dissertação rodrigo l medeiros silva

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    Estudar sem pensar ftil. Pensarsem estudar perigoso.

    Confcio,em Os Analectos

    ... preciso considerar-se que o clima

    humano em que vive o agente inovador... emsi mesmo muito destrutivo. Submetido a

    presses contraditrias persistentes,condenado a sentir-se isolado e

    incompreendido, impotente para resguardaras inovaes do solapamento sistemtico, da

    resistncia organizada ou dos simplesimprevistos, aquele agente v-se na

    contingncia de aceitar atitudes e

    comportamentos variavelmente irracionaisFlorestan Fernandes,em Sociedade de Classes

    e Subdesenvolvimento

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    AGRADECIMENTOS:

    Ao Prof. Dr. Plnio de Arruda Sampaio Jr., orientador desta dissertao, pela

    formidvel capacidade de desestabilizar, em suas perspicazes aulas e nas estimulantesconversas que tivemos, tantas convices j incrustadas em meu sistema de crenas.

    Ao Prof. Dr. Joo Braslio Sallum Jr., pelas decididas palavras de estmulo em

    um momento crucial de minha trajetria, pelo formidvel exemplo e pelos ensinamentos.

    Ao Prof. Dr. Gabriel Cohn, pela profunda compreenso da fragilidade do

    processo criativo, pela sua ateno e gentileza em um momento em que a minha

    confiana nas perspectivas deste campo de estudos ameaava desfazer-se.

    s gentis professoras Hanna Kim e Sujong Kim, do Instituto de Lnguas Brasil-Coria, em So Paulo, que juntas, em especial nas agradveis tardes passadas na Casa de

    Ch do Edifcio Coria, no Bom Retiro, deram uma inestimvel contribuio a este

    trabalho, conseguindo a proeza de tornar os 18.000km entre So Paulo e Seul um pouco

    menos intransponveis.

    Ao Prof. Dr. Jos Carlos de Souza Braga, pelas preciosas orientaes.

    Aos mestres Dr. Paul Israel Singer, Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda,

    Dr. Paulo Davidoff Chagas Cruz e Dr. Flvio Azevedo Marques de Saes pelas

    incontveis contribuies minha formao.

    Ao grande amigo Fbio Pimentel De Maria da Silva, pelas incontveis

    conspiraes orquestradas nestes 15 anos de amizade, pela sua enorme influncia em

    meu modo de ver as coisas, pelo apoio sempre encorajador.

    Aos meus pais e av, pela compreenso nas tantas ausncias, pela pacincia nos

    dias mais ansiosos, pelo apoio que sempre se alegraram em me dar, pela torcida e pelo

    inesgotvel carinho.

    Lucimara, esteio nestes anos conturbados e promissores, por entender o tempo

    e a energia necessrios maturao das idias e pontos de vista, pelo carinho e pela

    cumplicidade irrestrita.

    Ao CNPq, pela bolsa.

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    RESUMO:

    Nas ltimas quatro dcadas, a Coria do Sul tem vivenciado um processo

    extremamente acelerado de crescimento econmico e modernizao estrutural. Alado ao

    patamar de modelo para os demais pases perifricos, o chamado caso coreano deu

    origem a duas interpretaes tericas mais vastamente difundidas. A primeira, de

    inspirao ortodoxa, enfatiza as condies estruturais vigentes na Coria e advoga pela

    adequao das polticas econmicas ali implantadas, que teriam respeitado os mecanismos

    de mercado, dadas as vantagens comparativas estruturais supostamente detidas pelo pas.

    A segunda, de inspirao heterodoxa, enfatiza o papel do Estado na criao de condies

    para o desenvolvimento industrial, distorcendo os mecanismos de mercado em setores

    taticamente eleitos. O objetivo desta dissertao problematizar estas duas vertentes

    analticas, com base nos ensinamentos de Celso Furtado. Para tal, as principais tarefas

    desta dissertao so: 1) apresentar um quadro geral das transformaes ocorridas no pas

    no ps-guerra, 2) discutir, luz da obra de Furtado, a diferena qualitativa entre

    desenvolvimento e crescimento, 3) retomar contribuies de autores das duas vertentes

    mais difundidas no debate sobre o caso coreano, 4) discutir a especificidade geopoltica

    e histrica da Coria, demonstrando como a trajetria do pas seria altamente afetada por

    acontecimentos internacionais cruciais, e 5) argumentar que o rpido crescimento

    econmico sul-coreano esteve associado contnua represso da dissidncia polticanacionalista coreana e, 6) discutir em que medida, luz da teoria furtadiana, a Coria

    estaria efetivamente se desenvolvendo.

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    ABSTRACT:

    During the last four decades, South Korea has been characterized by an

    extremely accelerated process of economic growth and structural modernization.

    Promoted to the rank of model to other developing countries, the so-called Korean

    Case originated two leading theoretical interpretations. The first, of orthodox

    inspiration, emphasizes Koreas structural conditions and supports the policies put into

    practice in the country, which are seen as respectful to the market mechanism, given the

    structural comparative advantages supposedly detained by the country. The second, of

    heterodox inspiration, emphasizes the role of the State in distorting the market

    mechanism in tactically elected sectors. The point of this dissertation is to discuss the

    conclusions of these two groups of authors, having recourse to the theory of

    development created by Celso Furtado. Hence, the major tasks of this dissertation are: 1)

    to present the transformations occurred in the country since the end of the Korean War,

    2) to discuss, alluding to Celso Furtados contribution, the qualitative difference between

    economic growth and development, 3) to recapture the dominant debate about the

    Korean case, 4) to present the historical and geopolitical specificity of Korea,

    demonstrating how vastly the countrys trajectory has been affected by crucial

    international happenings, 5) to state that the political repression of Korean nationalist

    forces was tough during the period of accelerated growth and, 6) to answer the followingquestion: accoding to the conception developed by Celso Furtado, is Korea becoming a

    developed nation?

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    SUMRIO:

    INTRODUO.....................................................................................01

    CAPTULO 1 Para um OlharFurtadiano sobre a Industrializao e oCenrio Poltico Sul-Coreano................................................................07

    1.1 Introduo...................................................................................091.2 A Extenso das Transformaes Produtivas e Sociais no Ps-Guerra Coreano: o Milagre do Rio Han...........................................11

    1.3 Alguns Fatos sobre o Quadro Poltico

    Sul-coreano (1945-1997).....................................................................26

    1.4 - Retomando a ConcepoFurtadiana de Desenvolvimento........30

    CAPTULO 2 A Coria do Sul como Modelo: Retomando oDebate Dominante Sobre o Caso Coreano.........................................37

    2.1 Introduo...................................................................................392.2- O Milagre do Rio Han numa Acepo Ortodoxa

    2.2.1 - Paul Kuznets e o Neoclassicismo Estrito......................412.2.2 - Anne Krueger e o Desenvolvimentopelas Exportaes.......................................................................442.2.3 - A Posio do Banco Mundial e osFundamentos Corretos..............................................................50

    2.3- O Milagre do Rio Han numa Acepo Heterodoxa2.3.1 - Alice Amsden e a Exaltao daDistoro dos Preos Relativos.................................................552.3.2 - Otaviano Canuto e o CapitalismoTardio Coreano...........................................................................63

    2.3.3 Fernando Fajnzylber e a TransformaoProdutiva com Eqidade.............................................................69

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    CAPTULO 3 Dependncia e Crescimento: Elementos do ContextoGeopoltico da Industrializao Coreana (1894-1997)..........................79

    3.1 Introduo...................................................................................81

    3.2 - A Coria antes do Processo de Modernizao: umaCultura Milenar em Cheque e a AparenteAusncia de Novos Horizontes............................................................84

    3.3 A Relevncia do Cenrio Externona Industrializao Coreana

    3.3.1 - Reforma Social e Institucional sobDomnio Colonial Japons............................................................903.3.2 - Reforma Agrria e Alfabetizao sobOcupao Americana..................................................................1003.3.3 - A Ajuda Externa Americana: Reconstruindoo Estado Coreano........................................................................1032.3.4 - A Participao Coreana na Guerra do Vietn e aTransubstanciao da Ajuda Americana....................................1122.3.5 - A Normalizao das Relaes Nipo-coreanas:Contribuio ao Equilbrio Externo e Apoio aoDesenvolvimento da Siderurgia Coreana...................................1182.3.6 - A Expanso dos Euro-mercados e oDesenvolvimento da Indstria Pesada Coreana..........................1222.3.7 - O Japo e a Crise da Dvida dos Anos 80:a Aterrissagem Adiada e Suavizada da Economia Coreana.......127

    CAPTULO 4 Represso Poltica e Crescimento: Retomando aHistria da Dissidncia Coreana (1894-1993).....................................135

    4.1 Introduo.................................................................................137

    4.2 -Resistncia Nacional sAgresses Estrangeiras: 1894-1960...................................................140

    4.3 O Regime Militar e suaContestao Popular: 1960-1993.......................................................150

    CONCLUSO Dependncia, CrescimentoSuavizado e Ritual Democrtico: a Coria do Sulnuma Encruzilhada (1993-2007)..........................................................161

    BIBLIOGRAFIA..................................................................................175

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    INTRODUO:

    Desde a realizao dos Jogos Olmpicos de Seul, em 1988, se tornou muito

    difundida a percepo, seja nos crculos especializados ou leigos, de que a Coria do Sul

    constituiria um caso raro, mas paradigmtico, de nao perifrica que teria conseguido,

    em virtude da adoo de polticas econmicas acertadas, ultrapassar a barreira do

    subdesenvolvimento, ingressando no seleto clube das naes avanadas. De modo geral,

    a Coria do Sul inquietava o mundo ao ostentar, apenas trs dcadas aps o triste

    desfecho da Guerra da Coria, indicadores econmicos e sociais capazes de atiar inveja

    entre os demais pases perifricos. Mas o que estaria por trs de toda esta pujana?

    Cerca de uma dcada antes dos jogos, o acelerado crescimento econmico

    vivenciado por este pas comeava j a motivar a realizao de diversos estudos com

    vistas elucidao das bases do dinamismo coreano. De acordo com as concluses da

    maioria dos autores envolvidos neste debate, a Coria do Sul constituiria um modelo a

    ser seguido pelos demais pases em desenvolvimento. De modo geral, sua trajetria

    era contraposta s demais experincias de industrializao tardia e perifrica, ento

    acometidas por uma grave crise que frustrara, novamente, as expectativas de

    crescimento e superao do subdesenvolvimento nos marcos da dependncia.

