design e arte - ampliando suas fontes de inspiração
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Entrevista de Ronaldo Gazel (por Luis Rocha) para a Revista Webdesign número 34TRANSCRIPT
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outubro 2006 :: ano 3 :: nº 34 :: www.revistawebdesign.com.br
Reportagem: Conheça as transformações ocorridas no design para webEstudo de caso: A era dos sites como estratégia de brandingEspecial: Cobertura do Fórum Internacional de Design e Tecnologia Digital
R$ 8,90
9 7 7 1 8 0 6 0 0 9 0 0 9 43000
I SSN 1806 - 0099
E D I T O R A
DESIGNARTEAmpliando suas fontes de inspiração
“Vamos lá, Picasso, essa tela é pra ontem!!!”
Nossa última reunião de pauta aqui na Arteccom foi bastante
rica e estimulante: falaríamos sobre arte nesta edição! É um assunto
interessante e essencial.
Como Carol ina Lesl ie, da AgênciaCl ick (página 39) , expl ica
bem que a arte não tem que agradar nenhum públ ico e a função
do designer é justamente encontrar soluções ou, s implesmente,
“agradar” este mesmo públ ico, por que design e arte estão tão
próximos, andam tão juntos? A ponto do designer, numa agência de
publicidade, ser chamado de “diretor de arte”? Na minha cabeça,
fico imaginando um diretor de arte mais ou menos assim:
- “Vamos lá, Picasso, essa tela é pra ontem, viu?”
Brincadeiras à parte, acho que um designer deve, ao invés de
se sentir um artista, conhecer muito de arte e interpretá-la como
formas de expressão. Um art i s ta , no seu momento de cr iação,
chora, ri, sofre, sente angústia e, finalmente, encontra uma maneira
de extravasar seus sentimentos, através de formas, cores, sons,
ocupação do espaço...
Um designer também pode chorar, sorrir, sofrer, se o objetivo
for encontrar soluções inovadoras para seus cl ientes. Ou seja, a
arte deve servir apenas como uma grande fonte de inspiração. E,
com esse objetivo, preparamos várias páginas para a sua imersão
no mundo da arte.
Boa leitura.
Editorial Equipe
Criação e edição
Produção gráfica
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A Arteccom é uma empresa de design, especializada na criação de sites e responsável pelos seguintes projetos:Revista Webdesign :: www.arteccom.com.br/webdesignCurso Web para Designers :: www.arteccom.com.br/cursoEncontro de Web Design :: www.arteccom.com.br/encontroPortal Banana Design :: www.bananadesign.com.brProjeto Social Magê-Malien :: www.arteccom.com.br/ong
Adriana Melo
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pág. 44 e-mais: Virais na web
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pág. 54 tecnologia na web: CSS Hacks
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pág. 58 mercado de trabalho: Cesar Paz
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pág. 62 bula da Catunda: Marcela Catunda
pág. 64 webdesign: Luli Radfahrer
portfólio
pág. 12 agência: Cappuccino/HZTA
pág. 18 freelancer: Renato Loose
matéria de capa
pág. 20 entrevista: Design e arte
pág. 28 reportagem: Design na web
vai usar. E é aí que nos encaixamos na história, e passamos
a fazer parte dela.
Por outro lado, no que se entende por design hoje,
dentro de uma ótica artística, é plenamente possível
desenvolver projetos de utilização alternativa, que podem
ser altamente subjetivos e próximos até do antiuso. Nesse
cenário se enquadram os experimentalistas, que buscam
um tipo de reação mais sensorial, de semânticas totalmente
específicas, heterogêneas, dentro de universos distintos,
sejam eles culturais, comerciais, didáticos, humanistas,
matemáticos, psicológicos, estéticos.
O designer que pára de olhar o mundo com o olhar difuso,
amplo, capaz de compreender várias realidades, corre o risco
de virar uma engrenagem na linha de produção de sites, no
melhor estilo “corte e costura” de HTML. Vai passar a apertar
um parafuso, ao invés de compreender toda a engrenagem.
