dissertação márcio lemos - publicação dr. steven maynard-moody
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FUNDAO GETLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAO PBLICA E DE EMPRESAS
MRCIO COSTA DE LEMOS
A LEALDADE DOS SERVIDORES PBLICOS BRASILEIROS:
uma anlise na rea de segurana pblica do Distrito Federal.
Rio de Janeiro
2012
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FUNDAO GETLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAO PBLICA E DE EMPRESAS
MRCIO COSTA DE LEMOS
A LEALDADE DOS SERVIDORES PBLICOS BRASILEIROS:
uma anlise na rea de segurana pblica do Distrito Federal.
Dissertao apresentada Banca
examinadora do Mestrado Acadmico em
Administrao da Escola Brasileira de
Administrao Pblica e de Empresas -
EBAPE da Fundao Getlio Vargas -
FGV, como requisito parcial para
obteno do grau de Mestre em
Administrao.
Orientadora: Profa Dr
a Alketa Peci
Rio de Janeiro
2012
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Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Lemos, Mrcio Costa de
A lealdade dos servidores pblicos brasileiros : uma anlise na rea de segurana
pblica do Distrito Federal / Mrcio Costa de Lemos. - 2012.
77 f.
Dissertao (mestrado) - Escola Brasileira de Administrao
Pblica e de Empresas, Centro de Formao Acadmica e Pesquisa.
Orientadora: Alketa Peci.
Inclui bibliografia.
1. Servidores pblicos. 2. Lealdade administrativa. 3. Comprometimento organizacional. 4. Burocracia. 5. Processo decisrio. 6. Discricionariedade administrativa. 7.
Responsabilidade administrativa. I. Peci, Alketa. II. Escola Brasileira de Administrao
Pblica e de Empresas. Centro de Formao Acadmica e Pesquisa. III. Ttulo.
CDD 352.3
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DEDICATRIA
A meu grande amigo e companheiro de
todas as jornadas Marclio Mrcio.
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AGRADECIMENTOS
Professora Alketa Peci, pela valorosa orientao e ainda pela pacincia, ateno, incentivo,
crticas e sugestes, durante a elaborao da dissertao.
Ao Professor Joaquim Rubens Fontes Filho, por todo apoio e direo, pela indicao de
orientao na realizao deste trabalho, pela dedicao na conduo do curso e de sua disciplina,
pelo acompanhamento e incentivo constante, assim como pelos timos ensinamentos, e por toda a
ateno dada aos alunos da turma de Mestrado em Administrao Pblica, de forma que rendo a
ele minha grande gratido.
Aos excelentes professores da FGV, verdadeiros mestres, por todas as lies ensinadas e
conhecimento transmitido.
Ao PRONASCI, SENASP e ao Ministrio da Justia, pela viabilizao e patrocnio do curso.
Claudia Ferreira, sempre diligente, pela interminvel pacincia e pela importante e incansvel
assistncia junto FGV, desde o incio at a concluso do curso.
A Direo da Polcia Civil do Distrito Federal pelo apoio irrestrito para participao neste curso e
concluso dos trabalhos.
Aos colegas e amigos da segurana pblica do DF pelo tempo e disposio em responder
atenciosamente s entrevistas, compartilhando experincias que enriqueceram a pesquisa.
A meus pais, Helena e Marclio Mrcio, pelo apoio e estmulo constante. Sempre foram modelos
de profissionalismo e carter, sem os quais no teria traado esta trajetria profissional e
acadmica.
A todos os que, por alguma falha momentnea, no tenha sido mencionado.
Muito obrigado!
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Homo sum, humani nihil a me alienum puto.
Terncio
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RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo contribuir para compreenso dos vnculos de lealdade que
orientam a atuao dos servidores pblicos brasileiros. Aps a reviso bibliogrfica, foram
realizadas entrevistas a fim de coletar e analisar as percepes dos profissionais. O estudo
focou em funcionrios da segurana pblica do DF, como peritos criminais, delegados e
policiais, abrangendo aqueles que atuam na linha de frente, assim como chefes e dirigentes.
Adaptou-se o referencial terico de Maynard-Moody e Musheno (2003), assim como o de De
Graaf (2010), acerca da lealdade dos servidores pblicos e buscou-se reunir narrativas que
ilustrassem situaes cotidianas em que as decises so tomadas e a discricionariedade
exercida. Nesse sentido, procurou-se investigar as instncias de reponsabilidade mais
representativas, assim como possveis tenses e conflitos, sobretudo em um panorama em que
governana e accountability esto em evidncia. Os regulamentos so sempre rigorosamente
cumpridos? Ou haveria um juzo de ponderao moral abrangendo outras facetas e interesses?
Respondidas estas questes, procedeu-se o cotejo entre os resultados obtidos e aqueles
oriundos das pesquisas referenciais. Por fim, tambm se procurou entabular tpicos que
possam ser desenvolvidos como desdobramentos desta pesquisa.
Palavras-chave: Lealdade. Servidores Pblicos. Burocracia. Linha de Frente. Alto Escalo.
Tomada de Deciso. Discricionariedade. Governana. Accountability.
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ABSTRACT
This research aims to contribute to understand the bonds of loyalty that guide the actions of
the Brazilian civil servants. Following the literature review, interviews were conducted to
collect and analyze the perceptions of professionals. The study focused on public safety
employees of Brazilian Federal District, as forensics experts, police chiefs and officers,
including those working on the front lines, as well as leaders. Adapted the theoretical
reference from Maynard-Moody and Musheno (2003), and from De Graaf (2010), about the
loyalty of civil servants, the study tried to gather narratives that illustrate everyday situations
in which decisions are taken and discretion is exercised. Accordingly, we sought to
investigate instances the most representative of responsibility, as well as potential tensions
and conflicts, especially in a scenario where governance and accountability are in evidence.
Regulations are always strictly observed? Or is there a judgment of moral evaluation that
considers other facets and interests? Answered these questions, we proceeded to the
comparison between the results and those from the research references. Finally, also sought to
engage in topics that can be implemented as a development of this research.
Keywords: Loyalty. Civil Servants. Bureaucracy. Front Line. Top Public Administrators.
Decision Making. Discretion. Governance. Accountability
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LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Composio da amostra .................................................................................. 38
Quadro 02 Categorias alvo de tratamento diferente ......................................................... 52
Quadro 03 Principais grupos de influncia....................................................................... 57
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Organograma SSP/DF ...................................................................................... 45
Figura 02 Organograma PCDF ......................................................................................... 46
Figura 03 Famlia hipossuficiente .................................................................................... 56
Figura 04 Objeto motivo de priso ................................................................................... 56
Figura 05 Ao policial em Braslia ................................................................................. 62
LISTA DE SIGLAS
PCDF - Polcia Civil do Distrito Federal
DETRAN-DF - Departamento de Trnsito do Distrito Federal
SSP-DF - Secretaria de Segurana Pblica do Distrito Federal
DGPC - Direo Geral da Polcia Civil
CBMDF - Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
PMDF - Polcia Militar do Distrito Federal
CF - Constituio Federal
SESIPE-DF - Subsecretaria do Sistema Penitencirio do Distrito Federal
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SUMRIO Agradecimentos, 5
Dedicatria, 6
Resumo, 8
Abstract, 9
Lista de Quadros, 10
Lista de Figuras, 10
Lista de Siglas, 10
1 O PROBLEMA
1.1 Introduo ............................................................................................................ 13
1.2 Objetivos .............................................................................................................. 16
1.3 Suposio ............................................................................................................. 17
1.4 Delimitao do Estudo ......................................................................................... 17
1.5 Relevncia do Estudo ........................................................................................... 19
1.6 Definio dos Termos .......................................................................................... 22
2 REFERENCIAL TERICO
2.1 A Lealdade dos Servidores Pblicos .................................................................... 26
2.2 A Linha de Frente................................................................................................. 28
2.2.1 O Panorama Atual.................................................................................... 28
2.2.2 A Identidade dos Servidores Pblicos ..................................................... 29
2.2.3 O Processo de Tomada de Deciso .......................................................... 30
2.3 Os Administradores do Alto Escalo ................................................................... 31
2.3.1 O Papel dos Administradores Pblicos.................................................... 31
2.3.2 O Conceito de Lealdade........................................................................... 32
2.3.3 Os Tipos de Administrador Pblico ........................................................ 33
2.4 A Linha de Frente e a Nova Gesto Pblica ........................................................ 34
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3 METODOLOGIA
3.1 Tipo de Pesquisa .................................................................................................. 36
3.2 Universo e Amostra.............................................................................................. 37
3.3 Coleta de Dados ................................................................................................... 39
3.4 Tratamento de Dados ........................................................................................... 40
3.5 Limitaes do Mtodo.......................................................................................... 41
4 RESULTADOS E ANLISES
4.1 Contexto Institucional .......................................................................................... 43
4.2 Grau de Discricionariedade .................................................................................. 46
4.3 Vnculos de Lealdade ........................................................................................... 47
4.3.1 Normas e Regulamentos .......................................................................... 48
4.3.2 Beneficiados e Prejudicados .................................................................... 49
4.3.3 Grupos e Fatores de Influncia ................................................................ 57
5 DISCUSSO E CONCLUSO, 63
APNDICE Roteiro de Entrevista, 67
REFERNCIAS, 71
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1 PROBLEMA
1.1 Introduo
Para quem trabalham de fato os servidores pblicos?
A resposta a esta questo extremamente complexa, envolve uma srie de fatores distintos e
depende do grau de discricionariedade disponvel em um panorama em que as estruturas so
cada vez mais diferenciadas.
O fato que hoje j no se concebe mais a viso tradicional do funcionalismo pblico
conforme a administrao burocrtica racional-legal weberiana, em que os papis so muito
bem definidos, em especial pela separao entre polticos que tomam decises e
administradores pblicos que as executam (BRESSER-PEREIRA, 1996). Parece superada a
precursora distino ou dicotomia wilsoniana onde polticos eleitos elaboram as polticas
pblicas e os servidores administram como servos fieis de seus mestres polticos (WILSON,
1887).