    Neste contexto, o modelo coreano era apontado como uma alternativa. Entre as

    virtudes da estratgia sul-coreana, costumam figurar: 1) a agressividade de sua insero

    comercial nos mercados internacionais de manufaturados, 2) o carter arrojado de suaestratgia de aquisio de habilidades cientficas e tecnolgicas, 3) o alto valor conferido

    pelo governo sul-coreano difuso das oportunidades educacionais, 4) a diviso

    relativamente equnime da renda nacional, 5) a elevada centralizao do capital

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    caracterstica do conglomerado industrial padro sul-coreano, 6) a arquitetura financeira

    capaz de mobilizar internamente um alto contingente de poupana, e, 7) a harmonia

    entre o setor financeiro e os atores do projeto industrialista. Todos os sete tpicos so

    entendidos, tipicamente, como xitos de gesto. Tais escolhas podem ser tributadas,

    por vezes, bem qualificada burocracia sul-coreana. Outras vezes, vm associadas ao

    carter visionrio das vocaes empreendedoras nativas. Enxergado sob esta perspectiva,

    o xito sul-coreano pressupe, ento, um elevado grau de autonomia dos atores locais na

    formulao e implementao da agenda industrialista. Mas em que medida este

    pressuposto se coaduna com a histria sul-coreana?

    Em visita recente Austrlia para a Reunio de Cpula da APEC (Cooperao

    Econmica da sia e do Pacfico), o atual presidente sul-coreano cometeria uma

    pequena gafe diplomtica que descortinaria o delicado limite que separa soberania e

    autonomia em seu pas. Preocupado com o tema da Reunificao das Corias, Roh Moo-

    Hyun deixaria claro, mesmo diante das cmeras, de que quem decide sobre a

    continuidade do projeto de reunificao coreana um item importante de seu programa

    de governo , na verdade, o presidente norte-americano.1

    Aps ouvir uma declarao do presidente George W. Bush, o presidente sul-

    coreano perguntaria ao colega: Eu acho que posso ter me enganado, no acredito ter

    ouvido o presidente Bush mencionar uma declarao para terminar a Guerra da Coria j.

    Voc disse isto, presidente Bush? Bush, ento, explicaria: Cabe a Kim Jong-Il2 decidir

    se assinamos um tratado para encerrar a Guerra da Coria. Ele tem que se livrar de suas

    armas de forma clara. E estamos fazendo progressos neste sentido. Cabe a ele. Em um

    1 O incidente ocorreu em Sydney no dia 7/09/2007.2 O lder norte-coreano.

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    desabafo, ou em um ato inteligente de presso diplomtica com o uso das cmeras, o

    presidente sul-coreano ento retrucaria: Mesma conversa. Mesma conversa. O

    presidente Kim Jong-Il e o povo norte-coreano querem ouvir uma histria diferente.3

    Com a sutileza que lhe caracterstica, Bush sentenciaria: Eu no posso ser mais claro,

    Sr. Presidente.

    Como encontrar, em estudos que pressupe uma autonomia praticamente

    irrestrita do governo sul-coreano, uma explicao para uma fragilidade to aparente do

    presidente sul-coreano frente a seu colega norte-americano? Como que um governo

    capaz de ensejar a agressiva insero de sua indstria no comrcio internacional, tantas

    vezes s expensas de fatias de mercado detidas por empresas norte-americanas, no

    forte o suficiente para dar por encerrada a Guerra Fria em seu territrio, reunificando um

    territrio cuja unidade remonta ao ano de 668 d.C.? Quais os limites, ento, para o

    mpeto sul-coreano? Com base em que tradio de reflexo sobre o desenvolvimento

    encontramos respostas para delimitar os limites do sucesso deste pas?

    Neste trabalho, ento, a proposta fazer uma anlise furtadiana do salto industrial

    sul-coreano. Procuraremos compreender a industrializao da Coria do Sul como uma

    industrializao nos marcos da dependncia e do sub-desenvolvimento, conduzindo o

    pas aos seguintes resultados: (1) crescimento econmico muito vigoroso, (2) difuso

    das oportunidades educacionais, (3) autonomia tecnolgica em alguns nichos

    especficos, (4) insero produtiva e comercial internacional nos mercados de

    manufaturados (5) crescente concentrao inter-pessoal de renda ainda que em nveis

    3 Note que a traduo inglesa da fala do presidente sul-coreano foi arbitrariamente alterada pelos veculosde imprensa do Ocidente para amenizar o mal-estar diplomtico. J os principais veculos de imprensa daCoria do Sul sequer noticiaram o ocorrido. No entanto, a traduo literal, assim como o vdeo com osdilogos, foram divulgados por organizaes no governamentais comprometidas com a re-unificao.

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    mais modestos do que no restante da periferia , (6) crescente concentrao inter-

    regional de renda, (7) concentrao de riqueza e enorme concentrao de poder

    econmico, (8) elevadssima segmentao do mercado de trabalho por gnero, (9)

    heterogeneidade do tecido produtivo conglomerado exportador versus pequena

    empresa , (10) enorme dependncia cultural e intelectual face a naes estrangeiras, e,

    (11) completa submisso poltica-internacional, especialmente nos assuntos

    relacionados ao importante tema da Reunificao, mas no apenas.

    Norteados pela concepo de desenvolvimento e subdesenvolvimento de Celso

    Furtado, procuraremos caracterizar dois eixos do processo de modernizao estrutural

    da Repblica da Coria:

    1) A profunda dependncia deste pas diante de potncias estrangeiras, e asoportunidades abertas ao capital sul-coreano nos marcos desta dependncia;

    2) O quadro de sempre renovado autoritarismo poltico que seria necessriopara tornar operacional um processo de modernizao acelerada balizado por

    esta estreita dependncia.

    Para cumprir os dois objetivos acima, percorreremos o seguinte caminho:

    a) Apresentaremos dados sobre o processo de modernizao e industrializaovivenciado pela Coria do Sul ao longo do sculo XX. Procuraremos reunir

    estatsticas que dem ao leitor uma dimenso mais precisa do ritmo e da

    profundidade do processo em questo.

    b) Caracterizaremos, primeiro apenas superficialmente, o ambiente polticointerno da Coria do Sul durante o perodo marcado pela acelerada

    industrializao.

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    c) Retomaremos a teoria furtadiana do desenvolvimento, permitindo quefaamos uma distino clara entre desenvolvimento e crescimento econmico.

    Procuraremos retomar, tambm, a possibilidade aberta por Furtado de

    crescimento sem desenvolvimento.

    d) Faremos um mapeamento rigoroso das mais difundidas interpretaesanalticas acerca do desenvolvimento sul-coreano.

    e) Retomaremos o contexto histrico-internacional em que se deu amodernizao coreana. Procuraremos demonstrar, ento, que a maior

    fraqueza das interpretaes anteriormente mencionadas negligenciar a

    importncia deste contexto, sem o qual, esperamos demonstrar, no seria

    factvel a implementao do modelo coreano.

    f) Descreveremos a atividade dissidente dentro da Coria do Sul. Havia gruposperdedores no milagre?4 Havia razes para se opor ao regime poltico-

    econmico ali implantado? Quais?Qual a importncia de foras estrangeiras

    para silenciar estas dissidncias, tornando operacional tal equilbrio poltico?

    Aps uma reflexo sobre cada um destes temas, esperamos retornar aos

    ensinamentos de Furtado para responder a seguinte pergunta: a Coria se desenvolveu?

    Em que medida o enriquecimento do pas no se conjugou com um maior grau de

    autonomia nacional? Em que medida o sistema poltico interno continua incapaz de

    enfrentar os principais temas nacionais? E, por fim, em que medida o sucesso do

    modelo coreano conduziu o pas a um impasse histrico?

    4 Note que no esperamos delimitar precisamente quais os grupos perdedores e ganhadores, nem mostraras diferentes formas de composio entre os ganhadores, sejam eles nacionais ou estrangeiros; nossointuito mais modesto: mostrar que havia, sim, grupos que se percebiam como perdedores.

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    CAPTULO 1Para Um Olhar Furtadiano sobre aIndustrializao e o Cenrio Poltico Sul-Coreano

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    1.1 Introduo:Se examinarmos com ateno uma lista que classifique os mais diversos pases do

    globo por ordem decrescente de PIB nominal per capita, veremos que figuram, no topo,

    pases altamente industrializados, possuidores de indicadores educacionais elevados,

    grau de concentrao de renda relativamente baixo, excelente infra-estrutura fsica, alto

    nvel de produtividade por trabalhador, entre outros atributos igualmente invejveis.

    Para o ano de 2005, por exemplo, esta lista5 encabeada por pases como a Noruega, a

    Sua e a Dinamarca com um PIB nominal per capita de, respectivamente, US$

    61.852, US$ 52,879 e US$ 49.182 . costumeiro fazer meno a pases, ento,

    quando buscamos casos extremos de pases desenvolvidos.

    No outro extremo desta lista, possvel identificar a predominncia de pases

    ainda no industrializados, com infra-estrutura fsica desfavorvel, indicadores

    educacionais que deixam a desejar, entre outras deficincias. No ano de 2005, pases

    como o Burundi, a Repblica Democrtica do Congo e a Etipia se destacavam

    negativamente neste ranking com um PIB nominal per capita de, respectivamente,

    US$ 106, US$ 116 e US$ 123 . Quando falamos de pases subdesenvolvidos,

    portanto, bastante freqente a referncia a estas naes.

    Contudo, o uso desavisado de indicadores como o PIB ou o PNB per capita

    enquanto referenciais para definir se um pas desenvolvido ou subdesenvolvido pode

    nos conduzir, no raras vezes, a questionamentos perturbadores. Pois se este o nicocritrio para auferir o grau de desenvolvimento de um pas, fatalmente identificaremos

    pases como o Catar, o Quaite e os Emirados rabes Unidos como modelos de

    5 Segundo dados do FMI.

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    desenvolvimento econmico pois eles ostentam PIBs nominais per capita de,

    respectivamente, US$ 39.607, US$ 22.424 e US$ 22.009 . No entanto, sabemos que a

    afluncia destes pases est inextricavelmente ligada a um fenmeno absolutamente fora

    de seu controle: a dependncia que os pases industrializados mantm dos combustveis

    fsseis ali disponveis. Poucos ousariam apostar que sua opulncia seria a mesma aps o

    eventual surgimento alguma alternativa energtica vivel.

    Nas ltimas cinco dcadas, a Coria do Sul, foco deste estudo, registrou taxas

    muito respeitveis de crescimento econmico. Ao fim dos anos 1990, como veremos,

    este pas j atingiria nveis de PIBper capita bastante similares queles de vrios pases

    europeus, tradicionalmente entendidos como desenvolvidos. Mas isto quer dizer,

    necessariamente, que a Coria do Sul se desenvolveu?

