a figura emblemática do poeta Homero que segundo Vidigal-Naquet

(2002.p.13), “se ele era tido como cego é porque os antigos consideravam, talvez

não sem razão, que a memória de um homem era mais extraordinária quando ele se

encontrava desprovido de visão”.

Assim, também era com Tiresis, o cego adivinho, que após uma condenação

de Hera, deusa protetora dos casamentos, a ficar cego passou a ler o presente, o

passado e o futuro como uma compensação de sua cegueira por Zeus, senhor do

Olímpio.

O período biológico ingênuo, próprio do Iluminismo, do século XVIII, tem sua

origem marcada em um momento de grande desenvolvimento da ciência. O homem

agora no centro do mundo, era dono do tempo e de uma razão natural, e não mais

divina. Com isso, não havia mais lugar para explicações místicas, o homem se

encontrava livre de um destino predeterminado e, assim, precisava ser esclarecido,

“iluminado”, para que uma sociedade melhor pudesse ser construída. Logo, a

educação passava a ser um ideal compartilhado por todos.

O período científico tem início a partir da Idade Moderna. Na medida em que

a pessoa cega tivesse acesso à educação sistemática, revelava-se sua

aprendizagem. Isso instigava cada vez mais a análise científica dos processos de

desenvolvimento humano relativos à cegueira.

Com esse referencial materialista histórico, Vygostsky aponta, em seus

estudos sobre a cegueira, que a educação sistemática é um marco para a ciência na

área, pois, a partir dela, surge a possibilidade de constatar que a cegueira provoca

no indivíduo um processo de compensação: não uma compensação orgânica, mas

a compreendida no processo social (VYGOSTSKY apud CAIADO, 2006, p.39).

Nessa perspectiva teórica, entende-se que a aprendizagem humana se dá

com base na convivência social, na apropriação das atividades historicamente

concebidas pelo homem, ou seja, pela internalização dos significados sociais.

Desse modo, o homem conhece o mundo pela atividade simbolizada nas relações

sociais. Toda atividade humana é constituída de significados e mediada de um

homem para o outro na linguagem, sistema simbólico básico de comunicação de

todos os grupos humanos. Entre as várias linguagens que representam o real, a

palavra é impar. (CAIADO, 2006 p.39).

26

Os órgãos sensoriais têm papel primordial na apropriação do empírico, do

real. No entanto, os órgãos sensoriais não são entendidos como puro aparato

biológico individual e, sim, concebidos como sentidos sociais, visto que o homem

enxerga, ouve e sente aquilo que lhe é apontado para ver, ouvir, sentir, dentre as

possibilidades do seu tempo e lugar social. Assim, a construção dos sentidos é

tarefa histórica, cultural e social. (CAIADO, 2006 p.39).

Para Caiado (2006) não se nega que, biologicamente, a cegueira é muito

limitadora, já que impede a recepção de informações visuais. Todavia, socialmente

não o é, porque as pessoas cegas apropriam-se do real, ao internalizar os

significados culturais pela palavra e pela comunicação com o outro.

Contudo, essa limitação biológica gera conflito. Se de um lado o processo de

humanização estimula o indivíduo para o convívio social, de outro, a limitação

biológica, de mobilidade e de recepção visual dificulta os processos sociais. O novo

significado da compensação mostra que esse conflito engendra forças para a

superação de obstáculos.

Na luta contra as limitações da cegueira e suas conseqüências,

compreendidas numa abordagem social e histórica, revela-se a necessidade de se

empreender ações em três dimensões: ações de prevenção, enquanto produção

social; ações educacionais que coloquem fim ao isolamento da pessoa cega e ao

limite entre a escola especial e a escola regular; ações direcionadas ao trabalho

criador, em contraposição ao trabalho explorado, humilhante, assistencial. Com

essas considerações, Vygostsky aponta que a superação da cegueira depende tanto

de um novo projeto político, como da constituição de uma nova sociedade.

(VYGOSTSKY, apud CAIADO, 2006. p. 40).

Na perspectiva de uma nova sociedade e de um novo projeto político de

inclusão, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação apresenta

Indicações para a Ação: a Interface Educação Profissional / Educação Especial,

objetivando nortear gestores e professores, na elaboração de propostas

pedagógicas para a educação profissional de pessoas com necessidades

educacionais especiais. (BRASIL, 2003, p. 5).

A Secretaria de Educação Especial propõe às Instituições Federais de

aprendizagem novas modalidades de ações na área da Educação Profissional, que

atendam aos interesses sociais e propiciem a implementação de uma política de

Educação Profissional de alunos com necessidades educativas especiais.

27

No âmbito do Governo Federal, como ação afirmativa do Ministério da

Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Especial, o Centro Federal de

Educação Tecnológica de Minas Gerais, (CEFET-MG), em 2004, sediou o curso de

Capacitação em “Procedimentos básicos para inserção, permanência e saída com

sucesso de Pessoas com Necessidades Especiais na Rede Federal de Educação

Tecnológica - Região Sudeste”, no qual me capacitei.

Como resultado desse programa de capacitação, o CEFET-MG

institucionalizou o Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educativas

Especiais (NAPNEE) por intermédio do Programa de Educação, Tecnologia e

Profissionalização para Pessoas com Necessidades Educativas Especiais

(TECNEP). Esse programa visa à inserção das Instituições Federais (IFETS) no

atendimento às Pessoas com Necessidades Educativas Especiais nos cursos de

nível básico, técnico e tecnológico, em parceria com os sistemas estaduais e

municipais, bem como o segmento comunitário. Programa desenvolvido pela

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), em parceria com a

Secretaria de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação Tecnológica

(MEC).

Com a criação do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educativas

Especiais (NAPNEE), o CEFET-MG destinou um espaço para reflexão sobre a

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Foi então que, na

tentativa de sensibilizar a comunidade Cefetiana, o NAPNEE promoveu diversos

encontros, palestras e seminários que abordassem este tema. Em abril de 2006,

sediou o I Seminário Regional “Desafios e Possibilidades”. Nesse evento, por

intermédio do representante do Instituto Benjamim Constant, o Sr. José Francisco de

Souza, foi divulgado o curso de capacitação na Área de Deficiência Visual,

destinado a professores da Rede Federal. Sentindo-me motivada com o projeto de

inclusão da Rede Federal de Ensino, inscrevi-me com o objetivo de buscar novos

conhecimentos que possibilitassem especializar-me para atender alunos com

necessidades educativas especiais, particularmente, deficientes visuais,

futuramente, no CEFET-MG.

O presente trabalho surge da inquietação diante da inclusão de alunos cegos

no CEFET-MG, considerando que a inclusão desses estudantes não é uma questão

de solidariedade, mas um direito conquistado e legitimado.

28

Vale ressaltar que, até o presente momento, no Centro de Educação

Tecnológica de Minas Gerais, CEFET-MG, Unidade de Belo Horizonte, não tem

nenhum aluno cego matriculado; no entanto, o NAPNEE vem desenvolvendo

projetos que visam à inclusão desse público alvo em suas ações.

Atuando como docente no CEFET-MG, tive a oportunidade de ministrar aulas

na disciplina de Anatomia e Fisiologia Humana do Curso Superior de Tecnologia em

Radiologia e do Curso Técnico de Equipamentos para a Área de Saúde e de

agendar visitas técnicas no Museu de Ciências Morfológicas (MCM), do Instituto de

Ciências Morfológicas, da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao ingressar no

mestrado de Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade de Minas

Gerais, tive o conhecimento do Projeto desenvolvido pelo MCM - “A célula ao

alcance da mão”, e da criação do Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva,

visando à integração de alunos deficientes visuais.

Com o desejo de direcionar minha pesquisa de mestrado para o ensino e

aprendizagem da biologia celular para estudantes cegos, enfoquei o ensino da

célula e de suas estruturas como objeto de estudo utilizando o Laboratório de

Pesquisa e Educação Inclusiva do Museu de Ciências Morfológicas da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG), espaço de educação não formal de grande

importância para essa pesquisa, uma vez que seu acervo consta Coleção Didática

com modelos concretos tridimensionais, em textura e em relevo, da célula e de suas

estruturas, dentre outros.

Tendo em vista que o ensino da biologia celular demanda explicações que

vão além da linguagem oral e escrita e utilizam a imagem, elemento de

representação visual, inacessível ao aluno que não enxerga, a utilização de modelos

concretos é o desejável, uma vez que, diante da cegueira, o professor precisa

adequar sua prática pedagógica e valer-se de recursos pedagógicos adaptados, que

facilitem o processo de ensino e aprendizagem.

Diante disso, quais estratégias e saberes de práticas educativas o professor

de Biologia precisa para promover informações adicionais aos alunos que não

enxergam?

Para entender as necessidades dos alunos que não enxergam, torna-se

necessária uma abordagem aprofundada da deficiência visual e de suas implicações

no processo de desenvolvimento. Optamos por desenvolver um trabalho que

contemple o ensino básico da biologia celular para alunos cegos. Partimos do que já

29

está sedimentado nos livros didáticos, o que significa que este trabalho não discute

a teoria sobre células, mas de que maneira tal conhecimento pode ser ensinado

para estes estudantes.

Tendo em vista que o professor, ao ensinar a biologia celular, utiliza-se de

inúmeros recursos, como laboratório de microscopia, internet, livros ilustrados,

esquemas de células para colorir, o que torna um problema para aqueles que não

enxergam. Logo, é compreensível que estudantes cegos apresentem dificuldade no

estudo da biologia celular, pois esse assunto requer alto nível de abstração, devido

ao seu caráter microscópico e visual. Diante das dificuldades e limitações inerentes

a essa deficiência, o processo ensino-aprendizagem desse conteúdo precisa ser

avaliado continuamente pelo professor, pois requer um suporte pedagógico

específico, no qual algumas adaptações se fazem necessárias e nem sempre o

professor está preparado para atender e atenuar as necessidades educativas

específicas deste aluno.

Ao constatar a escassez de pesquisa em relação ao processo de ensino e

aprendizagem da biologia celular, voltado para alunos cegos, foi instigante investigar

as práticas pedagógicas utilizadas no espaço de educação formal e no espaço de

educação não formal.

Como já apontado anteriormente, o ensino da biologia celular demanda

muitas explicações envolvendo imagens e o tato é imprescindível para o aluno fazer

a representação mental da célula, pois é a partir do concreto que faz suas

abstrações. Nesse direcionamento, recorremos ao modelo bidimensional e aos

modelos tridimensionais, como material alternativo para minimizar as dificuldades

dos alunos cegos. Os modelos pedagógicos oferecem oportunidade concreta de

“visualização”, já que as “mãos são os olhos” para aqueles que não enxergam.

Diante do exposto, surgem algumas indagações relacionadas ao ensino de

biologia, especialmente no estudo básico das estruturas celulares, visto serem

escassos e ou inexistentes e, por vezes, ineficientes os materiais didático-

pedagógicos para os alunos cegos. Será que é suficiente a conceituação teórica

para a compreensão e o entendimento da célula? Em que sentido a utilização de

novos métodos pode ter resultados satisfatórios na compreensão dos conceitos

envolvidos na biologia celular? Será que a aprendizagem através dos modelos em

textura e em relevo leva o aluno cego a formar a “imagem tátil” da célula? São essas

e outras questões que permeiam o presente estudo, com a proposição do uso de

30

modelos didático - pedagógicos concretos, como um caminho ao ensino básico da

célula e de suas estruturas para alunos cegos, propiciando oportunidades concretas

de “visualização” pelo tato.

As células representam unidades morfofuncionais do organismo vivo e o seu

estudo amplia os conhecimentos em diversas áreas das ciências. Um dos desafios

atuais da biologia é fazer com que os alunos entendam conceitos básicos da

biologia celular sem memorização e de forma contextualizada. O que se tem hoje no

ensino de biologia e nos livros didáticos é uma fragmentação de conteúdo,

ocasionando uma valorização na memorização de conceitos e não o seu

entendimento. Isso implica desinteresse de parte dos alunos e, especialmente dos

alunos cegos, uma vez que há uma carência de materiais pedagógicos adaptados

para este público.

Tendo em vista que o estudo da célula requer visualização microscópica de

suas estruturas, a apresentação de material pedagógico concreto tátil, bidimensional

e tridimensional, pode possibilitar ao aluno cego uma aproximação do que é

observado pelo vidente que tem ao seu alcance inúmeros recursos disponíveis.

Contudo, mesmo diante das necessidades educativas do aluno cego, é importante

reconhecer que ele tem as mesmas necessidades básicas e intelectuais relativas a

todos os outros alunos. O professor precisa perceber as semelhanças, oferecendo-

lhe material adaptado, reconhecendo assim sua individualidade e um atendimento

com qualidade, sem configurar de forma distinta a cegueira, visto que esses

materiais são de uso universal e, portanto atendem a todos os alunos

indistintamente.

Este trabalho tem por objetivos: corroborar com a comunidade escolar no

sentido de tornar mais próximo da realidade o discurso inclusivo nas classes

regulares; contribuir para a construção de uma prática pedagógica que contemple as

necessidades educativas de alunos cegos, rompendo com as atitudes e com os

hábitos dos educadores nas suas práticas tradicionais; contribuir para motivar o

educador para a elaboração de materiais didáticos alternativos concretos, facilitando

o processo de ensino-aprendizagem no estudo da célula; compreender e entender

de que forma o estudo acerca do ensino-aprendizagem da célula é propiciado pela

percepção tátil em modelos em texturas e em relevo, enquanto recurso didático

concreto em espaço formal e não formal para estudantes cegos.

31

Posto isso, buscamos o seguinte caminho da pesquisa participativa: a

pesquisa-ação. Este paradigma de pesquisa, dentro do contexto educacional, busca

instrumentos adequados para transformar a realidade na sala de aula, numa

perspectiva de introduzir inovações na prática pedagógica.

Para atingir seus reais propósitos, a pesquisa-ação precisa atender os

princípios:

A seleção e identificação do problema a ser investigado devem ser realizadas segundo as necessidades reais, tais como são expostas por todos os participantes; O objetivo da pesquisa-ação, não é produzir resultados sobre a problemática investigada, senão produzir resultados juntamente com os participantes. (COLL apud RECHE, 2001, p.98).

Esta pesquisa caracteriza-se como uma investigação qualitativa. A

participação de sete alunos cegos, com necessidades educativas especiais, cuja

característica comum é a deficiência visual4. O critério para a definição na

composição da amostra baseou-se no nível de escolarização, primeiro ano do

ensino médio5 e na deficiência citada. Os alunos participantes da pesquisa são de

Escolas Estaduais e apenas uma Particular, todas localizadas na cidade de Belo

Horizonte, Estado de Minas Gerais.

Os procedimentos metodológicos utilizados foram os de história oral, em sua

vertente temática6, observação participante e utilização de pesquisa-ação.

Inicialmente, os alunos participantes foram informados do caráter do estudo, o

conteúdo a ser abordado, assegurando-lhes a independência deste trabalho da sua

escola/professor, a fim de que eles não o confundissem com uma avaliação escolar.

Foi ressaltada também a importância da sua participação para o sucesso da

pesquisa.

4 Os alunos cegos todos oriundos da rede regular de ensino na faixa etária entre 17 a 24 anos. 5 Os estudantes selecionados freqüentam a sala de apoio do Instituto São Rafael com monitoramento de professores especialistas que dão suporte pedagógico nas disciplinas que apresentam dificuldade na escola regular. 6 Segundo Meihy (1996, p. 28-51) “a história oral temática é a que mais se aproxima das soluções comuns e tradicionais de apresentação dos trabalhos analíticos em diferentes áreas do conhecimento acadêmico [...] Detalhes da história pessoal do narrador interessam apenas na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática central”.

