dissertaçao do mestrado acadêmido de raionara
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
RAIONARA CRISTINA DE ARAJO SANTOS
TRNSITO DE SABERES E CAMPO REPRESENTACIONAL NA VISO DOS
PROFISSIONAIS DA SADE DA FAMLIA E DO PROGRAMA DE EDUCAO
PELO TRABALHO E PARA A SADE
NATAL - RN
2010
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Raionara Cristina de Arajo Santos
TRNSITO DE SABERES E CAMPO REPRESENTACIONAL NA VISO DOS
PROFISSIONAIS DA SADE DA FAMLIA E DO PROGRAMA DE EDUCAO PELO
TRABALHO E PARA A SADE
Orientador: Prof. Dr. Francisco Arnoldo Nunes de Miranda
NATAL - RN
2010
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
inserida na rea de concentrao Ateno Sade, linha de
pesquisa Enfermagem na sade mental e coletiva, grupo Aes
promocionais e de assistncia a grupos humanos em sade
mental e coletiva, como requisito para obteno do ttulo de
Mestre em Enfermagem.
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Diviso de Servios Tcnicos
Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Santos, Raionara Cristina de Arajo.
Trnsito de saberes e campo representacional na viso dos profissionais da Sade da
Famlia e do Programa de Educao pelo Trabalho e para a Sade / Raionara Cristina de
Arajo Santos. Natal, RN, 2010.
152 f.: il.
Orientador: Francisco Arnoldo Nunes de Miranda.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Cincias da Sade. Programa de Ps-Graduao em Enfermagem.
1. Ateno primria sade Dissertao. 2. Sade da famlia Dissertao. 3.
Pessoal da rea mdica Dissertao. I. Miranda, Francisco Arnoldo Nunes de. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.
RN/UF/BCZM CDU 614.39(043.2)
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RAIONARA CRISTINA DE ARAJO SANTOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(PGENF-UFRN), rea de concentrao Ateno Sade, linha
de pesquisa Enfermagem na sade mental e coletiva, grupo
Aes promocionais e de ateno a sade mental e coletiva,
como requisito para obteno do Ttulo de Mestre em
Enfermagem.
Aprovado em: 27/10/2010
Prof. Dr. Francisco Arnoldo Nunes de Miranda
Orientador
Departamento de Enfermagem da UFRN
Profa. Dra. Antonia Regina Ferreira Furegato
Avaliadora Externa
Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto EERP/USP
Profa. Dra. Cllia Albino Simpson
Avaliadora Interna
Departamento de Enfermagem da UFRN
Profa. Dra. Maria Teresa Ccero Lagan
Avaliadora Interna
Departamento de Enfermagem da UFRN
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Ao meu querido orientador, o Professor Francisco
Arnoldo, que desde a graduao acreditou em mim,
guiou-me, com pacincia, pelos caminhos da cincia e
do conhecimento, puxou-me as orelhas nas horas em que
precisei, consolou-me diante das adversidades, vibrou
por minhas conquistas e hoje me auxiliou na
concretizao de mais um sonho. Pra mim, o senhor
mais que um orientador, um amigo e mestre a quem
sempre serei grata e por quem tenho grande admirao!
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Agradecimentos
Ao nosso querido Deus, maior mestre de todos, por sua infinita bondade e amor em
proporcionar-me a realizao de mais um sonho. Obrigada por toda paz, sade, amor, fora e
insights que me ajudaram, grandemente, na construo desse trabalho.
A mim, por que no?! Pela perseverana, luta e vontade, pelas noites de sono perdidas,
pelos finais de semana abdicados em nome da construo de um trabalho que pudesse
responder a algumas das inquietaes que fervilham em minha mente.
minha me, Cristina, que apesar de, inicialmente, no compreender minha deciso
em cursar o mestrado, foi imprescindvel para a minha educao e formao pessoal e
profissional, pois se no fosse pelos seus esforos talvez eu seguisse a inrcia e a acomodao
presentes no meio do qual sou proveniente.
Ao meu pai, Silvan (in memorian), e minha av, Luzia (in memorian), que
acompanharam de um outro ngulo os meus passos e que, tenho certeza, confortaram-me nos
momentos de tristeza e desespero.
Aos meus irmos, Raul e Rener, que tambm compartilharam da incompreenso de
minha me, mas que ao final tambm me apoiaram. Vocs, pra mim, so exemplos de irmos
e homens, pois desde cedo assumiram a responsabilidade e o cuidado da nossa famlia.
Ao amor da minha vida, Marcelo, vulgo Todzinho, que me deu carinho, amor e
incentivo em muitos momentos da minha trajetria. Obrigada por, diversas vezes, ouvir
minhas lamentaes, fazer-me perceber a beleza da vida e a pequenez dos meus problemas,
proporcionar-me momentos de extrema felicidade e no me deixar abater diante dos
obstculos e dificuldades.
Aos meus queridos amigos do 3 ano do Colgio Diocesano Seridoense, onde tudo
realmente comeou.
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s minhas grandes amigas Carla e Gisele (in memorian), eternas companheiras do
incio da graduao em Campina Grande. Com vocs, comecei a compreender o significado
da Enfermagem.
Aos meus amigos maravilhosos de graduao da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte que me receberam e acolheram em seus crculos de amizade, Ana Elosa, Betsabia,
Dbora, Emeline, Gislene, Maurian, Rafinha e, em especial, Isabelle, Tersila e Victor com
quem estabeleci um vnculo fraterno maior. Todos vocs so pessoas inesquecveis em minha
vida.
minha amada turma de mestrado 2009.1, pelos momentos prazerosos de
aprendizado e enriquecimento pessoal e profissional. Com vocs, compreendi o significado da
palavra UNIO e que podemos construir uma sade melhor e mais humana, basta, pra isso,
deixarmos de lado nosso orgulho e pensarmos no prximo. Obrigada, especialmente, pelos
conselhos (Isabelle, Marlia e Maria Coeli), pela inspirao (Antnia Lria, Lorrayne, Palmyra
e Maria da Guia), pela ajuda na construo de novos saberes (Aline, Anglica, Luciana e
Neyse), pelas saidinhas (Diego e Thiago) e pela grande amizade (Arieli, Neyrian, Rafinha e
Tarcy).
minha querida amiga Glacia que esteve sempre por perto para me escutar e
aconselhar.
Aos docentes do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da UFRN, pelos
ensinamentos, pacincia e dedicao, em especial s professoras Akemi, Bertha, Cllia,
Raimundinha e Rejane Dawin, por quem tenho grande admirao.
banca de qualificao e defesa pelas valiosas sugestes e contribuies.
professora Regina Furegato e Gilda Pacheco, da Escola de Enfermagem de Ribeiro
Preto (EERP-USP), pelo apoio na preparao do material para submisso ao ALCESTE.
Aos funcionrios do departamento de Enfermagem da UFRN, em especial, Dona
Graa, Joo, Mirtes, Sebastio e Xexeu que sempre trataram a todos com cordialidade e
respeito.
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Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior do Ministrio da
Educao (CAPES), pelo apoio que tornou possvel a realizao deste mestrado.
Secretaria Municipal de Sade de Natal e ao coordenador do PET-Sade de Natal
por permitirem a realizao dessa pesquisa.
s enfermeiras, aos mdicos e aos odontlogos participantes do estudo, sou
extremamente grata pela forma como fui bem recebida por todos. Obrigada pelo trabalho que
vocs desenvolvem na ateno bsica e espero que, aps essa pesquisa, o mesmo seja
reconhecido e valorizado por todos.
E a todos os demais que, direta ou indiretamente, fazem parte de minha histria. A
todos vocs o meu muito OBRIGADA!
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SANTOS, R. C. A. Trnsito de saberes e campo representacional na viso dos
profissionais da Sade da Famlia e do Programa de Educao pelo Trabalho e para a
Sade. 2010. 152 f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Enfermagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2010.
RESUMO
A Estratgia de Sade da Famlia (ESF) emerge como uma possibilidade de reestruturao
dos servios e de novas prticas de interveno na ateno sade, requerendo profissionais
capacitados para atuarem nesse mbito. Para tal, foi institudo o Programa de Educao pelo
Trabalho e para a Sade (PET-Sade), visando integrar aes ensino-servio, com foco na
ateno bsica. Com base nisso, definiu-se como objetivo desse trabalho apreender a
representao social do enfermeiro, mdico e odontlogo (preceptores do projeto PET-Sade
Natal RN) sobre a ESF, enquanto campo de prtica dos mesmos. Estudo descritivo-
exploratrio, de abordagem qualitativa, realizado em 07 Unidades de Sade da Famlia (USF)
que integram o PET-Sade Natal (RN). A populao foi composta por 35 profissionais das
equipes bsicas de nvel superior das USFs vinculadas ao referido projeto. A amostra
consistiu em 05 enfermeiros, 05 mdicos e 05 odontlogos, perfazendo um total de 15
sujeitos. Os dados foram coletados atravs de trs instrumentos: o desenho-estria com tema,
a entrevista individual semi-estruturada e o dirio de campo. Os dados referentes
identificao dos sujeitos foram digitados e tabulados pelo software Microsoft Excel verso
2007. A anlise e interpretao dos desenhos deram-se pela significao atribuda ao recurso
grfico a partir do ttulo e das palavras-chave atribudas pelos sujeitos, tendo a ESF como
termo indutor. As estrias e entrevistas transcritas e digitadas foram submetidas
leitura/escuta flutuante do material e anlise lxica do ALCESTE. Terminado esse processo,
o material discursivo foi analisado e discutido mediante o recurso terico-metodolgico da
Teoria das Representaes Sociais. A maioria dos profissionais era do sexo feminino, com
idade entre 46 e 52 anos, casados, renda mnima de 6 salrios, tempo de formado entre 22 e
29 anos e de trabalho na ESF variando de 02 a 11 anos. A partir do sistema de classificao
do ALCESTE foram elegidas as categorias identificadas por: Categoria 1 ESF: relaes e
territrio; Categoria 2 Formao e desenho do vnculo; Categoria 3 Processos de trabalho
na ESF; Categoria 4 Articulao ensino-servio; Categoria 5 Ateno sade e preveno
de doenas. A construo do campo representacional, enquanto processo, seguiu a lgica dos
ncleos estruturantes existentes nas categorias. Nesse sentido, inferiu-se que a ESF um
ambiente com potencialidades como a relao muito sujeito-sujeito e o vnculo
estabelecidos entre profissional-comunidade, mas que tambm apresenta algumas fragilidades
como precrias condies de trabalho, falta de participao popular e apoio da gesto, alm de
dificuldades na realizao do trabalho em equipe. Sendo imprescindvel, para tal, a articulao
ensino-servio com vistas formao de um novo profissional de sade apto para o trabalho
na ESF. Nessa pesquisa, a formao do campo representacional encontrou uma diversidade de
ncleos estruturantes, ou pensamentos em formao, acerca da ESF devido maior nfase
dada ao aqui-e-agora da interao entre os profissionais de sade, a ESF, a comunidade, o
PET-Sade e os discentes da UFRN, ressaltando-se que tais propostas ainda so conceitos
considerados como recentes no contexto da sade e que, portanto, no esto totalmente
concretizados no imaginrio social.
