dissertacao ecstasy
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Stella Pereira de Almeida
PRIMEIRO PERFIL DO USURIO DE XTASE (MDMA) EM
SO PAULO
Dissertacao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Experimental. Orientadora: Maria Teresa Araujo Silva
So Paulo
2000
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Ficha Catalogrfica preparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao do Instituto de Psicologia da USP
Almeida, S. P. de.
Primeiro perfil do usurio de xtase (MDMA) em So Paulo / Stella Pereira de Almeida;. --So Paulo, 2000. - 80 p.
Dissertaao (Mestrado) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo. Departamento de Psicologia Experimental.
Orientador: Maria Teresa Araujo Silva
1. xtase 2. Drogas 3. Serotonina 4. Sistema Nervoso Central 5. Reduo de dano 6. Inventrio de Depresso de Beck 7. Inventrio de Ansiedade Trao-Estado I. Ttulo.
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PRIMEIRO PERFIL DO USURIO DE XTASE (MDMA) EM SO PAULO
Candidata: Stella Pereira de Almeida
Orientadora: Maria Teresa Arajo Silva
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BANCA EXAMINADORA:
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Nome e assinatura
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Nome e assinatura
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Nome e assinatura
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Nome e assinatura
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Nome e assinatura
Dissertao defendida e aprovada em : ___/ ___/ ___.
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Para Beto, Matheus e Joana.
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AGRADECIMENTOS
Teresa por ter acreditado no projeto e por sua orientao em todas as etapas.
Raquel por estar sempre perto e disponvel, ate quando morava na Itlia.
Aos meus pais, Lorenzo e Carmita, por ajudarem sempre e de tantas formas.
Paula por suas contribuies e indicaes.
Ao Dr. Hermano Tavares por sugerir e ceder a escala de avaliao de Impulsividade.
Dra. Clarice Gorentein por sugestes relativas as escalas empregadas e no exame de
qualificao.
Dra. Emma Otta pelas sugestes no exame de qualificao.
todos do laboratrio, Cilene, Mirian, Lugui, Fabio, Juliana, Edi, que me esclareceram
duvidas sempre que precisei.
Ao CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.
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Na pista a massa dana em comunho ao ritmo de uma nica batida,
uma nica msica, uma droga, uma nica alma coletiva. O DJ o novo
messias; amusica a palavra de Deus. O vinho dos cristos foi substitudo
pelo ecstasy e a iconografia dos vitrais pelos monitores de televiso.
In Amor, curiosidade, Prozac e dvidas.
Lucia Etxebarra, 1997.
NOITE. Todo estado que suscita no sujeito a metfora da obscuridade
(afetiva, intelectual, existencial) na qual ele se debate ou se acalma.
In Fragmentos de um discurso amoroso
Roland Barthes, 1977.
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SUMRIO
RESUMO.............................................................................................................. i
ABSTRACT.......................................................................................................... ii
INTRODUCAO.................................................................................................... 1
Histrico....................................................................................................... 1
Uso no Brasil................................................................................................ 5
Classificao e composio qumica........................................................... 6
Efeitos psicolgicos e somticos................................................................. 9
Toxicidade e complicaes clnicas............................................................ 10
Mecanismo de ao no Sistema Nervoso Central....................................... 14
Objetivos..................................................................................................... 18
MTODO............................................................................................................. 19
Sujeitos........................................................................................................ 19
Instrumento................................................................................................. 21
Procedimento............................................................................................... 22
Anlise......................................................................................................... 24
RESULTADOS..................................................................................................... 25
DISCUSSAO......................................................................................................... 46
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 62
ANEXOS .............................................................................................................. 68
A. Folha de rosto da pesquisa.................................................................. 68
B. 1 Questionrio parte I............................................................................. 69
B. 2 Questionrio parte II (apenas para usurios em verso feminina)...... 72
B. 3 Escalas Psicolgicas............................................................................ 75
B. 4 Entrevista final.................................................................................... 79
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i
RESUMO
ALMEIDA, Stella Pereira de. Primeiro perfil do usurio de xtase(MDMA) em So Paulo. So Paulo, 2000, 80p. Dissertao (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo. O presente estudo teve como objetivo identificar os padres de uso de xtasena cidade de
So Paulo. Os usurios foram recrutados atravs da tcnica de amostragem snowball, tambm
utilizada para o recrutamento do grupo controle, composto de indivduos com estilo de vida
semelhante aos primeiros mas que nunca haviam experimentado xtase(no usurios).
Usurios (52) e no usurios (52) foram entrevistados quanto s caractersticas scio-
demogrficas e quanto ao uso de drogas psicotrpicas, usurios tambm responderam
questes sobre circunstncias de uso e efeitos do "ecstasy". Atravs da Escala de
Impulsividade de Barratt e dos Inventrios de Depresso de Beck e de Ansiedade Trao-
Estado (IDATE-trao) foram medidas impulsividade, depresso e ansiedade de ambos os
grupos. Os dois grupos apresentaram caractersticas scio-demogrficas semelhantes: a
maioria pertencia classe mdia, era jovem, heterossexual, solteira e com nvel superior.
Entre os usurios o consumo de outras drogas psicotrpicas foi expressivamente superior.
Outras caractersticas mais freqentes no grupo de usurios foram a presena de tatuagens e
piercings, a frequncia a "raves" e a preferncia pela msica eletrnica. No Inventrio de
Depresso de Beck os usurios apresentaram pontuao significativamente menor quanto
depresso. Os resultados das escalas de impulsividade e ansiedade no apresentaram
diferenas significativas entre os dois grupos. Os padres de uso de xtasedos usurios
entrevistados so semelhantes aos padres descritos por pesquisas realizadas na Europa e em
Sidney: a maioria dos usurios consome um ou dois comprimidos a cada episdio de uso,
apenas nos finais de semana ou frias, mais freqentemente na companhia de vrias pessoas,
em ambientes ligados ao lazer noturno, como lugares para danar, "raves" e festas. Os
comprimidos so geralmente adquiridos de amigos ou conhecidos nesses locais. A maioria
dos usurios associa xtasea outras drogas psicotrpicas, particularmente maconha. As
caractersticas scio-demogrficas dos usurios entrevistados e seus padres de aquisio e
consumo de xtaseindicam um carter pouco marginal do uso. So sugeridas estratgias de
Reduo de Dano caso o uso de xtasese difunda em So Paulo.
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ii
ABSTRACT
ALMEIDA, Stella Pereira de. Primeiro perfil do usurio de "ecstasy" (MDMA) em So Paulo. So Paulo, 2000, 80p. Dissertao (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo.
The present study was aimed at identifying patterns of ecstasy (MDMA) use in the city of So
Paulo. Ecstasy users were recruited through the snowball technique. Using the same
technique, a control group of subjects that had never tried the drug (non users) was recruited
among individuals sharing with users a similar life style. Users (N=52) and non users (N=52)
were interviewed in order to obtain socio-demographic data and data of user of psychoactive
drugs; users were also questionned as to the circumstances surrounding their use of the drug.
Besides, levels of anxiety, depression and impulsiveness were assessed through Spielberger's
IDATE Trace Inventory, Beck's Depression Inventory and Barratt Impulsiveness Scale. Both
users and non users revealed similar socio-demographic characteristics: most subjects were
middle class young heterosexual single men and women who had a college degree. Multiple
drug using was more frequent among users than among non users. Other features that were
significantly more accentuated among users than among non users were the presence of
tattoos and piercings, the frequency to raves and the preference for electronic music. Beck
Inventory results pointed to significantly lower depression scores among users. No differences
were observed between groups in anxiety and impulsiveness scores. Ecstasy consumption
patterns among users are similar to those reported in Europe and Australia: most subjects take
one or two pillsper episode, during weekends or vacations, usually with company and in
social gatherings such as dancings, raves and parties. The drug is predominantly acquired
from friends or acquaintances in these same spots. Most users reported consuming ecstasy in
combination with other psychoactive drugs, particularly marihuana. The socio-demographic
features of users as well as the way they buy and consume the drug suggest that the present
pattern of use is not connected to illegal or marginal activities. Harm reduction strategies are
suggested in case of ecstasy's use increases and spreads among the young population of the
city.
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INTRODUO
O uso de drogas psicotrpicas universal; primitivo e moderno; prejudicial, incuo ou
benfico; singular, mas comum s mais diferentes culturas humanas em todos os tempos. Em
nossa cultura as drogas de abuso, em particular as ilegais, so uma grande preocupao social.
Entretanto, as aes que visam conter seu consumo por vezes exageram e por vezes
negligenciam seu perigo fsico e social.
Neste trabalho relatada uma pesquisa sobre o uso de xtase (3-4
metilenodioximetanfetamina, ou MDMA), droga psicotrpica ilegal produzida em
laboratrios clandestinos, comercializada na forma de comprimidos ou cpsulas que custam
atualmente entre R$ 25,00 e 45,00 em So Paulo. Nos Estados Unidos e Europa seu uso
bastante difundido, sendo conhecida como Ecstasy, Adam (referncia a Ado: a inocncia no
paraso antes do aparecimento da culpa e da vergonha), XTC ou simplesmente E. Sua via de
administrao mais comum a oral, mas ela tambm pode ser usada por via anal, ou pode ser
macerada e aspirada. Vale ressaltar que a facilidade na forma de consumo do "xtase" pode
ser um fator importante para sua popularizao. Enquanto as outras drogas ilegais tradicionais
(com exceo do LSD) exigem um lugar reservado e por vezes um kit para confeco e
consumo, o "xtase" pode ser consumido com muita discrio em qualquer lugar e no exige
nenhuma preparao. Alm disso, em quantidade de uso individual, o risco de ser identificado
e apreendido pela polcia mnimo.
