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TALINE CRISTINA DA SILVA

REPRESENTAES LOCAIS SOBRE A MATA CILIAR S MARGENS DO RIO SO FRANCISCO NORDESTE DO BRASIL

RECIFE, 2010

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Ficha catalogrfica

S586r

Silva, Taline Cristina da Representaes locais sobre a mata ciliar as margens do Rio So Francisco nordeste do Brasil / Taline Cristina da Silva. -- 2010. 75 p.: il. Orientador: Ulysses Paulino de Albuquerque. Dissertao (Mestrado em Botnica) Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Botnica, Recife, 2010. Inclui referncias e anexo. 1. Percepo ambiental 2. Vegetao ciliar 3. Modificao da paisagem Conservao I. Albuquerque, Ulysses Paulino de, orientador II. Ttulo CDD 581

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TALINE CRISTINA DA SILVA

REPRESENTAES LOCAIS SOBRE A MATA CILIAR S MARGENS DO RIO SO FRANCISCO NORDESTE DO BRASIL Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Botnica da Universidade Federal Rural de Pernambuco como parte dos requisitos para obteno do ttulo de mestre. Orientador: Prof. Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque Depto. de Biologia, rea de Botnica/UFRPE Co-orientadora: Dr. Maria Luiza Schwarz Depto. de Geografia,Universit de Montreal

RECIFE 2010

4 REPRESENTAES LOCAIS SOBRE A MATA CILIAR S MARGENS DO RIO SO FRANCISCO NORDESTE DO BRASIL Taline Cristina da Silva Dissertao apresentada em _______/_______/________ Orientador: ___________________________________________ Prof. Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque Universidade Federal Rural de Pernambuco Banca examinadora: ________________________________________ Prof. Dr. ngelo Giuseppe Chaves Alves Universidade Federal Rural de Pernambuco (1 Membro)

________________________________________ Prof. Dr. Ceclia de Ftima Castelo Branco Rangel de Almeida Centro de Ensino Superior do Vale do So Francisco (CESVASF) (2 Membro) ________________________________________ Dr. Maria Franco Trindade Medeiros Universidade Federal Rural de Pernambuco (Laboratrio de Etnobotnica Aplicada) (3 Membro) ________________________________________ Prof. Dr. Jlio Marcelino Monteiro Universidade Federal do Piau (Suplente) Recife, 2010

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AGRADECIMENTOS Agradeo a Deus. Ao Cnpq pela bolsa de mestrado e ao projeto da Embrapa Semi-rido intitulado Diagnstico de reas degradadas e plano piloto de recuperao das margens do Rio So Francisco no bioma Caatinga pelo auxlio financeiro e logstico concedidos atravs Dr. Ivan Alvarez. Ao meu orientador, Prof. Dr. Ulysses Albuquerque por todo o apoio e participao neste trabalho e pela grande importncia no meu crescimento profissional e pessoal. Ao corpo docente e aos funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Botnica pela participao na minha formao. Ao amigo Marcelo, pela importantssima ajuda em campo e pelas discusses que levaram ao crescimento do trabalho. Aos estagirios da Embrapa Semi-rido, Uldrico e Mara pelo auxlio na coleta de dados. A todos os entrevistados das comunidades de Jatob, Grapina (Bahia) e Ouro Verde (Pernambuco) pela receptividade e boa vontade em participarem do trabalho. Aos amigos do Laboratrio de Etnobotnica Aplicada: Alejandro, Analia, Alissandra, Alyson, Ana Carolina, Cybelle, Ceclia, Ernani, Fbio, Flvia, Gilney, Gustavo, Ivanilda, Henrique, Joabe, Jlio, Luciana, Lucilene, Maria, Mariana, Nlson, Paloma, Poliana, Rafael, Ribamar, Ricardo, Thiago, Vital, Viviany e Washington pelo incentivo e pelas colaboraes no laboratrio. A minha famlia, especialmente minha me pela pacincia e suporte para que eu pudesse desenvolver a dissertao. A famlia Muniz por todo o apoio e carinho. Por fim, agradeo a todos que de alguma forma contriburam para a realizao deste trabalho.

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DEDICATRIA

Dedico ao meu tio Luiz Carlos da Silva (in memorian) que contribuiu significativamente para com a minha formao e com quem eu aprendi que o amor ao prximo essencial para fazer valer a nossa existncia aqui.

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LISTA DE FIGURAS Pg Figura 1. Localizao dos trs municpios que fizeram parte do estudo, nos estados de Pernambuco e Bahia, Nordeste-Brasil (Por Franklin Silva). Figura 2. Imagem A: Vista do Rio So Francisco no municpio de CuraBA; Imagem B: Comunidade de Lagoa Grande-PE; Imagem C: comunidade de Grapina no municpio de Cura-BA; Imagem D: Comunidade de Jatob no municpio de Cura-BA. Figura 3. Representao do Grfico Histrico sobre a dinmica das principais espcies da vegetao ciliar derivadas da lista-livre da comunidade de Ouro Verde no municpio de Lagoa Grande-Pernambuco, Brasil. Figura 4. Representao do Grfico Histrico sobre a dinmica das principais espcies da vegetao ciliar derivadas da lista-livre da comunidade de Jatob no municpio de Cura-Bahia, Brasil. 35

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LISTA DE TABELAS

Pg Tabela 1. Dados das trs reas que fizeram parte do estudo em Pernambuco e Bahia na Bacia do Rio So Francisco NE- Brasil. Tabela 2. Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do Sujeito coletivo sobre sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para pior entre os informantes da comunidade de Ouro Verde, Lagoa Grande-Pernambuco. NE- Brasil. Tabela 3. Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para melhor entre os informantes da comunidade de Ouro Verde, Lagoa Grande-Pernambuco. NE- Brasil. Tabela 4. Espcies teis conhecidas da vegetao ciliar por moradores da comunidade Ouro Verde, Lagoa Grande-PE (Nordeste do Brasil) Tabela 5. Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para pior entre os informantes da comunidade de Grapina em Cura, NE- Brasil. Tabela 6. Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para pior entre os informantes da comunidade de Jatob em Cura, NE- Brasil. Tabela 7. Representao da linha do tempo sobre os eventos histricos que modificaram a paisagem na comunidade de Jatob no municpio de Cura-BA, Brasil. Tabela 8. Representao da linha do tempo sobre os eventos histricos que modificaram a paisagem na comunidade de Jatob no municpio de Cura-BA, Brasil. Tabela 9. Respostas sobre a mudana da paisagem nas trs comunidades nos estados de Pernambuco e Bahia na Bacia do Rio So Francisco NE- Brasil. 37

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RESUMO As florestas ciliares localizam-se ao longo de rios e crregos e desempenham um importante papel ao longo desses cursos dgua medida que protegem os leitos contra o assoreamento provocado pela eroso das margens. A utilizao de recursos das reas no entorno desses rios acompanha a histria da civilizao h muito tempo, na maioria dos casos sem planejamento. Nesse contexto, o Rio So Francisco, localizado nos estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe no Nordeste do Brasil, vem sofrendo forte presso em todo o seu percurso. Diante do exposto, pretende-se por meio da investigao das representaes locais da paisagem dos ribeirinhos do Rio So Francisco nos municpios de Lagoa Grande no estado de Pernambuco e Cura na Bahia, gerar informaes que iro subsidiar o trabalho de restaurao paisagstica que ser realizado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria) - Semirido na regio. Para verificar a representao sobre mudanas locais da paisagem e a representao da populao em relao s mudanas da paisagem e abundncia de recursos vegetais nas reas foram empregadas entrevistas semi-estruturadas com trs comunidades de dois municpios da Bahia e de Pernambuco e adicionalmente dois tipos de mtodos participativos: o primeiro consistiu na construo de um grfico histrico para acessar as representaes sobre mudanas locais da paisagem. O segundo foi a construo da linha do tempo, no qual os participantes foram questionados sobre as mudanas que ocorreram na paisagem em relao ao tempo, quando ocorreram, quais foram s mudanas e suas causas. Objetivando registrar as representaes locais sobre a diversidade e a abundncia das espcies teis consideradas mais importantes pelos grupos de usurios, se utilizou a tcnica de lista livre que visa buscar informaes especficas sobre um domnio cultural na rea estudada. Os resultados obtidos indicam que, de uma forma geral, houve mudanas na vegetao ciliar, estando entre as principais causas dessa modificao o tipo de sistema agrcola praticado na regio. No entanto, no houve diferenas significativas entre os informantes que disseram que as mudanas foram para pior e os que afirmaram terem sido para melhor. Alm disso, os entrevistados indicam que houve um aumento na abundncia de espcies exticas. Os entrevistados tambm representaram suas preocupaes em relao conservao da vegetao, justificando principalmente a proteo do rio e indicaram possveis solues para a conservao, como o reflorestamento. Logo, acredita-se que as informaes geradas com este trabalho so uteis para a implantao de um projeto de restaurao florestal na regio. Palavras-chaves: Percepo ambiental, vegetao ciliar, modificao da paisagem, conservao.

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ABSTRACT Riparian forest are placed along rivers and streams and they play a fundamental role along these watercourse since they protect the riverbeds against aggradation provoked by margin erosion. Resource use in areas around these rivers accompanies the histories of civilizations since along time, in most case without a planning. In this context the river So Francisco located in the states of Bahia, Pernambuco and Sergipe in Northeastern Brazil has suffered a strong pressure along its whole course. Therein, by means of the investigation of local landscape representations by people living next to the river, this study seeks to generate information that will a wok of landscape restoration wich will be performed by Embrapa (Empresa brasileira de pesquisa agropecuria) section semiarid. To verify peopless representations about local landscape change semi-estrutured interviews were perfomed with three communities in the municipalities of Bahia and Pernambuco. To verify peoples representations about landscape about landscape chances and plant resource abundance in common areas two types of participative methodologies were additionally performed: the first was the construction of a historical graph to acess representations about local landscape chances. The second was the construction of a timeline and the participants were questioned about landscape change in time, when these changes occurred and what changes and their causes. Aiming to record local representations about diversity and abundance of useful species considered more important by the users, the free-listing technique was used, wich aim to register specific information about a cultural dominium of the studied area. The results indicate that in a general way there were changes in riparian vegetation being the type of agricultural system practiced in the region among the main causes of these changes. However there were no significant differences between the informants that said that the changes were good and those who said that the changes were bad. Furthermore the informants said that there was a increase in the abundance of exotic species. The interviewed also represented their worry about vegetation conservation, mainly because of the river protection and they indicate some possible solutions for its conservation. So it is believed that the information generated in work are useful to the implantation of a forest restoration program in the region. Key words: Environmental perception, riparian vegetation, landscape change, conservation.