E é por isso que devemos, além de estudar a história da arte,
fi rmar nossa posição como artistas designers - mentes capazes
de compreender as expressões artísticas não apenas como
uma superfi cialidade decorativa ou bela, e sim, uma interface
capaz de comunicar utilizando modelos não-usuais, linguagens
não-verbais, fora do “logos”, da razão cotidiana; capazes de
questionar o que não se quer questionado; de propor o que
não se quer proposto; de causar o estranhamento, dando lugar
ao controverso. Enfi m, capazes de compreender o mundo
pictórico muito além da forma.
Wd :: Ao longo do tempo, os movimentos artísticos
vêm exercendo uma grande influência na produção do
design. Em termos de internet, talvez um dos melhores
Nesta entrevista, Ronaldo Gazel, artista plástico,
designer e diretor de arte na BHTEC e:house (www.bhtec.
com.br), fala como as referências fora do mundo tecnológico
podem contribuir na construção de ambientes digitais mais
criativos e funcionais, além de ressaltar a importância da
história da arte como base para o trabalho do designer.
Wd :: Por que e como o conhecimento da história
da arte serve como base para trabalho de um designer
na internet?
Gazel :: A arte reflete o tempo em que é produzida.
Conhecer a história da arte, ainda que apenas alguns pontos
dela, é fundamental para entendermos os questionamentos
e paradigmas que permearam as épocas e as respostas
que o homem/artista deu (e ainda dá) a elas. Na verdade,
a história da arte, estando intimamente ligada à literatura,
à filosofia, à antropologia, à história, à religião, enfim, a
um sem-número de expressões humanas, acaba tendo
uma importância fundamental na vida de todas as pessoas.
Quanto mais longe da arte, mais perto do controle, do
sistema, do pensar “massificado”, pasteurizado.
É preciso entender a história do design, para ser um
designer mais completo, mais consciente, mais coerente. É
preciso saber como surgiu o movimento do design; saber
como o relacionamento dos objetos e do ser humano foi se
sofisticando com o passar do tempo. É importante porque
uma interface é uma superfície de trabalho, de uso. E é
por isso que somos designers da web, projetamos, como
um designer projeta um espremedor de suco, ou uma
cadeira, interfaces que um grupo de pessoas certamente
Design e arte são campos distintos do conhecimento humano. Porém, nada impede que
ambos sejam utilizados em harmonia para a construção de representações que ajudem a tornar
mais compreensíveis e sofisticados os objetos e a maneira na qual vivemos em sociedade.
20 :: entrevista - design e arte
entrevista- design e arte :: 21
exemplos esteja no site das Havaianas (www.havaianas.
com.br) e algumas campanhas on-line da Coca-Cola na
França (www.coca-colablak.fr e http://secure.coca-cola.
fr). Quando a arte deve ser aplicada em benefício do
design na web?
Gazel :: A arte pode trazer enormes benefícios para o
design na web, sendo uma linguagem não-verbal, capaz de
despertar naquele que tem contato com ela, percepções e
diálogos muito mais sofisticados (ou simples, diretos!) do
que as narrativas e approachings das interfaces focadas em
percepções utilitárias puras. E o maior desses benefícios
se chama coerência estética. Essa coerência pode ser
percebida no excelente site das Havaianas, evidenciando o
fato de que a ousadia em termos de linguagem, da difusão
de valores semióticos sutis, fora do padrão midiático
tradicional de informação, dispostos juntos a uma feliz
combinação de fatores estéticos e expectativas sensoriais
(revertidas de alguma forma em resultados positivos),
transforma o lugar-comum dos pressupostos, das “doxas”
pictóricas, dos pré-conceitos estabelecidos todos os dias.
Por isso mesmo, sites como esse, que felizmente têm
surgido em número cada vez maior, fazem tanto sucesso:
eles mostram que o caminho da arte no design na web é
muito promissor, e dá resultados.
Wd :: Sobre a interação entre design e arte, podemos
afirmar que a principal diferença entre estes dois campos
do conhecimento seja o compromisso com o público, ou
seja, o designer tem compromisso com o público e o artista
vive sem a necessidade e a pressão de fazer concessões?
Gazel :: O perfil do artista hoje não pode ser traçado
de modo simples, porque na pós-modernidade - período
no qual vivemos, e que resgata todas as motivações e
contradições do passado recente (movimentos modernos)
em um timing assombrosamente rápido - há uma tal
especificidade de propostas, conceitos e estéticas que
permite ao artista, virtualmente, qualquer tipo de relação
com o público, inclusive compromisso e descompromisso.