A perspectiva de implementao de polticas pblicas decorrente dessa ideia e descrita por
Hill e Ham (1993) como do tipo policy-centered, no prospera mais atualmente, pois esta
viso no contempla o processo criativo da administrao e deixa de considerar diversos
outros fatores recentes.
Este ponto adquire relevncia em uma sociedade contempornea complexa, dinmica,
fragmentada e com mltiplas camadas (SRENSEN; TORFING, 2009), principalmente
quando os temas responsabilizao, accountability (controle pblico sob a ao do Estado),
Nova Gesto Pblica e at mesmo Nova Governana Pblica e Gesto de Redes (estruturas
policntricas) esto em evidncia nos debates acadmicos e na literatura cientfica
(OSBORNE, 2006). A tendncia natural das burocracias de responder vagarosamente a
mudanas complexas do ambiente no mais tolerada (AGRANOFF; McGUIRE, 2001).
Portanto, compete aos servidores pblicos entregarem diversos servios segundo um conceito
de administrao pblica moderna, eficiente, controlada por resultados, voltada para o
atendimento do cidado-cliente envolvendo uma srie de responsabilidades (BRESSER-
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PEREIRA, 1996). Os oramentos a serem gerenciados so enormes, as demandas por
economia e eficincia so crescentes e os cidados esperam a cada dia melhorias na qualidade
dos servios de que dependem diariamente, conferindo aos servidores uma srie de novas
atribuies e de novas pessoas a quem devem prestar contas (POLLITT; BOUCKAERT,
2000).
No contexto da Nova Governana Pblica, por exemplo, espera-se que o servidor pblico atue
com iniciativa, propriedade e consistncia em uma rede mutante composta por stakeholders
locais, nacionais e internacionais. Almeja-se que haja voz para os diversos interesses, para os
possveis acordos, parcerias e negociaes (POLLITT; BOUCKAERT, 2000). Com efeito,
pode-se afirmar que a mudana nas identidades e percepes dos atores, assim como nos
papeis de polticos e servidores pblicos contemporneos os aproximam em suas funes
(SRENSEN; TORFING, 2009).
Em uma sociedade informacional (CASTELLS, 1999), a regra oferecer uma resposta
funcional de interao/cooperao para incrementar legitimidade e efetividade aos processos,
incluindo arranjos pblico-privados, negociao coordenada, governana interativa,
colaborativa ou social-poltica (KOOIMAN, 1999). As demandas que se apresentam
requerem conhecimento compartilhado, flexibilidade, adaptao, ajustes e comprometimento
de recursos da para soluo de problemas imediatos no somente pela agregao de
tomadores de deciso. Na gesto de redes, por exemplo, a delegao de poder (empowerment)
baseada na informao mais do que na autoridade (AGRANOFF; McGUIRE, 2001).
No cenrio acima descrito, o que orienta de fato a prestao dos servios e a tomada de
deciso por parte dos servidores pblicos? Quem o verdadeiros patro desses funcionrios?
Qual sua real liberdade para decidir o que fazer e como fazer?
Cada cultura e cada rea da atuao humana apresentam, em sua construo social, condies
especficas que determinam as instncias para as quais as pessoas orientam seu dever de
responsabilidade legal e moral.
Em termos de filosofia moral, o comprometimento com a humanidade. Na esfera legal e
poltica, via de regra, as instncias institucionais so as mais relevantes. No campo religioso, a
questo transcendental. Alm disso, podem ser mencionados diversos outros aspectos como
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a responsabilidade natural (dos pais para com os filhos, por exemplo) e responsabilidade com
o passado, muito comum na cultura oriental (THIRY-CERQUES, 2008).
A questo que quando se trata de pessoas, neste caso servidores pblicos, preciso lembrar
que todos so tambm membros de diferentes grupos profissionais e sociais distintos, que
compem seu universo relacional. Alguns desses grupos dizem respeito ao gnero, orientao
sexual, etnia, religio, ou classe social e econmica. As pessoas possuem atributos diferentes,
assim como ideias, valores, interesses, aspiraes e papis tambm distintos (RUA, 2009).
Naturalmente, esses fatores tm grande relevncia no comportamento individual, a depender
das circunstncias de cada pessoa, da percepo e do seu vnculo/comprometimento. Da
surge a subjetividade e a intersubjetividade como algo inerente a cada indivduo que est
misturado no mundo (FRAGA, 2009). Deste modo, a vida em sociedade tornou-se
complexa, envolvendo mltiplas possibilidades de cooperao, competio e conflito, com
novas responsabilidades e novas instncias de responsabilizao surgindo a cada dia.
Alm disso, um fato concreto experimentado por um servidor pblico em sua instituio
(reclamaes, investigaes, pronunciamento da justia, atuao da corregedoria, repercusso
na imprensa, etc) pode suplantar todas essas instncias de responsabilidade e alterar
significativamente sua maneira de agir.
Compreender a razo das aes dos servidores pblicos importante para que as causas se
esclaream, porque elas so efetivamente circunstncias na histria das organizaes
(FRAGA, 2009).
Com esse objetivo, foram coletadas informaes, opinies e narrativas, por meio de
entrevistas semiestruturadas, que ilustram a complexidade desse comportamento. Nesta
investigao, procurou-se identificar e analisar as condicionantes, motivaes e crenas, assim
como posies pr-constitudas, ambguas e contraditrias. Para tanto, foram abordados tanto
funcionrios da linha de frente quanto aqueles que ocupam cargos de chefia e de direo.
Por fim, o presente texto apresenta, ainda que brevemente, alguns tpicos a serem
posteriormente discutidos, considerando que as organizaes que atuam ao nvel da rua
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(streetlevel bureaucracy) tm participao fundamental na implementao de polticas
pblicas (LIPSKY, 1980).
1.2 Objetivos
Esta pesquisa teve por objetivo compreender o que determina as decises dos servidores
pblicos brasileiros da rea de segurana pblica.
Em outras palavras, a pesquisa props-se a compreender que vnculos de lealdade, balizadores
de comportamento e instncias de responsabilizao orientam a atuao desses servidores.
Almejou ainda investigar e analisar os graus de liberdade e discricionariedade dos
funcionrios, assim como a existncia de conflitos e tenses.
Assim, possvel questionar, no contexto verificado, como sua atuao e as estruturas das
interaes podero influenciar na implementao de polticas pblicas e nas intervenes
estatais.
Para tais objetivos especficos, torna-se necessrio alcanar certos objetivos intermedirios,
definidos por Vergara (2009) como aqueles de cujo atingimento depende o prprio alcance do
objetivo final que orienta a pesquisa:
a) Coletar informaes e analisar o atual panorama do servio
pblico na rea de segurana pblica do DF, sob a tica de um
sistema social dinmico, identificando padres de
comportamento e relaes entre elementos;
b) Coletar a percepo do pblico-alvo da pesquisa, a saber,
funcionrios pblicos que atuam na segurana pblica do
Distrito Federal, aqui includos os que atuam na linha de frente e
aqueles que ocupam cargos de chefia e direo;
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c) Analisar a forma como o processo de tomada de deciso
levado a efeito pelos servidores, identificando os balizadores
que influenciam seu comportamento;
1.3 Suposies
O servidor pblico, atuando tanto na linha de frente quanto em cargos de chefia e direo, em
rgos que lidam diretamente com o pblico, se depara como uma srie de instncias de
responsabilizao no exerccio do seu poder discricionrio.
Nesse contexto, nem sempre as leis e as ordens superiores seriam rigorosamente cumpridas.
No dia-a-dia, haveria um juzo de ponderao moral que considera outras facetas, tais como:
orientao poltica, a situao da vtima, as diferenas sociais/econmicas, as condies
vulnerveis do prprio autor de crime ou, por outro lado, sua crueldade ou insolncia.
1.4 Delimitao do Estudo
A rea da segurana pblica ampla e extensa, envolvendo diversos segmentos e servidores,
inclusive diversas polcias (ostensivas, investigativas e repressivas), com variadas funes,
desde a preveno, investigao e reabilitao.
Portanto, de modo a delimitar o presente a uma esfera no proibitiva, composta somente por
objetos efetivamente operacionalizveis, este trabalho se restringiu ao mbito de peritos
criminais, delegados de polcia e policiais do Distrito Federal, acerca dos quais obteve dados,
exemplos e suposies. Percepes ou indicadores oriundos de outros ramos da segurana
pblica no foram abordados.
Quanto ao aspecto geogrfico, entendeu-se que o estudo deveria ser circunscrito Braslia
DF, por deter tima representatividade em relao s caractersticas nacionais, sobretudo por
ser um polo de atrao do funcionalismo pblico, cujos candidatos se apresentam de todas as
unidades da federao.
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Alm disso, optou-se por lidar exclusivamente com unidades que atuam ao nvel da rua, pois,
na atividade pblica moderna, muito complexa a responsabilizao direta pelas aes e
decises.
O alongamento dos nveis decisrios entre a atividade legislativa e de definio de polticas
pblicas at sua implantao na linha de frente contribuem para distanciar as decises
polticas de seus efeitos. Nem sempre a burocracia de rua compreende algo to abstrato como
uma poltica (RUA, 2009). Trabalhando com unidades que atuam ao nvel da rua, pode-se
diminuir esta distncia.
Outro aspecto a ser registrado que, a despeito de recorrentes denncias que permeiam os
noticirios, no se procurou, neste trabalho, investigar influncias esprias na atuao dos
servidores, tais como corrupo e clientelismo. Tratam-se de tpicos a serem abordados em
pesquisas especficas.
Por fim, preciso mencionar que a abordagem aqui adotada como marco referencial
concentrou-se em duas pesquisas: a primeira realizada por Maynard-Moody e Musheno
(2003) e a segunda por De Graaf (2010).
Conforme detalhado mais adiante, na seo REFERENCIAL TERICO, Maynard-Moody e
Musheno (2003) realizaram, nos Estados Unidos, um amplo estudo baseado em entrevistas e
narrativas, cujo tema central a burocracia ao nvel da rua e o desenvolvimento cotidiano de
seu processo decisrio.
Por seu turno, De Graaf (2010) desenvolveu uma pesquisa na Holanda enfocando a imagem e
o papel do administrador pblico moderno e profissional, que goza de alto grau de liberdade e
poder discricionrio. Em suma, aquele estudo d nfase ao servidor de baixo escalo e este
aos funcionrios da alta Administrao.
