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2009
Didática eDesign Instrucional
Antonio Simão NetoCamile Gonçalves Hesketh
IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
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S596d
Simão Neto, AntonioDidática e design instrucional / Antonio Simão Neto, Camile Gonçalves Hes-
keth. – Curitiba, PR: IESDE, 2009.312 p.
Inclui bibliografiaISBN 978-85-387-0370-9
1. Didática. 2. Educação – Inovações tecnológicas. 3. Inovações educacionais. 4. Tecnologia educacional. 5. Material didático. 6. Mídia digital. 7. Ensino a dis-tância. I. Hesketh, Camile Gonçalves. II. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. III. Título.
09-2383 CDD: 371.3CDU: 37.02
Didática na Educação a Distância: limites e possibilidades
A Didática no contexto da EADComênio (1592-1670), já no século XVII, propunha em sua Didática Magna
o desenvolvimento de um método de ensino em que os professores ensinas-sem menos e os alunos aprendessem mais. Quase quatro séculos mais tarde, após várias mudanças políticas, culturais, científicas, tecnológicas e episte-mológicas na sociedade e na educação, essa proposição continua desafiando os educadores.
Há quem acredite que a Educação a Distância – EAD – é uma opção viável para a realização do antigo sonho de Comênio; há quem pense que o ensino a distância pode apenas contribuir para a concretização daquilo que Comênio propunha; existem ainda aqueles que, por não fazerem distinção entre edu-cação e ensino, não sabem ao certo como tornar real um sonho tão antigo.
Moran (1998, p.18) define Educação a Distância como:
O processo de ensino e aprendizagem, mediado por tecnologias, no qual professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente. Apesar de não estarem juntos, de maneira presencial, podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as telemáticas, como a internet. Mas também podem ser a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e tecnologias semelhantes.
Landim (2002) enfatiza que muitas pessoas têm utilizado os termos ensino e educação como sinônimos, embora existam entre eles diferenças relevan-tes. Para a autora, o termo ensino está ligado às atividades de treinamento, adestramento e instrução. Já o termo educação refere-se à prática formati-va, ao processo ensino-aprendizagem capaz de levar o aluno a aprender a aprender, a saber, pensar, criar, inovar, construir conhecimentos e participar ativamente de seu próprio crescimento.
Esse esclarecimento inicial é importante para compreendermos os rumos da Didática na modalidade da EAD.
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Como na expressão “ensino a distância” a ênfase é dada ao papel do pro-fessor (como alguém que ensina a distância), não podemos estranhar o fato de encontrarmos nesse campo muitos cursos instrucionistas, centrados na simples oferta e distribuição de conteúdos para alunos.
Mesmo sabendo que a mera utilização de um conceito mais abrangente como Educação a Distância não garantirá que a prática pedagógica ocorra de maneira diferenciada, essa denominação será empregada neste texto porque aponta na direção da aprendizagem e não da instrução por si só. A aprendiza-gem não pode mais ser encarada como um processo mecânico de transmis-são/recepção/assimilação, dada a diversidade e a complexidade da realidade na qual estamos inseridos.
Para Demo (2003), a realidade é um fenômeno reconstrutivo, no sentido de que se apresenta como processo sempre multifacetado, complexo e di-nâmico. Assim, conhecimento e aprendizagem são atividades humanas que deveriam expressar processos não lineares, apesar de muitas vezes a prática pedagógica não corresponder a essa abordagem.
Diante disso, pode-se questionar: como a Didática tem sido utilizada no processo de aprendizagem na modalidade a distância e quais as contribui-ções que pode trazer para o próprio presencial?
O primeiro passo nessa importante reflexão consiste em conhecer as es-pecificidades da modalidade EAD. Afinal, o que a Educação a Distância tem de específico, isto é, quais são as características que a diferenciam da educa-ção presencial?
De acordo com as ideias apresentadas por Moran (1998), podemos dizer que um dos aspectos marcantes da EAD consiste na mediação das relações entre os docentes e os alunos através da tecnologia.
Belloni (1999, p. 106) destaca a flexibilização como outra palavra-chave no contexto da EAD:
A flexibilização de acesso como alternativa de democratizar as oportunidades [...]; a flexibilização do ensino para promover o desenvolvimento de habilidades de autoaprendizagem [...], a flexibilização da aprendizagem, que exige do aluno mais autonomia e independência no desenvolvimento de sua capacidade de gerir seu processo de aprendizagem; e a flexibilização da oferta em função das demandas sociais numa perspectiva de educação ao longo da vida.