    Neste captulo temos trs objetivos, quais sejam: 1) demonstrar a enorme

    vitalidade do processo de acumulao na Coria do Sul durante o ps-guerra, recorrendo

    para tal a indicadores estatsticos diversos, 2) retomar brevemente o quadro poltico sul-

    coreano ao longo das dcadas do milagre e, 3) discutir, com base nos ensinamentos de

    Celso Furtado, a diferena conceitual entre desenvolvimento e crescimento econmico.

    As prximas trs sees deste captulo se destinam, respectivamente, consecuo de

    cada uma destas trs tarefas. Com base nos fatos que apontaremos para cumprir as duas

    primeiras tarefas e, ademais, munidos da perspectiva terica que revisitaremos para

    cumprir a terceira tarefa, esperamos que seja possvel problematizar, ao longo dos

    Captulos 3 e 4, a bibliografia mais difundida sobre a industrializao coreana

    bibliografia esta que ser analisada em pormenores no Captulo 2 .

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    1.2 A Extenso das Transformaes Produtivas e Sociais no Ps-Guerra Coreano: o Milagre do Rio Han:

    Aps o desfecho da II Guerra Mundial e o advento do Plano Marshall, a Repblica

    Federal da Alemanha vivenciou um perodo de elevadssimas taxas de crescimento

    econmico. Este evento ficaria conhecido como Wunder vom Rhein, ou Milagre do

    Reno. Poucos anos depois, a Repblica da Coria, outro pas profundamente marcado

    pelo contexto da Guerra Fria, comeou a ostentar taxas de crescimento econmico

    igualmente dignas de nota. Obviamente inspirados pelas notcias que vinham da

    Alemanha, alguns analistas batizaram a boa mar coreana de Milagre do Rio Han, em

    aluso ao principal rio coreano, que corta a cidade de Seul. Neste captulo, tentaremos

    demarcar mais precisamente as transformaes econmicas e estruturais vivenciadas

    pela economia sul-coreana durante o dito Milagre.

    Debrucemo-nos sobre alguns dados. A Guerra da Coria termina em 1953, e a

    partir da que se torna razovel falar em crescimento econmico na Coria do Sul. Entre

    1954 e 1960, quando o pas foi governado por Syngman Rhee, a taxa mdia de

    crescimento real do PIB foi, ali, de 4% ao ano. J entre 1961 e 1970, perodo marcado

    pela ditadura do general Park Chung Hee, esta cifra subiu para 8,4% ao ano. Entre 1971

    e 1980, ainda sob o general Park, a taxa decrescimento mdia do pas continuou

    respeitvel: 7,1% ao ano. No perodo subseqente, marcado pelos governos de Chun

    Doo Hwan (1980-1988), Roh Tae Woo (1988-1993) e Kim Young Sam (1993-1998), aeconomia aceleraria ainda mais e atingiria, entre 1981 e 1996, o ritmo de 8,9% ao ano.

    Aps a Crise da sia, de 1997 perodo marcado, na Coria, pelo aprofundamento das

    liberdades polticas e pelo enfraquecimento de vrios instrumentos do Estado

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    ano. Alm disto, desde o incio do perodo Park Chung Hee, apenas por dois anos

    1980 e 1998 verificou-se, ali, taxas negativas de crescimento econmico.

    Este acelerado ritmo de expanso econmica esteve associado a uma verdadeira

    metamorfose na estrutura produtiva sul-coreana. Em 1954, este ainda era um pas

    predominantemente agrcola. Da em diante, teve incio um frentico processo de

    urbanizao e industrializao, cuja energia , muito provavelmente, mpar em toda a

    histria humana. A Tabela 1.2.1 compara o ritmo da modernizao estrutural sul-

    coreana com aquele observado em outros pases.

    TABELA 1.2.1 Velocidade do Processo de Modernizao Capitalista:Coria do Sul e Pases SelecionadosPercentual da populao empregadano setor agrcola

    Percentual da agricultura naproduo total

    Ano emqueatingiu40%

    Ano emqueatingiu16%

    Anostranscorridos

    Ano emqueatingiu40%

    Ano emqueatingiu7%

    Anostranscorridos

    Gr-Bretanha

    < 1800 1868 70 1788 1901 113

    Pases

    Baixos

    1855 1950 96 1800 1965 165

    Alemanha 1897 1957 60 1854 1960 106EstadosUnidos

    1900 1942 42 1866 1958 92

    Dinamarca 1920 1962 42 1850 1969 119Frana 1921 1965 44 1878 1972 94Japo 1940 1971 31 1896 1969 73Coria doSul

    1977 1991 14 1965 1991 26

    Fonte: Park, Chanyong; Kim, Meesook. Current Poverty Issues and Counter Policies inKorea. Seul: KIHASA-UNDP, 1998.

    O perodo posterior Guerra da Coria foi caracterizado por um veloz processo

    de urbanizao. Em 1910, ano em que a velha Coria fora anexada ao Imprio Japons,

    apenas uma nfima parcela de 3% da populao coreana residia em cidades. Em 1945,

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    28/195

    14

    aps mais de trs dcadas de grandes investimentos industriais japoneses, esta parcela

    ainda no excedia 13% (McNamara, 1990: 1)8. Mas em 1995, s vsperas da Crise

    Asitica, as cidades j congregavam 78,5% dos coreanos (ONU, 1998). 9

    Este processo de urbanizao foi acompanhado, como agravante, por um

    acelerado crescimento populacional. Em 1910, havia apenas 13,129 milhes de

    coreanos. Em 1940, estes j somavam 23,547 milhes (Kuznets, 1977: 217-218). 10 Em

    2006, somente a populao da parte meridional da antiga Coria a Coria do Sul

    j totalizava 48,846 milhes. A ttulo de curiosidade, a populao combinada das duas

    Corias atingia, ento, respeitveis 71,959 milhes (CIA, 2006). Alm disto, segundo

    dados de 2005, a populao da regio metropolitana de Seul j contabilizava 22,770

    milhes de habitantes 11 , o que corresponde a 45% da populao do pas inteiro,

    aproximadamente.

    A despeito da elevada taxa de crescimento populacional e do intenso fluxo de

    pessoas rumo s cidades, o notvel ritmo expansivo da economia coreana revelou-se

    suficiente para permitir a manuteno de taxas de desemprego moderadas, pelo durante

    a maior parte do perodo do Milagre, entre 1962 e 1997, quando as polticas

    econmicas concebidas sob o General Park atingiram seu pice. O Grfico 1.2.2 expe

    as taxas de desemprego na Coria do Sul, entre os anos de 1963 e 2006 note que os

    anos do boom, entre 1963 (2 Ano do 1 Plano Qinqenal e 1 ano de um ciclo de forte

    acelerao do crescimento) e 1997 (ano da Crise Asitica) esto em vermelho .

    8 Estes dois ltimos dados incluem as duas Corias.9 Este ltimo dado se refere unicamente Coria do Sul.10 Estes dois ltimos dados incluem as duas Corias.11 Dados doNational Statistical Office, incluindo as cidades de Seul, Kynggi e Inchn.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    29/195

    15

    GRFICO 1.2.2 Desemprego na Coria do Sul, 1963-1997:

    Taxa de Desemprego Durante o Boom Coreano (1963-1997) e Alguns AnosPosteriores (1998-2006)

    7,77,4

    7,1

    6,2

    5,14,8

    4,5

    4,13,93,8

    3,2

    3,8

    5,2

    4,5

    4,13,8

    43,8

    3,1

    2,42,5

    2,9

    2,5

    2,1 2

    2,6

    7

    6,3

    4,4

    4,03,7

    3,5

    3,7

    3,63,3

    2,4

    4,44,14

    4,54,5

    8,2

    2,62,5

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    1963

    1965

    1967

    1969

    1971

    1973

    1975

    1977

    1979

    1981

    1983

    1985

    1987

    1989

    1991

    1993

    1995

    1997

    1999

    2001

    2003

    2005

    %

    Fonte: Korea National Statistical Office. Annual Report on the Economically Active Population Survey(1964-2002), para os dados at 1999 e, Banco da Coria, Economic Statistics System, pela Internet, paraos dados entre 2000 e 2006.

    Outra caracterstica costumeiramente ressaltada naquilo que tange ao processo de

    modernizao sul-coreano o notvel avano, no pas, dos mais diversos indicadores

    educacionais. A Tabela 1.2.2 fornece alguns nmeros sobre a performance coreana neste

    campo. Nela, possvel constatar que a educao realmente no foi negligenciada nem

    mesmo antes do boom econmico, uma vez que, j nos anos 1960, a educao primria

    fora universalizada. J a educao secundria tardaria mais a se tornar de acesso geral, o

    que somente ocorreria nos anos 1990. Quanto ao ensino superior, verifica-se uma

    grande acelerao no nmero de alunos matriculados j a partir dos anos 1980. Todos

    estes indicadores se refletem na mdia de anos de escolarizao, que tem sido sempre

    crescente.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    16

    TABELA 1.2.2 Indicadores Selecionados sobre Educao, 1961-19931961 1966 1972 1981 1987 1993

    Mdia de Anosde Estudo daPopulao

    - - - 5,0 6,1 7,8 9,0 10,1

    Taxa (%) deMatrcula doEnsinoFundamentalA

    97 103 107 103 102 101

    Taxa (%) deMatrcula noEnsino MdioA

    30 36 49 59 65 99

    Taxa deMatrcula noEnsinoSuperiorB

    54 57 65 192 305 355

    A Indica o percentual de alunos matriculados em relao populao na faixa etriaadequada ao nvel escolar. Note que o resultado pode ser maior que 100% devido aoatraso escolar.B Indica o nmero de matrculas por 10.000 habitantesFonte: Banco Mundial. Korea: Four Decades of Equitable Growth. Washington, CaseStudies in Scaling Up Poverty Reduction, 2004

    Um outro indicador que salta aos olhos a capacidade revelada pelo sistema

    educacional sul-coreano de permitir, progressivamente, que a grande maioria de seus

    alunos prossiga seus estudos at o nvel superior. Note que, atualmente, 89,8% dos

    jovens que terminam ali o nvel mdio e 62,3% dos que se formam nas escolas mdias

    vocacionais progridem para o ensino superior a contabilizados, tambm, os cursos

    superiores de curta durao . A Tabela 1.2.3 fornece dados preciosos para a

    caracterizao deste processo.

    Alm disto, a incluso de mais e mais crianas ao sistema escolar coreano

    tambm significou a edificao, pelo Estado, de uma melhor infra-estrutura educacional.

    A Tabela 1.2.4 traz alguns dados sobre o nmero de professores e instituies de ensino

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    17

    existentes na Coria do Sul ao longo do tempo. Evidencia-se o forte acrscimo no

    nmero de instituies e professores lecionando em todos os nveis.

