disserta ronilson curriculo form pm democracia

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RONILSON DE SOUZA LUIZ O CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS DA POLÍCIA MILITAR FRENTE ÀS DEMANDAS DEMOCRÁTICAS Mestrado em Educação-Currículo Pontifícia Universidade Católica São Paulo 2003

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  • RONILSON DE SOUZA LUIZ

    O CURRCULO DE FORMAO DE SOLDADOS DA POLCIAMILITAR FRENTE S DEMANDAS DEMOCRTICAS

    Mestrado em Educao-Currculo

    Pontifcia Universidade CatlicaSo Paulo

    2003

  • RONILSON DE SOUZA LUIZ

    O CURRCULO DE FORMAO DE SOLDADOS DA POLCIAMILITAR FRENTE S DEMANDAS DEMOCRTICAS

    Dissertao apresentada BancaExaminadora da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, como exignciaparcial para obteno do ttulo de mestreem Educao-Currculo, sob orientaoda Professor Doutor Antonio Chizzotti.

    Pontifcia Universidade CatlicaSo Paulo

    2003

  • Banca Examinadora

    _________________________________

    _________________________________

    _________________________________

  • DEDICATRIA

    Miralva, o grande amor da minha vida, nascido na infnciacomo diz o texto bblico. Porque tenho a felicidade e o privilgio de ser seumarido dedico-lhe este meu trabalho.

    Minha grande herona, Miralva, que tambm enverga a cor cinza-bandeirante da Polcia Militar, companheira que compartilhou as dores e asalegrias deste caminhar, cumprindo a promessa do matrimnio na alegria e natristeza. Meu corao lhe ser eternamente grato pela tranquilidade oferecidadurante este meu perodo de estudos.

    Aos meus pais, Maria e Aristides, que juntos no leram um nicolivro, mas foram capazes de educar-me para a vida, com exemplos desolidariedade, tica e sabedoria, reforando em mim os sentimentos dehumildade e respeito ao prximo, que o cerne da minha profisso de professore policial.

    Aos meus alunos-sargentos do Centro de Formao eAperfeioamento de Praas que me despertaram para as questes da Educao.

    Aos meus queridos alunos-soldados do Curso de Formao deSoldados, razo de ser desta pesquisa e motivao para meu caminhar

  • AGRADECIMENTOS

    Ao atencioso Professor Dr. Antonio Chizzotti, pela orientaopaciente, sbia e amiga . Muito obrigado, orientador por ter orientado minhador, minha trajetria e meus esforos, proporcionando-me curiosidade edisciplina, com sua natural e harmoniosa serenidade.

    Aos professores e s professoras do Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao-Currculo da PUC/SP, pelos ensinamentos reveladores.

    professora Isabel Franchi Cappelletti e ao Professor DoutorAngelo Del Vecchio, pelas valiosas e imprescindveis contribuies por ocasiodo exame de qualificao.

    Ao Senhor Coronel PM Rubens Casado, Comandante doPoliciamento na Capital, que trilhou carreira brilhante iniciada como soldado,pelo apoio quando iniciei o mestrado.

    presteza do Senhor Jacinto Carone Neto, gerente da banca dejornais e revistas Senzala, localizada na praa Panamericana, em Pinheiros.

    Aos oficiais, praas, instrutores, monitores e professores civis doCentro de Formao de Soldados Coronel PM Eduardo Assumpo, comquem pude discutir as preocupaes desta pesquisa, em especial aos 1 Ten PMModesto de Oliveira Azevedo, Caio Grimaldi Desbrousses Monteiro e a 2 TenFem PM Anglica Alves da Silva.

    grande amiga Silvia Asam da Fonseca pelas leituras ereleituras e que sempre frisou germnica: preciso continuar.

  • Aos integrantes do grupo Os pensadores, que provam quenavegar preciso.

    redao do Jornal Dirio de So Paulo, especialmente aojornalista Jos Carlos Boanerges, que me permitiu divulgar artigos, ampliandominhas reflexes sobre as questes de polcia.

    Capes - Coordenadoria de Aperfeioamento de Pessoal deNvel Superior, pela bolsa de estudos, condio fundamental para que eupudesse aperfeioar-me profissionalmente e realizar essa construo intelectual.

    s editoras Cortez, Perspectiva, Imprensa Oficial, DiscursoEditorial, EDUSP, Editora Expresso e Cultura, EdEURJ, DP&A editora,Editora da UFMG, Fundao Editora da UNESP, Konrad Adenauer, BerlendisrEditores e Editora da Universidade Sagrado Corao pela cortesia de livros, quemuito contriburam para o enriquecimento de minha pesquisa.

    Aos companheiros, mestrandos e doutorandos, cujo convvio foienriquecedor, estruturado pela tica e por preciosas trocas intelectuais, em nvelde formao, gerando contato com inmeras experincias de pesquisa emeducao.

    Ao programa de ps-graduao em Educao-Currculo, quedentro de uma linha educativa de valorizao da pessoa e de profissionaispesquisadores na rea de educao, favoreceu e incentivou experincias departilha, de troca e de convvio com o outro, representado pelo respeitomulticultural, valorizando e estimulando a heterogeneidade de olhares, em umaprtica pedaggica de qualidade.

  • Agradeo a Deus pelas muitas benos e divido os mritos pelaconcretizao deste trabalho com todos que, direta ou indiretamente, apoiaram-me de maneira incondicional.

    Meu muito obrigado s pessoas maravilhosas que desfruto dagenerosa amizade, tendo trilhado, em momentos especiais, os mesmoscaminhos.

  • 133

    SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................12

    CAPTULO - I ...................................................................................................25O NASCIMENTO DA POLCIA MILITAR DURANTE O REGIME DEEXCEO .........................................................................................................25

    1.1. O Termo Polcia ................................................................................................ 251.2. Breve Histrico da Criao da PMESP............................................................. 281.3. Cernes do Currculo e da Formao Militar: a hierarquia e a disciplina........... 351.4. O Controle da Atividade Policial ...................................................................... 391.5. Segurana Pblica e Segurana Privada............................................................ 431.6. O Lugar da Democracia em Espaos Militarmente Organizados ..................... 48

    CAPTULO - II..................................................................................................54A FORMAO DO SOLDADO DE POLCIA.............................................54

    2.1. O Curso de Formao de Soldados ................................................................... 542.2. A Polcia como Aparelho de Estado.................................................................. 602.3. A Especializao e a Profissionalizao. .......................................................... 66

    CAPTULO - III ................................................................................................73COTEJANDO AS TEORIAS CURRICULARES E A PRTICAPOLICIAL .........................................................................................................73

    3.1. As Diretrizes que Norteiam a Educao na PMESP ........................................ 733.2. Carga Horria e Distribuio dos Contedos na Formao do Soldado ........... 763.3. O Currculo como Confluncia de Prticas....................................................... 853.4. Fronteiras das Atividades Policiais .................................................................. 883.5. Currculo e Democracia na Formao do Policial Militar ................................ 90

    CAPTULO - IV ................................................................................................97OS DESAFIOS PARA FORMULAO ADEQUADA DE UMCURRCULO PARA O CURSO DE SOLDADO..........................................97

    4.1. Lies de Outros Modelos de Polcias e Uma Nova Proposta Curricular. ....... 974.2.A Figura do Negociador Policial-Militar ......................................................... 1054.3. Em Busca de uma Polcia Militar que Atenda as Sociedades Multiculturais. 1104.4. Compondo um Currculo que Contemple a Multiculturalidade...................... 115

    CONSIDERAES FINAIS..........................................................................124REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..........................................................132

  • RESUMO

    O trabalho focaliza o currculo prescrito para o Curso de Formaode Soldados da Polcia Militar do Estado de So Paulo, a partir de sua atualgrade curricular, das situaes e comportamentos observveis e observados nasprticas estabelecidas por instrutores e monitores.

    Busca-se apontar caminhos para uma formao mais humanizada,democrtica, participativa e dinmica aos novos policias militares, formando umprofissional que saiba atuar como negociador de conflitos.

    Privilegiou-se a abordagem metodolgica qualitativa e a linhaterica foi fundamentada pelos estudos de Ludwig(1998), Saul (2000), Bobbio(2000), Torres (2001), dentre outros que discutem as temticas de ensino militar,currculo, democracia e multiculturalismo.

    O caminho trilhado por esta pesquisa aponta para a necessidade dese assumir como prioritrio s polcias uma formao mais apurada e constantestreinamentos. Um declogo, ao final, indica os pontos que afloraram comoconexes entre o currculo e as novas demandas.

    Os estudos revelaram ainda, que a sociedade cobra que o aparelhopolicial confira prioridade preveno, mediao de conflitos, investigaocientificamente orientada, sempre usando a fora nos limites estritos dalegalidade.

  • ABSTRACT

    This research focus on the curriculum prescribed to the Course ofMilitar Police Soldier Formation of the state of So Paulo. From its actualcurriculums, from the situations and behavior observable and observed in thepractice methods established by instructors and monitors.

    It is being searched sine the ways to a more humanized,democratical, participatory and dynamic formation to the new policemen,forming a professional who knows how to act as a conflict negotiator.

    It was privileged the methodological and qualitative approach andthe theoretical line was founded on the studies of Ludwig(1998), Saul (2000),Bobbio (2000), Torres (2001), among others that discuss the thematic of militarteaching, curriculum, democracy and multiculturalism.

    The way traced by this search points to the necessity of assuming aspriority for the police forces a more refined formation and constant training. Alist, at the end, indicates the points that appears as connexions between thecurriculum and the new demands.

    The studies also revealed that the society demands that the policegives priority to prevention, to conflict mediation, to the investigationscientifically orientated towards methods, always using the force in the strictlegal limits.

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    Do rio que tudo arrasta se diz violento, mas ningum diz violentas asmargens que o comprimem.

    Bertold Brechet

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    INTRODUO

    Conhecendo os caminhos da pesquisa e do pesquisador

    O presente trabalho tem por objetivo conhecer e analisar o currculo doCurso de Formao de Soldados da Polcia Militar do Estado de So Paulo,quanto a sua prtica e pertinncia nas necessidades dirias dos milhares depoliciais que atuam diuturnamente em todo o Estado de So Paulo.

    O tema da Educao, como condicionante para alavancar odesenvolvimento do pas, tem tido flego revigorado a partir, sobretudo, dasduas ltimas dcadas do sculo passado, de tal sorte que seria impossvel nochegar aos aparelhos repressivos do Estado, em especial, ao seu aparelhoconstitutivo, que so as polcias.

    Uma das indagaes que motivou a pesquisa o fato de a atividade dedocncia na Polcia Militar ser executada, eminentemente, por policiais militaresda ativa, que se desdobram em suas atividades operacionais ou administrativaspara ministrarem aulas, muitas vezes, em seus horrios de folga.

    Outro dado que me chamou ateno o de no haver trabalhos de ps-graduao stricto sensu, em Educao, produzidos por policiais militares daativa. Eis o primeiro e maior desafio: mostrar que em pleno ano de 2003 no hreferncia de dissertao ou tese, considerando a condio descrita.