32

A pesquisa foi realizada em dois momentos. Em ambos, os alunos

participantes foram submetidos a uma entrevista não estruturada, individual e oral,

cujo tempo não foi pré-estabelecido, com auxílio de um gravador MP3.

O primeiro momento da pesquisa ocorreu na sala de apoio do Instituto São

Rafael, em horários pré-estabelecidos pelos participantes. Constituiu da

apresentação de um modelo bidimensional, confeccionado artesanalmente,

representando a estrutura básica de uma célula animal, cujas estruturas

apresentavam-se em texturas, relevo e materiais bem diferenciados uns dos outros.

Esse modelo constituiu o produto do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia e

que apresento nesse trabalho de conclusão de curso.

O segundo momento constituiu-se na apresentação dos modelos

tridimensionais, com um modelo de célula (em corte) e as seguintes estruturas

celulares completas e/ou em cortes:

Mitocôndria; Retículo Endoplasmático Rugoso, Retículo Endoplasmático Liso;

Complexo de Golgi; Ribossomos; Lisossomos, Centríolos, e o Núcleo (em corte),

com o objetivo de complementar o que foi aprendido no modelo artesanal da célula.

Todos os modelos tridimensionais apresentados fazem parte do acervo do

Laboratório para Deficientes Visuais do Museu de Ciências Morfológicas (MCM) da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Considerado espaço de educação

não-formal.

Segundo Ribeiro (2007), o Museu de Ciências Morfológicas é resultante de

projeto de pesquisa e prática sócio-educacional no ensino de ciências/biologia.

Agregando-se a esse espaço, o Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva

constitui um ambiente de educação não-formal, em que o estudo do organismo

humano pode ser feito macro e microscopicamente por alunos videntes ou não. No

estudo “concreto” do organismo humano, nas aulas práticas, especialmente para

alunos cegos, as imagens são formadas a partir da percepção tátil. Nos modelos

concretos, os alunos deficientes visuais podem reconhecer tocar, identificar e

comparar as estruturas, construindo uma aprendizagem significativa.

Nos dois momentos da pesquisa, as entrevistas foram analisadas a partir das

falas dos entrevistados pela análise de conteúdos, procurando conhecer o que

estava por trás dos significados das palavras dos entrevistados.

Este trabalho é resultado de entrevistas com estudantes cegos e profissionais

que atuam direta ou indiretamente com alunos que percebem o mundo com o tato.

33

O presente trabalho visa conhecer como se dá o processo de ensino e

aprendizagem da célula e cabem aqui algumas considerações sobre a mesma. A

célula é a unidade morfofisiológica dos seres vivos e o seu estudo amplia os

conhecimentos em diversas áreas das ciências.

Ao relacionar a estrutura celular, com a sua função, torna-se possível

entender o seu mecanismo de funcionamento no corpo humano.

A membrana celular, por exemplo, é um envoltório que individualiza a célula. Embora a membrana celular separe o meio externo do interior da célula, propicia as trocas de substâncias com o meio. Sem trocar substâncias com o meio, a célula não pode se manter viva, pois precisa receber nutrientes e oxigênio e eliminar resíduos de seu metabolismo (LOPES; ROSSO, 2007. p. 61).

De acordo com a exemplificação, podemos verificar a importância da

associação entre estrutura - função, cujos conhecimentos básicos da membrana

celular constituem requisitos para compreensão da funcionalidade da estrutura

celular no organismo humano, formado de diferentes tipos celulares.

Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes, quando a igualdade nos

descaracteriza. (Boa Ventura de Souza Santos)

35

2 O MODELO DA CÉLULA BIDIMENSIONAL TANGÍVEL NO ESPA ÇO DE

EDUCAÇÃO FORMAL

O ensino da Biologia é voltado à compreensão do fenômeno da vida. Um dos

enfoques de grande importância do seu estudo se relaciona à compreensão da vida

no universo celular procurando compreender a estrutura e o funcionamento das

células. Tais conhecimentos são fundamentais para entendermos a complicada rede

de interações necessárias para a manutenção da vida (LOPES; ROSSO, 2007. p.

55).

A área da Biologia que estuda a célula é a citologia, - do grego Kytos, ‘célula’

e logos ‘estudo’. Essa área só teve início a partir do momento em que o ser humano

começou a construir aparelhos com lentes que proporcionam grande aumento da

imagem dos objetos. Estes aparelhos, os microscópios, possibilitam o conhecimento

e o estudo de estruturas invisíveis a olho nu.

O estudo da célula constitui-se como base para outras disciplinas, já que os

mais importantes fenômenos fisiológicos dos organismos ocorrem em nível celular, e

não podem se entendidos sem uma compreensão da estrutura celular.

Freqüentemente, nota-se entre os alunos de ensino fundamental e de ensino

médio, uma tendência em considerar o estudo da célula difícil e, por vezes,

desinteressante. Uma maneira de torná-la mais desejável e interessante é fazer as

inter-relações entres as várias estruturas celulares, compreendendo a função de

cada uma no funcionamento geral do organismo.

Nos espaços de educação formal, onde se propõe uma educação à “priori”, os

professores de biologia utilizam para o estudo da célula, inúmeros recursos didáticos

- pedagógicos vinculados às imagens, como: power-point, ilustrações das células,

esquemas para colorir, animações de vídeos, dentre outros, inacessíveis aos alunos

que não enxergam.

Ao iniciarmos a pesquisa, fizemos uma sondagem com os alunos

participantes, na expectativa de conhecer como se deu o processo de ensino e

aprendizagem da biologia celular, na escola regular, espaço de educação formal,

onde se encontram regularmente matriculados.

Questionamos sobre os materiais táteis disponibilizados pelo professor nas

suas aulas de biologia para ensinar a célula. Ao constatar a inexistência de qualquer

36

tipo de material tátil para esse fim, e, considerando a dificuldade do aluno cego de

abstrair conceitos na ausência de algo concreto e palpável, pensou-se na criação de

um modelo de célula bidimensional tangível. O modelo bidimensional constituiu uma

simulação de um objeto físico no qual o comprimento e a largura são atributos reais.

O contato com o modelo bidimensional tátil possibilita aos alunos cegos o

reconhecimento de texturas em relevo. A fim de não confundir a identificação das

estruturas celulares pelo reconhecimento tátil, cada uma delas foi representada por

um tipo de textura.

Segundo Lima (2006, p. 173), o tato difere da visão, pois, enquanto a visão

permite uma observação mais ampla, global, do objeto examinado, o tato o faz parte

a parte, seqüencialmente, de forma mais gradual do que a visão, possibilitando aos

cegos uma interação com a memória, das informações que os dedos capturam.

O tato “é o sentido por meio do qual se reconhece ou se percebe, usando o

corpo, a forma, consistência, peso, temperatura, aspereza de outro corpo ou algo”

(HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2001, 2- 678).

O tato é um grande fornecedor de conhecimentos e, conseqüentemente,

indispensável no desenvolvimento da aprendizagem das pessoas cegas. É o sentido

que oferece ao cérebro os mais variados tipos de informação procedentes do meio

externo, em razão dos receptores próprios desse sentido se distribuírem em toda a

superfície cutânea e estar ligado às vias nervosas correspondentes, enviando ao

córtex cerebral uma ampla gama de informações codificadas. (SILVA, 2006 p 157-

158).

A sensibilidade ao toque varia com a quantidade de receptores táteis situados

em diferentes áreas. São especialmente numerosos e muito juntos nas pontas dos

dedos das mãos. As pessoas cegas, o utilizam para terem boa parte da percepção

de mundo. (MONTAGU, 1988, p 34).

O tato representa um sentido de grande importância no cenário da

humanidade. A experiência de Helen Keller, menina que ficou surda e cega na

infância, cuja mente foi literalmente criada através da estimulação de sua pele,

mostra que quando os outros sentidos são prejudicados, o tato pode compensar de

maneira extraordinária. (MONTAGU, 1988, p.34).

Segundo Martins (2006), as pessoas cegas precisam saber sentir, saber ouvir

para potencializar os seus sentidos e conduzir o processo de aprendizagem de

mundo, através da comunicação, tátil e sonora, preservados seus elementos

37

cognitivos e afetivos.

De acordo com Pagliuca (1996), quando há uma perda parcial ou total,

temporária ou permanente de um dos órgãos sensoriais, como a visão, pode haver

alteração no processo de comunicação. Contudo, a comunicação oral sofre pouca

influência da percepção visual, já que a pessoa ouve, aprende e reproduz o que

ouve. Sendo assim, a percepção de mundo para o deficiente visual decorre da sua

capacidade de se conectar com o meio a partir de suas outras habilidades de

percepções não visuais.

Maturana e Varela (2001) defendem a unidade operacional do ser/ fazer

humano em que as nossas percepções conscientes, ainda que as diferenciem entre

sensoriais ou espirituais (dos sentidos, sensações, emoções, pensamentos,

imagens, idéias) não operam “sobre” o corpo; são o corpo; são expressões da

dinâmica estrutural do sistema nervoso em seu presente, operando no espaço das

descrições reflexivas.

Assim, a aprendizagem, enquanto um processo consiste na transformação,

através da experiência do comportamento de um organismo, de maneira que direta

ou indiretamente, está ligada à manutenção da sua circularidade básica. Este

constitui o processo histórico no qual cada modo de comportamento se desenvolve.

Trata-se de uma circularidade percepção-ação. Neste sentido, o essencial é que

haja uma interação entre o organismo e o meio. Contudo o meio não pode

especificar o que acontece em um sistema vivo, mas ele desencadeia mudanças

estruturais em congruência com o ambiente. Da associação da conduta e o meio

configura-se a distinção, e, para isso, se usa a palavra percepção. Entretanto, o

fenômeno da percepção não pode consistir nessa determinação, mas na

regularidade da conduta exibida pelo organismo em seu operar em correspondência

estrutural com o meio.

Para Maturana, (1999), a noção da percepção sugere harmonia do organismo

com o meio. O fenômeno da percepção e da cognição é cíclico no fluir estrutural do

organismo, acoplado ao fluir estrutural do meio com momentos de uma história de

interações, que implicam na conservação da correspondência estrutural entre

organismo e meio.

Aponta ainda que o fenômeno da percepção no âmbito operacional e

epistemológico humano apresenta quatro implicações. Primeiramente na distinção

entre ilusão e percepção, na qual a vida cotidiana é apoiada por outra referência de

38

experiência diferente e se qualifica com essa distinção. A segunda implicação se dá

quando os objetos perceptivos tornam-se configurados pelas condutas do

organismo, isto é, o mundo dos objetos perceptivos se dá na convivência dos

organismos e, enquanto existir correspondência estrutural mútua; também é

aparente na vida cotidiana, na qual sabemos que o mundo em comum só surge na

comunidade do viver. Na terceira implicação, o mundo das linguagens e das

explicações do observador é um mundo de convivência gerador de objetos

perceptivos. Assim, a força geradora e transformadora do mundo inclui a linguagem

e as explicações que nela se produzam. Por fim, os objetos surgem na linguagem e

podem ser usados recursivamente na explicação do fenômeno da percepção. A

informação da realidade à nossa volta baseia-se nos relatos praticados pelo nosso

aparato neural e sensorial, e o fato de o organismo receber informações não indica

que ele aprende, embora seja pré-requisito para a aprendizagem (MATURANA,

1999, p. 72-74).

Para o referido autor, o estímulo do meio, ao incidir em estruturas neurais

especializadas, conduz e transforma esses estímulos em sensações codificadas por

terminações nervosas sensoriais. Por meio de mecanismos neurais integrados ao

sistema nervoso central, as fibras eferentes conduzem ao neurônio central a

sensação, sem, no entanto, codificar na íntegra a sensação, pois ela pode sofrer

distorções, ou seja, perturbações. O efeito final da estimulação de um sistema

sensorial é dar uma resposta reflexa, isso quando os experimentos são realizados

com animais. Entretanto, no homem é produzida uma representação interna, uma

imagem consciente do estímulo numa ação sobre essa representação, o que

denominamos percepção. A palavra percepção sugere, então, a harmonia entre o

organismo e o meio, com distintos momentos no fluir estrutural do organismo

acoplado ao fluir estrutural do meio. Conseqüentemente, o estudo do fenômeno

perceptivo como fenômeno cognitivo é o estudo acoplado ao fluir do organismo

acoplado ao fluir estrutural do meio.

As expressões retiradas do livro do Professor Melero "Construyendo una

escuela sin exclusiones", referenciados por Galina e Pena (2007), “no espaço das

relações humanas onde a pessoa definida como limitada passa a ser limitada” afirma

que ao aceitar o ponto de vista do ser biológico não há erros, não há menos valia,

não há disfunções. Na biologia, não há menos valia. Outra frase, “a confiança é o

fundamento da convivência humana” afirma que aceitar a transformação da pessoa

39

deficiente, a partir da educação na convivência, é tornar cada vez mais congruente o

outro no espaço de sua convivência.

Segundo Galina e Pena (2007), o educar é recíproco e ocorre o tempo todo,

estabelecendo-se como um processo em que as pessoas aprendem a viver e a

conviver, conforme a comunidade em que vive. As diversidades individuais passam

a ser reconhecidas na Biologia e todos devem ser aceitos, é ver o outro como igual

junto a nós na convivência, fundamento básico biológico do fenômeno social da

inclusão. Sem aceitação do outro junto a nós, não é possível haver socialização e

sem essa não há humanidade. Portanto, qualquer coisa que destrua ou limite a

aceitação do outro, destrói tanto o fenômeno social quanto o ser humano, porque

elimina o processo biológico que o gera. Só temos o mundo que criamos com os

outros e só com a aceitação do outro é possível criar um mundo comum.

A percepção das pessoas cegas, a partir da textura, demonstra que sua leitura de

mundo pelo tato é um ver com as mãos.

A textura, segundo Dondis (1991), é tanto reconhecida pela percepção tátil

como pela visão. Em nossa cultura, o chavão “é proibido tocar” condicionou nossa

percepção a uma experiência tátil carente de informações sensíveis e permeadas de

medos e inseguranças. Para sanar essa distorção e aprimorar nossa percepção tátil,

é de grande valor exercitar o ato de “tocar sem ver”. Em nossa cultura, a percepção

de textura é mais óptica do que tátil e existe um forte condicionamento de não tocar

as coisas e as pessoas e o “não tocar” coincide com o comportamento social em

virtude de estar vinculado à aproximação sensual.

A textura, para quem enxerga, tem significado diferente daquele que não

enxerga, pois, para esses, as informações de mundo são transmitidas através de

outros sentidos, tornando-os mais sensoriais e qualitativamente diferenciados dos

das pessoas videntes.

Segundo Grinfin e Gerber citado por Oliveira (2002), a textura é um elemento

visual que freqüentemente substitui as qualidades do tato, sendo possível que uma

textura não apresente qualidades táteis, mas apenas ópticas. Onde há uma textura

real, as qualidades táteis e ópticas coexistem de uma forma única e específica, que

permite à mão e ao olho uma sensação individual.

Para Dondis (1991), a textura relaciona-se com a composição da substância

através de variações mínimas da superfície do material. Assim, para o deficiente

visual, constitui um elemento fundamental, pois a sensibilidade do tato corresponde

40

à percepção que poderia ter pelos olhos. O conhecimento tátil dos objetos à sua

volta leva-os a compreender a forma, o tamanho e o contorno dos objetos e a assim

serão capazes de identificar formas mais complexas.