Palavras-chave: Ateno primria sade; sade da famlia; recursos humanos em sade;
educao em sade; pesquisa metodolgica em Enfermagem.
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SANTOS, R. C. A. Knowledge in transit and representational field in the professional
view of the Family Health and Education Programme for Work and Health. 2010. 152 p.
Dissertation (Master) Graduate Program in Nursing. Federal University of Rio Grande do
Norte, Natal-RN, 2010.
ABSTRACT
The Family Health Strategy (ESF) is emerging as a possible restructuring of services and new
practices of intervention in health care; it requires skilled professionals to work with that
framework. Within this purpose, we established the Education Programme for Work and
Health (PET-Sade), in order to integrate teaching and service activities, focusing on primary
care. On this basis, the aim of this work is to apprehend the social representation of nurse,
doctor and dentist (Project PET-Natal Health RN preceptors) on the ESF, while practice
field of them. It is a descriptive and exploratory study, with a qualitative approach, carried out
in 07 Family Health Units (USF) included in the PET-Sade Natal (RN). The population was
composed of 35 professional components of the primary care team with bachelor's degree of
the USF linked to this project. The sample was composed of 05 nurses, 05 physicians and 05
dentists, for a total of 15 subjects. Data were collected through three instruments: the
drawing-themed story, a semi-structured individual interviews and field diary. The data
relating to the identification of the subjects were entered and tabulated by the Microsoft Excel
software 2007 version. The drawing analysis and interpretation is given by the significance
attributed to the resource chart from title and keywords assigned by the subjects, considering
the ESF as an inductive term. The stories and interviews were transcribed and typed and then
subjected to read/listen the material and a lexical analysis through Alceste. After this process,
the discursive material was analyzed and discussed by theoretical and methodological feature
of the Social Representations theory. The majority of health professionals were female, aged
between 46 and 52 years old, married, income less than six minimum wage, time since
graduation ranged from 22 to 29 years and working time in the ESF range from 02 to 11
years. From the classification system ALCESTE were selected categories identified by:
Category 1 - ESF: relations and territory; Category 2 - Training and bond profile; Category 3 -
Working process in the ESF; Category 4 - Articulation between teaching and service;
Category 5 - Health care and disease prevention. The representational field construction,
while a process, followed the logic of structural cores in existing categories. In this sense, it is
clear that the ESF is an environment rich in diversity, experience and relationships with
potential such as the relationship "very subject-subject" and the link established between
professional-community, but also has some weaknesses such as poor working conditions, lack
of popular participation and management support, thus difficulties in the achievement of
teamwork. Being essential to that end, the teaching-service aimed at the formation of a new
health professional able to work in the ESF. In this research, the training of the
representational field encountered a diversity of structural cores, or thoughts on training,
about the ESF because of the greater emphasis on the here and now of the interaction between
health professionals, the ESF, the community, PET Health-UFRN and students, emphasizing
that such proposals are still considered as concepts in the context of recent health and that,
therefore, are not fully realized in the social imaginary.
Keywords: Primary health care; family health; Human resource for health; health education;
methodology research in nursing.
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SUMRIO
1 INTRODUO..........................................................................................................
20
1.1 JUSTIFICATIVA...................................................................................................... 28
1.2 PROBLEMTICA.................................................................................................... 30
1.3 OBJETIVOS.............................................................................................................. 30
1.3.1 Objetivo geral........................................................................................................ 30
1.3.2 Objetivos especficos.............................................................................................
30
2 REVISO DE LITERATURA..................................................................................
31
2.1 A POLTICA NACIONAL DE ATENO BSICA: CONSTRUINDO UMA
NOVA ATENO EM SADE....................................................................................
32
2.2 PRTICA DOS PROFISSIONAIS DE NVEL SUPERIOR NA ATENO
BSICA: FATORES FAVORVEIS E DESFAVORVEIS AO
DESENVOLVIMENTO DE SEU PROCESSO DE TRABALHO................................
38
2.3 FORMAO DOS PROFISSIONAIS DE SADE PARA A ATUAO NA
ATENO BSICA......................................................................................................
43
2.4 A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS NO CAMPO DA SADE E
DA ESTRATGIA DE SADE DA FAMLIA.............................................................
47
3 PERPECTIVA METODOLGICA.........................................................................
53
3.1 CARACTERIZAO DO ESTUDO....................................................................... 54
3.2 OS CENRIOS DA PESQUISA.............................................................................. 54
3.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA............................................................................... 57
3.4 OS ASPECTOS TICOS DA PESQUISA............................................................... 58
3.5 OS INSTRUMENTOS DE COLETA DOS DADOS............................................... 59
3.5.1 Fazendo um desenho, contando uma estria..................................................... 59
3.5.2 A entrevista propriamente dita........................................................................... 61
3.5.3 O dirio de campo................................................................................................ 62
3.6 PREPARAO DO CONJUNTO DE DADOS....................................................... 62
3.6.1 Consideraes sobre o ALCESTE...................................................................... 63
3.7 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS.....................................................
65
4 RESULTADOS E DISCUSSO...............................................................................
67
4.1 DESCREVENDO OS SUJEITOS DA PESQUISA.................................................. 68
4.1.1 Perfil social dos profissionais: Quem so os enfermeiros, mdicos e
odontlogos da ESF, preceptores do PET-Sade Natal (RN)....................................
69
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11
4.1.2 Trajetria profissional dos enfermeiros, mdicos e odontlogos da ESF,
preceptores do PET-Sade Natal (RN)........................................................................
73
4.1.3 Perfil profissional na Sade da Famlia dos enfermeiros, mdicos e
odontlogos da ESF, preceptores do PET-Sade Natal (RN)....................................
77
4.2 ANLISE DAS FALAS DOS PROFISSIONAIS DA ESF NA PESPECTIVA
DO ALCESTE.................................................................................................................
81
4.3 SISTEMA CATEGORIAL NA APREENSO DAS REPRESENTAES
SOCIAIS..........................................................................................................................
83
4.3.1 Em busca da apreenso das Representaes Sociais a partir do territrio,
vnculo, trabalho, ensino-servio e fragilidades..........................................................
84
4.4 APREENSO DO CAMPO REPRESENTACIONAL............................................ 113
5 CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................
117
REFERNCIAS............................................................................................................
121
APNDICES..................................................................................................................
135
ANEXOS........................................................................................................................ 141
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Distritos Sanitrios do Municpio de Natal (RN)................................................ 55
Figura 2: Unidades de Sade da Famlia do Municpio de Natal (RN).............................. 56
Figura 3: Classificao Hierrquica Descendente das classes geradas pelo ALCESTE
2010, porcentagem de UCEs existentes em cada classe e a sua relao com as demais.....
82
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Distribuio por faixa de idade dos sujeitos da pesquisa, conforme categoria
profissional............................................................................................................................
70
Grfico 2: Distribuio por sexo dos sujeitos da pesquisa, conforme a categoria
profissional............................................................................................................................
71
Grfico 3: Distribuio da renda dos sujeitos da pesquisa, conforme categoria
profissional............................................................................................................................
72
Grfico 4: Distribuio do tempo de concluso do ensino superior dos sujeitos da
pesquisa, conforme categoria profissional............................................................................
74
Grfico 5: Distribuio da freqncia curso de ps-graduao entre os sujeitos da
pesquisa, conforme categoria profissional............................................................................
75
Grfico 6: Distribuio das categorias profissionais da pesquisa em relao realizao
de curso introdutrio Estratgia de Sade da Famlia........................................................
79
Grfico 7: Distribuio dos principais cursos de atualizao, realizados a partir da
Estratgia de Sade da Famlia, referidos pelos profissionais da pesquisa..........................
80
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Distribuio das USFs por Distrito Sanitrio.................................................... 55
Quadro 2: Distribuio dos profissionais de nvel superior das USFs do projeto PET-
Sade Natal (RN) 2009........................................................................................................
57
Quadro 3: Variveis atribudas para o estudo sobre as representaes sociais dos
profissionais de nvel superior, preceptores do PET-Sade Natal (RN), sobre a ESF.........
64
Quadro 4: Caracterizao dos sujeitos participantes da pesquisa....................................... 69
Quadro 5: Cursos de ps-graduao lato sensu realizados pelas enfermeiras da
pesquisa................................................................................................................................
76
Quadro 6: Cursos de ps-graduao lato sensu realizados pelos mdicos da
pesquisa................................................................................................................................
76
Quadro 7: Cursos de ps-graduao lato sensu realizados pelos odontlogos da
pesquisa. ..............................................................................................................................
76
Quadro 8: Correspondncia entre o Sistema Categorial e as Classes geradas pelo
ALCESTE 2010 sobre os profissionais da ESF, preceptores do PET-Sade Natal (RN)...
