diÁlogos sobre leitura e deficiÊncia intelectual ... sobre leitura e deficiencia...
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DIÁLOGOS SOBRE LEITURA E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL:
CONTRIBUIÇÕES DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
Judivan Oliveira Santana1
Marcia Torres Neri Soares2
Eixo Temático: Pesquisas e práticas em Educação Especial/Inclusiva
Resumo: A pesquisa base para a construção deste trabalho consistiu em investigar estratégias de
leitura para estudantes com Deficiência Intelectual (DI) e as contribuições do Atendimento
Educacional Especializado (AEE) ao professor de Língua Portuguesa.Nossa discussão perpassa
pelas políticas de formação docente brasileiras e suas relações com a formação do professor de
Língua Portuguesa. O campo de pesquisa foi o Centro de Apoio Pedagógico de Ipiaú - BA
(CAPI), mais especificamente o AEE ofertado aos estudantes com DI desta Instituição.
Subsidiaram a investigação, bases teóricas como Isabel Solé eAngelaKleiman. Foram feitas
reflexões a respeito do ensino aprendizagem de estudantes com DI no tocante a leitura, tendo
sido apresentada uma concepção para além da decodificação. As falas dos sujeitos da pesquisa,
bem como os registros de nosso Diário de Observação, contribuem para a identificação do AEE
como alternativa no trabalho colaborativo com a escola regular para/no desenvolvimento de
estratégias de leitura e, possivelmente,contribuições ao professor de Língua Portuguesa em sua
função na sala de aula.
Palavras-chave: Leitura. Deficiência Intelectual. Atendimento Educacional Especializado.
1Graduado em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia, Uneb, Campus XXI, Ipiaú. E-
mail: [email protected]. 2 Orientadora. Dra. em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), professora
assistente do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) – Campus XXI/Ipiaú. E-mail:
2
Notas Introdutórias: um convite ao diálogo sobre a inclusão do estudante com
Deficiência Intelectual
O respeito às diferenças permanece como pauta permanente na agenda dos
comprometidos com o ideal de educação capaz de contemplar as necessidades de grupos
em situação de vulnerabilidade escolar, dentre os quais, os estudantes com deficiência,
Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação
(BRASIL, 2008), e sua decorrente inclusão nas classes comuns de ensino.
Neste universo, a Deficiência Intelectual (DI) instiga-nos a adentrar no contexto
educacional para identificar formas de como se organizam as práticas pedagógicas em
atendimento às necessidades dos estudantes com esta especificidade, especialmente nas
práticas desenvolvidas pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE) e seus
rebatimentos na formação de professores de Língua Portuguesa (LP).
O interesse pelo tema e a realização da investigação, aqui compartilhada,
decorrem de nossa própria experiência como professor de uma turma de quinto anodo
Ensino Fundamental e o contato com um estudante com DI. Conquanto, não foi
necessariamente o contato com o discente, o motivo principalpara a realização do
estudo base na construção do presente texto, antes, foram as primeiras orientações
pedagógicas da instituição escolar a qual pertencíamos. Chamou-nos a atenção a
maneira como fomos orientados a (não!) trabalhar as estratégias de leitura com o
estudante com DI. A primeira sensação foi a de ser induzido a segregar o discente,
impondo-lhe limitações.
O conhecimento recebido no decorrer de nossa formação docente inicial e
continuada na área de Educação Especial3, entretanto,favoreceu ao entendimento sobre
as capacidades destes estudantes e a superação das orientações advindas da escola. Com
efeito, embora tenhamos avançado nas discussões relativas à importância de trabalhos
colaborativos no contexto da Educação Básica (DAMIANI; PORTO; SCHLEMMER,
2009), um cenário de lutas para garantia desta premissa ainda se faz importante, haja
vista a prática de ações isoladas e o recebimento de orientações mais pautadas no senso
comum nos distanciarem da decantada reflexão sobre a prática (PIMENTA, 2008).