Histrico
H divergncias quanto data de sntese da MDMA: para alguns ela foi sintetizada em 1912
(Milroy, 1999; Rochester & Kirchner, 1999), para outros em 1914 (Larangeira, Dunn, Rassi,
& Fernandes, 1996; Schwartz & Miller, 1997). De qualquer forma, foi patenteada em 1914
pelo laboratrio Merck, na Alemanha. A MDMA foi testada inicialmente como moderador de
apetite, mas devido a seus efeitos colaterais foi muito pouco utilizada e nunca comercializada,
ficando esquecida e sem uso por dcadas. Em 1965, o bioqumico americano Alexander
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Shulgin relata ter produzido e consumido MDMA em seu laboratrio, sendo o efeito de uma
leveza de esprito bastante prazerosa. Mas ele s voltou a se interessar pela droga no comeo
dos anos 70, quando tomou conhecimento de relatos de outros pesquisadores muito
entusiasmados com o uso teraputico da MDMA (Saunders, 1996). A comunidade cientfica
s veio a ser formalmente informada sobre a MDMA com uma publicao de Shulgin e
Nichols em 1978, a qual sugere que ela poderia ser utilizada como auxiliar psicoteraputico
(Larangeira et al., 1996). Atualmente, o uso de drogas psicotrpicas alucingenas como um
auxiliar psicoteraputico um episdio quase esquecido na histria da psiquiatria e da
psicologia. Hoje as drogas so utilizadas exclusivamente como tratamento qumico: aliviam
ou curam sintomas. Entretanto, nas dcadas de 50 e 60 foram descritas inmeras experincias
bem sucedidas tendo o alucingeno LSD (cido lisrgico) como um catalisador do processo
teraputico (Panke, Kurland, Unger, Savage, & Grof, 1970), experincias impedidas de
prosseguir aps essa droga ter sido considerada ilegal. Quando um novo tipo de tratamento
medicamentoso introduzido, comum um grande entusiasmo e alarde de sucessos, seguidos
de desiluso advinda dos insucessos; a experincia de Freud com a cocana (Cesarotto, 1989)
um exemplo clssico. Entretanto, o pice e o declnio das psicoterapias com uso de drogas
alucingenas tm algo de incomum na medida em que parecem ter sido banidas antes que
insucessos ou prejuzos tivessem sido comprovados pela comunidade cientfica. O LSD
cumpriu esse percurso e a MDMA o sucedeu. No incio dos anos 70, a MDMA comeou a ser
utilizada em contexto teraputico, como um facilitador do tratamento. Apresentava vantagens
sobre seu antecessor, o LSD, pois no provocava mudanas perceptuais e emocionais to
intensas, seus efeitos tinham durao mais curta e no haviam sido relatados flashbacks, ms
viagens ou reaes psicticas, em doses teraputicas e em contextos controlados. Era
utilizada como favorecedora da aliana teraputica com o profissional na medida em que
aumentava a empatia, a confiana no terapeuta e a auto confiana, convidando auto-anlise
e favorecendo insights. Os primeiros psicoterapeutas a utilizar a MDMA sabiam do risco que
ela corria de seguir os passos do LSD, ou seja, perceberam sua potencialidade de uso com
funes recreativas e consequente possibilidade de abuso e ilegalidade. Fizeram ento o
acordo de desenvolver pesquisas informais sem chamar a ateno do pblico para a droga.
Conseguiram faz-lo durante um certo tempo, e o perodo entre 1977 e 1984 considerado a
poca de ouro da pesquisa teraputica com a MDMA (Saunders, 1996).
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Em 1984, final da poca de ouro, a MDMA no s era utilizada como auxiliar teraputico
mas tambm estava sendo amplamente utilizada pelos jovens norte-americanos como droga
recreativa. Pesquisa realizada em 1986 na Universidade de Tulane, EUA, constatou que
15,5% dos estudantes haviam experimentado xtase pelo menos uma vez na vida (Cuomo,
Dyment, & Gammino, 1994). Em outra pesquisa realizada tambm em 1986 na Universidade
de Stanford, tambm nos EUA, 39% dos estudantes declararam ter consumido xtase pelo
menos uma vez na vida (Peroutka, 1987). Nessa poca a MDMA j era denominada "xtase",
valendo ressaltar o forte apelo mercadolgico do nome, e era vendida livremente, a U$ 20,00,
em bares que aceitavam cartes de crdito (Cloud, 2000; Saunders, 1996). Esse uso pblico,
livre e crescente chamou a ateno da imprensa que em 1985 publicou matrias de capa em
vrias revistas, como Newsweek, Time e Life. A visibilidade na mdia atraiu mais adeptos e
disseminou o uso antes restrito a determinadas cidades norte americanas (Beck & Morgan,
1986). Alm disso, tambm em 1985, foi divulgado que o uso de uma outra droga sinttica
chamada White China, sintetizada com o intuito de esquivar-se do controle legal e substituir a
herona, causara graves danos cerebrais em usurios. Comentando o fato, os veculos de
comunicao sugeriram que o xtase seria uma droga similar White China, o que o
transformou em neurotxico potencial e portanto em problema de sade pblica. Por fim, foi
publicado um relatrio no qual eram apresentadas evidncias de danos cerebrais causados
pela MDA, droga anloga MDMA, em ratos (Saunders, 1996). Assim, a popularizao do
uso de MDMA, a publicidade nos meios de comunicao, o incidente White China e a
publicao de artigo sobre o potencial neurotxico de seu anlogo MDA encerraram a fase de
uso legal de xtase. Em maio de 1985 a agncia Drug Enforcement Administration (DEA)
nos EUA convocou uma comisso de emergncia para colocar a MDMA na Categoria 1 de
substncias controladas, categoria definida por: (a) alto potencial de abuso, (b) ausncia de
uso teraputico/mdico e (c) insegurana do uso mesmo com superviso mdica (McClain &
Sapienza, 1989). Em junho de 1986 foram realizadas audincias, e foi mantida sua
permanncia na ilegalidade e na Categoria 1, ainda que psiclogos e psiquiatras tenham
testemunhado a favor do uso da MDMA como auxiliar do processo psicoteraputico
(Grinspoon & Bakalar, 1986). At hoje h grupos que defendem a legalizao da MDMA.
Recentemente foi aprovado o primeiro estudo sobre seu uso teraputico aps ter sido
classificada como droga ilegal, em pesquisa que ser desenvolvida na Espanha (Cloud, 2000).
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Na Europa o consumo da MDMA sempre foi ilegal, tendo sido introduzido por discpulos de
Bhagwan Rajneesh em meados da dcada de 80 com fins espirituais. Mas a partir de um
evento musical acontecido em Ibiza entre 1987 e 1988, no qual muitos participantes
experimentaram MDMA, que surgem as festas conhecidas como raves e com elas o uso de
xtase se populariza na Europa. Terminado tal evento os jovens voltaram para seus pases
com desejo de perpetuar o que tinha se passado. Alguns empreendedores ingleses perceberam
que recriar a atmosfera Ibiza seria muito bem aceito. Comearam a organizar festas em
armazns porturios londrinos onde centenas de pessoas pagavam um ingresso e danavam a
noite inteira com msica eletrnica ininterrupta, usando xtase ou, na sua falta, LSD. Logo
essas festas ganharam cada vez mais adeptos e comearam a acontecer em locais maiores,
fora do permetro urbano mas perto de Londres. Logicamente, festas que reuniam centenas ou
milhares de jovens danando a noite inteira e usando drogas atraram a ateno da polcia e,
em 1990, foi aprovada na Gr-Bretanha uma lei que previa pena de at seis meses de deteno
e confisco de todo o lucro dos organizadores de festas-rave. Com isso, os empreendedores
desistiram de organiz-las e os ravers se deslocam para os clubes noturnos. Da para frente o
xtase vai fazer parte da cultura dance-clubber (Saunders, 1996). Nos EUA as raves
apareceram no incio dos anos 90, e assim como na Europa, o uso de xtase faz parte da
festa (Schwartz & Miller, 1997). Ao longo desses dez anos as raves vm se espalhando pelos
EUA. So festas pelas quais cobrado um ingresso e geralmente so realizadas em algum
lugar do deserto, com msica eletrnica ininterrupta, centenas ou milhares de participantes e
alto consumo de drogas, em especial xtase, LSD e mescalina.
Podemos observar que a ilegalidade da MDMA no parece ter conseguido diminuir o nmero
de usurios recreativos que ao contrrio s tem aumentado, como demonstram vrios
levantamentos realizados tanto na Europa como nos Estados Unidos (Brown, Jarvie, &
Simpson, 1995; Cuomo et al., 1994; Gore, 1999). Alm disso, embora a ilegalidade tenha
encerrado o uso teraputico da MDMA, ainda se afirma que seriam necessrias mais
pesquisas para descartar seu uso na medicina psiquitrica (Holland, 1999).
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Uso no Brasil
H uma absoluta falta de dados epidemiolgicos brasileiros sobre o consumo de xtase e
no h publicaes sobre seu padro de uso em nenhuma cidade do Brasil at o presente
momento. Nos quatro levantamentos nacionais sobre consumo de drogas, realizados em 1987,
1989, 1995 e 1997, no consta nenhuma questo sobre o xtase como uma das drogas j
utilizadas na vida (Carlini, Carlini-Cotrim, Silva-Filho, & Barbosa, 1990; Carlini-Cotrim,
Carlini, Silva-Filho, & Barbosa, 1989; Galdurz, D'Almeida, Carvalho, & Carlini, 1994;
Galdurz, Noto, & Carlini, 1997).
Diferentemente da Europa e Estados Unidos onde o uso de xtase bastante disseminado,
no Brasil seu consumo por enquanto restrito a determinado grupo e desconhecido para a
maior parte da populao. Entretanto, esse consumo vem provavelmente aumentando,
podendo acabar por seguir a tendncia americana e europia. Na falta de dados
epidemiolgicos nos resta a anlise pouco sistemtica de que no prazo de dois meses foram
entrevistados para a presente pesquisa mais de 100 sujeitos que j tinham usado xtase pelo
menos uma vez na vida, sendo que 52 deles mais de 10 vezes e alguns mais de 50 vezes.
Segundo o Departamento de Inteligncia e Apoio Polcia (DIAP), diviso do Departamento
de Narcticos de So Paulo (DENARC), foram apreendidos em So Paulo 1140 comprimidos
de xtase em 1998, nove comprimidos em 1999 e 613 at junho de 2000. As apreenses de
"xtase" podem no estar diretamente relacionadas ao consumo. possvel que a
estratificao social do uso de "xtase" e seu desconhecimento pela maioria da populao
determine pouco interesse seja da sociedade seja do governo para uma represso mais efetiva.
Assim, medida que cresce o interesse e a veiculao de reportagens sobre o assunto de se
supor que tambm sejam realizadas maiores apreenses.
Na mdia brasileira a visibilidade do xtase vem aumentando. At 1999 o xtase era
citado poucas vezes, grafado em ingls (ecstasy), quase sempre nos cadernos de cultura em
matrias ligadas moda ou comportamento como um signo de grupos ou tendncias de
vanguarda, sem informaes sobre a droga. Vale citar que, em junho de 1999, a revista Veja-
So Paulo publicou uma matria de capa sobre raves na qual curiosamente o xtase no
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citado. Atualmente observamos cada vez mais citaes que comeam a ocupar tambm as
pginas policiais, noticiando um crescente nmero de prises e apreenses.
As primeiras remessas significativas de xtase chegam a So Paulo em 1994, vindas
principalmente de Amsterd. Nesse momento ainda no havia traficantes de xtase,
algumas pessoas traziam os comprimidos e os revendiam seletivamente a amigos em clubes
noturnos (Palomino, 1999). Se na Europa o consumo de xtase comeou nas raves e depois
foi para os clubs, em So Paulo seu percurso inverso. As raves apareceram em 1995,
organizadas a princpio por DJs brasileiros vindos de Londres. Nessa poca essas festas eram
realizadas a cada dois ou trs meses com um pblico menor e menos heterogneo que hoje.