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SUMRIO

LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS RESUMO Pg. 1. INTRODUO 2. REVISO BIBLIOGRFICA 2.1 Aspectos conceituais da percepo ambiental 2.2 Aspectos metodolgicos nas pesquisas de percepo ambiental 2.3 Importncia dos estudos de representao ambiental 2.4 As pesquisas das representaes sobre a paisagem 2.5 As pesquisas das representaes sobre espcies em particular 2.6 Consideraes finais 3. Referncias REPRESENTAES LOCAIS SOBRE MUDANAS E CONSERVA DA VEGETAO CILIAR EM REAS AS MARGENS DO RIO SO FRANCISCO (NORDESTE DO BRASIL) Introduo Material e mtodo rea de trabalho Coleta de dados Anlise de dados Resultados Representaes locais sobre mudanas locais na vegetao ciliar. Eventos histricos representados localmente que influenciaram nas modificaes da vegetao ciliar. Representaes locais sobre a conservao da vegetao ciliar. Discusso Concluses Referncias Bibliogrficas Anexos 51 53 57 59 65 33 34 34 38 39 40 40 48 12 14 14 15 17 18 22 23 24

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1. INTRODUO

As florestas ciliares, ou matas de galerias como so chamadas, localizam-se ao longo de rios e crregos e desempenham um importante papel ao longo desses cursos dgua na medida em que protegem os leitos contra o assoreamento provocado pela eroso das margens (MANTOVANI, 1989). Esses tipos de florestas so tambm encontradas nas margens dos rios do Semirido da regio Nordeste brasileira e constituem verdadeiros cordes de floresta que avanam para o interior das caatingas, favorecidos pela maior umidade do solo nas margens dos rios (KUHLMANN, 1991). A utilizao de recursos das reas no entorno desses rios acompanha a histria da civilizao h muito tempo, na maioria dos casos sem planejamento (GIULIETTI et al., 2005). Uma prova disso a presena do homem ribeirinho no Semirido brasileiro usufruindo do produto florestal no madeireiro e madeireiro, destacando-se pela produo intensiva e desordenada de lenha e carvo, tanto para uso domstico como para comercializao, sem haver prtica de reposio florestal (CAMPELLO et al., 1999). Nesse contexto o Rio So Francisco localizado nos estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe no Nordeste do Brasil, vem sofrendo forte presso em todo o seu percurso, cedendo reas para projetos de irrigao. Por isso, atualmente a vegetao nativa existente se apresenta extremamente devastada e as matas que restam encontram-se afastadas das margens, propiciando a eroso (CAMPELLO et al., 1999). Nota-se, portanto que se est diante de um grande desafio, que o de entender esses processos de degradao com a finalidade de recuperar essas reas. Segundo a EMBRAPA (2009) para que projetos de recuperao desses ambientes dem certo necessrio garantir o sustento das famlias ribeirinhas que ali esto e, torn-las partes integrantes desses processos de reconstituio da mata ciliar, j que possuem estreita relao com os recursos. A EMBRAPA (2009) ainda relata que muitas iniciativas de recuperao de reas degradadas mostraram-se ineficientes, pois consideraram que apenas o plantio das espcies nativas seria suficiente para a recuperao dessas reas, e no levaram em considerao o conhecimento, percepo e uso local sobre esses recursos. A importncia de envolver a populao local nesses tipos de projetos d-se porque essas conhecem, usam, manejam e percebem os recursos de diversas maneiras a partir de

13 seu histrico contato, sendo assim tambm responsveis pelas transformaes ambientais (BELL, 2001). A partir das percepes locais algumas populaes podem enxergar mudanas ambientais e apontar alteraes na cobertura vegetal indicando as possveis causas (LYKKE, 2000; XU et al., 2006). Esses estudos tambm ajudam a compreender melhor as expectativas, satisfaes e insatisfaes, julgamentos e condutas do ser humano para com o ambiente (GUERRA e ABLIO, 2005). Logo, pesquisas que tratam da relao pessoas-ambiente e do gerenciamento de ecossistemas devem incluir estudos de investigao da percepo dos grupos scio-culturais envolvidos (MAROTI et al., 1998). Nesse trabalho ser adotado o termo representao local da paisagem como foi empregado por Yldiz (1994), no mesmo sentido que se emprega na literatura o termo percepo ambiental. Gumuchian (2000) discute sobre a necessidade de utilizar o termo representao em substituio ao que tem sido denominado de percepo, pois que este termo est muito ligado com o que percebido s atravs dos sentidos, sem levar em considerao fatores psicolgicos, culturais e simblicos, que tambm intervm neste processo. Alm disso, Cavalcante & Maciel (2008) defendem que existe uma diferena entre o que percebido e o que pode ser externalizado e denominam isso de representao. Diante do exposto, este trabalho pretende verificar as representaes da populao local sobre as mudanas da vegetao ciliar na Bacia do Rio So Francisco em trs comunidades nos municpios de Lagoa Grande no estado de Pernambuco e Cura no estado da Bahia, resgatar os eventos histricos que podem explicar as possveis modificaes da paisagem, assim como registrar as representaes sobre a conservao da mata ciliar.

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2. REVISO BIBLIOGRFICA

2.1 Aspectos conceituais da percepo ambiental Tuan (1980) define percepo como uma resposta dos sentidos aos estmulos externos, como atividade proposital, em que certos fenmenos so claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou so bloqueados. Segundo este autor, muito do que percebido tem valor para o indivduo, para a sobrevivncia biolgica, e para propiciar algumas satisfaes que esto enraizadas na cultura. Uma viso semelhante a esta a de Machado (1996). Este autor acredita que cada pessoa possui uma viso de mundo que nunca objetiva; cada um percebe seletivamente aquilo que lhe interessa, o que de costume observar, de acordo com seu contexto scio-cultural. Sendo assim, Maroti et al. (1998) afirmam que existe uma certa dificuldade em detectar a maneira como os grupos sociais percebem os ambientes que os cercam: Uma das dificuldades para a proteo dos ecossistemas naturais est na existncia de diferentes percepes dos valores e da importncia dos mesmos entre os indivduos de culturas diferentes ou de grupos socioeconmicos que desempenham funes distintas no plano social, nesses ambientes. Segundo Fernandes et al. (2006) a percepo ambiental, em sua essncia, a viso que cada pessoa tem do ambiente que a cerca, sendo o primeiro passo na direo do processo de conhecimento e do exerccio de cidadania ambiental. Bell (2001) incorpora uma viso interessante ao conceito de percepo, relatando que o processo de percepo dos ambientes envolve elementos fsicos e psicolgicos. Faggionato (2001) defende que cada indivduo percebe, reage e responde diferentemente frente s aes sobre o meio. E que, portanto, as respostas ou manifestaes so resultado das percepes, dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada indivduo e embora nem todas as manifestaes psicolgicas sejam evidentes, so constantes e afetam a conduta, na maioria das vezes inconscientemente. Mas, segundo Okamoto (2002), a realidade tambm percebida por meio de conceitos, smbolos e mitos. Alm disso, ele acredita que o processo perceptivo influenciado por filtros fisiolgicos, sensoriais e culturais que se do em nvel mental e desencadeiam a ao para com o ambiente. Descobrir quais desses filtros exercem maior influncia na percepo e consequentemente na ao do indivduo quanto aos recursos naturais, por exemplo, seria de extrema importncia para gerir os mesmos, mas isso ainda algo muito difcil de ser acessado em uma pesquisa.

15 Gumuchiam (1989) fala sobre a necessidade de utilizar o termo representao em substituio ao que tem sido denominado de percepo, pois ele acredita que este termo est muito ligado com o que percebido s atravs dos sentidos, sem levar em considerao os outros fatores j citados aqui, que tambm intervm neste processo. Alm disso, Cavalcante e Maciel (2008) defendem que existe uma diferena entre o que percebido e o que pode ser externalizado e denominam isso de representao. Baseados nessas duas linhas de pensamento que nesse trabalho se utilizar o termo representao nesta pesquisa. No entanto, esta divergncia terminolgica precisa ser melhor discutida pelos pesquisadores da rea. importante enfatizar aqui que o termo representao sugerido para as pesquisas de percepo sobre o ambiente, difere do conceito de representaes sociais de Jodelet (1985) que segundo ele uma forma de conhecimento que elaborado socialmente dentro de grupos sociais, levando construo de uma realidade comum e conflitos.