    A especificidade da profisso policial-militar no me possibilita afirmarque consultar outras fontes de pesquisa bibliogrfica permitiria que se

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    obtivessem os mesmos caminhos e resultados; ou seja, desconsiderando aexigncia de que o autor fosse policial militar.

    A produo intelectual e acadmica de um militar da ativa marcada porcuidados e no pode estar desprendida de astcia suficiente para desvelar oencoberto, porm preservando, de forma tica, o que deve ser confidencial parao sistema ao qual ele integra.

    Os caminhos trilhados nesta pesquisa buscam dar, tambm, s aes depolcia, desdobramentos pedaggicos, buscando a velha cidade educadora,conforme afirma Rodrigues (1999):

    Eis a nova plis que se contrape de forma radical s envelhecidas concepesde Polis herdadas dos primrdios da civilizao ocidental. A velha cidade educadoravai deixando de existir. Aquela cidade que congregava os grupos sociais, que construavalores coletivos, que organizava os desejos e os hierarquizava, que estabelecia asfronteiras entre as mentalidades dos velhos, jovens e crianas, que se caracterizava porvalorizar o espao pblico das ruas, das praas, dos espaos institucionais, que erigiajuzos sobre os habitantes em funo do seu modo de vida, de suas relaes sociais, dotrabalho, da solidariedade, essa cidade vai se dissolvendo (p.76).

    Essa cidade prometia segurana pblica no tanto pela proteoresultante da segregao dos marginalizados, mas pela sua incorporao na vidacoletiva. E por isto exercia uma profunda ao pedaggica.Considerando que,tambm no ambiente militar possvel observar a existncia de prticasseletivas, excludentes e discriminatrias, que tm, sistematicamente, silenciado,expulsado e exilado identidades pertencentes aos necessitados do atendimentopolicial, o distanciamento dos policiais militares do mundo acadmicoeducacional tamanho que no h, em todo o Brasil, um nico policial militarda ativa que seja tambm mestre ou doutor em Educao. Esse dado pode

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    parecer, em um primeiro momento, irrelevante, porm verificar-se- asconseqncias que ele abarca.

    fundamental saber que se trata de um pblico de pouco mais de 552mil homens e mulheres, conforme dados do Ministrio da Justia, que envergamuma farda de milcia estadual, somando-se o efetivo de todas as unidadesfederativas.

    H, sim, mestres e doutores integrando o efetivo da Polcia Militar doEstado de So Paulo, porm em outras cincias como Sociologia, CinciaPoltica, Direito, Letras, engenharia, Psicologia, no entanto, repito, nenhum em

    Educao.

    Recrutam-se jovens que so ensinados e treinados por instrutores emonitores, todos eles sem a titulao acadmica referenciada, sejam os queatuam em sala de aula, sejam os que assessoram na administrao dos diversoscursos e estgios realizados no interior dos quartis.

    Um olhar mais crtico mostra que no h pesquisa na rea de Educao,produzida por policiais militares, em razo do fato de que, ao tratar das questesde educao, o pesquisador em algum momento ter que tecer crticas ou opor-se ao Governo ou ao sistema vigente, fato que certamente comprometer quaseque diretamente sua carreira profissional.

    A no-possibilidade de criticar o sistema vigente, ainda que de formaacadmica, possivelmente fundamenta-se no poder hierrquico a que todos ospoliciais militares esto submetidos.

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    Este poder possui carter discricionrio, previsto em regulamento,podendo, de forma velada, afetar a promoo do policial militar, por exemplo.Isto se os escritos ou suas crticas no figurarem como crimes, ou forem

    consideradas faltas disciplinares graves, passveis de medidas administrativasinternas, a saber, deteno, repreenso verbal ou escrita ou advertncia.

    A busca de respostas para estas interrogaes, orientou a pesquisa, poissei que inquietam aqueles e aquelas que enfrentam o desafio da sala de aula.

    Em 1997, quando ainda realizava a graduao e licenciatura,respectivamente, na FFLCH - Faculdade de Filosofia Letras e CinciasHumanas, no curso de Letras, e na Faculdade de Educao, fui convidado paraministrar aulas para sargentos, cabos e soldados que realizavam o curso demonitor de ensino, que condio sine qua non para que as praas e os oficiaispossam ministrar aulas na Polcia Militar do Estado de So Paulo. Fui designadopara ministrar aulas de didtica.

    A experincia que adquiri com aquela primeira turma despertou-mecuriosidade e uma certa inquietao, ao perceber que estava eu vivendo umdilema, por no saber se tratava meus alunos como subordinados, que em razoda hierarquia militar o so, ou se os tratava como futuros professores, ou melhor,monitores.

    A hierarquia militar acompanha todos os momentos na vida do policialmilitar; por isso, os oficiais, que meu caso, so chamados de instrutores e aspraas so chamadas de monitores, ou seja, a nomenclatura j indicativa deestarmos nos referindo a comandantes ou comandados, ao topo da pirmidehierrquica ou a sua base.

  • 16

    Neste ambiente, cabem as orientaes de Ludwig (1998), sobre o ensinomilitar:

    O processo pedaggico poltico porque visa formar profissionais adequadosa uma hierarquia de trabalho, bem como inculcar nos alunos as reaes dedependncia e subordinao. O produto que sai dessas escolas, o educando formado,tender a exercer um tipo de cidadania caracterizado por um baixo nvel departicipao, por uma aceitao relativamente passiva das decises emanadas dasautoridades constitudas, algumas vezes ilegais e ilegtimas, e por uma capacidadeadmirvel para suportar as frustraes decorrentes de uma vida em sociedade marcadapela desigualdade e injustia (p.08).

    Uma primeira pergunta era aquele local era um quartel no sentido debatalho e unidade operacional, ou uma escola?

    A resposta a essa pergunta nortearia a postura e o comportamento que eu

    adotaria em sala de aula com os discentes.

    Primeiramente, definiremos o que um quartel e as caractersticas de umquartel de polcia militar.

    Basicamente, a constatao de um quartel dada pela presena desentinelas nos postos de forma ininterrupta, de tropa enquadrada (sob ordens) eda constncia de integrantes fardados. Tudo isso pode ser resumido pela idia daexistncia de um cdigo militar que disciplina todas as atividades, da maissimples at as mais complexas.

    O local onde ministrei o curso j citado preenche todos estes requisitos.Por uma srie de motivos, aquele curso foi concludo com as tradies dasatividades escolares da Polcia Militar, ou seja, o policial militar no precisasaber muito, no deve perguntar muito e deve sempre ser grato pelo que recebedo Estado. Sua funo primordial servir.

  • 17

    Um ano antes destes fatos narrados, a Professora Maria Candida Borgesde Moraes defendeu sua tese de doutoramento em Educao, na PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo, concluindo O paradigma educacionalemergente (ttulo da pesquisa), apontava exatamente caminhos opostos aosadotados pelos instrutores e monitores da Polcia Militar.

    fato que, na relao professor-aluno, enfrentam-se dois tipos de saber,o saber do professor inacabado e a ignorncia do aluno relativa, por tudo isso eupercebia aquele quartel-escola, expresso que adoto para este lugar especficodentro das polcias, apresentava-se tambm como um espao contraditrio.

    Neste contexto, esta pesquisa ter o objetivo geral de analisar o currculode formao dos policiais, que mostrar a necessidade da existncia deprofissionais com formao acadmica na rea educacional, nos quadros deinstrutores e monitores da Polcia Militar do Estado de So Paulo, para permitirnova estruturao dos currculos policiais, com viso pedaggica privilegiada.

    Destacam-se como objetivos especficos:

    identificar as caractersticas determinantes que levaram configurao domodelo atual de grade curricular adotada pela PMESP e

    contribuir para organizar um modelo de currculo para a formao desoldado da Polcia Militar que possa responder s novas demandas dasociedade multicultural.

    buscar-se-, tambm, refletir acerca de questes conexas ao processo deformao dos novos soldados, permitindo:

    correlacionar a nfase dada na formao para o confronto, durante a fasebsica do curso, em detrimento da necessria formao de um negociador,que atue muito mais na soluo de conflitos sociais e comunitrios.

  • 18

    discutir a mentalidade blica de combate ao crime, perpetuadora de umarelao centrada na autoridade e na possibilidade permanente deconfronto, ignorando aspectos democrticos de gesto.

    chamar a ateno das autoridades e dos responsveis pela poltica deformao de soldados para a importncia de novas competncias paraformao profissional, buscando o xito do chamado policiamentocomunitrio, inaugurado na ltima dcada.

    A anlise destas questes sugerem que as microdeterminaes desujeitos concretos, vivendo formao escolar para uma prtica situada, no estodesvinculados das macrodeterminaes do Estado. A anlise do currculo deformao de policiais militares, conforme Casali (2001), pressupe:

    Um mtodo (caminho) capaz de incorporar macrodeterminaes descendentesdo Estado e microdeterminaes ascendentes, originadas da prxis concreta de sujeitoshistricos crticos institucionalmente situados (Foucault 1979). o nico mtodo quepermite considerar cada escola como legtimo lugar de produo de polticas pblicas,legtimo lugar da formao continuada de professores, legtimo lugar da produo dapedagogia (p.118).

    A prxis concreta, da Polcia Militar, hoje, fala, por exemplo, empoliciamento comunitrio, que exige alto grau de participao da comunidadepara que se obtenha xito, como ocorre com o PROERD (Programa deResistncias s Drogas e Violncia), desenvolvido junto com as escolaspblicas do Estado e do Municpio.A razo ltima para que eu fosse a campo embusca de melhores caminhos era a certeza de que, sem formao democrtica,no h aes democrticas que levem a um regime democrtico; e a instituiopolicial a mo e o olho desse sistema, portanto, de suas salas de aula devememergir profissionais compromissados com essa diretriz, que obrigatoriamentepassa pelo currculo e pela formao daquele policial militar que, hoje, formanovos policiais.

  • 19

    Durante os crditos obrigatrios do mestrado, rapidamente, percebo queo meu enfoque deve ser coerente com minha concepo de polcia, do serhumano e do profissional que queremos formar, como entendo a funo deprestao de servio da polcia, tudo isto relacionado com a temtica decurrculo.

    Ao ter contato com as vrias concepes de currculo, noto que minhasindagaes iniciais assumem que educar transmitir novos saberes,comportamentos, modos de ser, mas, por outro lado, tambm pode ser controlar,moldar, humilhar, excluir, reproduzir privilgios e, s vezes, muito sofrimento,em especial, em instituies com carter de fechamento, como so os quartis.

    Conforme Foucault (1988), nesses ambientes o sucesso de poderdisciplinar se deve sem dvida ao uso de instrumentos simples: o olharhierrquico, a sano normalizadora e sua combinao num procedimento quelhe especfico, o exame(p.153).

