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s Diversidade, espaço e relações étnico-raciais Renato Emerson dos Santos (Org.) O Negro na Geografia do Brasil

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sDiversidade, espaço e relações étnico-raciais

Renato Emerson dos Santos (Org.)

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'"Quilombo no Paraná?", "Mas no Paraná há negros?", "Ué, no Paranánão houve escravidão, lá houve assentamentos, colônias, de alemães,poloneses, ucranianos, etc., mas escravidão, negros, não!", são falas que,proferidas por representantes governamentais de diferentes esferas, au-toridades do Poder Judiciário e tecnoburocratas de autarquias e órgãospúblicos, justificam atitudes (e inércias!) que atravancam os processos dereconhecimento, demarcação e titulação daquela e de diversas outrascomunidades naquela região e pelo Brasil afora – mesmo que a "es-cravidão no Brasil meridional" já tenha sido objeto de obras clássicas dasCiências Sociais brasileiras. Este exemplo nos mostra como a produçãode uma imagem de território que remete exclusivamente à colonizaçãopela imigração européia oculta a presença negra, apaga a escravidão dahistória da região e assim autoriza violências diversas.”

Partindo desse entendimento, os autores desta coletânea mostram aimportância de se construir em nossos cidadãos um conhecimento geo-gráfico que contemple a participação do negro na constituição do Brasilenquanto nação. Para isso, acenam com a importância do ensino da Geo-grafia, que tem imensa responsabilidade social, porque informa às pes-soas sobre o país em que elas vivem e ajudam a construir.

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ISBN 978-85-7526-288-7

Conheça outros títulos da coleção CULTURA NEGRA E IDENTIDADES

• Afirmando direitos – acesso e permanênciade jovens negros na universidadeNilma Lino Gomes e Aracy Alves Martins (Orgs.)

• Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNUFlorentina da Silva Souza

• Bantos, malês e identidade negraNei Lopes

• O drama racial de crianças brasileiras –socialização entre pares e preconceitoRita de Cássia Fazzi

• Experiências étnico-culturais para formação de professoresNilma Lino Gomes e Petronilha B. Gonçalvese Silva (Orgs.)

• Os filhos da África em Portugal – antropologia, multiculturalidade e educaçãoNeusa Maria Mendes de Gusmão

• Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – Iden-tidade nacional VERSUS Identidade negraKabengele Munanga

• Sem perder a raiz – corpo e cabelo como símbolos da identidade negra Nilma Lino Gomes

mas pela proficuidade dos diálogos pos-síveis entre os artigos aqui reunidos.

Reconhecendo que a maioria dosestudantes e geógrafos passa pela fa-culdade de Geografia sem compreen-der a marca da presença negra naconstrução histórica, identitária e geo-gráfica no país em que vivem, os au-tores deste livro apresentam artigosque mostram as múltiplas possibili-dades de formação do conhecimentoque a Geografia permite ao contem-plar o Brasil em sua totalidade e diver-sidade de povos.

Renato Emerson dos Santos per-cebeu que a Geografia do Brasil assi-milada e elaborada por seus alunosnão compreendia a idéia do negro en-quanto ente social nem as relaçõesraciais enquanto constituintes de nos-sa estrutura social. "Mesmo mostran-do e trabalhando um mapa do Brasilque exibia mais de mil comunidadesremanescentes de quilombos, e dis-cutindo o quanto tais ‘rugosidades’eram a grafagem de lutas históricas, aGeografia do Brasil que eles estavamcristalizando em seus corações ementes simplesmente apagava tais ele-mentos do território, de forma queera mais fácil (ou possível) abordartais assuntos na Geografia da África",afirma o autor.

Este livro se faz necessário, por-tanto, como passo fundamental parasubsidiar a superação de alguns dile-mas vividos pelo autor e também pormuitos pesquisadores envolvidos comtemas ligados às relações raciais naGeografia brasileira. Isso porque cum-pre um papel necessário no embateepistêmico e político que se instala nacontemporaneidade e permite que aGeografia fique mais próxima dos que,pela posição subalterna que ocupamna sociedade, se vêem obrigados a umentendimento mais consciente dacomplexidade do sistema de domi-nação a que estamos submetidos.Abrir espaço à construção de uma rea-lidade mais generosa, mais igualitária,mais justa e mais democrática é o quepropõe este estudo, que se apresentacomo uma discussão que pode serconsiderada ainda em seu início,não pelo pioneirismo do enfrenta-mento a que se propõe este livro,

www.autenticaeditora.com.br

0800 2831322

O Negro na Geografia do Brasil

ANÍBAL QUIJANO . BERNARDO MANÇANO FERNANDES . CARLOS WALTER PORTO-GONÇALVES

DAGOBERTO JOSÉ FONSECA . EDUARDO RIOS NETO . FREDERIC MONIÉ . PERCY HINTZEN

RAFAEL SANZIO ARAÚJO DOS ANJOS . RAQUEL ROLNIK . RENATO EMERSON DOS SANTOS

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Renato Emerson dos Santos(Organizador)