2.2. Aspectos metodolgicos nas pesquisas de percepo ambiental Para acessar as representaes sobre o ambiente, alguns pesquisadores utilizam vrios tipos de metodologias. O trabalho de reviso realizado por Zube et al. (1982) que reuniu 69 artigos publicados sobre ambiente-comportamento na revista Environment and Behavior, no perodo 1969 a 1982, cuja anlise dos artigos foi feita com base nas categorias: teoria, desenvolvimento substantivo, metodologia e aplicao, indicou que a maior parte dos estudos possuam em sua metodologia uma abordagem quantitativa. Contudo, importante nos estudos de representao a utilizao de diferentes ferramentas metodolgicas, sejam elas quantitativas, qualitativas ou ambas. Albuquerque et al. (2009) defendem que se faz necessrio adotar diferentes conjuntos de mtodos por que eles podem agregar o mximo de informaes que facilitam tomadas de decises mais seguras quando na interpretao dos dados, pois os estudos de representao da paisagem pelo indivduo so dotados de uma grande complexidade. Verificou-se nessa mesma reviso de Zube et al. (1982) que 22 dos estudos analisados no continham uma teoria ou modelo terico que estruturasse as perguntas das pesquisas. Eles defendem que pesquisa sem uma teoria geral fragmentria. Por isso, acredita-se que esse fato dificulta a consolidao dessa abordagem como cincia, semelhante a grande parte das cincias sociais. Logo, faz-se necessrio que os estudos

16 tentem criar uma teoria integrativa para guiar as pesquisas sobre a relao dos indivduos com seus ambientes naturais. As ferramentas metodolgicas participativas tm tambm se destacado no cenrio do estudo das representaes locais da paisagem, como se pode observar nos estudos que empregam mapas comunitrios para diagnsticos ambientais (GEILFUS, 1997; DALLE et al., 2006; EVANS et al., 2006). Entretanto, importante salientar que a representao do indivduo em um momento de coletividade, pode sofrer diversos tipos de influncias como a sobreposio de vozes (EVANS et al., 2006). Outras ferramentas metodolgicas empregadas em estudos sobre representaes so: 1- estmulo ao discurso falado ou escrito, quando se deseja pesquisar as representaes sobre o que pensa, ou sente uma determinada pessoa em relao ao ambiente natural ou a elementos especficos desse ambiente, torna-se importante o emprego de perguntas abertas para estimular o discurso falado ou escrito. Esse tipo de abordagem permite que o indivduo exteriorize suas representaes sobre o ambiente de maneira menos restrita, em comparao com entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, as quais so geralmente empregadas nas investigaes etnobiolgicas (ver WEZEL e HAIGIS, 2000; TATLIDIL et al. 2008; SOLIVA e HUNZIKER, 2009). Para Lefevre (2005) ao restringir o indivduo a escolher alternativas em respostas preestabelecidas, o seu pensamento pode ser limitado; 2- entrevista semi-estruturada do tipo projetiva, o emprego de estmulos visuais para obter informaes das pessoas se d de diferentes formas, a depender da rea de pesquisa e dos objetivos. Em investigaes de representao ambiental, recursos fotogrficos podem ser utilizados. Para Minayo (1993) este tipo de mtodo denominado de entrevista semi-estruturada do tipo projetiva. Acredita-se que algumas pessoas tm dificuldade em expressar verbalmente suas opinies, pelo que o uso de imagens poderia auxiliar no processo de exteriorizao das mesmas (NEIVA-SILVA e KOLLER, 2002). Esse mtodo consiste em empregar imagens fotogrficas no momento da entrevista com inmeros objetivos; 3- autobiografia ambiental, Na autobiografia ambiental, cada participante recebe uma cmera fotogrfica e solicitado a tirar um nmero determinado de fotografias a fim de responder uma questo especfica. Aps essa etapa so verificadas as representaes de cada informante em relao as suas fotografias, pois os mesmos podem ser estimulados a escolher as imagens percebidas como mais importantes, ordenar as fotos mais significativas, escrever um pargrafo representando o que significa cada foto (NEIVA-SILVA e KOLLER, 2002); 4- estmulo aos desenhos, alguns estudos etnobiolgicos estimulam os entrevistados a expressarem suas

17 representaes sobre o ambiente por meio de desenhos (ALVES et al., 2007; SCHWARZ et al., 2007; SILVA et al., 2009). Acredita-se que por meio do desenho o indivduo organiza informaes, processa suas experincias vividas e pensadas, revela seu aprendizado e pode desenvolver um estilo nico de representao do mundo (GOLDBERG et al., 2005). Esse tipo de mtodo pode ser empregado, por exemplo, quando se pretende investigar as representaes a respeito da biodiversidade de um determinado ecossistema natural.

2.3 Importncia dos estudos de representao ambiental Marques (1993) defende que um trabalho de educao ambiental seria mais rico se tivesse como base um levantamento prvio das formas de percepo do ambiente. Maroti et al. (1998) relataram que pesquisas que tratassem da relao pessoas-ambiente e do gerenciamento de ecossistemas, deveriam incluir estudos de investigao da percepo dos grupos scio-culturais interatuantes. E posteriormente trabalhos como o de Lykke (2000) e Xu et al. (2005) demonstraram que acessando a percepo de populaes locais sobre a vegetao foi possvel identificar mudanas na paisagem para subsidiar estratgias de conservao. Del Rio e Oliveira (1999) relatam a incidncia do tema percepo ambiental em vrias disciplinas. Por exemplo, na sociologia existe um enfoque para percepo que estuda a imagem do ambiente no nvel social. Nas reas de arquitetura e urbanismo o quesito percepo importante no processo de construo e planejamento dos ambientes. O pioneiro a envolver estudos de percepo na geografia humana foi Tuan (1980), com o estudo das sociedades e suas diferentes formas de ver o mundo. Mas inicialmente segundo Fedrizzi e Tomasini (2008) os estudos relacionados percepo ambiental de populaes humanas se deram a partir da dcada de 60 que foi marcada pelas preocupaes ambientais. Outras disciplinas com enfoque cognitivo como a etnobiologia e a etnoecologia tambm investigam a percepo ambiental dos indivduos (ver MARQUES, 1993). Este tipo de investigao essencial para implantao de projetos de recuperao de reas degradadas, por exemplo, Tabuti (2007) empregou tcnica participativa de obteno de informaes referentes s percepes dos participantes sobre o declnio de algumas espcies no ambiente e as possveis causas associadas a esses eventos atravs de discusses com grupos focais. Independente da tcnica empregada para obter informaes

18 sobre a representao ambiental, este tipo de investigao pode contribuir bastante para a recuperao de reas degradadas, para o manejo sustentvel dos recursos e para melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas no estudo.

2.4 As pesquisas das representaes sobre a paisagem Grupos sociais em vrias partes do mundo vm sendo analisados com o objetivo de entender suas expectativas, e representaes e relaes que estabelecem com os recursos naturais. Para isso, vrios tipos de abordagens so utilizadas nessas pesquisas, dependendo do objetivo de cada autor. Acredita-se que esses trabalhos muitas vezes buscam sensibilizar as populaes estudadas, medida que as mesmas passam a se perceber como parte do ecossistema e como responsveis pelas transformaes ambientais (BELL, 2001). importante salientar aqui os trabalhos que investigaram, a partir das representaes locais, as mudanas na paisagem em uma determinada regio com diferentes atores sociais: A) Frequentadores de parques nacionais e reservas ecolgicas- O trabalho de reviso realizado por Zube (1986) enfatizou que houve um aumento significativo no nmero de parques nacionais e reas protegidas no mundo, nos ltimos 15 anos. Isto demonstra que tambm tem aumentado a preocupao da populao humana com a limitao dos recursos naturais. E foi justamente nesse perodo que os trabalhos voltados s representaes locais sobre o ambiente, se destacaram. Ele verifica que a populao que residia prximo a um parque nacional em Bali na Indonsia percebeu um aumento nos conflitos entre administradores de parques e seus interesses; tambm destaca que ocorreu uma excluso da populao local no plano de manejo dessas reas. importante tambm destacar que posteriormente no Brasil houve alguns estudos de representao ambiental com visitantes de estaes ecolgicas e parques estaduais (JACOBI et al., 2004; REMPEL et al., 2008) Esses trabalhos, em sua maioria focaram-se atravs de entrevistas, na observao das satisfaes e insatisfaes dos freqentadores desses ambientes em relao paisagem e manuteno desses espaos. B) Agricultores- Estudos com esse tipo de ator social foram abordados com diversos enfoques; por exemplo, Tatldil et al. (2009) quiseram observar a representao dos informantes por meio de questionrio semi-estruturado, e os mesmos tiveram que

19 indicar atravs de uma escala (Likert) de 1 a 5 o grau de importncia da implantao de agricultura sustentvel na paisagem da provncia de Kahramanmaras- Turquia. Esse tipo de mtodo pode ser indutivo, medida que j parte do princpio, por exemplo, que a agricultura sustentvel na regio importante, antes de acessar previamente a representao local. Outro trabalho que dessa vez fez uso de fotografias para verificar a representao local sobre a mudana da vegetao foi o de Gmez-Limn e Fernndez (1999), desenvolvido em uma regio central de Madri (Espanha). Utilizou-se um conjunto de seis fotografias de diferentes estgios ecolgicos de sucesso provocados pela estrutura agrcola na regio. Diferentes grupos de usurios (fazendeiros, turistas e populaes locais) indicaram suas preferncias pelos ambientes indicados nas fotografias. Os estmulos visuais so uma importante ferramenta metodolgica para acessar as representaes locais sobre os recursos. Dhubhin et al. (2009) se dispuseram a investigar por meio de entrevista semi-estruturada os aspectos positivos e negativos de uma rea reflorestada na Irlanda atravs da representao de fazendeiros; esses autores se restringiram novamente a apenas utilizar um tipo de ferramenta para terem acesso as representaes. Os resultados encontrados foram surpreendentes, pois a maioria dos entrevistados enfatizou os aspectos negativos do reflorestamento na rea e os autores discutiram esse resultado, justificando que houve uma completa excluso dos fazendeiros no processo de implantao do projeto de reflorestamento. J Bayfield et al. (2008) quiseram verificar a influncia de fatores socioeconmicos no conhecimento de agricultores locais sobre a mudana da paisagem em reas de montanhas na Europa. Tambm observaram o nvel de interesse dos agricultores em participarem de um planejamento florestal para conservao. Esse tipo de abordagem permite o envolvimento direto da populao local no processo de recuperao das reas, como j foi mencionado aqui. Outro estudo direcionado a agricultores foi o de Soliva e Hunziker (2009) onde, alm de entrevistas semi-estruturadas, os autores fizeram tambm grupos de discusses com os informantes para avaliar por meio de suas representaes a biodiversidade em diferentes paisagens a partir do declnio da agricultura na regio. So bastante comuns em alguns pases na Europa reas agrcolas abandonadas e com isso h uma constante mudana na paisagem, atraindo o interesse de alguns pesquisadores que tentam entender como a populao local percebe este fato, se de maneira positiva, pois medida que h o abandono das terras a vegetao nativa se regenera

