dissertao final pedro henrique barbosa de abreu - saúde coletiva.pdf
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PEDRO HENRIQUE BARBOSA DE ABREU
O AGRICULTOR FAMILIAR E O USO (IN)SEGURO DE
AGROTXICOS NO MUNICPIO DE LAVRAS, MG
CAMPINAS 2014
UNICAMP
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CINCIAS MDICAS
PEDRO HENRIQUE BARBOSA DE ABREU
O AGRICULTOR FAMILIAR E O USO (IN)SEGURO DE
AGROTXICOS NO MUNICPIO DE LAVRAS, MG
Orientador: Prof. Dr. Herling Gregorio Aguilar Alonzo
Dissertao de Mestrado apresentada
Ps-Graduao em Sade Coletiva da Faculdade de Cincias Mdicas
da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP para obteno do
ttulo de Mestre em Sade Coletiva, rea de concentrao: Poltica,
Planejamento e Gesto em Sade.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE A VERSO FINAL DA DISSERTAO DEFENDIDA PELO ALUNO PEDRO HENRIQUE BARBOSA DE ABREU E ORIENTADA PELO PROF. DR. HERLING GREGORIO AGUILAR ALONZO
Assinatura do orientador
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CAMPINAS 2014
UNICAMP
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Aos meus pais, Agostinho e Ana Eliza,
aos meus irmos, Luciana e Daniel,
minha v, Nathlia, e aos meus
sobrinhos, Enrico Plico e Enzo Bolota.
Cada um ao seu modo, vocs me
enchem de coragem.
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AGRADECIMENTOS
Ao Orientador Herling Alonzo, pela confiana, amizade e parceira desenvolvidas
juntamente com este trabalho. Este s o comeo, meu caro.
Aos Agentes Comunitrios de Sade da zona rural Edmar (Paiol), Joo Batista
(Funil), Gilcelena (Itirapuan), Jurandir (Fonseca e Tabues), Damiana (Serrinha e
Cachoeirinha), Rosilda (Tomba e Faria), Vnia (Trs Barras), Reiziane (Boa Vista),
Maria Clarete (Cajuru do Cervo), Lcia (Engenho de Serra), Letcia (Maranho e
Rosas), Leandro (Pimentas) e Elaine (Salto das Trs Barras) e aos funcionrios
das Unidades Bsicas de Sade Novo Horizonte e gua Limpa, pela disposio e
dedicao com que me ajudaram a identificar as famlias e os caminhos da zona
rural do nosso municpio. Vocs foram fundamentais para este trabalho.
Aos funcionrios da Emater Local de Lavras Abelardes Figueiredo, Elter Vieira,
Hely Rezende, Manoel Silva, Carla Vilas Boas e Marco Canestri (atualmente na
Unidade Central, em Belo Horizonte), pelo grande apoio dado na fase de
estruturao e articulao do projeto e tambm aos membros do Conselho
Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel.
Aos Secretrios Municipais de Sade Jos Mouro (2009 2012) e Gilza Helena
de Carvalho (2013), pela prontido com que me atenderam e me deram
autorizao para desenvolver os trabalhos em Lavras.
equipe de Sade da Famlia que atende a zona rural de Lavras e Lilian de
Oliveira, enfermeira desta equipe e coordenadora dos Agentes Comunitrios de
Sade da zona rural, por me deixar atrapalhar algumas reunies dos agentes.
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s Secretrias Municipais Andra Vieira (Meio Ambiente) e Patrcia Goulart
(Assuntos Rurais) e aos funcionrios Edson Alves (Duti) e ngela Nogueira da
Secretaria de Assuntos Rurais, pela ateno e apoio.
professora Silvia Santiago e pesquisadora Kellen Junqueira, pelas sugestes
e direcionamentos dados na qualificao deste trabalho.
Ao professor Giovanni Rabello, da UFLA, e s Fernandas (Costa e Martins), suas
monitoras, pelo trabalho de transcrio das entrevistas.
Ao amigo Guaraci Diniz, do Stio Duas Cachoeiras (Amparo SP), por demonstrar
e compartilhar os caminhos para a real (e totalmente possvel) independncia na
produo de alimentos, no trabalho e na vida.
s grandes amigas Ana Luiza Oliveira, Elizabeth Cabral, Mercs Santos, Ana
Cludia Mor e Maria Renata Furlanetti e aos camaradas Hugo Paggiaro, Gustavo
Leo, Celso Pires, Victor Soares e Willian Oguido. As risadas, perrengues,
reflexes e indignaes que compartilhamos nos ltimos dois anos me ensinaram
mais do que qualquer livro ou artigo cientfico.
Ao irmo Lucas Bronzatto, pela constante inspirao que sua amizade, militncia
e poemas me trazem. J te ligo, Cacaroto.
Ao irmo Paulo Henrique Borges (Fusca), que me disse mi casa, su casa quando
precisei de um canto e de tranquilidade para reorganizar a vida e para finalizar
este trabalho com intensidade e carinho. Como amigos-irmos no costumam
enxergar necessidade em agradecimentos, eu retribuo com a frase de sempre: o
que a vida quer da gente coragem.
Agradeo, por fim, Lgia, que foi parte importante deste trabalho.
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Eu queria decifrar as coisas que so
importantes. Queria entender do medo e
da coragem, e da g que empurra a
gente para fazer tantos atos, dar corpo
ao suceder.
Aqui digo: que se teme por amor; mas
que, por amor, tambm, que a
coragem se faz.
Grande Serto: Veredas
Joo Guimares Rosa
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RESUMO
Foco das polticas pblicas direcionadas aos trabalhadores rurais expostos aos
agrotxicos nos pases em desenvolvimento, o uso seguro sustenta-se em uma
srie de medidas de controle dos riscos envolvidos na manipulao destes
produtos. Idealizado pelas indstrias qumicas, este paradigma de segurana foi
adotado no Brasil como base conceitual da legislao que regulamenta a
utilizao de agrotxicos. No entanto, estudos realizados em diversas regies do
Pas revelam um quadro crescente de exposio e danos sade humana e de
contaminao ambiental, entre outros impactos negativos, aqui entendidos como
consequncia do incentivo pblico e privado utilizao destes produtos
associado ineficcia da adoo deste paradigma de segurana. O objetivo deste
trabalho foi analisar a viabilidade de cumprimento do uso seguro de agrotxicos
no contexto da agricultura familiar do municpio de Lavras, MG. Em 2013, foram
entrevistados trabalhadores de 81 unidades de produo familiar nas 19
comunidades rurais existentes em Lavras. Os dados coletados foram registrados
em gravador de udio e em questionrio semi-estruturado contendo blocos de
perguntas sobre aspectos socioeconmicos e sobre as prticas de trabalho nas
atividades de aquisio, transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino
final de embalagens vazias e lavagem de roupas/EPIs contaminados. Como
referncias, foram utilizados manuais de segurana elaborados pela associao
das indstrias qumicas no Brasil e por instituies pblicas de sade, agricultura e
trabalho. Os resultados apontaram que a aquisio de agrotxicos feita sem
percia tcnica para indicar a real necessidade de utilizao destes produtos, que
a receita agronmica predominantemente fornecida por funcionrios dos
estabelecimentos comerciais, e que os agricultores no recebem informaes e
instrues adequadas sobre medidas de segurana no momento da compra; que
o transporte de agrotxicos realizado nos veculos disponveis
(caminhonetes/caminhes no adaptados aos requerimentos de segurana, carros
fechados, motos e/ou nibus) e que os agricultores familiares no recebem
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documentos de segurana obrigatrios por parte dos estabelecimentos
comerciais; que os agricultores familiares utilizam as construes que dispem
para o armazenamento de agrotxicos, independente das condies estruturais e
da proximidade das mesmas com residncias e/ou fontes de gua; que o tamanho
das propriedades impossibilita que o preparo e a aplicao sejam realizados a
uma distncia que impea que os agrotxicos atinjam residncias e reas de
circulao de pessoas e que existe carncia de informao e de assistncia
tcnica no que diz respeito aos EPIs e s outras medidas de segurana
necessrias nestas atividades; que as dificuldades criadas pelos estabelecimentos
comerciais assim como os custos envolvidos na atividade so os principais
motivos para a no devoluo das embalagens vazias; e que, por carncia de
informao, a lavagem das vestimentas e EPIs contaminados por agrotxicos
entendida como atividade domstica comum, sendo, portanto, realizada sem a
observao de medidas de segurana. Conclui-se que a tecnologia agroqumica
no pode ser utilizada sob os conceitos de controle de riscos na estrutura geral
das unidades produtivas de agricultura familiar visitadas em Lavras, no existindo,
desta forma, viabilidade de cumprimento das inmeras e complexas medidas de
uso seguro de agrotxicos no contexto socioeconmico destes trabalhadores
rurais.
PALAVRAS CHAVE: Agrotxicos, Risco, Vigilncia Sanitria Ambiental, Sade da
Populao Rural, Fatores Socioeconmicos.
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ABSTRACT
Focus of public policies aimed to developing countries rural workers exposed to
pesticides in developing countries, the safe use support oneself in a series of risk
control measures involved on these products handling. Idealized by chemical
industry, this safety paradigm was adopted in Brazil as the conceptual principle of
the legislation that regulates the use of pesticides. However, studies carried out in
several Countrys regions reveal a growing context of exposition and human health
damage and environmental contamination, among other negative impacts,
understood here as a consequence of public and private incentive to these
products utilization combined with the ineffectiveness of these safety paradigm
adoption. This work objective was to analyze the feasibility of safe use of
pesticide fulfillment in the context of familiar agriculture in the city of Lavras (MG).