Coleção Cultura Negra e Identidades

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DIVERSIDADE, ESPAÇO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: O NEGRO NA GEOGRAFIA DO BRASIL

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COPYRIGHT © 2007 BY OS AUTORES

C O O R D E N A D O R A D A C O L E Ç Ã O

Nilma Lino Gomes

C O N S E L H O E D I T O R I A L

Marta Araujo – Universidade de Coimbra; Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – UFSCAR;Renato Emerson dos Santos – UERJ; Maria Nazareth Soares Fonseca – PUC Minas; KabengeleMunanga – USP;

P R O J E T O G R Á F I C O D A C A P A

Patrícia De Michelis sobre imagem de Joshua Davis (http://joshuadavis.wordpress.com/)

E D I T O R A Ç Ã O E L E T R Ô N I C A

Conrado Esteves

R E V I S Ã O

Alexandre Vasconcelos de Melo

B E L O H O R I Z O N T ERua Aimorés, 981, 8º andar . Funcionários30140-071 . Belo Horizonte . MGTel: (55 31) 3222 68 19TELEVENDAS: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.bre-mail: [email protected]

S Ã O P A U L OTel.: 55 (11) 6784 5710e-mail: [email protected]

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Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora.Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida,seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópiaxerográfica sem a autorização prévia da editora.

Diversidade, espaço e relações sociais: o negro na Geografia doBrasil / organizado por Renato Emerson dos Santos . — Belo Hori-zonte : Autêntica , 2007.

208 p. —(Cultura negra e identidades)

ISBN 978-85-7526-288-7

1.Cultura negra-Brasil. 2.Antropologia. I.Santos, Renato Emersondos. II.Título. III.Série.

CDU 572.9(81)

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Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria – CRB6-1006

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SUMÁRIO

PREFÁCIO.....................................................................................................................

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................

PARTE I – A LEI 10.639 E O ENSINO DE GEOGRAFIA

O ensino de Geografia do Brasil e as relações raciais: reflexõesa partir da Lei 10.639 – Renato Emerson dos Santos....................................................

PARTE II – RAÇA, ESPAÇO E TEMPO NA MODERNIDADE

O que é essa tal de raça? – Aníbal Quijano....................................................................

Diáspora, globalização e políticas de identidade – Percy C. Hintzen...........................

PARTE III – A SEGREGAÇÃO RACIAL EM TELA:RELAÇÕES RACIAIS E O ESPAÇO URBANO BRASILEIRO

Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidadee cidade em São Paulo e Rio de Janeiro – Raquel Rolnik...............................................

Desigualdades raciais nas condições habitacionais na populaçãourbana – Eduardo Rios Neto e Juliana de Lucena Ruas Riani........................................

PARTE IV – GEO-GRAFIAS DE LUTAS, GEO-GRAFIAS HISTÓRICAS –RELAÇÕES RACIAIS E O ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO.

Territórios étnicos: o espaço dos quilombosno Brasil – Rafael Sanzio Araújo dos Anjos...................................................................

A terra e os desterrados: o negro em movimento – um estudo das ocupações,acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra – MST – Bernardo Mançano Fernandes, DagobertoJosé da Fonseca, Anderson Antonio da Silva, Eduardo Paulon Girardi.........................

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PARTE V – REVISITANDO A ÁFRICA

As fronteiras móveis do continente africano: construçõesétnicas e estranhas à África – Dagoberto José da Fonseca..........................................

A inserção da África Subsaariana no “Sistema-Mundo”: permanências e rupturas –Frédéric Monié, Isaac Gabriel Gayer Fialho da Rosa, Vânia Regina Amorim da Silva......

OS AUTORES.............................................................................................................