Posto isso, buscou-se a reflexo e discusso acerca das concluses dessas pesquisas.
Entendeu-se relevante verificar se o espelho internacional pode ser aproveitado em parte, ou
na sua totalidade, ao contexto nacional.
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1.5 Relevncia do Estudo
A partir do final da dcada de 1960 e incio da dcada de 1970 iniciou-se um perodo de
crescente preocupao com a efetividade das polticas pblicas (policy work) e da governana.
Esta inquietao desdobrou-se em uma srie de iniciativas para aperfeioar o contedo
poltico das decises governamentais, o processo de tomada de deciso, a coordenao
poltica e as principais estruturas de gesto e entrega de servios (BARRETT, 2004).
Inicialmente, os estudos focavam o processo de elaborao das polticas pblicas,
considerando to-somente uma perspectiva hierrquica. Na concepo weberiana de
separao entre tomadores de deciso e burocracia (BRESSER-PEREIRA, 1996), entendia-se
que as polticas pblicas, uma vez formuladas e legitimadas, deveriam ser simplesmente
executas pelo sistema administrativo, ou seja, pelos burocratas.
Assim, quaisquer ineficincias seriam decorrentes de falhas no alto nvel poltico.
Contudo, conforme esclarece Barrett (2004), fazendo referncia a Heclo (1972), o
desenvolvimento das pesquisas acadmicas na rea de polticas pblicas resultou na
percepo de que uma srie de outros fatores podem acarretar falhas na implementao
(implementation failure), e o foco foi ento direcionado tambm para a base da pirmide. Esse
contexto significa que se tornou relevante deixar de ater-se to somente aos resultados, e
investigar os motivos pelos quais as falhas acontecem, analisando-se o processo de
transformao das polticas em ao, ou seja, concentrando-se na prpria implementao.
Entre os fatores-chave identificados, h a ausncia de objetivos claros, permitindo
interpretaes diversas e discricionariedade na interpretao, multiplicidade de atores e
agncias envolvidos, valores e interesses diferentes entre atores e agncias, tanto internos
quanto externos, e a relativa autonomia das agncias implementadoras com poucos
mecanismos de controle (BARRETT, 2004).
Nesse panorama, considerando os novos arranjos institucionais com participao cidad, em
que h corresponsabilizao pelas polticas e seus resultados, a questo da discricionariedade
dos agentes de rua comeou a ser amplamente estudada. Verificou-se que o poder
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discricionrio pode ser usado por aqueles que atuam na linha de frente para preencher lacunas
na ausncia de regras claras ou para negociar alteraes das polticas pblicas na prtica
segundo o discernimento individual do servidor (LIPSKY, 1980). Pressman e Wildavsky
(1973) assinalam que esse fenmeno pode resultar inclusive na subverso dos objetivos
originais da poltica.
Com efeito, os servidores pblicos, em especial dos nveis mais baixos da estrutura
administrativa (atores invisveis), controlam grande parte dos recursos de autoridade,
informao e conhecimento do processo administrativo.
Embora no possuam mandato, estes profissionais possuem clientelas setoriais que compem
seu universo relacional. Alm disso, esses burocratas podem possuir projetos polticos
prprios. Tais projetos podem contemplar questes pessoais, como promoes,
reconhecimento em termos de poder ou de gratificaes materiais ou simblicas, ou questes
organizacionais, como a fidelidade instituio, o crescimento da organizao qual
pertencem, entre outras coisas (RUA, 2009).
Rua (2009) lana luz sobre o fato de que cada indivduo tem uma srie de interesses prprios
que resultam em conflitos entre polticos e burocratas, assim como entre servidores de
diferentes unidades e rgos.
Assim, percebe-se que o comportamento dos servidores pblicos uma fundamental
engrenagem do sistema de implementao das polticas pblicas. Portanto, torna-se um tema
extremamente relevante, em especial em um momento que se busca maior responsabilizao e
efetividade nas prticas de governana.
Compreender a participao dos diversos atores envolvidos, em especial dos servidores,
fundamental para o aperfeioamento das decises, assim como para o desenvolvimento e a
implementao das polticas pblicas que mais bem atendam sociedade (PRESSMAN;
WILDAVSKY, 1973)
Com efeito, quando se trata de um Estado democrtico de direito, os temas que abordam a
relao entre poltica e burocracia, assim como os possveis controles democrticos sobre a
burocracia adquirem grande relevncia.
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21
A reforma do Estado, por exemplo, requer o estudo de seus papis, que consistem, por um
lado, em equip-lo com instrumentos para uma interveno efetiva e, por outro, em criar
incentivos para que os funcionrios pblicos atuem de modo a atender o interesse pblico
(PRZEWORSKI, 2003, p. 40).
Nesse tpico afloram algumas questes centrais que requerem anlise. Como enfatiza
Przeworski (2003), preciso considerar a separao entre propriedade e gesto, os conflitos
de agncia, a assimetria de direitos e de informao, o alinhamento de interesses e eventuais
tomadas de deciso coletiva.
Posto isso, parece que no se tem realizado, especificamente no Brasil, discusso relevante
sobre a relao poltica e burocracia na perspectiva democrtica. Na prtica, o tema tem sido
negligenciado pela literatura nacional (OLIVIERI, 2011).
Assim, entendemos que a presente pesquisa pode contribuir para a compreenso de questes
atuais como qualidade e eficincia da gesto pblica, responsabilizao de governantes e de
servidores perante a sociedade e democratizao do Estado. Nesse panorama, preciso
considerar que:
A burocracia no apenas o conjunto dos funcionrios pblicos e dos processos administrativos, mas um dos fundamentos do exerccio
do poder estatal e do governo democrtico, e por isso necessria a
compreenso sobre sua composio, seu funcionamento e sua relao
com os dirigentes polticos eleitos (OLIVIERI, 2011, p. 1396).
Quanto ao enfoque na rea de segurana pblica, preciso enfatizar que se trata efetivamente
de um tema importante e que mobiliza a opinio pblica. O custo financeiro do crime e da
violncia volumoso (BRAND; PRICE, 2000), seja na manuteno do sistema de justia
criminal (MAGUIRE; PASTORE, 1994) ou pelo prprio prejuzo financeiro e psicolgico
causado s pessoas (MILLER; COHEN; WIERSEMA, 1996).
Ademais, polticas pblicas ineficazes nessa rea produzem resultados que se agravam
progressivamente. Wilson e Kelling (1982) esclarecem, por exemplo, em sua Teoria das
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Janelas Quebradas, que a ausncia de atuao efetiva na desordem social e nos pequenos
delitos acarreta uma escalada crescente de crimes mais graves.
A importncia da segurana pblica encontra-se registrada tambm na Constituio Federal
Brasileira CF (BRASIL, 1988), que preceitua que esta dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, sendo exercida para preservao da ordem pblica e da
incolumidade das pessoas e do patrimnio.
A eficincia do sistema de segurana pblica e de justia criminal tem ainda relevante e direto
impacto para os cidados, a depender das decises tomadas na linha de frente, pela forma de
atendimento, etc. A mltipla vitimizao, assim como a vitimizao secundria, por exemplo,
so questes cada vez mais estudadas pelo meio acadmico (SHAPLAND; WILLMORE;
DUFF, 1985; MAGUIRE, 1991; SYMONDS, 1980).
Acrescente-se o fato de os cidados se tornarem frequentemente a parte esquecida (VIANO,
1978) ou mesmo a questo de a violncia policial ter razes tambm no prprio cotidiano
operacional das organizaes policiais (SKOLNICK, 1993). Deste modo, torna-se importante
estudar esse segmento.
Esta a relevncia almejada pelo presente trabalho: contribuir para uma discusso crtica e
reflexiva acerca da lealdade dos servidores pblicos que atuam na rea de segurana pblica,
fomentando um dilogo entre universidade, Estado e sociedade civil, analisando o papel
desses atores, fornecendo informaes para o entendimento de possveis modelos de
aperfeioamento do servio pblico.
1.6 Definio dos Termos
Considerando-se que um mesmo termo pode ter significados diferentes para diferentes
pessoas e contextos (VERGARA, 2009), so apresentadas a seguir breves definies a fim de
alertar o leitor para como determinados termos-chave devem ser compreendidos no decorrer
deste estudo.
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a) Discricionariedade: uma pequena liberdade concedida aos
administradores pblicos, para agirem de acordo com o que
julgam conveniente e oportuno diante de determinada situao.
Liberdade para decidir em face das circunstncias concretas do
caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilizao
de critrios prprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe
parea ser o melhor meio de satisfazer o interesse pblico que a
norma legal visa a realizar (MELLO, 2009).
b) Implementao de Poltica Pblica: Conjunto dos eventos e
atividades que acontecem aps a definio das diretrizes de uma
poltica, que incluem tanto o esforo para administr-la, como
seus substantivos impactos sobre pessoas e eventos (RUA,
2009).
c) Lealdade (loyalty): Vinculao. Dever de responsabilidade.
Vontade e a dedicao prtica de uma pessoa a um objeto (DE
GRAAF, 2010). No se trata de vinculo afetivo, mas prtico.
Princpio tico que juntamente boa-f constituem o princpio
da moralidade administrativa, cuja violao configura ilicitude
jurdica (MELLO, 2009).
d) Linha de Frente (frontline) ou Nvel da Rua (street-level):
Atendimento diretamente ao pblico por rgo ou servidor
pblico (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2003). No caso
da segurana pblica podemos citar como exemplo o policial
que recebe a notcia de um crime pessoalmente no balco de
uma delegacia ou se desloca com a viatura para realizar uma
diligncia ou priso; o perito criminal que pessoalmente realiza
um levantamento em local de crime, realiza exames e elabora o
laudo pericial; agente do DETRAN que realiza fiscalizao de
trnsito, inspeo da documentao de veculos, faz teste de
alcoolemia em condutores; bombeiro que compe uma equipe
de atendimento de emergncia, ou delegado que pessoalmente
-
24
realiza oitivas com vtimas, testemunhas ou acusados,
formulando representaes para priso e indiciamento em
inquritos policiais.
e) Policy Work: A traduo deste termo pode gerar dvidas, uma
vez que os acadmicos americanos utilizam a expresso em trs
sentidos distintos: 1. Fazer o trabalho, ou seja, implementar
determinada poltica pblica; 2. Fazer funcionar, tomar as
decises que permitem que a poltica atinja seus objetivos; e 3.