    TABELA 1.2.3 Taxas de Re-Matrcula ao Fim da Cada Nvel, 1970-2004

    Ensino Elementar(1 Ciclo)Ensino Elementar(2 Ciclo)

    Ensino Elementar(2 Ciclo)Ensino Mdio

    Ensino MdioUniversidade Ensino Mdio"Vocacional"Universidade

    1970 66.1 70.1 40.2 9.51975 77.2 74.7 41.5 8.81980 95.8 84.5 34.0 10.11985 99.2 90.7 53.8 13.31990 99.8 95.7 47.2 8.31995 99.9 98.4 72.7 19.11996 99.9 98.9 77.8 21.9

    1997 99.9 99.4 81.4 29.11998 99.9 99.4 83.8 35.61999 99.9 99.4 84.5 38.52000 99.9 99.5 83.9 41.92001 99.9 99.6 85.3 44.92002 99.9 99.6 87.0 49.82003 99.9 99.7 90.1 57.62004 99.9 99.7 89.8 62.3

    Obs: Taxa de re-matrcula = [matrculas no ciclo seguinte / graduados no presente nvel] x 100Obs2: "Universidade" inclui tambm os cursos superiores de curta duraoFonte:Education in Korea. Ministry of Education & Human Resources Development,

    Republic of Korea, p. 47.

    Conforme mais e mais jovens foram tendo a possibilidade de concluir a educao

    escolar, a aparentemente insacivel sede coreana por educao superior refletiu-se,

    como j dissemos, no brutal crescimento no nmero de universitrios. Caracterizou-se,

    ento, uma trajetria exponencial de crescimento no nmero de alunos matriculados

    neste nvel de ensino, em um processo que ainda no emite sinais de arrefecimento. O

    Grfico 1.2.3 traz os nmeros de estudantes matriculados no nvel superior desde o fim

    da II Guerra Mundial.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    32/195

    18

    TABELA 1.2.4 A Evoluo da Infra-estrutura Educacional CoreanaExpanso das Escolas Elementares do 1 Ciclo (1945-2003)

    1945 1960 1970 1980 1990 2003Instituies 2.834 4.496 5.961 6.487 6.335 5.464Professores 19.792 61.605 101.095 119.064 136.800 154.077

    Expanso das Escolas Elementares do 2 Ciclo (1945-2003)1945 1960 1970 1980 1990 2.003

    Instituies 166 1.053 1.608 2.121 2.470 2.865Professores 1.186 13.053 31.207 54.858 89.719 99.916

    Expanso das Escolas Mdias (1945-2003)1945 1960 1970 1980 1990 2003

    Instituies 307 640 889 1.353 1.683 2.095Professores 1.720 9.627 19.854 50.948 92.683 116.292

    Expanso da Educao Superior (1945-2003)1945 1960 1970 1980 1990 2003

    Instituies 19 85 232 357 556 1.421Professores 1.490 3.808 10.435 20.900 41.920 63.823Fonte:Education in Korea: 2005~2006. Ministry of Education & Human ResourcesDevelopment, Republic of Korea, p. 16.

    GRFICO 1.2.3 Alunos Matriculados no Ensino Superior, 1945-2003:

    Expanso do Ensino Superior

    7.819 101.041

    601.494

    1.490.809

    3.588.039

    201.436

    0

    500.000

    1.000.000

    1.500.000

    2.000.000

    2.500.000

    3.000.000

    3.500.000

    4.000.000

    1945 1960 1970 1980 1990 2003

    Alunos Matriculados

    Fonte: Education in Korea: 2005~2006. Ministry of Education & Human Resources Development,Republic of Korea, p. 16

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    19

    Mas nem todos os dados a respeito do sistema educacional coreano so to

    favorveis. Outra importante dimenso do sistema que deve ser avaliada se este teria

    se revelado capaz de promover a incorporao das mulheres ao sistema de ensino. A

    est o calcanhar de Aquiles da educao coreana. Note que as mulheres, em se

    tratando de uma sociedade de matriz cultural confuciana como a da Coria, estiveram

    historicamente excludas das atividades de cunho intelectual, sendo estas reservadas aos

    homens, enquanto s mulheres cabia um papel, ainda que de enorme relevncia social,

    muito mais restrito aos bastidores. Neste contexto, a incorporao das mulheres ao

    ensino superior do pas ainda deixa muito a desejar. Mesmo assim, no se pode deixar

    de notar que sua participao nas matrculas deste nvel de ensino tem sido crescente. E

    deve-se ressalvar que, no que tange educao de primeiro e segundo graus, o ritmo de

    incluso das mulheres parece ter se equiparado ao dos homens como evidenciam dos

    dados da Tabela 1.2.5, que denotam um relativo equilbrio entre os as participaes

    masculina e feminina a partir dos anos 1990 .

    TABELA 1.2.5 O Ritmo de Incorporao das Mulheres ao Sistema deEnsino, 1961-1993

    1961 1966 1972 1981 1987 1993Mulheresna EscolaPrimria(%)

    45 46 48 48 48 48

    Mulheresna Escola

    Secundria(%)

    28 36 39 45 47 48

    Mulheresno EscolaTerciria(%)

    19 25 25 24 27 31

    Fonte: Banco Mundial.Korea: Four Decades of Equitable Growth. Washington, CaseStudies in Scaling Up Poverty Reduction, 2004

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    34/195

    20

    Outra dimenso do processo de modernizao asitico, em geral, e coreano, em

    particular, que nos acostumamos a ver alardeada aos quatro ventos a elevada taxa de

    poupana associada ao rpido crescimento econmico. Este mpeto poupador aliceraria,

    conforme se afirma, elevadssimas taxas de investimento. O problema deste argumento

    que, como demonstram dos dados, a taxa de poupana na Coria somente atinge o

    estupendo patamar que a caracterizou historicamente quando o milagre j estava em

    pleno curso. O Grfico 1.2.4 expe o comportamento da taxa de poupana do pas.

    GRFICO 1.2.4 Taxa de Poupana na Coria, 1970-2005:

    Taxa Bruta de Poupana na Economia Coreana

    17,8

    15,7

    17,0

    22,821,9

    19,5

    25,3

    28,7

    31,030,2

    24,724,6

    25,7

    29,031,0

    31,2

    34,9

    38,4

    40,4

    37,6

    37,5

    37,6

    36,8

    36,736,3

    36,3

    35,5

    35,5

    37,5

    35,333,7

    31,731,3

    32,8

    34,9

    33,0

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    35,0

    40,0

    45,0

    1970

    1971

    1972

    1973

    1974

    1975

    1976

    1977

    1978

    1979

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    %

    Fonte: Banco da Coria,Major Anaysis Indicators.

    J naquilo que diz respeito ao investimento, as taxas coreanas tem sido sempre

    muito elevadas, em um movimento que claramente precedeu a formao, no pas, de

    igualmente elevadas taxas de poupana. O Grfico 1.3.5 expe as taxas de investimento

    na Coria entre 1970 e 2005, conforme informadas pelo Banco da Coria. J o Grfico

    1.2.6 contrape as sries de poupana e investimento dos Grficos 1.2.4 e 1.2.5.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    35/195

    21

    GRFICO 1.2.5 Taxa de Investimento na Coria, 1970-2005:

    Taxa de Investimento na Economia Coreana

    30,2

    30,430,1

    29,129,4

    31,1

    29,3

    25,2

    36,1

    39,0

    37,836,935,7

    37,2

    39,7

    37,4

    33,8

    31,230,329,430,4

    30,6

    29,228,929,9

    31,9

    36,0

    32,7

    28,626,6

    28,8

    31,8

    24,8 25,2

    21,4

    25,4

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    35,0

    40,0

    45,0

    1970

    1971

    1972

    1973

    1974

    1975

    1976

    1977

    1978

    1979

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    %

    Fonte: Banco da Coria.

    GRFICO 1.2.6 Poupana e Investimento na Coria, 1970-2005:

    Taxas de Investimento e Poupana na Repblica da Coria

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    35,0

    40,0

    45,0

    1970

    1971

    1972

    1973

    1974

    1975

    1976

    1977

    1978

    1979

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    %

    Poupana Investimento

    Fonte: Banco da Coria.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    36/195

    22

    Outro aspecto do Milagre coreano bastante enfatizado por seus entusiastas a

    suposta manuteno, no pas, de taxas moderadas de inflao. Bem, quanto a isto se

    deve ressaltar que os dados apontam para uma inflao, sem lugar dvida, muito

    menos incmoda do que entre ns latino-americanos. No obstante, foi s desde os anos

    1980 que o ndice de Preos ao Consumidor coreano atingiu um patamar efetivamente

    baixo.

    O Grfico 1.2.7 mostra as taxas de crescimento do IPC na Coria do Sul entre

    1966 e 2005, conforme divulgado pelo Banco da Coria. Note que em todos os anos

    entre 1966 e 1972 e entre 1974 e 1981 o IPC coreano superou a barreira dos 10% ao ano.

    Alm disto, nos anos de 1974-1975 e 1980-1981 binios imediatamente posteriores

    aos dois Choques do Petrleo o IPC coreano superou o patamar dos 20% ao ano.

    GRFICO 1.2.7 Taxa de Inflao Coreana, 1966-2005:

    Variao Anual do ndice de Preos ao Consumidor na Coria do Sul, 1966-2005

    2,7

    3,63,6

    2,7

    4,1

    0,82,3

    7,5

    4,44,94,5

    6,3

    4,8

    6,2

    9,38,6

    5,7

    7,1

    3,12,8

    2,52,3

    3,4

    7,2

    21,4

    28,7

    18,3

    14,5

    10,1

    15,3

    25,224,3

    3,2

    11,7

    13,5

    16,0

    10,810,9

    12,4

    11,3

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    35,0

    1966

    1968

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    %

    Fonte: Banco da Coria.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    37/195

    23

    TABELA 1.2.6 Indicadores Selecionados de P&D, 1970-19951970 1975 1980 1985 1990 1995

    Pesquisadorespor 10.000habitantes

    1,8 2,9 4,8 10,1 16,4 28,6

    Nmero deLaboratriosde P&D nasCorporaes

    0 12 54 183 966 2.270

    Gasto Totalem P&Dem % do PIB

    0,39 0,44 0,58 1,56 1,88 2,71

    Gasto Pblicoem P&Dem % do PIB

    0,3 0,29 0,37 0,39 0,36 0,51

    Gasto

    Privado emP&D em %do PIB

    0,09 0,15 0,21 1,17 1,52 2,2

    Gasto emP&D porPesquisador(Milhes deWn)

    1.874 4.152 15.325 27.853 49.514 73.574

    PatentesRequeridas

    1.846 2.914 5.070 10.587 25.820 78.499

    Fonte: Lee, Won-Young. The Role of science and Technology Policy in Koreas

    Industrial Policy. In: Kim, Linsu; Nelson, R. R. Technology, Learning, & Innovation.Cambridge: Cambridge University Press, 2004

    Outra caracterstica costumeiramente lembrada do processo coreano de

    industrializao tem sido o seu destacado zelo pelas questes tecnolgicas. Analisemos,

    ento, alguns dados. A Tabela 1.2.6 expe alguns indicadores relacionados ao tema.

