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DESENVOL V/MENTa URBANO: A PROBLEMÁTICA RENOVAÇÃO DE UM "CONCEITO" -PROBLEMA MARCELO LOPES DE SOUZA' Urban Development: The Problematic Redefinition of a Problem "concept" Urban development is not, as gen- eral/y thought, a proper concept; it is in rea/ity only a notion, a pre-con- cept. This nation masks an idealagy oi city madernization, which is clearly embodied in Corbusian ur- banism and serves, above ali, the interests ot capitalists and other dominant groups wha produce the urban space. The environmentalistic and sccíel-tetotmistic criticisms ad- dressed to orthodox city planning, have not been able so ter to ques- tion the core af the ideology of mod- ernization. A radical redefinitian of the urban development idea seems to be necessary if we are to accept development as the process of achievement of more social justice and a better qua/ity of life on the basis of individual and social au- tonomy. Conceito ou noção? Se se considerar os quatro níveis geográficos de análise mais usuais, contam-se às dezenas as teorias do desenvolvimento atinentes, mais direta- mente, às escalas internacional e nacional; um número menor ocupa-se precipuamente da escala regional, com um número menor ainda ocupando- se da escala local. A maioria das teorias da modernização e do crescimento dos anos 50 e 60, as teorias clássicas do imperialismo, a "Teoria da Depen- dência", a abordagem do redistribution with growth e as construções teóricas de tipo sistêmico sobre o capitalismo mundial (de Wallerstein a Arrighi), para ficar em algumas, dizem respeito, acima de tudo, à mudança social em escala nacional e mundial. Teorias, esboços teóricos (Theorieansatze, como dizem os alemães) ou estratégias teoricamente orientadas, como a Teoria da Base de Exportaçâo e a teoria/estratégia dos pólos de crescimento e desen- volvimento, em voga nas décadas de 60 e 70, já encarnavam, de sua parte, . Professor do Departamento de Geografia da UFRJ e pesquisador do CNPq.

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DESENVOL V/MENTa URBANO:A PROBLEMÁTICA RENOVAÇÃO DE UM

"CONCEITO" -PROBLEMA

MARCELO LOPES DE SOUZA'

Urban Development: The Problematic Redefinitionof a Problem "concept"

Urban development is not, as gen-eral/y thought, a proper concept; itis in rea/ity only a notion, a pre-con-cept. This nation masks an idealagyoi city madernization, which isclearly embodied in Corbusian ur-banism and serves, above ali, theinterests ot capitalists and otherdominant groups wha produce theurban space. The environmentalisticand sccíel-tetotmistic criticisms ad-

dressed to orthodox city planning,have not been able so ter to ques-tion the core af the ideology of mod-ernization. A radical redefinitian ofthe urban development idea seemsto be necessary if we are to acceptdevelopment as the process ofachievement of more social justiceand a better qua/ity of life on thebasis of individual and social au-tonomy.

Conceito ou noção?

Se se considerar os quatro níveis geográficos de análise mais usuais,contam-se às dezenas as teorias do desenvolvimento atinentes, mais direta-mente, às escalas internacional e nacional; um número menor ocupa-seprecipuamente da escala regional, com um número menor ainda ocupando-se da escala local. A maioria das teorias da modernização e do crescimentodos anos 50 e 60, as teorias clássicas do imperialismo, a "Teoria da Depen-dência", a abordagem do redistribution with growth e as construções teóricasde tipo sistêmico sobre o capitalismo mundial (de Wallerstein a Arrighi), paraficar SÓ em algumas, dizem respeito, acima de tudo, à mudança social emescala nacional e mundial. Teorias, esboços teóricos (Theorieansatze, comodizem os alemães) ou estratégias teoricamente orientadas, como a Teoria daBase de Exportaçâo e a teoria/estratégia dos pólos de crescimento e desen-volvimento, em voga nas décadas de 60 e 70, já encarnavam, de sua parte,

. Professor do Departamento de Geografia da UFRJ e pesquisador do CNPq.

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6 Revista TERRITÓRIO, ano 111, nº 5, jul./dez. 1998

um corpus adequado à implementação de estratégias de desenvolvimentoregional. O mesmo se pode dizer de abordagens do tipo "satisfação de ne-cessidades básicas", "ecodesenvolvimento", "ernpowerment', "developmentfrom below e "desenvolvimento endógeno", onde a vocação de sustentaçãode iniciativas propriamente locais, e não apenas regionais, é bastante clara.

Em que pesem os parcialismos de raiz político-filosófica ou aindaepistemológica, não tem, por conseguinte, havido falta de contribuições teóri-cas em torno do tema do "desenvolvimento". O mesmo pode-se dizer a pro-pósito dos esforços de conceituação da palavra: conquanto a redução dodesenvolvimento ao desenvolvimento econômico continue sendo hegemôni-ca, outras interpretações, distanciadas em graus variáveis do economicismomais estreito, têm sido propostas: do écodeveloppement dos anos 70 a dife-rentes achegas teórico-conceituais recentes (COMÉLlAU, 1993; KOCH, 1993;SOUZA, 1996 e 1997), passando pelas críticas de alguns "antropólogos dodesenvolvimento" (como ANTWEILER [1990] e os colaboradores da coletâ-nea organizada por HOBART [1993Jj. Aliás, mesmo o conceito de desenvolvi-mento econômico sempre admitiu algumas diferenças interpretativas menosou mais explícitas ou sutis quando de sua definição. Impõe-se, conseqüente-mente, a conclusão de que não há, nesse campo, qualquer escassez de es-forços de tratamento conceitual, não obstante a teorização ter-se tornado maisrarefeita por conta da "crise da idéia de desenvolvimento" ou do "impasse nateoria do desenvolvimento" experimentados desde os anos 80 e cuja supera-ção ainda engatinha.'