Elaborar as polticas pblicas, no sentido poltico, legislativo e
governamental (BRODKIN, 2011).
f) Poltica Pblica: Conjunto de decises pblicas que tem por
finalidade aes de preveno e correo, a fim de modificar
uma realidade social, por intermdio de objetivos, estratgias de
atuao e alocao de recursos. O que o governo escolhe fazer
ou no fazer (DYE, 1984).
g) Redes: novas formas de organizao social, do Estado ou da
sociedade, intensivas em tecnologia da informao e baseadas
na cooperao entre unidades dotadas de autonomia (RUA,
2009).
h) Segurana Pblica: Conjunto de atividades destinadas a garantir
preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e
do patrimnio. o afastamento, por meio de organizaes
prprias, de todo perigo ou de todo mal que possa afetar a ordem
pblica, em prejuzo da vida, da liberdade ou dos direitos de
propriedade de cada cidado (SILVA, 1963).
i) Servidor Pblico: Agente pblico estatutrio. Todo aquele que
mantm vnculo de trabalho profissional com entidades
governamentais, integrados em cargos ou empregos da Unio,
Estados, Distrito Federal, Municpios, respectivas autarquias e
-
25
fundaes de direito pblico. Em suma, so os que entretm
com o Estado e com as pessoas de Direito Pblico da
Administrao indireta relao de trabalho de natureza
profissional e carter no eventual, sob vnculo de dependncia
(MELLO, 2009).
-
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2 REFERENCIAL TERICO
2.1 A Lealdade dos Servidores Pblicos
A lealdade dos servidores pblicos, em sentido estrito e objetivo, consiste na atuao
conforme os princpios ticos que permeiam a sociedade, visando maximizar, com
sinceridade e boa-f, os direitos dos cidados (MELLO, 2009). Compe, em grande medida, o
princpio da moralidade administrativa.
De Graaf (2010), contudo, apresenta o conceito de forma um pouco mais abrangente e oferece
uma srie de expresses em ingls (loyalty, loyalty conceptions, role, role conceptions e role
obligations) que traduzem lealdade como uma vinculao, um dever de responsabilidade a
uma pessoa ou uma ideia. Na prtica, seria subordinar seu prprio interesse aos interesses do
seu objeto de lealdade (EWIN, 1993).
O fato que os servidores pblicos experimentam, e frequentemente seguem, mltiplas
formas de lealdade, com mltiplos destinatrios, tanto internos quanto externos (BOVENS,
1996). Em um panorama luso-hispnico, por exemplo, podemos citar diversos fatores
motivacionais que estimulam ou embaraam a vinculao dos funcionrios, tais como: a
autoridade vertical ou hierrquica, a autoridade profissional baseada na qualificao, as
recompensas e sanes, ou o chamado cuidado maternal (JAMIL, 1998).
Com efeito, Bovens (1996) acrescenta ainda que a noo ortodoxa weberiana de lealdade
estritamente hierrquica demonstra-se limitada e no mais aceita ou aplicvel. O que fazer
caso determinada ordem parecer errada na opinio do servidor pblico que deve execut-la? O
dilema resolvido pela composio das diversas orientaes de reponsabilidade (pessoal,
social, profissional e pblica) que moldam a atuao dos servidores.
Mas qual a relevncia do fato de haver inmeras formas de lealdade influenciando o
comportamento dos servidores pblicos?
A resposta a esta questo simples. Os agentes pblicos, notadamente os servidores pblicos
estatutrios, tem importncia fundamental para a sociedade, uma vez que representam o
Estado em sua relao com os cidados. a face visvel do Estado (MOURA, 2001). o
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27
elemento humano que materializa, na ponta, a atuao de um ente abstrato. a referncia
primeira e imediata que o cidado usurio tem da atuao administrativa (SOARES, 1998).
No dia-a-dia, so os servidores que concretizam as polticas pblicas (LINDBLOM, 1980),
em especial aqueles que atuam ao nvel da rua (street level bureaucracy) (LIPSKY, 1980).
Portanto, esses servidores que atuam nos nveis inferiores da estrutura administrativa podem
influenciar fortemente o curso das polticas pblicas porque contam com recursos de poder,
como informao, conhecimento do processo administrativo e autoridade (RUA, 2009).
Assim, como representam e exteriorizam a vontade do Estado, a qualidade e eficincia do
servio pblico dependem, em grande escala, desses servidores (COSTA, 1981). E,
obviamente, o norte para o qual a lealdade desses servidores est orientada torna-se
extremamente importante.
Ademais, o tipo de lealdade empregada tambm faz toda a diferena. Na prtica, deslealdade
sempre um vcio reprovvel, mas a lealdade nem sempre uma virtude a ser almejada. Via
de regra, a lealdade permite que confiemos uns nos outros, refletindo o desejo de pertencer a
certos grupos. Mas isso s funciona quando os objetos so apropriados e no ocorre de forma
imprpria ou extrema (como chauvinismo, nazismo, etc).
Portanto, a lealdade equivocada pode facilmente conduzir a comportamentos no desejados
ou repulsivos. Nesse sentido, Ewin (1993) esclarece que algumas dessas formas de lealdade,
que a princpio seriam nobres e positivas, podem at mesmo serem contrrias aos objetivos da
instituio a que os indivduos pertencem e efetivamente causar conflitos.
Em suma, precisamos conhecer quais os vnculos de lealdade dos servidores pblicos, e suas
dinmicas de interaes, para prever e orientar seu comportamento e, em ltima instncia,
poder aperfeioar a atuao do Estado. No podemos de forma alguma negligenciar os
valores, os comportamentos e as ideologias prticas que permeiam os funcionrios que
compem a administrao pblica (PERLMAN, 2003). So os valores, crenas e ideias desses
servidores, em suas diversas formas de interao, que determinam como so construdas as
aes que transformam o modo como as polticas foram concebidas (LIPSKY, 1980).
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28
Assim, uma vez provada a importncia de compreender a lealdade dos servidores e, na
medida em que esta comporta diversos fatores e balizadores de comportamento, vinculao e
responsabilizao, identificaram-se duas vertentes para desdobramento do presente estudo: os
servidores que atuam na linha de frente (burocratas) e os altos administradores pblicos.
2.2 A Linha de Frente
Com relao linha de frente (frontline) cabe registrar a abordagem proposta por Maynard-
Moody e Musheno (2003), acerca a burocracia ao nvel da rua (street-level bureaucracy) e do
desenvolvimento cotidiano de seu processo decisrio.
Os referidos autores estudaram quais motivaes, crenas e caractersticas morais orientam as
escolhas e as aes de trs grupos de profissionais: policiais, professores de escolas pblicas e
conselheiros do servio social. Por um perodo de trs anos, pesquisou-se qualitativamente a
viso e as experincias dos prprios servidores pblicos em reas urbanas de dois estados
norte-americanos.
Assim, foi demonstrado que o mundo ao nvel da rua permeado por constantes conflitos e
tenses entre a obrigao de obedecer s leis e os sistemas de valores individuais dos
trabalhadores que atendem diretamente ao pblico.
2.2.1 O Panorama Atual
O enfoque convencional sobre a relao entre Estado e governo do tipo "Estado-agente",
segundo o qual o Estado democrtico se comporta como um edifcio essencialmente fundado
sobre leis e procedimentos previsveis. Nesses moldes, casos iguais seriam invariavelmente
tratados de forma igual. Nessa formulao, desvios em relao s leis no so permitidos,
exceto quando os trabalhadores adaptam a legislao s circunstncias especficas de maneira
consistente com as polticas pblicas e a autoridade hierrquica (MAYNARD-MOODY;
MUSHENO, 2003). Este o j mencionado modelo tradicional de Burocracia proposto por
Weber (BRESSER-PEREIRA, 1996)
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29
Em que pese a preponderncia dessa viso do tipo "Estado-agente", entendeu-se que, na linha
de frente, a influncia das crenas morais dos trabalhadores parte indissocivel do processo
decisrio dirio. Assim, torna-se necessrio analisar um segundo enfoque, chamado de
"cidado-agente", que enfatiza a complexidade das situaes do dia-a-dia.
Nesse cenrio, os servidores avaliam caso a caso a aplicao das regras com base em suas
percepes acerca dos cidados ou clientes para tomar decises. Trata-se de um processo de
interao, de identificao, de modo que em alguns casos os trabalhadores podem at mesmo
arriscar a si mesmos na defesa dos cidados. Em outras situaes, baseadas em julgamentos
distintos, segue-se rigorosamente a letra da lei (acting by the book). Por fim, h ainda casos
em que as pessoas esto sujeitas excluso e ao abuso de autoridade se no forem
consideradas dignas (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2003).
2.2.2 A Identidade dos Servidores Pblicos
Maynard-Moody e Musheno (2003) esclarecem que a identidade dos servidores importa tanto
quantos os atos, pois significa o modo pelo qual os indivduos reconhecem a si mesmos em
diversas posies subjetivas. Estes significados reconhecveis geram expectativas e
proporcionam um modo de organizao do mundo social, que se combinam ou se sobrepem
nos inmeros contextos da vida no dia-a-dia.
A identidade, seja individualizada, coletiva ou atribuda, se constitui no princpio que
representa a atuao e o reconhecimento social construtor de significado diante do acelerado
reordenamento organizacional da sociedade (CASTELLS, 1999).
Aqui, verifica-se que h uma tendncia natural dos trabalhadores de se identificarem com
grupos especficos ao qual pertencem, seja em funo do trabalho, da classe social, etnia ou
gnero. O universo relacional de cada indivduo (RUA, 2009) inafastvel.
Ademais, os achados da pesquisa de Maynard e Musheno (2003) indicam que a incorporao
de sua identidade pelo trabalhador pode variar a depender de sua rea de atuao. Policiais,
por exemplo, normalmente mantm sua identidade profissional em suas vidas particulares.