In 2013, workers of 81 familiar production units in the 19 rural communities existing
in Lavras were interviewed. The collected data were recorded in audio recorder
and in semi-structured questionnaire containing blocks of questions about
socioeconomic aspects and about work practices in activities of acquisition,
transportation, storage, preparation and application, empty containers final
destination and contaminated clothes/PPEs washing. As references, safety
manuals made by the chemical industry association in Brazil and by health,
agriculture and labour public institutions were used. Results shows that pesticides
acquisition is done without technical inspection to indicate the real necessity of
use of these products, that agronomic prescription is predominantly provided by
pesticides market employees and that farmers do not receive adequate information
and instructions about safety measures in the moment of purchase; that pesticides
transportation is carried out in available vehicles (do not adapted to safety
requirements trucks, ordinary cars, motorcycles and/or bus) and that familiar
farmers do not receive mandatory safety documents by pesticides market
employees; that familiar farmers use available buildings in their property to storage
pesticides, independently of structural conditions and proximity to residences
and/or water sources; that the production units size makes impossible that the
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preparation and the application could be carried out in a distance that prevent
pesticides to reach residences and people circulation areas and that there is lack
of information and technical assistance regarding PPEs and other safety measures
needed in this activity; that difficulties created by pesticides sellers as well as the
costs involved in the activity are the main reasons to not return empty containers;
and that, by lack of information, washing of vestments and PPEs contaminated
by pesticides is understood as ordinary domestic activity, being, therefore, carried
out without safety measures observation. One concluded that agrochemical
technology cannot be used under the risk control concepts in the general structure
of production units of familiar agriculture visited in Lavras, being, therefore,
impossible the fulfillment of the countless and complex safe use of pesticides
measures in the socioeconomic context of these rural workers.
KEY WORDS: Pesticides, Risk, Environmental Health Surveillance, Rural Health,
Socioeconomic Factors.
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LISTA DE ILUSTRAES LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Estudos segundo medidas de segurana nas atividades de trabalho com agrotxicos. Brasil, 2000-2013..........................................................41
Tabela 2. Distribuio das unidades produtivas de agricultura familiar segundo regio rural, percentual e nmero de entrevistas realizadas.
Lavras, MG, 2013...................................................................................................66 Tabela 3. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo
caractersticas socioeconmicas. Lavras, MG, 2013..............................................72 Tabela 4. Responsveis pelas unidades produtivas de agricultura
familiar segundo caractersticas socioeconmicas. Lavras, MG, 2013..................73 Tabela 5. Proporo de unidades produtivas de agricultura familiar
segundo renda mensal mdia familiar, nmero de agrotxicos utilizados e nmero de trabalhadores que os manipulam. Lavras, MG, 2013........................................................................................................................79
Tabela 6. Agricultores familiares segundo prticas de aquisio de agrotxicos. Lavras, MG, 2013...............................................................................83
Tabela 7. Agricultores familiares segundo forma de transporte de agrotxicos. Lavras, MG, 2013...............................................................................92
Tabela 8. Agricultores familiares segundo caractersticas de transporte de agrotxicos em veculos com caamba. Lavras, MG, 2013................................................................................................................94
Tabela 9. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo local de armazenamento dos agrotxicos e caractersticas
estruturais das construes independentes de armazenamento utilizadas. Lavras, MG, 2013................................................................................100
Tabela 10. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo forma de armazenamento dos agrotxicos nas construes independentes e outros itens armazenados no mesmo ambiente.
Lavras, MG, 2013.................................................................................................104 Tabela 11. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo
condies de acesso ao local independente de armazenamento de agrotxicos. Lavras, MG, 2013.............................................106
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Tabela 12. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo distncias de segurana do local independente de armazenamento de agrotxicos. Lavras, MG, 2013........................................................................107
Tabela 13. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas de preparo de agrotxicos pelos trabalhadores.
Lavras, MG, 2013.................................................................................................111
Tabela 14. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo
utilizao de EPIs na atividade de preparo de agrotxicos pelos trabalhadores. Lavras, MG, 2013.........................................................................113
Tabela 15. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas de aplicao de agrotxicos pelos trabalhadores. Lavras, MG, 2013.................................................................................................114
Tabela 16. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo utilizao de EPIs na atividade de aplicao pelos trabalhadores.
Lavras, MG, 2013.................................................................................................119 Tabela 17. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo
frequncia e procedimentos de utilizao dos EPIs. Lavras, MG, 2013.................................................................................................121
Tabela 18. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo conhecimento e verificao pelos trabalhadores do Certificado de Aprovao dos EPIs no momento da compra. Lavras, MG, 2013........................127
Tabela 19. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo fontes de indicaes e informaes dos trabalhadores sobre EPIs.
Lavras, MG, 2013.................................................................................................128 Tabela 20. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo
conhecimento dos trabalhadores sobre o significado de Perodo de Reentrada e de Carncia. Lavras, MG, 2013..................................................133
Tabela 21. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas de higiene pessoal dos trabalhadores que preparam e aplicam agrotxicos. Lavras, MG, 2013.............................................................135
Tabela 22. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas relacionadas ao destino final das embalagens vazias
realizadas. Lavras, MG, 2013...............................................................................138
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Tabela 23. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas relacionadas lavagem de roupas/EPIs contaminados. Lavras, MG, 2013.................................................................................................143
Tabela 24. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo caractersticas relacionadas estrutura de lavagem de
roupas/EPIs contaminados. Lavras, MG, 2013....................................................144
Tabela 25. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas relacionadas lavagem das roupas de proteo impermeveis. Lavras, MG, 2013.........................................................................147
LISTA DE QUADROS Quadro 1. Resumo das medidas de uso seguro referentes s atividades de aquisio, transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino final das embalagens vazias e lavagem das roupas/EPIs contaminados por agrotxicos descritas nos
manuais da ANDEF................................................................................................38 Quadro 2. Nmero de citaes dos grupos qumicos/princpios
ativos por grupo qumico/princpios ativos e produtos comerciais utilizados nas unidades produtivas. Lavras, MG, 2013........................................................200
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Representao das regies e comunidades rurais de Lavras, MG, em mapa do sistema virio rural do municpio...................................67
Figura 2. Velocidade do ar e caractersticas do vento a serem consideradas na deciso de aplicar agrotxicos..................................................117
Figura 3. Ordem de vestir e retirar os equipamentos de proteo segundo uso seguro...........................................................................................120
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANDEF - Associao Nacional de Defesa Vegetal
Abiquim Associao Brasileira da Indstria Qumica
Anvisa - Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
C.A. - Certificado de Aprovao
CEMIG - Companhia Energtica de Minas Gerais
CEP - Comit de tica em Pesquisa
CIPA - Comisso Interna de Preveno de Acidentes
CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica
CPF - Cadastro de Pessoa Fsica
DDT - Diclorodifeniltricloroetano
Emater - Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
EPA - Agncia de Proteo Ambiental
EPI - Equipamento de Proteo Individual
ESF - Equipes de Sade da Famlia
FAO - Food and Agriculture Organization
FCM - Faculdade de Cincias Mdicas
Fundacentro - Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do
Trabalho
GCPF - Global Crop Protection Federation
GIFAP - International Group of National Associations of Agrochemical
Manufacturers
ha - Hectares
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ICP - Industry Cooperative Programme
IMA - Instituto Mineiro de Agropecuria
INPEV - Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias
MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
MMA - Ministrio do Meio Ambiente
MS - Ministrio da Sade
MSF - Programa Minas Sem Fome
MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego
NR 31 - Norma Regulamentadora no 31
ONU - Organizao das Naes Unidas
PIB - Produto Interno Bruto
PNAE - Programa Nacional de Alimentao Escolar
Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
RG - Registro Geral
SAMU - Servio de Atendimento Mvel de Urgncia
SENAR - Servio Nacional de Aprendizagem Rural
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UBS - Unidades Bsicas de Sade
UFLA - Universidade Federal de Lavras
UNEP - United Nations Environment Programme
Unicamp - Universidade Estadual de Campinas
URPA - Unidade Regional de Pronto Atendimento
USAID - United States Agency for International Development
WHO - World Health Organization
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SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................... 25
2 JUSTIFICATIVA............................................................................................. 31
3 OBJETIVOS ................................................................................................... 45
3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 45
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .................................................................. 45
4 MATERIAL E MTODOS .............................................................................. 47
4.1 LOCAL DO ESTUDO.............................................................................. 47
4.2 DESENHO DO ESTUDO ....................................................................... 49
4.3 SUJEITOS ............................................................................................... 49
4.4 POPULAO E AMOSTRA ................................................................... 50
4.5 VARIVEIS E INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ................... 53
4.6 PILOTO DO QUESTIONRIO E COLETA DE DADOS ....................... 56
4.7 ANLISE DE DADOS ............................................................................. 58
4.8 COMIT DE TICA ................................................................................ 61
5 RESULTADOS E DISCUSSO .................................................................... 63
5.1 CONTEXTO GERAL DO TRABALHO DE CAMPO .............................. 63
5.1.1 ARTICULAO PR-CAMPO ........................................................ 63
5.1.2 TRABALHO DE CAMPO ................................................................. 65
5.2 CARACTERSTICAS SOCIOECONMICAS ........................................ 69
5.3 AQUISIO DOS AGROTXICOS....................................................... 81
5.4 TRANSPORTE ....................................................................................... 91
5.5 ARMAZENAMENTO ............................................................................... 99
5.6 PREPARO E APLICAO ................................................................... 108
5.7 DESTINO FINAL DAS EMBALAGENS VAZIAS ................................. 136
5.8 LAVAGEM DE ROUPAS/EPIs CONTAMINADOS .............................. 141
6 CONSIDERAES FINAIS E CONCLUSES .......................................... 149
7 REFERNCIAS ........................................................................................... 159
ANEXO I QUESTIONRIO ............................................................................. 169
ANEXO II INSTRUMENTAL DE APOIO PARA COLETA DE DADOS ......... 193
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ANEXO III TERMO DE COSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 198
ANEXO IV AUTORIZAO SECRETARIA MUNICIPAL DE SADE DE LAVRAS
(MG) PARA REALIZAO DA PESQUISA ...................................................... 199
ANEXO V AGROTXICOS, PRINCPIOS ATIVOS E GRUPOS QUMICOS
CITADOS ............................................................................................................ 200
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1 INTRODUO
Desde os primeiros anos do sculo XX, pesquisas realizadas pelo setor
industrial qumico, principalmente alemo e estadunidense, buscavam o
desenvolvimento de substncias biocidas capazes de eliminar insetos e outros
organismos que proliferavam juntamente com as monoculturas agrrias dos
pases hegemnicos. No entanto, as substncias inicialmente testadas, como o
arsenato, se mostraram txicas a ponto de causar danos e mortes
indiscriminadamente entre insetos, plantas e animais (inclusive seres humanos),
dificultando a introduo desta tecnologia no cotidiano civil1.