Atualmente em So Paulo h festas-rave todos os finais de semana em lugares amplos e ao ar
livre, tais como praias, stios ou parques aquticos. Renem de trs a cinco mil pessoas e
duram de catorze a dezoito horas. A msica eletrnica ininterrupta, panos fluorescentes com
motivos tntricos ou aliengenas decoram o ambiente e a iluminao feita com luzes negras,
coloridas, estroboscpicas, laser e globos de espelhos. As vrias pistas de dana so
comandadas por DJs que ocupam o lugar de maior status nas festas, posto que o motivo que
une todas essas pessoas ouvir msica e danar. Os participantes ou ravers se vestem em
geral com roupas coloridas, usam adereos fluorescentes, valorizam moda e bodyart, que
inclui tatuagens e piercings (aplicao de adereos no corpo). inegvel a presena de
"xtase" nas raves e grande parte de seus usurios esto ali concentrados. Outra parte dos
usurios (por vezes sobreposta aos ravers) so portanto os clubbers: indivduos que
frequentam casas noturnas onde tambm se dana a noite inteira com msica eletrnica
ininterrupta comandada por DJs. A moda tambm extremamente valorizada, mas aqui
menos colorida e psicodlica, mais geomtrica e tecnolgica. Tatuagens e piercings tambm
fazem parte da cultura-clubber. Ambos os grupos pertencem na sua maioria classe alta e
mdia alta e tm bom nvel educacional, at porque esse estilo de vida no barato.
Classificao e composio qumica
De acordo com o efeito provocado no sistema nervoso central, as drogas psicotrpicas podem
ser classificadas como estimulantes, depressores ou perturbadores de seu funcionamento. As
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drogas perturbadoras so tambm chamadas de alucingenas. Com relao a seu efeito a
MDMA uma das poucas drogas com dupla classificao: situa-se entre os estimulantes e os
alucingenos, sendo por vezes classificada como uma anfetamina alucingena (Larangeira et
al., 1996).
A MDMA frequentemente classificada como droga de desenho, termo com dois
significados: (a) qualquer substncia fabricada para produzir efeitos especficos, definio
pouco elucidativa e muito geral, na qual cabem inmeras substncias, ou (b) drogas anlogas
a substncias ilegais e com efeitos psicolgicos semelhantes, produzidas atravs de processo
de engenharia qumica, com o objetivo de esquivar-se do controle legal. Por ser anloga
anfetamina e metanfetamina a MDMA s vezes considerada droga de desenho; entretanto
ela foi patenteada em 1914 sem fins determinados e muito antes de tornar-se ilegal nos EUA
em 1985. Assim, embora alguns autores definam a MDMA como uma droga de desenho, essa
classificao no est bem aplicada (Beck & Morgan, 1986; Calafat et al., 1998; Cook, 1995).
Dada a dificuldade de enquadrar a MDMA na classificao habitual das drogas psicotrpicas
e visando diferenci-la de outros alucingenos, foi proposto um termo bastante especfico que
descreveria os efeitos da MDMA e de seus anlogos: Entactogen. O termo usado para
drogas cujos efeitos so aumento de contato consigo mesmo e da introspeo, aumento da
empatia e da comunicao com outras pessoas, induo a estado positivo de humor,
sentimentos de intimidade e tranquilidade (Schwartz & Miller, 1997). Esse termo no vingou,
mesmo porque estava ligado s experincias teraputicas com a MDMA encerradas com sua
proibio.
A MDMA produzida sinteticamente em laboratrio a partir de metanfetamina. Porm h
precursores qumicos naturais contidos em leos de plantas, como noz moscada, endro,
clamo, aafro, canela e semente de salsa (Elk, 1996). Sua composio qumica
apresentada na Figura 1.
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Figura 1. Estrutura qumica do "xtase" (3,4 metilenodioximetanfetamina).
Dada sua ilegalidade, sabe-se que nem todos os comprimidos vendidos e consumidos como
xtase necessariamente contm MDMA. O xtase uma droga sem nenhum controle
farmacutico. Ningum sabe exatamente o que est consumindo e o controle feito por
usurios que j tomaram determinado tipo e aprovaram ou no seus efeitos. Os tipos de
xtase ganham apelidos conforme a cor e o desenho impresso nos comprimidos e sua
popularidade e preo variam de acordo com os efeitos produzidos. No Brasil, os tipos vo
mudando conforme chegam importaes. Segundo relatos informais de usurios grande
parte do xtase consumido no Brasil vem da Europa, e em julho de 1999 em So Paulo os
tipos mais comuns eram o JB amarelo, o mitsubishi e o verde RN.
Em 1995 foram realizadas anlises nos comprimidos de xtase mais consumidos no Reino
Unido. Os resultados mostraram que a maioria contm uma mistura de MDMA com uma ou
mais drogas em propores variadas, e alguns nem sequer contm MDMA. As outras drogas
mais frequentemente associadas MDMA nos comprimidos de xtase foram: MDEA
(anlogo sinttico da MDMA), metanfetamina, anfetamina, paracetamol, cafena ou ketamina
(Wolff, Hay, Sherlock, & Conner, 1995). Na Alemanha a anlise de comprimidos apreendidos
verificou que apenas 47,5% deles continham MDMA (Sondermann & Kovar, 1999).
Entretanto, h outras pesquisas que averiguaram pouca adulterao nos comprimidos de
"xtase" na Austrlia e na Europa, sendo que quando no puro contm uma mistura de
MDMA com seu anlogo MDA (Solowij, Hall, & Lee, 1992). Embora esses dados
justifiquem a consonncia dos efeitos relatados por usurios de xtase de diversos pases,
importante salientar que essas pesquisas foram realizadas ainda na dcada de 80 e que
portanto esse quadro pode ter se alterado, e nesse caso a pesquisa realizada por Wolff e
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colaboradores em 1995 talvez traduza melhor o quadro da composio dos comprimidos hoje
em dia. De qualquer forma, o fato que s uma anlise em amostras comercializadas
atualmente nos diria se o que usado como xtase de fato MDMA. Enquanto isso, o
contedo dos comprimidos consumidos no Brasil duvidoso e desconhecido.
Efeitos psicolgicos e somticos
Os efeitos da MDMA se fazem sentir aproximadamente 20 minutos aps a ingesto do
comprimido e permanecem por quatro a oito horas (Cook, 1995). Os vrios estudos sobre os
efeitos provocados pelo xtase apresentam resultados muito semelhantes (Cohen, 1995;
Ferigolo, Medeiros, & Barros, 1998; Solowij et al., 1992; Vollenweider, Gamma, Liechti, &
Huber, 1998). Os efeitos imediatos so descritos na maioria das vezes como prazerosos,
embora tambm sejam apontados efeitos desagradveis, quase sempre fsicos. J os efeitos 24
horas aps a ingesto so descritos como mais negativos, tanto fsica quanto
psicologicamente. A depresso dois dias aps o uso de "xtase" um efeito descrito por
vrios pesquisadores (Curran & Travill, 1997; Parrott & Lasky, 1998). Os dados descritos
pelos pesquisadores citados acima esto reunidos na Tabela 1.
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Tabela 1: Efeitos imediatos e tardios do "xtase" (MDMA) de acordo com as pesquisas mencionadas no texto.
EFEITOS IMEDIATOS (4-8 horas) TARDIOS (24 horas)
P S I C O L G I C O S
Loquacidade Abertura mental Proximidade de outras pessoas Felicidade Bom humor Sensualidade Euforia Aumento da autoconfiana Despreocupao Aumento de energia Excitabilidade sexual Leve sensao de desrealizao
Depresso Despersonalizao Flashbacks Preocupao Insnia Dificuldade de concentrao
S O M T I C O S
Inapetncia Boca seca Agitao Acelerao do batimento cardaco Bruxismo/trismo Insnia Fluxos de frio e calor Sudorese Dificuldade de concentrao Vontade de urinar Midrase Nusea Ataxia (descoordenao motora)
Inapetncia Sede Falta de energia Fadiga Tontura Dores musculares
Toxicidade e complicaes do uso de MDMA
Embora a MDMA tenha reputao de droga segura, ou seja, que no apresenta perigo fsico
(Schwartz & Miller, 1997), h inmeros relatos de reaes adversas e mortes relacionados
sua ingesto (Lind, Oyefeso, Polland, Baldacchino, & Ghodse, 1999; McGuire, Cope, &
Fahy, 1994; O' Connor, 1994). Para alguns autores, ainda no h provas de que a MDMA
deixe sequelas severas em seres humanos e, embora existam relatos de efeitos adversos
agudos, o nmeros de casos surpreendentemente pequeno em relao ao nmero de usurios
(Bailly, 1999; Creighton, Black, & Hyde, 1991; Grob, Poland, Chang, & Ernst, 1996). Parece
que reaes severas ou fatais ao "xtase" so idiossincrticas e multifatoriais. Assim como j
se observou casos de morte aps a ingesto de apenas um comprimido, h um caso no qual
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tendo ingerido 40 comprimidos o indivduo no apresentava alteraes de presso ou
temperatura, embora com concentraes sricas de MDMA muito altas (Finechi, Centini,
Mazzeo, & Turillazzi, 1999; Regenthal, Kruger, Rudolph, Trauer, & Preiss, 1999).
H dois problemas relativos segurana e ao perigo da MDMA: um deles a incerteza da
composio dos comprimidos, e o outro seria a mistura que frequentemente usurios fazem
com outras drogas, como estimulantes, opiceos e lcool. No h dvida de que essas duas
questes esto diretamente relacionadas ao aumento do potencial de perigo, toxicidade e risco
de efeitos adversos agudos relacionados MDMA. Tambm importante salientar que a
toxicidade de qualquer droga dependente da dose, da frequncia de uso, da vulnerabilidade
individual e das condies externas ambientais (Huether, Zhou, & Ruther, 1997). Nos ltimos
anos, os padres de uso de "xtase" mudaram muito. Da utilizao em isolamento ou em
pequenos grupos de amigos passou a ser usado em clubs ou raves. Como j foi observado,
esses locais so espaos para se danar horas seguidas, ao som de msica eletrnica muito alta
e ininterrupta, lugares com centenas de pessoas, com temperatura elevada, nem sempre com a
ventilao adequada. Pode-se bem supor que essa mudana no ambiente de uso de "xtase"
esteja associada ao aumento no nmero de casos de mortes e intoxicaes. De fato, foi
demonstrado em ratos o fenmeno da toxicidade anfetamnica de agrupamento, que significa
que tanto os efeitos comportamentais quanto os efeitos txicos da anfetamina aumentam
quando os animais so agrupados em relao a quando esto isolados. Mesmo quando a rea
total por animal a mesma, observou-se um aumento da toxicidade anfetamnica em
condies de agrupamento e temperaturas mais altas. Alm disso tambm se observou que
para animais colocados em caixas individuais a toxicidade diretamente proporcional
temperatura ambiente, rudo externo e pouca hidratao. Essas constataes podem ser
relevantes para o estudo da toxicidade da MDMA, j que seu uso em raves e clubs apresenta
as caractersticas de propenso a maior toxicidade, ao menos por analogia anfetamina
(Green, Cross, & Goodwin, 1995).