    Com base nesse procedimento, minha posio, por exemplo, poder serpor um planejamento curricular de modo participativo ou autoritrio, que serelaciona ao compromisso social com as camadas populares ou no, permitindocompreend-lo desde sua concepo (currculo formal) at suaoperacionalizao em sala de aula (currculo em ao).

    Os objetivos da polcia e, portanto, da formao desses profissionais desegurana, por ordem de prioridade, devem ser: a polcia deve dar prioridademxima prestao de servio aos cidados, no aos governantes; a polcia deveser responsabilizada perante a lei em toda e qualquer circunstncia; a polciadeve proteger os direitos humanos; a polcia deve ser transparente nas suasatividades.

  • 20

    Abordar uma problemtica em que o pesquisador e o profissional militarse fundem na anlise objetiva da realidade, pressupe-se segundo Ldke (1986):

    O papel do pesquisador justamente o de servir como veculo inteligente eativo entre esse conhecimento acumulado na rea e as novas evidncias que seroestabelecidas a partir da pesquisa. pelo seu trabalho como pesquisador que oconhecimento especfico do assunto vai crescer, mas esse trabalho vem carregado ecomprometido com todas as peculiaridades do pesquisador, inclusive e principalmentecom as suas definies polticas (p.05).

    Tendo presente essa fuso objetiva do pesquisador comprometido comtodas as peculiaridades, que assumo, como educador policial-militar, aorientao do presente trabalho, e imbudo dessa convico, pretendo desvelarqual currculo d conta de melhor atender s necessidades para atuao dosoldado da Polcia Militar do Estado de So Paulo em uma sociedademulticultural.

    Certamente, as consideraes finais desta pesquisa serviro de parmetropara outras polcias do Brasil, uma vez que em razo do desenvolvimentoeconmico e social do Estado de So Paulo, freqente na Polcia Militar apresena de oficiais e praas de outras unidades da Federao, com o objetivo dese especializarem na atuao policial em grandes centros urbanos.

    No se pode descrever, sem limites, todas as relaes que sedesdobraro, desse tipo de investigao. Em uma primeira aproximao, preciso aceitar um recorte provisrio: uma regio inicial, que recair sobreaqueles e aquelas que compem a base da hierarquia militar, que so ossoldados.

    Por isso, optou-se pela reflexo, instrumentalizando-se as citaes epontuando-as com algumas observaes e indagaes. Comentar criticamente,

  • 21

    entretanto, no significa apenas apontar falhas, significa debater, questionar,mantendo o respeito pelo objeto da crtica, no por subservincia, mas porque hsempre uma parcela de verdade no objeto criticado.

    Considerando que o objeto de estudo privilegiado ser o curso realizadoem uma escola policial-militar e que as escolas militares sempre aparecem

    separadas, com legislao especial, logo, merecem tambm um olhar especial.

    Direcionar-se- a investigao na combinao de dados quantitativos equalitativos, privilegiando a anlise documental, ou seja, analisandoinformaes constantes de documentos e diretrizes que regem a formao dosoldado de polcia militar no Estado de So Paulo.

    Optou-se pela abordagem qualitativa nessa pesquisa por entender queessa proposta metodolgica permitir ultrapassar a mensurao de dadosobjetivos, possibilitando que se amplie, sem esgotar, anlise de sentidos esignificados de atos e decises pessoais e interpessoais dos atores sociais de umaCorporao com 171 anos de existncia e com aproximadamente 90 milintegrantes.

    Como escreve Chizzotti (1995), pesquisa qualitativa possibilitacompreender os vnculos indissociveis das aes particulares com o contextosocial em que estas se do (p.78)

    A realizao da pesquisa se deu em um contexto que no permitiu meuafastamento das atividades dirias de policial militar e de instrutor da disciplinaComunicao e Expresso, no curso de formao de soldados.

  • 22

    O esforo de atingir os vnculos envolve diversos outros problemas quesero considerados a seguir no corpo da dissertao, todos visando integraode aes que possam humanizar, atualizar e democratizar cada vez mais aformao dos integrantes do aparelho de Estado, do qual fao parte.

    Ser este o caminho (mtodo) que nortear os passos desta pesquisa deextensa bibliografia uma vez que no h campo definido para o que deve sercontemplado para formao do soldado de polcia militar.

    O escopo desta dissertao analisar, a partir dos caminhos aportados naobra de Antnio Carlos Will Ludwig, Democracia e Ensino Militar, de 1998,como tem sido desenvolvido o currculo para formao dos servidores pblicosmilitares estaduais, ou seja, os policiais militares.

    A perspectiva analtica que se intentou aplicar remete-se, sobretudo, aLouis Althusser, Michel Foucault, Peter McLaren, Gimeno Sacristan, NorbertoBobbio e a noes de aparelho de estado, competncias, poder disciplinar, podersimblico, democracia, alm de currculo.

    Primordiais para o entendimento dos dilemas encontrados foram asleituras de Ana Maria Saul, Antnio Carlos Will Ludwig, Neidson Rodrigues,Ana Canen, Antnio Flvio Moreira e Thomas Tadeu da Silva, entre outrosprofessores e pesquisadores, que so referncia central na teorizao crticaapresentada.

    A dissertao est estruturada em quatro captulos, no inicial, Onascimento da Polcia Militar durante o regime de exceo, dissertar-se- sobreo contexto em que esta Corporao foi criada e a concepo moderna doconceito de polcia, que permeada por tpicos democrticos.

  • 23

    O captulo II, A formao do soldado de polcia trata do perfil exigido,hoje, para ser policial e seu emprego no aparelho de Estado, alertando paranecessidade urgente de maior especializao e profissionalizao.

    O captulo III, Cotejando as teorias curriculares e a prtica policialmilitar, o enfoque ser a anlise comparativa entre as principais teorias crticasde currculo e a prtica policial que deve atender os princpios democrticosconsagrados na Constituio, buscando descobrir se o currculo pensado pertinente para a necessidade do policial vivida em seu dia-a-dia.

    O captulo IV, Os desafios para formulao adequada de um currculopara o curso de soldados, trata de alternativas de interferncia do Estado nocampo da formao de seus agentes, apontando os dilemas inerentes formaodo soldado, aproveitando lies e estudos realizados, recentemente, em outraspolcias.

    Finalmente, nas aproximaes conclusivas, tenta-se delinear algumasreflexes acerca das polticas pblicas e sua concretizao na realidade paulista,focalizando movimentos mais amplos que buscam democratizar as formas de sere de atuar da instituio policial-militar.

    Nas consideraes finais aponta-se que quaisquer perspectivas demodificao reais das polcias passar pela sua re-significao como instituiosocial, com alcance pedaggico, inclusive, e no-apenas como um aparelhorepressor e preventivo.

    Contudo, os resultados alcanados por esta dissertao permaneceminacabados e por isso continuaro a ser, se assim Deus permitir, durante o Cursode Doutorado.

  • 24

    O sistema de ordens universalmente reconhecido. Maismarcadamente ele se apresenta nos exrcitos, mas muitas outras esferas davida civilizada foram tomadas e matizadas pela ordem. A morte como ameaa a moeda do poder. Fcil a empilhar moeda sobre moeda, acumulandoenormes capitais. Quem deseja lidar com o poder tem de encarar a ordem semreceio e encontrar os meios capazes de roub-la de seu aguilho.

    Massa e poder (Elias Canetti)

  • 25

    CAPTULO - I

    O NASCIMENTO DA POLCIA MILITAR DURANTE O REGIME DEEXCEO

    1.1. O Termo Polcia

    Considerando a etimologia, existe comum acordo em ligar o termopolcia assim como poltica ao grego politeia. At Aristteles, comalgumas variaes, o termo remetia de um lado cidade [polis], enquantoentidade distinta das outras comunidades polticas, de outro quilo que mantma cidade em sua unidade, a saber: a arte de governar.

    A partir de Plato e Aristteles, o conceito muda de contedo e remete sduas ordens de realidades: primeiramente, designa esse conjunto de leis e deregras que concerne administrao geral da cidade, isto , a ordem pblica, amoralidade, a salubridade, os abastecimentos; alm disso, remete a essesguardies da lei de que fala Plato em A Repblica, encarregados de fazerrespeitar essa regulamentao.

    Observa-se portanto uma distino, que ir se endurecendo, entre asautoridades de polcia, que editam as regras, e as foras de polcia, que fazemrespeitar tais regulamentos, se for preciso, pela fora fsica.

    Os romanos tomam de emprstimo aos gregos o termo politeia, quecorresponde para eles, a dois conceitos, o de res pblica, a coisa pblica, e ode civitas, que designa os negcios da cidade, mas o latinizam para a politia,derivado da palavra polis, que significa cidade.

  • 26

    No mesmo perodo, os juristas do um contedo e um lugar especfico noo de polcia, em construes tericas que visam a justificar a soberaniaabsoluta do Estado imperial sobre seus sditos. Nessa concepo, o imperiumconstitui o fundamento ltimo do poder coercitivo do Estado a potestas que aquela que se manifesta concretamente atravs da ao administrativa,judiciria e policial.

    A essncia da funo governamental consiste em definir as fronteirasentre o pblico e o privado, por meio da produo de normas cujo respeito assegurado por rgos administrativos especficos, que utilizam, se necessrio, oconstrangimento fsico.

    Em Roma, o praefectus urbis o prefeito da cidade dispe tanto dopoder de editar regulamentaes referentes a todos os aspectos da vida socialquanto da autoridade sobre corpos de polcia especializados.

    Depois de um longo perodo ausente dos debates, a noo de polciaressurge, no fim da Idade Mdia, ao mesmo tempo em que o direito romano redescoberto e ensinado nas Universidades de Bolonha e de Pdua, depois nasde Paris, Colnia, Leipzig.

    O conceito, historicamente reaparece tambm nos meios oficiais daAlemanha e da Frana, por intermdio da chancelaria dos duques de Borgonha.O termo polcia designa ento, de modo laudatrio, o estado em que seencontra uma sociedade que se beneficia de um bom governo e onde sopromulgadas e aplicadas boas leis.

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    Na Europa do Norte, a palavra encontrada na Dinamarca, pela primeiravez, em um texto de 1591. empregada no sentido que se generalizar naEuropa esclarecida do sculo XVIII: polcia no mais remete ao conjunto dafuno governamental, mas unicamente ao ramo que o cidado atual chamariade administrao geral, isto , a regulamentao relativa manuteno daordem, da tranqilidade pblica, da higiene, do comrcio, do trabalho e outrasdivises ligadas a rea administrativa.

    Depois dessa ampliao considervel da noo de polcia, o movimentose inverte. Na ustria, com o imperador Jos II, na Prssia, com Frederico II, odespotismo se torna esclarecido.

    Um novo conceito de polcia emerge: a idia de um indivduodesprovido de direitos diante de um Estado onipotente inaceitvel para osfilsofos da Luzes; cada um deve poder se autodeterminar e exercer sualiberdade sem entraves; o papel do Estado , da em diante, garantir a seguranaque permite o jogo da liberdade.

    A polcia no tem mais de se encarregar de tudo que necessrio felicidade dos indivduos, mas apenas garantir a sociedade contra riscos que preciso situar e definir de maneira legal.