Com o incio da Primeira Guerra Mundial uma sinergia de interesses se
firmou entre indstrias qumicas, academia e governos em conflito, uma vez que
estes governos buscavam formas de ampliar, a qualquer custo, o suprimento de
alimentos, vesturio e equipamentos para as tropas e de controlar a proliferao
de insetos transmissores de doenas entre os soldados (principalmente a tifo,
transmitida por piolhos). Apesar de permitir a insero das indstrias qumicas nos
governos e nas academias dos pases dominantes do cenrio internacional, esta
sinergia aprofundou a dificuldade, desde os primeiros anos da Primeira Guerra at
os ltimos anos da Segunda Guerra Mundial, de formao de um mercado
consumidor civil para essas substncias biocidas. Isto porque utilizao das
mesmas como armas qumicas, a partir de 1915, pelo governo alemo (deixando,
no primeiro ataque, cerca de 5.000 mortos e 10.000 incapacitados em Ypres,
Frana) e a campanha ideolgica estadunidense, fundamentada na divulgao
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dos ataques qumicos alemes, para justificar o investimento de dinheiro pblico
na produo blica das indstrias qumicas, criaram uma atmosfera de pnico e
medo em relao aos gases da morte1.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, as indstrias qumicas, fortalecidas
econmica e politicamente pelos anos de fornecimento de pesticidas e armas
qumicas para os pases envolvidos nos conflitos, passaram a utilizar as estruturas
governamentais, acadmicas e miditicas, assim como o momento de fragilidade
e tenso social, para influenciar a opinio pblica e dar forma retrica do uso de
tecnologia qumica para o controle de pragas em culturas de alimentos. Atravs de
maante campanha publicitria, baseada em metforas militares, foi divulgada a
existncia de uma guerra entre a humanidade e os insetos e os agrotxicos
foram promovidos como defensivos agrcolas indispensveis para o combate
desta classe de inimigos. As indstrias qumicas se auto-elegeram salvadoras da
humanidade afirmando seu compromisso com o combate global da fome e com o
aumento da produtividade e competitividade do agricultor. Consolidou-se, assim, a
crena geral de que o uso de agrotxicos essencial para o desenvolvimento
econmico e inevitvel para garantir a quantidade necessria de alimentos para a
crescente populao mundial1,2.
Na dcada de 1960, surgiram, nos Estados Unidos, as primeiras crticas
e contestaes cientficas a respeito da tecnologia agroqumica, concretizadas em
informaes sobre os impactos causados pelo uso indiscriminado de agrotxicos
ao meio ambiente e sade humana3. Apesar do lobby poltico e do
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financiamento de pesquisas para desqualificar moral e cientificamente tais
informaes4, as indstrias qumicas assistiram, pela primeira vez, a
conscientizao pblica acerca dos danos envolvidos na utilizao de agrotxicos
e nada puderam fazer para conter o banimento nos Estados Unidos, pela Agncia
de Proteo Ambiental (EPA), de seu mais importante produto na poca, o DDT5.
A possibilidade de difuso global desta conscientizao levou criao,
em 1967, do International Group of National Associations of Agrochemical
Manufacturers (GIFAP), associao das indstrias qumicas responsvel por
garantir os interesses deste setor em mbito internacional. As aes de promoo
dos agrotxicos e lobby da GIFAP dentro da Food and Agriculture Organization
(FAO), rgo das Naes Unidas (ONU) para elaborao de polticas e diretrizes
regulatrias em relao produo de alimentos, foram facilitadas pelo prvio
comprometimento deste rgo com a utilizao de agrotxicos. Desde 1959,
quando lanou seu primeiro programa de expanso do uso de agrotxicos, a FAO
elegeu o controle qumico de pragas como a forma mais efetiva para prevenir as
perdas na produo e buscar a segurana alimentar mundial, deixando de lado
discusses em relao poltica econmica hegemnica e injusta distribuio
de renda e terras produtivas. A imbricada relao da GIFAP com a FAO,
evidenciada pela criao de um escritrio de cooperao das indstrias qumicas
(Industry Cooperative Programme - ICP) dentro da FAO, possibilitou a realizao
conjunta, a partir da dcada de 1970, de seminrios para promover o uso de
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fertilizantes qumicos e agrotxicos nos pases em desenvolvimento e tambm de
novas e melhores formas de utilizao dessas substncias6.
Com o aumento dos casos de intoxicao por agrotxicos nos pases
em desenvolvimento e da presso exercida pelos rgos de sade (WHO) e meio
ambiente (UNEP) da ONU e por organizaes no governamentais, a FAO lanou,
em 1986, o Cdigo Internacional de Conduta para Distribuio e Uso de
Agrotxicos7,8. De carter voluntrio e com estreita participao da GIFAP (ento
renomeada para Global Crop Protection Federation GCPF) em sua elaborao,
o cdigo estabelece padres de conduta para o comrcio e para o uso eficiente e
seguro dos agrotxicos, listando direcionamentos para governos (regular
transaes comerciais e o uso; educar trabalhadores rurais para o uso correto;
etc.) e indstrias (introduzir informaes tcnicas e de segurana nos rtulos dos
agrotxicos; disponibilizar formulaes menos txicas; garantir o treinamento de
distribuidores e comerciantes para transmisso de informaes sobre uso correto
e eficiente; etc.). Em suma, o cdigo afirma a segurana dos agrotxicos desde
que sejam utilizados de forma correta5,9.
Representantes das indstrias qumicas, polticos ligados a elas e outros entusiastas do uso intensivo de substncias qumicas para o controle de pragas frequentemente argumentavam que os agrotxicos, quando utilizados de acordo com as instrues dos fabricantes, no eram mais perigosos do que as demais tecnologias com as quais estvamos em contato todos os dias. [...] Os problemas que eles geravam foram considerados resultado de uso imprprio ou indiscriminado, os quais eram vistos como consequncia de treinamentos e educao inadequada combinados com a falha em garantir controles regulatrios efetivos. [...] o paradigma do uso seguro se estabeleceu como a resposta mais vivel e imediata para resolver os problemas envolvidos no uso de agrotxicos. Aumentar o conhecimento dos usurios sobre os procedimentos corretos para mistura, aplicao e armazenamento de
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substncias qumicas, assim como promover medidas de proteo pessoal e de higiene foram sobrepostas aos esforos de educar agricultores sobre controles alternativos de pragas e sobre a reduo do uso de agrotxicos como medidas para mitigar os problemas
10.
No incio da dcada de 1990, baseando-se no cdigo de conduta que
ajudou a elaborar, a GCPF (hoje renomeada para CropLife International) lanou a
Campanha de Uso Seguro de Agrotxicos, projeto piloto desenvolvido em trs
pases em desenvolvimento (Guatemala, Qunia e Tailndia) com aes focadas
em treinamentos de trabalhadores rurais e seus familiares, professores de escolas
rurais e tcnicos de agricultura e sade dos respectivos governos. Apesar da
divulgao pela GCPF de resultados supervalorizados, baseados em dados
falaciosos, desde ento, os debates e aes pblicas destinadas a populaes
expostas aos riscos e danos dos agrotxicos nos pases em desenvolvimento se
concentram nas estratgias de uso seguro5.
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2 JUSTIFICATIVA
Em 2013, a Associao Brasileira da Indstria Qumica (Abiquim)
anunciou um aumento de 10,3% nas vendas de agrotxicos no Brasil, atingindo
uma movimentao de US$ 9,4 bilhes em 2012, ante US$ 8,5 bilhes em 201111.
Nos ltimos 10 anos, o mercado brasileiro de agrotxicos cresceu 190%, tornando
o Pas, desde 2008, o maior consumidor dessas substncias no mundo12-14. O
recorde de consumo de agrotxicos e o contexto atual qumico-dependente de
produo de alimentos so reflexos da modernizao do campo, adotada pelo
governo brasileiro a partir da dcada de 1960, que modificou as prticas agrcolas
no Pas15.
Essa modernizao, atravs de transferncia de tecnologia, foi
financiada por instituies responsveis pela expanso internacional de empresas
estadunidenses - como a USAID, Rockfeller e Ford Foundation e o Banco Mundial
- e foi nomeada revoluo verde pelo diretor da USAID, em 196816. Dentro do
pacote da revoluo verde duas prticas se contradiziam (ou se
complementavam): a monocultura, que favorece a proliferao de pragas
agrcolas17, e o uso intensivo de agrotxicos, soluo tecnolgica para o controle
destas pragas18.
Para que o modelo agroqumico de produo se estabelecesse, foram
adotadas, no Brasil, entre as dcadas de 1960 e 1980, medidas governamentais
que, articuladas, impulsionaram o acesso de produtores rurais aos agrotxicos.
Entre as principais estavam o Sistema Nacional de Crdito Rural, que atrelava o
-
32
crdito rural obrigatoriedade de compra de insumos qumicos e o Programa
Nacional de Defensivos Agrcolas, que financiava a criao de empresas
nacionais e a instalao de empresas transnacionais do setor no Pas. Mesmo
estabelecido este modelo recebe, at os dias de hoje, permanente apoio dos
governos municipais, estaduais e federal, principalmente, atravs de isenes
fiscais concedidas s indstrias qumicas produtoras de agrotxicos19.