Dentre as complicaes clnicas, a hipertermia a ocorrncia mais frequente associada
MDMA, quadro no qual os usurios podem chegar a temperaturas corporais de 42oC. A razo
pela qual a MDMA afeta a termoregulao corporal no clara, mas parece estar relacionada
com o aumento de liberao de serotonina. As condies externas habitualmente associadas
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ao uso de xtase, ou seja, exerccio fsico intenso em ambiente quente e falta de hidratao,
aumentam consideravelmente o risco de hipertermia. Ela pode causar desidratao,
rabdomilise, o que desencadeia coagulao intravascular disseminada (DIC), provocando
convulses e morte. At 1994 haviam sido relatados vinte e seis casos de hipertermia na
Inglaterra, dos quais nove letais (O' Connor, 1994). Para combater o risco amplamente
divulgado de desidratao os usurios costumam beber grandes quantidades de gua (est
descrito um caso de morte aps ingesto de 13 litros), cujos efeitos podem ser hipotermia
(Box, Prescott, & Freestone, 1997) e edema cerebral (Matthai, Davidson, Sills, & Alexandrou,
1996). Tambm esto documentados vrios casos de problemas hepticos relacionados ao uso
de MDMA, desde ictercia at falncia renal aguda com necessidade de transplante (O'
Connor, 1994). O mecanismo pelo qual a MDMA ocasiona problemas hepticos ainda no
est claramente definido, mas parece ser uma reao idiossincrtica, pois independe da dose e
da frequncia de uso e pode ocorrer tanto aps o primeiro quanto aps vrios episdios de uso
de MDMA (Finechi et al., 1999; Schwab, Seyringer, Brauer, Hellinger, & Griese, 1999). Foi
registrado um caso de reteno urinria aps o uso de grande quantidade de MDMA (15
comprimidos em 36 horas), efeito provavelmente devido ao agonista alfa adrenrgica da
MDMA (Bryden, Rothwell, & PH, 1995).
Em relao a problemas psiquitricos ainda pouco conhecida a morbidade psiquitrica
associada ao uso de xtase. Entretanto h casos de psicoses documentados: psicose crnica
atpica, psicose atpica e mais frequentemente psicoses paranicas. Na grande maioria dos
casos o estado clnico do paciente responde bem aos neurolpticos, psicofrmaco
classicamente utilizado em distrbios psicticos (Bailly, 1999; Creighton et al., 1991;
McGuire et al., 1994). Foram tambm descritos nove casos de ataque de pnico consequentes
ao uso de xtase. Esses quadros tiveram uma durao limitada aos efeitos do xtase,
alguns tiveram recidivas em novos episdios de uso outros no. H relato de um caso que
evoluiu para um distrbio de pnico. Quando medicados, respondem bem aos tratamentos
farmacolgicos clssicos (Bailly, 1999; Whitaker-Azmitia & Aronson, 1989). H casos em
que o uso de xtase est associado ideao suicida e ao suicdio. Embora esteja
comprovado que h uma correlao entre baixos nveis de cido 5-hidroxi-indolactico (5-
HIAA) crebro-espinhal e suicdio, e que a MDMA causa esgotamento cerebral de serotonina
(5-HT) e de 5-HIAA, no se pode concluir que a MDMA seja a nica responsvel por essa
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associao (Cohen, 1996). Embora a MDMA seja geralmente descrita como uma droga no
adictiva, ou seja, que no causa dependncia, foram descritos casos clnicos que preenchem os
critrios de sndrome de dependncia ao "xtase" (Jansen, 1999). Experimento realizado com
babunos mostrou que a MDMA age como reforador, resultado que sugere potencial de
abuso (Lamb & Griffiths, 1987).
O desenvolvimento da tolerncia decorrente do uso frequente de MDMA no se d de forma
homognea para todos os sintomas. Com o uso habitual, a intensidade dos efeitos colaterais
indesejveis tais como inapetncia, trismo, nusea, dores musculares, ataxia, sudorese,
taquicardia, fadiga e insnia aumentam, enquanto diminuem os efeitos subjetivos prazerosos,
como melhora do humor e alucinaes (Solowij et al., 1992). Por isso, comum os usurios
fazerem pausas abstinentes retomando o uso aps algumas semanas, a fim de recuperar os
efeitos positivos anteriores ao estabelecimento de tolerncia.
Em relao s funes cognitivas, estudos realizados com usurios crnicos de "xtase"
encontrou prejuzos de memria e ateno quando comparados a controles no usurios
(Krystal, Price, Opsahl, Ricaurte, & Heninger, 1992). Outro pesquisador tambm detectou
prejuzos de ateno e memria diretamente relacionados dose, frequncia e ao tempo de
uso de "xtase" (McCann, Mertl, Eligulashvili, & Ricaurte, 1999). Em ratos, embora a
MDMA tenha causado reduo dos nveis de 5-HT cerebral, a memria no foi afetada
(Ricaurte et al., 1993). Mas, segundo o NIDA (National Institute on Drug Abuse), um estudo
comparativo entre no usurios e usurios habituais indicou que esses apresentavam prejuzos
significativos de memria verbal e visual. Os prejuzos so diretamente proporcionais dose e
permanecem no mnimo duas semanas aps o uso ser interrompido. Isso parece estar
relacionado a danos causados aos neurnios serotonrgicos (NIDA, 1998). Ainda com relao
memria, foi descrito um caso de sndrome amnsica em decorrncia da ingesto de
"xtase". Aps nove meses a paciente ainda apresentava pequeno prejuzo de memria (Spatt,
Glawar, & Mamoli, 1997).
Tambm foi observado que o uso de "xtase" afeta o sono dos usurios. Foram comparados os
tempos totais de sono de usurios (com mais de 25 episdios de uso) e de indivduos que
nunca haviam utilizado xtase. Os sujeitos de ambos os grupos no usavam drogas
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psicotrpicas h duas semanas. Constatou-se que os usurios tm menos tempo total de sono
do que no usurios, e que essa diferena se deve a um menor tempo de sono no-REM entre
os usurios (Allen, McCann, & Ricaurte, 1993). Tambm so relatados outros efeitos sobre o
sono de usurios de xtase: insnia, inverso do ritmo viglia/sono, pesadelos, alucinaes
hipnaggicas e bruxismo (Bailly, 1999).
Foi demonstrado que usurios de "xtase" apresentam desgaste dos dentes significativamente
maior do que no usurios. Esse desgaste atribudo ao bruxismo provocado pela droga. O
desgaste dentrio ainda exacerbado quando o xtase associado ingesto de bebidas
gasosas, o que ocorre frequentemente (Redfearn, Agrawal, & Mair, 1998). So ainda relatados
problemas dermatolgicos e emagrecimento em usurios habituais de "xtase".
O uso de "xtase" por gestantes est associado a um aumento de m formaes congnitas,
predominantemente anomalias cardiovasculares e msculo-esquelticas (McElhatton,
Bateman, Evans, Pughe, & Thomas, 1999).
Por ltimo parece que a MDMA deprime o sistema imunolgico, em especial quando
associada ao lcool. Entretanto essa observao foi feita em pesquisa realizada com um
pequeno nmero de sujeitos, o que significa que amostras maiores seriam necessrias para
comprovar essa ao (Pacifici et al., 1999).
Mecanismo de ao no sistema nervoso central
A administrao de MDMA em animais desencadeia uma resposta bifsica que pode ser
dividida em efeitos de curto prazo (primeiras 24 horas) e de longo prazo (que permanecem
aps 24 horas, podendo durar at mais de 12 meses). Os efeitos psicolgicos e
comportamentais de curto prazo parecem estar mais diretamente ligados estimulao
serotonrgica, enquanto os efeitos de longo prazo esto mais relacionados ao
desenvolvimento de neurotoxicidade serotonrgica (McKenna & Peroutka, 1990).
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(a) Efeitos de curto prazo
Ao sobre a 5-HT e 5-HIAA
A MDMA promove a liberao de 5-HT, sendo um agonista serotonrgico indireto. A
MDMA atravessa rapidamente a membrana pr-sinptica; ainda no se sabe se isso se d
passivamente ou atravs de um transportador. Aps atravessar a membrana do neurnio a
MDMA causa efluxo de 5-HT da vescula onde fica armazenada para o citoplasma. A
liberao de 5-HT ocasionada pela MDMA parece ser clcio-independente o que uma
evidncia de que proveniente do citoplasma e no diretamente das vesculas sinpticas,
posto que a liberao de 5-HT vesicular clcio-dependente (Rattray, 1991). Corrobora essa
hiptese a afirmao de que a liberao de 5-HT promovida pela MDMA sdio-dependente
(Huether et al., 1997). Do citoplasma da clula nervosa a 5-HT rapidamente liberada para o
espao extracelular atravs de transportadores serotonrgicos. A liberao de 5-HT induzida
pela MDMA pode ser bloqueada por inibidores de recaptao de serotonina, como por
exemplo a fluoxetina (Huether et al., 1997; Rattray, 1991). Essa observao sugere duas
hipteses: a primeira de que a MDMA transportada passivamente para dentro da clula
nervosa desencadeando a liberao de 5-HT vesicular para o citoplasma; nesse caso, a
fluoxetina bloquearia os transportadores impedindo a liberao de 5-HT citoplasmtica na
fenda. Uma segunda hiptese seria de que a passagem da MDMA atravs da membrana
necessita de um transportador e nesse caso a fluoxetina, bloqueando o transportador,
impediria que a MDMA atravessasse a membrana e promovesse a liberao de 5-HT da
vescula para o citoplasma (Rattray, 1991).
Alm de promover a liberao de 5-HT, estudos in vitro mostraram que a MDMA tem
capacidade de inibir sua recaptao pelos terminais nervosos. In vivo, parece que a MDMA
tambm tem ao inibitria sobre os transportadores responsveis pela recaptao de 5-HT. O
bloqueio de recaptao de 5-HT prolongaria as aes pr e ps-sinpticas da liberao de 5-
HT, aumentando efetivamente sua concentrao na fenda sinptica (Rattray, 1991). A MDMA
tambm provoca decrscimo na atividade da enzima triptofano-hidroxilase (TPH), enzima
responsvel pela sntese de 5-HT (McKenna & Peroutka, 1990). O mecanismo preciso atravs
do qual a MDMA interfere na atividade da TPH desconhecido. Uma hiptese de que,
direta ou indiretamente, a MDMA tenha um efeito oxidativo nos terminais nervosos, o que
pode inativar a TPH (Rattray, 1991). A liberao macia de 5-HT, somada ao bloqueio de sua
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recaptao e inativao da TPH, resulta no esgotamento intraneuronal de 5-HT e do 5-
HIAA. Aps uma nica dose de MDMA o esgotamento de 5-HT rpido, ocorrendo entre
uma e trs horas aps sua administrao. Em ratos, redues na concentrao de 5-HT e 5-
HIAA chegam a 80% em trs horas (McKenna & Peroutka, 1990).