    No Brasil contemporneo, entende-se por polcia a primeira fora, denatureza constitucional, destinada a assegurar a proteo dos direitos legais dosindivduos.

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    Por mais concisa que seja, a definio restitui perfeitamente as trsdimenses da funo policial s quais os cidados, sobretudo nas ltimas trsdcadas, esto acostumados e que fazem da polcia ao mesmo tempo umafuno social, uma organizao jurdica e um sistema de ao cujo recursoessencial a fora.

    Em um sentido incipiente, todas as polcias tm sua origem ligada aopapel dos homens de armas, como, de fato, ainda podemos observar refletido notermo gendarme [fr.lit. gentes com armas]. Com certeza, esse o sentido queguia a auto-concepo de muitos policiais a respeito de sua ocupao.

    1.2. Breve Histrico da Criao da PMESP

    O termo polcia passou a designar um grupo de profissionais comfunes especficas em cada perodo histrico.

    Reportando-se histria antiga, encontra-se a atividade policial comrazes nos primeiros conglomerados humanos, organizados em burgos oucidades, que surgiram da necessidade de disciplinar as relaes sociais.

    No Brasil-Colnia, onde predominou a defesa dos interesses da Coroa ede seus representantes, a primeira organizao militar que se tem notcia foicriada em 1570 e era constituda das Companhias de Ordenanas, e delassurgiu em 1709 as Tropas Pagas, que deram origem em 1719 s Companhiasde Drages, as quais tinham nos seus quadros, profissionais remunerados pelosseus servios. Estas eram incumbidas do patrulhamento, rondas, conduo depresos, combate s desordens, e eram subordinadas aos Governadores daProvncia.

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    Com a vinda da famlia real para o Brasil, D.Joo VI criou a DivisoMilitar da Guarda Real da Polcia, em 13 de maio de 1809. Esse foi um dosprimeiros dispositivos legais contendo princpios que at nossos dias,direcionam as atividades policiais do Brasil.

    No Perodo Regencial, foram criados os Corpos MunicipaisVoluntrios, para as atividades de policiamento das cidades e estradas. Asatuais Polcias Militares tiveram, ento, suas origens nestes corpos que, criadosem 1831, eram encarregados do policiamento nas Provncias e mantidos pelogoverno respectivo. Ressalte-se que, a partir de 1840, os Corpos Permanentespassaram a ser denominados Corpos Policiais, sendo transformados emBrigadas Policiais, em 1873.

    No Brasil-Imprio, tem incio a diviso das vertentes militar-combatente(para defender a Ptria) e o militar-policial (para defender o indivduo e acomunidade), com o Corpo de Guardas Municipais Permanentes.

    No Brasil-Repblica, com a Brigada Policial, que tambm passou a serchamada de Foras Pblicas, em que se configuram foras federais, sob asordens do Presidente da Repblica, e foras estaduais, sob as ordens dos entoPresidentes dos Estados.

    Na Constituio de 1934 e na regulamentao de seu artigo 167 dadapela Lei 192, de 17 de janeiro de 1936, a denominao passou a ser de PolciaMilitar.

    Outro marco da organizao da Polcia Militar do Estado de So Paulo(PMESP) corresponde fase da ditadura militar, que vai de 1964 at 1985,momento em que as aividades e a competncia das aes de polcia foram

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    ampliadas, redundando em episdios de tamanha envergadura que serianecessrio um estudo mais aprofundado acerca deste momento de nossa histriarecente, fugindo ao escopo desta investigao.

    Basta considerar o Decreto-Lei 667 de 02 de julho de 1969, que descreve o panoramada poca:

    DECRETO-LEI N 667 DE 02 DE JULHO DE 1969

    O Presidente da Repblica, usando das atribuies que lhe confere o S 1do Artigo 2 do Ato Institucional n 5, de 13 de dezembro de 1968, decreta:

    Artigo 1 - As Polcias Militares consideradas foras auxiliares, reservado Exrcito, sero organizadas na conformidade deste Decreto-lei.

    Artigo 3 - Institudas para a manuteno da ordem pblica e seguranainterna nos Estados, nos Territrios e no distrito Federal, compete s PolciasMilitares, no mbito de suas respectivas jurisdies:

    a).....b) atuar de maneira preventiva, como fora de dissuaso, em locais ou

    reas especficas, onde se presuma ser possvel a perturbao da ordem;c) atuar de maneira repressiva, em casos de perturbao da ordem,

    precedendo o eventual emprego das Foras Armadas;Artigo 13 A instruo das Polcias Militares ser orientada, fiscalizada

    e controlada pelo Ministrio do Exrcito atravs do Estado-Maior do Exrcito,na forma deste Decreto-lei.

    Artigo 30 Este Decreto-lei entra em vigor na data de sua publicao,....

    Braslia, 2 de julho de 1969: 148 da independncia e 81 da Repblica.ARTUR DA COSTA E SILVA

    Presidente da Repblica

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    Este Decreto-Lei deu configurao nova a Polcia Militar (PM)transformando-a em foras auxiliares do Exrcito com fortes funescoercitivas, no contexto do Estado autoritrio, que o AI-5 instituiu.

    A formao, o aperfeioamento, a qualificao e a especializao, pelo

    Decreto-Lei 667, eram entendidos na forma de instruo que, tambm, eraorientada, fiscalizada e controlada pelo Exrcito. De igual modo, a justia e adisciplina militares seriam regidas por regulamentos disciplinar semelhante aodo Exrcito.

    Decorridos mais de catorze anos de vigncia do Decreto-Lei 667, em 30de setembro de 1983, o governo federal aprova, por meio do Decreto 88.777, umregulamento para as polcias e corpos de bombeiros militares, conhecido comoR-200, estabelecendo princpios e normas para aplicao daquele Decreto-Lei.

    O R-200 aumentou mais ainda o controle e a coordenao das polciasmilitares pelo Exrcito, pois atingiu os aspectos de organizao, legislao,efetivo, disciplina, ensino, instruo, adestramento, material blico, sade,veterinria e aeronave, detalhando inclusive os casos de sua convocao pelogoverno federal.

    O R-200 trouxe, ainda, uma estrutura de ensino totalmente dependentede diretrizes do Exrcito, pois, apesar de constar nesse regulamento que aformao, a especializao e o aperfeioamento tcnico-policial dos policiaismilitares deveriam ser voltados para a segurana pblica, tal rgo orientador,coordenador e controlador nada entendia desse mister.

    As diretrizes emanadas pelo Exrcito traduziam a situao poltica dapoca do antigo Decreto-Lei 667, que era de 1969, portanto destinavam-se a

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    preparar as polcias militares para representar o brao armado do regimeautoritrio, preservando a fora terrestre, que se autodenominava reserva moraldo pas, frente s diversas manifestaes urbanas.

    As competncias e as disposies do Decreto-Lei 667 e R-200 forjam oatual modelo de formao, treinamento, qualificao e parte da atuao diria daPMESP, fruto de herana do Estado autoritrio brasileiro.

    No caso da formao, um exemplo dessa herana na rea pedaggicapolicial-militar a utilizao do termo adestramento, que se mostra totalmenteinadequado para o ambiente escolar do sculo XXI, porm diz o art. 2 :

    ....2) adestramento atividade destinada a exercitar o policial-militar,individualmente e em equipe, desenvolvendo-lhe a habilidade para odesempenho das tarefas para as quais j recebeu adequada instruo.

    Nota-se que a criao da Polcia Militar, pelo Decreto-Lei 667, em 1969,foi fruto e produto do regime de exceo, que vivia seus dias ureos e planejavasuas aes com vistas a guerrilha urbana, defesa interna, com particular nfaseem guerra revolucionria, devendo todos os escales serem instrudos paraenfrentar aes subversivas, incluindo as de carter psicolgico, conformeprevia a lei de segurana nacional.

    No R-200, em 1983, vislumbra-se, de certa forma, a tentativa de oExrcito prolongar sua influncia nos setores e na vida da sociedade em umregime que j anunciara seus ltimos dias.

    Historicamente, como se pode ver, a presena das foras pblicasestaduais contribuiu para que a Federao Brasileira se consolidasserecentemente. Isto porque aquelas, hoje denominadas polcias militares, eram

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    foras hbridas. No interior dos Estados, eram foras policiais, e seus integrantesrealizavam policiamento ostensivo, investigavam e at eram delegados (e so,at hoje, em muitas cidades).

    Na maioria das capitais, eram foras adestradas e treinadas militarmente,de forma acentuada, para a defesa do Estado-Membro.

    Segundo Ludwig (1998), com os treinamentos e adestramentos erapossvel constatar que:

    Por meio dessas atividades o aluno assimila os valores de obedincia,submisso, dependncia , paternalismo, assiduidade, pontualidade, racionalidade emeritocracia. Adquirem tambm a concepo de mundo e de vida em sociedadeeminentemente estvel e harmoniosa, isto , uma cosmoviso determinista-funcionalista.(p.22)

    Modernamente, mister reconhecer que a tendncia, em face daemergncia do fenmeno da violncia urbana, a integral dedicao das polciasmilitares ao provimento da segurana pblica, entendida como proteo esocorro do indivduo e da comunidade.

    No mbito legislativo, dispe a norma constitucional brasileira de 1988:

    Art. 144 - A segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade detodos, exercida para a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoase do patrimnio.....

    6o. - as Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, forasauxiliares e reserva do Exrcito, subordinam-se, juntamente com as Polcias Civis, aosGovernadores dos Estados, do Distrito Federal e dos territrios.

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    A corporao policial de So Paulo recebeu vrias denominaes, aolongo do sculo XIX: Corpo de Municipais Permanentes, Corpo de MunicipaisProvisrios, Guarda de Polcia, Brigada Policial, Fora Policial e, finalmente,Fora Pblica, nome com o qual conquistou vitrias e participou de grandeseventos.

    Destacam-se como seus feitos principais a presena na Segunda GuerraMundial, no s na segurana de pontos vitais dentro de nossas fronteiras, mastambm nos campos da Europa, onde a Polcia do Exrcito foi formada comefetivos da Guarda Civil, corpo policial criado em funo da Fora Pblica(1926) e a ela incorporado em 1970 para formar a atual Polcia Militar do Estadode So Paulo.

    Em So Paulo, a 15 de dezembro de 1831, por lei da AssembliaProvincial, proposta pelo Presidente da Provncia, Brigadeiro Rafael Tobias deAguiar, foi criado o Corpo de Municipais Permanentes, composto de cem praasa p e trinta praas a cavalo; eram os "cento e trinta de trinta e um", verso daletra da cano da PM, de autoria do poeta Guilherme de Almeida. Estavafundada a Polcia Militar do Estado de So Paulo.

    A Polcia Militar hoje uma organizao fardada, organizadamilitarmente, subordinada ao Governador do Estado, por meio da Secretaria daSegurana Pblica.