Sem dúvida, o viés economicista dos estudos sobre desenvolvimentoconcorreu e concorre decisivamente para o privilegiamento excessivo de es-calas supralocais, escalas essas adequadas ao enquadramento analítico eoperacional de processos econômicos gerais mas impeditivas da aproxima-ção do quotidiano dos homens e mulheres reais. Paralelamente, um outroviés, setorialista, levou a pensar-se o desenvolvimento, costumeiramente, semmaiores vinculações com o espaço social. A maioria das teorias,Tbeorieensetze ou estratégias teoricamente orientadas propostas nesta se-gunda metade do século XX não só manteve-se distante dos níveis de real i-

1 A referida crise tem sido tematizada tanto por autores que, a partir de diferentesângulos de abordagem, clamam por uma reconstrução dos fundamentos teóricos econceituais dos estudos sobre desenvolvimento (MENZEL, 1992 e 1998; COMÉLlAU,1993; SCHUURMAN, 1996; SOOTH, 1996; SOUZA, 1996 e 1997), quanto por inte-lectuais que pretendem ou parecem levantar uma objeção contra o "desenvolvimen-to" em geral, como se fosse, de fato, legitimo reduzir (como fazem os analistas con-servadores e economicistas) essa idéia ao desenvolvimento econômico, ainda porcima concebido teleologicamente (vide, por exemplo, LATOUCH E, 1986 e 1995;RAHNEMA, 1997). Essa segunda postura, criticada pelo autor alhures (SOUZA, 1996e 1997), equivale, com o perdão da metáfora, a matar a vaca para acabar com ocarrapato.

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dade onde os sentimentos, as necessidades de grupos específicos, osmicropoderes, as representações sociais e as identidades coletivas podemser apreendidos, mas também negligenciou o espaço como componente fun-damentai dos quadros concretos da existência humana. Esta negligência, semdúvida, constitui um dos mais recorrentes parcialismos de raiz epistemológicaque podem ser observados na literatura especializada.

As carências da literatura mostram-se ainda mais dramáticas quando oolhar volta-se para a cidade como quadro de referência. Já não se trata, aqui,apenas de "desenvolvimento em escala local" - o qual, evidentemente, tam-bém pode dizer respeito a um projeto de desenvolvimento rural local, e ondeo espaço social pode acabar sendo secundarizado em favor de enfoquessetoriais-econômicos ou outros. Ao falar-se de desenvolvimento urbano oespaço é, de antemão, não apenas um "dado" sem maior relevância, umepifenômeno, mas um elemento crucial da análise. As razões dessa tão evi-dente fundamentalidade do espaço nesse caso são, pelo menos, duas: a pri-meira, bastante óbvia, diz respeito ao fato de que não é propriamente a esca-la geográfica (enquanto nível de análise e/ou escala de intervenção) ou aqualificação do desenvolvimento, determinada por vieses epistemológicos edisciplinares ou influências teóricas e metateóricas, que serve de marcoreferencial, mas sim um tipo espacial concreto: o espaço urbano. A segundarazão tem a ver com o fato de que o "desenvolvimento urbano" foi. tradicional-mente, pensado sobretudo por uma categoria de profissionais basicamentedevotada ao planejamento da produção do espaço e das intervenções sobreo espaço: os urbanistas. E, exatamente no que concerne ao desenvolvimentourbano, o panorama de pluralidade teórica e notável densidade teórico-conceitual ao qual antes se fez menção dá lugar a uma atmosfera de reflexãobastante rarefeita. Ao dizer-se que o "desenvolvimento urbano" foi tradicio-nalmente pensado pelos urbanistas, portanto, é necessário precisar a exposi-ção, a fim de não cometer-se um equívoco. É exagerado dizer que os urba-nistas tenham legado "teorias", mesmo no sentido mais flexível que esta ex-pressão deve encontrar entre as ciências sociais." Se se aceitar a sugestãode Kevin LYNCH (1994), o qual referiu-se a "teorias normativas", será possí-vel reconhecer na concepção da 8roadacre City de Frank Lloyd Wright ou na(anti)utopia de Le Corbusier "teorias"; no entanto, não se tratou nunca deteorias científicas (esforços de explicação racional empiricamente fundamen-tados de modo sistemático), mas sim de visões normativas, alicerçadas emuma mescla de conhecimentos técnicos e opções estéticas, tudo isso assen-tado sobre um solo político-filosófico. Eis, com efeito, exatamente aí um dossérios problemas que acompanham o conceito de "desenvolvimento urbano"desde o começo, e que o tornam assaz problemático: sua comparativa faltade lastro teórico. O próprio Kevin Lynch, caso quase ímpar de urbanista com

2 Ver, sobre as particularidades das teorias das ciências sociais, GIDDENS (1989).

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domínio da literatura das diversas ciências sociais a respeito da cidade, nãopretendeu oferecer, com sua extraordinária reflexão sobre a "boa forma urba-na", outra coisa que não uma visão normativa (LYNCH, 1994).