Alm desses subsdios, os custos sociais, sanitrios e ambientais de
curto, mdio e longo prazo gerados pela utilizao intensiva de agrotxicos foram
assumidos por toda a populao atravs de gastos pblicos com a recuperao de
reas contaminadas, com o tratamento de intoxicaes agudas e crnicas,
afastamentos e aposentadorias por invalidez de trabalhadores rurais, alm dos
irreparveis danos familiares causados pelas mortes decorrentes da utilizao
dessas substncias. Soares e Porto20-22 utilizam o conceito de externalidade
negativa para definir a socializao destes custos de responsabilidade direta das
indstrias qumicas, apontando que a no contabilizao dos impactos negativos
sade humana e ao meio ambiente no preo final dos agrotxicos, associada ao
apoio fiscal fornecido pelo Estado s indstrias qumicas e ao discurso da
indissociabilidade do aumento da produtividade e do uso de agrotxicos
(sustentado pela bancada ruralista no Congresso Nacional), acaba por maquiar o
custo real decorrente da utilizao dessa tecnologia de controle de pragas e por
subsidiar econmica e ideologicamente a deciso do agricultor em aderir ao
modelo agroqumico de produo.
-
33
Paralelamente s externalidades negativas, a resposta do governo
brasileiro aos questionamentos internacionais e internos sobre os impactos do uso
intensivo de agrotxicos tambm atendeu aos interesses das indstrias qumicas
e, consequentemente, incentivou o modelo de produo baseado no uso de
agrotxicos. A Lei n 7.802/198924, conhecida como Lei dos Agrotxicos, o
Decreto 4.074/200225 que a regulamenta, assim como a Norma Regulamentadora
no 31 (NR 31)26 do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), assumiram as
diretrizes do Cdigo Internacional de Conduta para a Distribuio e Uso de
Agrotxicos7 como base conceitual, definindo as responsabilidades de
empregadores rurais e entes federados para o cumprimento e fiscalizao de
medidas de proteo ao invs de definir a priorizao do Estado brasileiro, atravs
de polticas pblicas e incentivos econmicos, no desenvolvimento de tecnologias
no-qumicas de controle de pragas como forma preventiva de mitigao dos
danos provocados pela utilizao de agrotxicos. Desta forma, a efetividade do
paradigma do uso seguro de agrotxicos, desenvolvido pelas indstrias
qumicas, recai sobre a (in)capacidade do Estado brasileiro em fiscalizar e
controlar as prticas de trabalho em todos os estabelecimentos rurais, assim como
em garantir o treinamento de cada trabalhador rural que manipule essas
substncias23,27.
Alm disso, esse marco regulatrio exclui 12,3 milhes28 de
trabalhadores autnomos rurais (agricultores familiares) que tm livre acesso aos
agrotxicos, porm no tm definidas a fiscalizao e as garantias trabalhistas da
-
34
forma segura de utilizao destes produtos. Assim, durante esse longo e
permanente processo de modernizao da produo agrcola, a agricultura
familiar (categoria que corresponde a 84,4% dos estabelecimentos rurais do Pas,
emprega 74,0% da mo de obra do campo e provm 70,0% dos alimentos
consumidos pelos brasileiros28) foi mantida s margens das decises que
afetaram e desconsideraram suas prticas de trabalho e formas de produo
tradicionais. Arcando com todos os danos sociais, ambientais e sanitrios, diretos
e indiretos, o agricultor familiar se viu obrigado a aderir ao pacote tecnolgico
agroqumico de forma passiva, descontrolada e, ainda hoje,
desregulamentada14,15,22,29-33.
Todas essas decises e aes polticas de incentivo implementao e
desenvolvimento do modelo agroqumico de produo de alimentos no Brasil,
como os primeiros programas governamentais de estmulo ao uso de agrotxicos,
os subsdios fiscais recebidos pelas indstrias qumicas, a socializao dos custos
gerados pelos impactos sade humana e ao meio ambiente, a priorizao legal
de medidas de proteo para minimizar os riscos envolvidos na utilizao de
agrotxicos em detrimento de mecanismos preventivos de regulao (baseados
no incentivo a modelos de produo no qumico-dependentes), fazem parte de
um modelo de desenvolvimento econmico mais amplo assumido pelo Estado
brasileiro. Componente do sistema capitalista globalizado como produtor e
exportador de matrias-primas e produtos com baixo ou nenhum processamento34
(entre eles as commodities agrcolas, altamente dependentes do modelo
-
35
tecnolgico de produo), o Brasil, ao adotar os princpios do neoliberalismo nos
anos 1990, passou a intensificar a reduo do papel do Estado na garantia de
direitos sociais35 e a ampliar a priorizao do atendimento aos compromissos
internacionais, particularmente s exigncias do capital financeiro, postergando-se
o enfrentamento dos graves problemas estruturais da nossa sociedade36.
Uma soluo apontada pelo neoliberalismo para a crise fiscal foi a reduo gradativa da atuao do Estado para o exerccio de certas funes. Entre outras, nessa poca que, para efetivar essa mxima, o Estado produtor de bens e servios taxado de ineficiente. Alguns autores latino-americanos resumiram esta questo na seguinte expresso: Estado mnimo para os trabalhadores e para a soberania nacional, Estado mximo para o capital, principalmente para o capital financeiro (Pereira Jnior
35 apud Novaes
37).
Nesse sentido, para manter o modelo tecnolgico de produo de
alimentos, um dos pilares do modelo de desenvolvimento econmico que insere o
Brasil no sistema capitalista globalizado, toda a composio institucional do
Estado brasileiro suporta, em algum nvel, o agronegcio e, consequentemente, o
modelo agroqumico de controle de pragas. Este amplo suporte institucional (que
inclui os Ministrios do Trabalho e Emprego, da Cincia e Tecnologia, do
Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, da Agricultura, Pecuria e
Abastecimento, da Sade, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrrio) com
mnimo controle da comercializao e utilizao de agrotxicos e ineficiente
fiscalizao e vigilncia da segurana e sade dos trabalhadores rurais gera
distores prticas do que diz a Constituio Federal38 em relao ao dever do
Estado de defender e preservar o meio ambiente (artigo 225) e a sade humana
(artigo 196 e 200).
-
36
Vale ressaltar algumas dessas distores, como o registro e liberao
do uso de agrotxicos pelos Ministrios da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
(MAPA), da Sade (MS) e do Meio Ambiente (MMA) baseados em testes e laudos
produzidos pelas prprias indstrias qumicas39, o aumento da frequncia de uso
de agrotxicos por agricultores familiares a partir da implantao do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)36 e a divulgao da
Cartilha sobre Agrotxicos Srie Trilhas do Campo40 pela Agncia Nacional de
Vigilncia Sanitria (Anvisa), que reproduz as diretrizes para o uso seguro de
agrotxicos proposto pelas indstrias qumicas (seis das nove referncias usadas
para elaborar esta cartilha so manuais da Associao Nacional de Defesa
Vegetal - ANDEF).
As indstrias qumicas por sua vez, amparadas pelas instituies e
polticas pblicas e pela legislao referente aos agrotxicos, incentivam a
expanso do uso de seus produtos no Brasil atravs de prticas de marketing e
comercializao agressivas22,36 e, ao mesmo tempo, se desresponsabilizam pelos
impactos sade dos agricultores promovendo as medidas de uso seguro. Os
manuais de segurana elaborados pela ANDEF (Manual de Uso Correto e Seguro
de Produtos Fitossanitrios41, Manual de Transporte de Produtos Fitossanitrios42,
Manual de Armazenamento de Produtos Fitossanitrios43, Manual de Uso Correto
de Equipamentos de Proteo Individual44, Manual segurana e sade do
aplicador de produtos fitossanitrios45 e Boas prticas agrcolas no campo46)
vinculam, inicialmente, bons resultados, alimentos saudveis e economia no
-
37
campo utilizao de agrotxicos. Em seguida, creditam os perigos e acidentes
envolvidos na manipulao dos mesmos ao uso incorreto por parte do
trabalhador e no toxicidade das formulaes e imposio generalizada do
modelo agroqumico de produo no Pas sem que as diversas e distintas
realidades sociais, econmicas, culturais e geogrficas da agricultura fossem
consideradas47.
Conforme a sistematizao feita e apresentada no Quadro 1, esses
manuais descrevem diversas medidas a serem adotadas em cada uma das
atividades de trabalho com risco potencial de intoxicao: aquisio, transporte,
armazenamento, preparo e aplicao, destino final de embalagens vazias e
lavagem de roupas/EPIs contaminados. Todas as medidas devem ser seguidas
em todas as atividades para que o uso no seja considerado inadequado e traga
a proteo pretendida sade dos trabalhadores rurais.
-
38
Quadro 1. Resumo das medidas de uso seguro referentes s atividades de aquisio, transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino final das embalagens vazias e lavagem das roupas/EPIs contaminados por agrotxicos descritas nos manuais da ANDEF.