    Nela, fica evidente o progresso coreano neste campo. O nmero de pesquisadores por

    10.000 habitantes se expandiu formidavelmente entre 1970 e 1995, assim como cresceu

    o nmero de laboratrios privados de P&D. O gasto total em P&D aumentou muito ao

    longo do tempo, e foi no setor privado que se concentrou a maior parte desta expanso.

    O gasto em P&D por pesquisador tambm evoluiu muito. Todos estes indicadores

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    24

    estiveram associados, outrossim, a um enorme aumento no nmero de patentes

    requeridas por coreanos.

    Mais um predicado costumeiramente mencionado quanto ao processo coreano de

    modernizao diz respeito ao agressivo envolvimento da economia do pas no comrcio

    exterior. Os dados realmente indicam que as exportaes coreanas foram elevadas da

    inexpressiva cifra de US$ 55 milhes, em 1962 (Banco Mundial: 2004: 22), para atingir

    o valor de US$ 325.464.848.000 em 2006. Apesar deste inslito ritmo expansivo, no se

    deve esquecer que o comrcio exterior sul-coreano tambm foi marcado, historicamente,

    por persistentes desequilbrios. O Grfico 1.2.8 traz alguma luz a este tema, revelando a

    recorrncia, no pas, de dficits comerciais em vrios perodos.

    GRFICO 1.2.8 Balana Comercial Sul-Coreana, 1970-2006:

    Balana Comercial Coreana em Milhares de Dlares Correntes (1971-2005)

    -50.000.000

    0

    50.000.000

    100.000.000

    150.000.000

    200.000.000

    250.000.000

    300.000.000

    350.000.000

    1

    971

    1

    972

    1

    973

    1

    974

    1

    975

    1

    976

    1

    977

    1

    978

    1

    979

    1

    980

    1

    981

    1

    982

    1

    983

    1

    984

    1

    985

    1

    986

    1

    987

    1

    988

    1

    989

    1

    990

    1

    991

    1

    992

    1

    993

    1

    994

    1

    995

    1

    996

    1

    997

    1

    998

    1

    999

    2

    000

    2

    001

    2

    002

    2

    003

    2

    004

    2

    005

    2

    006

    Exportaes (US$ milhes) Importaes (US$ milhes) Balana Comercial (US$ milhes)

    Fonte: National Statistical Office,Korean Statistical Information System, pela Internet.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    25

    Mas no apenas no mbito do comrcio exterior que a Coria se revelaria

    assim como ns na Amrica Latina um pas recorrentemente submetido a

    desequilbrios. Neste sentido, o Grfico 1.2.9 analisa os resultados do balano em conta

    corrente da Repblica da Coria. Entre os anos de 1980 e 1985 e, mais recentemente,

    entre os anos 1993 e 1997, esta conta fechou no vermelho.

    GRFICO 1.2.9 Conta Corrente Sul-Coreana, 1980-2006:

    Resultado Anual da Conta Corrente Sul-Coreana em Milhes de Dlares Correntes (1980-2006)

    -30.000,0

    -20.000,0

    -10.000,0

    0,0

    10.000,0

    20.000,0

    30.000,0

    40.000,0

    50.000,0

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    Fonte: National Statistical Office,Korean Statistical Information System, pela Internet.

    Traado este quadro geral da gnese de uma complexa economia industrial na

    Pennsula da Coria, podemos retomar uma histria paralela a esta: as caractersticas do

    sistema poltico sul-coreano ao longo deste perodo de acelerado crescimento. Faremos

    isto na prxima seo.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    26

    1.3 Alguns Fatos sobre o Quadro Poltico Sul-coreano (1945-1997):

    Na seo anterior, apresentamos um conjunto de dados animadores sobre a

    evoluo da economia sul-coreana no ps-guerra. Mas a pujana econmica vivenciada

    pela Coria do Sul durante o milagre, perodo de acelerado crescimento econmico

    compreendido entre os anos de 1960 e 1997, seria acompanhada, igualmente, por uma

    conjuntura poltica muito repressiva. Convm retomar, ento, as caractersticas do

    processo poltico sul-coreano no ps-guerra, pois sobre ele praticamente no

    encontramos informaes nos elogiosos estudos econmicos que predominam no debate

    acerca da industrializao sul-coreana.

    A histria poltica da moderna Coria do Sul comea apenas em 1945. neste ano

    que, com o fim da invaso nipnica que perdurara desde 1910, o aristocrata coreano

    Syngman Rhee retorna de um exlio de quatro dcadas para dar incio criao, sob a

    gide norte-americana, da Repblica da Coria, criada em 1948, em contraposio ao

    projeto nortista da Repblica Popular da Coria.

    Teoricamente, a Coria do Sul sob Rhee era um pas cujo governo fora eleito

    democraticamente, apesar de que, como nos adverte Benjamin Weems, um

    observador das eleies de 1948, A eleio foi virtualmente monopolizada por grupos

    direitistas fortemente organizados, em geral fiis a Syngman Rhee. Os extremistas de

    esquerda, sob liderana comunista, boicotaram a eleio com violncia. Os moderados,

    sob liderana de Kimm Kiusic, ex-presidente interino da Assemblia Legislativa

    Coreana na Coria no Sul, e a faco direitista liderada por Kim Koo, ltimo presidente

    do Governo Provisrio Coreano, se abstiveram de participar da eleio pela manifesta

    razo de que ela impediria a unificao coreana [...]. Neste contexto, Weems conclui

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    27

    que os resultados [do pleito] no so um reflexo acurado da vontade popular, pois o

    eleitorado teve que escolher dentre uma lista inexpressiva de candidatos, e vinte deles,

    incluindo Syngman Rhee, no tinham oponentes.12

    Syngman Rhee consegue permanecer no poder at 1960, em um perodo marcado

    pela Guerra da Coria e pela perseguio, com apoio do exrcito norte-americano, das

    lideranas pr-comunistas no sul, assim como das demais oposies ao governo. No ano

    de 1960, no entanto, Rhee acaba sendo derrubado por um movimento popular que

    ficaria conhecido como Revoluo de Abril. Nesta ocasio, estudantes universitrios

    liderados por professores nacionalistas organizariam manifestaes de vulto pelo pas,

    questionando desde a corrupo do regime at o sistema eleitoral viciado. A agenda dos

    manifestantes se radicalizaria com a renncia do presidente, passando a abranger

    questes sobre a liberao nacional e sobre a opresso social. neste contexto que tem

    incio um ciclo de governos militares que se estenderia at 1993.

    O Regime Militar sul-coreano teria incio em Maio de 1961, quando um grupo

    liderado por Park Chung Hee se posiciona em pontos estratgicos de Seul, tomando a

    cidade, fechando a Assemblia Nacional e banindo toda a atividade poltica. A rigorosa

    liderana de Park perduraria duas dcadas, at seu assassinato por Kim Chae-Gyu,

    diretor da Agncia Central de Inteligncia Coreana a KCIA , em 1979.

    Com o assassinato de Park, o General Chun Doo Hwan assume o poder em um

    golpe iniciado em 12 de dezembro de 1979 e concludo em 17 de maio de 1980. A

    insatisfao popular com a poltica em especial com a corrupo era considervel

    e, em 27 de maio 1980, eclode uma rebelio que logra tomar a cidade Kwangju, sexta

    12 Transcrito de Weems, Benjamin.Behind the Korean Election. Far Eastern Survey, Volume 17, Nmero12, pp. 142-147, 23 de Junho de 1948, minha traduo.

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    42/195

    28

    maior cidade sul-coreana, e que acaba sendo brutalmente asfixiada pelo regime do

    General Chun, com um saldo de mais de 2000 mortos. Assim, a Coria dos anos 1980

    continuaria a ser um pas politicamente fechado, guarnecido militarmente pelos EUA e,

    ademais, onde o principal lder da oposio, Kim Dae Jung, estava no exlio. A ditadura

    sob o General Chun duraria at 1988.

    Em 1987, tm incio as primeiras eleies diretas na Coria aps as quase trs

    dcadas de ditadura. Neste pleito, a oposio civil se divide em dois nomes Kim

    Young-Sam e Kim Dae-Jung, que posteriormente tambm viriam a ser presidentes .

    Esta diviso acaba propiciando a derrota de ambos, com a conseqente vitria de mais

    um general, Roh Tae Woo, que governaria at 1993.

    Em 1990, em um movimento poltico inesperado, o partido poltico do General

    Roh Tae-Woo se funde com o de Kim Young-Sam, um dos oposicionistas derrotados no

    pleito de 1987 13. Esta aliana permitiria, em 1992, a vitria eleitoral de Kim Young-

    Sam agora apoiado tambm por um amplo espectro de foras conservadoras , que

    viria a ser o primeiro civil no poder desde o j longnquo governo de Syngman Rhee

    (1948-1960).

    Com a subida ao poder do civil Kim Yong-Sam, os dois presidentes que

    governaram a Coria entre 1980 e 1993 ou seja: Chun Doo-Hwan e Roh Tae-Woo

    foram encarcerados, a despeito da aliana acima citada. O motivo: acusaes de

    13 De um dos candidatos a liderar a oposio civil, Kim Young-Sam metamorfoseou-se em candidato dopartido da situao. Fundiram-se, nesta ocasio, o Partido Democrtico da Justia (de Roh Tae-Woo e doGeneral Chun), o Novo Partido Democrtico Republicano (de Kim Jong-Pil; fundador da Agncia Centralde Inteligncia Coreana, KCIA, e ex-presidente do partido do General Park, o antigo Partido DemocrticoRepublicano, durante a ditadura), alm do Partido Democrtico da Reunificao (do ex-oposicionista KimYoung-Sam), criando o Partido Democrtico Liberal. H mais informaes sobre o intricado jogo polticoque levou a esta fuso de foras conservadoras em Bedeski, Robert E. The Transformation of SouthKorea: Reform and reconstruction in the Sixth Republic under Roh Tae Woo, 1987-1992. Londres:Routledge, 1994.

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    29

    corrupo, participao no golpe de Estado de 1979 e co-responsabilidade pelo

    massacre de Kwangju. Roh seria condenado a 22 anos e meio de priso, enquanto Chun

    seria sentenciado inicialmente morte posteriormente, no entanto, a sentena de Roh

    foi abrandada para 17 anos e a de Chun para priso perptua .