No caso mais específico do ensino da Língua Portuguesa, é indispensável a
reflexão sobre o que é a língua, para que a ensinamos, e seus resultados. É preciso
3Como discente do Curso de Letras da UnebCampus XXI-Ipiaú nos Componentes Curriculares Aspectos
Sócio Psicológicos da Educação Especial e Língua Brasileira de Sinais (Libras) e do Curso de
Estratégias de Aprendizagem para Estudantes com Deficiência Intelectual oferecido pelo Centro de
Apoio Pedagógico de Ipiaú (CAPI), respectivamente.
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pensar na ampliação da competência comunicativa dos estudantes, identificar suas
necessidades e trabalhar o uso significativo da língua. Concorre para a eficácia destes
intentos, a base legal brasileira no âmbito da formação inicial e continuada (BRASIL,
2015).
Inadvertidamente, o debate sobre a ressignificação das aulas de quaisquer
componentes curricularespaira sobre a premência em alterar a prática pedagógica de
modo a contemplar as necessidades de estudantes com deficiência, contudo, também
para os demais estudantes, estas práticas necessitam de revisão. Assim, no caso da LP e
de outros campos do conhecimento, muitas vezes a aula tornou-se um emaranhado de
informações desconexas, pouco ou nada atrativas para os estudantes, tenham ou não
uma deficiência, impondo-se então, a imprescindibilidadeda revisão.
Ao reconhecer a importância do tema apresentado, o presente trabalho objetiva
compartilhar resultados de uma pesquisa realizada no corrente ano, no Curso de Letras
da UnebCampus XXI/Ipiaú. Tal pesquisa teve como objeto de estudo as estratégias de
leitura para estudantes com DI e as contribuições pedagógicas do atendimento
educacional especializado ao professor da área de Língua Portuguesa. Com abordagem
metodológica baseada em uma inspiração etnográfica (GIL, 2010) seulócus de
investigação constituiu-se por um grupo de estudantes com DI acompanhados pelo
Centro de Apoio Pedagógico de Ipiaú (CAPI) e as intervenções realizadas no AEE.
Conforme acreditamos, este estudo é relevante, pois o trabalho com a leitura é
desafiador e favorecedor de inúmeras possibilidades na promoção e participação de
estudantes com deficiência intelectual. A língua portuguesa em sua polissemiaé prenhe
de diferentes significados, aspecto a enriquecer a prática pedagógica. Ademais, pode se
constituir uma rica oportunidade em entrelaçar campos de conhecimento diferentes e
assim promover o merecido destaque a inclusão de estudantes com deficiência, TGD e
altas habilidades/superdotaçãonas classes comuns de ensino.
Para efeito de organização deste texto, além desta seção introdutória propomos a
realização de diálogos a respeito do tema. Inicialmente consideramos a importância em
demarcar sua relevância no cerne das políticas de formação docente brasileiras como
procedemos na seção A formação do professor de Língua Portuguesa e suas
articulações com a inclusão escolar. No seguimento, em Deficiência intelectual:
contribuições do atendimento educacional especializadoprocedemos uma breve
discussão sobre particularidades da DI e a relevância do AEE para a organização
didática das aulas de LP e assim chegamos as nossas Considerações Finais.
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A formação do professor de Língua Portuguesa e suas articulações com a inclusão
escolar
A formação docente é tema a ser enfrentado no campo das políticas públicas
brasileiras, pois não há como o desvencilhar dos aspectos macro da criação,
implementação e acompanhamento de suas propostas, bem como das condições de
trabalho de seus principais sujeitos, os professores. As conhecidas dificuldades advindas
da natureza do trabalho docente, a exemplo das longas jornadas de trabalho, turmas
numerosas, problemas com indisciplina, remuneração aquém de sua atuação, dentre
outros aspectos, anunciam a necessidade de uma política global de enfrentamento as
suas necessidades concretas (FREITAS, 2007).
Tratando-se especificamente da formação do professor de Língua Portuguesa,
com base em Antunes (2003), é possível constatar a presença deestudantes frustrados
com as aulas de português, por conta das dificuldades impostas no aprendizado da
língua. Segundo o autor, inúmeros fatores causam aversão nos estudantes, como a
repetência, a dificuldade na leitura e interpretação, entre outros. Dessa forma, os
estudantes sentem-se impossibilitados de atuar com criticidade na escola e até mesmo
na sociedade de modo geral, por se considerarem inaptos para o português, tendo em
vista não dominarem sistematicamente os conteúdos programáticos de Língua
Portuguesa.