Para Oliveira (2002), o desenvolvimento da modalidade tátil fica subentendido

a uma seqüência de fatores: consciência tátil e qualidade tátil, que começa com a

atenção prestada a texturas, temperaturas, superfícies vibráteis e diferentes

consistências. Inicialmente, é adquirida pelo movimento das mãos das crianças

cegas, levando-as a aprender contornos, tamanhos e pesos, desde que essas

informações sejam repassadas de maneira gradual, de movimentos grossos à

exploração mais detalhada dos objetos. A aprendizagem poderá ser rápida se lhes

forem apresentados objetos familiares e de seu ambiente. Já o reconhecimento da

estrutura e da relação das partes com o todo se refere à capacidade de distinguir a

forma do objeto e esse reconhecimento é facilitado por um detalhe característico do

objeto que o ajuda a discriminá-lo.

O segundo nível do desenvolvimento tátil constitui o conceito e o

reconhecimento do relacionamento do todo com as partes. Os componentes mais

importantes do conceito e do reconhecimento da forma são a clareza e a

simplicidade do desenho em relevo e a exploração ativa do objeto. Para as crianças

cegas, a compreensão de representações gráficas deve ser feita, inicialmente, com

objetos pequenos e com formas tridimensionais para depois se fazer a

representação bidimensional e, quando a forma for bem conhecida, devem ser

apresentados tamanhos diversos.

A fase seguinte, depois da exploração da forma e das partes inter-

relacionadas dos objetos, é a representação gráfica, o relevo, as linhas retas e as

curvas que devem ser apresentadas aos poucos, evitando confusão referida como

“ruídos táteis”.

Por último, vem a utilização de simbologia, que corresponde ao passo final do

desenvolvimento da modalidade tátil e o sistema Braille é o mais comum e usual

(Anexo 1).

Para Oliveira Biz e Freire (2002), a modalidade tátil é ampla e confiável, pois

vai além do tato, incluindo a percepção e a interpretação por meio da exploração

sensorial. Ela fornece informações a respeito do ambiente, porém menos refinadas

que as fornecidas pela visão. As informações obtidas por meio do tato são

adquiridas sistematicamente e reguladas de acordo com o desenvolvimento, para

41

que os estímulos ambientais sejam significativos, ao contrário do sentido da visão

que se desenvolveu com o passar do tempo para captar as informações

instantaneamente.

Segundo Montagu (1988), o tato é o sentido sensorial mais importante do

corpo, sendo a pele o maior órgão sensorial e a comunicação transmitida por meio

do toque constitui a principal linguagem dos sentidos. A pele pode ajudar o

deficiente visual na formação dos conceitos e das imagens mentais das coisas que

ele não vê, como também no desenvolvimento da sua criatividade e do senso

estético. Nas pessoas cegas, a imagem é substituída pela percepção tátil.

Para Ballestero (2003), o sentido tátil é o sentido sensorial de maior precisão

sobre os objetos, porém a exploração tátil se dá de forma fragmentária e seqüencial,

fornecendo conhecimentos indispensáveis para o desenvolvimento e para o

aprendizado de mundo para as pessoas cegas. Através desse sentido, é possível

assimilar e acomodar o aprendizado, condição para o desenvolvimento biológico e

afetivo.

A percepção tátil para as pessoas cegas tem significado completamente

diferente, pois suas mãos são seus olhos, então as imagens, quando formadas

através de percepções táteis, podem compensar essa deficiência, pois permite

reconhecer a presença, a forma, o tamanho e a temperatura dos objetos.

De acordo com Ballestero (2003), o fato de o cego saber encontrar as

texturas, as formas, os tamanhos adequados, no momento da representação tátil

bidimensional ou tridimensional, constitui o que se denomina estética tátil. Nela

residem significados que não são percebidos visualmente. Sendo assim, boa parte

da imagem visual e do significado do objeto se perde e escapa por completo ao tato

e nela residem significados que não são percebidos visualmente e que, por isso,

parte da imagem visual e do significado do objeto se perdem e escapam por

completo ao tato.

O autor aponta o grande erro de se supor que todas as texturas

desencadeiam sensações táteis agradáveis ou positivas. Daí a importância de se

conhecer a maior variedade de texturas e oferecer, predominantemente, aquelas

que produzem sensações positivas para se ter experiências prazerosas e agradáveis

através do tato. Contudo, para o pleno desenvolvimento do tato, é necessário

oferecer desde tenra idade ás crianças cegas, uma maior quantidade de

experiências táteis, mesmo que algumas produzam sensações táteis desagradáveis

42

ou negativas.

O resultado da ausência da educação do tato acarreta algumas

características como: olhar, mas não tocar as coisas, já que não se sente

curiosidade em tocar os objetos; aborrecer com algumas texturas; tornar-se mais

distantes; manifestar pouca importância ao promover sensações negativas a outros;

quebrar coisas sem querer, com certa freqüência; descrever fenômenos apenas de

maneira visual.

Em relação ao aspecto humanístico do tato, ele manifesta-se de forma

aberta e completa nos abraços, nos beijos e nos cumprimentos cordiais. O aspecto

cognitivo, no aprendizado por via tátil, está presente durante a vida e é interiorizado

com maior intensidade quando não forem desligados do componente afetivo da via

sensorial que a produz.

A percepção tátil do mundo pelas pessoas que lidam com cegos ficou

evidente nesta pesquisa, a partir de depoimentos que foram recolhidos com o

objetivo de melhor compreender na prática o que foi pesquisado na teoria.

Em alguns depoimentos7 de pessoas cegas que trabalham no Instituto São

Rafael, foi possível constatar o significado da percepção tátil na vida cotidiana

dessas pessoas, pois, no concreto, encontram o seu ponto de apoio e conseguem

abstrair suas idéias. Isso pode ser verificado em seus relatos.

Sujeito 1: Para nós cegos, a textura tem grande significado e nos ajuda a identificar diversos objetos e distingui-los quanto à forma, tamanho e espessura. Para o cego, “ver”, está relacionado com o tato e assim fazemos distinção de tudo que tocamos através de texturas diferentes. Quanto mais destacadas e diferenciadas forem a texturas, melhor será o entendimento do objeto. A textura mais áspera, como por exemplo, a lixa grossa, é bem perceptível, já a lixa fina pode dar a sensação de uma folha de papel. Sujeito 2: A textura, para nós cegos, tem o significado de “ver” com as mãos, por isso é importante no reconhecimento de diversos materiais que temos contato diariamente. A textura em relevo, por exemplo, num desenho, precisa ser bem destacada para o entendimento deste desenho. Quando é mostrado um mapa com as ruas da cidade, a mobilidade fica mais fácil, pois cada trajeto deve ser destacado por linhas em relevo e legendado em Braille. Isso nos fornece a identificação das ruas, avenidas, sendo imprescindível para nos situarmos e nos dar mais autonomia.

7 Depoimentos coletados a partir da pesquisa de campo realizada no Instituto São Rafael com funcionários e professores para a realização desta pesquisa, mapeando a importância da percepção tátil para as pessoas cegas.

43

Sujeito 3: Pela textura, eu consigo associar as minhas roupas no armário, mas isto foi com o treino. Associo as cores, por exemplo, quando vou escolher uma roupa no armário, sei identificar a saia amarela pela sensação da textura do tecido. Já disseram que aquela textura corresponde à da saia de cor amarela. Com isso, posso dizer que a textura nos ajuda demais na identificação de objetos no nosso dia- a- dia. Normalmente, para nós a sensação mais fácil de distinguir é a textura mais grossa, embora a sensação de veludo seja mais agradável. Sujeito 4: No meu trabalho como revisora de materiais didáticos, a percepção pelo tato é muito importante, pois para os alunos entenderem os desenhos em relevo, preparados pelo professor, estes precisam ser diferenciados pela textura do material. Além disso, os desenhos devem vir acompanhados por legendas. Às vezes não consigo decifrar o desenho, então peço para o professor que me dê uma explicação verbal, e assim consigo entender o que ele deseja repassar no desenho para os alunos. Dessa maneira tento mostrar para o professor a melhor forma de demonstrar o que deseja no desenho.

Esses relatos demonstram a importância do tato, abordando a textura e a

modalidade tátil para as pessoas cegas. Isso tem um significado muito importante no

processo de ensino-aprendizagem da célula, uma vez que a imagem construída pelo

tato, a “imagem tátil”, pode favorecer a sua compreensão e levar o aluno a entender

a forma da estrutura celular, possibilitando a ele relacionar a função da mesma na

constituição e função do organismo.

Nesse contexto, a construção de um modelo bidimensional tátil pode levar a

uma melhor compreensão e ao entendimento da funcionalidade celular, uma vez que,

ao identificá-las, também associam a função de cada estrutura celular, ampliando os

conhecimentos do conteúdo no espaço formal de aprendizagem.

As configurações do modelo bidimensional tátil da célula foram feitas sem

muitos pormenores e detalhamentos, pois se trata de material plano, contudo feito

de maneira adequada para um exame tátil.

Considerando as implicações para o reconhecimento tátil no modelo

bidimensional, buscamos dar forma e proporcionalidade de tamanhos às estruturas

celulares e, assim, possibilitar a formação da imagem tátil da célula pelo aluno.

44

2. 1 O processo de ensino e aprendizagem da célula no modelo bidimensional

tátil

O modelo didático, segundo Pizzini citado por Figueroa (2007), refere-se à

representação simplificada de uma idéia, de um objeto, de um evento, de um

processo ou de um sistema que se constitua em objeto de estudo, com o objetivo de

facilitar a compreensão significativa por parte dos alunos, desses mesmos objetos.

Para Borges citado por Figueroa (2007, p. 49),

um modelo pode ser definido como uma representação de um objeto ou uma idéia, de um evento ou de um processo, envolvendo analogias. Portanto, da mesma forma que uma analogia, um modelo implica a existência de uma correspondência estrutural entre sistemas distintos. Se isso não fosse assim, os modelos teriam pouca utilidade.

De acordo com Silva (2006), a aprendizagem é satisfeita quando o aluno tem

disponíveis materiais e instrumentos apropriados, assim como uma adequada

organização de tipos específicos de atividades e de estratégias de ensino oferecido.

Ferronato (2002) aponta que a utilização de materiais concretos palpáveis

constitui um ponto de apoio para as abstrações dos alunos cegos, já que pelo tato

podem chegar à maior parte das informações, levando-os a discernir os objetos e,

dessa maneira, as mãos suprem a “falta” da visão. Contudo, aponta que o processo

de exploração pelas mãos é demorado e requer grande esforço por parte desses

alunos, sendo necessário criar situações adequadas para não inibir e dificultar o seu

desenvolvimento.

O modelo concreto constituiu uma alternativa facilitadora no processo de

ensino e aprendizagem, pois propicia aos alunos fazer abstrações

independentemente de terem ou não restrição sensorial, pois é acessível e

significativo a todos os alunos indistintamente.

A idéia da confecção do modelo da célula bidimensional tátil baseou-se no

reconhecimento da importância da informação tátil para o aluno cego, pois, na sua

vida cotidiana, há sempre a associação entre o “ver” e o “tocar”.

O estudante cego, diante da limitação biológica, é privado da comunicação, via

imagem; além disso, é praticamente inexistente a imagem na forma tátil. Isso, de

fato, constitui mais uma via de exclusão. Essa lacuna precisa ser preenchida no

45

ensino, com reconhecimento de que o uso de imagens táteis, material concreto

palpável, possibilita ao aluno a formação da representação mental do que lhe é

oferecido para tatear.

A idéia da importância de materiais táteis, em textura e em relevo nas áreas

de Ciências e Biologia, podem ser verificadas pelos relatos de professores que lidam

com estudantes cegos em escolas regulares de Belo Horizonte, Minas Gerais.

Sujeito1: Os materiais didáticos adaptados facilitam bastante o aprendizado dos alunos cegos e eu tive uma boa experiência ao desenvolver um material bidimensional em relevo numa folha A4 no estudo da reprodução celular por mitose e meiose. Fiz um contorno da célula com cola de textura e pedi que os alunos cegos posicionassem os cromossomos. Os cromossomos foram representados por fios de diversas espessuras e diferentes tamanhos. A célula era delimitada pela cola, representando a sua membrana celular. O resultado do aprendizado com o uso deste material foi bastante satisfatório pelos meus alunos cegos. Sujeito 2: Para os alunos cegos, o contato com material concreto é muito importante, pois através destes percebem o que a gente tenta explicar oralmente. Isso facilita muito o aprendizado do conteúdo que estiver sendo abordado, tornando mais fácil o seu entendimento. Os alunos ficam mais interessados na aula quando consigo preparar um material concreto para eles tatearem, embora isto seja difícil, porque é muito conteúdo e pouco tempo.

Cientes da importância do contato com material concreto palpável para a

compreensão da célula e de suas estruturas, foi confeccionado o modelo concreto

bidimensional tátil da célula, cujas estruturas foram representadas com texturas e

em relevo, de tal forma que, ao tateá-lo, o aluno seria capaz de formar a imagem tátil

e representação mental da célula.

A idéia da criação do modelo bidimensional tátil baseou-se na experiência

adquirida no curso de Capacitação no Instituto Benjamim Constant, quando, na

disciplina “Produção de Material Didático”, foi ressaltada a importância dos materiais

concretos para os alunos cegos, uma vez que pelo tato são capazes de “ver” e

abstrair conceitos em diversos conteúdos de diversas disciplinas. Nessa

oportunidade, confeccionei vários materiais didáticos táteis, tais como o mapa do

Brasil tátil, uma bússola tátil, a representação gráfica do fenômeno de mudança de

estado físico da matéria e, na área biológica, foram confeccionados dois modelos

bidimensionais: um do sistema cardiovascular e outro de uma célula animal típica.

Embora a célula tenha sido feita de forma bem simplificada, apontando apenas suas

partes fundamentais: membrana celular, citoplasma e núcleo, a sua importância não

46

pode ser descartada, visto a carência de material concreto para o estudo da célula.

Nesse modelo simplificado, a membrana celular foi representada por uma linha

grossa, o citoplasma por uma lixa média e o núcleo por um material metalizado,

todos identificados por legenda em Braille. A foto deste modelo bidimensional

encontra-se abaixo.

Figura 1: Modelo simplificado da célula

Fonte: Material produzido pela pesquisadora no Instituto Benjamim Constant (maio -2006)

Com essa bagagem de conhecimento adquirida no curso de capacitação e

ciente da necessidade e da importância da utilização de material didático adaptado

para este público alvo, eu me senti motivada a focar o ensino e aprendizagem da

célula como objeto de estudo na pesquisa de mestrado com estudantes cegos.

Como exposto anteriormente, o estudo da célula requer intenso apelo visual

na sua compreensão, tanto em aulas teórico-práticas ou demonstrativas, o que

gerou em mim uma inquietude e um desejo de investigar como se dá o processo

ensino-aprendizagem deste conteúdo com alunos cegos, no espaço de educação

formal.

Assim sendo, antes de iniciar a pesquisa, surgiu a primeira indagação com os

estudantes cegos participantes da pesquisa sobre o uso de material concreto para o

estudo da célula na aula de biologia em sua classe regular. Numa entrevista prévia,

47

não incluída na análise de dados, foi apresentado aos estudantes o modelo

bidimensional da célula simplificada, fotografada acima, com o intuito de realizar

uma sondagem. Diante da inexistência de qualquer tipo de material didático

adaptado semelhante utilizado por eles, foi planejada a criação de uma célula

bidimensional tátil com mais detalhamento de suas estruturas celulares. As

estruturas celulares seriam também representadas em textura e em relevo para uma

melhor compreensão da célula, uma vez que os alunos mostraram pouco

entendimento da mesma apenas com a explicação teórica na aula de biologia. Além

disso, os estudantes manifestaram o desejo de contato com modelos similares para

ajudá-los na compreensão e na formação da imagem tátil da célula.