84
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Categorias profissionais da pesquisa em relao ao estado
civil........................................................................................................................................
72
Tabela 2: Categorias profissionais da pesquisa segundo Instituio de concluso do
ensino superior......................................................................................................................
75
Tabela 3: Categorias profissionais da pesquisa em relao carga horria de trabalho na
ESF........................................................................................................................................
77
Tabela 4: Categorias profissionais em relao ao tempo de trabalho na ESF..................... 78
Tabela 5: Categorias profissionais da pesquisa em relao existncia ou no de outro
vnculo empregatcio.............................................................................................................
81
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACD Agente de Consultrio Dentrio
ACS Agente Comunitrio de Sade
ALCESTE Analyse Lexicale par Contexte dum Ensemble de Segments de Texte
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
APS Ateno Primria Sade
CHA Classificao Hierrquica Ascendente
CHD Classificao Hierrquica Descendente
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DS Distrito Sanitrio
ESF Estratgia de Sade da Famlia
GT Grupo de Aprendizagem Tutorial
IES Instituio de Ensino Superior
INPS Instituto de Nacional de Previdncia Social
LOS Lei Orgnica da Sade
MEC Ministrio da Educao e Cultura
MS Ministrio da Sade
OPAS Organizao Panamericana de Sade
PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade
PET-SADE Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade
PCCS- Plano de Cargos Carreiras e Salrios
PNAD Poltica Nacional por Amostra de Domiclios
PR-SADE Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade
PSF Programa Sade da Famlia
SACI Atividade Integrada de Educao, Sade e Cidadania
SESAP Secretaria de Estado da Sade Pblica
SIAB Sistema Nacional de Informao na Ateno Bsica
SILOS Sistemas Locais de Sade
SMS Secretaria Municipal de Sade
SUS Sistema nico de Sade
THD Tcnico de Higiene Dental
TNC Teoria do Ncleo Central
TRS Teoria das Representaes Sociais
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UC Universo Consensual
UCE Unidade de Contexto Elementar
UCI Unidade de Contexto Inicial
UFPB Universidade Federal da Paraba
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UR Universo Reificado
URNE Universidade Regional do Nordeste
USF Unidade de Sade da Famlia
VD Visita Domiciliria
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Apresentao
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Meu interesse em realizar esse estudo partiu de inquietaes encontradas ao longo da
minha formao acadmica e no pouco tempo de desenvolvimento da minha prtica
profissional enquanto enfermeira. Nesse tocante, diversas vezes peguei-me refletindo sobre as
seguintes interrogaes: At que ponto as prticas profissionais so responsveis pela baixa
eficcia e efetividade do sistema de sade? So elas as causas ou as conseqncias do
inadequado arranjo poltico-institucional do setor pblico de sade? Como os profissionais
vivenciam seu ambiente de trabalho? De que maneira a formao dos mesmos influencia sua
prtica profissional?
No Brasil, ainda vivemos um processo incipiente de democratizao e de implantao
de novas medidas no campo da sade, no qual os mecanismos de sustentao e financiamento
no esto garantidos a priori e os dirigentes polticos ao invs de incrementarem a
continuidade e os avanos advindos de experincias anteriores exitosas, geralmente optam por
priorizar a (re)inaugurao de polticas e projetos, reduzindo a importncia dos j existentes.
Com isso, a cada alternncia de governo, alternam-se tambm as polticas pblicas
dificultando o acmulo e o fortalecimento de experincias que contribuam para um melhor
desenvolvimento do pas de uma maneira geral.
muito rara a realizao de pesquisas despretensiosas para detectar a eficcia dos
programas governamentais por meio da busca de informaes junto aos verdadeiros
consumidores dos servios - usurios - e seus servidores - trabalhadores - sobre as reais
condies do modus operandi em que se encontram as polticas pblicas. No mbito da sade,
so notrias as insatisfaes por parte de usurios e profissionais acerca da qualidade e da
estrutura dos servios ofertados, com situaes que perpassam o cenrio do desrespeito e
desprezo por parte dos governantes queles que fazem e que sentem as dificuldades
encontradas na busca pela sade.
Nesse sentido, optar pelo Mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
especificamente no Departamento de Enfermagem de tal instituio, de onde sou egressa, foi
a forma que encontrei de procurar, no percurso metodolgico, a compreenso e a maturidade
para tentar entender os questionamentos expostos acima. Mais do que um curso, descobri no
Mestrado, uma possibilidade de reiterar a disposio em continuar buscando caminhos para o
fortalecimento do Sistema nico de Sade a partir da Estratgia de Sade da Famlia e de
novos modos de ensinar sade.
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I
ntrod
uo
Tropical Anita Mafalti (1889-1964):
pintora, desenhista, gravadora e professora
brasileira. Considerada um dos grandes
nomes da Semana de Arte Moderna no
Brasil.
Estrada do mundo novo com Po de
acar ao fundo Abigail Andrade (1864 -
?): pintora e desenhista brasileira, premiada
com a medalha de ouro por trabalhos no
Salo Imperial de 1884.
Independncia ou Morte Pedro
Amrico (1843 1905): pintor, romancista
e poeta brasileiro. Suas maiores obras
foram a enorme Batalha do Ava e
Independncia ou Morte.
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1 INTRODUO
Ao longo dos anos, a produo social da sade no Brasil trilhou por diversos
caminhos, desde as prticas mgico-religiosas dos indgenas utilizao de sofisticados
aparelhos tecnolgicos; da excluso de milhes de indivduos considerados indigentes
sanitrios incluso de toda a populao brasileira dentro de um sistema nico de sade
pblica; de uma viso puramente biologicista de unicausalidade para uma preventiva e
multicausal; da centralizao no profissional mdico para o trabalho em equipe
multiprofissional e interdisciplinar.
Pode-se considerar que o desenvolvimento das polticas de sade no Brasil foi
realizado por meio de processos complexos, influenciados, majoritariamente, pela conjuntura
econmica na qual o pas estava inserido (FRANCO; MERHY, 2007; PAIM, 2003). Tal fato
confirmado por Mendes (1999) ao ressaltar que no momento em que a economia brasileira
tinha por base a agroexportao, assentada principalmente na monocultura cafeeira, era
exigido do sistema de sade nada mais do que uma poltica de saneamento dos espaos de
circulao das mercadorias, particularmente os portos martimos, alm do controle ou
erradicao das doenas que poderiam interferir nas exportaes.
Dessa forma, ocorreu, em 1923, a promulgao da Lei Eloi Chaves, a qual garantia
amparo previdencirio e assistncia mdica somente a alguns trabalhadores com a excluso
dos demais sujeitos (ACIOLE, 2006; ELIAS, 2004). De acordo com Mendes (1999), o
modelo mdico assistencial privatista esteve relacionado a um movimento de crescente
integrao e universalizao da Previdncia Social, iniciando-se com as Caixas de
Aposentadorias e Penses, na dcada de 1920, perpassando pelos Institutos de Aposentadorias
e Penses, dos anos de 1930 a 1960, at a criao do Instituto Nacional de Previdncia Social
(INPS), em 1966, elucidando a estreita relao existente entre sade e economia.
Percebe-se, com isso, que a preocupao com o estado de sade dos indivduos esteve,
inicialmente, atrelada questo da necessidade de uma mo-de-obra saudvel para exercer as
atividades relacionadas ao mundo do trabalho, distanciando-se, substancialmente, das aes
coletivas de sade. Assim, a sade possua muito mais um carter de mercadoria do que de
direito.
Acrescenta-se a isso, em conformidade com Franco e Merhy (2007), o interesse dos
grupos hegemnicos, aos quais o Estado era e ainda permanece submisso, e que
mudavam a partir das transformaes nas conjunturas polticas, gerando movimentos
diferenciados na edio de polticas de sade, ao passo que as necessidades de sade da
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22
populao eram, e ainda so, determinadas pelas mudanas das situaes sociais, econmicas
e polticas. Sendo assim, mostra-se que o acesso aos servios de sade era um direito de
poucos, os quais eram determinados pelo potencial econmico e poltico dominante.
A consolidao da sade como poltica, segundo Elias (2004), ocorreu aps o trmino
da Segunda Guerra Mundial com o advento do Estado de Bem-Estar Social e dos sistemas
de sade na Europa e nos Estados Unidos, alm da realizao da Conferncia Internacional
sobre Cuidados Primrios de Sade, em Alma-Ata, atual Cazaquisto, em 1978, que
estabeleceu a Declarao de Alma-Ata, promulgando a necessidade de ao urgente de todos
os governos, profissionais da sade e do desenvolvimento e da comunidade mundial de
promover a sade de toda a populao.
Durante o final da dcada de 1970 e incio dos anos de 1980, o Brasil passou por uma
forte crise econmica repercutindo diretamente em suas polticas pblicas. No setor sade, o
modelo de organizao do sistema pautado na lgica flexneriana com priorizao da medicina
curativa centrada no hospital, na medicalizao e na compra de servios ao setor privado por
parte do setor pblico, destacava o carter excludente de nossa cidadania ao restringir o
acesso dos recursos e dos servios de sade a uma minoria da populao, excluindo os
estratos de baixo nvel scio-econmico e de regies de difcil acesso (BRASIL, 2009a;
MENDES, 1999).
Diante de tais acontecimentos, multiplicaram-se os sentimentos de insatisfao frente
ineficincia e ineficcia dos servios de sade, propiciando a criao do movimento
sanitrio brasileiro, que se organizava desde a dcada de 1970, fruto das discusses de um
grupo de profissionais de sade e das cincias sociais, universitrios, sindicalistas, usurios
dos servios de sade, entre outros atores sociais. Esse movimento contestava o modelo
mdico-assistencial privatista vigente, que se caracterizava por uma interveno fortemente
clnica, individualista e fragmentada, com pouca resolutividade e gastos financeiros
exorbitantes, no conseguindo atender satisfatoriamente toda a populao.