A flexibilidade que o aluno tem em poder estudar a qualquer hora, em
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qualquer lugar, no seu próprio ritmo, é uma das características que fazem da EAD uma modalidade viável e atrativa para muitas pessoas.
Moran (2009a) destaca ainda a mudança nos conceitos de curso e de aula:
Hoje, ainda entendemos por aula um espaço e um tempo determinados. Mas, esse tempo e esse espaço, cada vez mais, serão flexíveis. O professor continuará “dando aula”, e enriquecerá esse processo com as possibilidades que as tecnologias interativas proporcionam: para receber e responder mensagens dos alunos, criar listas de discussão e alimentar continuamente os debates e pesquisas com textos e páginas da Internet, até mesmo fora do horário específico da aula.
Outro aspecto comentado pelo autor é a noção de presencialidade, que também se altera face ao desenvolvimento da comunicação e da tecnologia.
Há uma possibilidade cada vez mais acentuada de estarmos todos presentes em muitos tempos e espaços diferentes. Assim, tanto professores quanto alunos estarão motivados, entendendo “aula” como pesquisa e intercâmbio. Nesse processo, o papel do professor vem sendo redimensionado e cada vez mais ele se torna um supervisor, um animador, um incentivador dos alunos na instigante aventura do conhecimento.
A telepresença é um novo termo que vem sendo usado por alguns autores para descrever essa forma de “estar presente, mesmo a distância”. Hesketh e Simão (2006, p. 2) nos dizem que este é um conceito que à primeira vista en-cerra uma contradição em termos:
Como se pode estar presente, quando não se está presente? A Educação a Distância tem revelado que essa é uma nova condição, tornada possível pelas tecnologias interativas como a internet, o vídeo e a audioconferência. Obviamente não se pode estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo, mas a presença física não é o mais importante nesse processo. É justamente para ultrapassar esse impedimento que a EAD vem sendo utilizada na maioria dos contextos onde esta modalidade é ofertada.
Segundo esses autores, a telepresença aponta para algo mais importan-te do que a presença física: a presença no processo de aprendizagem. Esta nova presença permite que, além de professores e alunos, novos agentes possam participar – e cada vez mais significativamente – do ensino e da aprendizagem.
Enquanto no presencial a relação ensino-aprendizagem ocorre basicamen-te entre professor e aluno, na EAD podemos observar a participação de novos agentes, alguns dos quais adquiriram papel relevante nessa modalidade.
Dentre eles podemos destacar: os designers instrucionais, os professores-autores (conhecidos como “conteudistas”), os diversos técnicos e produtores, além daquele profissional que exerce várias funções de apoio ao aluno. Este tipo de agente educacional tem sido chamado por muitos nomes distintos:
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“Tutor, orientador, mentor, instrutor, guia, mediador, facilitador, animador, catalisador, preceptor, apoiador, coach, conselheiro, motivador, professor au-xiliar...” (HESKETH; SIMÃO, 2006 p. 4)
Mas, apesar de todas as características destacadas, várias experiências têm demonstrado que “muitas organizações estão se limitando a transpor para o virtual adaptações do ensino presencial [...]. Há um predomínio de interação virtual fria (formulários, rotinas, provas, e-mail) e alguma interação on-line [...]” (MORAN, 2009b)
Superar a chamada “transposição didática” é um dos grandes desafios a serem vencidos pelos novos agentes que atuam no processo de aprendiza-gem à distância, em especial os designers instrucionais.
Em relação à educação on-line, por exemplo, Azevedo (2002) nos lembra que precisamos olhar com certa desconfiança para algumas iniciativas que tentam adaptar a velha sala de aula ao mundo virtual.
Uma grande parte dos cursos é estruturada a partir de uma concepção tradicional de educação (muitas vezes velada sob uma nova roupagem mais avançada) em que o objetivo do processo de aprendizagem é apenas a reprodução de um conhecimento já estabelecido, propiciando poucas condições efetivas para uma construção do conhecimento mais criativa, a ser realizada pelos sujeitos dessa prática educativa. Reproduz-se, dessa forma, um modelo pedagógico já saturado, impedindo a exploração dos potenciais trazidos pelas estruturas e comunicação em rede. Os cursos on-line tornam-se assim, espelhos daquilo que há de pior no ensino presencial de hoje, com o agravante de estarem sendo apresentados para a população como uma das grandes inovações educacionais dos últimos tempos. (ALVES; NOVA, 2003, p. 6)
Na Educação a Distância, apesar de todo o potencial das tecnologias in-terativas, percebe-se que muitos cursos estão centrados na comunicação unidirecional, com pouca ou nenhuma interação entre os participantes. Os processos comunicativos muitas vezes se limitam a resolução de exercícios previamente distribuídos em formatos de múltipla escolha ou em atividades mecânicas e simplistas, muitas vezes chamadas de interativas apenas por conta das simulações existentes. Isso se dá principalmente em virtude dos custos menores deste tipo de curso – se comparados aos modelos mais inte-rativos – uma vez que não necessitam de uma (provavelmente) dispendiosa estrutura de suporte aos alunos.