20 ou se de maneira negativa, porque o abandono das terras diminui o lucro agrcola (BENJAMIN et al., 2007). Klintenberg et al. (2006) realizaram um estudo no Nordeste da Nambia, compararando a representao da populao em nvel nacional e entre agricultores locais sobre paisagens de reas de pasto e o estado desses ambientes. O aumento do nmero de reas de pastos e a diminuio da quantidade de chuvas foram os maiores fatores percebidos como responsveis pelas mudanas ambientais na regio. No Brasil estudos sobre a representao de agricultores em relao mudana da paisagem tm sido pouco desenvolvidos; podemos destacar o trabalho de Silvano et al. (2005), onde os mesmos verificaram que atravs da representao do ambiente por agricultores residentes prximos ao Rio Macabuzinho, em Minas Gerais (Sudeste do Brasil), poderia se recuperar a mata ciliar e melhorar a qualidade da gua deste rio, pois os entrevistados apontaram os impactos ambientais dessa regio e sugeriram aes para o reflorestamento, alm de indicarem alternativas para melhoria da qualidade da gua. C) Comunidade local- Um estudo importante que foi encontrado com esse enfoque foi o de Bolling e Shulte (1999). Investigando duas comunidades indgenas com hbitos pastorais identificaram o status ecolgico das espcies vegetais mais importantes da regio por meio de checklist entrevista, uso de plantas frescas, para obter informaes de homens mais velhos das comunidades. Cada informante, ao observar a espcie teria que informar se ela no existia mais na regio, se a quantidade havia diminudo ou se a populao da planta tinha permanecido estvel. Dalle et al. (2006), no Mxico, verificaram tambm mudanas na cobertura vegetal da Floresta Ejido de Quintana Roo, com o auxlio da populao local, atravs de informaes do mapeamento participativo. Os informantes tiveram que indicar a abundncia e diversidade dos recursos vegetais da regio. No entanto, apesar desse tipo de mtodo ser bastante eficaz, faz-se necessrio a complementao desses dados seja atravs da utilizao de fotos areas da rea ao longo do tempo ou com informaes geogrficas, para dar maior robustez aos dados. Outra abordagem em relao percepo de populaes locais sobre a vegetao pode ser representada pelo trabalho de Kristensen e Balslev (2003), desenvolvido na frica em uma comunidade indgena; com enfoque na observao dos processos perceptivos das pessoas em relao s mudanas ambientais, a observao desse estudo envolveu outros fatores que compreendem a realidade do ambiente da comunidade estudada,

21 tais como: a preferncia das pessoas sobre o uso dos recursos, o declnio das espcies no ambiente, a mudana na estrutura vegetacional e os aspectos relacionados ao manejo e conservao da vegetao. Isso pde ser visto nos estudos de Wezel e Haigis (2000); Wezel e Lykke (2005), ambos desenvolvidos no Leste da frica, no primeiro os autores fizeram uso de questionrio semiestruturado com perguntas relacionadas s mudanas da vegetao (se a quantidade de espcies aumentou, diminuiu ou as espcies desapareceram) e outras apenas sobre o uso de plantas. Encontrou-se como resultado, diferentes percepes entre homens e mulheres, relacionadas, por exemplo, ao hbito da espcie. Homens perceberam o declnio de espcies arbreas, e mulheres o de herbceas. Isso implica dizer que as representaes esto tambm associadas funo social que o indivduo desempenha. Mulheres nessa comunidade tm o hbito de coletar espcies medicinais herbceas, logo perceberam melhor o declnio dessas. J o segundo trabalho (WEZEL e LYKKE, 2005) teve uma abordagem semelhante, porm os autores fizeram um recorte temporal para que os informantes mencionassem atravs da entrevista e de grupos de discusso as mudanas na abundncia das espcies entre 20 e 50 anos atrs. importante destacar que as espcies para esse estudo foram selecionadas previamente por meio de lista-livre. Katijua e Ward (2008) verificaram a abundncia das espcies por categorias de uso (lenha, alimentcia, construo e medicinal) em uma comunidade na Namibia; no entanto como os autores entrevistaram homens e mulheres de diferentes idades, essas percepes podem variar de acordo com a funo social do indivduo na regio, e por isso esses dados devem ser relativizados. D) Pblico jovem- Existem vrios trabalhos com esse tipo de pblico, mas destacouse principalmente aqueles desenvolvidos com estudantes (BARRAZA e CEJAADAME, 1998; GUERRA e ABLIO, 2005; BEZERRA, 2006; SCHWARZ et al., 2007; SILVA et al., 2009). Para estes estudos, so necessrias ferramentas metodolgicas especficas adaptadas a esse tipo de pblico. Por exemplo, estimular a representao da paisagem atravs de desenhos (BARRAZA e CEJA-ADAME, 1998; BEZERRA, 2006; SCHWARZ et al., 2007; SILVA et al., 2009), questionrios com linguagens adequadas para essa faixa etria e outros cuidados metodolgicos que ainda no foram aqui mencionados, mas que se tratando do acesso a percepo com qualquer tipo de faixa etria devem ser tomados, como o

22 caso de evitar a presena de outro informante no momento da entrevista porque isso pode influenciar as respostas do entrevistado. Mas mesmo assim esse tipo de metodologia interessante, principalmente quando feita a triangulao de mtodos. E) Turistas- Fyhr et al. (2009) investigaram a percepo de turistas no Norte da Escandinvia em relao a diferentes tipos de paisagens modificadas, identificando a preferncia dos entrevistados por fotografias representativas de reas com vegetao exuberante a reas antropizadas. Revelando dessa forma um aspecto bioflico definido por Wilson (1989) como a ligao do ser humano com o ambiente natural, o que pode vir a facilitar a conservao desse tipo de ambiente.

2.5 As pesquisas das representaes sobre espcies em particular

Estudos direcionados a representao local sobre uma determinada espcie vegetal ou animal especificamente, existem com diferentes abordagens. Conforti e Azevedo (2002), por exemplo, investigaram a representao local sobre o jaguar (Panthera onca) e pumas (Puma concolor) numa rea do Parque Nacional do Iguau localizado no Sudeste do estado do Paran (Sul do Brasil), com o objetivo de coletar informaes e sugestes para resolver o problema da predao de animais domsticos da regio. Foi possvel verificar que a populao de jaguares eram vtimas da degradao ambiental na percepo dos moradores e a partir desses dados realizou-se trabalho de conscientizao ambiental na rea. Outro trabalho de representao local sobre animal foi desenvolvido no Kenia, continente africano (KURIYAN, 2004). Nesse foram utilizadas informaes etnogrficas para registrar as representaes de locais sobre elefantes. Encontrou-se que apesar desta populao disputar um territrio rico em recursos hdricos com estes animais, por questes culturais, os elefantes so tidos como animais sagrados, sendo proibido mat-los ou comlos elefantes na regio. Logo, a populao local pode ser envolvida em projetos de conservao dessa espcie, disseminando suas representaes sobre este animal. Aqui no Brasil destaca-se o trabalho de Souza et al. (2007) realizado com estudantes de uma escola prxima a fragmentos de Floresta Atlntica para verificar as representaes dos mesmo sobre a avifauna. Em se tratando de estudos sobre a representao local de uma determinada espcie vegetal, encontraram-se diferentes trabalhos com distintos objetivos, metodologias e

23 implicaes. Como por exemplo, o trabalho que verificou a representao da populao local em relao importncia da rvore Blighia sapida K. Konig no Leste da frica. Observou-se que o grupo estudado percebe diferentes fentipos da espcie e que a mesma encontra-se em processo inicial de domesticao (EKUE et al., 2010).

2.6 Consideraes finais Pesquisas voltadas s representaes locais sobre o ambiente so dotadas de grande complexidade, pois envolvem fatores scio-culturais, psicolgicos e fisiolgicos do indivduo e do grupo social investigado. Por tanto se recomenda o aprimoramento de ferramentas metodolgicas e abordagens adequadas para esses estudos. Apesar da existncia de inmeros trabalhos voltados as representaes locais sobre o ambiente difcil acessar a representao real e consequentemente as aes do indivduo e do grupo social para com o mesmo.

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MANUSCRITO

REPRESENTAES LOCAIS SOBRE MUDANAS E CONSERVAO DA VEGETAO CILIAR AS MARGENS DO RIO SO FRANCISCO (NORDESTE DO BRASIL) Taline Cristina da Silva, Marcelo Alves Ramos, Maria Luiza Schwarz e Ulysses Paulino de Albuquerque

Trabalho a ser submetido ao peridico Landscape and Urban Planning (Anexo 1)

32 REPRESENTAES LOCAIS SOBRE MUDANAS E CONSERVAO DA VEGETAO CILIAR AS MARGENS DO RIO SO FRANCISCO (NORDESTE DO BRASIL) Taline Cristina da Silva, Marcelo Alves Ramos, Maria Luiza Schwarz e Ulysses Paulino de Albuquerque*Laboratrio de Etnobotnica Aplicada, Departamento de Biologia, rea de Botnica, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ps-doutoranda em Geografia, Dpartement de Gographie, Facult des Arts et Sciences, Universit de Montral.Montreal, Canad. *Autor para correspondncia: [email protected]; Av. Dom Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmos, CEP: 52171-900, Recife, Pernambuco, Brasil. Tel: 55 XX (81) 3320-6350.