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PREFÁCIO

A Geografia do sistema mundo moderno-colonial numa perspectiva subalterna

Carlos Walter Porto-Gonçalves

As ciências vêm sendo desafiadas diante de fenômenos e processos de gran-de envergadura que o mundo vem experimentando, sobretudo nos últimos 40 anos.No caso das ciências ditas naturais a problemática ambiental é mais desafiadora, atéporque os grandes problemas que nessa área se apresentam há forte presença deintervenção do próprio sistema de conhecimento científico, que, assim, se constituicomo parte do problema ambiental, ainda que visões conservadoras hegemônicaspermaneçam insensíveis à reflexividade (Anthony Giddens). Afinal, o aquecimentoglobal é a própria expressão do sucesso da revolução industrial que, não se desta-cou suficientemente, foi uma revolução energética fossilista (Elmar Altvater) combase no carvão e, depois, no petróleo. A gripe aviária e a doença da vaca louca sãoalguns dos outros efeitos não desejados da intervenção do sistema técnico-cientí-fico-informacional (Milton Santos). Até o ano de 1945, segundo o geólogo argenti-no Eduardo Mari, a humanidade manipulava de 25 a 30 dos elementos químicos databela periódica e, hoje, manipulam-se os 90 elementos naturais mais os 26 elemen-tos sintéticos por meio de um tratamento da matéria ao nível nanoscópio2 que umapoderosa indústria químico-alimentício-farmacêutica nos impõe por meio de um

1 Doutor em Geografia e Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da UniversidadeFederal Fluminense, membro do Grupo Hegemonia e Emancipações do Clacso. Ex-Presidente daAssociação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Membro do Grupo de Assessores do Mestra-do em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México. Ganhador doPrêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004 é autor de diversos artigos e livrospublicados em revistas científicas nacionais e internacionais, em que se destacam: – Geo-grafías:movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentablidad; Amazônia, Amazônias, SãoPaulo, 2001; Geografando – nos varadouros do mundo, Brasília, 2004; O desafio ambiental, Riode Janeiro, 2004; A globalização da natureza e a natureza da globalização, 2006.

2 Um nanômetro é uma medida correspondente ao diâmetro de um fio de cabelo médio divididosessenta mil vezes.

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sofisticado sistema midiático onde celebridades e “analistas” tenta nos convencernão só das suas maravilhas como de sua inevitabilidade. Com certeza, muitas dasalergias e das doenças degenerativas que nos afetam têm a ver com esse tempocurto de 60 anos de ingestão dessas substâncias se consideramos o tempo doprocesso de hominização que não acabou com o Hommo Sapiens Sapiens comoquerem nos fazer crer. Enfim, um tempo curto dos balanços anuais de lucros dasempresas comandando a decisão de usar ou não usar substâncias químicas (atémesmo transquímicas, como os 26 elementos sintéticos, e transgênicos) sobre oscorpos de cada um de nós. Os desafios às ciências naturais, vê-se, são enormes e,até mesmo, a existência de uma ciência natural independente dos processos socie-tários está em questão.

Quanto ás ciências ditas humanas os desafios não são menores. Para nãoperder o fio com o anterior considere-se o fato de que as ciências humanas nãopodem mais continuar a ignorar a inscrição material da sociedade na natureza pormeio do espaço geográfico. Mas não param por aí os desafios. Grandes fenômenos eprocessos sociais colocam os paradigmas hegemônicos das ciências sociais em ques-tão como, por exemplo, a queda do muro de Berlin e, sobretudo, a emergência denovos protagonistas reivindicando o “direito a ter direitos” como as mulheres, ospovos originários e os afro-latino-americanos. No caso das mulheres, uma profundarevolução nas relações de poder, ainda que não uma revolução nas relações de Poder,como diria Claude Raffestin. A emergência dos povos originários e dos afro-latino-americanos na luta política se inscreve como das mais importantes quando analisa-mos seu potencial emancipatório posto que trazem consigo a própria constituiçãocontraditória do sistema mundo moderno-colonial. Esclareça-se logo que não se tratade um protagonismo que se inicia agora, mas sim de um protagonismo que ganhavisibilidade agora. Afinal, desde sempre houve resistências à dominação que consti-tui a conformação geográfica, política e cultural do sistema mundo moderno-colonial.Na Guatemala cerca de 80% da população é originária ainda hoje, sobretudo maia; naBolívia, Paraguai e Equador cerca de 65% da população falam suas línguas originárias(quéchua, aymara e guarani) no seu cotidiano; no Chile cerca de um milhão de mapu-ches reivindicam-se como tais e exigem educação própria e demarcação de seusterritórios. Os quilombos, os pallenques e cumbes são algumas das manifestações deafirmação das territorialidades afro-latino-americanas presentes a contrapelo no es-paço hegemônico, assim como muitos dos espaços de resistência marcados pelareligiosidade nas cidades latino-americanas. Se havia uma Geografia da dominação,da opressão e da exploração com suas plantations latifundiárias, monocultoras eescravizadoras havia também uma Geografia da liberdade em que camponeses ocupa-vam espaços para além dos latifúndios como posseiros e os negros construíramespaços de liberdade nos quilombos, pallenques e cumbes. Ainda hoje muitos mi-grantes nordestinos para a Amazônia dizem buscar se livrar do cativeiro, conformenos ensina Otávio Guilherme Velho. A afinidade entre os grupos, classes sociais e

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PREFÁCIO

povos subalternizados, como os camponeses, povos originários e afro-latino-ameri-canos é de vária ordem como se pode ver nos próprios quilombos, nas populaçõesmestiças amazônicas onde os cafusos se destacam, ou nos altiplanos peruanos.