Cabe notar ainda que a MDMA tem grande afinidade pelo sub-receptor serotonrgico 5-HT2,
o qual considerado responsvel pelos os efeitos alucingenos causados pelo LSD. Isso
sugere que a ligao da MDMA a esse receptor module os efeitos alucingenos atribudos a
ela.
Ao da MDMA sobre a dopamina (DA) e noradrenalina (NA)
Embora a anfetamina e a metanfetamina sejam potentes agentes liberadores de DA, a MDMA
muito seletiva no esgotamento de 5-HT, in vivo e in vitro (Gazzara, 1989; Rattray, 1991)
Em contraste com a acentuada reduo intracelular de 5-HT e de 5-HIAA consequentes
administrao de MDMA, no foram observadas mudanas similares nos nveis de DA ou NA
(McKenna & Peroutka, 1990). In vitro, demonstrou-se que a MDMA bloqueia a recaptao de
DA e NA, embora tenha baixa afinidade pelo transportador dopaminrgico. In vivo, h poucas
evidncias sugerindo que a MDMA cause, diretamente, liberao de DA na maioria das
regies cerebrais (Rattray, 1991). Pesquisa mais recente descreve que a MDMA estimula a
liberao de DA em sinapses dopaminrgicas (Huether et al., 1997). Segundo seus autores,
parece que a MDMA ultrapassa a membrana pr-sinptica atravs de um processo passivo,
causando a liberao de DA vesicular atravs de um mecanismo similar ao que ocorre nos
neurnios serotonrgicos. O transporte da DA citoplasmtica livre para a fenda sinptica
mediado por transportadores dopaminrgicos da membrana. Ainda segundo esses autores a
ativao dos receptores 5HT2A, atravs da liberao de 5-HT, parece facilitar a liberao de
DA induzida pela anfetamina, enquanto a administrao de antagonistas de 5-HT2A atenua os
efeitos de anlogos anfetamnicos (como por exemplo a MDMA) na liberao de DA. bem
possvel que a MDMA ocasione a liberao de NA em terminais noradrengicos atravs de
um mecanismo similar ao da liberao de DA, mas esse efeito ainda no foi investigado.
A interao com o receptor alfa-2 adrenrgico deve ser relevante para os efeitos
cardiovasculares, ou seja, aumento do batimento cardaco, hipertenso e arritmias. Alm da
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afinidade da MDMA pelo transportador de 5-HT e pelo receptor alfa-2 adrenrgico , a
MDMA tambm tem afinidade pelo receptor de acetilcolina, receptor muscarnico M1, e
receptor histamnico H1 (Rattray, 1991). No se sabe, porm, o papel funcional dessas
ligaes.
(b) Efeitos de longo prazo
Nveis cerebrais de 5-HT e 5-HIAA
Vrios pesquisadores descreveram que a MDMA responsvel por redues duradouras nos
nveis cerebrais de 5-HT e 5-HIAA, em alguns casos persistindo por mais de 12 meses (Green
et al., 1995; McKenna & Peroutka, 1990; Rattray, 1991). Tambm a diminuio da atividade
da TPH em consequncia da administrao de MDMA duradoura, sua atividade cortical
permanece significativamente reduzida uma semana aps sua administrao. Isso indica a
irreversibilidade da inativao da TPH pela MDMA, de forma que seu restabelecimento
depende da sntese de nova enzima (Green et al., 1995). Estudos in vitro e in vivo constataram
que a administrao crnica de MDMA causa diminuio na densidade de receptores 5-HT,
em ratos. Em seres humanos tambm foi observada diminuio na densidade de receptores 5-
HT em usurios crnicos de MDMA (McCann, Szabo, Scheffel, Dannals, & Ricaurte, 1998).
Entretanto h vrias crticas a essa pesquisa humana no que diz respeito ao mtodo, tanto em
relao amostra quanto tcnica empregada (Jansen & Forrest, 1999; Morgan, 1999; Reed,
Winstock, Cleare, & McGuire, 1999). Tais crticas sugerem que ainda no h dados
conclusivos no que se refere a essa questo.
Assim, embora haja indicaes de que a MDMA seja potencialmente neurotxica ainda so
desconhecidos os mecanismos atravs dos quais se d sua toxicidade.
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Objetivos desta pesquisa
Esta pesquisa visa delinear um primeiro perfil do usurio de xtase na cidade de So Paulo.
Se o consumo de xtase no Brasil seguir a tendncia americana e europia, teremos em
muito pouco tempo um uso disseminado, popular e em moda, sem que os profissionais da
sade estejam preparados para sua compreenso.
Os objetivos desta pesquisa so portanto:
1. Descrever a populao de usurios habituais de "xtase" que compe a amostra ,
2. Descrever os padres de uso de "xtase" da populao entrevistada,
3. Listar os efeitos atribudos ao "xtase" relatados pelos sujeitos, e compar-los com dados
de pesquisas internacionais,
4. Comparar, por meio da aplicao de escalas padronizadas, usurios habituais de "xtase" e
no usurios quanto as seguintes caractersticas: impulsividade, ansiedade e depresso.
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MTODO
Sujeitos
Foram entrevistados 184 indivduos dos quais 76 nunca tinham experimentado xtase e 108
j o tinham utilizado pelo menos uma vez na vida.
Classificao da populao pesquisada quanto ao padro de uso de xtase. Na literatura
no h uniformidade na classificao de usurios de xtase: pesquisadores diferentes usam
categorias diferentes. Parrott divide os sujeitos em dois grupos de acordo com o nmero de
episdios de uso: usurios regulares, que usaram dez ou mais vezes, e novatos, que usaram at
nove vezes (Parrott & Lasky, 1998). J Calafat categoriza usurios europeus em cinco grupos
conforme a frequncia atual de uso: usurios ocasionais so os que usam xtase uma ou
menos de uma vez por ms; usurios habituais so os que usam mais de uma vez por ms e no
mximo uma vez por semana; compulsivos so os que usam mais de uma vez por semana, e
ex-usurios so definidos como um grupo heterogneo que inclui indivduos que usaram a
droga uma ou duas vezes e no continuaram a us-la (Calafat et al., 1998). Por sua vez,
Solowij classifica os usurios australianos pesquisados em dois grupos: usurios
experimentais so aqueles que utilizaram xtase de uma a trs vezes, e os que usaram mais
de trs vezes so subdivididos conforme sua frequncia atual em nove padres diferentes
(Solowij et al., 1992).
As classificaes acima descritas so muito amplas ou muito especficas. Uma vez que no h
um padro estabelecido para a classificao de usurios de xtase e que o uso no Brasil no
to comum quanto nos pases em que foram realizadas tais pesquisas, pareceu mais
adequado agrupar a populao entrevistada segundo outro parmetro. Assim, tendo como
referncia os autores citados e como intuito a adequao aos padres de uso dos sujeitos
entrevistados, as seguintes categorias foram definidas:
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0. No usurios: Indivduos que nunca experimentaram xtase.
1. Usurios habituais: Indivduos que usaram xtase mais de 10 vezes na vida e pelo
menos uma vez no ltimo ms.
2. Usurios experimentais: Indivduos que usaram xtase de uma a trs vezes na vida.
3. Usurios espordicos: indivduos que usaram xtase mais de 10 vezes na vida mas no
usavam h pelo menos dois meses, referindo frequncia inferior bimestral.
4. Ex-usurios: indivduos que usaram xtase mais de 10 vezes na vida mas no o
utilizam h um ano ou mais.
5. Outros usurios: Indivduos que usaram xtase entre cinco e oito vezes na vida.
A Tabela 1 indica o nmero de entrevistados conforme sua categoria de uso.
Tabela 1. Nmero de entrevistados conforme sua categoria de uso.
CATEGORIA N
0 - No Usurio 76
1 - Usurio Habitual 52
2 - Usurio Experimental 33
3 - Usurio Espordico 7
4 - Ex-usurio 6
5 - Outros usurios 10
TOTAL 184
Critrios de excluso/incluso. Com o objetivo de tornar a amostra de no usurios o mais
semelhante possvel da amostra de usurios foram excludos da anlise os questionrios de
no usurios que responderam que nenhum amigo usava xtase (questo 21 = 1). Tambm
foi adotado como critrio de excluso questionrios com mais de uma escala invlida. Por
essas razes foram excludos da anlise 24 questionrios de no usurios. Como a amostra de
usurios foi bastante heterognea em relao frequncia de uso, foi adotado como critrio de
incluso na anlise ser categorizado como usurio habitual. Portanto, nos resultados so
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analisados dois grupos de sujeitos: usurios habituais, daqui em diante denominados apenas
usurios, e no usurios, que constituram o grupo controle.
Instrumentos.
Foram utilizados trs instrumentos. O primeiro foi um questionrio de auto preenchimento
elaborado pela pesquisadora com base em dois outros questionrios aplicados em pesquisas
sobre o uso de xtase na Europa e na Austrlia (Calafat et al., 1998; Solowij et al., 1992). O
questionrio foi elaborado em trs verses diferentes, para: (a) usurios do sexo masculino,
(b) usurias do sexo feminino, e (c) no usurios de ambos os sexos. Cada questionrio era
composto de duas partes: (1) questes sobre dados scio-demogrficos, uso de drogas na vida
e no ms antecedente entrevista (questionrios a, b e c), e (2) questes sobre frequncia,
padres de uso e efeitos do xtase (questionrios a e b, somente para usurios). O segundo
instrumento utilizado foram trs escalas de auto preenchimento: (A) Inventrio de Ansiedade
Trao-Estado (IDATE-Trao) (Spielberger, Gorsuch, & Lushene, 1979), (B) Inventrio de
Depresso de Beck traduzido e validado por Gorenstein (Gorenstein & Andrade, 1998), e (C)
Barrat Impulsivity Scale (Patton, Stanford, & Barrat, 1995) traduzido por Hermano Tavares.
O terceiro instrumento utilizado foi uma entrevista dirigida final, cujas respostas foram
anotadas pela entrevistadora. Todos os instrumentos so apresentados no Anexo B.
Escolha das caractersticas e escalas a serem pesquisadas. Segundo Nardi (1998), a
ansiedade (...) um sentimento til. Sem ela estaramos vulnerveis aos perigos e ao
desconhecido. algo que est presente no desenvolvimento normal, nas mudanas e nas
experincias inditas (Nardi, 1998). Assim, o nvel de ansiedade poderia diferenciar usurios
de no usurios na medida em que indivduos mais ansiosos teriam mais resistncia a
experimentar uma droga nova e desconhecida. A caracterstica depresso foi escolhida porque
a MDMA provoca um esgotamento nos nveis de 5-HT e 5-HIAA a curto prazo, para alguns
autores tambm a longo prazo, e sabe-se que a diminuio nos nveis de 5-HT est
diretamente relacionada patognese da depresso (Graeff, 1989). J a caracterstica
impulsividade foi escolhida porque h um estudo no qual relatada sua relao direta com o
uso de xtase (Morgan, 1998). Escolhidas as caractersticas a serem pesquisadas, as escalas
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selecionadas precisavam ser de auto preenchimento, ter um tempo de aplicao de
aproximadamente 10 minutos, ter verso em portugus, e estarem entre as mais utilizadas.