A pobreza teórica, ou melhor, teórico-conceitual em torno do "desen-volvimento urbano", é tão óbvia que pode-se mesmo indagar se reveste aexpressão em tela um verdadeiro conceito ou apenas uma noção. "O espíritocientífico", asseverou Gaston Bachelard em uma de suas obras seminais,"deve formar-se contra a Natureza, contra o que é, em nós e fora de nós, oimpulso e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra ofato colorido e corriqueiro" (BACHELARD, 1996:29). Dito de outra maneira, aciência tem de desconfiar do senso comum e, não raro, afrontá-lo; os pré-conceitos e preconceitos em que se acha imerso o senso comum, que é oreino da "opinião" irrefletida ou pouco refletida, são o primeiro obstáculoepistemológico que, segundo Bachelard, o cientista tem de ultrapassar."Embebida no senso comum, carregada de ideologia, empregada pelos urba-nistas sem preocupações definitórias sofisticadas e, acima de tudo, rotineira-mente empregada para embrulhar intervenções caras aos interesses do Es-tado, do capital imobiliário (dentre outras frações do capital) e dos moradoresprivilegiados, seria a expressão "desenvolvimento urbano" o invólucro de umconceito ou de uma simples noção pré-teórica?

Nada mais comum que ouvir alusões ao "desenvolvimento urbano" apropósito do crescimento de uma cidade ou da modernização do espaço ur-bano. Fenômenos como verticalização, expansão horizontal do tecido urba-no, realização de obras viárias etc. são, muito freqüentemente, tomados noâmbito do senso comum, como sintomas de "desenvolvimento urbano". Con-comitantemente, contudo, avolumam-se as queixas e cresce a consciênciade que muitos desses fenômenos não raro associam-se a coisas indesejá-veis como grandes impactos negativos sobre o meio ambiente, destruição dopatrimônio histórico-arquitetônico e perda de qualidade de vida para algunsou mesmo muitos, com os benefícios diluindo-se excessivamente ou mesmoinexistindo para uma parte da população urbana (embora uma outra parcela,amiúde francamente minoritária, possa beneficiar-se diretamente). Queesquizofrenia é essa, portanto, que conduz a que a idéia de "desenvolvimen-to urbano" seja, na prática e de modo irrefletido, pelo menos parcialmentevinculada a fenômenos que não se traduzem em maiores justiça social e qua-

3 Vale, aqui, uma ressalva cara às ciências sociais, ao menos do ponto de vista deuma ética libertária e anticientificista: a exigência de afrontar o senso comum nãodeve significar, jamais, desdenhar ou menosprezar os sentimentos autênticos e asem princípio legitimas expectativas dos homens contextualizados em seu Lebenswelt,os quais, por se apresentarem ao pesquisador como objetos de estudo, não deixam,por isso, de ser, ao mesmo tempo e sobretudo, sujeitos cuja autonomia precisa serdefendida e estimulada. Há que se buscar, portanto, a dosagem certa entre a olímpi-ca arrogância de um "discurso competente" e a simpatia acrítica.

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lidade de vida para o, maior número possível de pessoas a longo prazo _logo, tendo pouco e as vezes nada a ver com um desenvolvimento socialautêntico?

Desenvolvimento urbano como modernização da cidade:o papel legitimador do Urbanismo

Que a noção de desenvolvimento urbano, ao contrário da de desenvol-vimento econômico, tenha sido amparada por tão pouco esforço de legitimaçãoe reciclagem teórico-conceitual, permanecendo prenhe de contradições eacobertando uma grotesca promiscuidade interpretativa, só pode ser credita-do, como se deixou entrever na seção precedente, à divisão do trabalho aca-dêmico e à natureza dos distintos saberes envolvidos. Os urbanistas nãoforam ou são, ao menos em sua esmagadora maioria, cientistas do urbano,mas sim estrategistas da transformação do urbano. Normalmente arquitetosde formação, os urbanistas são socializados em um ambiente acadêmico quenão lhes incute ou cobra um perfil de "cientistas", mas sim de técnicos (apro-ximando-os das engenharias) e artistas (identificando-os com as artes plásti-cas). Assim, enquanto o debate ao redor do desenvolvimento econômico ousocial sensu lato tem mobilizado os mais diferentes tipos de cientistas soci-ais, de economistas a antropólogos, passando por sociólogos, cientistas po-líticos e geógrafos - os quais têm, eventualmente, dialogado entre si -, odesenvolvimento urbano não deu origem a qualquer debate propriamente te-órico digno de nota, mas sim a disputas entre diversos enfoques sobre a boacidade. Os economistas e, sobretudo, sociólogos e geógrafos que tradicio-nalmente se ocuparam da cidade sob o ângulo de sua organização espacial edinâmica social, raras vezes interessaram-se em mostrar conexões entre suasinvestigações mais ou menos específicas concernentes ao "urbano" e asteorizações gerais sobre o desenvolvimento, atinentes a escalas geográficassupralocais. Quanto aos arquitetos-urbanistas, não faz tanto tempo assim quecomeçaram, claudicantemente, a adquirir o costume de abeberar-se nas fon-tes das ciências sociais, antes não o fazendo fosse por vício profissional (epretensa auto-suficiência), fosse por isolamento involuntário. Seja como for,o preço pago, qual seja, a pobreza de refinamento conceitual, não impediuque a idéia de desenvolvimento urbano cumprisse seu papel de justificaçãoideológica com eficiência, ainda que com muito menos pompa e circunstân-cia acadêmicas.