Aquisio Transporte Armazenamento
Consultar Engenheiro Agrnomo
Verificar com o comerciante se necessrio cuidado especial para
transportar os agrotxicos adquiridos
Depsito deve ser separado de outras
construes e estar livre de inundaes
Usar Receiturio Agronmico/ e guardar a segunda via
Verificar se a nota fiscal est preenchida com as disposies
exigidas no Regulamento de
Transporte de Produtos Perigosos (RTTP)
Depsito deve estar a uma distncia mnima de 30 metros de fontes de
gua, residncias e instalaes para
animais
Exigir Nota Fiscal e guard-la para
consultar o endereo da unidade de recebimento de embalagens vazias
Verificar se a Ficha de Emergncia e o
Envelope de Transporte acompanham a nota fiscal
Construo de alvenaria, com piso
cimentado e telhado resistente, sem goteiras
Aproveitar para comprar EPIs
Verificar se os agrotxicos esto dentro
do limite de iseno para transporte (dependente da classificao do
agrotxico)
Construo com boa ventilao e
iluminao natural. No permitir entrada de animais
Conferir prazo de validade dos agrotxicos
Se a quantidade estiver dentro do limite
de iseno, usar veculo com caamba
externa (caminhonete, caminho, etc.) em perfeitas condies de uso
As instalaes eltricas devem estar em boas condies para evitar curto-
circuito e incndios
Verificar se existem danos e/ou vazamentos na embalagem
No transportar embalagens danificadas e/ou com vazamentos
Portas devem permanecer trancadas para evitar entrada de crianas e
pessoas no autorizadas
Verificar se informaes de rtulo e
bula esto legveis
No transportar dentro da cabine
Embalagens devem ser colocadas em
prateleiras de metal ou sobre estrados,
sem contato com o piso e afastadas de paredes e teto
Perguntar sobre como usar os EPIs
No transportar na carroceria junto com pessoas, animais, alimentos,
raes ou medicamentos
No armazenar junto com alimentos, raes, sementes, medicamentos e
produtos inflamveis
Certificar se o comerciante forneceu informao sobre local de devoluo
de embalagens vazias
Usar cofre de carga para acondicionar
os agrotxicos em caso de transporte com outro tipo de produto
No fazer estoques alm das quantidades para uso em curto prazo
Cobrir as embalagens com lona impermevel, presa carroceria
Os agrotxicos devem ser mantidos nas embalagens originais, sempre
fechadas
Acondicionar de forma que as
embalagens no ultrapassem a altura da carroceria
No caso de rompimento das
embalagens, estas devem receber uma sobrecapa de plstico transparente
para evitar vazamento
Em caso de acidente providenciar recolhimento seguro das pores
vazadas
O rtulo deve sempre permanecer visvel e legvel
Se quantidade acima do limite de
iseno, solicitar entrega por motorista e veculo preparados segundo RTTP
Devem ser armazenados separadamente por tipo (herbicidas,
inseticidas, fungicidas, etc.)
-
39
Quadro 1. continuao
Preparo e Aplicao Destino final embalagens vazias Lavagem roupas/EPIs
contaminados
O manuseio deve ser feito por pessoas
adultas (entre 18 e 60 anos) e bem informadas sobre os riscos (com
treinamento de no mnimo 20 horas)
Devolver todas as embalagens vazias
dos agrotxicos na unidade de recebimento indicada pelo comerciante
na nota fiscal
Usar luvas de Nitrila ou Neoprene e
avental impermevel
Ler nos rtulos e bulas as informaes
sobre manuseio, precaues, primeiros
socorros, destinao de embalagens vazias, equipamentos de proteo, etc.
Realizar trplice lavagem, lavagem sob
presso ou acondicionamento de
embalagens no lavveis. Cada uma seguindo procedimentos especficos
Lavar as roupas/EPIs usados no
preparo e aplicao separados das
demais roupas da famlia e em tanque exclusivo para a atividade
Utilizar EPIs para proteger a sade,
reduzindo os riscos de intoxicao
Inutilizar as embalagens (perfurar o
fundo) para armazenamento pr-devoluo e para devoluo
Enxaguar com bastante gua corrente
para diluir e remover os resduos de agrotxico
Os EPIs necessrios so: cala, jaleco,
botas, avental, respirador (mscara), viseira, luvas, bon rabe. Cada um
deve seguir disposies especficas
Devolver as embalagens em at um ano
e meio aps a compra
Usar sabo neutro e no deixar de
molho.
Lavar as luvas ainda vestidas e seguir uma sequncia lgica para retirar os
EPIs (bon, viseira, avental, jaleco,
botas, cala, luvas, respirador)
No usar alvejante nem esfregar as roupas hidrorrepelentes
Preparar ao ar livre e longe de crianas, animais e pessoas desprotegidas. Usar
gua limpa para evitar entupimento dos bicos do pulverizador
Passar as roupas hidrorrepelentes para
prolongar a vida til
Utilizar balanas, copos graduados, baldes e funis especficos para preparar
a calda. Lavar os utenslios ao trmino do preparo e secar ao sol
No colocar os EPIs para secar ao sol
Ler manual de instrues do
equipamento de aplicao e calibrar corretamente
Aps lavadas e secas, guardar as
roupas/EPIs utilizados no preparo e aplicao separados das demais roupas
da famlia
No utilizar equipamentos de aplicao
com defeitos ou vazamentos
O esgotamento da gua de lavagem
deve ser feito direto para fossa sptica para tratamento de resduos qumicos
Verificar velocidade do vento e temperatura antes de aplicar (dar
preferncia para horrios menos quentes do dia)
No desentupir bicos com a boca, no beber, comer ou fumar durante
aplicao. Lavar mos e rosto antes de
comer, beber ou fumar
Manter barba e unhas feitas. Tomar banho assim que terminar aplicao e colocar roupas limpas
Respeitar perodo de reentrada (tempo em que ningum deve entrar sem EPIs
nas reas tratadas) e o intervalo de segurana (tempo que deve ser
respeitado entre aplicao e colheita)
-
40
Estudos realizados no Brasil tm mostrado que o contexto atual de
utilizao intensiva e indiscriminada de agrotxicos, associado ao paradigma de
proteo de trabalhadores atravs do uso seguro, no traz perspectivas de
reduo dos casos intoxicaes agudas48-64 e dos agravos sade decorrentes da
exposio de longo prazo65-68.
Com intuito de identificar a frequncia e a abrangncia com que os
estudos realizados no Brasil abordam essas medidas de segurana em cada uma
das atividades de trabalho rural com risco de contaminao por agrotxicos, foi
realizada reviso de 25 artigos com investigao baseada em dados empricos
coletados em diversas regies e comunidades rurais brasileiras. Foram
encontrados 10 estudos com resultados referentes s medidas de uso seguro na
atividade de aquisio de agrotxicos; apenas um abordando prticas
relacionadas ao transporte; seis apresentando resultados sobre prticas de
armazenamento; 25 trazendo resultados sobre prticas relacionadas s medidas
de segurana no preparo e aplicao de agrotxicos; 17 abordando prticas de
segurana relacionadas ao destino final de embalagens vazias; nove com
resultados referentes s prticas de lavagem de roupas/EPIs contaminados
(Tabela 1).
-
41
Tabela 1. Estudos segundo medidas de segurana nas atividades de trabalho com agrotxicos.
Brasil, 2000-2013
Estudo Local do estudo AQ TR AR PeA DFE LRC Arajo ACP, Nogueira DP, Augusto LGS 2000
Camocim de So Flix e permetro irrigado do Vale do So Francisco (PE)
X
X X X
Faria NMX et al
2000 Antnio Prado e Ip (RS)
X X X
Oliveira-Silva et al
2001 Mag (RJ)
X
Moreira JC et al 2002
Nova Friburgo (RJ)
X
Soares W, Almeida RM, Moro S 2003
Tefilo Otoni, Gudoval, Guiricema, Montes Claros, Paracatu, Piraba, Tocantins, Ub, Uberlndia (MG)
X
X
Delgado IF, Paumgartten FJR 2004
Paty do Alferes (RJ)
X
X X X X
Faria NMX et al 2004
Antnio Prado e Ip (RS)
X
X
Gomide M 2005
So Joo da Costa e So Joo do Piau (PI)
X X X
Castro JSM, Confalonieri U 2005
Cachoeiras de Macacu (RJ)
X
X X X X
Soares WL, Freitas EAV, Coutinho JAG 2005
Terespolis (RJ) X
X X
Shmidt MLG, Godinho PH 2006
Interior do estado de SP (SP)
X X X
Fonseca MGU et al
2007
Barbacena (MG)
X X
Arajo AJ et al
2007 Nova Friburgo (RJ)
X
Recena MCP e Caldas ED 2008
Culturama (MS) X
X X
Legenda: AQ Aquisio; TR Transporte; AR Armazenamento; PeA Preparo e Aplicao; DFE Destino final de embalagens vazias; LRC Lavagem de roupas/EPIs contaminados.
-
42
Tabela 1. continuao
Estudo Local do estudo AQ TR AR PeA DFE LRC
Brito PF, Gomide M, Cmara VM 2009
Serrinha do Mendanha municpio do Rio de Janeiro (RJ)
X X X X
Alves SMF, Fernandes PM, Reis EF 2009
Bonfinpolis, Corumb de Gois, Goianpolis, Leopoldo de Bulhes, Pirenpolis e Silvnia (GO)
X
Jacobson LSV et al
2009
Santa Maria de Jetib (ES)
X X X
Bedor CNG et al
2009
Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) X X X
Faria NMX, Rosa JAR, Facchini LA 2009
Bento Gonalves (RS) X
X X
Marques CRG, Neves PMOJ, Ventura MU 2010
Londrina (PR)
X X X
Gregolis TBL, Pinto WJ, Peres F 2012
Rio Branco (AC)
X
X
Jnior EEF et al
2012 Ponta Por (MS)
X
X
Gonalves GMS et al
2012
Pesqueira (PE)
X
X X
Preza DLC, Augusto LGS 2012
Conceio do Jacupe (BA)
X X X
Silva JPL, Arajo MZ, Melo LCQ 2013
So Jos de Princesa (PB) X X X
Legenda: AQ Aquisio; TR Transporte; AR Armazenamento; PeA Preparo e Aplicao; DFE Destino final de embalagens vazias; LRC Lavagem de roupas/EPIs contaminados.
-
43
Apesar dos argumentos e concluses da maior parte desses trabalhos
estarem voltados para a defesa da dignidade e do direito sade e para o
respeito e equilbrio do meio ambiente de vida e trabalho dos agricultores
brasileiros, os mesmos no apresentam, simultaneamente, dados sobre todas as
atividades de trabalho que envolvem risco de contaminao (Tabela 1) e as
anlises das medidas de uso seguro dentro de cada uma das seis atividades so
realizadas de forma limitada frente ampla descrio de medidas descritas nos
manuais de segurana (Quadro 1).