Tal movimento favoreceu o surgimento da Reforma Sanitria Brasileira, que para
Cassels (1995) apud Mendes (2001) consistiu num momento para estabelecer prioridades,
redefinir polticas e reformar as instituies nas quais as mesmas eram executadas.
O movimento da Reforma Sanitria, cujos esforos centraram-se em questes mais
gerais das polticas de sade, culminou, em 1986, na 8 Conferncia Nacional de Sade,
tornando-se marco fundamental para a construo das bases doutrinrias da criao e
construo de um novo sistema de sade brasileiro.
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A Constituio Federal promulgada em 05 de outubro de 1988, no seu Ttulo VIII da
Ordem Social, Captulo II da Seguridade Social, Seo II da Sade, criou o Sistema nico
de Sade (SUS), organizado em princpios e diretrizes que definiram a ateno primria
sade (APS) como eixo norteador e articulador para a transformao do modelo de ateno
sade vigente.
Assim, a seo da sade na Constituio Federal de 1988 e as Leis Orgnicas da Sade
(LOS) a Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei n 8.142, de 28 de dezembro de
1990 compem as bases jurdicas do SUS, atribuindo sade o carter de direito de
cidadania e dever do Estado (BRASIL, 2009a).
Consoante Vasconcelos e Pasche (2006), o SUS compreende o modelo organizacional
da poltica de sade do Estado brasileiro, constituindo-se num conjunto de aes e servios de
sade das trs esferas de governo municipal, estadual e federal - aglutinando ainda os
servios privados de sade, por meio de contratos ou convnios, que o integram
funcionalmente, de forma complementar, para a prestao de servios aos usurios do
sistema.
Trata-se de um sistema diversificado e complexo que tem a finalidade de coordenar e
articular as aes de preveno de doenas e promoo da sade, com as de cura e
reabilitao, atravs da incorporao de uma concepo ampliada de sade incluindo os
determinantes sociais, econmicos, biolgicos, culturais, ambientais, entre outros.
O SUS est pautado em princpios e diretrizes, os quais concedem ampla legitimidade
ao sistema e proporcionam racionalidade ao seu funcionamento. Os princpios doutrinrios
compreendem a universalidade, a integralidade e a equidade, enquanto as diretrizes
organizativas consistem na descentralizao e regionalizao, hierarquizao, resolutividade,
participao comunitria e complementariedade do setor privado (SAITO, 2008;
VASCONCELOS; PASHE, 2006; PEREIRA et al., 2005; COSTA; CARBONE 2004).
Desse modo, o SUS produziu resultados imediatos, destacando-se o trmino da
segregao entre os includos e os excludos economicamente atravs do princpio da
universalidade, garantindo acesso sade a todos os brasileiros (BRASIL, 2009a; MENDES,
2001). Alm disso, conferiu a equidade no acesso e atendimento, priorizando, na oferta de
servios, os segmentos populacionais mais necessitados e com maior risco de adoecer e
morrer em decorrncia de suas condies scio-econmicas (VASCONCELOS; PASHE,
2006), considerando as diversas dimenses do processo sade-doena existentes no mbito
individual e coletivo.
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A idia bsica da organizao do SUS , de acordo com Elias (2004), estimular o
usurio a procurar, inicialmente, as aes e servios ofertados na ateno primria. Os
problemas no solucionados nesse nvel devero ser encaminhados para o setor secundrio
que, por conseguinte, ir referir para o tercirio as situaes em que no se encontra
capacitado para atender. No entanto, salienta-se que essa construo da ateno em sade no
deve estar consolidada em um modelo piramidal, mas sim, em um modelo cclico no qual
estes nveis se inter-relacionam por meio dos sistemas de referncia e contra-referncia.
A participao comunitria, regulamentada pela Lei n 8.142/1990, ocorre atravs das
Conferncias e Conselhos de Sade, sendo imprescindvel para a construo e implementao
dos princpios e diretrizes do SUS na realidade cotidiana, visto que esse se constitui numa
conquista de todos, requerendo dessa maneira o controle social na gesto dos servios de
sade (VASCONCELOS; PASHE, 2006; MENDES, 1999).
Com base no exposto acima, destaca-se que o SUS tem sido capaz de estruturar um
sistema pblico de sade de incomparvel relevncia, apresentando resultados significativos
para a populao brasileira. Entretanto, ainda persistem diversos problemas e desafios a serem
enfrentados para torn-lo um sistema universal que possa realmente garantir sade de
qualidade a toda populao.
Dentre os desafios tericos, destacam-se a compreenso das relaes de governo e das
possibilidades de uma gesto participativa e democrtica, o esclarecimento das obscuras
relaes pblico-privadas, bem como a sustentabilidade de polticas tidas como universais. No
aspecto prtico, o desafio consiste em alcanar a meta de garantir a sade de forma universal e
equnime (MAIO; LIMA, 2009). Nesse tocante, faz-se mster a frase de Elias (2004, p. 14):
o SUS delineia o que fazer, mas no diz o como se faz e muito menos para quem se faz.
Diante disso, a partir da dcada de 1990, com a finalidade de implementar os
princpios do SUS, o Ministrio da Sade (MS) reconheceu a importncia da assistncia
integral ao indivduo tendo como foco principal o seu ambiente familiar, social e econmico,
assim como uma nova concepo do conceito de sade, tida no somente como a mera
ausncia de doenas, mas englobando a qualidade de vida (VIANA; POZ, 1998).
Em 1994, adotou-se a estruturao do Programa Sade da Famlia (PSF), decorrente
do Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS), sendo renomeado, em 1998, como
Estratgia de Sade da Famlia (ESF), por ser considerada uma estratgia estruturante dos
sistemas municipais de sade. Tem como objetivo reorientar o modelo assistencial no espao
poltico-operacional por meio da ateno bsica, no mbito da Unidade de Sade da Famlia
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(USF), com definio de responsabilidades entre os servios de sade e a populao
(MENDES, 2002).
Segundo Campos e Belisrio (2001), notria a reviso de paradigmas ocorrida
atravs do processo de redemocratizao, da busca ao direito universal e equnime sade,
assim como do progresso cientfico e tecnolgico ocorridos nos ltimos anos e sua influncia
direta sobre os servios e aes de sade. Tal fato ocasionou uma mudana na qual o
paradigma dominante deixa de ser flexneriano-cartesiano para privilegiar a prtica sanitria e
a produo social em sade (MENDES, 1999).
Nessa perspectiva, a ESF emerge como uma possibilidade de reestruturao dos
servios e de novas prticas de interveno na ateno sade, visando substituio ao
modelo assistencial curativista, centrado no hospital, na medicalizao, no individualismo, na
fragmentao por especialidades e na cura das doenas.
O foco de ateno est voltado para o atendimento integral e contnuo ao indivduo e
sua famlia, abrangendo todos os ciclos da vida (desde o recm-nascido ao idoso),
compreendidos a partir de diversificados contextos e ambientes, atravs de aes da
preveno de doenas, promoo, proteo e recuperao da sade dos mesmos,
possibilitando uma viso ampliada do processo sade-doena (RODRIGUES; LIMA;
RONCALLI, 2008).
A ESF constitui-se em um grande avano na sade brasileira, por proporcionar uma
ateno voltada s reais necessidades do indivduo e sua famlia por meio da atuao de uma
equipe interdisciplinar composta, em sua maioria, por mdico, enfermeiro, dentista, tcnico de
enfermagem, agente comunitrio de sade (ACS) e auxiliar de consultrio dentrio (ACD).
No entanto, destaca-se que a ocorrncia dessa mudana paradigmtica, por si s, no
suficiente para garantir uma nova lgica na organizao do trabalho. Segundo Franco e Merhy
(2007, p.115-6), faz-se imperativo
(...) mudar os sujeitos que se colocam como protagonistas do novo modelo de
assistncia. necessrio associar tanto novos conhecimentos tcnicos, novas
configuraes tecnolgicas do trabalho em sade, bem como outra micropoltica
para este trabalho, at mesmo no terreno de uma nova tica que o conduza. E, isto,
passa tambm pela construo de novos valores, uma cultura e comportamentos
pautados pela solidariedade, cidadania e humanizao na assistncia.
Cotta et al. (2006) ressaltam que os profissionais da ateno bsica devem ser capazes
de planejar, organizar, desenvolver e avaliar suas aes de acordo com as necessidades da
comunidade. Disso resulta que a qualidade dos servios de sade depende de diversos fatores,
dentre eles incluem-se os instrumentos usados para a definio e anlise dos problemas, assim
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como para a avaliao do grau de comprometimento dos profissionais relacionados com as
normas tcnicas, sociais e humanas.
Percebe-se que para os profissionais de sade adquirirem a concepo descrita acima,
torna-se imprescindvel uma formao que integre ensino, gesto, ateno e controle social
(MELLO, 2000). A transformao dos problemas e dificuldades, atravs da melhor
qualificao, no se dar de forma instantnea, mas exigir comprometimento daqueles que
pensam e fazem a sade no Brasil.
Nesse aspecto, o Ministrio da Sade em parceria com o Ministrio da Educao
instituiu atravs da Portaria Interministerial MS/MEC n 1.802, de 26 de agosto de 2008, o
Programa de Educao pelo Trabalho e para a Sade (PET-Sade) com o objetivo de
fomentar a formao de Grupos de Aprendizagem Tutorial (GTs) relacionados com a ESF,
caracterizando-se como instrumento para qualificao em servio dos profissionais da sade,
bem como desenvolver aes indissociveis de ensino-pesquisa-extenso, na perspectiva da
integrao dos cursos de graduao com o servio e a comunidade, na inteno de promover
uma formao acadmica socialmente comprometida e cidad (BRASIL, 2009b; BRASIL,
2008a).