As ciências humanas, inclusive as ciências híbridas como a Geografia, nãoestavam preparadas para a emergência desses movimentos. Antes de tudo porquecontinuam prisioneiras do eurocentrismo e não conseguem analisar criticamente osignificado da noção de modernidade e, assim, tornam essa noção um fundamentalismo,como diria Umberto Eco.3 Com isso ignoram a primeira moderno-colonialidade, aquelainaugurada em 1492, que dá início ao sistema mundo (Immanuel Wallerstein) queprovocou uma verdadeira revolução nas técnicas de navegação ou de produção (asprimeiras manufaturas – os engenhos – produzindo para o mercado mundial que alicomeçava a se constituir) e no plano das idéias (o Renascimento e seus philosophesantípodas como Descartes e Montaigne). Até ali o grande circuito comercial e civili-zatório do chamado mundo conhecido passava pelo Oriente e considerava-se ir parao Oriente como tomar o rumo certo na vida (“Se oriente, rapaz”, como diria GilbertoGil). Até ali, a Europa não passava de uma península da Ásia, o que continua sendo,apesar de falarmos de continente europeu numa clara agressão ao conceito de con-tinente da geologia. Eis mais uma evidência do eurocentrismo, capaz até de inven-tar um continente que, como tal, não existe. A centralidade que a Europa passará ater a partir do século XVI sob hegemonia ibérica constituindo a primeira moderno-colonialidade, só se efetiva pela riqueza obtida no novo (para os europeus) conti-nente, que os índios Kuna, e hoje, o movimento dos povos originários, dão o nomede Abya Yala. E os europeus não obtiveram essa riqueza pela sua superioridadetécnica, a não ser a militar, mas se apropriando dos conhecimentos dos povosoriginários que já dominavam a metalurgia e outros conhecimentos quando dachegada dos conquistadores, o que bem pode ser visto no acervo que hoje seencontra nos grandes museus europeus e dos Estados Unidos, mas também emmuseus fantásticos como os da cidade do México e de Bogotá. E se apropriaramdesses conhecimentos por meio da dominação. Os europeus desenvolveram aqui aprimeiras manufaturas de produção visando o mercado mundial e as operaram pormeio do trabalho escravo nas grandes monoculturas. Afinal, ninguém espontanea-mente até ali cometeria a insensatez de fazer grandes monoculturas e, por isso, otrabalho escravo, enfim, aquele que não se faz por livre vontade, foi a energia quemovimentou a sistema de plantation com sua monocultura e seus engenhos escra-vocratas. Não havia nada de mais moderno no mundo até então e estava aqui nanuestra América (no Haiti, em Cuba, na zona da Mata nordestina) e somente umaciência social colonizada tenta contar a história da moderna manufatura a partir daEuropa! E por meio desse silêncio produzido pelo eurocentrismo se esconde a

3 Fundamentalismo, segundo Umberto Eco é aquela idéia que não se analisa criticamente e que sequer tornando-se evidente por si própria, enfim, um fundamento.

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clivagem que constitui a modernidade que, assim, tenta invisibilizar a colonialidadeque lhe é constitutiva. A modernidade sempre aparece como ideal a ser atingido porsuas qualidades positivas o que só é possível ignorando-se o seu-outro que é acolonialidade, enfim, o papel protagônico dos povos originários e dos afro-latino-americanos na sua conformação, ainda que subalternizados pelas assimétricas rela-ções de poder que conformam o sistema mundo moderno-colonial. A constituiçãodesse sistema mundo não é obra dos europeus somente, mas sim dessa relação cujaclivagem nos constitui até hoje, enfim, o sistema mundo moderno-colonial. Eis maisum dos males do eurocentrismo,4 qual seja, sua perspectiva provinciana que vê omundo a partir do seu próprio umbigo e, com isso, ignora o mundo na sua diversi-dade. É o que se depreende da própria expressão indígena cunhada pelos europeuspara designar os povos que aqui habitavam, até porque como eles procuravam asÍndias o que eles encontravam só podia ser o que procuravam e não o que existia nasua enorme diversidade. Daí o movimento subalterno hoje invocar a expressãopovos originários para designar os povos indígenas.

