do valor artístico de abel salazar - uevora.pt · de abel salazar, terão de es tar, cor força,...
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Do v a l o r Nfl SUA EXPOSIÇÃO
CARVÃO de ABEL SALAZAR
A exposição de obras de desenho, pintura e gravura do Dr. Abel Salazar , que acaba de ser iniciada no Sa lão S i l v Porto, const i tue um acontec i mento importante na vida intelectual desta cidade.
Não nos seria difícil demonstrar que se t r a t a duma colecção de extraordinário valor.
O Dr. Abel Sa lazar é inegavelmente um homem notável, e a causa do comportamento dum homem notável é assunto de tão grande importância cultural, que se torna desnecessário repetir.
As civilizações florescem e frutificam ao calor do estudo profundo da conducta do homem em face da natureza e o comportamento ar t í s t ico c desde tempos remotos a fonte onde melhor se m a t a a sede de conhecimento.
Da obra magnif ica dos a r t istas desentranhamos a história profunda da vida dum momento; s e u s horizontes desdobram-se para além do mundo lr lante da beleza das formas e dos sons, neles r e side uma grandeza moral muito maior: a contribuição inf ini tamente grande e infinitamente pura à luta pela po-sit ivação dos valores desconhecidos.
Na ba ta lha exaustiva do consciente pela posse dos se gredos que habi tam as en t ra nhas psíquicas da humanidade, a obra de a r t e representa um aliado poderoso, como par
cela mais livre do ser humano. E la é a expressão dos desejos da humanidade antes
que a submissão ao consciente moral faça de nós senhores ou escravos duma ética que exal tou em dogma a coerção dos Instintos; an tes que nos t ransforme na alegria duma verdade consentida ou na tortura duma ment i ra imposta.
A parte maior dessa maté ria bruta, que o exame consciente apar ta e classifica, es tá contida na obra de arte . Por ela, não só o homem-ar t l s ta entrega a sua verdade ao c o nhecimento dos homens, mas também, como diz André Glde, só por ela o ar t is ta se pode conhecer a si mesmo.
Nela, no seu todo, no aproveitado e no regeitado pelas leis morais , residem ensinamentos para leis melhores, porque a obra de ar te representa a material ização duma força Int ima maior que a consciente; a razão profunda do que se faz e a causa dos variados aspectos duma tortura, por impotência de sinceridade.
A obra de ar te é toda a vida: a alegria e a dôr nos seus múltiplos variantes.
Posta de parte a idea de uma identidade absoluta, só possível nas matemát icas , surge-nos a obra de ar te como um dos mais perfeitos aspectos de identidade: a identidade do sêr à realização.
U m a verdadeira obra de ar te é uma emoção que se materializa, quer di rectamsnte por analogia (no objecto da origem) quer per simbolismo ob jec to ) . O que a caracteriza é que a sua incorporação ma
terial faz-se dentro da esfera do ser vital com uma minima intervenção do ser social.
Assim o seu grau de pureza é evidente, o que lhe garante uma qualidade excepcional de valor útil como elemento de análises e pesquisas culturais. Seu grande valor moral reside na sua consti tuição, a qual torna possível a ânsia de toda a cultura: tornar conhecido o maior número de parcelas do todo desconhecido.
Além do valor emocional que se representa no facto de uma obra bela gerar no mundo que a rodeia (por emoção) novas obras belas, a obra de arte contém o gérmen de valores c ient i í icos pelo facto de apresentar productos para investigação, que se erguem ac i m a da banalidade.
«Se um dia eu tivesse de ju lgar os homens, eu condená- los- ia em face das suas obras de pintura e assim não cometer ia erros judiciários». Estas palavras, do pintor M. Vlammlnck, é uma opinião s incera a favor da utilidade moral da ar te .
Ouvindo Charles Baudoln ( L e déplacement a f í éc t i í ) a f i rmar que «uma das funções da ar te é de man te r a mobilidade da energia, de evi tar a esclerose afectiva», fácil nos será aquilatar o valor da contr ibuição da ar te às ciências psicológicas, quer nos fenómenos de transferência dc Rlbot e Freud, quer nas carac terolo-gias como a de Krebchmer.