Diante disso, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria
com a Secretaria Municipal de Sade de Natal (SMS/Natal) elaborou o Projeto do Programa
de Educao pelo Trabalho e para a Sade (PET-Sade) do Municpio de Natal (RN), que
compreende o desenvolvimento de atividades multiprofissionais e interdisciplinares, com
nfase na ESF, envolvendo discentes, monitores e docentes de seis cursos de graduao na
rea da sade da referida universidade (Enfermagem, Farmcia, Fisioterapia, Medicina,
Nutrio e Odontologia), os quais se propem a realizar atividades de ateno sade,
pesquisa e ensino, de forma interdisciplinar e integrada com o servio e com a comunidade.
No processo de construo desse projeto foram resgatadas as estratgias j
desenvolvidas de integrao multiprofissional no nvel da graduao, atravs da Atividade
Integrada de Educao, Sade e Cidadania (SACI), e outras iniciativas relacionadas aos
projetos do Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade (PR-
SADE) I e II, os quais assentaram como eixos orientadores, rompendo-se com a lgica
predominante de cursos isolados e projetos pedaggicos no relacionados.
Foram definidos como objetivos do Projeto PET-Sade Natal (RN), os seguintes
pontos:
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Promover o avano da integrao educao x trabalho, considerando a
indissociabilidade entre ensino/pesquisa/produo cultural, atravs da extenso
universitria;
Contribuir para a formao de profissionais de sade, tomando como referncia
um perfil crtico, pautado em rigorosos preceitos tico-humansticos e adequado s
necessidades sociais e epidemiolgicas da populao e ao SUS;
Desenvolver atividades acadmicas no trabalho em sade, oportunizando
experincias tutoriais para formao de profissionais com padres de qualidade de
excelncia;
Contribuir para o desenvolvimento das aes da poltica de educao permanente
em sade das equipes da ESF integrantes do projeto;
Estimular uma cultura de investigao no servio de sade;
Desenvolver estudos e pesquisas no campo da ateno bsica em sade no
municpio de Natal-RN;
Contribuir para a formulao de um projeto pedaggico comum para os cursos da
rea da sade da UFRN, no tocante ao desenvolvimento das habilidades e
competncias gerais estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais;
Desenvolver competncias e habilidades especficas dos alunos da rea da sade
para o trabalho com a ateno primria e a ESF (UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO GRANDE DO NORTE, 2009, p. 3-4).
Definiu-se, portanto, como objeto desse estudo os profissionais de nvel superior que
compem a equipe bsica da ESF, especificamente o enfermeiro, o mdico e o odontlogo, os
quais tambm so integrantes do Projeto PET-Sade do Municpio de Natal (RN).
Consoante Leite e Veloso (2008) a idia da ESF visa enfatizar a concepo de trabalho
em equipe de forma interdisciplinar a fim de cumprir o princpio da integralidade na sade e
valorizar a integrao dos diversos saberes de cada profissional na construo do cuidado na
ateno bsica. Dessa forma, a interdisciplinaridade constitui uma importante proposta de
recurso de trabalho para o fortalecimento da ateno bsica, ao passo que ocasiona um
rompimento da dinmica dos servios centrados na figura do mdico, configurando-se a
possibilidade de uma abordagem mais integral e resolutiva.
No entanto, Peduzzi (2001) ressalta que preciso superar a concepo de trabalho em
equipe regularizado por meio de relaes assimtricas entre profissionais distintos, uma vez
que no deve existe uma relao hierrquica e de subordinao entre os mdicos e os demais
profissionais da sade. Alm disso, essa autora tambm destaca que para um melhor
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desenvolvimento do trabalho em equipe, cada profissional deve incorporar uma lgica de
flexibilidade na diviso do trabalho e a ideia de autonomia tcnica com interdependncia,
valorizando a produo do cuidado em seus diversos mbitos: educativo, preventivo,
psicossocial, comunicacional, que, muitas vezes, aparecem como perifricos ao trabalho
nuclear da assistncia mdica individual.
Deste modo, o estudo justificou-se pelo interesse dos autores em apreender o olhar do
enfermeiro, mdico e odontlogo, preceptores do Projeto PET-Sade Natal (RN) e membros
da equipe interdisciplinar da ESF, sobre essa estratgia, utilizando-se, para isso, o enfoque da
Teoria das Representaes Sociais (TRS). A representao social busca compreender a forma
como um grupo de indivduos constri um conjunto de saberes que revela a identidade desse
grupo social, bem como as representaes que ele possui acerca de um determinado objeto ou
fenmeno, tanto prximo quanto distante (OLIVEIRA; WERBA, 1998).
O desejo em utilizar a ESF como cenrio de realizao da pesquisa tem por desgnio a
sua constituio como um novo modelo integral de ateno sade, requerendo, portanto,
profissionais comprometidos com o usurio em relao criao de vnculos, ao atendimento
integral e de qualidade, ao conhecimento das necessidades e do contexto em que esse
indivduo est inserido, resoluo de problemas, entre outros, permitindo, dessa forma, uma
maior eficcia, eficincia e efetividade estratgia.
A escolha de trabalhar com o profissional enfermeiro, mdico e odontlogo advm das
expectativas de um trabalho integrado entre os mesmos para um melhor desenvolvimento da
estratgia. Dessa forma, torna-se interessante compreender as representaes que essas trs
categorias profissionais, cada qual com sua singularidade e processos de trabalhos
diferenciados, possuem acerca da ESF.
Alm disso, salienta-se que os profissionais que participam do Projeto PET-Sade
exercem o papel de preceptores dos alunos de graduao dos referidos cursos (Enfermagem,
Medicina e Odontologia), constituindo-se em um referencial para estes discentes. As novas
diretrizes curriculares buscam eliminar a nfase nas especializaes e procuram formar um
novo protagonista social, ou seja, um profissional com formao generalista, direcionado
primordialmente para a ateno bsica (FEUERWERKER, 2003).
Com isso, percebe-se a importncia desses profissionais junto s universidades, visto
que os mesmos influenciam, direta ou indiretamente, o processo educativo e de trabalho dos
discentes futuros profissionais no somente do ponto de vista tcnico-metodolgico, mas
tambm do ponto de vista social.
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A relevncia desse estudo residiu nas contribuies que o mesmo fornecer ao Projeto
PET-Sade Natal (RN), bem como a todos os cursos de sade envolvidos direta ou
indiretamente em tal projeto, uma vez que se conhecendo as representaes sociais dos
profissionais de nvel superior que compem as equipes mnimas da ESF e que correspondem
aos preceptores dos discentes que desenvolvem atividades nesse campo de prticas,
compreender-se- a imagem que tais profissionais possuem sobre a ESF influenciando, de
certa forma, no processo de trabalho desenvolvido pelos mesmos, bem como no processo de
ensino-aprendizagem dos acadmicos por eles acompanhados. Alm disso, ajudar, de
maneira indireta, a conhecer o perfil dos profissionais das equipes da ESF do municpio de
Natal (RN).
A motivao para a realizao desse estudo decorreu do encantamento da autora com a
ateno bsica e com o processo de trabalho dos profissionais que a compe, sendo a ESF um
ambiente complexo, com diversos matizes, dona de uma riqueza inexpressiva de experincias
de vida e de aprendizados que mostram a relevncia da mesma sobre a vida e condies de
sade-doena da populao em geral.
Esse despertar para a sade da famlia surgiu, inicialmente, na graduao durante as
aulas das disciplinas de Clnica Ampliada, Sade da Criana e Sade da Mulher em que me
foi apresentada a ESF, intensificando-se no Estgio Supervisionado I em servios de ateno
bsica, no qual pude realmente vivenciar o trabalho, mesmo enquanto acadmica, nesse
servio, bem como conviver com outros profissionais que dela faziam parte.
Logo aps a faculdade, adentrei a ESF, porm dessa vez no como estudante, mas sim
como enfermeira e pude observar suas potencialidades, bem como algumas de suas
fragilidades, deparando-me com alguns profissionais, que como eu, acreditavam no
crescimento e fortalecimento da estratgia, e outros, que no evidenciavam tal
comprometimento com o campo de trabalho em que atuavam, mostrando desinteresse, falta de
dedicao e responsabilidade para com os usurios.
Saliento tambm a esperana creditada nesse modelo de ateno em sade focado na
preveno de doenas e promoo da sade em todos os ciclos da vida que diz respeito
tessitura cotidiana dos sujeitos na perspectiva da vigilncia em sade. Sabedora de que esta
ampliao da conscincia sanitria depende de um grupo de fatores conjunturais relacionados,
prioristicamente, vontade e deciso do usurio em aderir proposta, mesmo assim, ouso, a
partir do alcance dos objetivos, seguindo o transcurso da reflexo-crtica e compartilhando
experincias e sugestes com os mesmos e para os mesmos, considerando-se os novos e os
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velhos desafios para eles e os profissionais inseridos na ESF, minimizar a procura pela mdia
e alta complexidade da ateno sade.
Com base nas consideraes tecidas anteriormente, definiu-se como problemtica
desse estudo a seguinte inquietao: Quais as representaes sociais dos profissionais
integrantes do Projeto PET-Sade Natal-RN (enfermeiro, mdico e odontlogo), sobre a
Estratgia de Sade da Famlia, enquanto campo de atuao dos mesmos?
Assim, delineou-se como objetivo geral desse trabalho apreender as representaes
sociais do enfermeiro, mdico e odontlogo (preceptores do projeto PET-Sade Natal RN)
sobre a ESF, enquanto campo de prtica dos mesmos.
Como objetivos especficos enumeraram-se os seguintes:
Apresentar as caractersticas scio-demogrficas dos preceptores do PET-
Sade Natal (RN) enfermeiros, mdicos e odontlogos da ESF;
Descrever as competncias do enfermeiro, mdico e odontlogo, preceptores
do PET-Sade Natal (RN), na ESF;
Identificar, de acordo com o pensamento desses profissionais, os problemas e
as potencialidades da ESF;
Enumerar as contribuies e/ou interferncias ocorridas aps a insero dessas
categorias profissionais no Projeto PET-Sade Natal (RN).
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Mariposa Beatriz Milhazes (1960): pintora,
gravadora, ilustradora e professora brasileira.
Vem destacando-se em exposies no exterior.