Sabemos que o instrucionismo e o conteudismo ainda pautam muitas ações desenvolvidas na EAD e que o emprego de tecnologias de ponta por si só não garante o sucesso dos cursos nessa modalidade. Os novos agen-
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tes precisam aprender a trabalhar com as especificidades da EAD: mediar a aprendizagem a distância, por exemplo, é bem diferente de fazer a mediação da aprendizagem em contextos presenciais, mesmo para professores com grande conhecimento no seu campo de saber.
A simples transposição do presencial para a distância é uma prática bas-tante questionável, pois deixa de aproveitar o potencial comunicativo das novas mídias e tecnologias. Por exemplo: entre um texto que anteriormente era apresentado no formato de um livro impresso e que agora pode ser bai-xado sob forma de apostila digital de um site na web, não há muita diferença. O processo comunicativo unidirecional existente numa videoaula gravada pode ser reproduzido da mesma maneira linear num meio potencialmente interativo como a videoconferência.
Moran (2009b) nos lembra que estamos numa fase de transição na Educa-ção a Distância e que, diante de tantas mudanças na sociedade e no mundo do trabalho, precisamos reinventar a forma de ensinar e aprender, presencial e virtualmente.
Nessa nova trajetória, na qual o presencial se virtualiza e a distância se presencializa, a Didática precisa ser ressignificada.
Modelos didáticos na EADSabe-se que a Educação a Distância tem sido alvo de críticas, principal-
mente no que se refere a certas questões relacionadas à Didática: a EAD já foi classificada de ensino de segunda categoria, acrítico, tecnicista, com conteú-do superficial e pouca interatividade – uma versão empobrecida e sucateada do ensino presencial. Seriam estas “qualidades” próprias da modalidade EAD? Ou se pode dizer que existem na mesma proporção no ensino presencial? A presença física do professor em sala de aula garante uma aprendizagem crítica, significativa e interativa?
Uma formação diferenciada não depende da forma de oferta (presen-cial ou a distância) mas sim da abordagem didático-pedagógica escolhida e implementada.
Os esforços na busca de alternativas didáticas para “superar, reduzir, ame-nizar ou até mesmo anular a distância física” na EAD continuam a desafiar
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os especialistas da área (PETERS, 2001, p. 47), pois durante muito tempo os atos de ensinar e aprender foram vistos como dependentes da proximidade física.
Segundo Peters (2001), a Educação a Distância tem suas raízes na educa-ção presencial, mas ao longo da sua evolução, por meio de práticas, concep-ções e modelos, passou a incorporar peculiaridades próprias dessa modalida-de, motivo pelo qual o autor propõe em seu livro uma Didática de EAD.
Peters faz uma análise de seis modelos didáticos utilizados na Educação a Distância: modelo da correspondência, modelo da conversação, modelo professoral, modelo tutorial, modelo tecnológico de extensão e modelo da distância transacional. Conhecer e analisar cada um desses modelos nos per-mitirá compreender a trajetória da Didática na Educação a Distância.
O modelo da correspondência caracterizou-se como o primeiro modelo de Educação a Distância. Procurava minimizar a distância por meio do mate-rial impresso, com conteúdos didáticos endereçados do professor ao aluno. Ambos se correspondiam e assim buscam vencer o isolamento físico.