Mesmo que uma proposta, em princípio, nos conduza
a uma percepção romantizada do artista, como se ele
não estivesse se importando para o público, não sofresse
qualquer tipo de pressão, isso na verdade pode mostrar
o contrário: a adequação do artista a nichos de mercado
preparados para receber/consumir as suas características
sui-generis, ou seja: para o artista, há um mercado em
qualquer situação. Veja que paradoxo, digamos quase
zen-budista: o artista busca gerar um reflexo altamente
pessoal; uma linguagem, uma “poiesis” própria, buscando
o coeficiente de “arte” em um trabalho artístico, seja ela
um vídeo, uma pintura, uma performance, um website
- linguagem essa que, apesar de desuniversalizada na
origem, tende a se comunicar com o senso-comum, tanto
na aceitação, quanto no estranhamento.
Já o designer normalmente trabalha com fins
utilitários extremamente bem definidos, e por isso a
pressão por coerência artística passa a ser mínima, em
favor de uma adequação máxima aos padrões estéticos
aceitos por um grupo majoritário - ou pseudomajoritário;
padrões estéticos que são verdadeiros “lugares comuns”.
Então, voltamos à história da “doxa”, do “ouvi dizer”, da
informação não-questionada e não-questionável. Quanto
menos vontade de reavaliar os valores e conceitos tidos
como inexoráveis, mais subvalorizada será a profissão de
design, pois a pressão que passa a se exercer sobre nós,
designers, acaba sendo a mesma que um carregador de
caixas: produção braçal, e não mental.
Wd :: A interação homem-computador é considerada
por especialistas mais fria e distante, além de criar um
sentimento individualista entre as pessoas. Buscar
referências nos movimentos artísticos pode ser um
caminho para proporcionar emoção e afinidade dentro
de um projeto digital?
22 :: entrevista - design e arte
Gazel :: O cubismo representa o atonal, um universo
no qual o simbolismo é completamente descartado,
cujas formas não remetem ao mundo e a seus símbolos,
mas sim à personalidade pura do geométrico. Alexander
Calder (http://tinyurl.com/fbqu9), com seus mobiles, foi
o artista que mais conseguiu se aproximar desse ideal
cubista, na minha opinião: suas esculturas remetem a um
mundo absolutamente próprio, que não dá margens a
interpretações baseadas nas questões do cotidiano.
O site internacional da Leo Burnett, apesar de gerar
uma ótima sensação de profundidade, não tem uma
influência cubista acentuada, já que, cognitivamente, ele
é permeado por símbolos e letras, para a compreensão do
conteúdo. Um site genuinamente cubista haveria de ser
muito abstrato, com o mínimo de textos e imagens reais.
Ainda que fosse em uma camada específica da interface,
separando a arte cubista do conteúdo publicitário.
Wd :: Considerando o contexto político-econômico
atual, permeado por guerras, intolerância religiosa
e injustiças sociais, é possível imaginar um resgate de
conceitos aplicados pelo movimento Dadaísta como
referência para projetos interativos?
Gazel :: Se analisarmos bem, todos os períodos da
história foram permeados por esse tipo de acontecimento.
Sempre houve muitas guerras, muita intolerância - e
para cada época, uma contestação própria. Os artistas
modernistas eram naturalmente “engajados”.
Mas, nos dias de hoje, na dita pós-modernidade, tudo
é fragmentado - inclusive a crítica social. Encontram-se
vários exemplos de movimentos de caráter contestador
intrínseco, que fazem a crítica dentro de cenários
específicos, quase nunca universais. O artista pode não
falar da guerra como fez Picasso ao pintar “Guernica” -
até porque o impacto de uma pintura como guernica, nos
dias de hoje, seria outro (afinal, muita água passou desde
então) - mas ele critica a seu modo, uma crítica que se
desuniversalizou desde a pop art, mas que se mantém viva
em movimentos como o “sticker art” ou o “street bombing”
- a arte urbana que envolve tantos artistas de diferentes
áreas, que pintam, grafitam pela cidade, em superfícies
autorizadas (ou não!), levantando questões urbanas ou
simplesmente rasgando o cinza das ruas com cores vivas,
intensas, volumes e tipografias sui-generis.