Procedimento
Recrutamento de sujeitos. Foi adotada a tcnica snowball, em portugus bola de neve, por ser
particularmente adequada ao estudo de fenmenos sociais em reas da ilegalidade, sendo
igualmente importante sua utilidade na explorao de populaes pouco conhecidas
(Kaplan,1987). Posto que o uso de xtase uma atividade social, ilegal e que at o
momento muito pouco conhecida no Brasil, a tcnica de recrutamento de sujeitos snowball
pareceu ser a mais adequada presente pesquisa. Os sujeitos foram ento recrutados atravs
dessa tcnica de amostragem, a qual foi primeiramente descrita e formalizada por Goodman
em 1961. Consiste em uma corrente ascendente de sub-amostras, compostas a partir de um
grupo inicial de k indivduos selecionados em virtude de sua disponibilidade e caractersticas
especficas conforme o que se intente estudar. Esses sujeitos iniciais compem a primeira sub-
amostra ou Estgio 0 e so convidados a indicar outros k indivduos, que formaro o Estgio 1
e que tambm so convidados a indicar outros k indivduos que por sua vez formaro o
Estgio 2, e assim por diante at que se atinja o nmero de sujeitos necessrios amostra
(Goodman, 1961).
Aplicao dos questionrios. A aplicao foi feita sempre pela mesma entrevistadora.
Primeiramente foi feito contato com os sujeitos iniciais (Estgio 0). Foram selecionados seis
indivduos conhecidos da entrevistadora com as seguintes caractersticas: pessoas que
participem de uma atmosfera onde o uso de "xtase" no seja estranho ou incomum. Esses
sujeitos foram contatados pessoalmente ou por telefone, e convidados a participar de pesquisa
sobre uso de drogas. A cada sujeito era solicitada indicao de outras pessoas com as mesmas
caractersticas que os tornaram sujeitos, ou seja, era solicitada a indicao de pessoas que
faam parte de seu crculo de amizades, tenham ou no feito uso de "xtase", mas que
frequentem casas noturnas, raves, ou festas onde o uso de xtase no seja desconhecido ou
incomum. O contato inicial com os sujeitos dos estgios seguintes foi feito de duas formas
diferentes: por telefone ou atravs de indicaes de conhecidos em locais pblicos. Aos
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23
sujeitos contatados por telefone a entrevistadora se apresentava como psicloga fazendo uma
pesquisa sobre uso de drogas e dizia quem havia dado seu contato. Havendo concordncia em
responder ao questionrio, a entrevistadora informava o tempo aproximado da entrevista e
solicitava que o sujeito escolhesse horrio e local que mais lhe conviesse, sendo requerido que
fosse um lugar calmo, com o mnimo de interferncia possvel e que o sujeito no tivesse
consumido nenhum tipo de psicotrpico (exceto tabaco) por pelo menos 12 horas. Eram
tambm oferecidos dois locais para entrevista: no campus da USP ou em um escritrio
comercial no bairro do Itaim Bibi. Os sujeitos contatados em locais pblicos foram indicados
por sujeitos j entrevistados que se ofereceram para acompanhar a pesquisadora a locais onde
conheciam usurios e/ou pessoas que tivessem perfil para responder ao questionrio. Nesses
locais apresentavam seus amigos ou conhecidos pesquisadora, e a esses era informado que
se tratava de uma pesquisa sobre drogas e era solicitada a leitura da folha de rosto da pesquisa
(Anexo A). Caso concordasse em participar, perguntava-se ao sujeito se ele havia consumido
algum tipo de droga psicotrpica (exceto tabaco) nas ltimas 12 horas e em caso afirmativo
explicava-se que ele no poderia responder ao questionrio naquele momento. Caso o sujeito
dissesse no haver consumido nenhuma droga nas ltimas 12 horas, perguntava-se se j havia
usado "xtase" alguma vez na vida para que fosse entregue o questionrio correspondente. Os
locais visitados foram: uma galeria comercial (G), trs casas noturnas ou bares (CB1, CB2,
CB3), um bar de universidade (B) e uma universidade (U). O nmero de sujeitos
entrevistados em cada local encontra-se na Tabela 2.
Tabela 2. Distribuio da amostra conforme o local de realizao da entrevista
LOCAL N Local escolhido pelo sujeito 23 G 114 B 15 CB1/CB2/CB3 15 U 17
TOTAL 184
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24
Anlise. Os dados foram armazenados em banco de dados do Programa SPSS 7.5, tambm
utilizado para a anlise estatstica. Para a comparao das respostas de usurios e no usurios
quanto varivel idade foi usado o teste t, para renda e gasto semanal para sair foi utilizado o
teste U de Mann-Whitney, e para a anlise das outras questes sobre dados scio-
demogrficos e sobre uso de drogas foi realizado o teste do qui-quadrado (Pearson). As
questes 22 a 38, que so questes sobre os padres de uso e comportamento em relao ao
xtase respondidas apenas pelo grupo de usurios, so apresentadas em termos de
frequncia. Para cada uma das escalas psicolgicas foi calculado o coeficiente de Cronbach e foi realizado o teste t ou teste do qui-quadrado para comparar as diferenas entre os dois
grupos.
-
25
RESULTADOS
1. Distribuio da amostra conforme os estgios de recrutamento
Com relao ao recrutamento dos sujeitos, o estgio zero foi composto por seis indivduos e a
partir dele diferentes estgios foram atingidos. Assim, um dos sujeitos do estgio zero, sujeito
nmero cinco, no desencadeou mais entrevistas enquanto outro, o sujeito nmero trs,
desencadeou entrevistas que chegaram ao 5o estgio, conforme mostra a Tabela 3.
Tabela 3. Distribuio da amostra conforme estgios de recrutamento ESTGIO
0 ESTGIO 1
N ESTGIO 2
N ESTGIO 3
N ESTGIO 4
N ESTGIO 5
N
TOTALSujeito 1 3 5 8 11 - 28
Sujeito 2 6 - - - - 7
Sujeito 3 2 6 20 13 93 135
Sujeito 4 6 - - - - 7
Sujeito 5 - - - - - 1
Sujeito 6 5 - - - - 6
TOTAL
22
11
28
24
93
184
2. Recusas
O nmero de pessoas que se recusaram a responder o questionrio foi surpreendentemente
pequeno; ao todo foram cinco recusas. Um indivduo convidado por sujeito do Estgio 0 disse
no querer dar entrevista sobre o assunto porque no se sentia um bom representante do grupo
que usava xtase, mas indicou outra pessoa para ser entrevistada. Dois indivduos
contatados em local pblico se recusaram a responder, um deles aps ler a folha de rosto do
-
26
questionrio e outro antes mesmo de faz-lo. Nenhum dos dois quis explicitar o motivo da
recusa. Outros dois indivduos alegaram no ter tempo para responder, sendo que um deles
solicitou o questionrio e disse que o devolveria pelo correio, mas a pesquisadora no aceitou.
Com relao ao veto da pesquisadora, trs indivduos foram impedidos de responder, dois
porque tinham consumido lcool, e um por ter fumado maconha. Todos os outros sujeitos
negaram ter feito uso de psicotrpicos (exceto tabaco) pelo menos 12 horas antes da
entrevista.
3. Dados scio-demogrficos da amostra de usurios e no usurios
A Tabela 4 mostra a idade e a Tabela 5 mostra outros dados scio-demogrficos dos 104
questionrios analisados, compreendendo 52 questionrios de cada grupo. Nota-se que
usurios e no usurios apresentam grande semelhana em relao a essas caractersticas,
apresentando predominantemente maior concentrao de indivduos jovens, heterossexuais,
solteiros, de nvel superior e de classe mdia. Para a varivel idade, as mdias e os desvios
padro so muito prximos para ambos os grupos, no havendo diferenas significativas entre
eles. Entretanto quando se categoriza as idades conforme faixas etrias estabelecidas pela
Organizao Mundial de Sade (OMS) (Baleeiro, Siqueira, Cavalcanti, & Sousa, 1999)
observa-se que as diferenas so significativas. H diferenas entre os dois grupos quanto
opo sexual, pois a proporo de bissexuais maior na amostra de usurios (19,6%) do que
na de no usurios (8,0%), enquanto que a proporo de heterossexuais maior entre no
usurios (78,0%) do que entre usurios (66.7%). Entretanto essa diferena no foi
estatisticamente significativa. A varivel que mais diferencia os dois grupos a ocupao,
onde a amostra de no usurios tende a apresentar maior concentrao de estudantes (63,5%),
enquanto o grupo de usurios parece estar mais segmentado entre "trabalho fixo", "free
lancer/bicos" e "estudo".
-
27
Tabela 4. Idade dos usurios e no usurios USURIOS NO USURIOS t= p IDADE (anos) Mnima Mxima Media + desvio padro
15 37
24 + 5
15 40
22,4 + 6
1,463
NS
Tabela 5. Caractersticas scio-demogrficas dos usurios e dos no usurios
USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p FAIXA ETRIA Adolescente (12-19 anos) Jovem Adulto (19-21 anos) Adulto (+ de 21 anos)
8 23 20
15,7 45,1 39,2
18 22 12
34,6 42,3 23,1
5,859
=0,05
SEXO Masculino Feminino
32 20
61,5 38,5
27 25
51,9 48,1
0,979
NS
OPO SEXUAL Heterossexual Homossexual Bissexual
34 7 10
66,7 13,7 19,6
39 7 4
78,0 14,0 8,0
2,904
NS
ESTADO CIVIL Solteiro Casado Separado
45 5 2
86,5 9,6 3,8
45 4 3
86,5 7,7 5,8
0,311
NS
ESCOLARIDADE Primrio/ginsio Colegial Universitrio
19 2 31
5,8 34,6 59,6
18 4 30
7,7 34,6 57,7
0,159
NS
OCUPAO ** Trabalho fixo Free lancer/bicos Estudante Desempregado
25 24 22 4
48,1 46,2 42,3 7,7
24 14 33 8
46,2 26,9 63,5 15,4
0,039 4,147 4,669 1,507
NS
-
28
Na Tabela 6 so apresentados os dados com relao renda mensal e ao gasto semanal "para
sair". Observa-se que no grupo dos usurios as medianas de ambas as variveis foram o dobro
das medianas obtidas no grupo de no usurios, embora os dois grupos tenham apresentado
mnimas e mximas semelhantes. Assim, a renda e o gasto semanal "para sair" entre os
usurios so significativamente superiores aos dos no usurios. As respostas de ambas as
questes foram segmentadas em quartis, os quais quando comparados, resultam em diferenas
tambm significativas para as duas variveis.