RESUMO As investigaes sobre representaes locais do ambiente permitem resgatar o histrico de transformao da paisagem e elaborar estratgias de conservao ambiental. Acredita-se que as informaes geradas com este trabalho, sero uteis para o projeto de restaurao florestal que ir ser realizado na regio do estudo. O estudo pretendeu responder as seguintes perguntas: Como a populao local representa as possveis mudanas da vegetao ciliar ao longo do tempo? Quais os eventos histricos responsveis por essas possveis mudanas? Como a populao local representa os aspectos relacionados s utilidades e conservao da vegetao ciliar? Para isso, o trabalho foi realizado com 87 informantes moradores de trs comunidades localizadas nos municpios de Cura, estado Bahia e Lagoa Grande, estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil. As metodologias aplicadas foram entrevista semi-estruturada, entrevista semi-estruturada do tipo projetiva e dois tipos de mtodos participativos, grfico histrico e linha do tempo. Os resultados obtidos indicam que de uma forma geral houve mudanas na vegetao ciliar e entre as principais causas dessa modificao est o tipo de sistema agrcola praticado na regio. No entanto, no houve diferenas significativas entre os informantes que disseram que as mudanas foram para pior e os que afirmaram terem sido para melhor. Alm disso, os entrevistados relataram um aumento na abundncia de espcies exticas. Os entrevistados tambm representaram suas preocupaes em relao conservao da vegetao, justificando principalmente que era para proteger o rio e indicaram possveis solues para a conservao. Palavras chaves: Mata de galeria, modificao da paisagem, percepo ambiental.

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INTRODUO Alteraes em ambientes naturais tm ocorrido em diversas partes do mundo. Por exemplo, estima-se que aproximadamente 2% da cobertura florestal em reas tropicais seja perdida anualmente (Reiners et al. 1994). No Brasil, Santiago et al. (2002) relatam, por exemplo que as paisagens naturais vm sofrendo um acelerado processo de modificao, decorrente da necessidade crescente de urbanizao, afetando principalmente a cobertura vegetal nativa. No seria diferente essa situao na vegetao ciliar do Rio So Francisco inserido no ecossistema Caatinga, exclusivo do Brasil, que vem passando por constantes mudanas devido ao uso inadequado do solo, a retirada de vegetao nativa para implantao de reas agrcolas e a utilizao desse tipo de cobertura vegetal de maneira desordenada para diversos fins madeireiros e no-madeireiros sem haver prtica de reposio florestal (Campello et al. 1999). Nesse contexto, nota-se que populaes locais esto diretamente envolvidas nos processos de modificao da paisagem, medida que essas desenvolvem relaes estreitas com os recursos da vegetao ciliar manejando e percebendo as modificaes dos mesmos (Bell, 2001). Acredita-se que para entender os processos de degradao com a finalidade de recuperar essas reas de vegetao, populaes locais tm que se tornar partes integrantes desse processo. Sendo assim, investigar a percepo ambiental dessas pessoas permite acessar a viso que cada uma delas tem do ambiente que as cerca, sendo o primeiro passo na direo do processo de conhecimento e do exerccio de cidadania ambiental (Fernandes et al. 2006). Alm disso, esse tipo de estudo ajuda a compreender melhor as expectativas, satisfaes e insatisfaes, julgamentos e condutas do ser humano para com o ambiente (Guerra e Ablio, 2005). Trabalhos como os de Lykke (2000) e Xu et al. (2006) j demonstraram que acessando as representaes de populaes locais sobre a vegetao possvel identificar mudanas na paisagem, pois as pessoas podem indicar o declnio de espcies locais ao longo dos anos e essas informaes poderiam ser utilizadas para subsidiar futuros projetos de reflorestamento na regio. Alm disso, como pode ser visto em Tabuti (2007) alm do declnio de algumas espcies no ambiente, as pessoas podem indicar as causas associadas aos eventos relacionados a modificao da paisagem e ao declnio das espcies. Defendese tambm que trabalhos de educao ambiental devem acessar as representaes de diferentes atores sociais sobre o ambiente, para ser melhor sucedidos (Marques, 1993).

34 Diante do exposto, na tentativa de gerar informaes que iro contribuir para recuperao de uma rea de vegetao ciliar degradada nas margens de um importante rio para agricultura irrigada e para sobrevivncia de populaes locais, que o So Francisco, o presente estudo pretende responder as seguintes perguntas: Como a populao local representa as possveis mudanas da vegetao ciliar ao longo do tempo? Quais os eventos histricos responsveis por essas possveis mudanas? Como a populao local representa os aspectos relacionados s utilidades e a conservao da vegetao ciliar? Neste trabalho, ir se empregar o termo representao em substituio ao termo percepo, pois se acredita que este termo est ligado com o que percebido apenas atravs dos sentidos (Gumuchian, 2000). Alm disso, Cavalcante e Maciel (2008) defendem que existe uma diferena entre o que percebido e o que pode ser externalizado.

MATERIAL E MTODOS

rea de trabalho O presente trabalho foi desenvolvido na regio do Submdio So Francisco (Figura 1), que abrange os estados da Bahia (BA), Pernambuco (PE), Alagoas (AL) e Sergipe (SE) (Nordeste do Brasil). O mesmo estende-se da barragem de Sobradinho (Bahia-BA) at Belo Monte (Alagoas-AL) e possui 117,351 km de extenso, ou 18,4% da rea da bacia, sendo 568 km de extenso do rio principal, a regio apresenta uma populao com cerca de 2,48 milhes de habitantes (EMBRAPA 2009). A bacia do Rio So Francisco, comparada a outras zonas semi-ridas do mundo, a de mais alto grau de povoamento (EMBRAPA 2009). Algumas das microrregies integrantes da Bacia Hidrogrfica do So Francisco abrangem municpios com os menores IDHs (ndices de Desenvolvimento Humano) do Brasil e que tm suas reas ocupadas por pequenas propriedades rurais (EMBRAPA 2009). Em relao estrutura fundiria, as propriedades com rea de 50 ha correspondem a cerca de 80% dos estabelecimentos. Fizeram parte do estudo trs comunidades em dois municpios: Cura no estado da Bahia e Lagoa Grande em Pernambuco. Ambos os municpios fazem parte da Rede Integrada de Desenvolvimento (RIDE) do plo Petrolina e Juazeiro (Figura 1 e Tabela 1). A RIDE foi criada em 2002 pelo Ministrio da Integrao Nacional, abriga 610 mil habitantes em 34 mil quilmetros quadrados e abrange quatro municpios de Pernambuco-

35 Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Oroc - e quatro da Bahia - Juazeiro, Casa Nova, Sobradinho e Cura (Ministrio da Integrao Nacional, 2009). Todos esses municpios esto em uma unidade de depresso sertaneja e possuem clima tropical com inverno seco e vero chuvoso, com precipitao mdia anual de 772,3 mm (Silva et al. 1992). importante destacar que todas as pessoas das trs comunidades que fizeram parte do estudo, foram convidadas a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como meio de autorizar sua participao na pesquisa de acordo com a resoluo n 196/96, do Conselho Nacional de Sade.

Figura 1. Localizao dos dois municpios que fizeram parte do estudo, nos estados de Pernambuco e Bahia, Nordeste-Brasil (Por Franklin Silva). As comunidades que fizeram parte do estudo tm caractersticas ambientais e scioculturais bem peculiares, como por exemplo, em relao ao tipo de utilizao do solo, essas pessoas vivem em reas de uso comum de recursos, dispostas de forma adjacente s margens do Rio So Francisco (Figura 2A).

36 A comunidade de Ouro Verde (Figura 2B) est localizada no municpio de Lagoa Grande (Pernambuco), onde os assentados rurais vivem em uma rea desapropiada pelo Governo Federal, inicialmente formada por 15 famlias (a partir de 1987) e que atualmente composta por 100 famlias oriundas de diferentes estados do Nordeste. Segundo observao feita em campo, a principal atividade econmica da comunidade a vinicultura, pois cada famlia possui um lote de terras para o desenvolvimento dessa atividade. No territrio da comunidade encontra-se uma escola municipal de 1 a 4 srie, uma igreja catlica e outra protestante, alm de uma associao comunitria com a qual fez-se o primeiro contato o presidente para a realizao da pesquisa. Nesta comunidade participaram um total de 54 chefes de famlias (32 mulheres e 22 homens) com idades variando entre 20 a 71 anos. No municpio de Cura (Bahia) no qual a literatura registra dados histricos a partir do sculo XVI, por meio da chegada do jesuta Lus de Gran para o trabalho de catequizao dos ndios que habitavam o Vale do So Francisco (IBGE 2008), fez parte do estudo o assentamento rural Grapina no qual atualmente vivem 12 famlias (Figura 2C), mas no perodo de sua fundao (1987) esse nmero chegou a 50 famlias. A comunidade tem como principal meio de sobrevivncia a agricultura de subsistncia e cada famlia tem direito a um lote de terra com oito hectares para plantar. Nesta comunidade foi possvel realizar entrevistas com os dez chefes de famlia da comunidade (7 mulheres e 3 homens). A comunidade de Jatob, localizada no mesmo municpio (Cura), reconhece-se como Quilombola (Figura 2D) e foi fundada em 1909, segundo os moradores mais velhos. Basicamente a agricultura a principal atividade econmica da comunidade, pois existe uma poro de terra de uso comum onde a maioria da populao planta legumes e hortalias. Esta atividade funciona em forma de cooperativa e as despesas geradas com investimentos na produo agrcola e os lucros da produo so repartidos de maneira igualitria aos trabalhadores que fazem parte da associao dos moradores. Nessa comunidade existe um total de 35 famlias, de acordo com agentes de sade local, e um total de 23 chefes de famlia fizeram parte do estudo (17 mulheres e 5 homens) com idades entre 18 e 83 anos. Na localidade existe uma igreja catlica, uma escola municipal de ensino fundamental I e uma associao de moradores, onde so realizadas reunies mensais com os moradores e associados da cooperativa descrita anteriormente.