Para a confecção do modelo artesanal bidimensional tátil, também foram

utilizados materiais simples, porém o tamanho do modelo foi aumentado em relação

ao modelo utilizado na sondagem, pois neste estariam representadas as principais

estruturas celulares. Além disso, a legenda em Braille ocupa um espaço significativo

na montagem e, para facilitar a compreensão, deveria vir acompanhada de uma

amostra da textura correspondente a cada estrutura celular legendada. Todas essas

informações são importantes para o aluno reconhecer pelo tato, as estruturas

celulares e tornar mais fácil a sua identificação ao toque. Com todas as medidas

calculadas para essas informações, foi definido o espaço à esquerda do modelo e o

espaço restante foi delimitado por um elástico correspondendo à membrana celular

no modelo.

Depois de pronto e antes de apresentá-lo aos estudantes que seriam

entrevistados, o modelo tátil da célula foi avaliado pelo professor Juarez8 do Instituto

São Rafael para que ele apontasse os erros na escrita em Braille e sugerisse

possíveis alterações para a melhoria do mesmo. Depois desse procedimento e de

sua aprovação, marcamos a data da entrevista com cada aluno para iniciarmos a

primeira fase da pesquisa. A sala de apoio do Instituto São Rafael, foi o local

escolhido pelos estudantes para a realização das entrevistas, no entanto, a escola

regular, constitui o espaço de educação formal. A escolha deste local favoreceu o

andamento da pesquisa, por não comprometer as atividades escolares diárias dos

8 Presidente da Associação de amigos do Instituto São Rafael. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas e Pós-graduadas em Educação Especial pela Ferlagos - R J. Licenciado pela (Fundação de Educação para o Trabalho de Minas Gerais (UTRAMIG) em Belo Horizonte - BH). Professor concursado pelo Estado de Minas Gerais, lotado no Instituto São Rafael.

48

alunos participantes.

Vale ressaltar que a idéia da apresentação do modelo bidimensional tátil aos

alunos cegos incidiu no reconhecimento da importância deste material concreto e no

distanciamento dos alunos com material palpável, no processo de ensino e

aprendizagem da célula.

O modelo artesanal bidimensional da célula, apresentado aos alunos

entrevistados, passa a ser descrito detalhadamente.

A célula foi representada por um papelão ondulado com 30,0 cm de largura e

33,0 cm de comprimento e adaptada sobre um papel cartão de 33,0 cm de largura e

47,0 cm de comprimento que lhe serviu de base e apoio. A disposição das estruturas

celulares, legendadas em Braille, apresentava a seguinte ordem de cima para baixo:

01- membrana celular: representada por um fio elástico de 0,5 cm de

diâmetro, percorrendo toda a extensão externa da célula;

02- retículo endoplasmático rugoso: representado por um barbante em

ziguezague com nós identificando os ribossomos;

03- retículo endoplasmático liso: barbante em ziguezague sem os nós;

04- citoplasma: representando por papelão ondulado;

05- sistemas Golgiense (ou de Golgi): representados por dois balões de

borracha vazios e superpostos, tendo abaixo duas vesículas de secreção

representadas com as bordas (biquinhos dos balões cortados);

06- mitocôndria: cartolina cortada em forma de grão de feijão com 8,5 cm no

maior comprimento, envolvida por uma membrana representada por um fio elástico

de 0,5 cm de diâmetro;

07- lisossomo: representado em feltro em forma arredondada de 6,5 cm de

comprimento com alguns apliques de miçangas, identificando as enzimas

digestórias;

08- centríolo: representado por nove miçangas com se estivesse cortada

transversalmente;

09- microtúbulo: representado por um palito cilíndrico de madeira de 0,5 mm

de diâmetro;

10- ribossomos: representado com os nós dos barbantes cortados;

11- membrana nuclear (carioteca): representada com a cola de textura em

relevo com espaçamentos, representando os poros da membrana;

12- nucléolo: representado por lixa grossa de 4,5 cm X 3,5 cm;

49

13- núcleo: representado por uma lixa fina, cortada com 12,0 cm X 8,0 cm.

14- cromatina: representada por fios de cobre finos.

Figura 2: Modelo artesanal bidimensional da célula

Fonte: Material produzido pela pesquisadora apresentado aos estudantes participantes da pesquisa (Instituto São Rafael, set.2007)

Pela descrição do modelo bidimensional, verifica-se que trata de um modelo

bastante simples, portanto, acessível a todo professor desde que use sua

criatividade e vontade em atender às necessidades educativas dos alunos cegos na

aula de biologia, no estudo da célula. Essa simplicidade indica a complexidade do

conhecimento da célula e de suas estruturas celulares, já que os mais importantes

fenômenos fisiológicos dos organismos ocorrem em nível celular. Isso pode ser

evidenciado pelas falas dos alunos em entrevistas gravadas no momento que

tiveram contato com o modelo bidimensional tátil e descreviam o modelo.

As descrições das estruturas celulares, no modelo bidimensional,

apresentadas nesta pesquisa, constituíram os dados necessários para a análise do

material construído.

O diagrama representa as percepções dos alunos no contato com o modelo

bidimensional tátil da célula e foram analisadas pela descrição do modelo e pela

metodologia docente.

50

Figura 3: Diagrama das percepções dos alunos Fonte: Dados da pesquisa/2008

A percepção do aluno cego, diante do modelo, foi analisada no deslocamento

de suas habilidades sensoriais ao tatear as estruturas celulares.

Na descrição do modelo bidimensional tátil, o aluno demonstrou bem-estar ao

compreender e ao identificar as estruturas celulares e mal-estar diante da

inexistência de qualquer material concreto na aula de biologia na classe regular.

Quanto à metodologia empregada, manifestou bem-estar diante do contato com o

modelo; percepção de mal-estar antes do contato com o mesmo.

Essas percepções foram detectadas por meio dos relatos dos alunos ao

tatear o modelo artesanal bidimensional da célula.

Aluno T: O contorno da célula, a membrana celular ficou mais fácil de “ver” neste modelo. Consigo perceber as formas das diferentes estruturas celulares, principalmente do retículo rugoso e liso, que difere um do outro pela presença ou ausência dos ribossomos aderidos à sua parede e estão representados com nós dados no barbante.

PERCEPÇÕES: O que dizem os investigados

Descrição do material didático (modelo)

Metodologia Docente

Bem-estar diante do modelo didático

Bem estar Mal-estar Mal-estar

Inexistência de modelo

Antes modelo Diante do modelo Descrição do modelo

Deslocamento para habilidades sensoriais

51

As variações existentes na parede dos retículos endoplasmáticos (liso e

rugoso), perceptíveis ao toque, constituem um elemento fundamental para melhor

compreensão da funcionalidade dessas estruturas, confirmando a percepção pelo

deslocamento da habilidade sensorial para as mãos do aluno ao tocar essas

estruturas.

Aluno U: Neste modelo, pude perceber o núcleo separado do citoplasma pela membrana nuclear. Ela apresenta poros que “vi” pelos espaços da textura em relevo. Compreendi que os poros permitem a passagem do material do núcleo para o citoplasma. O citoplasma é bem grande e as estruturas estão todas espalhadas no seu interior.

Pela textura em relevo, foram identificados os poros da membrana nuclear e

houve associação da estrutura com a sua função na célula: as trocas entre o

citoplasma e o núcleo. O transporte de substâncias se dá através dos poros, que

correspondem no modelo aos espaços circunscritos ao redor do núcleo celular.

Aluno V: Não tive material concreto para “ver” a célula, se tivesse tido, compreenderia melhor a posição das estruturas na célula e suas diferentes formas. O retículo endoplasmático rugoso está bem próximo do núcleo.

Na descrição do modelo da célula, o aluno manifestou bem-estar diante do

mesmo, pois diz que a aprendizagem foi facilitada no contato com o modelo

concreto. Além disso, explicitou a compreensão da função desempenhada por esta

estrutura que apontou como sendo de transporte de substância no interior da célula.

Aluno X: A membrana celular neste modelo é bastante evidente e percebo que ela contorna toda a célula e assim a protege. Dentro, existe um espaço bem grande que é o citoplasma e nele existem várias estruturas celulares com diferentes texturas. Os ribossomos estão representados pelos nosinhos de barbante grosso e no centro do citoplasma “vejo” o núcleo com o nucléolo dentro. Dá para “ver” tudo direitinho.

Na descrição do modelo, o aluno demonstrou bem-estar e satisfação no

contato com o concreto e diz “ver”, associando a estrutura e sua função bem como

a posição da mesma dentro célula. Demonstrou também a satisfação ao identificar

a estrutura pela sua textura.

Aluno Z: O complexo de Golgi apresenta uma textura fácil de perceber que tem vesículas abaixo, que servem para armazenar substâncias. O centríolo ficou mais fácil compreender e está formado por nove bolinhas e tem a função de formar as fibras que arrastam os cromossomos para os pólos da

52

célula na divisão celular. Eu não entendi quando a professora explicou na aula de biologia, agora sei como são.

Pela fala do aluno, verificamos que houve bem-estar ao contato com o

modelo. Foi possível compreender e associar a função com a forma da estrutura

pela percepção tátil, o que certamente contribuiu para a representação mental da

célula. Além disso, demonstrou insatisfação pela inexistência de material adaptado

similar na sua aula de biologia na escola regular.

Aluno W: “Neste modelo, compreendi melhor o que a professora ensinava no quadro enquanto desenhava para os meus colegas e eu tentava imaginar o que ela desenhava. Agora “vi” o núcleo com o nucléolo e o citoplasma com a membrana celular revestindo o lisossomo com enzimas dentro”.

Na fala deste aluno, verificamos que ele estabeleceu um parâmetro entre a

metodologia docente antes e depois do contato com o modelo. Demonstrou

satisfação diante do mesmo e apontou a compreensão da localização das

estruturas no interior do citoplasma e do núcleo.

Aluno Y: Percebo que o citoplasma não tem um aspecto de gel, como disse a minha professora, mas não seria possível dar esta consistência no modelo, porque seria muito difícil colocar algo gelatinoso no espaço, representando o citoplasma. Dá pra “ver” que o núcleo é central na célula e tem o nucléolo dentro. Já aprendi na aula de biologia que o núcleo é rico em proteínas e DNA. E o nucléolo é rico em proteínas e RNA. A célula representada no modelo é retangular. Eu sempre imaginei que fosse redonda ou oval.

O aluno estabeleceu uma relação entre a fala do professor e a limitação do

modelo, isso demonstra a sua capacidade de análise diante do material concreto,

além de manifestar bem-estar ao descrevê-lo. Ficou também evidente sua

representação mental da célula.

Para melhor compreender a representação do modelo bidimensional pelos

estudantes, categorizamos as entrevistas no Quadro 1 abaixo.

53

MODELO BIDIMENSIONAL

ALUNO T Ver; percepção tátil;

ALUNO U Percepção tátil; textura; compreensão.

ALUNO V Ver; compreensão; textura.

ALUNO X Ver; compreensão; textura.

ALUNO Z Textura; percepção tátil; compreensão.

ALUNO W Compreensão; ver; imaginação.

ALUNO Y Percepção tátil; ver; imaginação; representação mental.

Quadro 1: Modelo bidimensional e as categorias das falas dos alunos entrevistados Fonte: Dados da pesquisa/2008

As categorias, registradas na identificação das estruturas celulares pelos

alunos, assinalam que a categoria “ver” aparece em todas as falas ao contato com o

modelo bidimensional tátil. Podemos analisar que na aprendizagem, quando ocorre

com o concreto, os seus resultados são maximizados. Aprender com materiais

concretos implica tocar, pois é com as mãos que se tem a possibilidade de enxergar.

O aluno cego, como qualquer outro aluno, necessita entender o conteúdo e não

apenas absorvê-lo e, para isso, precisa tocar para fazer a sua representação mental.

A percepção tátil para estudantes cegos é fator imprescindível para que

obtenham o máximo de informações e compreensão do seu entorno e isso só é

possível quando em contato com o concreto e palpável.

A percepção tátil para eles assume o papel dos olhos nos videntes. Desse

modo, não é difícil conceber que imagem tátil, formada a partir do contato com o

modelo artesanal bidimensional tátil, favoreceu uma melhor compreensão da célula

e de suas estruturas, uma vez que constituiu um elemento de aproximação dos

inúmeros recursos visuais, disponibilizados aos alunos videntes no processo ensino-

aprendizagem deste conteúdo.

De acordo com as análises das falas dos entrevistados, foram identificadas

palavras que remetem à compreensão; imaginação; “ver”; textura; percepção tátil e

representação mental. A palavra “ver”, que aparece com mais freqüência, denota a

importância da percepção tátil e do concreto, quando não possível a comunicação

via imagem visual.

A partir dos depoimentos dos estudantes entrevistados e de pessoas que lidam

diretamente com esses estudantes, houve a constatação de que o material didático

concreto, com desenhos e imagens táteis em relevo, pode auxiliar o processo

54

ensino-aprendizagem e, muitas vezes, é negada essa possibilidade a este público

de estudantes.

Podemos verificar a importância do concreto para aqueles que não enxergam

com os olhos, mas sim pelo toque de suas mãos, pelo depoimento do responsável

pelo setor de produção de materiais do Instituto São Rafael, que em entrevista nos

diz:

a percepção tátil em textura serve como avaliador de materiais pedagógicos, principalmente nos desenhos e figuras bidimensionais em relevo, como gráficos, mapas, diagramas, materiais de ciências com legendas em Braille. Qualquer artefato como um ponto de cola nas montagens de materiais didáticos adaptados, pode confundir com um símbolo em Braille, levando a uma interpretação errônea do que se pretende demonstrar.

Diante do exposto, não podemos ignorar que o acesso a materiais concretos,

especialmente nas aulas de biologia, é de fundamental importância para os alunos

que não enxergam. Através desse contato, os estudantes se beneficiam na

aprendizagem de diversos conteúdos e no caso específico desta pesquisa, no

estudo na biologia celular, cujas informações são quase exclusivamente visuais,

sendo, portanto, desejável que, no espaço de educação formal, o professor atente a

esse fato, buscando alternativas facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem

na classe inclusiva com alunos cegos.

Ao darmos continuidade ao trabalho de aprendizado da célula e de suas

estruturas os alunos, foram levados a um espaço de educação não-formal de

aprendizagem, utilizando outro tipo de modelo concreto, os modelos tridimensionais,

conforme será apresentado no capítulo seguinte.

Todos aprendem, mas é preciso saber ensinar. (Estudante anônima)

56

3 O MODELO TRIDIMENSIONAL TANGÍVEL DA CÉLULA E DE S UAS

ESTRUTURAS CELULARES NO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO NÃO FOR MAL

As reformas educacionais brasileiras da década de 1990 visam a organizar e a

assegurar condições para que os estudantes de fato aprendam o que lhes foi

ensinado em suas escolas. Nesse cenário de mudança, o processo de

aprendizagem passa a ser visto para além da escolarização, ocorrendo ao longo da

vida do indivíduo.

A aprendizagem em outros espaços institucionais, que não a escola,

considerados extra-escolares, passa a contribuir com suas especificidades, para

uma educação mais ampla e atualizada, acessível e democrática.