"Desenvolvimento urbano" é uma expressão que esteve ligada, desdeo começo, à modernização da cidade, vale dizer, à transformação do espaçourbano com o fito de adaptá-lo à "modernidade" capitalista em nome do "bemcomum", mediante obras viárias e de embelezamento, melhoria dos transpor-tes etc. Sintomática é a definição de urban sprawl oferecida pelo MERRIAM-WEBSTER'S COLLEGIATE DICTIONARY (1993:1.300; grifos de M.L.S.): "the

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spreading of urban developments (as houses and shopping centers) onundeveloped land near a city". Em termos gerais, desenvolver é, na versãoconvencional, economicista e europeicêntrica, dominar a natureza,desnaturalizá-Ia, hominizá-Ia - mas onde a hominização, ironicamente, sobum ângulo minimamente crítico de julgamento, muitas vezes está longe deser sinônimo de humanização. Sobre esse pano de fundo, o aparecimento, ocrescimento e a modernização das cidades surgem, indubitavelmente, comosímbolos acabados dessa versão ideologicamente hegemônica do desenvol-vimento, "fáustica", onde os empresários e o Estado emergem como heróis-civilizadores, os desenvolvedores por excelência. 4 Reformas urbanas de corteautoritário e conteúdo antipopular, pautadas em cirurgias urbanas, como aReforma Passos no Rio de Janeiro (1902-1906); programas de "renovaçãourbana" (urban renewal) e eliminação de espaços obsolescentes (s/um-c/earance), no velho estilo norte-americano; programas de urbanização defavelas, mas igualmente de remoção; projetos de preservação e revitalizaçãode sítios históricos em áreas centrais de cidades: tudo isso e muito mais erae ainda é passível de ser recoberto pela rubrica "desenvolvimento urbano", adespeito da grande variabilidade dos impactos sociais e espaciais associa-dos a cada uma dessas coisas. Em alguns casos os grupos-alvo do benefícioeram os pobres urbanos, como ocorria e ocorre com programas de s/um-upgrading; em muitos outros - pense-se em remoções de favelas e "renova-ções urbanas" - os pobres urbanos eram e são, na verdade, vítimas.

Se a expressão em questão não se refere meramente a processos pla-nejados pelo Poder Público, uma vez que a expansão da cidade por conta daatuação de agentes modeladores do espaço tais como loteadores, construto-res, promotores e incorporadores imobiliários é tida, ela própria, como umsinal de "desenvolvimento urbano" (o que não quer dizer que não existamestratégias e algum nível de planejamento por trás dessa atuação), o planeja-mento urbano comandado pelo Estado foi, de toda sorte, tradicionalmente

4 Marshall BERMAN (1986) fez notar, muito apropriadamente, que "a força vital queanima o Fausto goethiano, que o distingue dos antecessores e gera muito de suariqueza e dinamismo é um impulso que vou designar como desejo de desenvolvi-mento" (pág. 41, grifo no original). "A romântica procura de autodesenvolvimento,que levou Fausto tão longe, desenvolve-se a si própria, agora, através de uma novaforma de atividade, através do esforço titânico do desenvolvimento econômico. Faustoestá se transformando em uma nova espécie de homem, para adaptar-se a umanova situação. Em seu novo trabalho, irá experimentar algumas das mais criativas ealgumas das mais destrutivas potencialidades da vida moderna; ele será o consu-mado destruidor e criador, a sombria e profundamente ambígua figura que nossaépoca virá a chamar 'o fomentador' [no original em inglês: 'lhe developer']." (pág. 62)Figura-símbolo da idéia ocidental de modernidade, para Berman o Fausto de Goetheé, ao mesmo tempo, "a primeira e ainda a melhor tragédia do desenvolvimento" (pág.42, grifo no originai).

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encarado como o pivô da modernização da cidade. Modernização essa que,cabe sublinhar, tem sido amiúde socialmente excludente; especialmente emcidades do "Terceiro Mundo" seu corolário é, não raro, muito mais negativoque positivo, considerando-se a maioria da população e o longo prazo. Trata-se de uma modernização que redunda em um incremento da segregaçãoresidencial e da concentração espacial de privilégios (sendo, exatamente porisso, comumente saudada, exigida e protagonizada pelas elites urbanas), nageração de vazios urbanos devido à especulação imobiliária e em outras de-formações.