Tabela 6. Renda mensal e gasto semanal "para sair" de usurios e de no usurios
USURIOS NO USURIOS ESTATSTICA p (%)
14,6 24,4 36,6 24,4
(%)
39,0 24,4 17,1 19,5
2=7,677
=0,05
RENDA MENSAL (R$) 0 a 300 301 a 800 801 a 1500 acima de 1500 Mnima Mxima Mediana
0,00
6 000,00 1 000,00
40,00
6 000,00 500,00
U=631,00
-
29
diferena, porm, no foi significativa. Em relao religio, o grupo controle afirma com
maior frequncia ter religio, diferena estatisticamente significativa, e tambm a considera
mais importante do que o grupo de usurios, diferena que no foi significativa.
Tabela 7. Relacionamento dos usurios e no usurios com os pais e com a religio.
USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p RELACIONAMENTO C/ OS PAIS Bom ou muito bom Mais ou menos Ruim ou muito ruim
33 16 3
63,5 30,8 5,8
39 13 0
75,0 25,0
0
3,810
NS
RELIGIO No tem Tem
29 23
55,8 44,2
16 36
30,8 69,2
6,620
=0,01
IMPORTNCIA DA RELIGIO Pouco ou nada importante Muito importante ou importante
27 24
52,9 47,0
19 33
36,6 63,4
2,940
NS
Na Tabela 8, apresentada a frequncia absoluta e percentual de tatuagens e piercings e a
preferncia em relao ao estilo musical de usurios e no usurios. Verifica-se que os
usurios possuem mais tatuagens e mais piercings do que no usurios, resultados que foram
estatisticamente significativos. Tambm foi significativa a diferena em relao preferncia
musical, os usurios preferem msica techno (tambm denominada msica eletrnica, aqui
englobando drum'n'bass, trance, techno trance)
-
30
Tabela 8. Frequncia absoluta e percentual de tatuagens e piercings e preferncia em relao ao estilo musical no grupo de usurios e de no usurios.
USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p TATUAGEM No tem Tem
16 35
31,4 68,6
37 14
72,5 27,5
17,321
-
31
Figura 2. Frequncia percentual de respostas pergunta "Com que frequncia voc vai aos seguintes lugares?" (1= Raramente ou nunca; 2= Mais ou menos uma vez por ms; 3= Mais que uma vez por ms).
Lugares para danar
020406080
100
1 2 3
Festas
020406080
100
1 2 3
Porc
enta
gem
Raves
020406080
100
1 2 3
Bares
020406080
100
1 2 3
Shows
020406080
100
1 2 3
Exposies de arte/Museus
020406080
100
1 2 3
Frequncia aos locais
Usurios No usurios
-
32
5. Dados da relao de usurios e de no usurios com drogas psicotrpicas
Seguem os resultados descritivos para as respostas referentes s questes que identificam o
consumo e os padres de comportamento em relao a drogas psicotrpicas. A Tabela 9
mostra a frequncia do relato ficar bbado(a) no ms antecedente entrevista. Em relao ao
uso de lcool as maiores diferenas aparecem nas alternativas "ficar bbado(a) nenhuma vez
no ltimo ms", opo assinalada por 45,1% dos usurios e 34,6% dos no usurios; e na
alternativa "ficar bbado(a) algumas vezes por ms" que assinalada por 27,5% dos usurios
e por 40,4% dos no usurios. No h porm diferena estatisticamente significativa entre as
populaes de usurios e no usurios.
Tabela 9. Frequncia absoluta e percentual de respostas pergunta: Aproximadamente quantas vezes voc ficou bbado(a) no ltimo ms? USURIOS NO USURIOS N % N % 2 p Nenhuma vez Uma vez Algumas vezes Vrias vezes/semana Todos ou quase todos os dias
23 9 14 3 2
45,1 17,6 27,5 5,9 3,9
18 7 21 4 2
34,6 13,5 40,4 7,7 3,8
2,393
NS
Em relao ao uso de substncias psicotrpicas na vida (Figura 3), constata-se que a grande
maioria dos entrevistados de ambos os grupos j teve contato com vrios tipos de droga.
Entretanto, a proporo de uso no grupo de usurios de "xtase" maior para todas as drogas
relacionadas, alm de que todas as diferenas de uso de drogas na vida entre usurios e no
usurios so significativas, exceto para o lcool.
-
33
Figura 3. Frequncia percentual de respostas pergunta: "Quais substncias da lista abaixo voc usou pelo menos uma vez na vida?"
Tambm em relao ao uso de drogas no ms antecedente entrevista h uma maior
proporo de usurios para todas as drogas relacionadas exceto para o lcool: houve mais no
usurios que declararam t-lo consumido (Figura 4). As diferenas no consumo de drogas no
ltimo ms so significativas para: maconha e derivados, tabaco, LSD, cocana, chs de lrio
ou cogumelo e outras drogas.
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Maconha e deriv.
LSD
lcool
Tabaco
Lana Perfume
Cocana
Anfetamina
Chs
Tranquilizantes
Outras drogas
Herona
Crack
PORCENTAGEM DE RESPOSTAS
USURIOS NO USURIOS
-
34
Figura 4. Frequncia percentual de respostas pergunta: "Quais substncias da lista abaixo voc usou pelo menos uma vez durante o ltimo ms?"
Ainda em relao ao uso de substncias psicoativas utilizadas no ms antecedente
entrevista, foi feita uma anlise na qual os dados foram agrupados de acordo com o nmero de
diferentes drogas utilizadas. O resultado apresentado na Figura 4 mostra que entre os usurios
de xtase 34% usaram mais de cinco tipos de drogas psicoativas no ltimo ms contra
somente 6% dos no usurios, enquanto 1,9% dos usurios usaram apenas uma droga no
ltimo ms contra 18% na amostra de no usurios. Essas diferenas so novamente
significativas (2=17,434; p< 0,001).
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Maconha e deriv.
lcool
Tabaco
LSD
Cocana
Anfetamina
Lana Perfume
Tranquilizantes
Outras drogas
Chs
Herona
Crack
PORCENTAGEM DE RESPOSTAS
USURIOS NO USURIOS
-
35
Figura 6. Frequncia percentual de sujeitos de cada grupo em funo do nmero de drogas utilizadas no ltimo ms.
A Tabela 9 mostra a proporo de respostas de usurios e de no usurios s alternativas da
questo "Voc j pensou em parar de usar alguma droga?". Nota-se que 71,2% dos usurios j
pensaram em parar de usar alguma droga e 28,8% nunca pensaram. Na amostra controle essas
propores foram de 56% e 18% respectivamente, sendo que os 26% complementares
afirmam no usar drogas. A diferena entre os dois grupos estatisticamente significativa.
Entretanto, se na amostra controle considerarmos apenas as respostas de quem utiliza drogas,
essas propores seriam respectivamente 75,6% e 24,3%, muito prximas das observadas
entre os usurios e portanto no representando diferenas entre os dois grupos.
Tabela 9. Voc j pensou em parar de usar alguma droga?
USURIOS NO USURIOS N % N % 2 p
No uso drogas Nunca pensei J pensei
0 15 37
0 28,8 71,2
13 9 28
26,0 18,0 56,0
15,713
< 0,01
Embora ambos os grupos apresentem propores semelhantes em relao quantidade de
problemas que o uso de "xtase" pode gerar, a ordem dos problemas apontados diferente nos
dois grupos (Tabela 10). Enquanto que o problema apontado com maior frequncia pelo
grupo de usurios a possvel adulterao do comprimido, os no usurios apontam com
maior frequncia os danos que o uso de "xtase" pode fazer sade.
0
20
40
60
80
1 2 a 4 5 ou mais
FREQ
UN
CIA
(%
)
USURIO
NOUSURIO
-
36
Tabela 10: Frequncia percentual de respostas questo "Voc acha que tomar "xtase" pode trazer problemas para quem usa?" USURIOS
% (ordem) NO USURIO
% (ordem)PROBLEMAS APONTADOS POR MAIS DE 30%
Comprimido pode ser adulteradoFaz mal sade
Gera dependncia ilegal
Traz problemas psicolgicosTem efeitos imprevisveis
55,8 (1) 46,2 (2) 40,4 (3) 38,5 (4) 38,5 (4) 32,7 (5)
46,0 (3) 54,0 (1) 42,0 (4) 24,0 (7) 52,0 (2) 34,0 (5)
NMERO DE PROBLEMAS APONTADOS NenhumDe 1 a 3De 4 a 6
De 7 a 10
5,8 57,7 21,2 15,4
2,0 58,0 28,0 12,0
No grupo de usurios h uma ntida predominncia de amigos que tambm usam "xtase",
enquanto que entre os no usurios a maioria dos entrevistados tm apenas alguns amigos que
usam a droga. importante ressaltar que no ter amigos que utilizassem "xtase" foi um
critrio de excluso de no usurios. A diferena entre os dois grupos estatisticamente
significativa (Tabela 11).
Tabela 11. Frequncia percentual de respostas questo "Quantos de seus amigos tomam "xtase"?"
USURIOS NO USURIOS N % N % 2= p A maioria ou todos Mais ou menos a metade Alguns
33 13 6
63,5 25,0 11,5
9 6 37
17,3 11,5 71,2
38,642
-
37
6. Anlise descritiva dos padres de uso de "xtase" pelos usurios
Em relao idade em que o sujeito usou xtase pela primeira vez verifica-se que 47,1%
dos usurios entrevistados experimentaram "xtase" entre 18 e 22 anos, 27,5% com menos de
18 anos e 25,5% com 23 ou mais. A idade mnima de uso pela primeira vez foi de 14 anos e a
idade mxima de 34 anos. Em relao ao tempo de uso 54% usaram "xtase" pela primeira
vez entre dois e quatro anos antes da entrevista. Esses resultados so apresentados nas Figuras
6 e 7.
Figura 6. Frequncia percentual de respostas questo " Quantos anos voc tinha quando usou "xtase" pela 1a vez?".
Figura 7: Diferena entre idade em que experimentou "xtase" pela 1a vez e idade atual.
Em relao composio do comprimido 78% dos usurios preferem saber o que esto
tomando, embora tomem o comprimido mesmo quando no o sabem, 14% dizem preferir no
tomar quando no sabem sua composio e 8% assinalaram que no importante saber a
composio do que tomam. Dos usurios entrevistados, 50% tomam geralmente um
comprimido a cada episdio de uso, 46% tomam mais de um e 4% tomam menos de um
0
10
20
30
40
50
14 a 17 anos 18 a 22 anos mais de 23 anos
FREQ
N
CIA
(%)
0
10
20
30
40
50
0 - 1 ano 2 - 3 anos 4 - 5 anos 6 - 7 anos 8 ou + anos
FREQ
UN
CIA
(%
)
-
38
comprimido. A frequncia de uso de "xtase" no ltimo ms e nos ltimos trs meses
encontra-se na Tabela 12.
Tabela 12. Frequncia percentual de uso de "xtase" durante o ltimo ms e nos ltimos trs meses.