    Apesar de os trs presidentes civis coreanos Kim Young-Sam (1993-1998),

    Kim Dae-Jung (1998-2003) e Roh Moo-Hyun (desde 2003) terem sido eleitos

    segundo as regras do ritual democrtico, a existncia de um sistema poltico-eleitoral

    minimamente competitivo e representativo de camadas mais amplas da populao algo

    muito mais recente na histria coreana. Por exemplo, a eleio de Kim Dae-Jung, em

    1997, representou a primeira alternncia pacfica de poder14 da histria sul-coreana

    h quem o chame de Mandela da sia15 . Tambm significou a transferncia de poder

    da prspera regio de Kyongsang regio de origem dos presidentes Park, Chun, Roh

    Tae-Woo e Kim Yong-Sam para a regio relativamente deprimida de Chlla, no

    sudoeste coreano.

    Assim, parece claro que a industrializao sul-coreana foi um processo

    integralmente conduzido sob uma conjuntura poltica opressiva. Note que, mesmo que

    compreendamos este processo de industrializao como um fenmeno que se inicia j

    em fins do sculo XIX, veremos que tambm o perodo entre 1876 e 1945 fora um

    perodo politicamente asfixiante. Pois desde a assinatura do Tratado de Kanghwa, em

    1876, a autonomia poltica da Coria ante o Japo se tornaria bastante restrita, em um

    processo que culminaria, em 1910, com a anexao do pas pelo Imprio Japons.

    14 Alternncia do Partido Democrtico Liberal, de Kim Young-Sam, para o Partido Democrtico doMilnio.15 Democrata perseguido por dcadas por dcadas de ditaduras, Kim Dae-Jung ganhou o Prmio Nobel daPaz em 2000.

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    30

    1.4 Retomando a Concepo Furtadiana de Desenvolvimento:

    Nas sees anteriores, cuidamos de delimitar o quadro de transformaes

    produtivas e econmico-estruturais vivenciadas pela Repblica da Coria no ps-guerra,

    assim como caracterizar o ambiente poltico que acompanharia tal processo. J nesta

    seo, nosso objetivo ser o de adotar um conceito especfico de desenvolvimento a

    saber: aquele que nos foi legado por Celso Furtado , permitindo que o leitor tenha em

    mente, com exatido, o que se deve subentender quando doravante lanarmos mo deste

    termo. Esperamos que a leitura prvia deste captulo evite qualquer confuso quando, na

    concluso, examinarmos com maior cuidado a premissa comumente aceita de que a

    Coria do Sul constitui um caso exemplar de superao do subdesenvolvimento.

    Na obra de Furtado, so deixadas de lado as vises mais reducionistas que

    procuram vincular o processo de desenvolvimento mera melhoria em indicadores

    numricos quaisquer. O processo de desenvolvimento, ento, encarado [...] como um

    processo global: transformao da sociedade ao nvel dos meios, mas tambm dos fins;

    processo de acumulao e ampliao da capacidade produtiva, mas tambm de

    apropriao do produto social e de configurao desse produto; diviso social do

    trabalho e cooperao, mas tambm estratificao social e dominao; [...] (Furtado,

    1980: XI, grifos meus)

    Em toda sua obra recorrente a idia de que, para explorar completamente seu

    campo possibilidades, uma sociedade precisaria perseguir a capacidade de postularobjetivoscoletivos com um certo grau de autonomia intelectual. Sendo mais especfico:

    para trilhar o caminho do desenvolvimento, no bastaria a um povo apenas assegurar a

    capacidade de exercer um certo grau de controle social sobre os mecanismos poltico-

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

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    31

    econmicos capazes de tornar exeqvel a implementao de um determinado projeto

    social a despeito de ser este, outrossim, um passo importante . Este projeto

    tambm precisaria adquirir uma certa consistncia, traduzindo aspiraes sociais

    verdadeiramente representativas de amplos setores. Alm disto, o projeto precisaria ser

    forjado com a necessria lucidez estratgica, sem iluses sobre o grau de autonomia

    detido pelo sistema econmico em questo.

    Inspirado pela triste experincia brasileira de crescimento acelerado por longo

    perodo, acompanhado de perturbadora persistncia dos mais diversos sinais do atraso

    econmico e do subdesenvolvimento, Furtado adverte que O aumento da eficcia do

    sistema de produo comumente apresentada como indicador principal de

    desenvolvimento no condio suficiente para que sejam melhor satisfeitas as

    necessidades elementares da populao. (Furtado, 1980: 17). Portanto, para Furtado, o

    desenvolvimento requer algo mais: O que caracteriza o desenvolvimento o projeto

    social subjacente. [...] Quando o projeto social d prioridade efetiva melhoria das

    condies de vida da maioria da populao, o crescimento metamorfoseia-se em

    desenvolvimento. (Furtado, 1984: 75, grifos meus) O Desenvolvimento , portanto,

    um processo de recriao das relaes sociais que se apia na acumulao. (Furtado,

    1978: 48)

    luz da premissa de que, Mais do que transformao, o desenvolvimento

    inveno, comporta um elemento de intencionalidade (Furtado, 1984: 105), adquire

    vulto, em Furtado, a preocupao com a dependncia cultural. Nas palavras do prprio

    autor: A viso que tenho do desenvolvimento a de um processo criativo, de inveno

    da Histria pelos homens, em contraste com o quadro mimtico e repetitivo de que so

    prisioneiras as sociedades dependentes. [...] So dependentes as sociedades que

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    32

    introjetam valores criados fora delas mesmas, que se transformam de preferncia sob a

    presso de fatores exgenos, que reproduzem mimeticamente padres de

    comportamento surgidos em outros contextos culturais e muitas vezes sem

    correspondncia com sua base material. (Furtado, 1984: 63-64) Furtado enxerga o

    mimetismo cultural como um srio entrave ao livre desabrochar de uma criatividade

    coletiva, isto , o percebe como uma barreira capaz de obstruir a postulao de fins

    genuinamente representativos da coletividade, passo entendido como crucial ao

    verdadeiro desenvolvimento.

    Para Furtado, a dependncia econmica e cultural e o autoritarismo seriam

    dimenses distintas de uma mesma dinmica de subdesenvolvimento: O sistema

    dependente perde a capacidade de conceber os prprios fins. Esta a razo pela qual o

    autoritarismo poltico a ele se adapta como uma luva. Dependncia econmica, tutela

    cultural e autoritarismo poltico se completam e reforam mutuamente. (Furtado, 1978:

    125) Conferindo, como dissemos, extrema importncia liberdade criativa no

    estabelecimento dos alvos nacionais, Furtado varre da discusso a recorrente crena na

    existncia de um trade-offentre liberdade poltica e possibilidades de desenvolvimento.

    Ou seja: Sendo o desenvolvimento a expresso da capacidade para criar solues

    originais aos problemas especficos de uma sociedade, o autoritarismo, ao bloquear os

    processos sociais em que se alimenta essa criatividade, frustra o verdadeiro

    desenvolvimento. (Furtado, 1978: 80) Ou ainda: [...] nada mais indicativo da

    canalizao de foras criadoras para os fins, na vida social, do que a existncia de

    atividade poltica. (Furtado, 1978: 88) A efervescncia poltica, enxergada pelo

    pensamento conservador como uma ameaa segurana que seria necessria ao

    processo de transformao estrutural, alada em Furtado ao patamar de requisitosine

  • 7/27/2019 Dissertao Rodrigo L Medeiros Silva

    47/195

    33

    qua non configurao do verdadeiro desenvolvimento. O autor censura, portanto, o

    raciocnio segundo o qual Os conflitos sociais, longe de serem uma fonte alimentadora

    da criatividade poltica, so percebidos como formas de desperdcio de energias da

    sociedade. (Furtado, 1978: 79) E, assim, assegura que A ativao poltica condio

    necessria para que se manifeste a criatividade no plano institucional [...]. (Furtado,

    1978: 88)

    Em sntese, Cumpre-nos pensar o desenvolvimento a partir de uma visualizao

    dos fins substantivos que desejamos alcanar, e no da lgica dos meios que nos

    imposta do exterior. (Furtado, 1984: 30) Pois, com base na evidncia histrica, [...] o

    desenvolvimento das foras produtivas em condies de dependncia no engendra as

    transformaes sociais que esto na base da valorizao da fora de trabalho. (Furtado,

    1978: 69) Sem este elemento crucial que a criatividade cultural, as naes fora do

    centro da economia capitalista esto fadadas ao mero intento de reproduo dos padres

    de consumo estrangeiros, com todas as conseqncias perniciosas engendradas por este

    processo entre as quais, a concentrao da renda, a pobreza, o dualismo estrutural, a

    violncia crnica, etc. .

    Ou seja, a gnese de sociedades estruturalmente duais compostas de uma

    minoria dotada de condies materiais de mimetizar os padres de consumo dos pases

    avanados, circundada por uma maioria sobrevivendo em condies materiais

    abissalmente dspares deitaria suas razes na incapacidade scio-poltica de fixar,

    com a necessria consistncia e representatividade, os fins coletivos subjacentes ao

    processo social de acumulao produtiva.

    Partindo deste ngulo de anlise, Furtado conclui, em fins dos anos 1970, que

    Se pomos de lado a China, nenhum outro pas de acumulao retardada rene [ou

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    reunia] as condies mnimas para escapar ao campo gravitacional da civilizao

    industrial. Os demais so por definio perifricos: se auto-identificam em funo das

    relaes que de bom ou mau grado mantm com o centro do sistema capitalista [...]

    (Furtado, 1978: 111) Assim, os demais pases atrasados pareciam fadados malfadada

    busca de mimetizar em maior ou menor grau e para uma maior ou menor parcela da

    populao padres de consumo que somente fariam sentido em sociedades muito

    mais adiantadas no processo de acumulao.

    Cumpre notar que Furtado afirmaria, quatorze anos mais tarde, ainda que de

    forma bastante apressada e em um texto cujo escopo era outro, que Porque alcanaram

    um grau elevado de homogeneidade social e fundaram o prprio crescimento em

    relativa autonomia tecnolgica, cabe reconhecer que a Coria do Sul e Taiwan lograram

    superar a barreira do subdesenvolvimento, ainda que a renda per capita desses pases

    seja menos de uma quinta parte da do Japo e no supere a de certos pases latino-

    americanos. (Furtado, 1992: 51)

    Todavia, esta breve meno experincia sul-coreana no parece se coadunar

    com o restante do arcabouo terico utilizado pelo autor para tratar a problemtica do

    desenvolvimento. Por exemplo, se Furtado afirma que, naquilo que tange ao

    desenvolvimento A questo central continuar a ser a de gerao de formas de vontade

    coletiva na Periferia [...] (Furtado, 1978: 124), como deixar de considerar a situao

    poltica opressiva ento vivenciada pela Coria do Sul?