Se os valores da crí t ica objec t iva d a a r t e apenas qualitativos são j á preciosos, o que não diremos se num futuro próximo pudéssemos chegar ao resultado quantitativo da identidade entre o ar t is ta e a sua obra?
Se r i a um passo de gigante para o conhecimento do homem.
En t re tan to a observação do paralelismo artista e stia obra de arte é hoje um dos mais perfeitos aspectos do liame qualitativo entre a causa e o efeito.
Porque a ar te não é, como na estética metaf ís ica de P latão, «o reflexo do supra- terre-no ou a representação do In finito no Finito». A a r t e é o mais breve vladucto para o desconhecido, o qual a ciência vem tornando cada vez mais conhecido. A obra de ar te não é apenas um aspecto fisiológico do meio, m a s sim o a s pecto profundamente psicológico da sociedade; auxil iar precioso das ciências, a a r te deve ser encarada aber tamente como função utilíssima.
Assim se verifica o extraordinário vaiòr desta exposição, porque nesses trabalhos, productos livres da sensibilidade de Abel Salazar , terão de est a r , co r força, aspectos da causa do notável comporta-mente do eminente ar t is ta .
E se inúmeras razões dos que o conhecem nào bas tassem, a i es tar iam esses trezentos e tantos trabalhos a af i r m a r que Abel Sa lazar é, sobretudo e antes de tudo, um a r tista criador. Todo o seu compor tamento como indivíduo social, homem pintor, homem de ciências ou de filosofia, t e remos de basear, para o compreendermos, numa poderosa emotividade realizadora.
E que realizador! Na mobilidade desse olhar perfurante, na dinâmica expressiva desse auto-re t ra to que figura no c a tálogo da exposição sob o tl' 126, exprime-se a razão interior dessa obra extraordinár ia .
A identidade ac ima referida é aqui evidente.
T a l homem não poderia exercer sob a ordem directa do sistema nervoso outra t é cnica que não fosse aquela.
A sua obra é ac ima de tudo duma tal grandeza humana, que consti tue caso único em toda a nossa ar te .
Sem ter a riqueza plástica de Delacroix, êle tem a fugo-sldade do seu lirismo; sem as lamentações sociais de Dau-mler, êle possui o vlgôr r e lampejante do desenho e a profunda humanidade desse ar t is ta francês.
Ele pertence a essa espécie de seres que com Goya, Gér i -cault , Delacroix. Rodin, Rude, Barye, Beethoven e tantos mais, afirmou no mundo o domínio dogmático das forças interiores de Miguel Angelo.
O tempo, ao rodar, confirmará a levantada dignidade dessa obra Imensamente humana, colocando no lugar devido o único dos ar t is tas portugueses que, por função temperamental , encontrou a febre dos seus nervos ao serviço da i luminação c l a ra d a grandeza dos humildes.
Nas suas tábuas frenéticas abre-se a escuridão das nossas ruas, corredores trágicos, aren a onde se forja a epopeia rude dos heróicos lutadores das mãos calosas.
Como Callot, Le Natn, Dau-mLer, Meunier e Millet, Abel Sa lazar contempla-os com co ragem, sem risos nem lágrimas; a sua contemplação é vigorosa e profunda.
Essas fortes mulheres agindo na escuridão da humilda
do £ nascente
a r t í s t i c o de A b e l S a l a z a r DE PINTURA, DESENHO E GRAVURA
por J O Ã O A L B E R T O de, entregando à luz seus músculos vlctorlosos da ca rga monumental dos seus destinos, resumem ali, nas suas Unhas épicas, a epopeia das vidos de t rabalho.
Mulheres que moirejam sob as Intempéries, na luta furiosa pela conservação duma espécie que o destino engeitou, en -cont ram-se s imbolicamente dignificadas na humaníss ima obra de Abel Salazar . Como os grandes ar t is tas , êle nâo copia as proporções ordinárias; as t rabalhadoras poderosas dos seus desenhos são como os so berbos brutos da Kermesse de Rubens, o resumo exal tado do ca rác te r essencial que lhes é próprio.