Cinco moas de Guaratinguet Di
Cavalcante (1897 1976): pintor,
desenhista e caricaturista brasileiro.
Considerado um dos grandes nomes da
pintura brasileira.
Sem Ttulo Alice Soares (1917 2005):
pintora e desenhista brasileira. As meninas
foram o tema constante de suas obras.
Revi
so d
e L
iteratu
ra
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2 REVISO DE LITERATURA
Para dar subsdio s discusses acerca do objeto de estudo dessa pesquisa, esse
captulo foi dividido em quatro subsees, com a finalidade de auxiliar a leitura e organizao
dos conceitos, buscando a fundamentao terica e compreenso da temtica. So
participantes desse processo autores e estudiosos nas temticas da Sade Pblica, Ateno
Bsica, formao de recursos humanos para a rea da sade, entre outros, sejam esses de reas
afins ou sujeitos da prpria Enfermagem, como tambm demais envolvidos em tal processo.
Nesse momento revisional, utilizaram-se diversos materiais didticos, tais como livros,
manuais e documentos produzidos pelo Ministrio da Sade, artigos em peridicos impressos
e digitalizados que serviram de embasamento terico para a construo das ideias e conceitos
que permearam o objeto de estudo, assim como a problemtica elucidada.
Destarte, o captulo foi subdividido da seguinte maneira: 2.1 A Poltica Nacional de
Ateno Bsica: construindo uma nova ateno em sade; 2.2 Prtica dos profissionais de
nvel superior na ateno bsica: fatores favorveis e desfavorveis ao desenvolvimento de
seu processo de trabalho; 2.3 Formao dos profissionais de sade para a atuao na ateno
bsica; 2.4 A Teoria das Representaes Sociais no campo da Sade e ESF.
2.1 A POLTICA NACIONAL DE ATENO BSICA: CONSTRUINDO UMA NOVA
ATENO EM SADE
O movimento da Reforma Sanitria, a 8 Conferncia Nacional de Sade e a
Constituio de 1988 foram marcos determinantes para se pensar e implementar a
integralidade das aes no modelo da ateno em sade no Brasil, historicamente marcado
pela predominncia da assistncia mdica curativa, individual e pelo entendimento do
conceito de sade como a mera ausncia de doenas, princpios definidores do modelo
flexneriano.
O rompimento deste paradigma veio com o ordenamento jurdico-institucional da
criao e implantao do SUS, visto que o modelo clnico/flexneriano no conseguia
responder aos problemas da organizao das aes e servios de sade de maneira a atender
s reais necessidades de sade de toda a populao (SCHERER; MARINO; RAMOS, 2005).
Dessa maneira, o SUS instituiu a necessidade de imprimir uma nova forma de produzir
e distribuir as aes e servios de sade, ou seja, de configurar e definir um novo modelo de
ateno sade estruturado no paradigma da produo social em sade, na concepo
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ampliada do processo sade-doena e na prtica sanitria da vigilncia em sade (MENDES,
1999).
Dentre as estratgias utilizadas para substituio do modelo assistencial biomdico por
um novo modelo pautado nos princpios da universalidade, equidade e integralidade da
ateno propostos pelo SUS, destacou-se a formulao e implantao do Programa de Sade
da Famlia (PSF) renomeado, posteriormente, como Estratgia de Sade da Famlia (ESF),
por ser considerada uma estratgia ministerial em que diferentes segmentos sociais, tais como
educao e segurana, articulam-se com o conceito ampliado de sade (MENDES, 2002).
Com isso, importa que o indivduo tornou-se o centro das aes, deixando de ser visto
de forma fragmentada e especializada, isolado do seu contexto familiar, social e de seus
valores. Nesta perspectiva possvel o desenvolvimento de novas aes humanizadas,
tecnicamente competentes, intersetorialmente articuladas e socialmente apropriadas
(SCHERER; MARINO; RAMOS, 2005; PAIM; ALMEIDA FILHO, 2000).
Sinteticamente, a ESF emergiu, segundo Andrade, Barreto e Bezerra (2006), como
uma maneira de expandir o acesso ateno primria para a populao brasileira, consolidar o
processo de municipalizao da organizao da ateno sade, facilitar o processo de
territorializao e regionalizao pactuada entre municpios adjacentes e, particularmente,
promover o vnculo com a populao atravs do fortalecimento das aes inter-setoriais com
o estmulo participao da comunidade.
Como diretrizes operacionais da ESF, elencam-se o carter substitutivo de suas
prticas, proporcionando a substituio das prticas convencionais de assistncia por um novo
processo de trabalho, centrado na Vigilncia Sade; a integralidade e hierarquizao das
aes, estando a USF inserida no primeiro nvel de aes e servios do sistema local de sade;
a territorializao e adscrio de clientela, fazendo com que o trabalho das equipes seja
desenvolvido em um territrio definido; e o trabalho atravs de uma equipe interdisciplinar
(BRASIL, 1997).
Para Costa e Carbone (2004) e Elias (2004), a sade da famlia constitui uma porta de
entrada aos servios de sade, uma vez que estabelece um contato incipiente com o usurio,
alm de determinar a referncia e a contra-referncia para os demais nveis de ateno
(secundrio e tercirio). Organiza-se como uma estratgia instituindo a integrao e
coordenao das atividades em um territrio definido a fim de identificar e solucionar os
possveis problemas existentes.
Assim, a ESF define-se como um modelo de ateno primria sade que inclui
elementos de diferentes modelos, operacionalizado atravs de aes/estratgias de promoo,
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proteo, recuperao e reabilitao, tanto para o indivduo quanto para sua famlia e
comunidade, por meio de servios assistenciais (ambulatoriais, hospitalares e de apoio
diagnstico) e de vigilncia em sade (ambiental, epidemiolgica e sanitria), valorizando os
diversos contextos em que os usurios esto inseridos (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA,
2006; BRASIL, 2006; SCHERER; MARINO; RAMOS, 2005;).
Tal estratgia adota, segundo Franco e Merhy (2007), a formao de vnculo proposta
a partir da adscrio da clientela, entre seiscentas a mil famlias, em determinado territrio,
por meio da construo dos chamados Sistemas Locais de Sade (SILOS) ou Distritos
Sanitrios, que se constituem no planejamento local das aes atravs da
(...) anlise da situao de sade e na definio da situao desejada. Desenham-se
estratgias e um modelo de operao para estruturar a oferta de servios e atender
demanda epidemiologicamente identificada e, ao mesmo tempo, captar os usurios
provenientes da demanda espontnea. (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006,
p. 801)
A compreenso do SILOS/Distrito Sanitrio pode envolver duas dimenses, na
primeira, relaciona-se como uma estratgia de construo do SUS num municpio e/ou
conjunto de municpios; na segunda, refere-se menor unidade de territrio ou de populao
adequada para o processo de planejamento e gesto (ALMEIDA; CASTRO; VIEIRA, 1998).
No entanto, salienta-se que o impacto da ESF na sade dos usurios do SUS depende
essencialmente da sua capacidade de integrao com as redes de ateno sade:
ambulatorial especializada, hospitalar secundria e terciria, rede de servios de urgncia e
emergncia, e rede de servios de ateno sade mental (MENDES, 2001).
A atuao conjunta e integrada dos profissionais da ESF que compem a chamada
equipe interdisciplinar destaca-se tambm como um ponto-chave para o impulso da mesma.
Essa equipe formada minimamente por um mdico generalista, um enfermeiro, dois
auxiliares de enfermagem e agentes comunitrios de sade (ACS) em nmero suficiente para
cobrir 100% da populao adscrita, respeitando-se o teto mximo de um ACS para cada
setecentas e cinquenta pessoas e de doze ACS para a equipe da ESF. Adiciona-se a esta
composio a equipe de sade bucal e suas modalidades. A modalidade nmero 1 composta
minimamente por um cirurgio-dentista e um auxiliar de consultrio dentrio (ACD),
enquanto que na modalidade 2, acrescenta-se a presena de um tcnico de higiene dental
THD (BRASIL, 2007a).
A jornada de trabalho de todos esses profissionais deve ser de 40 horas semanais.
Outros profissionais podem integrar essas equipes de acordo com o perfil epidemiolgico da
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populao e da deciso do gestor municipal em conformidade com o Conselho Municipal de
Sade.
As equipes de sade da famlia devem estar preparadas para prestar assistncia
integral, com nfase nas aes de promoo da sade e preveno de agravos; proporcionar
atendimento humanizado, viabilizando a criao de vnculo; conhecer a realidade e
desenvolver o cuidado em sade da populao adscrita pela qual responsvel; realizar busca
ativa e notificao de doenas e agravos de notificao compulsria; solucionar, atravs de
adequada utilizao do sistema de referncia e contra-referncia, os principais problemas
detectados; desenvolver processos educativos para sade, voltados melhoria do auto-
cuidado dos indivduos e promover aes inter-setoriais; participar das atividades de
planejamento e avaliao das aes da equipe; promover a participao da comunidade;
identificar parceiros que possam potencializar aes inter-setoriais; garantir a qualidade do
registro das atividades nos Sistema Nacional de Informao na Ateno Bsica (SIAB); e
participar das atividades de educao permanente (BRASIL, 2006).
As atribuies especficas dos profissionais da Ateno Bsica devero constar de
normatizao do municpio e do Distrito Federal, de acordo com as prioridades definidas pela
respectiva gesto e as prioridades nacionais e estaduais pactuadas, sendo regulamentadas pelo
Ministrio da Sade.
Com isso, tem-se que ao enfermeiro compete realizar consulta de enfermagem,
solicitar exames complementares e prescrever medicaes, conforme protocolos ou outras
normativas tcnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou Distrito Federal; e planejar,
gerenciar, coordenar, avaliar e supervisionar as aes desenvolvidas pelos ACS e equipe de
enfermagem (BRASIL, 2006).