37 Tabela 1. Dados gerais das trs comunidades estudadas nos estados de Pernambuco e Bahia, Bacia do Rio So Francisco, Nordeste do Brasil.N de chefes Comunidade Estado/cidade Extenso Municpio Pernambuco/ Ouro verde Grapina Jatob Lagoa Grande Bahia/Cura Bahia/Cura 1.852 km 6.442,190 km 6.442,190 km Latitude/ Longitude 0859'49" S 4016'19" O 0859'31" S 3954'28" O 0859'31" S 3954'28" O 23 10 54 de famlia entrevistados

A

B

C

D

Figura 2. A: Vista do Rio So Francisco no municpio de Cura-BA; B: Comunidade de Ouro Verde no municpio de Lagoa Grande-PE; C: Comunidade de Grapina no municpio de Cura-BA; D: Comunidade de Jatob no municpio de Cura-BA.

38 Coleta de dados Entrevista semi-estruturada e lista-livre Para verificar as representaes sobre mudanas locais da paisagem, resgatar os eventos histricos representados localmente que influenciaram nas possveis modificaes, e registrar as representaes sobre a conservao da mata ciliar, foram empregadas entrevistas semi-estruturadas (Anexo 1) com os moradores das trs comunidades. Para informaes sobre as mudanas locais da paisagem tambm foi utilizado a entrevista semiestruturada do tipo projetiva (Minayo, 1993) para a triangulao dos resultados, na qual empregou-se estmulos visuais que consistiram em um conjunto de trs pares de fotografias da regio (Anexo 2): duas de rea de mata ciliar no degradada, duas de rea de vegetao ciliar semi degradada e outras duas de rea de vegetao ciliar degradada. Os participantes foram convidados a indicar, por meio das imagens, qual das paisagens melhor representava a vegetao ciliar na comunidade ao longo de 20, 10 anos atrs e nos dias atuais. Alm disso, objetivando registrar as representaes locais sobre a diversidade de espcies teis consideradas mais importantes foi utilizada a tcnica de lista livre, que visa buscar informaes especficas sobre um domnio cultural. Nesta tcnica parte-se do princpio que os elementos culturalmente mais importantes aparecero nas listas em ordem de importncia (Albuquerque et al. 2008).

Mtodos participativos Para verificar a representao da populao em relao s mudanas da paisagem e abundncia de recursos vegetais, os entrevistados das comunidades de Ouro verde e Jatob, se dispuseram a participar de uma reunio coletiva, na qual dois tipos de mtodos participativas foram utilizados. importante salientar aqui que no foi possvel a realizao dessa etapa do estudo na comunidade de Grapina, devido a indisponibilidade dos informantes em participar de uma reunio coletiva. O primeiro mtodo participativo consistiu na construo de um grfico histrico para acessar as representaes sobre mudanas na abundncia das espcies mais importantes da lista-livre (Albuquerque e Sieber, 2008). Para isso, aps a finalizao de todas as entrevistas nas comunidades de Ouro Verde e Jatob, j descritas anteriormente, calculou-se as 10 espcies mais salientes obtidas atravs da lista-livre de cada localidade atravs do software Anthropac 4.0 (Borgatti, 1996). No clculo levado em considerao

39 ordem e a frequncia em que a espcie foi citada. Para cada uma das 10 espcies foi solicitado que os participantes indicassem a abundncia e/ou declnio delas ao longo dos ltimos 20, 10 anos at os dias de hoje. Dentro de cada intervalo de tempo os recursos foram representados por meio de smbolos (10 rvores de papel), onde 10 rvores de papel indicavam a abundncia mxima da espcie. Esses elementos expressaram cada espcie da vegetao ciliar utilizados pela populao. Um levantamento florstico realizado em cada uma das reas previamente pela equipe da Embrapa Semi-rido permitiu aps a coleta dos espcimes citadas pelos entrevistados, a identificao das mesmas. As dez espcies mais salientes da lista-livre de duas comunidades (Ouro Verde e Jatob) foram incorporadas no Herbrio do Trpico Semi-rido (HTSA). O segundo mtodo participativo aplicada para resgatar os eventos histricos percebidos localmente, que influenciaram nas possveis modificaes da paisagem, foi a construo da linha do tempo (Albuquerque e Sieber, 2008). Essa etapa consistiu em solicitar aos participantes da oficina que apontassem as mudanas significativas no passado da comunidade que poderiam explicar o presente, em termos de uso dos espaos naturais e de recursos vegetais especficos. Os informantes foram estimulados a discutir e apontar os eventos-chaves que modificaram a paisagem na regio, utilizando como ponto de partida a fundao da comunidade, quem foram os primeiros a chegar e quais eventos foram mais importantes (no caso na poca em que as propriedades foram ocupadas) at os tempos atuais. Foram tambm questionados sobre as mudanas que ocorreram na paisagem em relao ao tempo e suas causas. Na medida em que os informantes recordavam os eventos, uma linha vertical era desenhada em uma cartolina para representar a linha do tempo (Albuquerque e Sieber, 2008). Todas as informaes foram devidamente anotadas em um formulrio pr-elaborado (Geilfus, 1997; Sheil et al. 2004).

Anlises dos dados Para ter acesso as representaes locais sobre as mudanas na vegetao ciliar foi utilizado o teste de Qui quadrado por meio do programa Bioestat 5.0 (Ayres et al. 2007) para verificar a existncia de diferenas significativas entre os informantes que disseram que a vegetao mudou e aqueles que responderam que no, e entre as repostas que as mudanas foram para melhor ou para pior (Ayres et al. 2007). O Teste G no-paramtrico foi usado para observar se existiram diferenas significativas entre as representaes dos

40 informantes mais jovens (de 18 a 30 anos) e mais velhos (acima de 30 anos) quanto s mudanas ou no na vegetao ciliar. Em seguida foi construdo, por meio da tcnica da anlise do discurso do sujeito coletivo (Lefevre, 2005), o discurso dos informantes relacionado s justificativas das mudanas da vegetao para melhor ou para pior. Para isso foram extradas as expresseschave de cada resposta relacionada justificativa sobre as mudanas para melhor ou para pior da vegetao ciliar, seguido do agrupamento das idias centrais semelhantes para construo do discurso coletivo. Para identificar em que perodo as mudanas da vegetao se iniciaram em cada comunidade foi calculada tambm a salincia das fotografias indicadas pelos entrevistados ao longo de 20, 10 anos atrs at os dias de hoje.

RESULTADOS

Representaes locais sobre as mudanas na vegetao ciliar

Comunidade Ouro Verde Nessa comunidade dos 54 informantes 63% responderam ter havido mudanas na vegetao ciliar da regio, enquanto os outros 37% afirmaram que no mudou. No houve diferena significativa entre o nmero de pessoas que afirmaram haver tais mudanas e aqueles que negaram (p= 0,0545; = 4.245) (Tabela 2). Tambm no existiram diferenas significativas entre mais jovens e mais velhos, quanto as mudanas ou no da vegetao (p= 0,696; Teste G= 0.544). De acordo com a representao de 56% essas mudanas foram para pior e 44% disseram que as mudanas foram para melhor. Estes quando estimulados a justificarem suas respostas a respeito das mudanas para pior, apresentaram os seguintes argumentos: 64% responderam que antigamente a vegetao ciliar tinha mais rvores, 34% atriburam mudana a destruio causada pelo homem e 2% relataram que antigamente a diversidade de plantas era maior. Atravs das respostas apresentadas por esse grupo de informantes foi possvel construir o seguinte discurso coletivo: Tinha mais rvores, diminuiu as matas. Antes era tudo mata, a margem do rio t desmatada. Tem menos plantas. Antigamente agente conseguia cabo de ferramenta mais fcil. Cortaram e tm menos plantas, o homem destruiu. Fizeram explorao. Tinha mais espcies.

41 A partir das idias centrais extradas das expresses-chave (Tabela 2) das respostas dos informantes que relataram haver um declnio na vegetao ciliar da regio, foi possvel detectar a percepo dos mesmos sobre a diminuio de espcies vegetais ao longo do tempo bem como as causas e possveis responsveis por essa mudana. Tabela 2: Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para pior entre os informantes da comunidade de Ouro Verde no municpio de Lagoa Grande, NE- Brasil.N de ordem 1 Expresses-chave Idias-centrais mais

Tinha mais rvores, diminuiu as matas. Antes (A) Tinha era tudo mata, a margem do rio t desmatada. rvores Tem menos plantas.

2

3

Cortaram e tm menos plantas, o homem (B) Cortaram e tem destruiu. Fizeram explorao, antigamente menos plantas agente conseguia cabo de ferramenta mais fcil. (C) Tinha mais Tinha mais espcies. espcies

Dentre os 44% dos informantes que afirmaram que a vegetao ciliar mudou para melhor, foi destacado em seus discursos os seguintes argumentos: 58% afirmaram existir mais plantas hoje, 28% disseram que as pessoas esto protegendo mais a vegetao e 14% relataram que as pessoas plantaram mais rvores. Com isso foi possvel construir o seguinte discurso do sujeito coletivo: Tem mais plantas, tem mais rvores. A mata t cheia agora. As pessoas no cortam mais paus da beira do rio. Deixamos de plantar l, as pessoas que plantam zelaram para sombra. Esto protegendo mais. Plantaram mais plantas, plantou mais rvores. A partir das idias centrais extradas das expresses-chave (Tabela 3) das respostas dos informantes, foi possvel verificar atravs das representaes que houve um aumento da conservao da vegetao ciliar da regio e um aumento na abundncia desses recursos vegetais.

Tabela 3: Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para melhor entre os informantes da comunidade de Ouro Verde no municpio de Lagoa Grande, NE- Brasil.