Considerando-se, portanto, que a abordagem fragmentada e restrita do
uso seguro de agrotxicos no suficiente para demonstrar a completa
inviabilidade do cumprimento deste paradigma no contexto socioeconmico da
agricultura familiar, este trabalho se prope a desconstruir como um todo este pilar
de sustentao para a liberao, promoo e uso de agrotxicos no Brasil.
A escolha da zona rural de Lavras, Minas Gerais, se justifica e se
enquadra como local para o desenrolar e o esclarecimento do problema de estudo
deste trabalho pela inexistncia de informaes no municpio sobre as prticas de
uso de agrotxicos por seus agricultores familiares e tambm pela abertura,
disponibilidade e receptividade das instituies pblicas municipais de sade,
agricultura e meio ambiente realizao desta pesquisa.
Pretende-se, por fim, que os resultados deste trabalho possam
subsidiar o poder pblico, as instituies municipais de sade, agricultura e meio
ambiente, o setor privado e a sociedade civil na tomada de decises que garantam
-
44
a sade desses trabalhadores e possam se tornar referncia para outras cidades
e regies brasileiras que se encontram em situao semelhante.
-
45
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Analisar, atravs das prticas de trabalho, a viabilidade de cumprimento das
medidas de uso seguro de agrotxicos no contexto socioeconmico da
agricultura familiar de Lavras MG.
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
1. Caracterizar social e economicamente os agricultores familiares do municpio
de Lavras MG;
2. Identificar as prticas de uso de agrotxicos nas atividades de aquisio,
transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino final das embalagens
vazias e lavagem de roupas/EPIs contaminados;
3. Identificar a conformidade dessas prticas com as medidas de uso seguro de
agrotxicos preconizadas em manuais relacionados ao tema.
-
46
-
47
4 MATERIAL E MTODOS
4.1 LOCAL DO ESTUDO
Lavras um municpio com 92.200 habitantes localizado na regio do
Campo das Vertentes, no sul do estado de Minas Gerais. O Produto Interno Bruto
(PIB) municipal se concentra nos setores de servio (67,6%) e indstria (27,2%). A
produo agropecuria responsvel por 5,2% do PIB, com destaque para
grandes produtores de caf e gado leiteiro79. No entanto, a atividade agrcola
familiar a principal fonte de abastecimento de supermercados, comrcio
especializado, restaurantes e das cinco feiras livres existentes no municpio.
A zona rural de Lavras dividida em 19 comunidades (subdivididas em
31 ncleos comunitrios), onde reside, aproximadamente, 5,0% da populao79.
Dentre o total de unidades produtivas que compe a zona rural desse municpio,
aproximadamente 600 so consideradas de agricultura familiar, segundo a
Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (Emater) local.
Com relao a essa instituio, o municpio cede de uma das 32
Unidades Regionais da Emater no Estado de Minas Gerais, sendo esta
responsvel pela coordenao das unidades locais de 38 municpios da regio. O
Escritrio Local de Lavras, responsvel pelas atividades de extenso nas 19
comunidades rurais do municpio, incluindo assistncia tcnica s unidades
produtivas de agricultura familiar, conta com cinco Extensionistas Agropecurios e
um Auxiliar Administrativo. Alguns dos programas desenvolvidos pela Emater local
no municpio so: Programa Minas Sem Fome (MSF), Programa de
-
48
Responsabilidade Ambiental, Programa Certifica Minas Caf, Programa de
Multiplicao de Sementes de Feijo Carioca (parceria com a Universidade
Federal de Lavras), Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE)80.
Quanto estrutura de sade, a ateno bsica estruturada em quatro
Unidades Bsicas de Sade (UBS) e dezessete Equipes de Sade da Famlia
(ESF), sendo dezesseis urbanas e uma que atende 17 das 19 comunidades rurais
do municpio. O municpio dispe de dois hospitais filantrpicos credenciados pelo
SUS, dois Ambulatrios Mdicos Especializados municipais, uma Unidade
Regional de Pronto Atendimento (URPA), Vigilncia Sanitria, Vigilncia
Epidemiolgica e o Servio de Atendimento Mvel de Urgncia (SAMU) est em
fase de implantao. Recentemente foram implantadas as reas de Vigilncia em
Sade Ambiental e em Sade do Trabalhador. Em decorrncia da abertura do
curso de medicina na Universidade Federal de Lavras (UFLA) em 2014, Lavras
ter seu primeiro hospital de alta complexidade totalmente pblico, uma vez que,
com recursos do Programa Mais Mdicos do governo federal, a universidade
adquiriu a estrutura desativada de um antigo hospital privado da cidade. Segundo
a assessoria de comunicao da universidade, o Hospital Escola deve contar com
120 leitos e capacidade para trs mil internaes e oito mil consultas anuais81.
-
49
4.2 DESENHO DO ESTUDO
Trata-se de um estudo exploratrio-descritivo transversal de campo de
base populacional, apresentando resgate histrico por meio de reviso
bibliogrfica e estruturao por meio de anlise documental
4.3 SUJEITOS
Foram entrevistados agricultores familiares, maiores de 18 anos que
trabalham, mesmo que no exclusivamente, na propriedade da famlia, sendo
utilizada a definio de agricultura familiar descrita na Lei n 11.326/200682:
Considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que
pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos
seguintes requisitos:
I - no detenha, a qualquer ttulo, rea maior do que 4 (quatro) mdulos
fiscais;
II - utilize predominantemente mo de obra da prpria famlia nas
atividades econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento ou
tenha, no mximo, dois empregados fixos;
III - tenha percentual mnimo da renda familiar originada de atividades
econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma
definida pelo Poder Executivo;
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famlia.
O mdulo fiscal , segundo a Lei n 6.746/197983, varivel para cada
municpio e corresponde rea mnima necessria a uma propriedade rural para
que sua explorao seja economicamente vivel. Em Lavras, pode ser
-
50
considerada propriedade de agricultura familiar aquelas com rea de at 120
hectares (ha), uma vez que, conforme a Instruo Especial n 20/198084, um
mdulo fiscal no municpio corresponde a 30 ha.
Para a caracterizao socioeconmica dos agricultores familiares foram
entrevistados os trabalhadores responsveis pela propriedade, podendo ter sido o
proprietrio ou qualquer outro integrante da famlia que compartilhe o mesmo nvel
de responsabilidade e de deciso quanto produo. Para o levantamento dos
dados relacionados s prticas de trabalho com agrotxicos foram entrevistados
trabalhadores da propriedade que realizam funes com exposio direta26,
sendo, neste trabalho, os que manipulam os agrotxicos, adjuvantes e produtos
afins em quaisquer das atividades de aquisio, transporte, armazenamento,
preparo e aplicao, destino final das embalagens vazias e lavagem de
roupas/EPIs contaminados.
O trabalho teve como critrio de excluso agricultores familiares que
no utilizavam agrotxicos em suas propriedades e trabalhadores rurais menores
de 18 anos.
4.4 POPULAO E AMOSTRA
A definio da populao de agricultores familiares do municpio de
Lavras para a realizao deste trabalho se daria, inicialmente, utilizando-se um
cadastro de agricultores familiares que a Emater local afirmava dispor. Identificou-
se, porm, que esse cadastro se tratava de uma relao nominal de agricultores
-
51
familiares que buscaram atendimento nesta instituio em algum momento, no
estando os nomes das pessoas agrupados por famlia, propriedade,
comunidade ou qualquer outra forma de categorizao. Esta relao era
composta por 1.613 nomes (incluindo, por exemplo, mais de um membro da
mesma famlia, pessoas que se mudaram da zona rural e at que j faleceram) e
o respectivo nmero de documento pessoal (CPF ou RG). Porm, tanto a
Secretaria Municipal de Assuntos Rurais quanto a prpria Emater, estimam haver
em torno de 600 unidades produtivas consideradas de agricultura familiar em
Lavras.
A soluo encontrada para definir com maior preciso a populao a
ser estudada, bem como a distribuio proporcional das famlias de agricultores
familiares nas comunidades da zona rural do municpio, foi a obteno da lista de
famlias atendidas por cada um dos Agentes Comunitrios de Sade da Zona
Rural e por duas Unidades Bsicas de Sade que atendem comunidades rurais
localizadas em suas proximidades. Como estas listas no discriminam quais
famlias caracterizam-se como agricultores familiares ou como mdios e grandes
produtores, cruzou-se os nomes dos representantes das famlias com os nomes
da relao nominal de agricultores familiares da Emater. Desta forma, foram
identificadas 440 famlias distribudas nas 19 comunidades rurais do municpio,
sendo este nmero definido como a populao alvo do estudo.
Seguindo a distribuio das comunidades no entorno do municpio,
foram definidas quatro regies rurais:
-
52
Norte: Funil e Paiol, totalizando 18% das famlias;
Sul: Serrinha, Cachoeirinha, Tomba, Faria e Ponte Alta, totalizando 19%
das famlias.
Leste: Fonseca, Tabues e Itirapuan, totalizando 12% das famlias;
Oeste: Queixada, Engenho de Serra, Pimentas, Maranho, Rosas, Trs
Barras, Salto das Trs Barras, Cajuru e Boa Vista, totalizando 51% das
famlias;
Para estimar a amostra para o levantamento dos dados foi utilizado
clculo de amostra aleatria simples, considerando erro amostral de 10%85.
Obteve-se, ento, o nmero de 81 unidades produtivas e famlias a serem
visitadas e entrevistadas, sendo as entrevistas distribudas proporcionalmente
segundo o nmero de famlias em cada uma das quatro regies rurais.
Para selecionar os entrevistados, distribuiu-se os nomes dos
representantes das famlias de cada comunidade nas quatro regies rurais,
mantendo, neste momento, os nomes que compunham cada comunidade
separados e em ordem alfabtica. Na regio Norte, por exemplo, os primeiros 39
nomes da lista referiam-se aos representantes das famlias da comunidade do
Funil em ordem alfabtica e os prximos 40 nomes referiam-se aos
representantes das famlias da comunidade do Paiol, tambm em ordem
alfabtica. Aleatorizou-se, ento, a lista desta regio ao ordenar todos os 79
nomes em ordem alfabtica, embaralhando as famlias da comunidade do Funil e
do Paiol. O mesmo foi realizado para as demais regies rurais.