Na educação no terreno das ciências evidencia-se um notável crescimento de

museus e instituições similares nos últimos 20 anos no Brasil e no exterior. A

educação, nesses espaços, quase de maneira consensual, passa a ser entendida

como um processo marcado por uma enorme liberdade, cheio de novidades e

atrativos (COLINVAUX, 2002, p.1).

Posto isso, passamos a descrever o segundo momento da pesquisa no

Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva, do Museu de Ciências Morfológicas –

MCM, da Universidade Federal de Minas Gerais, considerado na pesquisa como

espaço não-formal, pois visa à revitalização do ensino de ciências e ultrapassa o

conceito de centro de visitação, pois tem uma função educativa, voltada a um ensino

individualizado, auto-instrutivo, destinado a grupos particulares da população, neste

caso, a alunos cegos.

Segundo Ribeiro (2007), a partir da década de 1990, programas de inclusão

sócio-educacional vêm ganhando visibilidade e apoio na sociedade. A

responsabilidade com a questão da inclusão social é abordada nos museus e, nesse

contexto, a autora afirma que estamos vivendo um momento de transição

paradigmática.

O Museu de Ciências Morfológicas (MCM), do Instituto de Ciências Biológicas

(ICB), da Universidade Federal de Minas Gerais, vem por meio de seus acervos e de

suas exposições, difundindo a memória científica, dando oportunidade às pessoas

para se conhecer, de maneira interativa, aquilo que comumente se via apenas nos

livros, dentro das salas de aula ou vinculado à mídia.

57

O enfoque central do Museu de Ciências Morfológicas é o homem e sua

principal função é ser um espaço dinâmico e interdisciplinar de produção e difusão

científica, de educação não-formal, que visa à revitalização do ensino de ciências e

à construção conjunta com a comunidade de uma nova consciência sobre a saúde e

a preservação da vida.

Dentre os projetos desenvolvidos no Museu, o que vem ao encontro ao

público alvo da pesquisa é o projeto “A célula ao alcance da mão”, que promove a

inclusão de pessoas com deficiência visual no ensino de ciências e possibilita o

conhecimento do organismo humano pela percepção tátil dos estudantes ao

tatearem os modelos.

Segundo Ribeiro (2007), o projeto teve origem nas práticas de Citologia e

Histologia, com a entrada de um aluno cego no curso de Fisioterapia. O resultado

anos após foi a criação de uma Coleção de Modelos em gesso e resina plástica,

tridimensionais e em relevo, que fazem parte do acervo do Laboratório de Pesquisa

e Educação Inclusiva, do Museu de Ciências Morfológicas, e visa atender às

pessoas deficientes visuais, embora toda a coleção seja de uso universal. As

atividades desenvolvidas com estudantes deficientes visuais neste laboratório visam

estabelecer um elo no processo de ensino-aprendizagem do organismo humano,

ministrado no espaço de educação formal.

Figura 4: Vista do Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

58

O processo de aprendizagem da célula, pelo aluno cego, demanda

adaptações, pois privado do sentido da visão, ele precisa de material concreto e

palpável para formar a imagem tátil e assim pode construir sua representação

mental. Desta maneira, o aprendizado torna-se significativo, passando a fazer

sentido para o aluno, pois, sem essa significação, o aluno simplesmente memoriza,

sem contextualizar o seu aprendizado.

Os modelos concretos constituem recurso pedagógico alternativo no processo

de ensino e aprendizagem da célula, pois o aluno, ao tatear esses modelos,

consegue por meio do tato, reconhecer a forma, o tamanho, o número e a posição

das estruturas celulares. Vale ressaltar que os modelos constituem recurso didático

de apoio de aprendizagem para todos os alunos, independentemente de ter ou não

restrição sensorial, pois o material é acessível a todos os alunos indistintamente.

Nos modelos tridimensionais, algumas estruturas são mais facilmente

compreendidas pelo tato, isso se verifica pela fala de um dos alunos ao fazer a

descrição da mitocôndria em corte, quando diz que: “percebo a forma da mitocôndria

e “vejo” que ela apresenta dupla membrana. A membrana interna limita a matriz

mitocondrial, isto só foi possível de “ver” neste modelo tridimensional”.

Em entrevista gravada no dia 07 de novembro de 2007, a diretora do Museu de

Ciências Morfológicas da UFMG, a professora Drª. Maria das Graças Ribeiro relatou-

nos que:

o primeiro contato que tiveram com aluno cego foi em 1989 com a entrada de um aluno cego na Universidade Federal de Minas Gerais na área de saúde no curso de Fisioterapia. Para ele acompanhar as aulas práticas, foi preciso a criação de desenhos em alto relevo, peças em cortiça e outros materiais alternativos para lhe dar uma noção mais concreta do que se pretendia mostrar nas aulas práticas, aos alunos videntes. A partir desta primeira experiência, sentiram-se motivados a ampliar o projeto no Museu de Ciências Morfológicas - MCM e buscar parcerias e meios para desenvolver modelos/peças que revelassem pelo toque as estruturas celulares humanas. Com isto, os alunos com deficiência visual poderiam reconhecer, tocar, identificar e comparar as estruturas construindo sua aprendizagem. O que se verifica efetivamente no Laboratório de Pesquisa e Educação inclusiva do MCM, que a aula se torna mais atraente, agradável com a utilização dos modelos tridimensionais, especificamente para os deficientes visuais, para os quais é mais concreta.

No Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva do Museu de Ciências

Morfológicas da Universidade Federal de Minas Gerais os alunos, ao contato com

modelos tridimensionais táteis, fizeram o detalhamento das estruturas celulares,

permitindo uma aprendizagem significativa da célula e de suas estruturas, uma vez

59

que as novas informações ancoram-se nos conceitos relevantes já existentes na

estrutura cognitiva do aluno. Logo, fazendo sentido para o aluno.

Os modelos tridimensionais táteis estão disponíveis no Laboratório de Pesquisa

e Educação Inclusiva do MCM, tendo sido utilizados os seguintes modelos para os

alunos tatearem:

- célula em corte:

Figura 5: Célula em corte Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Figura 6: Contato tátil com o modelo da célula em corte Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

60

Figura 7: Leitura tátil da legenda em Braille da célula em corte

Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Ao tatear o modelo da célula isolada em corte, o aluno descreveu a sua

compreensão da mesma e diz:

a membrana celular reveste toda a célula e sua textura bastante lisa é diferente da textura do citoplasma que parece uma gelatina e me dá uma sensação agradável ao tocar. No citoplasma, “vejo” as estruturas, centríolo, mitocôndria, retículo endoplasmático liso e rugoso, lisossomos, complexo de Golgi. O núcleo tem uma membrana com poros bem visíveis e através deles entram e saem substâncias. “Vejo” que o retículo endoplasmático rugoso está cheio de bolinhas na sua parede e estas bolinhas representam os ribossomos, que têm a função de sintetizar as proteínas. A função do retículo é fazer o transporte intracelular, e este transporte se dá por essa rede de canais. O nucléolo está dentro do núcleo e a cromatina são esses fios finos que contêm o material genético da célula. O núcleo está próximo da parte mediana da célula.

As observações feitas, a partir da percepção tátil do aluno, demonstram que o

modelo tridimensional possibilitou a ampliação da compreensão da célula de forma

significativa, levando o aluno ao entendimento da célula como unidade morfológica e

fisiológica dos seres vivos.

- Organelas Celulares Isoladas:

- Retículo Endoplasmático Rugoso (em corte), com sua descrição didática e

impressa em tipográfico e braille, a ser tateada pelo aluno:

61

Figura 8: retículo endoplasmático rugoso (em corte)

Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

O Retículo Endoplasmático Granuloso (granular ou rugoso) constitui um

sistema de túbulos achatados com ribossomos aderidos à membrana, que lhe

conferem um aspecto granular. Sua principal função é a síntese protéica, sendo que

as proteínas produzidas poderão ou não ser enviadas para o exterior das células. É

também denominado de ergastoplasma. É uma organela muito desenvolvida em

células que têm a função secretora. É o caso, por exemplo, das células do pâncreas,

que secretam enzimas digestivas, e também o das células caliciformes da parede do

intestino, que secretam muco (LOPES; ROSSO, 2007. p.79).

Ao tatear esse modelo, verificamos que o aluno teve uma compreensão da

forma e do posicionamento da estrutura dentro da célula. Ao descrever a morfologia

da estrutura, ele associou a função conforme o relato:

neste modelo é bem fácil de “ver” a rede de canais que formam o retículo endoplasmático rugoso, ou granular, com ribossomos aderidos à sua parede, por isso podem sintetizar as proteínas, que são sustâncias que compõem aproximadamente 10% do corpo dos organismos vivos. Isso aprendi na aula de biologia na minha escola.

Esse relato demonstra que o aluno associou um conhecimento prévio á

estrutura celular, reconhecendo-a pelo toque ampliando o entendimento da estrutura

- função da mesma.

- Complexo de Golgi (completo e em corte), com a descrição didática em

tipográfico e braille, a ser tateado pelo aluno:

62

Figura 9: Complexo de Golgi Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Figura 10: Complexo de Golgi (em corte) Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

O Complexo de Golgi ou Golgiense é um sistema de membranas saculares

“empilhadas”, encontrado em uma grande variedade de células. Localiza-se

geralmente próximo ao núcleo e ao retículo endoplasmático granuloso. As proteínas

sintetizadas no retículo granuloso chegam, por meio das vesículas de transporte, ao

Complexo Golgiense onde são modificadas e liberadas. Sua liberação pode ocorrer

através de grânulos de secreção, que liberam o seu conteúdo para o exterior da

célula pelo processo de exocitose, ou através dos lisossomos, responsáveis pela

digestão intracelular. O Complexo Golgiense é mais desenvolvido nas células

63

secretoras, sendo sua função a modificação e a eliminação dessas secreções. Essa

organela produz também alguns tipos de polissacarídeos, como exemplo, os

carboidratos das glicoproteínas (LOPES; ROSSO, 2007. p.79).

No relato, ao contato com esse modelo, o aluno diz:

no Complexo de Golgi as vesículas de secreção estão bem “nítidas”. As vesículas servem para armazenar substâncias no seu interior e depois liberadas à medida que a célula necessitar. O complexo de Golgi também modifica as proteínas sintetizadas pelo retículo endoplasmático rugoso. Está também associado à formação dos acrossomos dos espermatozóides.

Pelo relato, verificamos que o aluno já trazia consigo um conhecimento prévio

sobre as funções do Complexo de Golgi, possivelmente adquirido na aula de

biologia, no espaço de educação formal e, assim, ao contato com o modelo

transcreveu este conhecimento.

- Mitocôndria: com a descrição didática impressa em tipográfico e braille, e o relato

do aluno:

Figura 11: Mitocôndria fechada e em corte Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

A Mitocôndria é a organela responsável pela respiração celular aeróbica. O

conjunto das mitocôndrias de uma célula recebe o nome de condrioma. Seu número

varia de acordo com a atividade metabólica de cada célula do organismo. Essa

organela apresenta-se usualmente em forma de bastonetes e é revestida por dupla

membrana lipoprotéica: uma externa - lisa e contínua - e outra interna, que

64

apresenta invaginações, formando as cristas mitocondriais. Essas cristas delimitam

a matriz mitocondrial, rica em enzimas participativas do processo de respiração

celular. Imersos na matriz podem ser também encontrados grânulos densos, que

apresentam principalmente acúmulo de íons cálcio e magnésio; ribossomos

chamados mitorribossomos, menores que os ribossomos citoplasmáticos; além de

moléculas de DNA e RNA (LOPES; ROSSO, 2007. p.82 -83).

Em recortes de relatos dos alunos, ao contato com este modelo, eles dizem:

a Mitocôndria tem uma membrana interna e outra externa e entre elas “vejo” que existe um espaço, que é a cavidade, a matriz mitocondrial. Na membrana interna dá para “ver” as dobras, que são as cristas mitocondriais que têm no seu interior enzimas respiratórias. Na Mitocôndria, ocorrem os processos respiratórios e transformadores de energia para a célula. A quantidade de energia gasta na célula está diretamente relacionada com a quantidade de Mitocôndria que ela tem, por exemplo, aprendi na aula de biologia, na minha escola, que o fígado tem um número grande de Mitocôndria e isso está relacionado à grande atividade deste órgão no organismo, e quanto maior o metabolismo do órgão maior é a quantidade de Mitocôndria dentro do órgão.

Os relatos apontam o conhecimento prévio da estrutura celular e, por meio

desse conhecimento, houve melhor entendimento da morfologia dessa estrutura e

de sua importância no metabolismo orgânico.

- Retículo Endoplasmático Liso (em corte): com a descrição didática em

tipográfico e braille, e o relato após ser tateado pelo aluno:

Figura 12: Retículo endoplasmático liso (em corte) Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

O Retículo Endoplasmático não-granuloso (liso ou agranular) é um sistema de

túbulos cilíndricos, sem ribossomos aderidos à membrana. Participa da síntese de

65

esteróides, fosfolipídios e outros lipídios, como o colesterol. Essa organela atua na

degradação do álcool ingerido em bebidas alcoólicas. É uma organela abundante

em células do fígado e das gônadas (LOPES;. ROSSO, 2007. p.78-79).

No relato, o aluno diz: “no Retículo Liso “vi” que não tem Ribossomos

aderidos à sua parede e que é uma rede de túbulos bem diferente do Retículo

Endoplasmático Rugoso, que são formados por um conjunto de bolsas achatadas”.

Por esse relato, verificamos que houve uma identificação e uma diferenciação

dos tipos de retículo pela percepção tátil no modelo tridimensional. Possivelmente,

essa distinção não foi propiciada na aula expositiva do professor de biologia, pois o

uso de material concreto adaptado possibilita ao aluno cego fazer suas abstrações.

- Lisossomo (em corte) em tipográfico e braille; descrição didática e relato ao ser

tateado pelo aluno:

Figura 13: Lisossomo (em corte) Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Os lisossomos são pequenas vesículas membranosas que possuem em seu

interior grande quantidade de enzimas que realizam a digestão intracelular. A

presença das enzimas digestivas no interior dos lisossomos determina suas funções

heterofágica e autofágica. A heterofagia constitui o processo de digestão das

partículas incorporadas pelas células, por fagocitose ou pinocitose. Os resíduos

produzidos pelo processo digestivo são temporariamente armazenados para, em

seguida, serem eliminados pela célula por um processo denominado clasmocitose. A

autofagia, por sua vez, caracteriza-se pela digestão de estruturas citoplasmáticas

que não estão mais realizando suas funções corretamente, contribuindo, assim,

para a constante renovação celular. (LOPES; ROSSO, 2007. p.79-80).

66

Ao contato com esse modelo, verificamos a compreensão da função de

digestão da mesma, conforme a fala do aluno:

o lisossomo aparece como uma pequena bolsa redonda e dentro da célula, dentro desta bolsa, ficam as enzimas e quando esta bolsa se rompe ela libera as enzimas digestivas. Na metamorfose do girino, sua cauda é destruída por essas enzimas existentes na sua cauda, isto foi explicado pela minha professora na aula de biologia na minha escola.

Esse relato aponta-nos o significado do conhecimento prévio adquirido,

levando o aluno a ressignificar a aprendizagem e ampliar o conhecimento.

- Centríolo; descrição didática em tipográfico e braille, e relato ao ser tateado

pelo aluno:

Figura 14: Centríolo Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Os centríolos são estruturas que aparecem aos pares nas células, dispostos

perpendicularmente entre si e localizam-se próximos ao núcleo. Cada centríolo é

uma estrutura cilíndrica, composta de nove pares de três microtúbulos protéicos.