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Portam armas veladas, e mantm constante vigilncia. Por outro lado, h trabalhadores que
abandonam completamente sua identidade profissional assim que retiram o uniforme.
Essa identificao influencia o comportamento desses trabalhadores, que podem desenvolver
uma abordagem reducionista, com nfase no enquadramento das pessoas em grupos sociais
pr-definidos e culturalmente rotulados. Por exemplo, o desenvolvimento de lealdade
recproca, do cdigo de silncio, etc (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2003). Aqui o
tempo de convivncia relevante.
Outro aspecto importante revelado na pesquisa por Maynard-Moody e Musheno (2003) a
compreenso de que a poltica de estratificao burocrtica, ou hierarquia entre chefes e
trabalhadores, est sendo substituda por uma complexa poltica de identidade, devido aos
conflitos entre os grupos subjetivos a que pertencem.
2.2.3 O Processo de Tomada de Deciso
Maynard e Musheno (2003) explicam que, ao nvel da rua, o comportamento dos servidores
depende de seus prprios julgamentos morais baseados em conhecimento pessoal e em
constantes interaes com as pessoas. Isto no significa que as regras, leis e as polticas
pblicas so desprezadas. O que existe so dilemas, que se manifestam nas situaes
ambguas e conflituosas. Equidade e justia significam responder a cada cidado conforme o
merecimento individual.
Isto contradiz grande parte da escola de pensamento weberiana, que predomina na
administrao pblica (BRESSER-PEREIRA, 1996). Assim, as pessoas no so consideradas
sem rosto, abstraes. Pelo contrrio, cada indivduo considerado como portador de pontos
fortes e fraquezas que raramente se enquadram em um manequim tamanho nico empregado
pelas polticas pblicas e pela prpria legislao (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2003).
Neste julgamento moral, diversas dimenses do merecimento so empregadas. Os servidores
avaliam o mrito de forma complexa e multidimensional, com base em fatores que podem ser
a genuna necessidade do servio, a civilidade, a deferncia, o bom carter, etc.
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31
Maynard-Moody e Musheno (2003) comentam que a forma de tratamento recebida pode se
manifestar de quatro maneiras distintas ou mesmo de uma forma hbrida e combinada.
A primeira resposta a normal, de rotina, o tratamento burocrtico. Na maioria dos casos o
tratamento usual o adequado e resolve as questes, promovendo um nvel de satisfao
apropriado a todos os envolvidos. Uma segunda forma de responder aos cidados um
atendimento extraordinrio para aqueles que so merecedores de uma ateno especial. A
atuao pragmtica a terceira forma de resposta, quando se busca o prtico e exequvel em
vez de buscar o ideal ou desejvel. A quarta forma de tratamento direcionada aos
malfeitores (bad-guys), que no merecem tratamento adequado. Aqui as leis so utilizadas
para proteger os prprios trabalhadores, assim como punir essas pessoas.
2.3 Os Administradores do Alto Escalo
A anlise da atuao dos administradores do alto escalo e seu processo de tomada de deciso
depende da compreenso do seu grau de liberdade, do alcance de seu poder discricionrio e
dos diversos atores envolvidos no processo decisrio (stakeholders) (DE GRAAF, 2010).
De Graaf (2010) esclarece que a compreenso dos mecanismos utilizados para soluo de
conflitos depende do entendimento de como os administradores pblicos percebem seus
papis e responsabilidades, e como solucionam conflitos de interesse, segundo padres de
lealdade.
2.3.1 O Papel dos Administradores Pblicos
De Graaf (2010) tambm questiona o modelo proposto por Max Weber, no qual o
administrador pblico clssico seria neutro e previsvel, segundo um padro pr-determinado,
apresentando lealdade inquestionvel s autoridades polticas eleitas. Os polticos teriam a
funo de traar as diretrizes gerais para implementao das polticas pblicas. Por seu turno,
os servidores teriam o papel de no se envolver em processos polticos de tomada de deciso,
mas to-somente executar as ordens dos superiores titulares de cargos eletivos.
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32
Nada obstante, sobretudo sobre a gide da Nova Gesto Pblica (New Public Management),
os administradores pblicos adquiriram uma srie de novas atribuies em confronto com a
imagem clssica weberiana (BRODKIN, 2011).
Essas atribuies so voltadas para conferir respostas mais adequadas aos cidados, garantir
servios com qualidade e agilidade, contribuindo estrategicamente para melhorar a reputao
de suas organizaes. Nesse cenrio, no h mais espao para separao rgida entre
administrao e poltica. H, portanto, uma ruptura com o modelo clssico.
A Teoria da Escolha Pblica (Public Choice) um exemplo dessa ruptura. As pessoas so
motivadas por interesses pessoais. Portanto, os servidores pblicos, como meros agentes
humanos, priorizariam seus interesses prprios e no o bem pblico (BUCHANAN, 2003).
Aqui, h a transposio dos conceitos da economia de mercado. O altrusmo romntico dos
polticos e dos servidores pblicos substitudo por uma abordagem mais direta e cnica.
A Teoria da Agncia (Principal-Agent Theory) um desdobramento da considerao de que
todos os atores tm interesses prprios preponderantes, ao tentar alinhar os interesses de
agentes e principais (PRZEWORSKI, 2003).
2.3.2 O Conceito de Lealdade
Em que pese a etimologia da palavra lealdade que remete literalmente ao cumprimento estrito
da lei, De Graaf (2010) apresenta uma discusso acerca das diversas definies do termo ao
longo do tempo. Em seguida, define aquele aplicvel a pessoas com vrios objetos de
lealdade, qual seja: A vontade e a dedicao prtica de uma pessoa a um objeto. Esse o
conceito utilizado neste trabalho.
A lealdade dos servidores pode estar vinculada a vrios objetos, tais como os colegas de
trabalho, o bem pblico, a mdia, a conscincia individual e os imperativos morais e religiosos
dos prprios funcionrios, as associaes de classe, a legislao, os clientes das organizaes,
e os polticos. A concepo de responsabilidade burocrtica pode ter natureza hierrquica,
pessoal, social, profissional e cvica. Outros autores distinguem at 8 tipos de
responsabilidade, o que conduz inevitavelmente a conflitos de expectativas e a tenses.
-
33
Os papis (ou funes) dos administradores e suas concepes tambm esto intimamente
relacionados lealdade. De fato, uma funo administrativa pode ser compreendida como o
conjunto coeso de valores e atitudes relacionados ao trabalho que proporcionam ao
administrador pblico um conjunto de expectativas sobre suas responsabilidades (DE
GRAAF, 2010).
2.3.3 Os Tipos de Administrador Pblico
De Graaf (2010) apresenta quatro concepes bsicas de lealdade e, portanto, quatro tipos
distintos de administradores pblicos, resultantes dos diferentes modos de interpretao. Essas
concepes indicam ainda seus respectivos comportamentos e processos de tomada de
deciso.
Os quatro tipos fundamentais seriam: (a) Profissionais que seguem a letra da lei (by-the-
book), (b) servidores neutros em relao sociedade, (c) funcionrios que se baseiam em
avaliaes pessoais, e (d) funcionrios independentes e abertos com princpios.
Os profissionais do tipo by-the-book almejam servir principalmente a sociedade e a seus
cidados, o que deve ser feito seguindo rigorosamente as regras profissionais. Neste caso, a
lealdade no direcionada prpria organizao ou aos colegas. Os valores pblicos so
posicionados em um patamar superior aos valores polticos. Estes profissionais entendem que
as regras no existem para dificultar a eficcia e a eficincia, mas para propiciar um governo
bom e justo.
Servidores neutros tambm so muito leais sociedade e aos valores pblicos. Preocupam-se
com os efeitos sociais e procuram agir do modo mais imparcial possvel, sem utilizar valores
pessoais. So leais aos superiores e aos polticos (que devem tomar as decises), e no
profisso, apresentando menor resistncia quando lhe pedem algo ilegal.
Os funcionrios que se baseiam em avaliaes pessoais so leais a suas vidas privadas e a
suas prprias identidades e conscincias, que importam mais do que tudo. Portanto, no so
servidores pblicos nas 24 horas do seu dia. Comparam o trabalho com outros papis sociais,
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34
resultando em conflitos de lealdade. So crticos do governo e da burocracia e no gostam de
regras, pois impediriam a criatividade.
Funcionrios independentes compem o quarto e ltimo padro identificado por De Graaf
(2010) em seu estudo. Esses administradores so leiais aos seus prprios princpios, lei e s
demais regras oficiais. Para evitar conflitos, seguem os princpios e diretrizes gerais da
administrao pblica, e no suas prprias conscincias. Aqui, o possvel conflito entre o
papel do cidado e do funcionrio pblico.
2.4 A Linha de Frente e a Nova Gesto Pblica
A relao entre administradores e os servidores na linha de frente com o advento da Nova
Gesto Pblica (New Public Management) tem adquirido propores no meio acadmico,
sobretudo quando se percebeu que os servidores da linha de frente tm participao
fundamental na implementao de polticas pblicas (BRODKIN, 2011; LIPSKY, 1980).
Embora no determinem explicitamente o contedo da poltica, os funcionrios que atuam ao
nvel da rua so formuladores de polticas pblicas de fato, no sentido de que essas polticas
so informalmente construdas (ou reconstrudas) no curso das atividades dirias da vida
organizacional (BRODKIN, 2011).
Brodkin (2011) enfatiza a importncia de estudar este fato para as estratgias da Nova Gesto
Pblica que visam influenciar as pessoas por meio de incentivos por desempenho, onde as
prprias organizaes que atuam ao nvel da rua poderiam determinar a melhor forma de
implementar as polticas pblicas, segundo uma discricionariedade inerente e necessria.
A lgica, segundo a NGP, seria de que os funcionrios do alto escalo determinam as
polticas pblicas, suas metas e os incentivos. Por seu turno, os funcionrios da linha de frente
se encarregam em como chegar aos objetivos.
No entanto, Brodkin (2011) apresenta um recorte onde questiona a premissa de que o
importante alcanar as metas de desempenho, independentemente do como com as polticas
pblicas so efetivamente implementadas. O fato que esta postura pode resultar em
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considerveis desvirtuamentos e at mesmo no que Merton (1968) chamaria de deslocamento
dos objetivos originais.