O esteio intelectual primordial dessa modernização nada indolor, fre-qüentemente antitética com a justiça social e a democracia em um sentidoprofundo, foi, historicamente, o Urbanismo. Sem dúvida, não seria correto pôras diversas correntes e vertentes urbanísticas no mesmo saco; como bemmostrou Peter HALL (1996), vários urbanistas, como Ebenezer Howard, ogrande visionário das "cidades-jardim", recolheram inspiração no pensamen-to humanístico e socialmente crítico do século XIX, não sendo razoável, porisso, duvidar de suas boas intenções nem deixar de admirar alguns aspectosde suas obras. No caso de Patrick Geddes, a quem causava ojeriza o costu-me dos urbanistas de pensarem o Urbanismo "( ...) em termos de régua ecompasso, como uma matéria que deve ser elaborada só pelos engenheirose arquitetos, para os conselhos municipais (...)" (GEOOES apud CHOAY,1979:39), a dívida intelectual para com os geógrafos e anarquistas EliséeReclus e Piotr Kropotkin foi particularmente grande, e a objeção implícita aqualquer remodelação do espaço urbano que não respeitasse a história, acultura e a autodeterminação da "comunidade" era mais que evidente. Nãofoi, entretanto, Geddes quem deu o tom da prática urbanística ao longo doséculo XX, e mesmo a mensagem howardiana foi sendo gradualmente diluí-da por seus "tradutores" (HALL, 1996: 112).

As vertentes urbanísticas mais influentes ao longo deste século mos-traram-se essencialmente endossadoras de uma visão fáustica e capitalistófilado "desenvolvimento urbano" e, no que tange ao planejamento, apresenta-ram um figurino marcadamente tecnocrático (planejamento não-participativo).O exemplo-símbolo é, sem sombra de dúvida, o Urbanismo modernista de LeCorbusier. O pensamento corbusiano, independentemente de sua dimensãoacentuadamente autoritária, foi, de resto, um apologista do industrialismo eda "era da máquina", sendo a própria casa concebida como um "instrumento"ou uma "ferramenta" (ou, ainda, como uma "máquina de morar") em meio auma cidade que deveria, ela mesma, funcionar como uma máquina eficiente(LE CORBUSIER, 1984; 1992; ver, também, LE CORBUSIER apud CHOAY,1979).

O Urbanismo entusiasta dos suburbs, o Urbanismo "monumental" eoutras tantas correntes não estiveram menos comprometidos com alicercespolítico-filosóficos e éticos pouco compatíveis com a promoção de uma justi-ça social efetiva nas cidades; às vezes estiveram, na verdade, até mesmo

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tanto ou mais comprometidos que o enfoque corbusiano. como no caso doCity Beautiful Movementda primeira metade do século, tão identificado com ocolonialismo e com o fascismo (ver HALL, 1996). Em que pesem as váriasdiferenças entre as correntes urbanísticas que, ao longo do presente século,exerceram maior influência - adesão maior ou menor a valores heterônomos,preocupação maior ou menor com a funcionalidade etc. -, a busca da moder-nização do espaço urbano, como um fim em si mas, também, como um fenô-meno implicitamente portador do "bem comum", foi (e é) algo bastante difun-dido. Com isso, o "desenvolvimento urbano" nada mais é. no final das contas,que a tradução, em escala local-urbana e devidamente espacializada. da idéiadominante de desenvolvimento econômico, pautada na combinação de cres-cimento do produto e modernização tecnológica. Uma vez que o espaço, comosalientou Henri Lefebvre (vide, por exemplo, LEFEBVRE, 1981), tornou-se,ele próprio, ao longo da evolução do capitalismo, crescentemente uma forçaprodutiva das mais estratégicas, é perfeitamente compreensível que a noçãode "desenvolvimento urbano" se apresente, enfim, como uma apoteose damodernização da sociedade em sentido capitalista.

A crítica ambientalista e o "desenvolvimento urbanosustentável"

A crítica ambientalista não foi, é bem verdade, a primeira a serendereçada ao Urbanismo corbusiano e, por tabela, à idéia de desenvolvi-mento urbano como modernização da cidade. Um certo padrão de objeção, aque poder-se-ia denominar "humanista", precedeu-a, desabrochando no co-meço dos anos 60. Entre seus representantes - cujas posições, diga-se depassagem, nem sempre eram inteiramente convergentes - contavam-se tan-to ensaístas e críticos de Arquitetura e Urbanismo (como Jane Jacobs, defen·sora das grandes cidades fervilhantes contra a utopia das garden cities e,simultaneamente, inimiga do zoning funcionalista dos modernistas [verJACOBS, 1972)) quanto cientistas sociais (como Herbert Gans, autor de umbelo estudo sobre o bairro bostoniano do West End, cabal ilustração do dra-ma social por trás dos arrasamentos de espaços e destruições de Lebensweltenescondidos sob os eufemismos "rede velopmen f' e "urban renewaf' [GANS,1965]), além de outros, como o historiador da cidade e teórico do planeja-mento Lewis Mumford. Não obstante a sua grande influência, ligada principal-mente às indicações que legaram sobre o que não deveria ser feito, as abor-dagens "humanistas", no entanto, não chegaram a desembocar em uma novaestratégia amplamente compartilhada, a qual fosse, a um só tempo, inovado-ra (não se restringindo a uma apologia nostálgica da "velha cidade, boa cida-de") e distinta da ortodoxia do planejamento urbano.