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N de ordem 1

Expresses-chave

Idias-centrais mais

Tem Tem mais plantas, tem mais rvores. A mata (A) plantas t cheia agora.

2

3

As pessoas no cortam mais paus da beira do (B)Esto rio. Deixamos de plantar l, as pessoas que protegendo mais. plantam zelaram para sombra. Esto protegendo mais. (C) Plantaram mais Plantaram mais plantas, plantou mais rvores. plantas

Atravs da entrevista semi-estruturada buscou-se tambm saber quando iniciaram tais mudanas ambientais. Logo, observou-se que no houve um consenso entre os informantes, pois 24% afirmaram que as mudanas se deram h menos de cinco anos, 24% entre seis e dez anos, 31% desses informantes indicaram que as mudanas se iniciaram entre 15 e 20 anos atrs e 21% das pessoas disseram que foi h mais de 20 anos. Adicionalmente, atravs da entrevista semi-estruturada do tipo projetiva foi possvel verificar que a paisagem mais frequente nas regies do estudo a 20 anos provavelmente era de mata ciliar no degradada, atravs da indicao dessa imagem por 80% dos informantes. Aparentemente as mudanas se iniciaram h pelo menos 10 anos atrs, pois 42% dos informantes indicaram as imagens de rea de vegetao ciliar semi degradada nesse perodo e quando so estimulados a indicar a imagem que melhor representava a vegetao ciliar da regio no memento da entrevista, 44% dos entrevistados escolheram as de rea de mata ciliar no degradada. Nota-se, portanto, com a indicao dessa imagem que de certa forma nas representaes dos entrevistados, apesar da paisagem ter passado por um processo de modificao, hoje a vegetao ciliar encontra-se em estado de regenerao nas reas estudadas. Alm disso, todos os informantes da comunidade foram convidados a participar tambm da etapa de mtodo participativo. No entanto, apenas 14 pessoas (7 homens e 7 mulheres) com idades entre 47 e 69 anos se dispuseram a colaborar. Foi possvel construir, de maneira participativa, um grfico histrico (Figura 3) que indicou o declnio e abundncia ao longo de 20, 10 anos atrs at os dias de hoje das 10 espcies mais salientes obtidas por meio da lista-livre realizada com todos os participantes da pesquisa na comunidade (Tabela 4).

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Tabela 4: Espcies teis conhecidas da vegetao ciliar por moradores das comunidades Ouro Verde em Lagoa Grande-PE, Jatob e Grapina em Cura-BA (Nordeste do Brasil). O: Ouro Verde, J: Jatob e G: Grapina.

Famlia/ Espcie

Vernculo

Frequncia de citao %

Salincia

Anacardiaceae Mangifera indica L. Manga Schinopsis brasiliensis Engl. Anacardium occidentale L. Myracroduon urundeuva Allemo Arecaceae Copernicia prunifera (Miller) H.E. Moore Leguminosae Inga vera subsp affinis (D.C) T.D. Penn Barana Caju Aroeira Carnaba 33.3 (O) 19(J) 22.2 (G) 33.3 (G) 22.2 (G) 22.2 (G) 12.5 (O) 79.2(O) Ingazeira 61.9(J) 100 (G) Mimosa pigra L. Calumbi Hymenaea courbaril L. Jatob Geoffroea spinosa Jacq. Mimosa tenuiflora (Willd.) Poiret. Prosopis juliflora (Sw) D.C Albizia inundata Mart. Muquem Rhamnaceae Ziziphus joazeiro Mart. Juazeiro Ulmaceae Celtis membranaceae Miq Indeterminada Indeterminada 1 Indeterminada 2 Mangue Capim 33.3 (J) 33.3 (G) 0.157 (J) 0.189 (G) Jua Marizeiro Jurema-preta Algaroba 20,8(O) 61.9 (J) 55.6 (G) 16.7 (O) 33.3 (J) 33.3 (G) 16.7 (O) 23.8 (J) 22.2 (G) 14,6 (O) 10.4 (O) 47.6 (J) 88.9 (G) 8.3 (O) 33.3 (J) 11.1 (G) 10.4 (O) 42.9 (J) 23.8 (J) 0.264 (O) 0.131 (J) 0.102 (G) 0.097 (G) 0.13 (G) 0.122 (G) 0.045 (O) 0.713(O) 0.553(J) 0.816 (G) 0.121(O) 0.402 (J) 0.244 (G) 0.146(O). 0.203(J) 0.191 (G) 0.088 (O). 0.103 (J) 0.065 (G) 0.083 (O) 0.043 (O) 0.268 (J) 0.731 (G) 0.044(O) 0.177(J) 0.071 (G) 0.043 (O) 0.192 (J) 0.170 (J)

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Os resultados demonstraram que para os participantes a maioria das espcies existentes na vegetao ciliar dessa regio passou por processos de modificao quanto ao declnio e abundncia. Os participantes relataram, por exemplo, que houve um aumento expressivo na abundncia de espcies como Prosopis juliflora (Sw) D.C (Algaroba), Albizia inundata Mart (Muquem), Geoffroea spinosa Jacq (Marizeiro), Mimosa pigra L (Calumbi) e Inga vera subsp. affinis. (DC.) T. D. Penn. (Ing). Segundo eles isso se deu porque P. juliflora uma espcie extica que foi introduzida na regio por meio de aes governamentais recentes que incentivaram o seu cultivo. J A. inundata, segundo os entrevistados, tem uma alta capacidade de rebrota e isso justificaria para eles o aumento na abundncia dessa espcie. Os entrevistados ainda relataram que I. vera tambm existe em grande quantidade na regio, justificando que esta espcie no tinha utilidade para fins de uso madeireiro, pois era pouco resistente para a construo de casas, por exemplo, ou para uso combustvel para lenha. De todas as espcies do grfico histrico os entrevistados indicaram o declnio apenas da Mimosa tenuiflora (Willd.) Poiret. (Jurema-preta). Justificando que eventualmente: Tem pouca porque a Algaroba t matando, antes tinha mais mais uma vez relatando sobre a abundncia da P. juliflora na regio. J espcies como Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore (Carnaba) e Hymenaea courbaril L (Jatob) sempre existiram em pouca quantidade na regio, a julgar pelos relatos dos participantes. Estes chegaram a relatar que existe apenas um indivduo de H. courbaril na vegetao ciliar prxima a comunidade. importante destacar que Ziziphus joazeiro Mart. (Juazeiro), segundo moradores, no existia na regio h 20 anos atrs e que a abundncia dessa espcie vm aumentando nos ltimos 10 anos. E Mangifera indica L. (Manga) que uma espcie cultivada, foi uma das mais salientes da lista-livre e aumentou sua abundncia na regio.

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Figura 3. Representao do Grfico Histrico sobre a dinmica das principais espcies da vegetao ciliar derivadas da lista-livre da comunidade de Ouro Verde no municpio de Lagoa Grande-Pernambuco, Brasil.

Comunidade Grapina Dos dez chefes de famlias entrevistados nessa comunidade 70% afirmaram ter havido mudanas na vegetao ciliar e 30% disseram que no mudou. No entanto, no foram observadas diferenas significativas entre os informantes mais jovens e mais velhos quanto s mudanas ou no da vegetao (p= 0,674 e Teste G= 0.080). Dentre os que afirmaram ter havido tais mudanas, 57% disseram que foi para pior e 43% para melhor. As idias-centrais que justificaram as mudanas para pior foram: porque houve desmatamento a margem do rio t desmatada (75%) ou porque hoje h uma predominncia da espcie P. juliflora na rea agora s tem algaroba. Logo, foi possvel construir o seguinte discurso do sujeito coletivo: A margem do rio t desmatada, era cheio de mata. As pessoas destruram. Agora s tem Algaroba. A partir das idias centrais extradas das expresses-chave (Tabela 5) das respostas dos informantes, foi possvel observar que houve desmatamento nas reas de mata ciliar na regio e que h um predomnio de uma espcie extica a esse ambiente que a P. juliflora. As espcies mais salientes calculadas a partir da lista-livre dessa comunidade podem ser vistas na tabela 4.

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Tabela 5: Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para pior entre os informantes da comunidade de Grapina em Cura, NE- Brasil.N de ordem 1 Expresses-chave Idias-centrais (A) A margem do

A margem do rio t desmatada, era cheio de mata. As pessoas destruram. Agora s tem Algaroba.

rio t desmatada(B) Agora s tem

2

Algaroba

Em relao s mudanas para melhor da vegetao, os informantes argumentaram que foi justamente por conta do aumento da abundncia de P. juliflora e outras espcies na regio, como podemos verificar na seguinte fala: Tem mais algaroba, tem mais rvores. Ainda segundo eles, durante a entrevista semi-estruturada essas mudanas se deram a mais de 15 anos atrs. As fotografias mais indicadas na entrevista semi-estruturada do tipo projetiva foram as de vegetao ciliar conservada a 20 anos atrs (50%), as de rea semi degradada a 10 anos atrs (50%) e hoje as imagens mais indicadas foram as de vegetao conservada (51%). Mais uma vez como nas representaes dos informantes da comunidade de Ouro Verde, segundo os moradores a vegetao encontra-se em estado de regenerao.