Ao mdico cabe realizar atividades de demanda espontnea e programada em clnica
mdica, pediatria, ginecologia e obstetrcia, cirurgias ambulatoriais, pequenas urgncias
clnico-cirrgicas e procedimentos para fins de diagnsticos; encaminhar, se necessrio,
usurios a servios de mdia e alta complexidade, respeitando-se os fluxos de referncia e
contra-referncia locais, ou indicar a necessidade de internao hospitalar ou domiciliar
mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano teraputico do usurio
(BRASIL, 2006).
E ao odontlogo, corresponde realizar diagnstico com a finalidade de obter o perfil
epidemiolgico para o planejamento e a programao em sade bucal; desenvolver os
procedimentos clnicos da Ateno Bsica em sade bucal, incluindo atendimento das
urgncias e pequenas cirurgias ambulatoriais; encaminhar e orientar os usurios, quando
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necessrio, a outros nveis de assistncia, mantendo sua responsabilizao pelo
acompanhamento e segmento do tratamento do mesmo; e coordenar e participar de aes
coletivas voltadas promoo da sade e preveno de doenas bucais (BRASIL, 2006).
Alm disso, esses profissionais devem realizar consultas e procedimentos na USF e,
quando necessrio, no domiclio do usurio e/ou nos demais espaos comunitrios
(associaes, igrejas, escolas, creches); desenvolver e participar das atividades de Educao
Permanente dos demais profissionais como o auxiliar de enfermagem, o ACD, THD e os
ACS; e contribuir no gerenciamento dos insumos necessrios para o adequado funcionamento
da USF.
O desenvolvimento do trabalho da equipe, em essencial do enfermeiro, mdico e
odontlogo, deve ocorrer de forma dinmica, integral e interdisciplinar com avaliao
permanente de suas aes atravs do acompanhamento dos indicadores de sade de cada rea
de atuao, visando readequao do processo de trabalho.
Para a consolidao do modelo assistencial desejado torna-se necessrio que, os
profissionais atuantes na ESF executem suas competncias pautados em trs pilares
conhecimento, habilidade e atitude comprometendo-se com a sade da famlia, com a
equipe e com a populao usuria (RIBEIRO et al., 2008). Com relao competncia
profissional, Mello (2000) afirma que a mesma implica numa mobilizao de conhecimentos
para que se consiga enfrentar uma determinada situao atravs do desenvolvimento de novas
formas criativas e eficazes, requerendo, para isso, a integrao e a coordenao de um
conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes.
Para melhor compreenso destas palavras, buscaram-se os seus significados literais
atravs de Ferreira (2008) onde o termo conhecimento relacionado informao ou noo
adquiridas pelo estudo ou pela experincia; habilidade, descrita como inteligncia,
capacidade e sagacidade; e atitude, como postura e forma de proceder em relao ao outro
(pessoa e/ou objeto). Disso, depreende-se que os profissionais da sade devem possuir
conhecimentos tcnicos compatveis com o desenvolvimento de sua prtica, agindo de forma
coerente e organizada por meio de uma postura tica e humanizada.
Em conformidade com Feuerwerker (2003), as transformaes ocorridas no mundo do
trabalho exigem dos profissionais habilidades para avaliar, sistematizar e decidir a conduta
mais apropriada, como tambm competncias para a tomada de decises, para desenvolver
seu trabalho visando o uso apropriado, eficcia e custo-efetividade da fora de trabalho, de
medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de prticas. Destaca-se que essas
competncias se estendem ao campo da comunicao, visto que os profissionais de sade
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devem ser acessveis e receptivos na interao com os usurios e a comunidade, fazendo-se
imprescindvel, para isso, uma postura tica e de responsabilidade.
O trabalho em equipe, nesse sentido, redimensiona o sentido da diviso de
responsabilidades do cuidado entre os demais membros da equipe, descentralizando-o da
figura do mdico, por meio da ao interdisciplinar e valorizao das diversas especificidades,
proporcionando uma abordagem ampla e resolutiva e uma melhoria na qualidade da prestao
das aes de sade (ARAUJO; ROCHA, 2007).
A concepo da ESF como componente primrio de um sistema pblico de sade de
abrangncia nacional redimensiona sua importncia frente s diversidades locorregionais,
culturais, tnicas, de crenas, exigindo uma constante avaliao das aes particularizadas
como forma de atender as demandas ou necessidades dos usurios. Nessa viso espectral do
SUS, nos ltimos anos houve uma expanso relevante do acesso s equipes de sade da
famlia e um aumento na cobertura da ESF nas zonas rurais e em cidades com menor
densidade populacional (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006).
Contextualizando a ampliao da cobertura, em 2003, existiam cerca de 19.000
equipes de sade da famlia implantadas, atendendo 62,3 milhes de pessoas, ou seja, 35,7%
em cerca de 4,4 mil municpios brasileiros. Em 2007, elevou-se comparativamente para
46,6% da populao brasileira abrangendo cerca de 5.125 municpios (BRASIL, 2008b).
Dessa forma, considerando-se a expanso da ESF e sua evoluo histrica e social,
alm de paradigmtica, consolidada como uma ferramenta prioritria para reorganizao da
ateno bsica no Brasil, foi aprovada, em 28 de maro de 2006, a Poltica Nacional de
Ateno Bsica atravs da portaria n 648/2006 que garante a reviso de diretrizes e normas
para a organizao da Ateno Bsica, do PSF e do PACS (BRASIL, 2006).
Adensam-se s conquistas, garantias e tambm desafios de superao das disparidades
que emergem com sua implantao nos diversos cenrios dos municpios brasileiros,
incluindo aqueles dentro de um dado municpio. Um desses desafios, e talvez o mais grave,
refere-se carncia de profissionais em termos quantitativos e qualitativos para atuar nesse
cenrio (CAMPOS; BELISARIO, 2001).
Paim (2001) chama a ateno para o fenmeno da criao de vrios postos de trabalho
na ESF, em um intervalo de tempo relativamente curto. Tal evento requer a necessidade
urgente e inadivel do surgimento de Plos de Capacitao em Sade da Famlia, no sentido
de utilizar, da forma mais eficiente possvel, a capacidade das universidades e dos servios de
sade.
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Franco e Merhy (2007) identificam outros desafios a partir de um processo de trabalho
centrado exclusivamente em aes higienistas, relegando a segundo plano a importncia da
prtica clnica. Alm disso, ressalta-se a falta de garantia referente mudana na forma de
relacionamento dos profissionais para com os usurios, por estar pautada sobre novos
parmetros de trabalho (usurio-centrado) e a insegurana quanto ao desenvolvimento e
consolidao do trabalho multiprofissional, ocasionando uma ruptura da dinmica mdico-
centrada. E, ainda, o abandono da ideia de que altos salrios so sinnimos de garantia de
bom atendimento.
Como uma possibilidade para a soluo dos desafios, corrobora-se com Merhy (2001,
p.149) sobre a necessidade de politizar o debate e a prtica profissional na ESF, instigando
os sujeitos envolvidos com a implantao do SUS a serem sujeitos reflexivos, e no sujeitos
da adeso pura e simples.
2.2 PRTICA DOS PROFISSIONAIS DE NVEL SUPERIOR NA ATENO BSICA:
FATORES FAVORVEIS E DESFAVORVEIS AO DESENVOLVIMENTO DE SEU
PROCESSO DE TRABALHO
A anlise da relao entre a organizao dos servios de sade e as prticas de
ateno, da forma como ocorrem no cotidiano das famlias, na comunidade, imprescindvel
para compreender o processo de trabalho das equipes de sade da famlia.
De acordo com Franco e Merhy (2007), as caractersticas positivas da ESF esto
relacionadas, essencialmente, adscrio de clientela, possibilitando estabelecer vnculos
entre os usurios e suas famlias com os profissionais de uma determinada equipe, alm de
permitir o reconhecimento das condies scio-econmicas e epidemiolgicas e suscitar um
sentimento de responsabilidade pela assistncia quela populao.
Nesse mbito, a visita domiciliria (VD) tida como um dos recursos mais valiosos
para a equipe multiprofissional, ao possibilitar o entendimento de parte da dinmica das
relaes familiares, atravs do contato direto e permanente do servio de sade com os
usurios, mesmo na ausncia de problemas. Assim, atravs da mesma torna-se possvel,
muitas vezes, detectar dificuldades antes que estas se agravem, evitar que as pessoas venham
aos servios de sade por dvidas ou orientaes que podem ser solucionadas no mbito do
domiclio, bem como descobrir indivduos doentes que no podem deslocar-se at o servio
para receber um atendimento (CUNHA, 2005).
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Para tal, a VD requer um conjunto de aes sistematizadas, que se iniciam antes e
continuam aps a visita ao usurio em seu domiclio, permitindo, dessa forma, conhecer mais
facilmente as condies de vida, trabalho e sade das famlias, bem como possveis causas de
adoecimento, tais como: falta de saneamento bsico, condies de moradia, de alimentao,
entre outras (TAKAHASHI; OLIVEIRA, 2001).
As visitas domicilirias constituem-se em atividades externas unidade, contudo
devem ser realizadas por toda a equipe, correspondendo a uma possibilidade de incorporao
das tecnologias leves no cuidado. Percebe-se, porm, que o ACS o profissional que mais
desenvolve esta tarefa, estando tal fato justificado pela responsabilidade do mesmo em
integrar a equipe de sade e a populao adscrita unidade.
Atualmente, de uma maneira geral no pas, a ESF representa um meio importante de
insero de profissionais no mercado de trabalho, especialmente para aqueles em incio de
carreira, requerendo dos mesmos, entre outros atributos, ateno, comprometimento e
sensibilidade para as reais necessidades da populao (RONZANI; SILVA, 2008). No
entanto, destaca-se que a permanncia desses profissionais em tal servio est, na maioria das
vezes, condicionada falta de outras oportunidades de emprego e qualificao, contribuindo,
indiretamente, para uma cultura de desprezo e baixo envolvimento na ateno bsica
(CUNHA, 2005).