Sem dúvida, o modelo da correspondência foi aprovado na prática. No século XIX ele contribuiu para o sucesso da telescola comercial. Está muito claro, que, depois de organizado um sistema postal confiável na base do tráfego dos trens, a correspondência era na época, o meio de comunicação mais importante e que, portanto, se oferecia como solução para vencer a distância entre docentes e discentes. (PETERS, 2001, p.49)
O modelo da conversação foi outro passo dado para se tentar diminuir a distância entre professores e alunos. O material didático neste novo modelo não mais transmitia conhecimentos objetivos, sistematicamente organizados, mas procurava estabelecer uma conversação informal com o aluno. No en-tanto, apesar das vantagens em relação ao modelo anterior, Peters nos alerta para o fato de haver casos em que a natureza de alguns conteúdos pedia uma linguagem menos dialógica e mais objetiva. Além disso, esse diálogo esta-belecido pelo professor pode adotar um tom falso, forçado e pouco natural, que o autor chama de diálogo fingido: “A ideia, porém, de que empatia pode ser reproduzida à vontade tecnicamente para facilitar a aprendizagem, com certeza ainda é estranha para muitos”. (PETERS, 2001, p. 54)
O modelo professoral foi outra forma criada para compensar a ausência física dos docentes. Neste novo modelo o professor transfere para o texto impresso muitos dos procedimentos didáticos realizados no presencial. O material impresso agora apresenta uma estrutura mais “didática”: há uma in-
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trodução explicando as suas finalidades; os conteúdos são apresentados em pequenas partes; há a descrição dos objetivos a serem alcançados e suges-tões de como estudar e como melhorar nos estudos, há um glossário com termos pouco conhecidos e exercícios para fixar a matéria. O autor destaca a influência deste modelo sobre a Educação a Distância da atualidade.
Outra forma utilizada para tentar simular a proximidade entre professores e alunos é o modelo tutorial, tal como apresentado por Peters (2001). Neste caso a distância é enfrentada por meio de um tutorial, isto é, de um texto didático que simula uma conversa de orientação e aconselhamento com o aluno. “Aqui o texto didático não se destina a apresentar conteúdos, mas, sim, a despertar a ideia de um diálogo com um tutor imaginário” (p. 59). Diferen-temente dos outros modelos, o tutorial oferece aconselhamento apenas se houver previsão de dificuldades; caso contrário o aluno tem autonomia para estudar sozinho.
Uma quinta maneira de superar a distância entre docentes e discentes é o modelo tecnológico de extensão, com foi chamado por Peters (2001). Este modelo caracteriza-se por propiciar a participação dos alunos a distância em atividades didáticas realizadas presencialmente, utilizando meios técnicos de informação e comunicação (como audiocassetes e vídeos).
Do ponto de vista da didática do ensino a distância, estamos aqui praticamente diante de um modelo zero. No fundo sequer se trata de ensino a distância, mas, sim, apenas a ampliação do clássico ensino com presença. Todavia, ele merece consideração especial, ainda que crítica, por ser praticado atualmente de novo com o recurso de meios eletrônicos em escala crescente, pois no fundo a sala de aula virtual, o college virtual, a universidade virtual e todas as variantes de teleconferência trabalham conforme o mesmo princípio, apenas em um nível comunicativo tecnicamente mais exigente e mais elevado. Até mesmo quando se interligam vários grupos de estudantes geograficamente distantes entre si por meio da televisão a cabo ou por satélite, acompanhando as preleções de um professor universitário, está se empregando esse modelo. (PETERS, 2001, p. 62)
O sexto modelo apresentado por Peters envolve o conceito de “distância transacional”, desenvolvido por Moore (1993 apud PETERS 2001). Este con-ceito de distância não tem sentido estritamente físico/geográfico, mas sim comunicacional. Ele distingue a distância física da distância comunicativa. A distância transacional será maior ou menor dependendo da situação dos alunos: se abandonados à própria sorte com seus materiais de autoestudo, ou se podem se comunicar com seus professores e outros agentes. Isso signi-fica que se houver maior comunicação entre alunos e professores, a distância transacional entre eles será menor, independentemente da distância física.
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A distância transacional atinge seu auge quando docentes e discentes não têm qualquer intercomunicação e quando o programa de ensino está pré-programado em todos os detalhes e prescrito compulsoriamente, sendo que, consequentemente, necessidades individuais não podem ser respeitadas. (PETERS, 2001, p.63)
Apesar disso, Peters (2001) destaca que a proximidade transacional exage-rada impede a forma de estudar com autonomia.
A autonomia dos alunos alcança um nível máximo quando objetivos e caminhos do ensino são determinados por eles, o controle do ensino é feito por eles e quando nesse ensino não são limitados em por diálogos tampouco por estruturas preestabelecidadas, como, por exemplo, num autoestudo particular. (PETERS, 2001, p. 64-65)
Após conhecer os seis modelos apresentados por Peters, nota-se que a Didática da EAD tem mudado de forma. De aulas por correspondência e de cursos autoinstrucionais baseados em textos impressos já avançamos para processos de aprendizagem diferenciados, que empregam diversas outras mídias, tecnologias e procedimentos didáticos.