A primeira alternativa a fazer escola entre planejadores e cientistas,apresentada em um estilo suficientemente programático e operacional para

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ser reconhecida como um novo modelo de planejamento, e não simplesmen-te como uma rejeição do Urbanismo convencional, foi, destarte, com uma ououtra exceção.ê aquilo que se está a chamar de crítica ambientalista. Os an-cestrais diretos desse modelo remontam aos anos 70, como as iniciativas deRichard Register e colaboradores na Califórnia (cf. ROSELAND, 1997:197).Entre os primórdios e a consagração, que acontece nos anos 90, medeia umadécada decisiva, a de 80, com a emergência do discurso do "desenvolvimen-to sustentável". Não obstante já ter sido utilizada antes, a expressão "desen-volvimento sustentável" tornou-se realmente popular somente a partir de 1987,com a publicação do relatório "Nosso futuro comum", bastante conhecido como"Relatório Brundtland" (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE EDESENVOLVIMENTO, 1988). Especialmente a partir do começo da décadade 90 começaram a aparecer estudos preocupados com um "desenvolvimen-to urbano sustentável", entendido como uma especificação urbana do desafiogeral de se conferir "sustentabilidade" ao desenvolvimento."

A essência da crítica ambientalista comparece desdobrada em duasescalas básicas: no que respeita à escala local, trata-se de atribuir granderelevo aos efeitos deletérios da modernização industrial, do crescimentodemográfico, do consumismo, do desperdício e da pobreza urbana sobre omeio ambiente, com rebatimentos negativos sobre a qualidade de vida daspresentes e futuras gerações; no que tange à escala global, a ênfase recaisobre os impactos negativos da urbanização e da industrialização sobre abiosfera, deduzindo-se daí a imperiosa necessidade de redução das emis-sões de CO

2para a atmosfera, a fim de deter-se problemas de magnitude

planetária e de elevada gravidade como o efeito estufa (ver, a título de exem-plos, WHITE, 1994; SATTERTHWAITE, 1997). Em que medida, porém, pode-se afirmar que essa crítica ambientalista, exercida por uma fauna variada queinclui geógrafos, arquitetos e cientistas naturais, encerra uma real alternativaà visão mais convencional do desenvolvimento urbano como modernizaçãoda cidade?

A preocupação essencial e definitória da maioria daqueles que recla-mam um "desenvolvimento urbano sustentável" (maioria essa chamada,doravante, simplesmente de maínstream) é, como se pode verificar, com ummeio urbano ecologicamente saudável, com uma healthy city, como dizem ossustentabilistas de língua inglesa, Mesmo quando, seguindo a trilha abenço-

5 Como Kevin LYNCH (1980), que buscara reformar a metodologia e ampliar o esco-po do planejamento urbano introduzindo a temática da percepção ambiental, maistarde desenvolvida por outros arquitetos e pela Geografia da Percepção e do Com-portamento, antecessora da Geografia Humanista.6 Um dos mais importantes e alentados trabalhos do começo da década encontra-sena coletânea organizada por STREN et ai. (1992) Uma panorâmica da diversidadede subcorrentes e interpretações atualmente existentes está disponível emHAUGHTON (1997).

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ada pelo Relatório Brundtland, enfatizam o combate à pobreza e às desigual-dades e elegem o crescimento econômico como um remédio inevitável, oaspecto mais martelado, e em torno do qual tudo o mais gravita, é a "saúdeecológica" - a ponto de "sustentabilidade" normalmente chegar a confundir-se com "sustentabilidade ecológica". A isso pode-se, sem medo de errar, cha-mar de ecocentrismo, ainda que existam variantes ecocêntricas ainda maisextremadas que o mainstream. O "x" do problema é o seguinte: é mais queinsuficiente compreender os homens como espécie humana, ou seja, comoseres vivos, como organismos, da mesma forma como é irrazoável reduzir asagruras de sua existência a problemas de sobrevivência da espécie humanae suas necessidades a necessidades biológicas. Embora operando essereducionismo de forma implícita e envergonhada, é isso mesmo que o "de-senvolvimento sustentável" induz a pensar. Ao invés de contribuir para fazeravançar o entendimento dos problemas que afligem os seres humanos en-quanto seres sociais na qualidade de problemas sociais ou, pelo menos,mediados, de alguma maneira, pelas estruturas específicas das sociedadesconcretas (e isso se aplica até mesmo à problemática ecológica), a concep-ção usual de um "desenvolvimento urbano sustentável", devido aoecocentrismo que nela subrepticiamente se aninha, equivale a uma usurpação:como entender diferente a colocação em primeiro plano da ecologia (das re-lações homem/meio) quando o que deve estar em destaque, sempre que sedebater o desenvolvimento ou não de uma sociedade, seja em que escala for,são as relações sociais e a espacialidade por elas produzida e que lhes servede moldura e referência?