Com efeito, aqueles que atuam ao nvel da rua no respondem direta ou indiretamente apenas
aos incentivos de desempenho. Eles usam o seu poder discricionrio para ajustarem-se,
produzindo prticas informais que podem ser substancialmente diferentes e mais
diversificadas do que o proposto originariamente pelos formuladores de polticas e pelos
gestores. Tal fato enseja dvidas sobre transparncia, expondo limitaes da Nova Gesto
Pblica.
Assim, o que se procurou demonstrar na presente pesquisa exatamente esse universo de
valores em contraposio a uma viso reducionista. Estima-se que tenham sido identificadas
prticas efetivas de emprego do poder discricionrio em dissonncia a essa ideia de que metas
e incentivos seriam suficientes para que funcionrios da linha de frente desempenhem suas
funes de forma alinhadas com as polticas pblicas.
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3 METODOLOGIA
3.1 Tipo de Pesquisa
Com o objetivo de classificar o tipo de pesquisa, foi utilizada a taxionomia apresentada por
Vergara (2009), segundo a qual devem ser empregados dois critrios bsicos: a) quanto aos
fins e b) quanto aos meios.
Quanto aos fins, a pesquisa consiste em uma investigao classificada como de natureza
exploratria, descritiva e explicativa, conforme segue:
a) Exploratria, embora o tema em questo j seja de fato objeto de estudo de campo
semelhante, inclusive mencionado como referencial terico. Quanto rea de
segurana pblica, h uma crescente preocupao acadmica. Nada obstante, no
Brasil, tem sido verificada escassa produo cientfica especificamente no sentido
de analisar a atuao dos servidores da linha de frente, com foco nos elementos
que orientam suas decises cotidianas. Para a segurana pblica, tambm uma
contribuio pouco observada.
b) Descritiva, porque apresenta, dentro dos limites pr-estabelecidos, as
caractersticas da burocracia da segurana pblica brasileira, em especial do
Distrito Federal, destacando peculiaridades.
c) Explicativa, uma vez que procurou esclarecer os mecanismos que orientam e os
fatores que influenciam o processo de tomada de deciso dos servidores, por meio
do referencial apresentado, tais como instncias de responsabilizao, dimenses
morais e vnculos de lealdade.
No que tange aos meios de investigao a pesquisa :
a) Bibliogrfica, se valendo de um estudo sistematizado tendo como suporte
analtico publicaes produzidas pelos principais autores clssicos e
contemporneos das teorias aqui tratadas, assim como dos materiais de estudiosos
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e comentadores destes autores devidamente reconhecidos no meio acadmico.
Sero utilizadas, portanto, fontes primrias e secundrias.
b) Documental, pois se fez uso de documentos, regulamentos e dados (inclusive
eletrnicos) no publicados, divulgados ou disponibilizados, sendo, deste modo,
restritos ao ambiente interno dos rgos de segurana pblica do Distrito Federal,
que so utilizados para justificar, confirmar ou ilustrar as suposies formuladas
no trabalho.
c) De campo, em virtude da realizao de investigao emprica realizada com
pessoas classificadas como pblico alvo: servidores pblicos de unidades que atua
ao nvel de rua na segurana pblica do Distrito Federal, sejam do alto ou do baixo
escalo.
3.2 Universo e Amostra
O universo de pesquisa constitudo pelos diversos rgos e unidades, assim como diversas
categorias funcionais relacionados segurana pblica, sejam no Legislativo, Judicirio ou
Executivo.
Verifica-se que a abrangncia deste universo muito extensa, pois engloba inmeras
organizaes em diversas especialidades e localidades. Com efeito, somente no poder
executivo temos a atuao de uma srie de rgos ali presentes, inclusive diversas polcias,
com funes administrativas e judicirias.
Portanto, foi preciso delimitar parte deste universo, conforme mencionado no Item 1.4
(Delimitao do Tema), de modo a restringir os estudos a uma esfera no proibitiva, composta
somente por objetos efetivamente operacionalizveis, que permitam alcanar as respostas ao
problema apresentado.
Chegamos assim definio da amostra, segundo o critrio da acessibilidade que, segundo
Vergara (2009), utilizado para solucionar elementos pela facilidade de acesso a eles,
independentemente de processos estatsticos. Assim, definiu-se que este trabalho se
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38
restringiria ao mbito de peritos criminais, delegados de polcia e policiais do Distrito Federal
dos quais coletar dados, exemplos e suposies. Indicadores oriundos de outros ramos da
segurana pblica no sero abordados, ao menos no momento.
Foram entrevistados 43 (quarenta e trs) servidores no total, sendo que 32 (trinta e dois)
atuam diretamente na linha de frente e 11 (onze) ocupam cargos de chefia ou direo. Veja-se
o quadro detalhado abaixo.
Peritos
Criminais
Delegados de
Polcia
Agentes de
Polcia Total
Linha de
frente 2 2 28 32
Chefia e
Direo 4 5 2 11
Total 6 7 30 43
Quadro 01- Composio da amostra.
A acessibilidade s informaes necessrias reside no fato de o autor ser perito criminal
oficial do Distrito Federal, exercendo cargo comissionado de direo, obtendo, portanto,
contato direto com vrios profissionais da rea e acesso a diversas informaes restritas.
Registre-se tambm a utilizao do critrio da tipicidade, que consiste na seleo de
elementos considerados representativos. Assim, na seleo da mostra, no foram
contemplados subordinados diretos do pesquisador, nem funcionrios da mesma
especialidade, a fim de evitar influncia indevida nas respostas e assegurar a devida
independncia.
De fato, a representatividade em relao ao rol selecionado consiste em sua caracterstica
deste ser composto por elementos fundamentais no sistema de segurana pblica, que atuam
no combate a todas as modalidades criminosas, contemplando ainda profissionais que
comparecem pessoalmente aos locais de crime e aqueles que atendem a todas as vtimas e
autores, nos instantes que se seguem a consecuo da prtica delituosa e posteriormente ao
longo das investigaes. Outrossim, detm dados, informaes e percepes no disponveis
em quaisquer outros ramos do sistema.
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39
Vale mencionar ainda que, mesmo se atendo exclusivamente ao mbito policial do Distrito
Federal, o volume de dados disponveis e pessoas a serem entrevistadas seria demasiadamente
grande, o que resultou em uma nova filtragem. Mais uma vez, o critrio da tipicidade foi
empregado, a fim de amostrar os elementos mais representativos dentre os disponveis,
especialmente aqueles que tenham experincias especialmente particulares em sua instituio.
Tal procedimento, entretanto, somente foi factvel no transcurso da pesquisa, quando se
obteve o conhecimento profundo da populao, requisito para tal seleo.
Por fim, ao longo do trabalho verificou-se a necessidade de acessar dados, ou entrevistar
pessoas de outras esferas da segurana pblica, no previstas inicialmente. Esta questo est
mencionada mais adiante e deve ser efetivamente contemplada em desdobramentos do
presente trabalho.
3.3 Coleta de Dados
Em primeiro lugar, preciso ressaltar a relevncia desta etapa para a validade do trabalho de
pesquisa. Sem alongar muito, vale registrar o alerta fornecido Merton (1968), e replicado por
Alves (1996), nos advertindo que "a despeito da etimologia, dados no so dados (data are
not given), mas construdos com o auxlio inevitvel de conceitos (...)".
Posto isso, os dados indispensveis realizao da pesquisa proposta foram coletados por
intermdio de uma srie de atividades:
a) No que tange pesquisa bibliogrfica, os dados foram obtidos de toda forma de
literatura disponvel e academicamente reconhecida acerca do tema, tais como
livros, teses, dissertao, artigos, jornais, legislao, documentos e dados
disponveis online.
b) Com relao fase de pesquisa documental, os dados foram coletados em
relatrios, pareceres, documentos no publicados e bancos de dados disponveis
internamente no mbito do sistema de segurana pblica do Distrito Federal, a fim
de compreender o contexto institucional em que se desenvolveu o trabalho.
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40
c) Por fim, a pesquisa de campo consistiu preponderantemente na realizao de
entrevistas semi-estruturadas com os servidores da rea de segurana pblica de
modo a obter informaes acerca de suas percepes. Os entrevistados foram
devidamente encorajados a exprimir seus sentimentos e crenas, acerca das
questes gerais e pessoais, assim como pontos atinentes atuao do poder
pblico. Evitou-se, portanto, a utilizao somente de perguntas abertas. Seguindo
orientao de Gnther (2003), procurou-se tambm estabelecer confiana com a
apresentao do entrevistador e dos objetivos da pesquisa, assegurando-lhes total
liberdade. Parra capturar o interesse do respondente, buscou-se esclarecer a
importncia do tema, ressaltando como as opinies e experincias dos
respondentes so importantes.
d) As perguntas utilizadas, adaptadas de Maynard-Moody e Musheno (2003) e de De
Graaf (2010), foram aplicadas da forma mais harmoniosa possvel, cujo resultado
apresentado mais adiante em item prprio.
Este tipo de pesquisa permite confrontar as caractersticas da percepo em um nmero
satisfatrio e representativo de categorias, nas diversas localidades do DF, com o aparato
conceitual e a matriz terica definida para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa. A
garantia de efetividade foi feita pela definio precisa do pblico-alvo na identificao dos
subgrupos relevantes, conforme explicado por Gnther (2003).
A coleta foi preponderantemente transversal, ou seja, em um nico momento no tempo. No
se descarta, contudo, a possibilidade de que, decorrendo alguma mudana considervel no
cenrio, haja desdobramentos do presente trabalho, com a obteno de novos dados no futuro,
realizando-se uma coleta longitudinal, aprimorando esta pesquisa.
3.4 Tratamento de Dados
Em funo da natureza dos dados obtidos, que trazem reflexes, percepes e interpretaes
levantadas por terceiros acerca da realidade, o tratamento dos dados exigiu um mtodo de
considervel complexidade, notadamente pela preocupao em compreender o
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comportamento e o sentimento humano, sob a perspectiva dos prprios atores sociais, em
especial os chamados agentes do Estado.