Abel Salazar admira-as e a s u a admiração sublima-se nessa espiritualização magní f ica que se c h a m a «A barre-la» ; esplêndido confli to de luz e sombra onde a mulher que trabalha tem o diáfano a s pecto branco duma visão angelical.
S ó ao fogo do amor, dum grande amor humano, se mudaria em visão de pureza luminosa, a natureza rude duma escrava, e em branca i r radiação de luz argêntea o objecto dum trabalho duro.
«Enchendo sacos», «Traba lho», «Mulheres na doca»; sob estes títulos tão simples r e -soam cânticos intempestivos de sentimentos revoltos.
Nesses fundos betuminosos, nesses fundos ardentes, em castanhos-vermelhos, con t ra i -se uma inteira multidão de trabalho e dever; poucos descansam. E quando o sol as banha , a sua luz não é alegre e quente, m a s apenas es t ra nha e alucinada. Luz que é uma toada pessoal do ar t is ta que a pintou.
Nos poucos trabalhos em que a obra vai além do esquisso, o nervosismo exprl-me-se num expressionismo point l l is ta frenético e alvoroçado; ora álgldo nos seus grises azuis, ora quente de or ien-tallsmo sensual de cenas como «A Ribeira ao sol».
A pintura de Abel Salazar é exemplo marcado da arte subjectiva. Dessa arte que desponta com a primasia individualista dos objectos nos do claro-escuro, que se a f i rma no despotismo óptico de Velasquez, e depois de revigorada pelo individualismo tr iunfante do século X I X , soíta um hino glorioso no radiante impressionismo e isola-nos no exagero do expressionismo de K a -dinski.
P in tu ra subject iva, triunfo
absoluto da tendência expressiva sobre a tendência formal do ar t is ta .
Arte de desiquilibrio em que a potência irrefreável do conteúdo emocional rompe a f rá gil barreira dos preconceitos clássicos.
Triunfo de Goya sobre o rafaelista Mengs; impotência de Ingres cont ra Delacroix.
Aberração dum Ideal sonhado, esta exuberante tendência expressiva gera obras e te rnamente perceptíveis na sua form a expontânea.
Bem sei que, em ar te , o Ideal seria, como prefere Meumann, um equilíbrio e harmonia perfei to entre a tendência e x pressiva na tu ra l e a tendência formal a r t í s t ica . Porém, a s possibilidades deste equilíbrio dependem do temperamento do ar t is ta e como os temperamentos por sua vez são resultados da reacção da const i tuição orgânica do individuo com a do melo que o contem, nada nos leva a esperar, em tempos tão revoltos, aspectos duma grande ar te equilibrada.
Res ta-nos pois esperar a ruptura desse equilíbrio desejado .
E ' a inda Meumann quem nos aponta duas formas degeneradas desse impossível.
«As aberrações desse ideal podem consistir ou em que predomine a forma e então temos uma a r i e fr ia , a m a -nelrada, ou em que predomine a expressão e e n t ã o temos uma arte exuberante, revolucionária, subjectlvlsta.»
Abel Salazar entregando a sua obra aparentemente i na cabada preenche cabalmente o desejo natura l de todo o art is ta: a expressão da sua emoção pr imária com a força perdurável duma obra objectiva.
A Objectividade em expressão é uma necessidade natural mas constitue apenas uma qualidade da expressão emocional . O pintor que sacrif ica a expressão emocional, em fa vor da objectividade extr ínseca do meio, deixa de ser a r tista para ser um art íf ice. •
Em Abel Sa lazar o máximo da objectividade possível é aquela pintura subjectiva.
Poder-se- ia acusar a obra de Abel Sa lazar de não ser acabada? Não; o acabamento duma obra depende do temperamento do ar t is ta . O quadro está acabado quando o a r t ista terminou tudo o que quer ia dizer.
O melhor da obra de Abel Sa lazar resume-se nos seus grandes esqulssos, porque o t rabalho patente nos primeiros traços ultrapassa em po
tência e expressão a obra que nos poderia prometer.
O esquisso contem em si uma potência afectiva e su gestiva que o quadro nunca a l cança ; èle é a parte mais sér ia da pintura, como disse Poussln, «aquela que se não faz a assobiar».