Na internet, se houvesse um “street bombing”, seria
Gazel :: Um cão, um cavalo, um boi são incapazes de
realizar gestos e ações que não sejam voltadas para a sua
própria existência física, sua preservação. Já o ser humano
é capaz de observar, gestualizar, modificar a natureza
pelo simples prazer estético, pela necessidade natural de
mimese, sem qualquer relação com a sobrevivência.
Quando a interface digital (homem-computador)
passa a desconsiderar ações e reações menos utilitárias,
aumentando o caráter prático em detrimento do
sensorial, não-prático, corremos o risco de nos
robotizarmos, perdendo a habilidade de questionar, de
trocar pontos-de-vista, de negar o utilitário e promover o
puramente estético/existencial. Por isso, sim, é louvável
buscarmos referências nos movimentos artísticos para
criarmos interfaces um pouco mais humanas, que tornem
o ato de interagir um processo cada vez mais semelhante
ao agir natural do homem.
Wd :: No livro “Vanguarda Européia e Modernismo
Brasileiro”, Gilberto Mendonça Teles explica
que a técnica da pintura cubista procurava
“apresentar a realidade através de estruturas
geométricas, desmontando os objetos
para que, remontados pelo espectador,
deixasse transparecer uma estrutura
superior, a forma plástica essencial e
verdadeira da beleza”. De que forma
esta técnica pode ser utilizada
pelo design na web? O site
internacional da Leo Burnett
(www. leobur net t . com)
pode ser apontado como
um exemplo?
entrevista - design e arte :: 23
algo como uma área completamente livre dentro das
interfaces (ou invadida!), que pudesse ser preenchida com
arte. E, de certa maneira, eles também escandalizam, ao
seu modo, como pretendiam os dadaístas. A diferença é
que o engajamento é desnecessário, o mais importante é
desenvolver a linguagem.
Quanto ao resgate do Dadaísmo em projetos
interativos, sim, é sempre uma ótima idéia! Afinal, Dadaísmo
é sempre bem-vindo em qualquer situação, justamente para
nos deslocar da linearidade dos ponteiros do relógio, do
logos, do racionalismo. Ele é um movimento absolutamente
atual, contestador em essência, e seus “jogos”, experiências
como o “cadáver delicioso” (http://tinyurl.com/mrbgf)
- espécie de colcha de retalhos de palavras, frases e
desenhos, ajudam-nos a reconstruir o pensar e o perceber.
Um “cadáver delicioso” é um ótimo ponto de partida para a
criação de um projeto interativo digital dadaísta.
Wd :: Acessando o site da agência Modernista!
(www.modernista.com), somos remetidos aos anos
20, período no qual o mundo assistiria ao ápice do
surrealismo (http://tinyurl.com/kurew), considerado
um dos últimos movimentos de arte moderna. Como a
aplicação do inconsciente pode ajudar no processo de
criação de uma interface digital?
Gazel :: Esse site da Modernista! é um bom exemplo
de como se comporta a arte nos dias de hoje, tanto no
meio internet, quanto em qualquer outro. É perfeitamente
possível voltar no tempo e fazer uma releitura dos valores
peculiares que formam o cerne de cada “manifesto” do
período moderno. A diferença é que, naquela época, havia
a nítida impressão de que o universalismo das propostas
poderia ser percebido e vivenciado como uma verdade, uma
razão, sem prever suas contradições, sua transformação em
outras verdades, tão efêmeras quanto o próprio homem.
No período da modernidade, havia uma visão
romantizada, de um mundo inteiro para ser conquistado
pela arte, ainda que por caminhos completamente
opostos, como os futuristas italianos, que traziam
o fascismo como uma grande virtude, um caminho;
e o cubismo, que desconsiderava qualquer valor do
mundo real, auto-suficiente em sua atonalidade. Eles
não poderiam existir sozinhos como verdade maior,
como comprovou o tempo, mas foram absolutamente
fundamentais, como todo movimento dentro da história.
E se descobriu, findando-se a modernidade, que nenhum
dos movimentos estava mais ou menos próximo de uma
“verdade” artística - justamente porque essa “verdade”,
ao ser encontrada, logo estaria superada.