A idéia fundamentalista de modernidade tem um forte componente evolucionis-ta que vê cada lugar do mundo não a partir de si mesmo, mas como se fosse umestágio da evolução da Europa. Assim, sobrevaloriza o tempo, ainda que numa pers-pectiva unilinear, e ignora o espaço onde mais que um tempo linear convivem diferen-tes temporalidades, enfim onde habita a simultaneidade. O exemplo acima parece bemclaro: a constituição do sistema mundo não pode ignorar o papel protagônico deoutros espaços, como as Índias Ocidentais, antes Abya Yala e, depois, América e,ainda, da África. Não olvidemos que a África que temos hoje não é o resultado dahistória dos povos africanos somente, mas a história da subordinação, exploração,diáspora que constituiu a formação geográfica daquele continente, sobretudo depoisda subordinação imposta pelos europeus por meio de seus conquistadores, religio-sos e negociantes. A Geografia, quando liberta do eurocentrismo começa a deixarfalar as relações sociais e de poder que conformam o espaço assimétrico do sistemamundo moderno-colonial. Assim, podemos entender, junto com o escritor Angel Rama,que aqui na América Latina se implantaram as primeiras cidades planejadas racional-mente cuja racionalidade, desde o início, foi de uma razão feita não para emancipar,mas para dominar. São as cidades das letras contra os povos originários e os afro-latino-americanos considerados iletrados! Hoje nuestra América tem aproximadamente70% de sua população total morando nas cidades, mas 70% desses habitantes estãonos barrios, nas vilas misérias ou favelas em sua maior parte conformada por mesti-ços, afrodescendentes ou descendentes dos povos originários. Os bairros ricos,

4 Aliás, não é só do eurocentrismo, mas de qualquer perspectiva que ignore o outro na sua alteridade,o que bem pode nos levar ao latino-americanocentrismo ou ao afrocentrismo. O que convocamosé ao estudo da relação, inclusive, das relações de poder que buscam invisibilizar o outro na suaoutridade. Enfim, a Europa na sua relação com a América e coma África e o sistema de poder quese conformou por meio do sistema mundo moderno-colonial.

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PREFÁCIO

cada vez mais condomínios fechados, são, sobretudo habitados pelos criollos, naAmérica hispânica como são chamados os descendentes de brancos. Não olvidemosque mesmo em Paris, Londres ou Nova Iorque a Geografia do sistema moderno-colonial se reproduz à escala do espaço urbano, como cada dia mais faz ver o gritodos pobres afrodescendentes, dos descendentes dos povos originários, dos des-cendentes de asiáticos ou do Oriente Médio que habitam os subúrbios dessas gran-des cidades.

O sistema mundo moderno-colonial, e sua Geografia, se conformou por meio dadiscriminação racial. Nos Estados Unidos os negros só obtiveram o direito de votarem 1964, o que põe seriamente sob crítica o epíteto de guardião da democracia, paraalém de outras demonstrações do Império do caráter meramente tático desse conceito(é só ver o que os ideólogos estadunidenses chamam convenientemente de “mundolivre”). A emergência hoje do movimento que luta por demarcação das terras por partedessas populações ou luta por cotas nas universidades depois de organizarem por simesmos os vestibulares comunitários – afinal ter direito à terra e direito à educaçãoforam direitos historicamente a eles negados – traz à luz os fundamentos do própriosistema mundo moderno-colonial com seu racismo constitutivo e, por isso, são pode-rosas as forças que contra esse movimento se levantam. A publicação deste livrocumpre, assim, um papel importantíssimo no embate epistêmico e político contempo-râneo colocando a Geografia mais próxima daqueles que pela posição subalterna queocupam na sociedade se vêem obrigados a uma compreensão mais completa docomplexo sistema de dominação a que estamos submetidos e, assim, abrindo espaçoá construção de um espaço mais generoso, mais igualitário, mais justo, mais democrá-tico. Os quilombos, sabemos, não eram espaços de negros, embora principalmente denegros, mas espaços de liberdade e, quem sabe, seja essa a principal mensagem quedaí emana. Que os negros tenham direito de invocar sua diferença toda vez que aigualdade lhes discrimina e reivindicar a igualdade toda vez que a diferença lhesdesqualifique, conforme assinala Boaventura de Sousa Santos.

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APRESENTAÇÃO

Este livro é um primeiro esforço para subsidiar a superação de alguns dilemasvividos por mim e por muitos pesquisadores (negros e também não-negros interes-sados no tratamento de temas ligados às relações raciais na Geografia Brasileira) aolongo de minha formação acadêmica, na experiência em sala de aula e como pesqui-sador. Vou compartilhar alguns deles, para que possamos alcançar uma compreensãoda importância que atribuo a este trabalho, que é, acima de tudo, um passo na direçãoda constituição de um campo dialógico dentro da Geografia Brasileira, campo queconsidero em início não pelo pioneirismo do enfrentamento a que se propõe estapublicação, mas sim pela proficuidade dos diálogos possíveis entre os trabalhos aquireunidos e muitos outros que, por razões diversas, não pudemos aqui incluir.