No entanto, ainda é comum observarmos a Didática utilizada no ensino presencial ser adaptada ou transposta para a modalidade a dis-tância. Como muitas das práticas educativas utilizadas no presencial já estão ultrapassadas, centradas em modelos pedagógicos inadequados ao mundo de hoje, não se pode esperar que, ao serem “transpostas” para a EAD, tragam bons resultados.
Sendo assim, novos caminhos são necessários para a Didática, indepen-dente da modalidade adotada ser presencial ou a distância. Embora saiba-mos que toda proposta educativa deve levar em conta as características, con-dições de estudo, estilos, inteligências, necessidades e interesses dos alunos, devemos, como sugere, Beloni (1999, p. 41), “[...] procurar superar o enfoque tecnicista centrado nos meios técnicos e metodológicos (como), buscando uma filosofia da educação que oriente as escolhas e definições relativas às finalidades da educação (por que) e aos seus conteúdos (o quê)”.
Ao refletir sobre as questões levantadas por Beloni, percebe-se que elas ser-vem tanto para a Didática da educação presencial quanto para a Didática da EAD.
Vale destacar que a Educação a Distância ainda não produziu teorias tão novas que possam ser oficialmente chamadas de teorias de EAD em si pró-prias. Por isso, a EAD tem encontrado seus fundamentos nas teorias de ensino e aprendizagem já desenvolvidas para a educação presencial. Aprofundar essa questão fica para outra oportunidade: o importante nesse momento é compreender o novo papel que a Didática deve ocupar na atualidade.
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Novos rumos para a Didática na EADAs novas tecnologias têm possibilitado interações inusitadas entre as pes-
soas, tecendo uma complexa rede de relações antes impossível de ser cons-truída. A internet favoreceu o surgimento de diferentes formas de comunica-ção e de uma nova maneira de compreender a aprendizagem.
As tecnologias de comunicação e informação atuais oferecem meios facilitadores, mas, de forma isolada, não garantem em absoluto novas formas de ensinar, pensar e conviver. O que se tem agora é a oportunidade de desenvolver um ambiente com a possibilidade técnica de entrelaçar a cultura, a prática social, saberes, a prática pedagógica, a ciência, expressando-se por diferentes linguagens, na tentativa de produzir novos sentidos e, em consequência, uma nova paisagem educativa. (NAJMANNOVICH, 2001 p. 44)
As tecnologias digitais interativas podem potencializar e estruturar novas sociabilidades e por conseguinte novas aprendizagens. A partir do adven-to da internet, as paredes da sala de aula se romperam, possibilitando que pessoas geograficamente dispersas pelo mundo possam interagir e aprender umas com as outras, em tempos e espaços variados.
Uma rede colaborativa de aprendizagem permite que cada participante possa expressar suas ideias, defendê-las e redefini-las, o que contribui para a construção do conhecimento.
Por meio de uma rede colaborativa é possível buscar formas mais interativas e cooperadas, nas quais alunos e professores estão engajados em tarefas comuns, mesmo que separados espacial e em muitos casos também temporalmente. (SIMÃO NETO, 2001, p. 61)
Assim a internet – a grande rede mundial, com todas as suas teias e nós, suas possibilidades e desafios – é um ambiente propício para a Educação a Distância. As redes digitais permitem a implementação de formas novas e mais complexas de interação social, fazendo emergir a possibilidade da troca imediata no ciberespaço. No entanto, Moran (1998, p. 150) nos alerta:
Ensinar na e com a internet atingem-se resultados significativos quando se está integrado num contexto estrutural de mudança do processo de ensino-aprendizagem, no qual professores e alunos vivenciam formas de comunicação abertas, de participação interpessoal e em grupo.
O processo educacional mediado pelas Tecnologias da Informação e Comunicação adquire dimensões que precisam ser exploradas segundo as perspectivas da era das redes. As relações educativas se dinamizam, possibili-tando trocas comunicativas multidirecionadas, baseadas na participação, na colaboração e na interação entre todos os agentes. Rompe-se assim com os velhos modelos pedagógicos baseados na comunicação unilateral que privi-legia o professor, desconsiderando as peculiaridades do aluno.