Podemos, então, conhecendo as características, as
razões estéticas de cada movimento moderno, entender
suas circunstâncias, seus cenários - não simplesmente
reviver aquilo - mas criar uma relação entre uma questão
atual vista sob aquela ótica. Essa é a receita para se
beber da fonte moderna e criar algo novo. E é por isso
que não basta ter o conhecimento “dóxico”, superficial,
sensorial, sobre uma época (apesar disso ser fundamental),
entender sua picturalidade, suas formas, seu movimento,
sua disposição, seu equilíbrio. É preciso conhecer a história
da arte e ver que nenhum estilo surgiu ao acaso, mas sim
possuem origens claras - e desdobramentos que chegam
até os dias de hoje, conseqüentemente. A partir desse
estudo fica muito fácil associar um projeto conceitualizado
hoje a uma estética moderna, seja qual for o movimento:
cubismo, surrealismo, expressionismo etc.
No caso do surrealismo, é preciso mergulhar de cabeça
na psicanálise, e estar pronto para ir além da linguagem
comum, das percepções concretas, sensibilizando-se para
os reflexos do inconsciente como feedback emocional para
a interface - o que parece bem subjetivo, porém plenamente
possível com interesse e muito estudo.
Wd :: No livro “Iniciação à História da Arte”, da
Martins Fontes Editora, H.W.Janson e Anthony F.Janson
apontam que “ao contrário do Dadaísmo, a Pop Art não
é motivada pelo desespero ou animosidade contra a
24 :: entrevista - design e arte
civilização atual; considera a cultura comercial sua matéria-
prima, uma fonte inesgotável de material pictórico, mais do
que um mal a ser combatido”. O uso da cultura de massa, tão
emanada pelos seguidores da Pop Art, é uma linha conceitual
que pode ajudar a aproximar os ambientes digitais de seu
público-alvo?
Gazel :: A Pop Art foi o último dos grandes movimentos
modernos, e sua contribuição mais importante para a história
da arte, ao meu ver, foi a mudança de percepção a respeito da
apropriação e transformação de “memes” coletivos, ícones de
massa, considerando uma “cultura pop”. A cultura pop, por
sua vez, surgiu graças aos métodos industriais de criação e
produção pictórica, a prevalescência da imagem de massa, em
detrimento do conteúdo (também de massa, no entanto, de
segunda ordem).
Os clássicos exemplos “lata de sopa campbells” e as
interferências na Marilyn Monroe e Mao Tse Tung demonstram isso
com perfeição. É o início da era do consumo de imagens, à maneira
industrial. Que vivemos até hoje, como num “pop” transgênico e
muito acelerado. Poderíamos incluir aqui o kitsch e o neopop, mas
seriam apenas categorizações para as transgenias diversas pelas
quais passa a Pop Art até hoje. Continuamos consumindo o pop,
construindo e desconstruindo sua forma e conteúdo de forma
compulsiva, caótica, de modo cada vez mais veloz. Os ícones pop
surgem e morrem quase no mesmo instante.
O que mais me atrai na Pop Art é sua possibilidade de
“cheating art”, ou seja, de fazer uma arte “trapaceando”, através
dos meios de massa - inclua-se nessa categoria o sampling e a
intervenção sobre todo tipo de imagem “lugar-comum”, desde
logotipos conhecidos por todo o mundo até personagens
(humanos ou não) pop extremamente regionalizados. A
identificação com os “memes” acaba por facilitar a transmissão
do que está agregado a ela - no caso, a arte. E é justamente nisso
que vejo a grande possibilidade de se trabalhar o pop dentro
dos ambientes digitais, aproveitar essa identificação quase
insuperável (felizmente, quase) para se fazer ouvir. Uma
espécie de comensalismo.
Wd :: Segundo a Wikipédia (http://tinyurl.
com/go7pj), o minimalismo representa uma
série de movimentos artísticos e culturais
ocorridos durante o século XX. Analisando
a parte conceitual do movimento (“jogo de
volumes e formas que esteja reduzido às suas
configurações não mais que essenciais as suas
entrevista - design e arte :: 25
funções”), é certo dizer que a criação e o desenvolvimento
de sites focados na usabilidade segue a mesma linha de
pensamento?