Alm disso, ressalta-se como outro obstculo ESF, a proposio de programas de
interveno culturalmente sensveis e adaptados ao contexto em que vivem as populaes aos
quais so destinados. Esse desafio assume um desenho mais ntido e contrastante quando se
refere a populaes vivendo e sobrevivendo em condies de misria, pobreza e desigualdade
social. Aliado a isso, Franco e Merhy (2007, p. 113) destacam que a ESF
(...) articula um discurso de conotao populista, voltado aos pobres, propondo-se
como mecanismo efetivo para a sua incluso no campo da assistncia sade.
Esconde, porm, neste discurso, suas limitaes e, pior ainda, a inteno velada de
se promover um sistema de sade tecnologicamente empobrecido, de baixo custo,
focado nos pobres.
Tem-se que considerar que a equipe de sade, em especial os profissionais de nvel
superior, geralmente, possui vivncias muito diferentes daquelas da populao adscrita ESF,
por serem oriundos de classes sociais mais privilegiadas e viverem em ambientes que no lhes
fornecem instrumentos que possibilitem compreender a vida (s vezes dura e difcil) da maior
parcela de sua clientela (COSTA; CARBONE, 2004).
De acordo com estudo de Campos e Wendhausen (2007), os profissionais de sade do
mbito da sade da famlia, assim como os profissionais da assistncia mdica no Brasil,
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possuem uma crena de que tudo para as classes menos favorecidas ocorre de forma mais
difcil. Essa crena sobrevm de uma cultura repleta de conformismos, do famoso assim
mesmo, explicado por uma sociedade marcada por desigualdade e excluso.
Percebe-se tambm uma relao assimtrica gerada a partir da concepo de que as
camadas mais pobres da populao tem que se submeter ao controle de agentes externos,
neste caso, os trabalhadores de sade. Tal ajustamento hierarquiza prticas e saberes que a seu
turno pode ser explicado pela falta de conhecimento das reais necessidades de sade daquela
populao adscrita. Dessa forma, essa camada da populao tem que se submeter s
imposies e normatizaes dos profissionais da sade por estes se acharem os detentores
nicos do saber vlido ou cientfico no que se refere sade da comunidade.
Nesse sentido, estes dois campos do saber que permeiam a vida cotidiana em sua
tessitura, campo imanente das representaes sociais cujos contedos so compartilhados
pelos sujeitos, gravitam em torno de dois universos que, para Moscovici (1978), so os
universos reificado e consensual. Significa dizer que o universo reificado situa-se na esfera
das explicaes dadas pela cincia, podendo ser evidenciado na realidade cotidiana do campo
da sade, onde o pensamento e os saberes cientficos dos profissionais refletem este
conhecimento. Ao mesmo tempo faz interface com as prticas e saberes do senso comum,
presentes no dia-a-dia, inclusive dos prprios profissionais de sade, caracterizando um modo
particular do sujeito apreender a realidade psicossocial, atribuindo significaes frente as
subjetividades, as crenas, os valores sociais no contexto da comunicao intra, inter e extra
grupo de pertencimento.
Desta articulao dos diferentes saberes emanados da cincia e do senso comum,
concorda-se com Costa e Carbone (2004) ao salientarem que os profissionais da USF em
particular o enfermeiro, o mdico e o odontlogo devem vivenciar as famlias e sua
realidade na rotina de um trabalho dirio para, assim, compreenderem e fazerem parte de seus
contextos biopsicossociais, estimulando-as a frequentarem constantemente a USF como uma
aceitao da aproximao real da equipe.
A lgica da instituio de sade intra-muros contradiz aquela apregoada pelo SUS,
extra-muros dos servios de sade a cargo de um nico profissional, o ACS, perpetuando o
status quo do enfermeiro, mdico e odontlogo em suas prticas e saberes verticalizados pelas
demandas ministeriais e do fluxo de informaes que alimentam os bancos de dados do
mesmo, como uma questo de sobrevivncia para garantir os recursos necessrios estratgia.
Oliveira e Albuquerque (2008), bem como Trad et al. (2002) ressaltaram que grande
parte da populao da rea de atuao das USFs, possui uma dificuldade em compreender as
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aes do trabalho educativo desenvolvidas pelos profissionais de sade por considerarem-no
como uma de perda de tempo que deveria, prioristicamente, ser destinado ao atendimento
curativo. Este conflito de interesses entre profissionais e comunidade gera uma resistncia por
parte desta em aceitar as aes de preveno de doenas e promoo da sade, fato este
relacionado, na maioria das vezes, com a realidade social de extrema precariedade,
encontrando na USF a nica alternativa de acesso aos servios de sade (OLIVEIRA;
ALBUQUERQUE, 2008).
Reconhece-se que na ateno bsica, geralmente, a convivncia com a incerteza
maior quando comparada ao ambiente hospitalar. Tal fato pode gerar ansiedade adicional no
profissional de sade, pois embora a atuao naquele mbito se baseie em scripts ministeriais
e programas verticalizados, resulta um novo posicionamento e um novo modo de fazer sade,
que requer habilidades e competncias, acarretando aumento da complexidade do projeto
teraputico, a ponto de serem necessrias negociaes na prpria conduta de cuidado e de
tratamento. A expectativa de salvar vidas no se efetiva na ateno bsica (CUNHA, 2005).
Corrobora-se com Franco e Merhy (2007) ao salientarem a normatizao imposta pelo
Ministrio da Sade como mais um ponto desfavorvel atuao dos profissionais da ESF.
Esta, diz respeito ao formato das equipes multiprofissionais e s funes que cada categoria
profissional tem de cumprir na equipe de sade da famlia, determinando, com isso, o
processo de trabalho de cada profissional. Prescreve ainda sobre o cadastro de um
determinado nmero de famlias, sobre o levantamento dos problemas de sade existentes no
territrio e os diversos modos de fazer a ESF, ocasionando um engessamento e estagnao da
referida estratgia.
Em um estudo realizado nas unidades de sade do municpio de Ribeiro Preto (SP)
com mdicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e ACS pertencentes s equipes de
Sade da Famlia, objetivando identificar e analisar a formao acadmica desses
profissionais para atuarem no mbito da ateno bsica, constatou-se a necessidade de
instruo dos mesmos para um trabalho em sade humanizado, com responsabilizao e
vnculo com a comunidade, reconhecendo a sade como direito de cidadania. Alm disso,
destaca-se a realidade scio-econmica da clientela atravs dos problemas cada vez mais
diversificados, que a seu turno exigem conhecimentos da clnica ampliada, bem como
habilidades no relacionamento interpessoal e inter-setorial (CAMELO; ANGERAMI, 2008).
Dessa forma, observa-se que a ausncia de uma formao que inclua conhecimentos e
aes voltadas para a ateno bsica ocasiona insegurana por parte do profissional ao lidar
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com a populao, podendo prejudicar sobremaneira as relaes que deveriam se constituir
entre o trabalhador e o usurio.
Para Capozzolo (2002), os principais desafios encontrados pela classe mdica na ESF
consistem na sobrecarga explicitada atravs do nmero excessivo de famlias, na presso da
demanda por consultas individuais, na falta de retaguarda dos demais nveis de ateno, aliada
s dificuldades estruturais como a falta de medicamentos, de materiais e a insegurana gerada
pela falta de capacitao dos mesmos para exercerem a prtica de generalistas.
Em relao aos odontlogos, ressaltam-se como desafios sua prtica na ESF,
algumas caractersticas inerentes prpria profisso que conferem sade bucal
particularidades as quais dificultam sua prtica no setor pblico como, por exemplo, a
necessidade do uso de tecnologias duras na ateno bsica, assim como a integrao da equipe
de sade bucal com a de sade da famlia para a realizao de um trabalho conjunto (SOUZA;
RONCALLI, 2007).
Em conformidade com estudo de Ermel e Fracolli (2006) desenvolvido no PSF do
municpio de Marlia (SP) sobre os obstculos referidos pelos enfermeiros, tem-se que 62,5%
dos entrevistados relataram encontrar dificuldades de interao com a equipe e consideravam
que estas dificuldades eram decorrentes de dois tipos de ordem: pessoal (quando trabalham
com pessoas com pensamentos muito diversos) e profissional (uma vez que cada profissional
tem suas caractersticas prprias ou provem de diferentes estratos sociais).
Frente aos desafios para a Enfermagem, Medicina e Odontologia, Cunha (2005)
destaca tambm a problemtica das reunies em equipe, as quais devem fornecer condies
mesma para lidar com a singularidade e o movimento dos sujeitos coletivos e individuais e
no servir como um espao para brigas na medida em que um profissional da equipe distribui
tarefas aos demais, querendo mostrar-se superior, verticalizando as decises e tomadas de
posio.
Noutro estudo realizado no interior do Nordeste por Silva, Silva e Losing (2006),
identificou-se a dificuldade nas tentativas de integrao/articulao do trabalho na ESF e a
inaplicabilidade dos princpios tericos, metodolgicos e filosficos da mesma, bem como
seu curto alcance em termos de aes para alm do setor sade, interferindo frontalmente nos
resultados das aes implementadas.
Nesta sntese acerca dos desafios a serem enfrentados na ESF, adensa-se aos demais a
questo salarial e de carreira profissional que geram nos profissionais sentimentos de
desmotivao, desresponsabilizao na execuo das atividades e descompromisso para com
os usurios do servio.
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Assim, no que diz respeito s relaes de trabalho do profissional da ESF com o
municpio, Senna (2002) aponta para os contratos informais de trabalho nos quais a
contratao ocorre, na maioria das vezes, sem nenhum critrio, propiciando prticas
clientelistas e vnculos contratuais ilegais ou at mesmo inexistentes em alguns casos. Ainda
nessa discusso, Carvalho e Girardi (2002) verificaram, em uma pesquisa de mbito nacional,
que contrataes eram realizadas na maior parte dos municpios pelas prefeituras municipais,
constituindo-se como a principal forma de contratar profissionais de carter temporrio ou por
meio da prestao de servios, enfraquecendo, tod