Apresentam como funções a organização do citoesqueleto, a organização de cílios e

flagelos, e participação no processo de divisão celular (LOPES; ROSSO, 2007.

p.76).

Relato do aluno ao contato com o modelo:

O centríolo é bem diferente neste modelo e é bem grande, dá para “ver” os microtúbulos, formando um conjunto de nove pares. O centríolo está ligado à formação do fuso mitótico na hora que a célula está se dividindo e arrasta os cromossomos na mitose, para cada pólo da célula mãe.

67

Esse relato mostra-nos que o aluno transpôs o conhecimento de sua aula de

biologia ampliando, assim, o entendimento da estrutura-função.

- Núcleo Celular:

Figura 15: Núcleo Celular com corte parcial Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

O núcleo celular é geralmente arredondado e apresenta-se revestido por uma

dupla membrana de espessura variável, que é interrompida por poros que

possibilitam o intercâmbio entre o núcleo e o citoplasma. As células, normalmente,

são mononucleadas, o que parece implicar maior eficiência e economia do

empacotamento do material genético. Por armazenar esse material, a função do

núcleo relaciona-se com o controle de todos os processos celulares. No seu interior

observa-se a presença da cromatina, estrutura formada por fios delicados, contendo

DNA - o material genético da célula. O núcleo abriga também um corpúsculo denso,

o nucléolo, não delimitado por membrana, área de intensa síntese de ácido

ribonucléico ribossômico. Essa síntese ocorre em regiões de determinados

cromossomos, que contêm os genes para síntese de RNAr. Logo após sua síntese,

o RNAr associa-se a proteínas, formando grãos de ribonucleoproteínas, que

compõem os ribossomos (LOPES; ROSSO, 2007. p.105).

No contato com o modelo do núcleo celular, destacamos os seguintes

relatos de alunos:

68

Compreendi como são os cromossomos dentro do núcleo. Nesta célula, eles estão finos porque a célula não está dividindo, aparecem então como finos filamentos de cromatina dentro do núcleo. O núcleo é bem grande e seus poros são bem “nítidos”, por eles passam material para o citoplasma, e “vejo” que a cromatina é fina e o nucléolo está bem definido.

Nesse relato, verificamos o entendimento do aluno em relação aos estágios

dos cromossomos, tanto na interfase (fase representada) como no processo de

divisão celular, em que a cromatina, se torna mais condensada. Demonstra a

capacidade de o aluno em associar a forma ao ciclo de vida da célula.

Acrescentando as descrições nos relatos, registramos as falas dos

entrevistados ao estabelecerem o paralelo entre os dois modelos: bidimensional e

tridimensional que passamos a descrever:

Aluno T: No modelo tridimensional - Mitocôndria (em corte) “percebo” as duas membranas: uma externa mais lisa e a outra membrana interna cheia de reentrâncias (dobras) formando as cristas mitocôndrias. No contorno da membrana interna, “percebo” a cavidade da matriz mitocondrial. A Mitocôndria - fechada tem as bordas arredondadas e parece um grão. No modelo bidimensional, isto não “vi” porque a Mitocôndria estava representada num só plano e fechada, portanto, não deu pra “ver” as membranas internas e externas com as cristas mitocondriais com as dobras da membrana interna. Aluno U: “No modelo tridimensional: a célula (em corte) o núcleo aparece aberto e “percebo” a posição que ele fica no citoplasma”. Tem também os finos filamentos de cromatina dentro dele. “No modelo bidimensional - isto não foi “visto” porque estava fechado e apenas com o nucléolo estava dentro e com uma textura diferente do núcleo” Aluno V: “No modelo tridimensional - o citoplasma aparece com uma textura lisa dá a sensação agradável de gelatina”. “A membrana fica em toda a circunferência da célula e protege a célula”. “A membrana celular apresenta aspecto emborrachado e cobre toda a extensão da célula, dá para “ver” que é o revestimento externo da célula”. “No modelo bidimensional o citoplasma não tinha essa consistência de gelatina, mas “percebi” que era revestido externamente pela membrana celular, que contornava toda a extensão da célula”. “No centríolo dá para “ver” a sua formação com nove pares de microtúbulos, bem fácil de “imaginar” quando representado no modelo tridimensional isolado”. Aluno X: No modelo tridimensional, o retículo endoplasmático rugoso (em corte) apresenta como uma rede de membranas com os ribossomos aderidos à sua parede. O retículo liso, sem os ribossomos na parede, nesta rede de membranas extensas ele armazena enzimas que são proteínas. No retículo endoplasmático liso (em corte) percebo que é todo formado por rede de membranas com aspecto enovelado e não “vejo” os ribossomos aderidos a sua parede. No modelo bidimensional, também foi possível “vê” os ribossomos junto à parede do retículo endoplasmático rugoso.

69

Aluno Z: No modelo tridimensional, compreendi o Complexo de Golgi com suas vesículas de secreção, bem redondinhas e “visíveis” e dá para imaginar que ele pode armazenar a secreção dentro destas vesículas e depois secretar. No modelo bidimensional, também compreendi o Complexo de Golgi com suas vesículas. Aluno W: no modelo tridimensional, a membrana celular é muito lisa e o citoplasma tem a textura bem gelatinosa dá para “ver” e “imaginar” a célula pelo tato. No modelo bidimensional, a textura do citoplasma não parecia um gel e sim um material de textura mais sólida e grossa e revestida pela membrana célula. Aluno Y Se tivesse tido a oportunidade de estudar com estes modelos, com certeza, teria menos dificuldade para “imaginar” a célula e suas estruturas, pois é difícil a gente fazer uma representação mental sem ter contato com algo concreto como este. O que foi explicado oralmente pela professora na aula de biologia ficou mais fácil de “ver” agora no modelo tridimensional da célula isolada (em corte).

Esse último relato remete-nos ao art. 59, da LDBN 9394/96, que afirma que

os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais

professores com especialização adequada em nível médio ou superior para

atendimento especializado. (BRASIL, apud CAIADO, 2006, p. 110).

Nesse sentido, entendo que a inclusão de aluno cego na escola regular deve

ser acompanhada de educadores comprometidos, visando a uma inclusão de fato,

de qualidade e com a utilização de recursos didáticos pedagógicos adaptados.

Assim, buscam-se alternativas para atender os alunos com necessidades educativas

especiais que, no caso especifico da pesquisa, foi o aluno cego.

Os diferentes relatos, ao contato dos alunos com os modelos tridimensionais,

revelaram que a compreensão da célula e de suas estruturas foi maximizada com o

acesso ao material concreto adaptado, possibilitando uma ampliação dos

conhecimentos já adquiridos nas aulas de biologia no espaço de educação formal.

Podemos constatar, ainda pelos relatos, que houve uma ressignificação da

aprendizagem, quando os alunos fizeram associações da forma/função e

estabeleceram uma ligação entre o antes e o depois do contato com os modelos

concretos, demonstrando satisfação e bem-estar e uma aprendizagem

contextualizada.

Pela análise das falas dos alunos entrevistados, foram identificadas palavras

que remetem: compreensão; imaginação; ver; textura; percepção tátil; representação

mental.

70

De acordo com essas categorias, registramos o nível de entendimento nos

modelos tridimensionais táteis, conforme demonstrado no quadro abaixo.

Para melhor compreender a representação dos modelos tridimensionais pelos

estudantes, categorizamos as entrevistas no Quadro 2 abaixo.

MODELO TRIDIMENSIONAL

ALUNO T Ver; percepção tátil; compreensão.

ALUNO U Ver; percepção tátil; compreensão.

ALUNO V Ver; percepção tátil; textura.

ALUNO X Ver, percepção tátil; textura.

ALUNO Z Ver; imaginação.

ALUNO W Ver; textura; imaginação.

ALUNO Y Ver; compreensão da estrutura celular, representação mental.

Quadro 2: Modelo tridimensional pela categoria das falas dos alunos entrevistados Fonte: Dados da pesquisa/2008

Pela análise do quadro, na identificação das estruturas celulares, os alunos

associaram à categoria “o ver” todas as falas nos modelos tridimensionais. Isso

demonstra a importância da percepção tátil, assumindo o papel da visão nos

estudantes cegos. Portanto, não é difícil conceber que a “imagem tátil”, a partir de

um modelo tridimensional, favoreceu a compreensão de um modelo de célula e de

suas estruturas, uma vez que constituiu um elemento de aproximação do que é visto

pelos videntes, possibilitando aos que não enxergam, a aproximação dos inúmeros

recursos visuais disponibilizados aos que enxergam. Com isso, o processo de

ensino-aprendizagem da célula pode ser facilitado por meio dos modelos táteis

também para aqueles que enxergam, pelo toque de suas mãos.

Ao finalizar este trabalho, fica aqui registrado que o processo de inclusão de

alunos com deficiência visual requer criatividade, conhecimento e trabalho do

educador, portanto vai além da tarefa de ensinar. O professor ensina e o educador

aprende com seus educandos.

71

Figura 16: João Ventura, pesquisadora e Wagner Ferreira Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Figura 17: João Ventura Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

72

Figura 18: João Ventura e Wagner Ferreira Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Figura 19: João Ventura e Wagner Ferreira Fonte: Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva da UFMG

Aqueles que são diferentes de mim não me prejudicam, muito pelo contrário, eles me enriquecem. Nossa unidade se fundamenta em

algo mais elevado que nós mesmos - no ser humano. (Saint-Exupéry)

74

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho em questão baseou-se no ensino e aprendizagem da célula e de

suas estruturas por meio de modelos concretos direcionado a alunos cegos. Seu

objetivo foi aprimorar e maximizar a compreensão da célula e de suas estruturas,

valendo de recursos didáticos alternativos, o modelo bidimensional e os modelos

tridimensionais, que ao tateá-los os alunos alcançaram à concretização da célula

Importante ressaltar que a metodologia usualmente empregada pelo o

professor nas aulas de biologia, tanto na teoria como prática, demandam intenso

apelo visual devido ao caráter microscópio da célula. Assim sendo, o professor

lança mão de diversos recursos pedagógicos, todos ricos em imagens e inacessíveis

aos alunos que não enxergam. O desejável é que o professor na condição de

facilitador do processo ensino-aprendizagem, deva valer-se de uma metodologia

adequada, pois para o aluno que não enxerga, a aprendizagem se dá por meio da

integração dos sentidos remanescentes, que se potencializam e se expressam

principalmente através da comunicação falada e tátil e de seus elementos cognitivos

e afetivos preservados.

A importância dos modelos concretos na aprendizagem da célula e de suas

estruturas pode ser percebida durante a apresentação do modelo bidimensional, no

qual, pela fala os alunos manifestaram satisfação ao tocá-lo e compreenderam as

estruturas como verificamos, por exemplo, na descrição de um deles enquanto o

tocava: “compreendi que através dos poros da membrana nuclear as substâncias

podem passar para o citoplasma”. A fala demonstra haver uma concretização no

entendimento da estrutura, a membrana nuclear, acompanhada da compreensão de

uma das funções que desempenha na célula. Outra situação com o modelo

concreto bidimensional: “a presença de nós no retículo endoplasmático corresponde

aos ribossomos e compreendi porque o retículo endoplasmático é responsável

também pela produção de proteínas”. Mais uma vez verificamos a concretização

demonstrada pela fala do aluno ao tatear o modelo associando á estrutura celular

com a uma das funções da mesma na célula.

O mesmo se verifica nos modelos tridimensionais, pela fala dos alunos ao

tatear cada um dos modelos, como “o centríolo formado por nove pares de

microtúbulos, com suas fibras servindo para arrastar os cromossomos para os pólos

75

da célula na divisão celular”. Outra situação: “a membrana interna da mitocôndria é

cheia de dobras que correspondem às cristas mitocondriais que contêm enzimas

respiratórias”. A cavidade interna da mitocôndria corresponde à matriz mitocondrial,

permite a passagem de substâncias diferentes e de moléculas de água, o que faz a

célula aumentar ou diminuir de volume.

Possivelmente estas informações já faziam parte do conhecimento teórico do

aluno e a leitura da legenda auxiliou a identificação das estruturas celulares bem

como o reconhecimento de sua função. Porém o que se deve destacar é que a

concretização destas informações nos modelos ofereceu uma oportunidade concreta

de “visualização” através do tato, já que “as mãos são os olhos” para os que não

enxergam.

O modelo bidimensional da célula apresentado aos alunos no Instituto São

Rafael de Belo Horizonte - MG, confeccionado com materiais bastante simples

constitui um modelo acessível a todo professor/ educador, que se disponha a fazê-lo

e tenha um desejo de incluir aqueles alunos que necessitam de recurso adaptado,

para facilitar o processo de ensino e aprendizagem da célula. A manipulação do

modelo bidimensional proporciona melhoria na compreensão da morfologia

(consistência, forma, tamanho, número, posição) da estrutura celular e com isto, o

aluno estará mais próximo e formar uma representação mental da célula, por meio

da imagem tátil.

Já os modelos tridimensionais apresentados aos alunos no Laboratório de

Pesquisa e Educação Inclusiva do Museu de Ciências Morfológicas da UFMG,

espaço na pesquisa considerado de educação não formal, foram de valiosa

importância, pois permite o processo de ensino e aprendizagem do corpo humano

micro e macroscopicamente. O contato com os modelos tridimensionais da célula,

das organelas celulares, dos tecidos, dos órgãos, de embriões e de fetos humanos,

visa atender os alunos deficientes visuais, nas aulas práticas de ciências/biologia,

empregando uma metodologia específica, importante para a inclusão educacional,

pois amplia a acessibilidade e integra grupos minoritários ou em desvantagens em

suas atividades científico-educativo-sociais. Importante ressaltar que apesar de visar

o atendimento destes alunos, um material didático de uso universal no ensino de

ciências/biologia.

No cenário atual onde se busca uma sociedade inclusiva, faz-se necessária a

busca de recursos alternativos que visem incluir e não simplesmente inserir uma

76

pessoa na nossa comunidade e nos ambientes destinados à sua educação, saúde,

lazer, trabalho. Incluir implica em acolher a todos os membros de um dado grupo,

independentemente de suas peculiaridades; é considerar que as pessoas são seres

únicos, diferentes uns dos outros e, portanto, sem condições de serem

categorizados. Já é tempo de reconhecimento de que todos devem estar juntos, pois

nascemos no mesmo mundo e por isso não há como excluir ninguém.

A saída da inércia e a concretização de uma escola inclusiva requerem

oportunidades de acesso às informações, e para isto, a prática pedagógica do

professor tem de ser acessível a todos os alunos. Desta maneira, o uso de modelos

táteis concretiza a busca da efetivação de uma equiparação de oportunidades,

amenizando possíveis injustiças no âmbito educacional.

Para o aluno cegos sujeito deste estudo, é evidente a necessidade que têm

de materiais concretos, pois através do tato conseguem abstrair conceitos e facilitar

o processo de ensino-aprendizagem em vários conteúdos e em diversas disciplinas,

tendo em vista, que enxergam pelo toque de suas mãos. O tocar para eles

corresponde a elementos cognitivo e afetivo e, a partir da percepção tátil,

conseguem fazer a representação mental de mundo.

Quanto ao meu processo de autoconstrução como pesquisadora, posso dizer

que foi um processo rico e produtivo, embora por vezes difícil. A convivência com a

pesquisa me trouxe para bem próximo pessoas admiráveis, que na falta de visão

foram capazes de reorganizar os outros sentidos demonstrando grande destreza tátil

e capacidade verbal como poderoso referencial perceptivo. Muitas vezes, durante a

convivência, fui tomada por grande emoção surgindo à compreensão de que a união

entre os educadores, a família, a comunidade constitui papel importante na evolução

dessas pessoas especiais, especiais não pela impossibilidade de ver o mundo com

os olhos, mas pela sua lição de vida.