LTIMO MS (%) LTIMOS 3 MESES (%) No mximo 1 vez/ms No mximo 1 vez/semana Mais de 1 vez/semana
38,5 38,5 23,1
36,5 42,3 21,2
Ainda em relao aos padres de consumo a grande maioria afirma que normalmente toma
"xtase" apenas nos finais de semana ou frias (82,7%) e mais frequentemente na companhia
de vrias pessoas (63,5%). Em ordem decrescente os usurios costumam tomar a droga em
raves (78,8%), em lugares para danar (69,2%), em festas (53,8%), em casa (34,6%), em
bares (3,8%) e na rua (1,9%).
A mdia do preo de um comprimido foi de R$ 31,30, sendo que trs sujeitos disseram no
saber o preo. A maioria dos entrevistados, 53,1%, compra a droga de amigos ou conhecidos,
20,4% compra de amigos ou conhecidos e tambm de algum que faz trfico, e 18,4% compra
de algum que faz trfico. Em ordem decrescente os usurios compram "xtase" em raves
(59,2%), em festas (44,9%), em bares ou lugares para danar (40,8%), em outros lugares
como por exemplo na casa de amigos ou do traficante (36,7%), e por telefone (4%).
Dos usurios entrevistados, 50% disse j ter pensado em parar de usar "xtase", 48,2% disse
nunca ter pensado nisso e um sujeito disse no usar mais "xtase" embora tenha usado mais
de dez vezes e o tenha feito h menos de um ms. Na Tabela 13 est indicada a porcentagem
de respostas pergunta sobre as razes para tomar "xtase". Nota-se que danar de longe o
principal motivo apontado pelos usurios.
-
39
Tabela 13. Frequncia percentual de respostas questo "Quais so as principais razes para voc usar "xtase"?"
RAZES % (*) Danar Relaxar Estimular os sentidos Sentir-se mais feliz Sentir-se melhor com os outros Fugir da realidade ou esquecer problemasTransar Estimular a criatividade Desinibir
82,7 53,8 44,2 38,5 25,0 23,1 19,2 17,3 9,6
(*) Era possvel assinalar mais de uma alternativa
Apenas 7,7% dos usurios entrevistados disseram que no costumam usar outras drogas
enquanto o "xtase" est fazendo efeito. Os outros costumam combin-lo com outros
psicotrpicos, especialmente maconha e similares, e tabaco, conforme mostra a Tabela 14.
Tabela 14. Frequncia relativa de respostas sobre as diversas substncias utilizadas enquanto o "xtase" est fazendo efeito.
SUBSTNCIA %(*) Maconha e similares (special K/charras/haxixe) Cigarro LSD lcool Cocana ou craca Anfetamina Outras drogas (opiceo/lana-perfume/cigarro de cravo)
82,7 61,5 30,8 26,9 17,3 5,8 5,8
(*) Era possvel assinalar mais de uma alternativa
6. Efeitos do "xtase" assinalados pelos usurios
Em relao aos efeitos, nenhum dos sujeitos pesquisados afirmou que os efeitos do "xtase"
eram na maior parte das vezes negativos, enquanto 32,7% afirmaram que eram tanto positivos
quanto negativos e 67,3% disseram que os efeitos eram positivos. A tabela 15 mostra a
-
40
porcentagem de sujeitos que assinalou cada item da questo "Da lista abaixo assinale como
voc se sente durante o efeito do xtase".
Tabela 15. Frequncia percentual e absoluta com que possveis efeitos do "xtase" foram assinalados
EFEITO N (%) EFEITO N (%)FELIZ 47 92.2 ANSIOSO 12 23.5COM ENERGIA 43 84.3 ALERTA 11 21.6AMOROSO 42 82.4 COM DIFICULDADE DE CONCENTRAO 11 21.6MAIS PRXIMO DAS OUTRAS PESSOAS 40 78.4 ATENTO 10 19.6FICO VONTADE 40 78.4 PENSO NO PASSADO OU FUTURO 10 19.6EM PAZ 38 74.5 COM PENSAMENTOS ESTRANHOS 9 17.6
COM TESO 37 72.5 PERCO A NOO DO REAL 9 17.6MENTE ABERTA 36 70.6 COM DORES MUSCULARES 8 15.7DESPREOCUPADO 35 68.6 CONFUSO 8 15.7CALMO 34 66.7 COM NUSEA 7 13.7ABERTO AO MEIO AMBIENTE 32 62.7 TENHO VMITOS 7 13.7COM A BOCA SECA 32 62.7 COM A VISO TURVA 7 13.7SENSUAL 30 58.8 PREOCUPADO COM O QUE PENSAM DE MIM 6 11.8COM ONDAS DE FRIO OU CALOR 30 58.8 NERVOSO 5 9.8NTIMO DAS PESSOAS 29 56.9 TENSO 5 9.8SEM APETITE 29 56.9 PARANICO 5 9.8SEM SONO 28 54.9 SOLITRIO 5 9.8COM PUPILAS DILATADAS 27 52.9 TENHO PALPITAES 5 9.8COM TENSO NO MAXILAR 26 51.0 COM TREMORES 5 9.8
EUFRICO 25 49.0 COM FORMIGAMENTOS 5 9.8EMOTIVO 25 49.0 DESORIENTADO 5 9.8COM TATO ESTIMULADO 25 49.0 PREOCUPADO 4 7.8ESPIRITUAL 24 47.1 INSEGURO 4 7.8RANGENDO OS DENTES 23 45.1 ISOLADO 4 7.8COM O CORAO ACERELADO 23 45.1 COM MEDO 4 7.8NOO DE TEMPO ALTERADO 21 41.2 COM A CABEA LATEJANDO 4 7.8SEXUAL 20 39.2 TRISTE 3 5.9AGITADO 20 39.2 SEM ENERGIA 3 5.9AUTO CONFIANTE 19 37.3 INFERIOR 2 3.9ILUMINADO 18 35.3 COM TONTURA 2 3.9SUANDO NAS PALMAS DAS MOS 18 35.3 EM PNICO 2 3.9COM A AUTO ESTIMA AUMENTADA 17 33.3 MENTALMENTE INSTVEL 2 3.9SEGURO 17 33.3 IRRITVEL 2 3.9COM VONTADE DE URINAR 17 33.3 DEPRIMIDO 2 3.9COM PENSAMENTO CLARO 16 31.4 APTICO 2 3.9VOLTADO PARA O AQUI E AGORA 16 31.4 COM RAIVA 1 2.0TENHO ALUCINAES AUDITIVAS 16 31.4 COM DORES DE CABEA 1 2.0COM A PERSEPO AGUADA 16 31.4 TENHO ESPASMOS OU CONVULSES 1 2.0TENHO SUOR GENERALIZADO 15 29.4TENHO ALUCINAES VISUAIS 15 29.4FALANTE 13 25.5TENHO INSIGHTS 13 25.5DESCOORDENADO 13 25.5
Foi feita uma comparao entre os efeitos assinalados por usurios que afirmaram que os
efeitos do "xtase" eram exclusivamente positivos e os que afirmaram que os efeitos eram
positivos e negativos. A comparao encontra-se na Tabela 16 e teve por objetivo verificar a
confiabilidade da atribuio do carter positivo ou negativo aos efeitos.
-
41
Tabela 16: Efeitos mais frequentemente assinalados pelo conjunto de usurios que julgou os efeitos exclusivamente positivos e pelo conjunto de usurios que julgou os efeitos como positivos e negativos.
Efeitos so positivos (N=35) (%)
Efeitos so positivos e negativos (N=17)(%)
Feliz (94,3) Fico vontade (85,7) Amoroso (80,0) Com energia (80,0) Em paz (80,0) Mais prximo dos outros (74,3) Calmo (71,4)
Com energia (94,1) Feliz (88,2) Mais prximo dos outros (88,2) Com a boca seca (88,2) Amoroso (88,2) Com teso (82,4) Mente aberta (76,5) Com o corao acelerado (76,5) Sem sono (76,5) Sem apetite (76,5) Alerta (70,6) Despreocupado (70,6) Com ondas de frio e calor (70,6)
7. Escalas psicolgicas
Entre as escalas utilizadas apenas o Inventrio de Depresso de Beck diferenciou
significativamente usurios de no usurios. A pontuao mdia e desvios padro de cada
grupo obtidos nessa escala apresentada na Figura 8. Verifica-se que a mdia de pontos nesse
inventrio mais alta entre os no usurios do que entre os usurios, diferena
estatisticamente significativa (t= 2,151; p
-
42
Figura 8. Mdia e desvio padro da pontuao de usurios e no usurios no Inventrio de Depresso de Beck. (*) A mdia e desvio padro da populao universitria testada por Gorenstein (Gorenstein, Pompia, & Andrade, 1995) tambm apresentada.
(*) Populao Universitria (Gorenstein et al., 1995)
Figura 9. Frequncia percentual de usurios, no usurios e populao universitria brasileira nas categorias Alta, Mdia e Baixa no Inventrio de Depresso de Beck
Na Figura 10 encontram-se as mdias e os desvios padro obtidos na escala IDATETrao
pelos dois grupos e por populao universitria brasileira. As diferenas apresentadas no so
significativas (t=1,556; p=0,496). Verifica-se que os no usurios apresentaram mdia de
pontos mais alta que os usurios; entretanto, o desvio padro tambm maior devido
presena de trs resultados superiores a 60 pontos. A pontuao obtida foi classificada como
baixa (49) (Gorenstein et al., 1995). As diferenas entre os dois
grupos nessas categorias, apresentadas na Figura 11, no so significativas (2=1,90; p=0,387).
0
20
40
60
80
100
Baixa Mdia Alta
% D
E SU
JEIT
OS Usurios
No usurios
Populao*
0
5
10
15
20
Usurios No usurios Populao*
-
43
Figura 10. Mdia e desvio padro da pontuao de usurios e no usurios na escala IDATE-Trao. (*) A mdia e desvio padro da populao universitria estudada por Gorenstein (Gorenstein et al., 1995) tambm apresentada.
(*) Populao Universitria (Gorenstein et al., 1995)
Figura 11. Frequncia percentual de usurios, no usurios e populao universitria brasileira nas categorias alta, mdia e baixa na escala IDATE-Trao. Quanto Barrat Impulsivity Scale (BIS), verifica-se que os grupos apresentam pontuaes
mdias e desvios padro muito semelhantes, como se pode observar na Tabelas 12. As
diferenas no so significativas (t=0,086; p=0,931).
0
20
40
60
80
Baixa Mdia Alta
% D
E SU
JEIT
OS usurio
nousurio
populao*
0
10
20
30
40
50
Usurios No usurios Populao*
-
44
Figura 12. Mdia e desvio padro da pontuao de usurios e no usurios na escala BIS (Barrat Impulsivity Scale). (*) A mdia e desvio padro da populao universitria estudada por Patton (Patton et al., 1995) tambm apresentada.
Confiabilidade das Escalas
Com a finalidade de obter uma estimativa da confiabilidade das escalas IDATE-Trao, Beck e
BIS, foram calculados os coeficientes de Cronbach (Nunnaly, 1978; Spector, 1992) para cada grupo de questes referentes s trs escalas. Quanto maior esse coeficiente maior a
confiabilidade da escala. Na Tabela 17 so apresentadas as estima