Quando mencionamos a Língua Portuguesa nos remetemos aos prescritos
normativos, a própria história da sociedade brasileira e a língua como seu sistema
majoritário. Desse modo, a língua é mais conhecida por meio do texto escrito, isso
também em decorrência dos padrões gramaticais. Na apropriação de tantas regras, nós
(falantes, leitores e escritores) somos mais práticos no sentido de desvelar em nossos
textos, reflexos de experiências culturais e sociais, ainda que involuntariamente.
Nossa língua é condicionada por fatores históricos e estes contribuem para sua
sistematização direcionada para uma norma culta. Mas o certo ou errado na Língua
Portuguesa depende da experiência cultural dos falantes. Quanto ao texto, é preciso
analisar cuidadosamente tanto o enunciado, quanto quem o recepciona. Para os
professores de Língua Portuguesa é necessárioo conhecimento de seus estudantes e suas
bagagens socioculturais, para a organização de seu trabalho em sala de aula.
Recursos como textos, relatos e discussões são importantes, mas a obtenção de
seus principais objetivos no bojo de suas organizações didáticas, depende do
5
conhecimento dos estudantes e reconhecimento da experiência como particular para
cada sujeito, afinal a sala de aula, assim como qualquer espaço social, é marcada pelas
diferenças. Cada estudante trará consigo uma bagagem cultural a se desenvolver de
acordo as suas especificidades.
O espaço para a discussão de um conceito de leitura além do texto escrito só foi
ampliado após o avanço da sociolinguística e dos manifestos por inclusão social. Com
relação a Língua Portuguesa, o modelo português de Portugal predominava no cenário
brasileiro, devido a um caráter profundamente elitista, contudo, o paradigma foi
fragilizado quando a sociolinguística trouxe contribuições para o estudo da língua,
dando uma nova roupagem (AZEREDO, 2007).
Se refletirmos sobre a concepção de leitura, certamente não descartaremos a
relação com a interpretação e os conhecimentos prévios de um determinado leitor, uma
expectativa, necessidade, enfim, um objetivo. O professor de Língua Portuguesa pode e
deve buscar como trabalhar tais elementos em estudantes com deficiência intelectual.
Conforme compreendemos, a decodificação das letras não é a finalidade do ensino de
leitura, pois identificar somente as letras, vocábulos e palavras não define um leitor, mas
a leitura de tudo ao seu redor, e os sentidos atribuídos por cada sujeito tomando por base
suas próprias experiências culturais.
Em outras palavras, o estudante deve ser ensinado para além dos conteúdos
programáticos e o professor precisa trabalhar constantemente a relação do estudante
com a sociedade, contribuindo com a formação de um cidadão crítico e autêntico
(SOLÉ, 2009). Vale salientar a relevância de uma prática orientada para a criticidade,
tendo por objetivo a construção da cidadania, e, por conseguinte, da escola não como
uma fábrica de fantoches sociais, mas incentivadora de construtores de conhecimento.
AngelaKleiman (2010) alerta para o fato de muitos professores trabalharem a
leitura de maneira estática, com discussões determinadas e conceitos pré-estabelecidos,
limitando e impedindo a compreensão do texto lido silenciosamente pela turma.
Segundo a autora, a leitura deve favorecer a pronúncia das palavras, entonação e
sobretudo, possa desenvolver a criticidade.
Comumente o ensino de leitura fundamentado numa educação empírica e
tecnicista parece ainda ter ênfase na sala de aula. Porém, o ensino de leitura vai além do
texto pelo texto, do texto em sala de aula, as estratégias por parte do professor devem
ser instigantes à produção de saberes e conhecimentos do cidadão, afinal a escola pode
favorecer ao (re)criar, (re)conduzir, (re)construirda sociedade.