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    1.3. Cernes do Currculo e da Formao Militar: a hierarquia e adisciplina

    Visvel e, no entanto, desconhecida, familiar e, todavia, estranha,protetora, e apesar de tudo, inquietante: a polcia inspira nos cidados dasdemocracias modernos, sentimentos ambguos, resumidos nessas trs oposies.

    A disciplina militar tem como objetivo funcionar como fator desegurana, pois quando um cidado desrespeita uma regra, por mais simples queseja, est, na realidade desrespeitando seus concidados e gerando umdesequilbrio social, que ser maior ou menor, segundo a regra desrespeitada.

    O Estado se obriga a intervir quando algo pe em risco o sistema social,para garantir o status quo desejado. a que entra o sistema de segurana,representado pela polcia, pelo ministrio pblico e pela justia, com sua ao defora, que no necessariamente fsica mas por esta garantida, para recompor oquadro social ameaado.

    Por essas razes, a organizao do currculo da Polcia Militar buscagarantir, conforme, diretriz da Diretoria de Ensino e Instruo (DEI):

    proteo da vida, da integridade fsica, da liberdade e da dignidadehumana;

    integrao permanente com a comunidade;

    preservao dos valores institucionais;

    fortalecimento da hierarquia e da disciplina;

    fomento pesquisa cientfica e tecnolgica;

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    assimilao e prtica dos deveres e dos valores ticos edeontolgicos;

    estimulao do pensamento reflexivo e do necessriodiscernimento; e

    fortalecimento das convices democrticas e a crena na Lei, najustia e na ordem.

    O currculo e a formao militar parece pressupor que, como observouMichel Foucault (1995), as relaes de poder nas sociedades atuais tmessencialmente por base uma relao de fora:

    Conclui o pensador que:

    Se verdade que o poder poltico, acabada a guerra, tenha impor a paz nasociedade civil, no para suspender os efeitos da guerra ou neutralizar osdesequilbrios que se manifestaram na batalha final, mas para reinscreverperpetuamente estas relaes de fora, atravs de uma espcie de guerra silenciosa,nas instituies e nas desigualdades econmicas, nas linguagem e at no corpo dosindivduos.(p. 176)

    Esta compreenso permite que se entenda um pouco mais acerca dofuncionamento do aparelho policial.

    ilusrio dentro dessa estrutura pensar que no curto prazo, da recentedemocracia, que ainda no completou duas dcadas, as instituies policiaismilitares brasileiras podero eleger seus comandantes, em forma de democraciaparticipativa, como pensam alguns que no conhecem a fundo esta funo deAparelho de Estado.

    As relaes na Polcia Militar so tambm construdas sobre dois pilaresinalterveis para as instituies militares que so: a hierarquia e a disciplina.

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    A disciplina distribui os indivduos no espao, quadricula-os; localiza-osfuncionalmente (os espaos devem ser teis para permitirem maior rapidez,habilidade, vigor e constncia); e posiciona-os na srie, na linha, na coluna ou nafila. Para conseguir ter um resultado satisfatrio, utiliza recursos para o "bomadestramento", tais como a vigilncia hierrquica, a sano normalizadora (apenalidade) e o exame. (Foucault, 1987, p.153)

    Disciplina , no fundo, o mecanismo de poder pelo qual se conseguecontrolar no corpo social at os elementos mais tnues pelos quais se chega atocar os prprios tomos sociais, isto , os indivduos.

    Tcnicas de individualizao do poder, como vigiar algum e controlarsua conduta, tem uma importncia crucial no processo de formao do soldado,por isso as escolas militares mantm um caderno especfico (de conduta), queprev passo a passo o que permitido ao militar em fase de curso ou mesmodepois de formado.

    A ficha individual indica o comportamento e as atitudes, buscandointensificar o rendimento, dos soldados em processo de formao, assim comomultiplicar suas capacidades.

    Os instrutores e monitores da PMESP, dizem que est prtica de controletem como objetivo, no futuro, coloc-lo no lugar onde ser mais til, ou seja, emque unidade ou setor da Polcia Militar ele prestara melhores servios.

  • 38

    Como escreve Ludwig (1998):.

    Esse modelo administrativo, de cunho fayolista, baseia-se em algunsprincpios. O de planejar visa diminuio dos riscos de um empreendimento e facilitao do ato de controlar. O de organizar tem por finalidade o agrupamento dasatividades em face dos objetivos da empresa. O de comandar, significando dar ordens,bastante prprio da caserna, almeja motivar os empregados realizao das tarefasprevistas. O de coordenar visa unificao e consonncia das atividades, por meioda linha de autoridade e da comunicao a que parte do superior hierrquico aosmembros subordinados. O de controlar destinado a constatar o desempenho dosexecutantes diante de um plano de ao que contm determinados padres, os quaispermitem a avaliao do desempenho e a correo dos desvios.(p.31)

    No por acaso a avaliao de desempenho tem sido uma das ferramentasmais usadas pela PMESP, com grande nfase, sobretudo, para mensurar asatividades de polcia comunitria.

    A disciplina um mecanismo, um dispositivo funcional, uma tcnica queproduz indivduos teis, para a Polcia Militar ser til estar diuturnamentedisposto e apto para servir e proteger.

    A disciplina fixa, imobiliza, regulamenta, neutraliza os efeitos de contrapoder que dela nascem e que formam resistncia ao poder que quer domin-la:agitaes, revoltas, organizaes espontneas, conluios, tudo isso com oobjetivo de atender um servio essencial e que se constitui em uma dasnecessidades bsicas da condio humana que por exemplo a seguranapblica.

    Na escola moderna, seja de natureza civil ou militar, no foi nem temsido diferente no que se refere ao exerccio do controle, j que nela desdesempre se disciplina e se vigia, se alguma coisa mudou foi particularmente o"como" do exerccio do controle e as competncias para realiz-lo.

  • 39

    desse modo que a disciplina aparece como o elemento capaz detraduzir a noo abstrata de que a hierarquia une porque segmenta todosigualmente para uma percepo de que todos so devedores e beneficirios dealgo totalizante a maior do que cada um na sua condio de membro de umateia de relaes pessoais, seja este algo o Exrcito, a polcia, a ptria ou opovo brasileiro.

    Nesse sentido, a hierarquia no somente a matriz operacional daconduta militar: ela tambm acaba por ser o eixo da construo de uma visode mundo conforme. Pode-se dizer, portanto que a hierarquia opera atotalidade (Goffman, 1974) das dimenses da vida social militar.

    O aparecimento do poder disciplinar um dos mais importantesacontecimentos para se compreender as relaes de dominao nas quais o serhumano tornou-se objeto de determinados jogos de poder cujo interesse constitudo por relaes de foras de tipo disciplinar-jurdico que determinammodos de objetivao de indivduos domesticados, produtivos e normatizados.

    1.4. O Controle da Atividade Policial

    Um dos temas mais polmicos, discutidos e pensados na rea jurdica, noramo do Direito Administrativo, o que se refere ao poder de polcia.

    O Estado tem o poder de polcia e seu exerccio se d, no cotidiano,pelos membros da corporao policial.

    Conforme destaca Pinheiro (1991) sabe-se que :

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    Quem faz a atribuio concreta da justia, no enfrentamento do crime comum,no o juiz mas o agente penitencirio, os carcereiros; quem garante a segurana noso os corpos policiais considerados nas suas grandes estratgias (quando tm),ordenados e dentro dos seus regulamentos, mas a polcia civil nas delegacias e apolcia militar nas ruas(p.52)

    Nesse contexto, o maior desafio definir da maneira mais clara possvelo que poder de polcia e seus limites, no cotidiano, exercido por indivduosconcretos, munidos de um poder de constrangimento.

    H muitas obras tratando desta questo, o que mostra a sua importnciapara o xito de toda atividade policial, na qual se confunde, como ensina Arendt(1994), poder, fora e violncia.

    Na prtica cotidiana do policial militar, como servidor pblico tem, porexemplo, a prerrogativa de abordar, revistar, exigir documentos, conduzir atdistritos policiais para que se verifique a veracidade de identificaes,acompanhar com veculo oficial (viatura) algum que se entende suspeito ou ematitude suspeita. Espera-se que tenha poderes muito bem definidos.

    preciso ter presente s conseqncias desta situao. Bobbio (2000)lembra:

    quem controla os controladores? Se no conseguir encontrar uma respostaadequada para esta pergunta, a democracia, como advento do governo visvel, estperdida. Mais que de uma promessa no-cumprida, estaramos aqui diretamente diantede uma tendncia contrria s premissas : a tendncia no ao mximo controle dopoder por parte dos cidados, mas ao mximo controle dos sditos por parte do poder(p.43)

    Espera-se dos policiais, por isso, que sejam portadores de saberes quegarantam a dignidade da pessoa humana, ao desempenharem sua delicadaatividade, que ainda na forma mais branda, ser sempre coercitiva.

  • 41

    A explicao dada pela polcia para executar uma de suas prerrogativasque, ainda hoje, contestada, o que se denomina de fundada suspeita, queobriga a perguntar: qual o critrio, qual a justificativa; quem suspeito?Questes que, na formao policial-militar, requerem um currculomulticultural, a fim de que no apenas um nico referencial, um padro nico desociedade oriente as aes da polcia.

    Como escreve Canen (2002),

    o multiculturalismo surge em meio a essas crticas a uma verdade nica, auma pretensa neutralidade da cincia. Busca respostas plurais para incorporar adiversidade cultural e o desafio e preconceitos, nos diversos campos da vida social,incluindo a educao. Procura pensar caminhos que possam construir um cincia maisaberta a vozes da grupos culturais e tnicos plurais. (p.178).

    Constata-se pelas ltimas gestes e pelo currculo atualmente prescrito,que este caminho, no todo ou em partes, ainda no contemplado no processode formao da PMESP.

    Sabe-se que a substituio do poder do indivduo pelo poder de umacomunidade constitui o passo decisivo da civilizao. Sua essncia reside nofato de os membros das comunidades se restringirem em suas possibilidades desatisfao, ao passo que o indivduo desconhece tais restries. A primeiraexigncia da civilizao, portanto, a da justia, por isso a necessidade decontrole da atividade policial.

    Dias Neto (2000), ao analisar este fenmeno dos controles sociais lembraque:

    Inerente ao conceito de democracia, o princpio de que os cidados devempossuir mecanismos de controle sobre as decises estatais. Nenhum outro rgo doEstado (como a instituio policial), dispe de tanta autoridade para intervir naprivacidade, na autonomia e na integridade fsica e psquica dos cidados (p.13).

  • 42

    No h dvidas de que o que mais se deseja controlar aqueles para osquais se delegam poderes que incluem a coero fsica, porm se est diante deum enorme desafio.

    Primeiro, porque se trata de poder, do poder em sua forma pura, abstrata,conceitual, ou seja, consenso que o policial tem poder de constrangimento. Oque se deseja que ele utilize adequadamente esse poder, nos limites dados pelalei, o que se mostra, nas aes concretas, extremamente complexo e de difcilrealizao.