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Jonassen (1996) afirma que as tecnologias interativas têm permitido novos enfoques pedagógicos:
Essas tecnologias têm o potencial de afastar a Educação a Distância dos métodos instrucionais tradicionais, tanto em sala de aula quanto a distância, em direção a uma aproximação da aprendizagem centrada no aluno, que não mais enfatiza o professor como fonte e o árbitro de todo conhecimento. (JONASSEN, 1996, p. 75)
Atualmente a educação, seja presencial ou a distância, não pode mais estar centrada na figura do professor como centro de todo o processo, pre-ocupado apenas em instruir – ou seja, transmitir sequencialmente conteú-dos acabados – e depois em aplicar exercícios e provas para verificar se os conteúdos foram “aprendidos”. Se faz necessária uma mudança significativa na educação, seja em relação à substituição da transmissão unidirecional de informação pela troca interativa entre os agentes da aprendizagem, seja no que se refere à mudança de foco de um ensino conteudista para uma educa-ção baseada na construção do conhecimento.
Partindo do princípio que o conhecimento é construído e não transmitido por um especialista e que a interação social, o trabalho coletivo e as relações do sujeito com o ambiente são fatores essenciais para uma aprendizagem au-têntica, precisamos de propostas pedagógicas que se afastem dos modelos tradicionais de educação bancária e reprodutivista (FREIRE, 2002).
Educadores conscientes de que aprender é mais que memorizar con-teúdos têm focado seus esforços na construção de práticas baseadas na relação dialógica entre os sujeitos, num processo de autoria e coautoria de sentidos. Assim, precisamos escolher metodologias que favoreçam a comu-nicação em múltiplas vias, aberta e participativa. Estes pressupostos suge-rem que a Educação a Distância seja construída e norteada pelos princípios da dialogicidade.
Freire (2002) destaca que a dialogicidade é uma exigência da natureza humana. Ele considera o diálogo como uma relação não verticalizada, mas sim horizontal, de troca com o outro, baseada no amor, na humanidade, na esperança, na fé e na confiança. Relação em que ambos os sujeitos crescem a partir do respeito à diferença.
A dialogicidade é um dos princípios fundamentais de uma prática edu-cativa que não se pretende mais estática e passiva, mas sim, em palavras de Freire (1997, p. 22), “provocadora de experiências que abrem as possibilida-des para a produção/construção dos saberes [...]”.
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A concepção dialógica de Freire (1997) é significativa dentro deste contexto porque parte do princípio da participação/intervenção do aluno, da possibilidade de criação e de coautoria, pautado num outro conceito de comunicação.
Freire (1997) nos lembra ainda que o sujeito aprendiz, educador ou edu-cando, age autenticamente sobre a realidade quando estabelece com ela uma relação dialógica. Nesta relação dinâmica com o outro e com a realidade é que o conhecimento vai sendo apreendido, descoberto.
No entanto, quando falamos em diálogo a primeira ideia que nos vem à mente é a ideia de interação verbal, porém a etimologia do termo revela outros significados importantes para a educação. A produção de ideias novas e de significados compartilhados não precisa necessariamente ocorrer sob forma oral.
De acordo com Mariotti (2009), o termo diálogo resulta da fusão das pa-lavras gregas dia e logos. Dia significa “por meio de”. Logos foi traduzido para o latim ratio (razão), mas têm vários outros significados, como “palavra”, “ex-pressão”, “fala”, “verbo”. Dessa maneira, o diálogo é um meio de gerar e de fazer circular sentidos e significados – e assim pode ocorrer em diversas mídias e canais comunicativos. A experiência dialógica permite a formação de redes de aprendizagem, onde cada pessoa tem a possibilidade de exercitar novos modos de ver e de criar significados.
Um diálogo é direcionado, construtivo e é apreciado pelos participantes. Cada uma das partes presta respeitosa e interessada atenção ao que o outro tem a dizer. Cada uma das partes contribui com algo para seu desenvolvimento e se refere às contribuições do outro partido. Podem ocorrer interações negativas e neutras. O termo diálogo, no entanto, sempre se reporta às interações positivas. (MOORE, 1993, p. 24, apud PETERS, 2001 p. 73)
Na aprendizagem dialógica cada pessoa constrói novas compreensões sobre a vida e o mundo, tanto do ponto de vista individual como coletivo, mas sempre respeitando os diferentes modos de ver, ou seja, conquistando a unidade na diversidade.