    Como discutimos na seo anterior, se considerarmos que o Milagre do Han

    teria se iniciado em princpios dos anos 1960 com o advento da ditadura sob Park

    Chung Hee , e durado at a Crise da sia de 1997, fica claro que todo o salto

    coreano ocorre integralmente durante um perodo de pesadas restries s liberdades

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    democrticas. 16 Fica, ento, uma pergunta: como enxergar, no mbito deste quadro

    poltico repressivo, o ambiente de criatividade social e efervescncia poltica que

    Furtado alara ao patamar de um requisito estrutural ao verdadeiro desenvolvimento?

    Tendo em vista a afirmao de Furtado de que A caracterstica bsica da

    economia perifrica consiste [...] numa dessimetria entre o sistema produtivo e a

    sociedade. Essa dessimetria manifesta-se sob a forma de heterogeneidade social e de

    rupturas e desnveis nos padres de consumo. (Furtado, 1980: 90), o que parece ter

    suscitado o comentrio de Furtado parece ser o fato de que, a despeito dos bvios

    bloqueios atividade poltica dos trabalhadores coreanos, estes parecem ter partilhado,

    em inusitado grau no mbito do conjunto dos pases perifricos, dos frutos materiais

    propiciados pelo surgimento, no pas, de uma sofisticada economia industrial. Por

    exemplo, durante o perodo que precedeu o comentrio de Furtado como evidenciado

    pela Tabela 2.3.1.3 , houve uma substancial elevao da renda do trabalhador coreano.

    A configurao, na Coria, de uma diviso do bolo mais equnime do que

    aquela que vigorou nos demais pases perifricos parece ter sido interpretada por

    Furtado como uma evidncia da existncia, neste pas, de alguma dinmica democrtica

    de fato uma vez que falar em regime democrtico de direito17 soaria, como aqui

    exposto, absurdo . Enxergando as coisas deste prisma, esta dinmica hipottica teria

    sido capaz de subordinar os rumos da acumulao, em alguma medida e de algum modo,

    aos interesses da coletividade. Conjectura esta que seria aparentemente corroborada

    16 A anlise mais acurada dos dados sobre a economia coreana nos permite embasar bem estaperiodizao. Entre 1954 e 1960, a taxa mdia de crescimento real do PIB foi, na Coria do Sul, deminguados 4% ao ano. J entre 1961 e 1970, esta cifra subiu para 8,4% ao ano. Entre 1971 e 1980, osdados apontam para 7,1% ao ano. No perodo subseqente, entre 1981 e 1996, este ritmo atingiria 8,9% aoano. J entre 1997 e 2005, porm, o ritmo do crescimento coreano foi de apenas 4,1%. Ou seja, de fato, operodo de alto crescimento coincide exatamente com um perodo de liberdade altamente restringida.17 Pois no milagre coreano, a ditadura claramente o regime poltico tpico.

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    pelas freqentes menes na bibliografia aos xitos sul-coreanos em suas tentativas de

    dominar ramos mais nobres da gerao de tecnologia. Ou pela aparentemente agressiva

    insero comercial coreana. Ou pelos enormes avanos registrados pelo pas no campo

    educacional, etc.

    Evidentemente, a existncia da Coria do Norte socialista pode ser encarada um

    elemento capaz de ensejar o exerccio de um livre-arbtrio, digamos, mais prudente por

    parte das elites dominantes sul-coreanas, conduzindo a uma maior justia distributiva.

    Mas da a inferir a existncia de espao criativo suficiente germinao de uma

    vontade coletiva consistente no pas, parece um passo largo em demasia.

    Contudo, preciso lembrar que o prprio Furtado considerou, em diversas

    ocasies, a possibilidade de uma dinmica de dependncia em que os frutos do

    progresso fossem partilhados por camadas mais amplas da populao como o

    prprio Furtado ensina, o Uruguai seria o caso limite 18 , sem que isto alterasse em

    sequer um milmetro a relao de dependncia estrutural em relao ao centro do

    sistema capitalista e, portanto, configurasse um processo de subdesenvolvimento.

    Ou seja: em circunstncias histricas muito especficas, os frutos do crescimento

    poderiam, por que no, ser relativamente melhor distribudos, mesmo sem o surgimento

    prvio de mecanismos capazes de forjar uma vontade coletiva relativamente autnoma.

    Portanto, mesmo a despeito do comentrio sobre a Coria acima transcrito que,

    convm frisar, um comentrio apressado em um texto cujo escopo era outro ,

    procuraremos repensar, nos prximos captulos, a histria da industrializao coreana

    como uma industrializao nos marcos da dependncia e do subdesenvolvimento.

    18 Nas palavras de Furtado: Em casos extremos a modernizao [dos padres de consumo] pode abarcar oconjunto da populao conforme ocorreu no Uruguai (Furtado, 1980: 86).

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    CAPTULO 2 A Coria do Sul como Modelo: Retomando oDebate Dominante Sobre o Caso Coreano

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    2.1Introduo:

    Durante os anos 1960, 1970 e 1980, a Coria teve uma performance digna de nota

    em quase todos os indicadores relacionados ao desempenho de sua economia, como

    analisamos em detalhe no captulo anterior. Estes bons resultados atraram a curiosidade

    de muitos especialistas no Ocidente. Muitos deles tomaram para si, ento, a tarefa de

    apontar as razes desta extraordinria expanso.

    Como veremos nas sees a seguir, o objetivo mais tpico destas empreitadas

    analticas era desvendar qual seria o motor do crescimento coreano: um conjunto de

    polticas econmicas isolveis e preferencialmente passveis de replicao nos demais

    pases atrasados. Caracteristicamente, estas anlises se concentravam naquilo que

    ocorreu na economia do pas desde a criao da Repblica da Coria, em 1948. Sua

    estratgia investigativa mais comum era separar a histria da Repblica em dois

    perodos, a saber: 1) o governo de Syngman Rhee (1948-1960) e, 2) o perodo que se

    inicia depois de Revoluo Abril de 1960, cujo pice foi o governo ditatorial do general

    Park Chung Hee (1961-1979) 19 . Comparava-se, ento, o desempenho econmico

    apresentado pelo pas em cada ocasio, numa tentativa de explicar, a partir do arcabouo

    poltico-econmico vigente em cada momento, as diferenas de performance

    apresentadas pela economia ao longo do tempo.

    Como veredicto mais usual, condenava-se o rol de polticas da administrao de

    Rhee, quando o crescimento econmico do pas foi brando. De modo anlogo, exaltava-

    se o conjunto de polticas implantadas sob o governo Park, caracterizado pelo

    19 Oficialmente, o perodo de governo do General Park se estendeu de 1963 at seu assassinato, em 1979.No obstante, ele deteve o poder de fato tambm entre 1961 e 1963, quando presidiu o Supremo Conselhopara Reconstruo Nacional.

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    significativo crescimento econmico. Das caractersticas deste ltimo perodo

    procurava-se indicar, ento, uma receita para os demais pases subdesenvolvidos.

    Seria possvel dividir tais estudos, grosso modo, em duas grandes linhas

    interpretativas. Como procuraremos demonstrar, a primeira marcada pela filiao s

    premissas gerais da teoria neoclssica que, tipicamente, destaca os fundamentos

    corretos supostamente ali vigentes estrutura produtiva aberta e competitiva e

    estabilidade econmica , pr-requisitos tidos como capazes de induzir o investimento

    privado. A acumulao de capital fsico e humano seria, ento, o motor do

    crescimento, luz do respeito ao princpio das vantagens comparativas. Aqui e ali,

    estes autores podem atribuir alguma importncia ao Estado, mas seu elemento distintivo

    a concepo de que o deslanche do processo de crescimento prescinde de qualquer

    orquestrao por parte deste.

    J a segunda vertente de inspirao marcadamente heterodoxa: destaca o papel

    crucial dos Estados na promoo do desenvolvimento seja montando a infra-estrutura,

    criando empresas pblicas, distorcendo os mecanismos de preos, elegendo setores

    prioritrios, financiando e subsidiando os projetos industriais, reduzindo os riscos do

    investimento, disciplinando a mo-de-obra, investindo em cincia e tecnologia, etc. .

    A livre ao das foras do mercado no compreendida, assim, como capaz de fornecer

    os estmulos corretos para a promoo do crescimento econmico.

    Vejamos detalhadamente, ento, algumas das interpretaes mais difundidas

    acerca da industrializao coreana.

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    2.2 O Milagre do Rio Han numa Acepo Ortodoxa:

    2.2.1 Paul Kuznets e o Neoclassicismo Estrito:

    Paul W. Kuznets autor de um dos mais antigos trabalhos que procuram explicar

    a emergncia de uma Coria industrial. Em seu trabalho, o papel do Estado no

    reconhecido, em nenhum momento, como instrumento relevante para a instaurao do

    formidvel ciclo de crescimento econmico sul-coreano. Toda a anlise de Paul Kuznets

    repousa, assim, sobre as transformaes estruturais vivenciadas pelo pas: do campo

    para a cidade, de setores pr-modernos para setores modernos, de alta fecundidade para

    baixa fecundidade. Estes movimentos teriam ocorrido paralelamente ao fim de uma era

    de polticas intervencionistas, com a conseqente adoo de um arcabouo poltico-

    econmico mais liberal. Para Kuznets, como procuraremos demonstrar, o respeito s leis

    de mercado explicaria, sozinho, o propalado milagre. Se o Estado teve algum papel

    ativo no desenvolvimento industrial coreano, este teria sido o de entrave ao livre

    desenvolvimento das foras produtivas, durante o governo Syngman Rhee (1948-1960).

    Para o autor, uma das caractersticas mais relevantes do crescimento econmico

    coreano teria sido o crescente peso assumido pelo comrcio exterior na economia.

    Como evidncia, Kuznets cita que a razo entre a soma das exportaes com as

    importaes e o Produto Nacional Bruto teria crescido de 12%, no trinio 1953-55, para

    13%, no trinio em 1960-62, antes de atingir 44% no perodo 1970-72 (Kuznets, 1977:

    69). O crescimento da Coria foi, ento, um crescimento puxado por exportaes

    (Kuznets, 1977: 82, traduo minha).

    Segundo o autor, tal performance exportadora teria estado assentada nos custos

    salariais relativamente baixos vigentes no pas, decorrentes da abundncia de mo-de-

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    obra, da fraqueza dos sindicatos e da urbanizao. Assim sendo, a elevao do nvel

    salarial, j marcante no perodo em que escrevia, punha em xeque a estratgia

    exportadora coreana. Seu sucesso futuro iria depender, assim, da conservao da

    vantagem comparativa em setores intensivos em trabalho, ou do desenvolvimento de

    novas vantagens competitivas, o que no seria improvvel dado o cenrio de intensa

    mudana estrutural vivenciado pelo pas (Kuznets, 1977: 102).