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53
Em seguida, apresentou-se a lista das regies aos agentes
comunitrios de sade da zona rural e das UBS. Estes fizeram a identificao dos
agricultores familiares que com certeza usavam ou provavelmente usavam
agrotxicos e dos que com certeza no usavam. Aps este filtro, formou-se uma
nova lista, mantendo a ordenao j citada, composta apenas pelos agricultores
que com certeza ou provavelmente usavam agrotxicos.
Considerando-se o tamanho da lista ps-filtro e o nmero de entrevistas
necessrias em cada regio, realizou-se sorteio para definio das famlias a
serem entrevistadas e das famlias suplentes, substitutas das famlias sorteadas
para a amostra em caso de impossibilidade de realizao de alguma entrevista.
Obteve-se, assim, uma amostra aleatria sistemtica de valor representativo para
a populao de agricultores familiares do municpio.
4.5 VARIVEIS E INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Foi utilizado questionrio semi-estruturado para levantamento dos
dados (Anexo I) e tambm gravador de udio para captar as falas durante as
entrevistas, sendo essas usadas para a recuperao de informaes, para sanar
dvidas sobre o preenchimento dos questionrios e tambm para reforar a
compreenso dos resultados da anlise quantitativa.
O questionrio foi construdo a partir de perguntas relacionadas s
medidas de uso seguro de agrotxicos nas atividades de trabalho onde, segundo
os idealizadores desse paradigma, diversas medidas so condicionantes para a
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segurana ambiental e dos trabalhadores rurais. As perguntas foram elaboradas
utilizando-se as publicaes da ANDEF41-46, da Anvisa40, da Embrapa (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuria)86 e da Fundacentro (Fundao Jorge Duprat
Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho - MTE)87 como referncia.
O questionrio foi composto por dois eixos de perguntas:
1. Caracterizao Socioeconmica, contendo:
perguntas pessoais e familiares, que buscaram identificar as
caractersticas do informante e de sua famlia: nome; sexo; idade; estado
civil; escolaridade; renda familiar mdia mensal; nmero de dependentes
da renda familiar; principal fonte de renda;
perguntas sobre a unidade produtiva, que buscaram levantar as
caractersticas da(s) terra(s) onde mora e/ou trabalha a famlia:
propriedade da(s) terra(s); rea total; mo de obra; o que produzido;
uso de agrotxicos; quais so os agrotxicos utilizados; onde os
agrotxicos so aplicados; quem so as pessoas que trabalham na
propriedade e quem realiza as atividades com exposio direta aos
agrotxicos.
2. Prticas de trabalho relacionadas ao uso de agrotxicos, sendo as
perguntas distribudas nos seguintes blocos:
aquisio: onde compra os agrotxicos; procedimentos seguidos na hora
da compra; conhecimento, uso e quem fornece a receita agronmica;
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55
conferncia de aspectos de segurana relacionados embalagem;
informaes dadas pelo vendedor na hora da compra; etc.;
transporte: tipo de veculo usado para transportar os agrotxicos;
procedimentos realizados para acondicionar no veculo e para transportar;
informaes sobre transporte de agrotxicos dadas pelo vendedor;
recebimento e utilizao do Envelope de Transporte e da Ficha de
Emergncia; etc.;
armazenamento: onde e como armazena os agrotxicos; caractersticas
estruturais do local de armazenamento; distncia at residncias e
cursos/fontes de gua; condies de acesso e segurana; outros
produtos e equipamentos armazenados no mesmo local; etc.;
preparo e aplicao: onde feito o preparo; condies e decises durante
o preparo e a aplicao; tipos de equipamentos de aplicao utilizados;
se roupas ou partes do corpo j se molharam com agrotxicos; uso, tipos
usados, formas de uso, caractersticas e conhecimentos sobre
equipamentos de proteo individual; conhecimento e atitudes quanto ao
intervalo de segurana e ao perodo de reentrada; higiene pessoal
durante e aps o preparo e aplicao de agrotxicos; etc.;
destino final das embalagens vazias: como se d o descarte das
embalagens; conhecimento e realizao dos procedimentos de descarte,
trplice lavagem e inutilizao; exigncia por parte do vendedor da
apresentao da nota fiscal na hora da devoluo, etc.;
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lavagem das roupas usadas no trabalho com agrotxico: existncia de
tanque destinado apenas s roupas contaminadas; uso de avental e luva;
destino da gua usada na lavagem; procedimentos de lavagem das
roupas de proteo hidrorrepelentes; etc..
4.6 PILOTO DO QUESTIONRIO E COLETA DE DADOS
Aps a construo do questionrio, realizou-se, no dia 14 de julho de
2013, o piloto com uma famlia de agricultores familiares da regio rural Norte.
Durante esta entrevista sentiu-se apenas a necessidade de correo na forma da
escrita de algumas perguntas, para facilitar a dinmica da conversa, e a
possibilidade de excluso de questes que se mostraram repetitivas.
Devido ao bom resultado obtido aps o primeiro teste e correo do
questionrio, optou-se por iniciar as entrevistas com as famlias sorteadas na
Regio Rural Norte, sob a condio de excluso destas entrevistas caso o
questionrio precisasse ser revisto e/ou refeito. O questionrio atendeu aos
propsitos do trabalho durante a realizao das 14 entrevistas desta regio,
podendo ser aplicado nas demais regies rurais sem necessidade de novas
revises. Tanto o teste piloto quanto as 81 entrevistas foram realizados
unicamente pelo pesquisador.
Alm do questionrio, foi utilizado instrumental de apoio para a coleta
de dados (Anexo II), composto pelo Carto de Renda Mensal Familiar e por
exemplares do Envelope de Transporte e da Ficha de Emergncia (documentos
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57
obrigatrios para o transporte de agrotxicos). O Carto de Renda foi apresentado
aos agricultores familiares responsveis pelas unidades produtivas para que
identificassem, pelos nmeros de um a cinco, a faixa de renda mensal da famlia
sem a necessidade de revelar o valor exato da mesma, evitando-se, assim,
constrangimentos. J para levantar os dados sobre a o Envelope de Transporte e
a Ficha de Emergncia pelos agricultores familiares, primeiramente foi
questionado se eles conheciam cada um destes documentos. Aps a resposta,
independente se afirmativa ou negativa, era apresentado um exemplar de cada
documento aos agricultores. Apenas ento era questionado se eles realizavam o
transporte utilizando cada um dos documentos. A inteno desta sequncia foi
identificar o conhecimento dos agricultores familiares sobre os documentos,
esclarecer, ento, quais eram estes documentos - evitando que houvesse
influncia nas respostas por confuso com outros documentos ou por no
reconhecimento apenas pelos nomes dos mesmos - e, por fim, identificar o
cumprimento ou no do fornecimento da Ficha e do Envelope por parte do
estabelecimento comercial.
A coleta de dados foi planejada para ser desenvolvida em seis semanas
de trabalho de campo, sendo iniciada no dia 15 de julho de 2013. Superando as
expectativas, at o dia 7 de agosto (24 dias de trabalho de campo) foram
realizadas 67 das 81 entrevistas (82,7%), correspondendo a 18 das 19
comunidades rurais a serem visitadas. Este bom rendimento foi possvel devido s
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boas condies das estradas rurais do municpio, preservadas pelo baixo ndice
pluviomtrico dos meses de julho e agosto, caracterstico do inverno lavrense.
Entretanto, os agricultores familiares da comunidade Salto das Trs
Barras no puderam ser entrevistados nesse perodo, pois, sendo o caf a base
da produo agrcola desta comunidade, o trabalho manual familiar a forma
predominante de manejo e estando as propriedades em poca de colheita,
secagem e torrefao dos gros, os trabalhadores estavam integralmente
dedicados s tarefas produtivas. Desta forma, para no comprometer suas
atividades laborais nem a qualidade das entrevistas, estas foram realizadas em
um segundo momento, entre os dias 10 e 12 de dezembro de 2013, sendo
concludas as atividades de campo em um total de 27 dias de trabalho.
4.7 ANLISE DE DADOS
Inicialmente, as respostas obtidas atravs dos questionrios foram
digitadas em um banco de dados elaborado no software EpiData (verso 3.1)88 e
submetidas tcnica estatstica de frequncia, utilizando-se o software EpiData
Analysis (verso 2.2.2.182)89. Foi, ento, realizada anlise descritiva das
caractersticas socioeconmicas dos agricultores familiares, das caractersticas
das unidades produtivas e do padro de uso de agrotxicos nas mesmas.
Em seguida, foi realizada a anlise descritiva das prticas de trabalho
com agrotxicos, identificando a conformidade destas com as medidas
preconizadas pelo paradigma do uso seguro de agrotxicos. Para isso,
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considerou-se a frequncia de respostas adequadas e inadequadas, segundo
os manuais utilizados para a construo do questionrio, obtidas nas perguntas
referentes s prticas de trabalho nas atividades de aquisio, transporte,
armazenamento, preparo e aplicao, destino final de embalagens vazias e
lavagem das roupas/EPIs contaminados (Anexo I).
No que diz respeito s prticas no momento da aquisio foram
descritos a prvia avaliao dos problemas da lavoura por Engenheiro Agrnomo
para definio do agrotxico a ser comprado; o uso da receita agronmica como
instrumento de segurana; a conferncia de aspectos de segurana da
embalagem no momento da compra.
Em relao s prticas de transporte dos agrotxicos analisou-se o
modelo do veculo usado para transportar; a forma de transporte em caminhonetes
ou caminhes; as prticas de segurana no transporte dependentes dos
estabelecimentos que comercializam os agrotxicos.