Certa vez, ministrando a disciplina Geografia Agrária do Brasil, resolvi abordaralguns temas que não fizeram parte de minha formação inicial, mas que, diante daminha visão de mundo e da minha postura militante, não poderiam estar ausentes naformação de geógrafos brasileiros – e, em especial, porque se tratava da formaçãode professores de Geografia. Inseri no programa, entre outros, tópicos relativos àquestão indígena e às comunidades remanescentes de quilombos. Na aula dedicadaao segundo destes pontos, expus para a turma dois vídeos curtos, sobre duascomunidades, cada uma com grau/forma diferenciado de “isolamento”/relação coma “civilização branca” – ou, com o avanço do meio técnico-científico-informacional–, e com diferenciados graus de preservação de suas culturas ancestrais e distintasformas de relação sociedade-natureza. Trabalhei e discuti materiais de autoria deRafael Sanzio, um dos colaboradores deste volume, com destaque para o mapa doBrasil com a distribuição espacial das comunidades e a discussão sobre a Geografiado aprisionamento e as rotas de procedência de africanos escravizados de seucontinente para o Brasil. Após a apresentação e discussão, indaguei aos alunos daturma “como eles inseririam e trabalhariam este conteúdo na aula de Geografia

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deles”. Em meio ao silêncio (nada incomum), me veio a seguinte resposta: “quando eufosse falar de África”.

Após o momentâneo desapontamento, duas certezas me vieram. Primeiro, a deque aquela resposta era fruto de algo não banal: a Geografia do Brasil assimilada eelaborada pelos meus alunos não comportava nem a idéia do Negro enquanto entesocial, e nem das relações raciais enquanto constituintes de nossa estrutura socialque grafa o espaço e produz geo-grafias. Mesmo mostrando e trabalhando um mapado Brasil que exibia mais de mil comunidades remanescentes de quilombos, e discu-tindo o quanto tais “rugosidades” eram a grafagem de lutas históricas, a Geografia doBrasil que eles estavam cristalizando em seus corações e mentes simplesmente apa-gava tais elementos do território, de forma que era mais fácil (ou, possível) abordartais assuntos na Geografia da África. Em segundo, como decorrência disso, percebi oquanto era necessário reunir e difundir materiais acerca destes temas em nossa Geo-grafia. Afinal, o que foi trabalhado era uma marca de lutas históricas presente por todaa extensão do território nacional, uma rugosidade proeminente por todo o espaçobrasileiro, e que era percebida como incongruente e inassimilável com a Geografia doBrasil tal qual meus alunos a concebiam. Por isso, era mais fácil inserir tais conteúdosquando eles fossem falar de África!!

Aquela incongruência evidenciava a forma como o ensino de Geografia doBrasil, no caso específico, quando do tratamento do espaço agrário, não contempla-va satisfatoriamente a questão da diversidade e das relações étnico-culturais e raciais.Nesse sentido, temas como a modernização, o agro-negócio, os sistemas produtivose problemas como o êxodo rural, são privilegiados construindo a imagem de umespaço, que, antes mesmo de ser hegemonizado por tais fatos/processos decorrentesdo avanço das relações de produção capitalistas, já possui a imagem de espaçohomogêneo, como se estas relações avançassem sobre o nada (e, para isto, contribuidecisivamente a idéia de “vazio demográfico”, tão utilizada nas explanações geográ-ficas e que acaba por ocultar e autorizar as violências sofridas pelas populaçõestradicionais ocupantes destas áreas para onde avança a fronteira agrícola). E, con-venhamos, uma Geografia – mesmo que se pretenda crítica – que preconiza ou constróia imagem de um espaço homogêneo só pode mesmo estar se valendo de atalhos cogni-tivos! Daí a minha dificuldade com os alunos ao trabalhar um espaço agrário plural, comdiferentes formas de relação sociedade-natureza, e diferentes relações entre as socie-dades, expressas na luta pela terra e pelos territórios (enquanto totalidade que con-tém a natureza e as formas de sua apropriação através da organização social) quecaracterizam as lutas dos povos remanescentes de quilombos e indígenas.