    A modernizao coreana teria sido caracterizada, ainda, por um forte processo de

    deslocamento intersetorial da fora de trabalho, abandonando atividades onde o produto

    por trabalhador era baixo em busca de atividades mais produtivas. Isto , a populao

    deixava de ser predominantemente ligada ao campo para se envolver crescentemente em

    atividades urbanas. Assim, o produto mdio por trabalhador teria aumentado de 136.000

    Wn, no trinio 1953-55, para 151.000 Wn, no trinio 1960-62, e alcanado 249.000

    Wn no perodo 1970-72 (Kuznets, 1977: 53-56, 88). O autor conclui, portanto, que o

    crescimento acelerado depois de 1960-62 foi caracterizado, na Coria, por um cmbio

    estrutural radical (Kuznets, 1977: 87, minha traduo).

    Alm disto, o sucesso da estratgia coreana desde o governo Park Chung Hee,

    advoga o autor, estaria alicerado no combate s distores nos mecanismos de mercado,

    cuja persistncia, por sua vez, seria o mero corolrio das polticas de substituio de

    importaes implantadas no pas durante o governo Rhee. Entre estas medidas

    liberalizantes, Kuznets enxerga, sem penetrar muito nos detalhes, um suposto fim das

    restries s importaes e a adoo de uma poltica econmica liberal, que teria

    encorajado o aprofundamento da eficincia produtiva (Kuznets, 1977: 86-91).

    No custa advertir j problematizando que a Coria do Sul estava, poca,

    sob o regime autoritrio de um general que se celebrizaria por uma certa mxima

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    proferida no ano 1972: ao = poder nacional (Cumings, 1984: 32). Mesmo assim, o

    autor conclui que o programa de governo de Park promoveu uma reestruturao na

    qual medidas de poltica liberal foram adotadas para encorajar as foras de mercado que

    estimulariam a performance econmica (Kuznets, 1977: 91, minha traduo). Alm

    disto, no contexto de laissez-faire enxergado pelo autor, dficits comerciais e

    transferncias lquidas do resto do mundo teriam fornecido recursos para o uso

    domstico na Coria que, de outro modo, teriam estado indisponveis (Kuznets, 1977:

    75). Concluso: as polticas substitutivas de importaes teriam, unicamente, inibido o

    crescimento do pas no perodo anterior (Kuznets, 1977: 49).

    Sem devotar muito espao ao assunto, o autor descarta de antemo qualquer

    impacto decisivo da ajuda americana sobre a economia coreana: o custo de manter

    equipamentos militares super-dimensionados deve ser minimizado pela assistncia

    recebida para suport-los e pelos possveis benefcios econmicos gerados pelas

    atividades militares (Kuznets, 1977: 91, minha traduo).

    Os argumentos aqui esboados, que adiante se revelariam ajustados ao Consenso

    de Washington e, talvez por isto, tenham sido to replicados pela grande mdia, no

    foram capazes de saciar os espritos neoclssicos mais cuidadosos. Por isto, outros

    autores desta escola penetrariam mais profundamente no caso coreano, produzindo

    anlises mais bem fundamentadas, ainda que com concluses semelhantes. Adiante

    veremos um destes trabalhos, pouco posterior ao de Kuznets.

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    laos que uniam a colnia sua antiga metrpole, o comrcio exterior coreano foi

    reduzido a uma minscula frao daquilo que fora antes da II Guerra, permanecendo

    assim durante a Guerra da Coria. neste contexto que surge a ajuda externa norte-

    americana. Anne Krueger faz uma pormenorizada anlise quantitativa da magnitude

    deste apoio americano Coria do Sul, mostrando o quanto sua economia havia se

    tornado dependente dos Estados Unidos. Os dados que a autora apresenta,

    especialmente aqueles relativos aos anos 1950, so realmente impressionantes. A ajuda

    externa teria chegado a atingir o pico de 86,6% das importaes totais coreanas no ano

    de 1957. (Krueger, 1982: 8-10, 67).

    De acordo com Krueger, o auxlio americano fora concebido para servir a trs

    propsitos de cunho geo-estratgico: 1) estabelecer uma Coria livre e independente,

    2) tornar a Coria um pas forte o suficiente para contribuir com a estabilizao do

    Continente Asitico e, 3) fazer do pas um arqutipo de democracia na sia (Krueger,

    1982: 12-13). Neste contexto, o governo americano abriu seu cofre Coria com

    inusitada generosidade, como se evidencia pelos dados esmiuados na Tabela 2.2.2.1.

    TABELA 2.2.2.1 - Ajuda Total Recebida e sua Importncia, 1953-1960

    Ano 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960

    Ajuda totalrecebida emmilhes dedlares

    201,2 179,9 236,7 293,7 382,9 321,3 222,2 245,4

    Importaestotais emmilhes dedlares

    345,4 243,3 341,4 386,1 442,1 378,2 303,8 343,5

    Ajuda como %dasimportaes

    58,3 73,9 69,3 76,1 86,6 84,9 73,1 71,4

    Fonte: Krueger (1982: 67) apudBANK OF KOREA, Economic StatisticsYearkook, 1960 e 1974 e FMI, International Financial Statistics, Maio de 1976.

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    A autora confere, tambm, alguma importncia analtica a certos fatores extra-

    econmicos. Neste contexto, Krueger reconhece que, paralelamente ajuda material, a

    administrao militar americana exerceu outros papis construtivos para o deslanche da

    economia coreana. Dentre eles, talvez um dos mais significativos tenha sido o de fazer

    com que a taxa de alfabetizao pulasse de 20%, imediatamente aps a Liberao, para

    71% apenas dois anos e meio mais tarde (Krueger, 1982: 23).

    Ainda segundo Krueger, o legado americano vai alm. Outra medida apontada

    seria a distribuio de terras promovida pelo governo de ocupao. Aps a capitulao

    dos japoneses, cerca de 487.621 acres 20 foram vendidos a 502.072 agricultores. Isto

    representou 96% daquilo que havia sido propriedade dos japoneses. Alm disto, a

    Constituio elaborada pelos americanos previa a realizao de uma reforma agrria nas

    demais terras do pas, o que fez com que, entre 1949 e o princpio da Guerra da Coria,

    a maioria dos aristocratas rurais fracionasse e colocasse venda suas terras, temendo o

    baixo valor das indenizaes a serem pagas pelo governo (Krueger, 1982: 19-21).

    Porm, a despeito da generosidade do governo americano, Anne Krueger

    argumenta que, como resultado da separao da economia coreana de seu antigo centro

    gravitacional o Japo e, alm disto, como conseqncia da destruio provocada

    pelas guerras, a economia se manteve estagnada at 1953. Somente a partir da seria

    possvel falar em crescimento econmico no pas (Krueger, 1982: 41).

    Mas retornemos aos elementos econmicos. luz das concluses da autora,

    configurou-se na Coria um peculiar sistema de substituio de importaes. Nele, a

    ajuda externa, e no as exportaes, geravam os recursos necessrios montagem do

    setor interno. Evidencia-se, a, o quo dependente do fluxo de ajuda americana era a

    20 Cada acre equivale a 4.046,8564224m.

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    Coria: o pas precisava de ajuda tanto para o funcionamento cotidiano por exemplo,

    no caso do suprimento de gasolina , quanto para a continuidade da consolidao de

    seu parque produtivo. Mas, segundo a autora, esta dependncia no parecia afligir o

    ento presidente Syngman Rhee, que parecia dar a continuidade da ajuda como algo

    certo (Krueger, 1982: 58, 75, 78).

    Esta postura mudaria a partir de 1957, quando autoridades americanas comearam

    a deixar claro que o volume de ajuda teria que diminuir e, assim sendo, o arcabouo

    poltico-econmico coreano teria que mudar. neste contexto que o perodo entre 1960

    e 1965 seria um divisor de guas na estratgia de crescimento coreana. A partir da, a

    extroverso predominaria sobre a substituio de importaes (Krueger, 1982: 80-82).

    Os dados da Tabela 2.2.2.2 demonstram que a ajuda externa realmente no cresceu neste

    perodo, a despeito do nada desprezvel crescimento da economia coreana. Aps 1972,

    segundo a autora, a ajuda passaria histria (Krueger, 1982: 152).

    TABELA 2.2.2.2 - Ajuda Total Recebida, 1961-1965

    Ano 1961 1962 1963 1964 1965

    Ajuda totalrecebidaem milhesde dlares

    192,8 245,5 252,3 164,8 176,9

    Fonte: Krueger (1982: 113), conforme dados do USAID.

    Em sntese, para Krueger (1982: 82-158) as polticas de substituio de

    importaes do governo Syngman Rhee teriam sido incapazes de reverter a dependncia

    externa do pas e, assim, a nica sada disponvel para o pas teria sido a insero

    exportadora, o que teria acontecido sob o General Park. Passados mais alguns anos, esta

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    nova estratgia de crescimento seria apregoada como um modelo para os demais

    pases atrasados. Os resultados coreanos so de fato impressionantes: as exportaes

    saltaram de US$ 250 milhes, em 1966, para US$ 835 milhes, em 1970, US$ 1.624

    milhes, em 1972 e, US$ 5.081, em 1975. A autora sentencia: o sucesso da guinada

    para a promoo de exportaes foi realmente fenomenal (Krueger, 1982: 99, 117,

    traduo minha).

    importante notar que o papel do Estado nesta estratgia, reconhecido aqui como

    importante, teria passado ao largo da distoro de preos, pelo menos pelo lado das

    exportaes 21. O Estado teria adotado uma poltica de preos realista que, valendo-se

    das vantagens comparativas do pas, teria ensejado a insero internacional do pas. As

    medidas de estmulo discricionrio enxergadas pela autora teriam sido, ento, de outra

    natureza. Um exemplo bem sucedido deste tipo de interveno teria sido a criao de

    uma agncia de promoo das exportaes a KOTRA destinada a dar aos

    exportadores assistncia de marketing e qualidade. Outro exemplo teria sido a criao

    de um mecanismo de metas de exportao, punindo quem no cumpria tais metas com a

    suspenso da licena de importador. Um terceiro mecanismo teria sido a entrega da

    Medalha de Honra Nacional aos mais florescentes exportadores (Krueger, 1982: 97-99).

    Alm do estmulo s exportaes, a autora destaca, tambm, o forte ingresso de

    capital externo sob a forma de emprstimos para o sistema bancrio, principalmente a

    partir da reforma nas taxas de juro internas