Pelo esquisso é que a obra pictural de Abel Salazar é de valor extraordinário, porque além do seu valor estético e la const i tue uma preciosa contribuição ao conhecimento do homem.
O argumento de que os seus quadros não são acabados não se prova.
Há obras acabadas, como o Balzac de Rodin. que poucos julgariam acabadas.
Pode-se, de facto, ob jec ta r que Abel Sa lazar sendo um bom ar t is ta nâo é todavia grande pintor.
Uma obra de ar te , nem sempre é uma boa p in tura , e eu prefiro algumas das pinturas pretas de Goya às enfá t i cas produções da escola neo-gre-ga.
Mas falando, para classificação, na palavra pintor, sur-ge-nos a necessidade de nos entendermos quanto ao significado deste vocábulo.
O adjectivo pintor é um predicativo de sujeito relativo a um ofício, o qual parece es tar condicionado a um fim perfei tamente demarcado. Pa ra se dizer que o Individuo A é pintor, é absolutamente indispensável que esse Individuo faça pintura. Então, surge-nos a necessidade de nos esclarecermos sobre a palavra piri-tura.
Ora pintura designa um modo de comportamento do Individuo, cujo fim é a representação de um objecto ou vários objectos visíveis e invisíveis com as proporções e co res convenientes.
Por tanto pintura é uma arte de imitação. Como imitação representa acção de imitar , temos que, cm face da representação e do objecto imitado, podemos verificar facilmente, por comparação, o valor da imitação. Porém, isto somente no que s e refere ã Imitação dos objectos visíveis (pintura c b j e c t l v a ) . Quanto ao que diz respeito à imi tação dos objectos Invisíveis (pintura subject iva) flca-nos vedada toda e qualquer cr i t ica object iva por fal ta do elemento de comparação. (Por Isto a cr i t ica de arte enveredou pelo campo psicológico, baseando-se no parentesco ar-tista-obra de arte, conseguindo, desta forma, maiores ho
rizontes e preenchendo melhor seus fins ut i l i tár ios) .
Classificando Abel Salazar como grande pintor subject lvlsta, difícil me parece uma contes tação positiva a este juízo.
A cri t ica da pintura, através da análise à técnica, pare-c e - m e incoerente quando se t r a t a dum pintor subjectivis-ta, entendendo por pintor subjectlvlsta aquele que an t e põe a sua expressão emocional à necessidade natural da expressão objectiva.
Quando a t rás m e referi à técnica da pintura, quis refe-r l r -me ao conjunto dos seus processos que são productos de investigações sobre a m a téria, de forma a torná-la apta , o mais possível, para o cabal preenchimenteo do fim imitativo.
Mas como avaliar o valor da técnica? Apenas através da comparação entre o seu resultado prático (obra) e o objecto imitado (modelo). Na pintura subjectlvlsta é melhor técnica aquela que o pintor entendeu preencher plenamente o seu desejo de expressão, porque só êle conhece o aspecto da sua emoção originária.
Na pintura de Abel Salazar não me parece encontrar , de facto, sinais de que o seu autor possua grande capacidade técnica (falo da pintura, não do desenho), mas a natureza especial da sua pintura ne -ga-me o direito de o afirmar.
Não é difícil constatar n a quela obra exposta deficiências escusadas e necessidades mal supridas; mas a sua obra é de tal manei ra che ia de cambiantes que nào sei se essa m á pintura representa Incapacidade técnica, tudo me levando a deduzir ser isso um resultado do seu temperamento.
Mormente no desenho, a presença de ótimos trabalhos t i ram-nos todo o direito de falarmos em Incapacidade té cnica .
O que é indiscutível é o pouco cuidado na condicção de perdurabilidade da sua obra pictural , pois isto es tá bem evidente, quer no abuso de veladuras e esjregaços quer mesmo no emprego imoderado de betumes, vernizes e secantes. Creio a té que o seu defeito como pintor é esse desleixo com processos e finalidades.. Mas não será esse desleixo uma das notas mais vibrantes do seu valor art ís t ico, a e x pressão mais s incera do seu temperamento irreverente?
S e j a como fõr, Abel Sa lazar é um grande ar t is ta .
sol nascente onze