As conseqüências sociais mais concretas deste “alisamento (analítico) do es-paço”, para tomarmos emprestada a expressão de Gilles Deleuze e Félix Guattari, eu fuiconhecer recentemente, quando visitei a região centro-oeste do estado do Paraná.Lá, conheci a luta de uma comunidade remanescente de quilombo que, há algumasdécadas, teve suas terras griladas, seus moradores mais resistentes expulsos através

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APRESENTAÇÃO

de violência armada, e a maior parte de sua área utilizada para assentamentos deimigrantes. Recentemente, algumas lideranças se articularam para rever o patrimônioperdido e, praticamente, reconstituir a comunidade. Sua luta, entretanto, encontracomo barreira o descrédito que seus porta-vozes recebem quando, seja na própriaregião, seja na capital Curitiba, seja em Brasília, manifestam ser quilombolas no Para-ná: “Quilombo no Paraná?”, “Mas no Paraná há negros?”, “Ué, no Paraná não houveescravidão, lá houve assentamentos, colônias, de alemães, poloneses, ucranianos, etc.,mas escravidão, negros, não!”, são falas que, proferidas por representantes governa-mentais de diferentes esferas, autoridades do Poder Judiciário e tecnoburocratas deautarquias e órgãos públicos, justificam atitudes (e inércias!) que atravancam os pro-cessos de reconhecimento, demarcação e titulação daquela e de diversas outras co-munidades naquela região e pelo Brasil afora – mesmo que a “escravidão no Brasil meri-dional” já tenha sido objeto de obras clássicas das Ciências Sociais brasileiras.

Este exemplo nos mostra como a produção de uma imagem de território queremete exclusivamente à colonização pela imigração européia oculta a presençanegra, apaga a escravidão da história da região e assim autoriza violências diver-sas. Nos mostra a responsabilidade social que tem o ensino de Geografia do Brasil,porque estamos informando às pessoas sobre o país que elas vivem e que elasajudam a construir.

Nos dois episódios narrados percebi o quanto as Geografias do Brasil hegemo-nicamente construídas funcionam como instrumentos de leitura da realidade que,resultante de intencionalidades ou não, impedem que os lados perversos do nossopadrão de relações raciais possam ser percebidos e/ou revelados. E, me recordeitambém o quanto este ocultamento esteve presente ao longo de minha formação,através do silenciamento da problemática e da invisibilização das questões que delaemergem. Me recordei novamente das tentativas que fiz, desde a graduação, de pro-por como trabalho de pesquisa a segregação racial no espaço urbano – temática queneste volume aparece em dois artigos –, e de como fui desestimulado e desencoraja-do por vários professores. O silenciamento por parte da academia brasileira em rela-ção a esses temas tem impacto inclusive sobre a própria trajetória acadêmica dosestudantes – negros e não negros – que têm interesse em desenvolver tais temas. Porisso estamos aqui reunindo alguns estudos, visando constituir referenciais que per-mitam fortalecer dentro da Geografia Brasileira um campo temático, e com isso possi-bilitar que estudantes negros e não-negros que se identifiquem com ele sejam estimu-lados a produzir conhecimento dando desdobramentos a estas reflexões. A grandemaioria dos estudantes e geógrafos na atualidade passam pela faculdade de Geo-grafia sem ver nada sistematizado acera destas temáticas, dentro das múltiplaspossibilidades de construção de conhecimento que a Geografia oferece.

Hoje, temos um marco que nos permite trazer essas discussões para o ensino daGeografia, que é a Lei 10.639. Essa lei é tratada na Parte 1, “A lei 10.639 e o ensino deGeografia”. Ela coloca na ordem do dia – de diferentes maneiras – que o mundo da

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educação tem que refletir sobre essas questões, tem que refletir sobre a forma comoas relações raciais são tratadas dentro de conteúdos programáticos e também depraticas pedagógicas. Ela nos provoca, portanto, a inserir novos conteúdos, mas,sobretudo, a rever conteúdos e práticas pedagógicas. Este volume também se preten-de uma contribuição nesta direção, de subsidiar a implementação da Lei 10.639 noensino de Geografia, trazendo temas, reflexões, e provocando novas reflexões. Nessesentido, o volume se inicia com nosso texto, que problematiza exatamente a relação daLei com o ensino de Geografia, apontando como este, a partir de uma reflexão sobreseu próprio sentido e função social, pode e deve incorporar e rever leituras de espaçoe território que contemplem esta dimensão racial enquanto reguladora de relaçõessociais e constituinte da própria construção da nossa sociedade e do espaço. Osdemais textos aqui reunidos buscam alargar esta leitura do papel da dimensão racialpresente em nossa organização social e seus rebatimentos espaciais.

Os textos de Aníbal Quijano e Percy Hintzen, na Parte 2 denominada “Raça,espaço e tempo na modernidade”, nos mostram como a “raça” – independentementedo debate que em torno dela se trava nas ciências biológicas – é uma categoria socialartificial e crucial na estruturação de sistemas de hierarquia, exploração e dominação(inter e intra-nacionais) no período histórico denominado de modernidade e, o quan-to estes sistemas baseados em raça são ainda atuais e fundamentais para a acumu-lação capitalista. Mostram, também, a fluidez e a maleabilidade desta categoriaenquanto reguladora de relações sociais: ela não compõe sistemas de posições fixasnas interações sociais, mas, sim, emerge e é mobilizada de acordo com interesses queinterferem nas construções espaço-temporais das sociedades contemporâneas.