Comunidade Jatob Por ltimo em Cura na comunidade de Jatob dos 34 chefes de famlia entrevistados 52% indicaram que a vegetao ciliar mudou e 48% disseram no ter mudado. No houve diferenas significativas entre mais jovens e mais velhos quanto as mudanas ou no da vegetao (p= 0,6771; Teste G= 0,7616). Entre os que disseram que houve mudanas, 71% relataram que essas foram para pior. E em seus discursos destacaram-se os seguintes argumentos: antigamente existiam mais rvores (70%), tinha mais espcies (20%) e antigamente era mais bonito (10%). Com isso, construiu-se o seguinte discurso do sujeito coletivo: Tinha mais rvores, a margem do rio t desmatada, o povo retirou para plantar. Tinha mais espcies, tinha mais Jurema. Era mais bonito. A partir das idias centrais extradas das expresses-chave (Tabela 6) das respostas dos informantes, foi possvel observar por meio das falas dos informantes que houve

47 desmatamento nas reas de mata ciliar na regio. De acordo com a entrevista semiestruturada essas modificaes da paisagem se deram h mais de 20 anos. J os resultados da entrevista semi-estruturada do tipo projetiva, mostraram que h 20 anos atrs a vegetao era conservada, pois as imagens desse ambiente foram as mais indicadas (49%). Aparentemente as mudanas se deram a partir de 10 anos atrs, com a indicao das imagens da vegetao semi degradada (55%). Apesar das indicaes de que a vegetao passou por processo de modificao, assim como nas duas comunidades anteriores, 40% dos informantes reconheceram no momento da entrevista que ela se encontrava conservada por meio da escolhas das imagens que representam esse tipo de ambiente. Os informantes ainda relataram que antigamente a agricultura era do tipo vazante, ou seja, as pessoas cultivavam alimento para subsistncia na beira do rio, pois naquela poca o avano e o recuo alternado das guas eram bem regulares. Segundo os moradores, aps a construo de uma grande usina hidreltrica em Sobradinho-BA essa prtica agrcola se tornou invivel, pois esse fator desregulou os perodos de avano e recuo das guas do rio. Tabela 6: Idias-centrais e expresses-chave reconhecidas no discurso do sujeito coletivo sobre a justificativa da mudana da vegetao ciliar para pior entre os informantes da comunidade de Jatob em Cura, NE- Brasil.N de ordem 1 Expresses-chave Idias-centrais

Tinha mais rvores, a margem do rio t desmatada, o povo retirou para plantar. Tinha mais espcies, tinha mais Jurema. Era mais bonito.

(A) Tinha mais rvores(B) Tinha mais espcies (C) Era mais bonito

2 3

Os resultados do grfico histrico (Figura 4) realizado com 19 moradores (10 homens e 9 mulheres) com idades entre 20 e 90 anos, em que apenas foram verificados as mudanas na abundncia e no declnio das 10 espcies mais salientes obtidas por meio da lista-livre realizada com todos os entrevistados (Tabela 4), indicaram que houve uma diminuio na abundncia das seguintes espcies: H. courbaril, Z. joazeiro, Mangue (indeterminada), Celtis membranaceae Miq (Jua), G. spinosa e A. inundata. Na percepo dos informantes houve um aumento na abundncia de quatro espcies, so elas: M. indica L, P. juliflora, M. pigra e I. vera. Nota-se, portanto, que aparentemente espcies exticas

48 como M. indica que cultivada na regio para fins comerciais e P. juliflora que foi introduzida na regio por meio de aes governamentais recentes, esto aumentando sua abundncia na vegetao ciliar tambm como se observou na comunidade de Ouro Verde.

Figura 4. Representao do Grfico Histrico sobre a dinmica das principais espcies da vegetao ciliar derivadas da lista-livre da comunidade de Jatob no municpio de Cura-Bahia, Brasil. Eventos histricos representados localmente que influenciaram nas modificaes da vegetao ciliar

Comunidade Ouro Verde Em Ouro Verde 58% dos informantes durante a entrevista semi-estruturada atriburam agricultura como esta sendo o fator responsvel pela mudana para pior da vegetao ciliar. E justificam que a agricultura do tipo vazante, anteriormente descrita, foi altamente destrutiva para a vegetao. Mas, os informantes tambm indicaram que a explorao de madeira (16%), o aumento da urbanizao (16%) e a construo de uma barragem (10%) prejudicaram a cobertura vegetal ciliar. Entre aqueles que afirmaram que a vegetao ciliar mudou para melhor, 57% atriburam a responsabilidade a um projeto de educao ambiental que ocorreu recentemente na regio, 25% relataram que foi por conta

49 de um aumento da restrio de uso e 18% afirmaram que est melhor a vegetao ciliar porque deixaram de plantar espcies cultivadas na margem do rio. Por meio da metodologia participativa para a construo da linha do tempo (Tabela 7), apesar dos informantes terem sido estimulados a representar os eventos histricos que de fato foram responsveis pela modificao da paisagem, os mesmos se restringiram a apenas relatar os eventos que de certa forma melhoraram a qualidade de vida das pessoas na comunidade. Tabela 7- Representao da linha do tempo sobre os eventos histricos que modificaram a paisagem na comunidade de Ouro Verde no municpio de Lagoa Grande-PE, Brasil.

Ano 1995 1996 1999

Evento Fundao da comunidade Construo da estrada Chegada da energia

Consequncia No foi representada Facilitou o transporte de uvas produzidas pela comunidade Melhorou a qualidade de vida das pessoas na comunidade

Comunidade Grapina Nessa comunidade apesar de no ter sido realizado a construo da linha do tempo, foi possvel verificar atravs da prpria entrevista semi-estruturada os eventos responsveis pela modificao da paisagem. Observou-se que 70% dos informantes que disseram que a vegetao mudou para pior, atriburam a responsabilidade ao tipo de sistema agrcola implantado na regio e os outros 30% afirmaram que foi por conta da explorao da madeira. Eles argumentaram que a partir do momento em que esse tipo de agricultura foi abandonado, houve uma melhora da vegetao.

Comunidade Jatob Como j foi visto anteriormente, a vegetao ciliar na regio estudada sofreu modificaes para pior, de acordo com as representaes de 63% dos informantes. Desses, 75% atriburam a responsabilidade por essas mudanas agricultura. Porm das quatro

50 pessoas que disseram que a vegetao mudou para melhor, trs defendem que foi justamente por conta da modificao do tipo de sistema agrcola na regio. Nessa mesma comunidade em uma segunda etapa durante a metodologia participativa com 15 informantes foi construda a linha do tempo (Tabela 8) a fim de complementar a entrevista semi-estruturada em relao aos fatores responsveis pelas mudanas ambientais e/ou da vegetao ciliar ao longo do tempo. Tabela 8- Representao da linha do tempo sobre os eventos histricos que modificaram a paisagem na comunidade de Jatob no municpio de Cura-BA, Brasil.

Ano 1909 1960 1976 1979 1980 1982 1988 1992 1992 1998

Evento Fundao da comunidade Enchente Construo da barragem Enchente Irrigao Agricultura Mecanizao da agricultura Eletrificao Enchente Curso de capacitao

Consequncia No foi representada No foi representada A agricultura avanou para caatinga Destruio da mata ciliar Aumento da agricultura Desmatamento da mata ciliar Aumentou a poluio por agrotxico Destruio da caatinga Formao de uma pequena vila na comunidade Conscientizao da populao para no destruir a mata

A linha do tempo mostrou que houve trs enchentes na regio, no entanto apenas a de 1979 causou destruio da vegetao ciliar. Outro evento que provocou destruio da vegetao ciliar na regio foi a agricultura, assim como tambm pde ser observado nos resultados da entrevista semi-estruturada j mencionados mais acima. A populao relata que a agricultura na regio h mais ou menos 28 anos atrs era do tipo vazante. O fato de ter sido modificado esse tipo de sistema agrcola, provavelmente melhorou a situao da vegetao ciliar na regio, pois os agricultores se viram obrigados a plantar em reas mais distantes da margem do rio e isso pode ser inferido na entrevista semi-estruturada atravs dos discursos em relao a mudana para melhor da vegetao. Os participantes ainda apontaram outros eventos responsveis pelas mudanas na paisagem da regio como, por exemplo, a chegada da eletrificao na rea que segundo eles foi responsvel pela

51 destruio da Caatinga, pois esse benefcio possibilitou a agricultura irrigada em reas mais afastadas do rio. importante destacar que o que eles chamaram de Caatinga no se referia a vegetao ciliar, e sim regies mais afastadas da margem do rio. Pois claro para a maioria dos informantes que a vegetao ciliar uma faixa que vai da margem do rio a uma extremidade de 500m e essa observao condiz com o cdigo florestal brasileiro (EMBRAPA, 2001).

Representaes sobre os aspectos relacionados s utilidades e a conservao da vegetao ciliar

Comunidade Ouro Verde Os moradores dessa comunidade foram questionados primeiramente se a vegetao ciliar tinha alguma utilidade para eles, e 90% responderam que sim. Dentre as principais utilidades destacaram: preservar o rio (52%), para a agricultura (13%), preservar o meio ambiente (13%), uso medicinal (7%) e os outros (15%) afirmaram que era importante para os animais, por conta dos usos madeireiros ou porque utilizavam para o lazer. Quanto opinio deles se a vegetao ciliar deveria ou no ser conservada, 99% deles responderam que sim, e de acordo com as representaes desses moradores os responsveis pela conservao da vegetao ciliar eram: todas as pessoas (65%), pessoas que moram prximo a vegetao ciliar (20%), rgos governamentais como o IBAMA (13%) e 2% disseram que era os proprietrios de terra prxima a vegetao ciliar. Isto demonstra que os informantes esto dispostos a contribuir para a conservao da vegetao ciliar medida que a maioria deles acha que dever de todos conservar. Alm disso, os mesmos apontaram as possveis solues para a recuperao dessas reas, como: no desmatar (35%), reflorestar (28%), cuidar da mata podando as rvores e adubando (15%), educao ambiental (13%) e os outros 9% responderam que deveriam deixar a vegetao como est hoje.

Comunidade Grapina Todos os informantes responderam que a vegetao ciliar tinha alguma utilidade e que deveria ser conservada, e dentre os principais motivos pelos quais ela deveria ser conservada destacaram-se: preservar o rio (40%) e para a sobrevivncia (30%). Quando os

52 mesmos foram questionados em relao a quem seriam os responsveis pela conservao da vegetao ciliar, observou-se que 50% atriburam essa responsabilidade a todas as pessoas, 30% disseram que era as pessoas que morav