    Os profissionais incumbidos de formar os responsveis por fazeremcumprir a lei esto sempre diante do dilema: formar para ao e formar para oslimites do poder. Freire (1996) ensinava:

    fundamental que, na prtica de formao docente, o aprendiz de educadorassuma que o indispensvel pensar certo no presente dos deuses nem se acha nosguias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder,mas, pelo contrrio, o pensar certo que supera o ingnuo tem que ser produzido peloprprio aprendiz em comunho com o professor formador(p.43)

    Verifica-se na prtica que a atividade policial recebe e tem por lei umcontrole externo realizado pelo Ministrio Pblico e um controle mais dinmicoque aquele realizado pela populao diuturnamente, pois, os policiais atuam,eminentemente, de forma ostensiva e fardados.

    A patrulha ativa, visvel, flexvel a pea central das operaes depolcia, podendo ser acionada para fiscalizao competente a qualquermomento.

  • 43

    Conforme Michaud (1989)

    O uniforme e o armamento o singularizam. Tais condies particulares tendema atrair para a polcia sujeitos j agressivos. Ora, o trabalho dirio do policial no dedicado unicamente violncia e consiste, em boa medida, a resolver pacificamenteconflitos menores, a intervir em situaes tensas e a fazer pessoas reticentes adotaremcomportamento que na verdade so de seu interesse(p.64).

    Alm disso, em quase tudo o que fazem, os policiais devem incentivar acooperao voluntria do pblico, que ser o referencial para o controle daatividade policial e que o currculo oculto, desenvolvido na formao, deveabarcar.

    1.5. Segurana Pblica e Segurana Privada

    A abordagem que segue, feita por Foucault (1987), d conta da fusoentre pblico e privado:

    a passagem dos rituais pblicos de punio fsica para as punies privadase exerccios morais do sistema penitencirio; a passagem de marcao de corpos aodisciplinamento da alma como a principal forma de exerccio do poder. Essa transio paralela mudana nos modos dominantes de organizao poltica e legitimao dopoder poltico (p.208).

    Os novos modelos de Estado passam a ter como princpio fundador aidia de cidadania universal e seus direitos, dentre eles, o de segurana pblica.

    Segurana pblica uma atividade, desenvolvida pelo Estado, destina-sea empreender aes e oferecer estmulos positivos para que os cidados possamconviver, trabalhar, produzir e usufruir o lazer.

  • 44

    As instituies responsveis por essa atividade atuam no sentido deinibir, neutralizar ou reprimir a prtica de atos anti-sociais, assegurando aproteo coletiva e, por extenso, dos bens e servios pblicos.

    A partir dos conceitos acima, pode-se inferir que poltica de seguranapblica um instrumento de mudana utilizado pela administrao para alcanara paz social e a segurana de seus cidados. um conjunto de propsitos dopoder poltico do Estado, traduzida em diretrizes e aes, direcionadas s suasinstituies orientado-as quanto ao caminho a seguir.

    Tratando-se de sentimento coletivo, segurana pblica susceptvel deinfluncias de fatores controlveis. Conseqentemente, aes concatenadas desegmentos diversos (pblicos e privados) podem induzir sensaes positivas ouafetar sua intensidade.

    A histria da segurana privada no Brasil comea de uma formapeculiar: como um produto do estado militar. Um ms depois da promulgaoda lei de segurana nacional em 1969, o decreto federal 1.034 (21 de outubro de1969) estabeleceu que os servios de segurana privada eram obrigatrios parainstituies financeiras, principalmente bancos.

    O referido decreto foi contemporneo da criao da Polcia Militar e deseu batalho de choque mais conhecido que a Rota, que fazia parte dosesforos do governo para enfrentar assaltos terroristas a bancos. O fato de osservios de segurana terem se tornado obrigatrios gerou um considervelmercado para esses servios de um dia para o outro, um mercado que desdeento s tem expandido.

  • 45

    Nas duas ltimas dcadas, da recente democracia, autoridades pblicas,empresas privadas e cidados contribuem todos para o problema da violncia emSo Paulo. medida que o crime violento aumenta e os abusos persistem, aspessoas procuram meios privados e freqentemente ilegais de proteo, entrandoem um crculo vicioso que s vai resultar no aumento da violncia.

    Uma vez que as pessoas se voltam para maneiras ilegais e privadas delidar com o crime, o crime e a violncia so removidos da esfera na qual podehaver uma mediao legtima e ampla de conflitos, isto , aquela do sistemajudicirio.

    Assim sendo, essas tendncias no s minam o processo de expanso econsolidao de um regime democrtico de segurana, como tambm inauguramum ciclo de vingana privada no qual se responde violncia com mais violnciae no qual no h mais uma autoridade legtima que possa conter essa reproduoda violncia.

    Analisando a difuso da violncia e seu controle em sociedades no-modernas, Ren Girard formula uma hiptese sobre o papel privilegiado dosistema judicirio em deter ciclos de violncia. Sua suposio que tanto aagressividade quanto vingana so inatas ao seres humanos e que pordetestarem a violncia. os homens fazem da vingana um dever(1990, p.26).

    A vingana , ento, um crculo vicioso de conseqncias devastadoras,e fundamental para qualquer sociedade criar mecanismos capazes de deteresses crculos. Mesmo que no se concorde com as suposies de Girard sobre aagressividade inata, e se relacione as origens de ciclos de violncia a processossociais especficos, interessante explorar sua hiptese sobre o controle desseseventos.

  • 46

    Girard (1990) agrupa em trs categorias os mtodos empregados pordiferentes sociedades para evitar ciclos interminveis de vingana:

    primeiro, h medidas preventivas estabelecidas por rituais desacrifcio em que o esprito de vingana desviado para canaissubstitutos.

    segundo, h medidas compensatrias, como vendetas e duelos,cujos efeitos curativos so precrios.

    terceiro, h o sistema judicirio, dotado de uma incomparveleficcia curativa(p.34).

    A razo pela qual o sistema judicirio o mais eficaz para conter umciclo de vingana que ele transforma a vingana de assunto privado emquesto pblica.

    Os modelos de sistemas judiciais adotados pela maioria dos pasesservem para desviar a ameaa de vingana.

    O sistema no elimina a vingana; em vez disso, limita-se efetivamente aum ato de represlia, decretado por um soberano especializado nessa funoparticular. O princpio que rege tanto a ao privada como a pblica o mesmo:vingana.

    A diferena crucial, entretanto, e que tem enormes conseqnciassociais, que sob o sistema pblico, um ato de vingana no mais vingado; oprocesso encerrado, o perigo de uma escalada, afastado(Girard, 1990).

    Ao agente da segurana pblica cabe no entrar no ciclo de violncia,conforme Caldeira (2002):

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    Em outras palavras, essas foras entraram em um ciclo de vingana privadaem vez de evit-la, e tm feito isso com pelo menos algum apoio das autoridadespblicas e dos cidados. Numa situao como essa, no h espao pblico ouinstitucional legtimo a partir do qual o ciclo de violncia possa ser controlado (p.206).

    Quando as instituies da ordem falham em arbitrar conflitos de formaapropriada, oferecendo formas legtimas de vinganas pode-se esperar que oscidados ajam por conta prpria. consenso que, a organizao da proteo emtermos privados, freqentemente ilegais e violentos, cresceu em So Paulo naltima dcada.

    Deve-se considerar os rituais cotidianos de segregao e a maneira pelaqual os cidados apelam para a vingana privada na medida em que asautoridades falham e h a falta de vontade de muitas autoridades pblicas detrazer as atividades da polcia para dentro dos parmetros do Estado de direitoou de desenvolver polticas de segurana pblica pautadas por princpiosdemocrticos.

    O crime violento e seu controle no constituem o nico contexto em quepodemos observar tendncias rumo privatizao, deslegitimao damediao pblica e ao aumento da desigualdade.

    Ainda, nessa direo, cito as palavras do secretrio nacional desegurana pblica, que escreve em um artigo:

    Articulando os problemas e as polticas, guardadas suas especificidades erespeitadas as mediaes, deveramos nos pautar pela idia matricial, em cujos termosuma boa poltica de segurana fosse sempre, tambm, de alguma forma e em algumnvel, uma poltica social, econmica e cultural, e vice-versa, uma vez que essasdimenses so, no fundo, indissociveis, e no h chances de xito com tratamentosparciais, tpicos e fragmentrios, e muito menos com o voluntarismo reativo.

  • 48

    Essas tendncias esto tambm moldando o espao urbano, os seuspadres de segregao, as novas formas de residncia, o trabalho, a circulao,as interaes pblicas e, consequentemente, a qualidade da vida pblica. Tudoisso exige outro olhar e outro currculo.

    1.6. O Lugar da Democracia em Espaos Militarmente Organizados

    Busca-se, atualmente, conciliar, se possvel, a forma de organizao(militar) das polcias com o novo cenrio poltico-social (democracia),lembrando que a configurao das milcias datada em 1969.

    Bobbio (2000) destaca que :

    Afirmo preliminarmente que o nico modo de se chegar a um acordo quandose fala de democracia, entendida como contraproposta a todas as formas de governoautocrtico, o de consider-la caracterizada por um conjunto de regras (primrias oufundamentais) que estabelecem quem est autorizado a tomar as decises coletivas ecom quais procedimentos (p.30)

    Exatamente por que a democracia, hoje, deve transmitir a cada indivduoconsciente os deveres e as responsabilidades de cidado, a democracia no podeser considerada apenas como um simples modo de designao da classe poltica,como um mero instrumento de governo.

    A democracia tem um objetivo prprio que a distingue substancialmentede todas as outras formas de governo. Esse objetivo a educao dos cidados liberdade.

  • 49

    S o homem livre responsvel. O homem, porm, no nasce livre, ano ser nas abstraes dos iluministas: ele torna-se livre em um ambiente socialonde as condies econmicas, polticas e culturais sejam tais que o conduza,mesmo a contragosto, a adquirir a conscincia do prprio valor de homem, eassim das prprias possibilidades e dos prprios limites no mundo dos outroshomens.

    Foucault (1995) dir que :

    nem o controle, nem a destruio do aparelho de Estado, como muitas vezesse pensa embora, talvez cada vez menos suficiente para fazer desaparecer ou paratransformar, em suas caractersticas fundamentais, a rede de poderes que impera emuma sociedade (p.XIII).

    A rede de poderes que impera nos ambientes e nas sociedadesmilitarmente organizadas gera pouca liberdade de ao a seus integrantes, umavez que parte significativa dos atos praticados esto previstos, de formaminuciosa, em regulamentos.

    Para alcanar comportamentos democrticos so necessrias instituiesdemocrticas que estejam aptas no somente a dar ao indivduo a liberdade (porexemplo mediante o direito de voto), mas a consolidar e desenvolver nesseindivduo o prprio sentido da liberdade.