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No tocante a inclusão escolar de estudantes com deficiência, o professor de LP
deve buscar o entrecruzamento, dentre outros aspectos, do ensino de leitura e da
abertura aos conhecimentos pedagógicos da educação inclusiva, favorecendo, desse
modo, a revisitação de suas práticas para todos os estudantes.
Esta revisitação pressupõe um entendimento sobre as concepções norteadoras da
formação docente brasileiras. Segundo Pereira (2000), a formação de professores
possuía um viés tecnicista, porém com o avanço dos debates e lutas para a
profissionalização do magistério e outras prerrogativas, a perspectiva passou a ser a do
professor como sujeito pesquisador de sua própria prática, apresentando novas
exigências, tais como, promover as condições de aprendizagem e participação de todos
os estudantes no contexto escolar.
Atentar-se para as especificidades de todos os estudantes e trabalhar na
promoção de estratégias didáticas para seu desenvolvimento, sugere a constante
reflexão sobre a prática e o rompimento com a mecanização do ensino e o isolamento
das práticas pedagógicas. Nesse sentido, a articulação entre o trabalho desenvolvido nos
centros especializados e as escolas regulares pode favorecer ao enriquecimento da
prática pedagógica de professores quando em contato com estudantes com deficiência.
As bases teóricas sobre a formação docente do professor de LP apresentadas
nesta seção anunciam nosso entendimento sobre a riqueza do trabalho a ser realizado
com o estudante com deficiência intelectual. Desse modo, a seguir apresentamos nossas
considerações sobre a DI sob a ótica das contribuições do AEE.
Deficiência intelectual: contribuições do atendimento educacional especializado
Do ponto de vista médico, a antiga Associação Americana do Retardo Mental
(2002) afirma a deficiência como uma limitação no que diz respeito a adequação da
pessoa nos ambientes sociais e culturais. Vale ressaltar a substituição do termo
“deficiência mental” por deficiência intelectual desde 2004, quando da aprovação do
documento Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, em um evento
realizado pela Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da
Saúde em Montreal, Canadá (CARNEIRO, 2015). Todavia, nossa concepção converge
para o entendimento do modelo social da deficiência (DINIZ; BARBOSA; SANTOS,
2009) e não mais para o cunho patológico tão disseminado no contexto sócio-
educacional desde a gênese da Educação Especial.
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Para além da patologia ou de seus considerados déficits, a pessoa com
deficiência intelectual enfrenta situações cotidianas que podem agravar sua condição ou
permitir sua participação em diferentes contextos. Desse modo, o estudante com DI
apresenta dificuldades que podem ser superadas por meio da adequaçãoe/ou do
atendimento às suas necessidades.
Com relação a leitura, para melhor compreensão das especificidades do
estudante com DI, o professor de Língua Portuguesa deve atentar-se aos tipos de leitura
propostos, pois uma sala de aula é composta por diversas características sociais e
culturais, e, evidentemente,ocasiona formas de leitura variadas. Isso não é diferente com
o estudante com DI, ele carregará consigo suas particularidades, seu tempo de leitura
individual, o desenvolvimento cognitivo gradativo, mas nunca será incapaz de aprender.
Podemos destacar as atividades lúdicas no trabalho de estudantes com DI,
incentivando-os a criar e instigando-os a conhecer, para isso é preciso unir o
conteúdo/tema trabalhado com jogos, dinâmicas ou outros materiais para o
desenvolvimento dosestudantes. Montessori (2006) propôs a aula com objetos
concretos, palpáveis, como um dos métodos contribuintes para o desenvolvimento de
potencialidades dos estudantes com DI ou não. Já Padilha (2000),lembra-nos sobre a
constituição da subjetividade da pessoa com DI e suas capacidades de abstração,
pensamento e linguagem, fazendo-nos crer na importância em trabalharmos as
potencialidades infinitas do ser.
Uma forma de contribuir para o desenvolvimento dos estudantes, é a utilização
de exemplos práticos e cotidianos. A exploração da criatividade e de atividades
lúdicastambém oferecem muitas possibilidades. No tocante ao ensino de leitura para
estudantes com DI, as estratégias não são distintas das utilizadas com os demais
estudantes.