A partir da pesquisa realizada e do reconhecimento das práticas que foram

construídas nos processos de aprendizagem dos sujeitos, fica evidenciada a

questão: como fazer ser respeitada a Declaração de Salamanca, que enfatiza os

conhecimentos e aptidões requeridas para uma boa pedagogia ligada à Educação

Especial a favor das pessoas com deficiências? Que ações docente são necessárias

para transformar condições insatisfatórias para que o aluno cego realize uma

aprendizagem significativa?

77

O processo de aprender abarca questão existencial do homem, uma vez que

se constitui na própria qualidade do ser humano. Devemos pensar sempre no ato de

ensinar e de aprender e desenvolver a habilidade de seguir sempre pensando e

perguntando..., perguntando e pensando... para tentar nos aproximar do homem, da

sua natureza e de seus mistérios. Acredito que pensar a questão educacional é não

fechar o olhar para indagar o que há de especial, em cada caso, em cada situação.

Numa postura aberta e mais holística diante da inclusão, é necessário que nós

educadores repensemos no referencial de aprendizagem que subdisia nosso

trabalho pedagógico com alunos que apresentam necessidades educativas

especiais.

Fica a certeza da necessidade de elaborar e divulgar material didático dirigido

aos alunos com deficiência visual, especialmente aos alunos que apresentam

cegueira total, pois foi constatada a grande carência que têm de material concreto

tátil, facilitador do processo de ensino e aprendizagem, sobretudo no estudo da

célula, que demanda grande apelo visual, pelo seu caráter microscópico.

Admito que o deficiente seja vítima do destino, mas não posso admitir que seja vítima também de nossa indiferença. (John

Kennedy)

79

REFERÊNCIAS

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86

APÊNDICE

87

APÊNDICE 1 - IUBS

Daniel RAICHVARG,

Full Professor, Vice President University of Burgundy

BioEd 2008 General Secretary

to

Sandra CARDINALI

PUC MINAS (Belo Horizonte),

Dear colleague,

06th

of March, 2008

On behalf of BioEd 2008 organizing committee, I am very pleased to

announce that your proposals Teaching biology to blind students : an ethical issue and The

colour and texture influence on the image interpretation in the science learning process – a

pilot study have been accepted in the posters communications sessions. We do accept both

presentations because

of their very peculiar and interesting topic. In case one oral communication couldn’t be held,

we might ask you to choose one of yours. In the near future, you will receive the complete

program. Let me remind you that registration fees, transportation and

accommodation costs are at your own expanse or that of your institution. Looking forward

to seeing you in Burgundy.

Daniel RAICHVARG

BioEd 2008 General Secretary

88

ANEXOS

89

ANEXO 1 - SISTEMA DE ESCRITA BRAILLE

O Braille, inscrito em relevo, é explorado de forma tátil. Sua unidade básica é

a “cela” formada por combinações de pontos em relevo, em uma matriz de 3X2. Para

facilitar sua identificação, os pontos são numerados.

Matriz de seis pontos, que através da combinação de seus pontos, permite a formação de 63 caracteres.

REPRESENTAÇÃO DAS LETRAS DO ALFABETO

a, 1 b, 2 c, 3 d, 4 e, 5 f, 6 g, 7 h, 8 i, 9

j, 0 k l m n o p q r s

t u v w x y z

Matriz “3, 4, 5, 6” para identificação de códigos de numerais. Fonte: Colégio São Francisco, 2007.

90

ANEXO 2 - DECLARAÇÃO

91

ANEXO 3 - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DO USO DE NOME REAL E DA IMAGEM

DOS SUJEITOS DA PESQUISA

92

ANEXO 4 - AUTORIZAÇÃO

Belo Horizonte, 20 de Setembro de 2007.

AUTORIZAÇÃO

Eu, aluno regularmente matriculado regulamente na 1 ª série do Ensino

Médio, disponho a participar da pesquisa com a mestranda Sandra Mara Mourão

Cardinali, sob a orientação do Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira, da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais.

Estou ciente que a pesquisa será realizada em dois momentos, sendo o

primeiro momento na sala de apoio do Instituto São Rafael e no segundo momento

no Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva, do Museu de Ciências

Morfológicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Estou ciente que a minha participação é subsidiar a pesquisa da mestranda

para a elaboração de sua dissertação, da qual sou o principal participador.

Aluno T Aluno U Aluno V Aluno X Aluno Z Aluno W Aluno Y

93

ANEXO 5 - ARTIGO

Ensino de Biologia para estudantes cegos um desafio ético

Dr. Amauri Carlos Ferreira 9 Sandra Mara Mourão Cardinali10

RESUMO

O texto apresenta a aprendizagem de estudantes cegos tendo como foco a morada ética. A compreensão de pertencimento ao mundo faz-se necessária tendo em vista os desafios impostos ao mundo circundante. O tato é a visão para os não videntes que interpretam o mundo com o corpo e que na linguagem cotidiana expressam o verbo ver como forma de compreensão da vida, ou seja, o tato são os olhos dos cegos. É possível ensinar biologia a estudantes cegos? A partir desta indagação esse artigo contempla a aprendizagem da estrutura celular por estudantes cegos em espaços formais e não formais da educação. Entrevistas e depoimentos com estudantes cegos do ensino médio foram utilizados para recolher os dados e analisá-los a partir do conhecimento já constituído pela área de Biologia. O aprendizado complexo da célula se abre à confecção de um recurso didático simples demonstrando que para incluir basta se responsabilizar pelo o outro numa inclusão que por ser um dever deriva direitos que se traduzem em desafios éticos. Apresentamos nesse texto o seguinte caminho: da lógica da inclusão de cegos à morada ética do educador.

Palavras-chave: Ensino de biologia, ética, formação de professores, inclusão.

ABSTRACT

Teaching Of Biology For Blind Students An Ethical C hallenge The text presents the learning of students with a focus on the blind Address ethics. The understanding of belonging to the world it is necessary in view of the challenges posed to the surrounding world. The tact is the vision for non visionaries who interpret the world with the body and that the Language daily express

9 Mestranda no Ensino de Ciências e Matemática, áreas de concentração: Ensino de Biologia da PUCMINAS. 10 Doutor pela Universidade Metodista de São Paulo e professor e orientador da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

94

the verb see as a way of understanding the life, or the tact are the eyes of the blind. You can teach biology the blind students? From this inquiry that article addresses the Learning the cellular structure by blind students in formal spaces and non-formal education. Interviews and depositions with blind students Middle school were used to collect data and analyze them from the knowledge already formed by the field of biology. The learning complex of the cell opens the manufacture of a resource Teaching simple demonstrating that to include just take responsibility by the other an inclusion that to be a duty which derives rights translate into ethical challenges. We present this text the following path: The logic of including blind to address ethics of the educator. Keywords: teaching of biology, ethics, training of teachers, inclusion.

CONGRESSO BioED2008

Dijon/Borgonha/França

24 a 28 de Junho de 2008

“É com o coração que se vê corretamente;

O essencial é invisível aos olhos”. (Saint-Exupéry)

O conceito de escola inclusiva disseminada a partir da Conferência Mundial

sobre Necessidades Educacionais Especiais (1994) da UNESCO, demonstra uma

preocupação com todos os tipos de pessoas que se encontravam excluídos da

escola. (MARTINS, 2006, p. 18).

No Brasil, o anseio em equiparar oportunidades educacionais aos deficientes

foi apoiado pela lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, concebida em meio

da luta em favor da educação inclusiva, que no capítulo V- Art. 58, reservado à

Educação Especial, assegura aos alunos deficientes a oferta de educação na escola

preferencialmente na rede regular de ensino. (FERRRONATO, 2002 p. 10)

Segundo Ferronato (2002), isto implica num processo de aumento do número

de alunos pertencentes a esse grupo nas escolas regulares. Contudo, uma parcela

da população entende que a escola inclusiva deve abranger uma maior quantidade

de alunos deficientes na rede regular. No entanto, quantidade não significa

qualidade e para atingir sua eficácia toda a comunidade escolar deve estar envolvida

no processo de inclusão, visando alternativas para o atendimento de qualidade.

No que se refere ao estudante cego não existe a possibilidade de acesso à

95

comunicação via imagem e por praticamente inexistir imagem na forma tátil, isto

constituiu mais uma via de exclusão. Essa lacuna precisa ser preenchida no ensino

com reconhecimento de imagens táteis pelo uso de materiais concretos em texturas

e em relevo o que pode possibilitar ao aluno a formação da representação mental do

que lhe é oferecido para tatear. A percepção tátil para os alunos cegos é fator

imprescindível para que obtenham o máximo de informações e compreensão do seu

entorno, e isto só é possível quando em contato com o concreto.

A prática da inclusão de pessoas cegas exige a sensibilidade de educadores

para perceber que uma forma de leitura do mundo para os cegos é a partir do tato. É

importante ressaltar que o tato difere da visão, pois, enquanto a visão permite uma

observação mais ampla, global, do objeto examinado, o tato o faz parte a parte,

seqüencialmente, de forma mais paulatina do que a visão, possibilitando aos cegos

uma interação com a memória das informações que os dedos capturam. Assim,

levantamos as seguintes indagações: Como ensinar biologia para estudantes

cegos? Como ensinar célula para estudantes cegos a partir da percepção tátil?

Para responder a esses questionamentos sobre o ensino de biologia para

estudantes cegos partimos da idéia de percepção tátil na compreensão do mundo e

em seguida apresentamos o ensino de célula a partir da construção artesanal de um

modelo celular com intuito de mostrar que a ética como morada, ao trazer o outro em

cena, se abre para diversidade.

Da percepção tátil à morada Ética

“[...] É através do meu corpo que compreendo o outro. “Quer se trate do corpo

do outro ou do meu próprio corpo, eu não tenho outro meio de me conhecer a não

ser vivê-lo”. (MERLEAU-PONTY, 1999. p, 269)

Os estudantes cegos vêem com as mãos o que descortina o tato como um

sentido capaz de percepção do mundo. O tato “é o sentido por meio do qual se

reconhece ou se percebe, usando o corpo, a forma, consistência, peso, temperatura,

aspereza de outro corpo ou algo” (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2001, 2- 678).

O sentido do tato em sua extensão mental desencadeada diante da experiência

total de se viver e agir no espaço podem ser explicados num processo de percepção

do mundo visual, que mescla o que já sentimos em associações passadas e à cena

que se apresenta a nossa frente. Portanto, adquiri-se este sentido pelo toque e

manipulação de objetos já vistos. Este sentido tem grande importância no cenário da

humanidade e a experiência de Helen Keller, menina que ficou surda e cega na

96

infância, cuja mente foi literalmente criada através da estimulação de sua pele,

mostra que quando os outros sentidos são prejudicados, a pele pode compensar de

maneira extraordinária. (MONTAGU, 1988, p.34).

Portanto, as pessoas cegas precisam saber sentir, saber ouvir, para

potencializar os seus sentidos e conduzir o processo de aprendizagem de mundo,

através de comunicação falada, tátil, sonora, preservando seus elementos cognitivos

e afetivos. A percepção de mundo para o deficiente visual decorre da sua

capacidade de se conectar com o meio a partir de suas outras habilidades de

percepções não visuais.

Os estímulos do meio exterior e do nosso interior incidem-se em estruturas

neurais especializadas, permitindo que os receptores sensoriais conduzam e

transformem esses estímulos naturais em sensações codificadas por terminações

nervosas sensoriais e através de mecanismo neural integrado ao sistema nervoso

central, donde fibras eferentes conduzem ao neurônio central, porém não codifica na

íntegra a sensação por sofrer distorções das sensações. O efeito final da

estimulação de um sistema sensorial é dar uma resposta comportamental do

organismo, sendo mensurável apenas a resposta reflexa observada, isto quando os

experimentos são realizados com animais. Entretanto, no homem é produzida uma

representação interna, uma imagem consciente do estímulo, na qual ocorre sobre

essa representação, o que denominamos percepção.

A palavra percepção sugere, então, a harmonia entre o organismo e o meio,

com distintos momentos no fluir estrutural do organismo acoplado ao fluir estrutural

do meio.

Ao aceitar a transformação da pessoa deficiente, a partir da educação na

convivência, é tornar cada vez mais congruente o outro no espaço de sua

convivência. O educar é recíproco e ocorre o tempo todo, estabelecendo-se como

um processo em que as pessoas aprendem a viver e a conviver, conforme a

comunidade em que vive. Assim as diversidades individuais passam a ser

reconhecidas na Biologia, e todos devem ser aceitos, é ver o outro como igual junto

a nós na convivência, fundamento básico biológico do fenômeno social da inclusão.

Sem aceitação do outro junto a nós, não é possível haver socialização, e sem essa

não há humanidade. Portanto, qualquer coisa que destrua ou limite a aceitação do

outro, destrói tanto o fenômeno social quanto o ser humano, porque elimina o

processo biológico que o gera. Só temos o mundo que criamos com os outros, e só

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com amor e aceitação do outro é possível criar um mundo comum. A percepção das

pessoas cegas a partir da textura demonstra sua leitura do mundo pelo tato é um ver

com as mãos.

O desenvolvimento da modalidade tátil fica subentendido a uma seqüência de

fatores: consciência tátil e qualidade tátil, que inicia pelo cuidado a texturas,

temperaturas e diferentes consistências. Inicialmente é adquirida pelo movimento

das mãos das crianças cegas, levando-as a aprender contornos, tamanhos e pesos,

desde que essas informações sejam repassadas de maneira gradual, de

movimentos grossos à exploração mais detalhada dos objetos. A aprendizagem

poderá ser rápida se lhes forem apresentados objetos familiares e de seu ambiente.

Já o reconhecimento da estrutura e da relação das partes com o todo se refere à

capacidade de distinguir a forma do objeto e esse reconhecimento é facilitado por

um detalhe característico do objeto que o ajuda a discriminá-lo.

Para Ochaíta e Espinosa (2002) a modalidade tátil é ampla e confiável, pois

vai além do tato, incluindo a percepção e a interpretação por meio da exploração

sensorial. Ela fornece informações a respeito do ambiente, porém, menos refinadas

que as fornecidas pela visão. As informações obtidas por meio do tato têm de ser

adquiridas sistematicamente e reguladas de acordo com o desenvolvimento, para

que os estímulos ambientais sejam significativos. Ao contrário do sentido da visão,

que se desenvolveu, com o passar do tempo, para captar as informações

instantaneamente.

Segundo Montagu (1988), o tato é o sentido sensorial mais importante do

corpo, sendo a pele o maior órgão sensorial e a comunicação transmitida por meio

do toque constitui a principal linguagem dos sentidos. A pele pode ajudar o não-

vidente na formação dos conceitos e das imagens mentais das coisas que ele não

vê, como também no desenvolvimento da sua criatividade e senso estético. Nas

pessoas cegas, a imagem é substituída pela percepção tátil.

Para Ballestero (2003), o sentido tátil é o sentido sensorial de maior precisão

sobre os objetos, porém a exploração tátil se dá de forma fragmentária e seqüencial,

fornecendo conhecimentos indispensáveis para o desenvolvimento e para o

aprendizado de mundo para as pessoas cegas. Através desse sentido, é possível

que assimile e acomode o aprendizado, condição para o desenvolvimento biológico

e afetivo.