    Neste sentido Pereira (2002), amplia a capacidade do Estado, quandodefine que:

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    de esquerda quem no privilegia a ordem em qualquer circunstncia, masest disposto a arrisc-la em nome da justia social. Quem sabe, que para reduzir adesigualdade e o privilgio, necessrio um Estado com capacidade institucional eadministrativo-financeiro para garantir os direitos civis (dos liberais), os direitospolticos (dos democratas) e os direitos sociais (dos socialistas). Ser de esquerda no ser estadista, mas querer fortalecer a capacidade do Estado para que este possacorrigir as falhas do mercado nos planos social e econmico.

    Qualquer comentrio dentro do espao da caserna que d nfase apalavra democracia, rapidamente faz com que seu interlocutor seja taxado eidentificado como algum de esquerda.

    A viso apontada pelo Professor Bresser Pereira d conta de umadefinio de esquerda que, quanto ao plano social, tem total ligao, com osprojetos das mais variadas polcias, para realizarem suas atividades.

    As mltiplas dezenas de leis, decretos, portarias, regulamentos, estatutos,boletins etc., alm de explicitarem exatamente quais so os deveres e direitos decada um, descem a mincias e detalhes de como deve ser a conduta de cadapolicial militar nas vrias situaes em que se encontram, porm, tudo isso nodeveria tolher o sentido de liberdade daqueles que so atendidos pela polcia.

    As demandas da atividade policial, hoje, exigem que o soldado tenhadiscernimento nas mais variadas e complexas situaes de sua atuao, em razode novas tecnologias e da dinmica da velocidade dos grandes centros urbanos,fatos que exigem do soldado desenvoltura e outras competncias para a tomadade decises.

    Os oficiais formados durante o regime de exceo, sobretudo, nos anosiniciais, continuam pensando que em um teatro de operaes a tarefa de refletircabe somente ao comandante. Aos demais cabe apenas o cumprimento das

  • 51

    ordens dele emanadas. Essa atitude no mnimo questionvel, j que o combatemoderno est exigindo do militar uma boa dose de iniciativa.

    Um pesquisador que corrobora este pensamento , conforme Ludwig(1998), que destaca Nelson Werneck Sodr que,

    Constata, na concluso de uma de suas obras, que h um divrcio entre umacpula, que aparenta tudo poder e pode pouco, e a massa militar que, longe de estarestimulada para a desobedincia, deseja calorosa e profundamente obedecer aosdignos de obedincia. Esse divrcio terminar quando o processo de transformaoque j dominou a massa atingir a cpula (p.42)

    A democratizao da estrutura militar, pois, a fase final, a deacabamento, para que o carter nacional, que abarca as polcias militares,aparea em sua inteireza nas foras militarmente organizadas (id, p.42).

    As propostas democrticas de ensino, portanto, para formao desoldado de polcia militar, podem ser agrupadas de duas maneiras: aquelas queenfatizam a democratizao circunscrita ao ambiente escolar e aquelas que aressaltam, porm, tendo em vista a participao do policial militar em formao,na sociedade a que ele pertence, por isso a nfase no policiamento comunitrio.

    A administrao participativa, essencialmente democrtica, tem o mritode diminuir sensivelmente os nveis de frustrao e agressividade, reaesincompatveis com o esprito de camaradagem, cooperao e esforo conjunto,essenciais manuteno do elevado moral de uma tropa.

    Busca-se demonstrar que os grupos democrticos so os que revelammelhor moral de grupo em relao aos grupos autoritrios. Os conjuntos debaixo moral se desorganizam quando sob tenso, ou se desfazem em cliques ou

  • 52

    subgrupos antagnicos, o que prejudicial para uma atividade que tem comobem maior a vida humana.

    Moreira(2000), com relao ao futuro da democracia destaca que:

    (...) se quisermos evitar que a democracia seja marginalizada da vida pblica,que se distancie mais e mais do cotidiano das comunidades e das salas de aula, e queacabe por sucumbir, dando origem a uma nova forma de barbrie, os educadores terode lutar arduamente para transformar as escolas em contra-esferas pblicas quepermitam derrotar o desalento e viabilizar a esperana (p.151)

    Estudar o currculo escolar que inicia a formao do soldado da PM deextrema relevncia para a sociedade, especialmente para a sociedade brasileira,neste momento, envolvida com a urgncia de aperfeioar a vida democrtica eviabilizar um desenvolvimento social e econmico duradouros.

    Conhecer os debates atuais sobre a formao da PM e o currculo doCentro de Formao de Soldados constituem tarefas necessrias para se avaliaras possibilidades e os limites da formao em toda a PMESP.

  • 53

    Recriminar a malvadeza dos governantes quando as instituies no

    so boas , no mnimo, to absurdo quanto esperar que os governantes se

    tornem providencialmente sbios, sem que as ms instituies sejam

    removidas.

    Norberto Bobbio

  • 54

    CAPTULO - II

    A FORMAO DO SOLDADO DE POLCIA

    2.1. O Curso de Formao de Soldados

    Em 06 de abril de 1984, foram inauguradas as instalaes do Centro deFormao de Soldados, sediado na Avenida Doutor Felipe Pinel, 2.859, VilaClarice, em Pirituba, So Paulo, que se constitui em um rgo de apoio deensino, subordinado diretoria de ensino e instruo da PM.

    responsvel pela realizao do CFSdPM (Curso de Formao deSoldados da Polcia Militar) e pelo assessoramento e fiscalizao dos cursos queso realizados em outras unidades localizadas no Estado, em cumprimento dapoltica de recursos humanos da Corporao, que determina o alistamento e aformao regionalizados, atendendo o anseio das comunidades locais.

    Os requisitos para realizar este curso so previstos em edital de concursopblico, conforme, in verbis, D.O E.; Poder Executivo, Seo I, So Paulo, 112(76), quarta-feira, 24 de abril de 2002.

    CONCURSOS - Segurana Pblica - Diretoria de Pessoal DP. Centrode Seleo e Alistamento de Pessoal CSAEP. Concurso Pblico para aadmisso de Soldado PM de 2 classe militar estadual para servir,preferencialmente, na rea circunscrita pelo comando de policiamento dointerior 1. Edital CSAEP 041/2002.

  • 55

    A diretoria de pessoal da PMESP, atravs do Centro de Alistamento eEstudos de Pessoal, torna pblica a abertura de inscries para o concursopblico na rea circunscrita pelo comando de policiamento de interior 1, visandoo preenchimento de 150 (cento e cinqenta) vagas, mais as decorrentes quesurgirem durante o perodo de validade do concurso, na graduao inicial deSoldado PM de 2 classe, para QPMPO (quadro policial militar particular combatente), em carter de estgio probatrio, que inclui o curso de formaotcnico-profissional.

    Para a anlise interessa tambm os dizeres quanto ao estgio probatrio eo perfil exigido para assumir as funes de policial. Diz o item 10 do estgioprobatrio: o ingresso na Polcia Militar dar-se- em carter de estgioprobatrio, que se entende pelo perodo de 730 (setecentos e trinta) dias deefetivo exerccio, durante o qual o estgio submetido a curso de formaotcnico-profissional.

    O edital deixa explcito que o candidato apresente: conduta ilibada, navida pblica e na vida privada, caracterizada por um comportamentoirrepreensvel para exercer a funo policial-militar, quer seja no convviosocial, moral, escolar e trabalhista, independente de possuir ou no antecedentescriminais.

    So quesitos fundamentais a idoneidade; a aptido para o servio, ondeser verificado o pendor e a vocao para o desempenho das funes de soldadoPM; disciplina; aproveitamento escolar, perfil psicolgico compatvel com odesempenho da funo e adequao fsica e mental.

  • 56

    Aps a seleo, incumbe ao Centro de Formao de Soldados propiciar aconstante e adequada qualificao do policial militar, por meio do curso tcnicoprofissional e pelo treinamento, que visam a consolidao de valores sociais,morais e ticos; compete-lhe, tambm, atualizar conhecimentos tcnico-profissionais e conservar o vigor fsico, a agilidade e a destreza necessrias aodesempenho da funo policial-militar.

    So dois os principais objetivos, do curso de formao de soldados,conforme Diretriz n 3 EM/PM-003/002/95 de 07Mar95:

    1) Objetivo instrucional: propiciar ao policial militar o desenvolvimentosistemtico de conhecimentos, atitudes e habilidades para o desempenhoproficiente das tarefas inerentes funo policial-militar;

    2) Objetivo institucional: proporcionar a necessria qualificao permanentedos recursos humanos da organizao, para que, juntamente com odesenvolvimento dos recursos materiais e com o avano tecnolgico, sejapossvel Corporao cumprir suas misses nos almejados padres dequalidade.

    O realizao desse treinamento policial-militar assume fundamentalimportncia para a operacionalidade da Corporao, em face dos aspectos quevem sendo analisados nos foros que se interessam pelo tema.

    A esse respeito Cortella (2000) relata que :

  • 57

    assim como a dimenso pedaggica da capacidade de ensinar; a discussosobre tal dimenso envolve ainda temas mais amplos como a democratizao darelao professor-aluno, a democratizao da relao dos educadores entre si e com asinstncias dirigentes, a gesto democrtica englobando as comunidades e, por fim,como objetivo poltico-social mais equnime, a democratizao do saber. (p.15)

    O Projeto de Segurana Pblica para o Brasil, produzido em fevereiro de2002, pelo Instituto Cidadania, buscando a democratizao e tendo comointegrante da coordenao temtica o atual Secretrio Nacional de SeguranaPblica, Professor Doutor Luiz Eduardo Soares trouxe consideraesimportantes para as atividades de polcia.

    No caso especfico da Polcia Militar, em mbito nacional, o projeto trazas seguintes consideraes:

    1) regulamentos disciplinares arcaicos, que se preocupam mais com ocomportamento dos policiais dentro dos quartis do que nas rua;

    2) excesso de graus hierrquicos, dificultando a relao entre policiaisoperacionais e o comando;

    3) auditorias e Justias Militares Estaduais, caracterizadores de foroprivilegiado para julgar policiais;

    4) excessiva presena de policiais em funes burocrticas-admistrativas,ainda que em escala inferior e em contexto menos irracional do que osverificados na Polcia Civil;

    5) mdia de suicdios nas polcias militares muito superior quelaverificada na sociedade;

    6) uso inadequado da fora letal.

    A formao e o treinamento dos novos soldados no pode ocorrer margem dessas consideraes apontadas por um conjunto amplo de vozesrepresentativas da sociedade.

  • 58

    O distanciamento entre a base (os soldados) e o comando, apontado nosegundo item e , tambm, destacado por Ludwig (1998), quando diz que:

    Norberto Bobbio, o grande pensador poltico da atualidade, ao defender oprocesso de alargamento da democracia na sociedade contempornea, prope que eladeve alcanar as relaes entre o oficial e o soldado(p.42).

    O diagnstico que foi gerado exige da PMESP novas posturas e umcurrculo atualizado e dinmico atento a essas contingncias. O mesmodocumento aponta que:

    A atual formao das polcias positivista, discriminatria e se funda naantiga Lei de Segurana Nacional e, principalmente, na Doutrina de SeguranaNacional, que entendiam o cidado como potencial inimigo interno (p.37).