Sírio Possenti (1996, p.48), afirma: “ O modo de conseguir na escola a eficácia
obtida nas casas e nas ruas é “imitar” da forma mais próxima possível as atividades da
vida. Na vida, na rua, nas casas, o que se faz é falar e ouvir. Na escola, as práticas mais
relevantes, portanto, escrever e ler”. Oportunizar a um estudante a reflexão sobre o
conteúdo apresentado pela escola e estabelecer uma rica relação com seu cotidiano,
proporciona o enriquecimento curricular de sua vida escolar. O estudante com DI não
vive em um mundo distante dos outros estudantes, por isso, as concepções norteadoras
do trabalho desenvolvido pelos professores de Língua Portuguesa deverão ser as
mesmas.
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As atividades de leitura do Centro de Apoio Pedagógico de Ipiaú (CAPI), na
área de Deficiência Intelectual são realizadas pelas professoras com a utilização de
estratégias para despertar nos estudantes a criatividade e os conduzir para uma leitura
além da decodificação. É, portanto, apreciável nas atividades o direcionamento de uma
percepção não restrita ao conteúdo programático da sala de aula, tal como estabelece a
legislação em vigor (BRASIL, 2009).
Nesses termos, a função do AEE não é contrariar ou desafiar a escolar regular,
pelo contrário dar-lhe apoio, pois os professores de ambas instituições precisam
encontrar meios para conduzir os estudantes ao conhecimento e apresentá-los
possibilidades, ajudando-os, intervindo em suas dificuldades.
No levantamento de dados de nossa pesquisa, identificamos atividades
registradas em nosso Diário de Observação, desenvolvidas pelas professoras Magda e
Arlene4. A primeira atividade acompanhada no período de observação foi uma carta
enigmática para incentivar os estudantes ao uso da criatividade. A utilização de palavras
unidas às imagens concretiza o afirmado por Isabel Solé (2007) a respeito das
estratégias de leitura sobre o “ler, compreender e aprender”, haja vista a aluna Sophia5
ter relacionado o cotidiano com a atividade proposta. Em relação a utilização de
imagens,Dondis (2015, p. 08) afirma:
Visualizar é ser capaz de formar imagens mentais. Lembramo-nos de um
caminho que, nas ruas de uma cidade, nos leva a um determinado destino, e
seguimos mentalmente uma rota que vai de um lugar a outro, verificando as
pistas visuais, recusando o que não nos parece certo, voltando atrás, e
fazemos tudo isso antes mesmo de iniciar o caminho.
A leitura possibilita ao indivíduo novos olhares, bem como o desenvolvimento
da criticidade, Dondis (2015) apresenta a imagem como antecipação de um caminho a
ser percorrido, assim podemos perceber a imagem/representação acompanhada de um
texto como forma de alongar os caminhos do estudante, de proporcionar escolher
democraticamente por qual direção deseja trilhar, interpretar e fazer inferências.
Intervenções com pintura, colagem, diferentes textos, jogos, interpretação de
imagens, bem como muitas outras, foram registradas em nosso Diário de Observação e
podem ser exploradas pelos professores das classes comuns de ensino na promoção da
participação dos estudantes com deficiência intelectual. Embora a natureza do trabalho
4 Nomes fictícios em respeito ao anonimato garantido na pesquisa por meio do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. 5 Aqui também se respeitou o anonimato.
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(do AEE e da sala comum) seja diferente, é possível resgatar o princípio de que todos
são passíveis de aprendizagem e podem ser estimulados à leitura.
No ensino de leitura precisamos compreender, como já dissemos, que esta não
deve ser confundida com decodificação, ou seja, reconhecimento de letras para se
formar frases e posteriormente textos, mesmo porque há textos sem letras, como as
imagens, os sinais de trânsito, histórias somente com ilustrações e diversos outros sinais
lidos constantemente. A compreensão está além da identificação da mensagem, varia
conforme a bagagem perceptiva de quem lê, por exemplo, e da forma como
interpretamos incessantemente os estímulos do ambiente.