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A percepção tátil nos não-videntes tem significado completamente diferente,

pois suas mãos são seus olhos, então as imagens, quando formadas através de

percepções táteis, podem compensar essa deficiência, pois permite reconhecer a

presença, a forma, o tamanho e a temperatura dos objetos.

Segundo Ballestero (2003), buscar formas, tamanhos e texturas adequadas

no momento da representação tátil bidimensional ou tridimensional constitui a

estética tátil e nela residem significados que não são percebidos visualmente e que,

por isso, parte da imagem visual e do significado do objeto se perdem e escapam

por completo ao tato. Aponta ainda, o erro de se imaginar que todas as texturas

desencadeiam sensações táteis agradáveis ou positivas e a importância de se

conhecer a maior abundância de texturas, para prevalecer aquelas que surtem

sensações positivas e se obtenham experiências prazerosas através do tato.

O resultado da ausência da educação do tato acarreta algumas

características como: olhar, mas não tocar as coisas, já que não sentem

curiosidade em tocar os objetos; aborrecer com algumas texturas; tornar-se mais

distantes; manifestar pouca importância ao promover sensações negativas a outros;

quebrar coisas sem querer, com certa freqüência; descrever fenômenos apenas de

maneira visual. Tais características levam a exclusão. Fugir a essa forma de

compreender o mundo somente a partir de uma perspectiva ética que traga o outro

em cena a partir de sua percepção do mundo.

O termo ética vem do grego ethos, que significa casa, morada, lugar e remete

à idéia de costumes. Para se entender a ética como morada do educador e do

próprio ser humano é necessário pensá-la como sendo o corpo, o país, a escola, o

mundo. O lugar da liberdade. Assim, ao se esculpir no tempo vivido uma forma, a

percepção do mundo se desvela no corpo, corpo como presença imediata que

expressa mediações. Corpo que é presença no mundo e se torna o fundamento do

cuidado. A palavra

cuidado em sua forma mais antiga significa, cura (em latim se escrevia coera) e era usada num contexto de relações de amor e de amizade. Expressava atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação. Ou no sentido de cogitare-cogitatus e sua corruptela coyedar, coidar, cuidar. O sentido de cogitare-cogitatus é o mesmo de cura: cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de desvelo e de preocupação. O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de seu destino, de sua busca, de seu sofrimento e de seu

99

sucesso, enfim de sua vida (BOFF, 1999, p.91).

Da atitude de cuidar de nós mesmos e do outro infere-se uma ética do

cuidado. O corpo é uma totalidade que pertence ao mundo e exige que o educador

cultive a relação com o outro no sentido de preservar o respeito à condição humana.

Por isso se curva numa atitude de humildade e disposição tentando despertar no

outro a possibilidade do exercício reflexivo da razão. É na ética do cuidado que os

corpos aprendem a relação de respeito e de solidariedade. Aprender no sentido de

ser convocado a mudar a situação e tentar, na medida do possível, escolher a

melhor direção. Incluir no sentido de proporcionar aos estudantes cegos uma

representação do mundo a partir do tato que a representação gráfica, o relevo, as

linhas retas e as curvas devem ser apresentadas aos poucos, evitando para que não

se crie confusão, ou seja, “ruído tátil”, e, por último, a utilização de simbologia que

corresponde ao passo final do desenvolvimento da modalidade tátil. Reconhecer que

a percepção tátil é fundamental para o estudante cego na leitura do mundo coloca-o

teoricamente na morada do ser.

Incluir o estudante cego a partir de práticas pedagógicas que facilitem o

aprendizado é fundamental para a construção de um ethos ético e cidadão.

Optamos no ensino de biologia em incluí-lo mediante o estudo da estrutura celular

tendo em vista que a célula representa a unidade morfofuncional do organismo vivo

e o seu estudo amplia os conhecimentos em diversas áreas das ciências. Um dos

desafios atuais da biologia é fazer com que os alunos entendam conceitos básicos

da biologia celular sem uma memorização descontextualizada. O que se tem hoje no

ensino de biologia e nos livros didáticos é uma fragmentação de conteúdo,

ocasionando uma valorização na memorização de conceitos e não o seu

entendimento. Isto implica em desinteresse de parte dos alunos e, especialmente

dos alunos cegos, uma vez que há uma carência de materiais pedagógicos

adaptados para este público.

Tendo em vista, que o estudo da célula requer visualização microscópica de

suas estruturas, a apresentação de material pedagógico concreto tátil, bidimensional

pode possibilitar ao aluno cego uma aproximação do que é observado pelo vidente

que tem ao seu alcance inúmeros recursos disponíveis tais como, visualização de

lâminas nas aulas práticas de laboratório, imagens via internet, livros ilustrados,

esquemas de células para colorir, aulas teóricas com imagens com pawer point, que

100

torna um problema para aqueles que não enxergam e precisam de recursos

pedagógicos alternativos.

- Ensino de Célula para estudantes cegos

“O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.

(Bernardo Soares)

A percepção tátil aliada à textura coloca o estudante cego apto a ver o mundo

com as mãos. A textura para quem enxerga tem significado diferente para os cegos,

cujas informações de mundo são transmitidas através de outros sentidos, tornando-

os mais sensoriais e qualitativamente diferentes das pessoas videntes.

A textura é um elemento visual que freqüentemente substitui as qualidades do

tato, sendo possível que uma textura não apresente qualidades táteis, mas apenas

ópticas. Onde há uma textura real, as qualidades táteis e ópticas coexistem de uma

forma única e especifica que permite à mão e ao olho uma sensação individual. A

textura relaciona-se com a composição da substância através de variações mínimas

da superfície do material e, para o deficiente visual, constitui um elemento

fundamental, pois a sensibilidade do tato corresponde à percepção que poderia ter

pelos seus olhos.

Além da textura, é preciso que o ser humano tenha um conhecimento tátil

dos objetos à sua volta, compreendendo sua forma, tamanho e o contorno dos

objetos, além de oferecer-lhes jogos que ajudem a diferenciar, comparar e associar

formas de dificuldades crescentes e de diferentes tamanhos. Com essas dinâmicas,

gradativamente, o estudante cego terá condições de observar formas mais

complexa.

A idéia da importância de materiais táteis em textura e em relevo nas áreas

de Ciências e Biologia podem ser verificadas pelos relatos de professores que lidam

com estudantes cegos, conforme podemos observar:

Sujeito1: Os materiais didáticos adaptados facilitam bastante o aprendizado dos alunos cegos e eu tive uma boa experiência ao desenvolver um material bidimensional em relevo numa folha A4 no estudo da reprodução celular por mitose e meiose. Fiz um contorno da célula com cola de textura e pedi que os alunos cegos posicionassem os cromossomos, representados por fios de diversas espessuras e tamanhos diferentes dentro da célula que estava delimitada pela cola, representando a membrana. O “resultado do aprendizado com o uso deste material foi bastante satisfatório pelos meus alunos cegos”.

101

Sujeito 2: Para os alunos cegos o contato com material concreto é muito importante, pois percebem o que a gente tenta explicar com palavras e facilita muito o aprendizado do conteúdo que estiver sendo abordado, tornando mais fácil o entendimento”. “Os alunos do Instituto ficam mais interessados na aula quando consigo preparar um material concreto para eles tatearem, embora isto seja difícil porque são muitas matérias e pouco tempo”.

Cientes da importância do contato com material concreto palpável na

compreensão da célula e de suas estruturas foi confeccionado o modelo concreto

tátil11, bidimensional, em que as estruturas foram representadas com texturas e em

relevo, de tal forma, que ao tateá-lo o aluno seria capaz de formar a imagem tátil e

representação mental da célula.

Figura 1: Modelo artesanal bidimensional da célula Fonte: Material produzido pela pesquisadora apresentado aos estudantes participantes da pesquisa, no espaço de educação formal (Instituto São Rafael, set-2007).

A construção de um modelo bidimensional tátil pode levar a uma melhor

compreensão e o entendimento da funcionalidade celular, uma vez que, a

identificação da função de cada estrutura celular amplia os conhecimentos do

conteúdo no espaço formal de aprendizagem.

11 Modelo tátil artesanal elaborado e apresentado aos estudantes cegos como produto do mestrado profissional em Ensino de Biologia da PUC - Minas: O Ensino e Aprendizagem da Célula em Modelos Táteis para alunos cegos em espaços de Educação Formal e não formal.

102

As configurações do modelo bidimensional tátil da célula foram construídas

sem muitos pormenores e detalhamentos, pois se trata de material plano, contudo

feito de maneira adequada para um exame tátil.

Considerando as implicações para o reconhecimento tátil no modelo

bidimensional buscamos dar forma e proporcionalidade de tamanhos às estruturas

celulares e assim, possibilitar a formação da imagem tátil da célula.

A idéia da confecção do modelo da célula bidimensional tátil baseou-se no

reconhecimento da importância da informação tátil para o aluno cego, pois na sua

vida cotidiana há sempre a associação entre o “ver” e o “tocar” a partir da textura. A

textura segundo Dondis (1991) é tanto reconhecidas pela percepção tátil como pela

visão. Infelizmente, em nossa cultura, o chavão “é proibido tocar” condicionou nossa

percepção a uma experiência tátil carente de informações sensíveis e permeadas de

medos e inseguranças. Para sanar essa distorção e aprimorar nossa percepção tátil,

é de grande valor exercitar o ato de “tocar sem ver”. Em nossa cultura, a percepção

de textura é mais óptica do que tátil e existe um forte condicionamento de não tocar

as coisas e as pessoas e o “não tocar” coincide com o comportamento social em

virtude de estar vinculado à aproximação sensual. Para os estudantes cegos o

manusear do modelo artesanal da célula abriu possibilidades para uma melhor

compreensão conforme o depoimento de alguns estudantes.

Aluno T: “O contorno da célula, a membrana celular ficou mais fácil de “ver” neste modelo. Consigo “perceber” as formas das diferentes estruturas celulares, principalmente do retículo rugoso e liso, que difere um do outro pela presença ou ausência dos ribossomos aderidos à sua parede e estão representados com a nós dados no barbante”. Aluno U: Neste modelo percebi que o núcleo está separado do citoplasma pela membrana nuclear porosa representado pelos espaços da textura em relevo. Compreendi que pelos poros desta membrana pode passar o material do núcleo para o citoplasma. “O citoplasma é bem grande e as estruturas estão todas espalhadas dentro”.

A idéia de modelo artesanal no processo de ensino e aprendizagem

demonstrou que sua manipulação pelo tato abre perspectivas de compreensão do

que vem ser o mundo dos objetos. O modelo concreto constituiu uma alternativa

facilitadora no processo de ensino - aprendizagem, pois propicia aos alunos fazer

abstrações independentemente de terem ou não restrição sensorial, pois é acessível

e significativo a todos os alunos indistintamente.

Para Borges citado por Figueroa (2007),

103

um modelo pode ser definido como uma representação de um objeto ou uma idéia, de um evento ou de um processo, envolvendo analogias. Portanto, da mesma forma que uma analogia, um modelo implica na existência de uma correspondência estrutural entre sistemas distintos. Se isso não fosse assim, os modelos teriam pouca utilidade.

Ferronato (2002) aponta que a utilização de materiais concretos palpáveis

constitui um ponto de apoio para as abstrações de alunos cegos, já que pelo tato

podem chegar a maior parte das informações levando-os a discernir os objetos e,

dessa maneira, as mãos suprem a “falta” da visão. Contudo, aponta que o processo

de exploração pelas mãos é demorado e requer grande esforço por parte destes

alunos, sendo necessário criarem situações adequadas para não inibir e dificultar o

seu desenvolvimento.

Diante do exposto, não podemos ignorar que o acesso a materiais concretos,

especialmente nas aulas de biologia, é de fundamental importância para os alunos

que não enxergam, pois através desse contato se beneficiam na aprendizagem de

diversos conteúdos e no caso específico do estudo da biologia celular, cujas

informações são quase exclusivamente visuais é desejável que no espaço de

educação formal o professor se atenha a este fato e busque alternativas para

facilitar o processo ensino-aprendizagem na sua classe inclusiva com alunos cegos.

Os depoimentos dos estudantes demonstram de que maneira a percepção

tátil e a construção de um modelo artesanal possibilita-os a inclusão e a integração

dos mesmos no mundo.

Aluno V: Não tive material concreto par “Ver” a célula, se tivesse tido compreenderia melhor a posição das estruturas na célula com suas diferentes formas. O retículo endoplasmático rugoso no modelo está bem próximo do núcleo.

Pela fala do estudante verificamos que o contato modelo concreto permitiu a

compreensão do posicionamento da estrutura e o entendimento da função que a

mesma desempenha na célula que é o transporte de substâncias no seu interior.

Aluno W: “Neste modelo compreendi melhor o que a professora ensinava no quadro enquanto desenhava para os meus colegas e eu tentava imaginar o que ela desenhava. Agora “percebi” o núcleo com o nucléolo; o citoplasma e a membrana celular o revestindo, o lisossomo com enzimas dentro”.

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Nesta fala o estudante demonstra que o contato no modelo possibilitou a

criação da imagem tátil da célula e compreendeu como se dá distribuição e

localização das estruturas no interior do núcleo e do citoplasma.

105

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aprendizado complexo da célula se abre à confecção de um recurso

didático simples demonstrando que para incluir basta se responsabilizar pelo o outro

numa inclusão que por ser um dever deriva direitos que se traduzem em desafios

éticos. Ao apresentarmos a lógica da inclusão de cegos a partir da percepção tátil

trazemos à morada ética do educador como aquele que é capaz de estabelecer um

caminho para perceber o outro como aquele que pertence ao mundo da diferença.

A percepção tátil para aqueles que não enxergam assume o papel dos olhos

nos videntes. Deste modo, não é difícil conceber que imagem tátil formada a partir

do contato com modelo artesanal bidimensional da célula favoreceu a sua

compreensão, uma vez que constituiu elemento de aproximação dos inúmeros

recursos visuais disponibilizados aos alunos videntes no processo ensino-

aprendizagem deste conteúdo.

Podemos verificar a importância do concreto para os que não enxergam com

os olhos e sim com as mãos pelo depoimento do responsável pelo setor de

produção de materiais do Instituto São Rafael, que em entrevista nos diz:

a percepção tátil em textura serve como avaliador de materiais pedagógicos, principalmente nos desenhos e figuras bidimensionais em relevo, como gráficos, mapas, diagramas, materiais de ciências com legendas em Braille. Qualquer artefato como um ponto de cola nas montagens de materiais didáticos, pode confundir com um símbolo em Braille, levando a uma interpretação errônea do. que se pretende demonstrar.

O modelo artesanal trata-se de um modelo bastante simples e acessível a

todo professor bastando sua criatividade. Esta simplicidade indica a complexidade

do conhecimento da estrutura celular, já que os mais importantes fenômenos

fisiológicos dos organismos ocorrem a nível celular e com esse entendimento o

estudante pode compreender os mecanismos orgânicos que mantêm á vida e são

explicáveis pela biologia celular.

Pelo relato de um estudante verificamos essa compreensão ao tatear a

mitocôndria relacionando-a com sua função no bom funcionamento do organismo.

Compreendi a importância da mitocôndria para a célula, pois para manter-se viva ela precisa respirar. No processo de respiração celular as substâncias

106

orgânicas são queimadas e ocorre liberação de energia. As cristas mitocondriais, formadas pelas dobras da membrana interna da mitocôndria são ricas em enzimas respiratórias, sendo um local de grande importância para a vitalidade da célula.

Se puderes ver, olha; se puderes olhar,

repara. (SARAMAGO)

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