    Os treinamento aos quais so submetidos os novos policiais no devementender o cidado como o potencial inimigo de outrora, que caracterizava umaviso conformista do agente policial.

    A esse respeito Ludwig (1988) esclarece que:

    Outro feito importante decorrente de uma organizao que se empenha emenvolver todos os seus integrantes, refere-se sensvel diminuio ou desaparecimentodo conformismo, isto , do homem standartizado, sem individualidade, sem vontadeprpria, sem iniciativa, resignado, acomodado. Um soldado conformista pouco serve aum teatro de operaes (p.82).

    Conforme diretriz interna da PMESP, a execuo das atividades detreinamento responsabilidade do comandante ou chefe, que dever envidartodos os esforos para o desenvolvimento satisfatrio das aes previstas, bemcomo de instruir outros procedimentos que julgue necessrios ou oportunos,

  • 59

    sempre visando a proporcionar meios ao policial militar, para a sua qualificaoao desempenho de suas funes.

    A importncia do treinamento consiste no fato de que ele se torne umvalioso meio de comunicao entre comandantes e comandados, possibilitandomaior interao entre chefes e subordinados, colaborando para o estreitamentodos laos e aperfeioamento do esprito de corpo to imprescindvel instituiopolicial-militar.Dessa forma, o treinamento d coeso e revitaliza a Corporaoe a ligao com a comunidade, conforme os princpios de polcia comunitria,constantes da NI(nota de instruo) n PM3-004/02/97 de 10Dez97:

    As atividades de treinamento permitem ao profissional de Polcia Militaratualizao de temas sociais e jurdicos, adequando-os e atualizando-os aconceitos modernos devidamente ajustados aos preceitos desejados pelacomunidade; e

    As atividades de treinamento devem proporcionar condies efetivaspara a padronizao de procedimentos e unidade de doutrina, razo pela qual aDEI dever adequar-se para atuar como agente catalisador, visando pesquisa,produo e difuso dos meios de treinamento.

    Cabe ao corpo docente do CFSdPM trabalhar para que no prevaleaapenas o apontado por Dias (1991)

    O Estado tambm deseja a extenso e generalizao da cultura, e tem em mosos instrumentos para isso. Tem interesse no desenvolvimento intelectual de umagerao, para faz-la servir e ser til s instituies estabelecidas. Quer fazer acreditarque fim supremo da humanidade, no havendo dever maior para o homem do queservi-lo; apresenta-se como o mistagogo da cultura, o mentor da artes, quando, naverdade, visa apenas ao prprio interesse - ou seja, formar quadros de funcionriospara mant-lo existindo (p.82).

  • 60

    Hoje, tem-se claro que os treinamentos no devem funcionar comoadestramento, e sim como processos que forneam ferramentas para que o alunoaps o curso atue como negociador de conflitos.

    2.2. A Polcia como Aparelho de Estado.

    A Polcia Militar parte do aparelho de coero do Estado. Se o Estado,na definio de Gramsci; a unio dialtica da sociedade civil e da sociedadepoltica, da hegemonia couraada de coero.

    A polcia, o Judicirio e o Exrcito, como exemplo, so partes dosdispositivos coercitivos do Estado moderno. A escola, como os sindicatos,associaes, constituem, tambm, dispositivos de hegemonia, isto , atuam naformao do consenso da hegemonia.

    A escola burguesa, como a conhecemos hoje, surgiu na segunda metadedo sculo XIX, a partir de dois grandes objetivos: instruir tecnicamente o jovemproletariado industrial para funes mais complexas do processo produtivo ecombater os resqucios do antigo regime, acenando para uma escola laica,pblica e gratuita.

    A Segunda Revoluo Industrial gera uma nova expanso do capital,permitindo que as descobertas cientficas no campo da mecnica, da biologia, daeletricidade, da metalurgia, dos transportes, enfim, venham promover ocrescimento do capital com processos produtivos mais sofisticados, exigindomaior qualificao dos trabalhadores. Por outro lado, a organizao racional daproduo vai estimular o advento das Cincias Humanas, principalmente aSociologia e a Psicologia.

  • 61

    No campo educacional, esta discusso alimentada pelas indicaes deGramsci (1968), vai ser reacesa na dcada de 70, a partir da publicao de vriasobras tratando do assunto; uma das que teve maior repercusso e desencadeounovos estudos sobre o papel da educao foi Aparelhos Ideolgicos do Estadode Louis Althusser, publicada em 1969.

    Ao analisar a reproduo das condies de produo que implicareproduo das foras produtivas e das relaes de produo existente, Althusser levado a distinguir, no Estado, seguindo as indicaes de Gramsci, os (ARE)Aparelhos Repressivos de Estado e os Aparelhos Ideolgicos de Estado (AIE).

    Compem o ARE (o Governo, a Administrao, o Exrcito, a Polcia, osTribunais, as Prises, etc.) que exercem o poder coercitivo do Estado, por outrolado os AIE que so entidades que atuam na formao da hegemonia dos blocoshistricos no poder so constitudos pelo aparelho religioso, escolar, familiar,jurdico, poltico, sindical, da informao (imprensa, rdio- televiso, etc.) e oAIE cultural ( letras, belas artes, desportos, etc.).

    O Estado , antes de tudo, o que os clssicos do marxismo chamaram deaparelho, expresso tambm adotada por Althusser. Este termo compreende no-somente o aparelho especializado, cuja existncia e necessidade se reconhecempelas exigncias da prtica jurdica, a saber: a poltica, os tribunais e as prises;mas tambm o exrcito, que intervm diretamente como fora repressiva deapoio em ltima instncia.

  • 62

    Althusser (1985) explicita sua tese principal, afirmando que:

    Para fazer progredir a teoria do Estado indispensvel levar em conta, nosomente a distino entre poder de Estado e aparelho de Estado, mas tambm uma outrarealidade, que se encontra manifestamente do lado do aparelho (repressivo) de Estado,mas no se confunde com ele. Chamaremos essa realidade pelo seu conceito: osaparelhos ideolgicos de Estado (p.67).

    Ao se tratar de questes ligadas a PMESP, conforme Althusser, trata-seao mesmo tempo de poder de Estado e aparelho de Estado, sendo este ltimorepressivo, o que indica que ele funciona na base da violncia, pelo menos nolimite.

    Para Althusser o ARE nico, pertencendo inteiramente ao domniopblico, j o AIE faz parte do domnio privado e possui diversos representantes.

    O carter prevalente da coero ou da hegemonia no , pormexclusivo. A quantidade de organismos do Estado, exercendo funohegemnica (museus, bibliotecas, etc) auxiliam na consolidao prevalente dadominao; pode-se, tambm, por outro lado encontrar a coero no seio dosorganismos privados, como, por exemplo, quando cada organizao impenormas para seus membros. Isto significa que a coero ou a hegemonia dadapela forma como funciona cada aparelho.

    Considerando a multiplicidade das instituies que formam os AIE oautor acredita que isto no impea sua unidade, sob a tica da ideologiadominante. Por ideologia, toma-se as palavras de Freitag (1980):

  • 63

    Se definssemos ideologia como um conjunto de idias, representaes evalores, que preenchem uma funo de coeso social cimento, diria Gramsci embenefcio da classe dominante (....) um filtro que condiciona a capacidade deestabelecer conexes, de utilizar categorias lgicas, de realizar determinadasoperaes de abstrao e de generalizao. A ideologia impe conscincia umanormatividade ptica. O que pode, ou no, ser visto depende de uma sintaxe, de umconjunto de regras, cuja compreenso rigorosa necessria para uma ideologiekritik,que pretenda ir alm da superfcie dos fenmenos (p.9).

    Para que se v alm da superfcie dos fenmenos a Polcia Militar, antesde mais nada, deve restringir ao mximo a violncia repressiva e assegurar, como suporte institucional que lhe cabe, maior liberdade de ao e maiores garantiasde integridade fsica e intelectual aos indivduos, o que requer uma formao deseus quadros com qualidade, inclusive em nvel de ps-graduao.

    Conforme Althusser (1985):

    Segue-se que toda formao social pode existir, ao mesmo tempo em queproduz, e para poder produzir, deve reproduzir as condies de sua reproduo. Eladeve, portanto produzir: As foras produtivas - As relaes de produesexistentes.(p.54).

    Com acerto, define Althusser que as ideologias no podem subsistirindependentemente dos aparelhos ideolgicos do Estado. A ideologia implicaedifcios, hierarquias, rituais, regulamentos etc.

    O carter do aparelho de Estado e sua posio no equilbrio ente acoero no estaria no lugar jurdico que ele ocupa na estrutura da sociedade,mas no seu funcionamento, repressivo ou ideolgico.

  • 64

    A burocracia, as Foras Armadas, o Judicirio, o governo, no seriamrepressivos porque se encontram em mos de uma classe dominante ou de seusrepresentantes, mas porque seu funcionamento coercitivo, porque so uma mquinade guerra, cujo produto uma relao de subordinao entre classes. A mudana demos do aparelho repressivo de Estado no muda em nada o seu carter.(Althusser,1985, p.16)

    O Aparelho (repressivo) do Estado funciona predominantemente atravsda represso (inclusive a fsica) e secundariamente atravs da ideologia (noexiste aparelho unicamente repressivo). Exemplos: o Exrcito e a Polciafuncionam tambm atravs de ideologia, tanto para garantir sua prpria coeso ereproduo, como para divulgar os valores por eles propostos.

    Por meio da via ideolgica, h a possibilidade de que os integrantes deaparelhos repressivos possam atuar, para que subsistam condies mnimas paraa defesa da vida e para a preservao da dignidade da pessoa humana,independentemente de opo sexual, credo, etnia, idade ou situao financeira.

    O projeto de policiamento comunitrio, por exemplo, desenvolvido pelaPMESP, que tem como foco a preveno e no apenas a represso imediata aosmais variados tipos de delitos ou quebra da ordem, tem muito a contribuir commelhorias na prestao de servios.

    A modalidade de policiamento do tipo comunitrio exemplifica arelao entre a coero e o consentimento, que os dispositivos coercitivos ouno movimentam na garantia de seu exerccio no Estado. No caso policial, outratendncia, decorrente dessa abordagem est na necessidade de se formar umprofissional que seja negociador de conflitos.

    Se a PMESP mantm um escola e desenvolve um programa curricularque, pela tica althusseriana, atua no sentido do consentimento, importante

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    identificar quais ambigidades e paradoxos esse currculo de formao desoldados suscita.

    Quando se fala em polcia, indubitavelmente, descreve-se um aparelhorepressivo, que tem em seu interior um aparelho ideolgico que a escola.Objetiva-se entender como este aparelho d conta das ambigidades e paradoxosinerentes a esta situao.

    Conforme Ludwig (1998):

    A concepo de Althusser relativa aos aparelhos de Estado, pode ser usadapara o entendimento da educao blica. Alis, a proposta desse filsofo a que maisse aproxima do ensino militar, uma vez que dois de seus componentes a idia de que aescola uma instituio destinada a preparar indivduos de acordo com papis qu