Conquanto exista, de fato, um desafio comum a todos os seres huma-nos, como o efeito estufa, o analista e estrategista do desenvolvimento nãopode ficar prisioneiro da idéia, fortemente ideológica, segundo a qual "estamostodos no mesmo barco", tão presente no discurso do "desenvolvimento sus-tentável" em geral (ver a crítica de FINGER [1995]). Como assim, "estamostodos no mesmo barco"? A respeito desse como de outros problemas pode-se lançar mão de uma tirada orwelliana: todos são iguais, mas alguns sãomais iguais que os outros. Nos marcos de uma sociedade de classes, especi-almente nos marcos de uma sociedade tão desigual e assimétrica como osão as sociedades dos países periféricos e semiperiféricos, não somente osganhos com processos que geram tanto lucros quanto impactos ambientaisnegativos são enormemente diferenciados, mas também a capacidade deinfluenciar a regulação do modo de produção via mercado ou via Estado éincrivelmente díspar. Além do mais, também a capacidade dos indivíduos deproteger-se de um impacto negativo (afastando-se de sua fonte ou precaven-do-se de outras maneiras) é muito desigualmente distribuída nessas socieda-des - tão desigualmente distribuída quanto a renda, da qual aquela capaci-dade de proteção é função. Daí a perversa ironia que reside no fato de que osque mais ganham com uma atividade geradora de impactos ambientais nega-tivos sejam igualmente os que, ao menos de modo direto e a curto e médio

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prazos, menos tendem a sofrer com os prejuízos ambientais da atividade emquestão.

Ao contentar-se com referenciais analíticos como "pobreza" versus "ri-queza" e "Sul" versus "Norte" e generalidades a propósito da "responsabilida-de intergeracional", no âmbito de estudos tecnicamente bem lastreados. deum ponto de vista de ciência natural, mas teoricamente toscos e rarefeitossob o ângulo da análise social, as abordagens usuais sobre a sustentabilidadeurbana mostram-se superficiais e socialmente acríticas. O clamoranti protecionista, presente no Relatório Brundtland, segundo o qual as "na-ções pobres" necessitam do acesso aos mercados dos "países ricos" para sedesenvolver e escapar da pobreza, configura, para dizer o mínimo, uma per-cepção bastante tacanha dos obstáculos ao desenvolvimento postos pelanatureza do sistema mundial capitalista. Quanto à pobreza e às desigualda-des em escala local, o que tem o "desenvolvimento urbano sustentável" aoferecer? A afinidade com perspectivas herdadas dos anos 70, como osenfoques redístríbutíon with growth e "satisfação de necessidades básicas" éevidente, mas nem bem são esses enfoques aprofundados nem, e muitomenos, são suas insuficiências e dilemas superados? A esqualidez e o ana-cronismo teóricos saltam aos olhos, e uma ponderação no estilo "o Norteperdulário e consumista" precisa "dar o exemplo", sem o que os países e ascidades do "Sul", que são os que menos contribuem para os problemas eco-lógicos globais, ver-se-ão, com toda a razão, pouco estimulados a "fazer asua parte", aflige tanto mais quando se depara com constatações vagas comoa de que "[a]gora tornou-se claro que o planeta não pode absorver sequer osatuais 5,5 bilhões de pessoas no contexto de um padrão ocidental de uso dosrecursos, ainda que o Sul possuísse os meios financeiros para seguir essecaminho", arrematando-se em seguida: "[p]ortanto, o Sul deverá seguir umcaminho distinto, ainda não especificado, para o desenvolvimento" (WHITE,1994:80). Existirá melhor confissão de desorientação que esta?

Ainda que, sob ° ângulo da "saúde ecológica" das cidades e da com-preensão mais ampla dos impactos ambientais locais e globais negativos doindustrialismo, elas representem um nítido progresso relativamente ao Urba-nismo modernista, no que concerne à busca de justiça social na cidade oavanço foi microscópico. Não seria isso, então, no fundo, não mais que umatentativa de domesticação da urbanização capitalista de modo a, de um pontode vista plenamente compatível com os interesses dominantes, não matar agalinha dos ovos de ouro? Não seria essa tentativa de domesticação - ten-tativa, a rigor, um pouco contraditória, como se vê pela fixação no crescimen-to econômico como panacéia -, com efeito, uma tentativa de modernizaçãoecológica, como exprimiu HARVEY (1996)?

7 Mesmo contribuições como os artigos de DRAKAKIS-SMITH (1996, 1997), que nãoreduzem a sustentabilidade à sustentabilidade ecológica, podem ser tomados comoexemplos didáticos disso.

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A preocupação manifestada por David Harvey desdobra-se em um alertaextremamente pertinente, ao identificar na retórica convencional do "desen-volvimento sustentável" um discurso

"(. ..) that can rather too easily be corrupted into yet anotherdiscursive representation of dominant forms of economic power.lt can be appropriated by multi national corporations to legitimizea global grab to manage ali of the world's resources. Indeed, it isnot impossible to imagine a world in which big industry (certainsegments), big governments (including the World Bank) andestablishment, high-tech big science can get to dominate the worldeven more than they currently do in the name of 'sustainability,'ecological modernization and appropriate global management 01the supposedly fragile health of planet earth." (HARVEY, 1996:382-383)

Transpondo tudo isso para o espaço urbano, não resta senão admitir,por fim, que a crítica ambientalista, naquilo que tem de mais típica, é menospromissora do que poderia parecer e mais acrítica do que gostar-se-ia deacreditar. O fato de que a pobreza também é um fator de degradação ambientalnão impede que uma cidade (uma sociedade) pode ser ecologicamente sau-dável e, ao mesmo tempo, socialmente injusta - e é a sonegação ouminimização da notícia dessa possibilidade, sob a influência do ecocentrismo,que revela a dimensão ideológica e conservadora da releitura ambientalistada noção de desenvolvimento urbano.