Os estudantes com DI são capazes de ler o mundo e interpretá-lo, haja vista a
deficiência não anular nesses estudantes suas capacidades de ver o mundo. O fato dos
estudantes com DI lerem ou não, depende também da atenção de quem os acompanha e
a concepção de leitura adotada. Se não atentarmos para isso, seremos uma falácia
pedagógica, ou seja, os discursos de inclusão e possibilidades vão circular, mas
dificilmente serão concretizados.
As falas dos próprios estudantes com deficiência intelectual ilustram a
importância das atividades desenvolvidas no AEE.
Por que foi aqui com elas que foi mim (sic) desenvolvendo
longo do tempo. (Entrevista estudante com DI-
07/06/2017)
Leitoras, trabalhamos as escrita (sic), também
pratecamosalgos (sic) jogos para a memória e atividades
de artes e a diseplina (sic) de matemática.(Entrevista
estudante com DI - 07/06/2017)
Apredo (sic) muitas coisas, coisas como aprender a
sencontra (sic), como armar comtas (sic), como fazer uma
ótima leitora (sic) eu atér (sic) aprende (sic) coisas, coisas
que na epocar (sic)que eu não fazia o a companhamento
(sic) aqui com elas eu apendo cada dia coisas novas e foi
com elas que eu aprende (sic) que nossa vida não tem
barreiras e que tudo tem solução.(Entrevista estudante com
DI - 07/06/2017)
Os estudantes externam a eficácia do AEE para suas aprendizagens e nós, na
condição de estudantes do Curso de Letras, identificamos a ênfase as atividades de
leitura como possibilidades para o trabalho de professores de Língua
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Portuguesa.Conquanto, o AEE não é uma proposta salvacionista, tampouco solucionará
definitivamente os problemas educacionais. Faz-se importante um trabalho colaborativo
com o professor da escola regular, afinal não há manual de instrução para as
dificuldades encontradas para sujeitos únicos, ímpares, do mesmo modo não há
atividade específica para sanar os desafios encontrados na/para aprendizagem de
estudantes com DI. Como vimos na seção anterior é essencial o investimento na
formação continuada no desenvolvimento de ações colaborativas no contexto escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao reconhecer a importância do AEE para o desenvolvimento de estudantes com
DI, consideramos a possibilidade do professor de Língua Portuguesa flexibilizar sua
abordagem curricular aos estudantes com DI, não de maneira separada, porém de forma
coletiva, envolvendo toda a turma.
Como vimos, um ponto importante é a formação do professor, tanto para AEE,
quanto para a escola regular, ambos podem e devem compartilhar experiências e
expandir os instrumentos utilizados em sala de aula em favor da ampliação das
possibilidades oferecidas aos estudantes.
O professor do ensino regular recebe um número significativo de estudantes, por
vezes, até excessivo. Esta é uma das dificuldades do professor para o exercício de sua
função, devido a esse e outros fatores, as vezes torna-se desafiador identificar as
necessidades dos estudantes, e até mesmo trabalhar sob os princípios da educação
inclusiva em suas turmas. Em alguns casos, os professores de fato não sabem como
proceder diante da situação das especificidades de um estudante com uma deficiência,
desse modo, o AEE pode contribuir com o trabalho desses professores.
O oferecimento de possibilidades gera a promoção de criticidade para o
estudante, propiciando uma leitura avançada, ultrapassando o antigo conceito de leitura
somente com as letras. Tais atividades são possíveis de realização e/ou ressignificação
por parte do professor de Língua Portuguesa na escola regular.
O professor tem acesso a inúmeras informações para o enriquecimento das
práticas curriculares. A busca por metodologias no exercício de sua função deve ser
uma característica constante de sua prática. Os estudantes com DI só serão incluídos nas
atividades de leitura quando os professores conhecerem e criarem formas de ensino
favoráveis à sua aprendizagem. O AEE se constitui uma alternativano trabalho conjunto
11
coma escola para bem desenvolver as estratégias e contribuir com o professor de Língua
Portuguesa em sua função na sala de aula.
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