Deste modo, privilegiou-se uma anlise interpretativa, sob uma perspectiva hermenutica no
confronto dos relatos das pessoas com os estudos do referencial terico que descrevem
particularmente essas percepes em um mundo de alta complexidade e contingncia.
Pode-se dizer que tudo deriva de interpretaes, que sempre enxergamos o mundo por meio
de uma lente contaminada (Foucault, 2005). Alm disso, com relao especificamente ao
tema agora em estudo, preciso lembrar que lealdade em sua essncia um sentimento. As
pessoas sentem, ou no, o dever de agir com lealdade a algum ou a alguma coisa. A essncia
eminentemente interpretativa, sensorial (VERGARA, 2009). Tal fato refora ainda mais a
relevncia do tipo de viso empregada neste trabalho.
3.5 Limitaes do Mtodo
A metodologia selecionada para a pesquisa proposta, embora seja entendida como a mais
apropriada, apresentou as seguintes dificuldades e limitaes quanto coleta e tratamento dos
dados:
a) O acesso aos entrevistados difcil, devido ao acmulo de tarefas escala pesada
de plantes que hoje se verifica na rea de segurana pblica, onde os ndices de
criminalidade tem apresentado nmero crescentes, sobretudo em 2012.
b) O volume de dados disponveis dificulta a delimitao adequada de amostras, uma
vez que podem ter sido obtidos muitos dados acerca de situaes dispares sem
formar um conjunto suficientemente coeso de informaes.
c) Quanto pesquisa documental, o problema est na divulgao de dados que
porventura considerados sigilosos, ou que possam comprometer a segurana
populao ou ainda incentivar a criminalidade.
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d) Com relao aos autores e pesquisas utilizados como referencial terico, preciso
explicitar os principais pressupostos de que estes utilizam, as correntes de
pensamento e paradigmas que informam suas teorias. Alm disso, todas essas
informaes devem ser submetidas a crticas quanto sua coerncia, validade,
originalidade, profundidade e alcance.
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4 RESULTADOS E ANLISE
Em linhas gerais, esta pesquisa procurou focar inicialmente na obteno de informaes
acerca de tpicos como liberdade, discricionariedade, autoridade, regras e normas.
Posteriormente, buscou-se identificar fatores de influncia, instncias de reponsabilidade,
balizadores de comportamento e grupos relevantes que, por um lado ou por outro, recebessem
tratamento diferenciado (positivo ou negativo) ou interferissem na atuao do servidor no seu
dia-a-dia.
Por fim, as narrativas colecionadas visam a ilustrar todo o cenrio descrito e extrado durante
a realizao das entrevistas.
Noutros termos, primeiramente investigou-se se a liberdade para tomar decises por parte do
servidor. Qual a grau de discricionariedade oferecido por suas instituies.
Em seguida, pesquisou-se que fatores interferem e o que determina o emprego dessa
discricionariedade e o processo de tomada de deciso.
Por fim, foram buscadas narrativas que demonstrassem o resultado prtico disso no cotidiano,
ilustrando o panorama geral do servio pblico, em especial na rea de segurana pblica,
objeto da pesquisa.
A sntese desses resultados e suas respectivas anlises esto apresentados a seguir em trs
sub-sees, quais sejam: 4.1 Contexto Institucional; 4.2 Grau de Discricionariedade; e 4.3
Vnculos de lealdade.
4.1 Contexto Institucional
Para que seja compreendido o grupo de pessoas que forneceram suas percepes para o
presente trabalho importante apresentar a estrutura da Segurana Pblica do Distrito
Federal.
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Deste modo, pode-se entender em que medida os servidores pblicos que ali trabalham, atuam
na linha de frente, ou ao nvel da rua, no atendimento ao cidado, socorro a vtimas e
conteno de autores de crime.
Pesquisando-se a legislao vigente, verifica-se, em linhas gerais, que o Sistema de Segurana
Pblica do Distrito Federal composto pelos seguintes rgos (Decreto N 28.691, de 17 de
janeiro de 2008):
I Secretaria de Estado de Segurana Pblica do Distrito
Federal SSP-DF;
II Polcia Civil do Distrito Federal - PCDF;
III Polcia Militar do Distrito Federal - PMDF;
IV Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
CBMDF;
V Departamento de Trnsito do Distrito Federal DETRAN-
DF
A Secretaria de Estado de Segurana Pblica (SSP/DF) o rgo central do Sistema de
Segurana Pblica do Distrito Federal e tem o compromisso de dirigir os rgos de Segurana
Pblica para atividades policiais primordialmente preventivas e de participao comunitria,
visando proteo social e a melhoria da qualidade de vida da populao pela efetivao de
um verdadeiro estado de segurana.
A estrutura da SSP/DF tem origem no Decreto Distrital N 4.852, de 11 de outubro de 1979,
que a designou como rgo coordenador do Sistema de Segurana Pblica, composto pela
Polcia Militar, Polcia Civil, Corpo de Bombeiros Militares e Departamento de Trnsito e
demais segmentos que foram criados ao longo dos anos seguintes. Estes rgos lidam
diretamente com pblico. Alm disso, h a Subsecretaria do Sistema Penitencirio, cujo
pblico principal so internos do sistema prisional e seus familiares.
Em face necessidade de adequao das atividades de Segurana Pblica, o Governo do
Distrito Federal - GDF reestruturou esta Secretaria, por meio da Lei 2.997, de 03 de julho de
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2002. O rgo adotou a atual denominao de Secretaria de Estado de Segurana Pblica e
Defesa Social, um ato distintamente de valorizao da proteo do cidado e da comunidade.
Esta a estrutura atual do sistema de Segurana Pblica do DF. Na prtica, h cinco rgos
que atuam ao nvel da rua e lidam diretamente com o pblico, conforme segue:
Figura 01 - Organograma SSP/DF Fonte: www.ssp.df.gov.br
Nesse contexto, a Polcia Civil aquela que lida com o maior nmero de pessoas envolvidas
diretamente nas diversas ocorrncias, uma vez que atende vtimas, autores, testemunhas e
todos os demais interessados no processo criminal.
As unidades atuam ao nvel da rua so o Departamento de Polcia Circunscricional DPC
(Delegacias das cidades-satlites), o Departamento de Polcia Especializada - DPE (tais como
Homicdios, Defesa do Consumidor, Defraudaes, Crime Organizado, etc) e Departamento
de Polcia Tcnica DPT (Percias em Locais de Crime, Objetos, Percias em pessoas vivas e
em cadveres). H ainda a Corregedoria Geral de Polcia CGP, que atende ao pblico
recebendo reclamaes (juntamente com a Ouvidoria), apurando transgresses disciplinares e
emitindo certides de antecedentes criminais.
Veja-se a estrutura da PCDF:
SSP
PCDF PMDF CBMDF DETRAN/DF SESIPE
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Figura 02 - Organograma PCDF Fonte: www.pcdf.df.gov.br
4.2 Grau de Discricionariedade
Na anlise dos dados, primeiramente percebeu-se que tanto os servidores burocratas que
atuao na linha de frente (front-line), assim como aqueles que detm cargos de chefia e
direo consideraram que h considervel autoridade e liberdade para escolher as tarefas que
realizam diariamente.
A pesquisa tambm revelou que h grande margem para estabelecimento de regras e
procedimentos em ambas as categorias. Com efeito, as normas escritas contemplam apenas
parte das situaes do dia-a-dia. Alm disso, a maior parte dos servidores consideram as
normas e procedimentos existentes como pouco especficos ou muito genricos.
Outro aspecto revelado que a maioria dos servidores, de qualquer nvel hierrquico, entende
que sua instituio no transmite com clareza, definio e objetividade necessrias quais as
polticas, metas e objetivos devem nortear os trabalhos e servios.
PCDF
DPT DPC DPE Corregedoria Ouvidoria DGP DEPATE
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Portanto, em que pese o fato de que os funcionrios via de regra procurem seguir os
procedimentos e instrues para realizar suas principais tarefas, a prpria ausncia de
normatizao, ou falta de clareza nos protocolos operacionais, enseja um alto grau de
discricionariedade na atuao cotidiana.
Na verdade, tal fato incentivado indiretamente, na medida em que fcil controlar o
resultado e saber se a deciso foi acertada. Nesse sentido, a pesquisa demonstrou que a quase
totalidade dos respondentes acham fcil verificar se realizou o trabalho corretamente e se seu
esforo produziu resultados prticos.
Em suma, as normas no so completas nem claras e, portanto, instalou-se uma situao em
que habitual contar com elevado grau de liberdade, autoridade e discricionariedade nas
decises do dia-a-dia em casos comuns.
4.3 Vnculos de Lealdade
Com relao aos principais grupos em relao aos quais os entrevistados reconhecem dever de
responsabilidade, as respostas obtidas poderiam ser, em sua maior parte, organizadas da
seguinte forma:
- Internos: Colegas de Trabalho
- Externos: Usurios
- Reguladores: Governamentais
Registre-se, que estes principais balizadores de responsabilidade identificados pelos
respondentes foram os mesmo tanto por aqueles que atuam na linha de frente quanto pelos
chefes e diretores.
Percebe-se, na quase totalidade das entrevistas, que os cidados em geral so os maiores
referenciais de lealdade. Ou seja, colegas normais de trabalho, vtimas comuns, etc. Noutros
termos, a sociedade de uma forma genrica.
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Por fim, vale registrar que o vnculo com a prpria instituio, a fidelidade do servidor algo
notvel que certamente tem grande peso em seu comportamento. Nesse diapaso, a pesquisa
demonstrou os funcionrios consultados sempre compartilham algum sentimento de lealdade
de forte com seu rgo.
4.3.1 Normas e Regulamentos
Nas entrevistas, verificou-se, primeiramente, que h muitas crticas em relao s normas e
regulamentos.
Este um assunto que est sempre presente nas entrevistas, ainda que no tenham sido
mencionados pelo entrevistador. A fala de entrevistados destacada a seguir, com objetivo de
enfatizar os pontos da anlise:
Os regulamentos internos a meu ver no so injustos ou
proporcionam diferenas entre usurios. At pelo contrrio, tentam
corrigir erros do ordenamento jurdico ultrapassado. Quando no d
a gente tenta v o que d pra fazer pra evitar injustia. (# 01)
Eu mesmo nunca tive problemas com a corregedoria, mas
experincias de outros colegas serviram para melhorar a minha
conduta profissional. Principalmente quanto ao abuso de autoridade.