Quanto s prticas de segurana no armazenamento foi feita a anlise
da distribuio percentual do local utilizado para guardar os agrotxicos; da
adequao estrutural da construo independente utilizada para o
armazenamento; da localizao do local de armazenamento; da restrio de
acesso a esse local; da forma de estocagem dos agrotxicos.
A anlise das atividades de preparo e aplicao de agrotxicos
envolveu as prticas de preparao; o contato dos agrotxicos com o corpo e a
utilizao de EPIs no momento do preparo; as prticas de aplicao e os tipos de
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aplicadores; as decises de aplicar com vento forte e do que fazer com restos de
agrotxicos nos aplicadores aps a pulverizao de toda a rea de cultivo; o
contato dos agrotxicos com o corpo durante a atividade de aplicao; a
utilizao, ordem de vestir e retirar e procedimentos a serem observados em
relao a cada equipamento de proteo obrigatrio; o conhecimento e a
observao do Certificado de Aprovao (C.A.) dos EPIs no momento da compra;
as fontes de indicao e informao sobre EPIs; o conhecimento e as prticas
relacionadas ao Perodo de Reentrada e ao Perodo de Carncia; e, por fim,
aspectos relacionados higiene pessoal dos agricultores familiares no que diz
respeito manipulao de agrotxicos.
Com relao ao destino final das embalagens vazias, foram analisadas
a forma de descarte, considerando se estas so devolvidas ou no e a realizao
dos procedimentos de preparao das embalagens vazias para devoluo, como
a trplice lavagem e a perfurao das embalagens.
Por fim, para a atividade de lavagem das roupas/EPIs contaminados,
analisou-se a concentrao de mulheres na realizao da mesma; a utilizao dos
EPIs recomendados pelos manuais de segurana (luva e avental) para a
realizao da lavagem e o procedimento de no guardar as roupas utilizadas na
manipulao de agrotxicos juntamente com as demais roupas da famlia;
caractersticas estruturais das unidades produtivas como a existncia de tanque
de lavar exclusivo para as roupas contaminadas e o esgotamento da gua de
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lavagem e a observao de procedimentos de lavagem das roupas de proteo
impermeveis.
Para ilustrar o contexto geral apresentado atravs da anlise descritiva
dos dados foram includas falas dos agricultores familiares, obtidas atravs da
gravao e transcrio das entrevistas, que evidenciam as situaes analisadas e
a realidade encontrada durante o trabalho de campo.
4.8 COMIT DE TICA
Foram seguidos os preceitos da Resoluo no 196/96 do Conselho
Nacional de Sade, que dispe sobre pesquisas com seres humanos90. O projeto
e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo III) foram
encaminhados ao Comit de tica em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Cincias
Mdicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e obtiveram
aprovao sob o parecer nmero 313.375 de 24 de junho de 2013.
Solicitou-se, tambm, autorizao da Secretaria de Municipal de Sade
de Lavras para o desenvolvimento e realizao do presente trabalho na zona rural
do municpio (Anexo IV).
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63
5 RESULTADOS E DISCUSSO
5.1 CONTEXTO GERAL DO TRABALHO DE CAMPO
5.1.1 ARTICULAO PR-CAMPO
Em novembro de 2012 foi realizada a primeira conversa sobre a
realizao em Lavras do levantamento de dados sobre as prticas de utilizao de
agrotxicos com o Agente Comunitrio de Sade da Comunidade do Paiol, recm-
eleito vereador nas eleies municipais de outubro daquele ano. A ideia inicial era
desenvolver o estudo tendo apenas os agricultores familiares desta comunidade
como populao.
No incio de dezembro, foi realizada reunio com o Secretrio Municipal
de Sade (gesto 2009 2012) para explicao do projeto e foi emitida
autorizao para realizao da pesquisa na Comunidade do Paiol. Nesta ocasio,
o secretrio informou que no dispunha de dados sobre as prticas de uso nem
sobre casos de intoxicao por agrotxicos no municpio. Ao final do mesmo ms,
ocorreu a primeira reunio com os tcnicos da Emater local. Estes se mostraram
interessados pelo projeto e expressaram preocupao com as situaes de uso de
agrotxicos que costumam presenciar.
Nessa mesma reunio, foi apresentada a diviso da zona rural do
municpio em 19 comunidades onde residem em torno de 600 famlias
pertencentes categoria de agricultura familiar. Definiu-se, ento, a realizao da
coleta de dados em todas as comunidades rurais de Lavras e a apresentao do
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projeto de pesquisa na Reunio Mensal do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural Sustentvel (formada por representantes das 19
associaes comunitrias rurais do municpio, alm de representantes da
Secretaria de Assuntos Rurais e da Emater local), que acontece na sede da
Emater.
Em abril de 2013, aps a estruturao do projeto, foi realizada reunio
com a Secretria Municipal de Sade da gesto 2013 2016. Foi emitida
autorizao para a coleta de dados em toda a zona rural do municpio (Anexo IV)
e informado o desconhecimento sobre casos de intoxicao por agrotxico e sobre
a falta de aes diretas em relao ao problema no municpio. Tambm foram
realizadas reunies com as Secretrias Municipais do Meio Ambiente e de
Assuntos Rurais, que se prontificaram a apoiar o trabalho, com a ESF que atende
a zona rural, com os gestores das duas UBS cujas reas de cobertura dos
Agentes Comunitrios abrangem duas comunidades rurais e com os Agentes
Comunitrios de Sade da Zona Rural, que atendem as demais 17 comunidades
rurais do municpio. Sendo estes Agentes de Sade moradores das comunidades,
por exercerem seu trabalho visitando as famlias das respectivas reas de
cobertura e por terem se disponibilizado a contribuir com a pesquisa, estes se
tornaram fundamentais para a estruturao da estratgia de campo.
Por fim, fechando a articulao prvia ao trabalho de campo, foi
apresentado o projeto para os representantes das associaes comunitrias na
Reunio Mensal do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel,
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65
que ocorreu no ms de maio de 2013. Estes representantes no so,
necessariamente, agricultores familiares (apesar dos pertencentes a essa
categoria serem maioria no Conselho). Durante esta reunio, perguntas e
comentrios sobre o contexto de utilizao dos agrotxicos e sobre a importncia
da pesquisa foram feitos pelos participantes.
importante ressaltar que, durante as reunies mencionadas foram
percebidas falas que evidenciam a responsabilizao dos agricultores pelo uso
inadequado de agrotxicos e tambm o modelo de produo priorizado e
defendido, de forma geral, pelas instituies pblicas municipais citadas:
Voc est propondo produzir sem usar agrotxicos? Tem que ter um
equilbrio, n? No tem como produzir a mesma quantidade sem usar
nada de agrotxico. Funcionrio da Secretaria Municipal de Assuntos
Rurais.
Por mais que se fale com o agricultor, ele no usa os EPI. Funcionrio da
Emater.
No deveramos chamar os agrotxicos por este nome, e sim de
defensivos agrcolas, assim como no chamamos de droga, e sim de
medicamentos, os produtos para a sade humana. Membro do Conselho
Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel.
Essa histria de orgnico no existe, isso coisa de petista contra
grande produtor. Membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento
Rural Sustentvel.
5.1.2 TRABALHO DE CAMPO
Entre os dias 15 de julho e 7 agosto e entre os dias 10 e 12 de
dezembro de 2013, foram realizadas 81 entrevistas nas 19 comunidades rurais de
Lavras, totalizando 1.412 quilmetros percorridos e 184 horas de trabalho de
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campo. A mdia diria de entrevistas realizadas foi de 3,86, com 8 horas e 45
minutos de trabalho e 67,2 quilmetros percorridos.
A distribuio das entrevistas nas regies rurais definidas neste estudo
(Norte, Sul, Leste e Oeste) se deu conforme Tabela 2.
Tabela 2. Distribuio das unidades produtivas de agricultura familiar segundo regio rural,
percentual e nmero de entrevistas realizadas. Lavras, MG, 2013.
Regio rural Percentual de unidades
produtivas Nmero de entrevistas
Norte 18 14
Sul 19 16
Leste 12 10
Oeste 51 41
Total 100 81
Na Figura 1 apresentada imagem do mapa do sistema virio da zona
rural de Lavras. Nela esto representadas as quatro regies rurais definidas para
este estudo e a localizao aproximada de cada comunidade rural do municpio.
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Figura 1. Representao das regies e comunidades rurais de Lavras, MG, em mapa do sistema virio rural do municpio.
Legenda Comunidades: 1 = Funil; 2 = Paiol; 3 = Tabues; 4 = Fonseca; 5 = Itirapuan; 6 = Serrinha; 7 = Ponte Alta; 8 = Cachoeirinha; 9 = Tomba; 10 = Faria; 11 = Queixada; 12 = Pimentas; 13 = Maranho; 14 = Rosas; 15 = Trs Barras; 16 = Boa Vista; 17 = Salto das Trs Barras; 18 = Cajuru do Cervo; 19 = Engenho de Serra.
N
N = Regio Rural Norte L = Regio Rural Leste O = Regio Rural Oeste S = Regio Rural Sul
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11 12
13
14
15 16
17
18
19
L
S
O
UFLA
L O
S
BR-381
SP
BH
BR-381
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68
No dia anterior ao incio dos trabalhos em cada uma das comunidades,
foi feito contato por telefone com o Agente de Sade da comunidade e, no dia
seguinte, realizado um encontro em sua residncia (ou UBS) para obter
informaes sobre a melhor forma de se deslocar na regio e sobre como chegar
casa de cada agricultor sorteado. Desta forma, as direes para a unidade
produtiva de cada famlia sorteada e de cada famlia suplente, o melhor horrio
para encontrar os agricultores e a melhor sequncia para as entrevistas foram
anotadas e a estratgia para os dias de trabalho em cada regio definida.
No total, 136 trabalhadores foram entrevistados nas 81 unidades
produtivas visitadas. Isto porque, aos agricultores familiares entrevistados no eixo
Caracterizao Socioeconmica (responsveis pela p