Essa é uma contribuição importante que a Didática pode deixar tanto para a educação presencial, quanto para a Educação a Distância. Mas para que os sujeitos do processo de aprendizagem possam estabelecer relações dialógi-cas, não mais como consumidores passivos das produções, mas como au-tores/produtores de conhecimento, são necessárias estratégias pedagógicas inovadoras e diferenciadas.
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A forma de abordagem dos conteúdos, bem como a criação das ativida-des de aprendizagem, pode influenciar decisivamente o processo de apren-dizagem, permitindo e facilitando – ou dificultando e até impedindo – o de-senvolvimento do potencial cognitivo do aluno.
A EAD se apresenta neste contexto como uma modalidade com caracte-rísticas próprias, sugerindo a necessidade de novas aprendizagens, as quais, por sua vez, demandam novas práticas por parte de quem as planeja, media e avalia.
Na Educação a Distância, embora haja uma grande parcela de autonomia por parte do aluno, o processo de aprendizagem necessita muitas vezes de um acompanhamento sistemático, metodológico e didático. Daí a importân-cia da atuação de novos agentes e da renovação da prática de agentes que atuavam apenas esporadicamente no presencial. Neste contexto, a Didática e o design instrucional precisam se esforçar para reduzir a distância transacio-nal entre professores e alunos, independente da tecnologia utilizada.
Ao invés de reproduzir o modelo de ensino tradicional baseado na peda-gogia da transmissão de informações desconexas, a Didática da EAD deve priorizar a formação de sujeitos ativos, envolvidos com a construção de sabe-res, práticas e valores.
Texto complementar
Educação inovadora presencial e a distância(MORAN, 2009)
Precisamos reinventar a forma de ensinar e aprender, presencial e vir-tualmente, diante de tantas mudanças na sociedade e no mundo do tra-balho. Os modelos tradicionais são cada vez mais inadequados. Educar com novas tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado com profundidade. Temos feito apenas adaptações, pequenas mudanças. Agora, na escola e no trabalho, podemos aprender continuamente, de forma flexível, reunidos numa sala ou distantes geograficamente, mas co-nectados através de redes.
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O presencial se virtualiza e a distância se presencializa. Os encontros em um mesmo espaço físico se combinam com os encontros virtuais, a distância, através da internet. E a Educação a Distância cada vez aproxima mais as pessoas, pelas conexões on-line, em tempo real, que permite que professores e alunos falem entre si e possam formar pequenas comuni-dades de aprendizagem.
A educação presencial e a distância começam a ser fortemente modifi-cadas e todos nós, organizações, professores e alunos somos desafiados a encontrar novos modelos para novas situações. Ensinar e aprender, hoje, não se limita ao trabalho dentro da sala de aula. Implica em modificar o que fazemos dentro e fora dela, no presencial e no virtual, organizar ações de pesquisa e de comunicação que possibilitem continuar apren-dendo em ambientes virtuais, acessando páginas na internet, pesquisan-do textos, recebendo e enviando novas mensagens, discutindo questões em fóruns ou em salas de aula virtuais, divulgando pesquisas e projetos.
Quando alunos e professores estão conectados, surgem novas opor-tunidades de interação, antes simplesmente impensáveis. O que vale a pena fazer quando estamos em sala de aula e quando estamos só conec-tados? Como combinar, integrar, gerenciar a interação presencial e a vir-tual? Como “dar aula” quando os alunos estão distantes geograficamente e podem estar conectados virtualmente?
A internet abre um horizonte inimaginável de opções para implemen-tação de cursos a distância e de flexibilização dos presenciais. Pelo de-senvolvimento da rede é possível disponibilizar, pesquisar e organizar em uma página web conteúdos, interligados por palavras-chave, links, sons e imagens e utilizar ferramentas de colaboração como correio eletrônico, fóruns de discussão e outras mídias que favorecem a construção de co-munidades virtuais de aprendizagem.
Temos poucos profissionais capacitados para preparar e gerenciar cursos flexíveis semipresenciais e de Educação a Distância. É uma área de grande futuro, mas ainda estamos aprendendo fazendo, experimentan-do, pesquisando.
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Os modelos de educação tradicional e de EAD não nos servem mais. Por isso é importante experimentar algo novo em cada semestre. Fazer as experiências possíveis nas nossas condições concretas. Perguntar-nos no começo de cada semestre: “O que estou fazendo de diferente neste curso? O que vou propor e avaliar de forma inovadora?” Assim, pouco a pouco iremos avançando e mudando.