O policial hoje em dia atua em uma linha muito tnue entre a
necessidade de agir contra o crime sem ser autoritrio. Ao mesmo
tempo em que precisa ter uma postura firme e contundente para
desempenhar o seu trabalho, a legislao muito rgida por causa
dos direitos humanos. Tem tambm os policiais que negligenciaram
as condies de segurana e foram vtimas de criminosos, os que
extrapolaram o poder de polcia. Busco sempre o meio-termo, o
equilbrio. (# 04)
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As normas so para punir policiais e da poca da ditadura. A justia
e o ministrio pblico so contra a polcia. (# 07) [entrevistando j
foi punido em processo penal por abuso de autoridade].
Muitas [normas] so criadas de maneira oportunistas. Como a gente
faz ento? (# 08)
Acho que no problema no so os regulamentos, mas a falta de
estrutura para atender tudo da mesma forma. (# 09)
Se for investigar cada ocorrncia conforme manda o figurino, no
vai ter equipe pra isso no. O planto funciona com 3 ou 4 canas. S
d para deslocar uma equipe por vez, o resto tem que esperar. Fazer
o que? o pessoal do planto que decide na hora por conta prpria,
qual caso dar prioridade. Agora se pintar um flagrante de Maria da
Penha e no registrar sobra pro delegado. O ferro vem de todo lado,
direo, corregedoria, ministrio pblico rede globo. A ferrou. Tem
de ficar esperto no que d para segurar e o que no d. (# 10)
Outrossim, essa inconsistncia normativa, ou mesmo incompatibilidade com o entendimento
dos servidores permite e incentiva liberdade e discricionariedade no processo de tomada de
deciso, as quais so exercidas continuamente, conforme depoimentos, segundo uma srie de
fatores que influenciam os servidores em seu cotidiano, muitas vezes de forma explcita, mas
no raramente tambm de forma velada.
4.3.2 Beneficiados e Prejudicados
Nas entrevistas, por exemplo, verificou-se que h algumas questes ou atores que interferem
praticamente em todos os participantes, em praticamente todas as situaes. So os cidados
e usurios dos servios, tanto internos quanto externos.
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Quando o tema so os cidados, de pronto aflora a uma questo recorrente e relevante, que a
percepo de que um aspecto a ser enfrentado a discriminao e tratamento diferenciado.
Vejam-se alguns trechos ilustrativos retirado das entrevistas no momento em que o tema
privilgio e discriminao suscitado:
Existe na maioria dos rgos a poltica de evitar discriminao, mas
so coisas internas, que dificilmente refletiram na realidade da
sociedade. (# 02)
Os funcionrios do executivo so discriminados em relao ao
legislativo e ao judicirio. Os militares so discriminados at
economicamente por terem participado do golpe de 64. Seus salrios
e direitos so inferiores at de policiais militares de alguns estados do
Brasil. (# 03)
Na minha opinio, as leis e regulamentos visam o tratamento
isonmico e tentam eliminar ou, ao menos, coibir a
discricionariedade e, principalmente, a arbitrariedade. Contudo, o
tratamento privilegiado e discriminatrio ainda ocorre e, com
certeza, ainda ocorrer por um bom tempo. Penso que chega a ser
cultural esse jeitinho na administrao pblica e aquele agente que
no faz uso dessa prtica chega a ser mal visto, chamado at
pejorativamente de certinho. (# 04)
O atendimento privilegiado no plano Institucional na Polcia Civil
do DF e na Secretaria de Segurana Pblica deriva de leis estaduais
e normas internas dessas Instituies. Idosos, crianas e mulheres tm
atendimento privilegiado. Fora do plano institucional, temos
atendimentos privilegiados para amigos de autoridades, o que
infelizmente torna cada vez mais injusto o atendimento ao "cidado
sem conhecidos". Acho que o tratamento deveria ser igual para todos,
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mas sem que o plano poltico impede essa forma de aplicao do que
"justo". (# 14)
O atendimento privilegiado garantido por leis e normas, ainda que
injusto, deriva de um ordenamento que, em princpio e se no for
ilegal, deve ser cumprido. Entendo que, hoje, o espao para
discriminao de atendimento na prestao de servios muito
pequeno, no permitindo disparidades vistas em outra poca. (# 21)
Como diretor, por diversas vezes fiz escolhas considerando classes
sociais inferiores e de certa forma tentando fazer com que essas
pessoas tivessem uma vida profissional melhor. (# 07)
As leis e regulamentos internos no so ruins. Mas deveriam ter
formas diferenciadas dando uma maior ateno a cada caso e cada
necessidade. A gente sempre tem que adaptar. (# 21)
Se quiser fazer o seu trabalho, vai ter de analisar a situao de cada
um! (# 22)
Os regulamentos existentes para atendimento ao pblico no
diferenciam no os usurios, mas sim a viso que cada servidor tem
da pessoa a ser atendida. (# 25)
Hoje, com o excesso de cotas e privilgios, algumas categorias se
tornaram discriminadas. Um exemplo seria o homem branco classe
mdia. (# 27)
O pessoal geralmente evita discriminar, mas se o criminoso for
mala, como dizem, a rapaziada d uma no p da orelha do
camarada. No digo que seja justo, mas que compreensvel . (#
11)
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Com relao ainda aos cidados e usurios dos servios, sobretudo quando surge o assunto
privilgio e discriminao, a quase totalidade dos entrevistados tende a sugerir questes e
grupos especficos para os quais identificam algum tipo de tratamento diferenciado.
Alguns identificam como alteraes no prprio comportamento em relao a pessoas
especficas, outros mencionam mudanas no comportamento dos demais funcionrios.
Entre as principais categorias mencionadas, muitas delas espontaneamente, vale registrar
algumas: pobres, cidados de bem, menores de idade, idosos, mulheres, negros, ndios,
deficientes (portadores de necessidades especiais), corruptos, pblico GLS, gestantes,
doentes, autoridades, autores do fato, bandido sujo, presos e ex-condenados.
Categorias alvo de Tratamento diferente
Pobres Cidados de bem
Menores de idade Mulheres
Idosos ndios
Negros Corruptos
Deficientes Pblico GLS
Gestantes Autoridades
Doentes Ricos
Autores de crime Bandido Sujo
Presos Ex-condenados
Quadro 02 - Categorias alvo de tratamento diferente
Percebe-se com clareza que algumas categorias so alvo de aceitao e outros de rejeio.
Assim, importante identific-los, uma vez que recebero tratamento diferenciado por parte
dos servidores, os quais podem ser influenciados positivamente ou negativamente.
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No quadro apresentado no foram diferenciados quais grupos so na prtica beneficiados ou
quais so efetivamente prejudicados. Com efeito, determinada categoria pode estar sujeita h
diversas situaes dependendo do histrico, do atendente, do caso. Pode ter tratamento
privilegiado de determinado funcionrio, mas ser tratada de forma inadequada por outro, na
mesma instituio. Como exemplo, vale citar alguns depoimentos totalmente opostos sobre
uma temtica repetidamente levantada pelos participantes, a questo de gnero:
As mulheres so muito oprimidas. A tal ponto de sequer procurar-
nos para registrar uma ocorrncia. E quando a fazem, na maior parte
das vezes volta atrs. Recentemente atendi uma jovem senhora que
havia sido submetida a maus tratos pelo marido. Ela me disse que era
a primeira vez que tinha tomado coragem. Mas seu rosto parecia
muito conhecido. Quando fomos consultar o Millenium [sistema de
registro de ocorrncias da PCDF], j tinha dois registros da mesma
pessoa contra o mesmo autor. At hoje a gente no sabe se ela
esqueceu de to comum que era ou quis proteger o cara. Em todo
caso um absurdo. Uma opresso que chega a doer na gente.
[policial da delegacia da mulher] (# 02)
No planto de delegacia, casos como vtima da Lei Maria da Penha
precisa ter mais ateno, pois ela est desequilibrada
emocionalmente e vem procurar ajuda pra proteger seus filhos, bem
como orient-la a respeito das medidas protetivas a quem tem direito.
Muitas das vezes as vtimas so de classe mais desfavorecida e
precisam de uma ateno especial. (# 07)
Gosto muito das mulheres. Mas no serve pra polcia. No
preconceito, mas mulher assim mesmo. Chega cheia de disposio,
toda operacional, empetecada igual ao batman. Mas basta virar me
que acaba tudo. No quer mais correr atrs de bandido, s quer
servio administrativo, se esconder no SAA [servio de apoio
administrativo]. Tudo bem, ser me massa, mas depois o trabalho
pesado fica todo com a gente. (# 14)
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Se pudesse, trabalharia s com mulheres. So mais criativas,
sensveis, generosas, e sabem cumprir os regulamentos. A polcia
precisa mudar de cara. Acabou a poca da GEB. [Guarda Especial
de Braslia, conhecida popularmente pela truculncia] (# 35)
A questo de existncia de grupos que merecem ateno especial j foi identificada
anteriormente, como pode-se verificar no Guia de Direitos Humanos Conduta tica,
Tcnica e Legal para Instituies Policiais Militares (BRASIL, 2008). Nesse material,
registra-se que o policial cidado deve entender as diferenas, no discriminar e promover a
tolerncia e respeito. Entre os grupos que merecem ateno especial so citados: mulheres,
crianas e adolescentes, idosos, pessoas com deficincia, assim como gays, lsbicas,
bissexuais, etc.
Nada obstante a possibilidade de diferentes tratamentos para o mesmo grupo, as pessoas em
situao de hipossuficincia (pobres) foram efetivamente os mais citados, quase que
unanimemente. Aqui sempre h uma percepo favorvel, uma vontade de ajudar. Vejam-se
alguns excertos obtidos das entrevistas em relao a este grupo:
Me comove muito a situao da populao humilde. muito triste.
Os mais carentes to sempre, sempre na pior. (# 02)
Populao carente precisa de ajuda. A gen