Gazel :: De certa maneira sim, o movimento pró-
usabilidade busca enxergar e remover qualquer tipo
de ruído dentro da interface, com objetivo de chegar a
um coeficiente mínimo ideal de uso. É uma ótima causa.
O problema é que, assim como o próprio movimento
Minimalista (e todos os demais movimentos modernos),
o movimento pró-usabilidade, na minha percepção,
acaba por acreditar (pela força da doutrina e do hábito)
que só existe a realidade do uso, desconsiderando
o contraditório - que seria, nesse caso, a corrente
experimentalista, e que, na publicidade, poderíamos
encontrar dividida em vários sub-movimentos, sendo o
mais importante deles o da “inversão de expectativa”
- modo menos traumático de apresentar estéticas
pouco usuais a um público heterogêneo, abrangente,
valendo-se de um gradiente entre o antiuso e o próprio
uso, deixando o espectador/consumidor transtornado
sensorialmente, abalado por alguns instantes, para,
no melhor estilo catártico, trazê-lo de volta ao mundo
cartesiano. Pronto, fez-se a mágica.
O mundo está girando numa velocidade espantosa,
enquanto escrevo esse texto. Nós também, nossa
mente, nossos gostos, nossos paradigmas estão prontos
para mudança, a cada instante. Acreditar numa linha
unidirecional, em relação ao ideal do design na web, é
pura ilusão. É preciso considerar o antiuso, os reflexos da
própria frustração e a transformação que ela gera. Existem
também sites que não têm qualquer relação com uma boa
usabilidade (no sentido atual a que esse termo remete),
mas que usam a estética minimalista de modo primoroso,
cada qual a seu modo.
Wd :: A Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais
revela que “a liberdade de experimentação, o retorno
às intenções expressivas e o resgate da subjetividade”
são algumas das principais linhas de pensamento do
Neoconcretismo (http://tinyurl.com/gtnad). Diante de
sua experiência na área, você acredita que os projetos
experimentais on-line ainda são um campo pouco
explorado? Quais conceitos do Neoconcretismo poderiam
ser aplicados no design na web?
Gazel :: Em se tratando de design na web comercial,
que precisa se ater a objetivos e regras já
muito bem estabelecidas pela publicidade
(ou pela gerência de TI), sim. É quando a
interface precisa ser o mais racional possível,
controlável, categorizada, sistemática. Isso
pode ser visto com mais intensidade nas
interfaces unicamente funcionais, que de tão
sistematizadas, acabam por virar “monstros”
de organização, desumanizando ao máximo a
linguagem entre o usuário e a interface.
A habilidade do designer em compreender
os princípios dos quais a interface pode - e
deve - se utilizar, sem se ater a regras gerais,
“doxas” incontestáveis, clichês pictóricos - que
normalmente nos levam a uma pasteurização das
interfaces - é que vai fazer a diferença na hora de
conceitualizar a proposta.
A partir do conceito certo, sem subestimar
e nem superestimar o público (e a própria
interface), encontraremos o caminho mais
interessante, mais adequado aos objetivos
(práticos e subjetivos) - pautando-se, dessa
forma, por diversos valores semióticos e também
por necessidades utilitárias, cada qual com sua
maneira de ser avaliada - ainda que o resultado
disso seja, esteticamente, um picturalismo
abstrato, uma subjetividade irritante (aos olhos do
ser cartesiano), contrária aos critérios universais de
avaliação atuais.
Se esse for o caminho encontrado, é preciso
encará-lo de forma corajosa. Isso porque nenhum
sistema de análise de interfaces que conheço
consegue sair da esfera racional, do empirismo
utilitário, até mesmo para lidar com os valores mais
sensoriais, menos racionais - quando tratam destes,
fazem-no de modo rasteiro.
Tenho em mente que devemos mudar nossa
opinião a cada instante, girar em torno da idéia
inicial pelo menos uma dezena de vezes antes de nos
definirmos pelo conceito final. Assim, por exemplo,
se optamos por usar a simplicidade da forma básica,
dos planos geométricos simples, podemos pesquisar o
cubismo ou o neoconcretismo. O importante é saber o
porquê da escolha.