Podemos começar pelo mais simples na utilização de novas tecnolo-gias e ir assumindo atividades mais complexas. Começar pelo que conhe-cemos melhor, pelo que nos é familiar e de fácil execução e avançar em propostas mais ousadas, difíceis, não utilizadas antes. Experimentar, ava-liar e experimentar novamente é a chave para a inovação e a mudança desejadas e necessárias.
Vivemos um período de grandes desafios no ensino focado na apren-dizagem. Podemos encontrar novos caminhos de integração do humano e do tecnológico; do racional, sensorial, emocional e do ético; integração do presencial e do virtual; da escola, do trabalho e da vida.
Dicas de estudo
SIMÃO NETO, Antonio. Uma tipologia das formas de educação a dis-tância com base nas mídias utilizadas e no grau de interação entre os agentes. Colabora - Revista Digital da CVA-RICESU, v.1, n. 4, maio de 2002. Disponível em: <www.ricesu.com.br/colabora/n4/artigos/n_4/id06.php>. Acesso em: mar. 2009
Partindo da classificação proposta pelo professor Gilbert Paquette (1998), da Télé-Université canadense, este artigo busca identificar e descrever as formas mais difundidas de Educação a Distância, classificando-as em tipos, formas ou modelos, no intuito de melhor compreender os caminhos e opções tomadas até aqui pelas práticas educacionais na modalidade a distância.
PETERS, Otto. Didática do Ensino a Distância. São Leopoldo: Unisinos, 2001.
Este é um daqueles livros que valem a pena ler pela sua densidade teórica e pela riqueza de exemplos e referências. O autor foi fundador e primeiro
Didática na Educação a Distância: limites e possibilidades
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reitor da Fernuniversität – Universidade a Distância, na Alemanha. O título já é bem instigante: poderíamos falar em uma Didática do ensino a distância?
PETERS, Otto. A Educação a Distância em Transição. São Leopoldo: Unisinos, 2006
Otto Peters examina o impacto revolucionário das tecnologias digitais de informação e comunicação sobre o ensino e a aprendizagem e vê oportuni-dades únicas para a EAD e para o aluno, que no futuro será mais do nunca um estudante autônomo.
Atividades
Observe as informações de uma empresa que vem se especializando 1. no ensino a distância:
A TOP Information é uma empresa fictícia que vem se especiali-zando no ensino a distância. Nossa missão é produzir rapidamen-te conteúdos para cursos nessa modalidade, utilizando diferentes tecnologias, para assim atender qualquer necessidade do cliente.
Com base numa sólida experiência na transposição de conteú-dos já utilizados em cursos presenciais para a modalidade a dis-tância, e contando ainda com uma equipe de conteudistas em várias áreas do saber, nossa empresa assegura um alto grau de eficácia em relação à consistência das informações transmitidas. Ao final do curso, a absorção das informações transmitidas poderá ser verificada objetivamente por meio de um conjunto de testes automatizados, possibilitando a construção do conhecimento.
A partir dos conceitos destacados nessa apresentação, faça uma crítica tendo como base os temas discutidos neste capítulo.
Ensino a distância;
Produção de conteúdos/ equipe de conteudistas;
Transposição de conteúdos já utilizados em cursos presenciais para a modalidade a distância;
Didática e Design Instrucional
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Absorção das informações transmitidas poderá ser verificada objetiva-mente;
Construção do conhecimento.
Didática na Educação a Distância: limites e possibilidades
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Complete o próximo quadro com as características distintivas da EAD 2. com relação à educação presencial:
NA EDUCAÇÃO PRESENCIAL NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
O espaço físico e geográfico de ensino é a sala de aula.
As aulas presenciais acontecem num tempo determinado.
Relação ensino-aprendizagem ocorre presencialmente entre professor e aluno.
Situação de ensino-aprendizagem é controlada pelo professor, havendo um maior risco do aluno ficar passivo.
As estratégias didáticas utilizadas pelo professor podem explorar a interação, o contato físico, a voz, o olhar, entre outras.
O livro didático tem sido usado como ma-terial complementar às informações trans-mitidas presencialmente pelo professor.
Utilização dos recursos didáticos usuais, já bastante abordados pelos “Manuais de Didática”: (quadro de giz, cartazes, transparências, álbum seriado, fichas, estudo dirigido, mural, entre outros).
Com base nos possíveis caminhos indicados para a Didática na EAD, 3. aponte alguns dos novos rumos abertos para essa modalidade pelas tecnologias digitais interativas.