Os artigos seguintes na parte 3, “A segregação social em tela: Relações raciaise o espaço urbano brasileiro”, mostram diferentes expressões espaciais destes siste-mas de relações sociais baseados em raça, atentando para a realidade brasileira. Emseus artigos, Raquel Rolnik e Eduardo Rios Neto mostram diferentes dimensões raciaisda segregação no espaço urbano. Enquanto a primeira autora demonstra a conforma-ção de um quadro segregacionista histórico que remonta ao passado escravocrata, eque constrói territórios marcados racialmente no espaço urbano (ela trabalha as rea-lidades do Rio de Janeiro e de São Paulo), com dimensões e referências materiais esimbólicas próprias – além dos estigmas socialmente criados – que são constante-mente atualizados, o segundo nos mostra, através de pesquisa e sistematização dedados em nove capitais, como as desigualdades sociais baseadas em raça delineiampadrões espaciais de segregação urbana, revelando como as desigualdades de ren-da, escolaridade, bem como o acesso diferenciado aos equipamentos urbanos, têm nasua espacialização uma chave de leitura para o padrão de relações raciais brasileiro.

Os artigos de Rafael Sanzio Araújo dos Anjos e Bernardo Mançano Fernandes– este com a co-autoria de Dagoberto José da Fonseca, Anderson Antônio da Silvae Eduardo Paulon Girardi –, na parte que intitulamos “Geo-grafias de lutas, geo-grafias históricas, relações raciais e o espaço agrário brasileiro”, mostram como a

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constituição histórica do agro no Brasil é permeada por uma conflitividade e umaconflitualidade que são também raciais. E, de diferentes formas, estas lutas históricas,do passado e do presente, grafam este espaço com rugosidades, com marcas e remi-niscências materializadas em comunidades, em nomenclaturas, em toponímias queremetem à resistência dos negros à escravidão – desafiando narrativas da história daluta pela terra no Brasil que ignoram este passado. A luta pela terra é, também, lutapelos símbolos, pelos significados e pelas imagens de território que, ao apagar opassado, autorizam, legitimam e viabilizam violências no presente.

Por fim, reunimos também dois textos que falam de África, numa parte queintitulamos “Revisitando África” parte 5. Mesmo em se tratando de um livro voltadopara a compreensão da realidade brasileira, consideramos importante também incor-porar elementos de compreensão da realidade africana, afinal, a associação constante(e, quase que exclusiva) da imagem da África a pobreza e tragédias também funcionacomo uma estratégia de inculcação de subjetividades que naturalizam a condiçãosubalterna dos negros no Brasil, como extensão da condição africana. Compreenderas raízes históricas da situação atual das múltiplas realidades do continente africanonos auxilia não somente a desmistificar e desvelar esta associação, mas também arever leituras da história e da realidade brasileira. Os artigos de Dagoberto José daFonseca e Frédéric Monié – este com a co-autoria de Isaac Gabriel Gayer Fialho daRosa e Vânia Regina Amorim da Silva – são importantes contribuições neste sentido.

Agradecemos a todos os autores que colaboraram neste volume, com artigosoriginais ou permitindo a republicação de artigos que consideramos de vital impor-tância para a construção do campo. Suas idéias, aqui reunidas, se complementam, seconfrontam, enfim, provocam o leitor a refletir e, como gosta de afirmar o prof. CarlosWalter Porto Gonçalves, que nos honra ao prefaciar este livro, cumprem o papel doverdadeiro intelectual, “aquele que ao pensar, dá o que pensar”. Agradecemos tam-bém a todos os nossos colegas do Departamento de Geografia da Faculdade deFormação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Campus deSão Gonçalo. Sem o seu apoio institucional, pessoal, teórico, epistemológico e, acimade tudo, militante na construção de um ensino de Geografia transformador, iniciativascomo esta não seriam possíveis.

Vemos este livro como um primeiro passo de uma caminhada que é, semdúvida, bastante longa. Esperamos, ao reunir estes trabalhos, estimular não so-mente as nossas próprias produções, mas a de outros professores, geógrafos,estudantes de Geografia e disciplinas afins, que contribuam para a releitura donosso espaço e das nossas relações raciais, pela construção de uma educação paraa igualdade racial, e de uma sociedade que seja realmente democrática e igualitária.

Renato Emerson dos Santos

Outono de 2007

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