A crítica social-reformista e o "planejamentourbano alternativo"

Os anos 70 trouxeram uma enxurrada de reações ao planejamento ur-bano convencional e - explícita ou, o mais das vezes, implicitamente - ànoção de desenvolvimento urbano nele embutida e por ele promovida. Essasreações tiveram origem em diferentes disciplinas, com destaque para a Soci-ologia e a Geografia, e o substrato metateórico predominante foi o materialis-mo histórico marxista. Trabalhos como A questão urbana, do sociólogo Ma-nuel Castells (CASTELLS, 1983). e A justiça social e a cidade, do geógrafoDavid Harvey (HARVEY, 1980), podem ser tranqüilamente reputados, hojeem dia, como clássicos, e tornaram-se, no momento em que foram publica-dos, marcos da grande virada que viu nascer a Sociologia Urbana francesade corte marxista e a Geografia Crítica ou Radical.

Não se pode negar que essas reações tenham sido oportunas ejustificadas, tendo efetivamente colaborado para fazer avançar o conheci-mento sobre a dinâmica social no meio urbano e os processos de produção

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do espaço da cidade: por exemplo, ao hietottctzer e politizer os problemas dacidade, concebendo o espaço urbano como um produto social e remetendoos "problemas urbanos" à dinâmica das relações de produção e a estruturade poder na sociedade capitalista, além de valorizar o exame dos novos mo-vimentos sociais e de sua interação com o Estado e os partidos políticos -rompendo, assim, com o darwinismo social da Escola de Chicago de Sociolo-gia Urbana, com o idealismo da Sociologia culturalista, com o "individualismometodológico" da Economia Urbana neociássica e com o conservadorismo (eo empirismo) da Geografia Urbana clássica, bem como da neopositivista.Entretanto, essas reações via de regra padeceram de algumas doenças in-fantis cujas seqüelas podem ainda hoje ser vistas, sendo uma delas a ten-dência de, na esteira de uma desmistificação do planejamento coordenadopelo Estado ou as empresas enquanto uma atividade conforme aos interes-ses da acumulação capitalista (e amiúde e em última análise contrária aosinteresses objetivos dos pobres urbanos), reduzir a própria idéia de planeja-mento a isso, terminando-se por gerar anticorpos contra a própria palavra.

Corporificando um desejo de superação desse traço um tanto puerildesponta, em fins dos anos 80 e começo dos anos 90, no Brasil, algo quepoder-se-ia chamar de "planejamento urbano alternativo". Tentando ir alémda mera denúncia das injustiças e refletindo, ao mesmo tempo, um maiorpragmatismo, os intelectuais progressistas vinculados a esse novo estilo deplanejamento urbano, pretendidamente capaz de conciliar pensamento técni-co operacional e prospectivo, de um lado, e inconformismo perante a socie-dade vigente, de outro, aceitam refletir sobre desafios concretos em nívellocal, ao invés de considerarem-nos irrelevantes. Para eles, planos diretoresmunicipais e instrumentos de planejamento não são simples diversionismosdiante da gloriosa e definitiva missão histórica de ajudar no parto da Revolu-ção, mas sim chances e trunfos rumo a uma cidade menos desigual. Ao mes-mo tempo, contudo, esse "planejamento urbano alternativo" é tanto um frutode amadurecimento intelectual quanto, e talvez sobretudo, de certas circuns-tâncias desfavoráveis, pelo que se pode observar que ele encarna, até certoponto, um recuo, ou a assunção de uma postura defensiva e de horizontesrelativamente estreitos por uma parcela da intelectualidade de esquerda. Exa-mine-se, sucintamente, a natureza desse planejamento alternativo, suas vir-tudes e seus defeitos, especialmente no que concerne à sua contribuiçãopara a construção de um conceito criticamente renovado de desenvolvimentourbano.

Se o espírito do Urbanismo corbusiano, provavelmente a expressãomais acabada do planejamento urbano convencional, admite ser sintetizadocomo uma busca da racionalidade e da ordem, o planejamento urbano alter-nativo tem na busca da justiça social na cidade sua prioridade máxima. En-quanto o Urbanismo modernista, pensando assim melhor adequar o espaçourbano às necessidades do capitalismo industrial, elegeu a separação rígidade funções (habitar, produzir, circular, recrear-se) como a essência do zoning

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urbanístico, as preocupações centrais do planejamento urbano alternativo sãooutras: combater a especulação imobiliária e a apropriação privada muitodesigual do resultado de investimentos públicos - combate esse que aindapode ter como subproduto um aumento de arrecadação, mediante instrumen-tos como o IPTU progressivo e a contribuição de melhoria - e alavancar umamelhor distribuição de investimentos públicos em infra-estrutura pelo espaçoda cidade, a fim de minimizar a segregação residencial e melhorar o acessodos mais pobres a equipamentos de consumo coletivo, Para essa promoçãode uma distribuição mais justa dos gastos públicos conta-se, inclusive, comum zoneamento bem diverso do zoning funcionalista: agora, o que importa édefinir e delimitar áreas prioritárias no que concerne aos investimentos públi-cos - notadamente favelas, que serão objeto de programas de urbanizaçãoe regularização fundiária, e loteamentos irregulares, que igualmente deverãoser regularizados e receber investimentos em infra-estrutura (RIBEIRO &CARDOSO, 1990). Ademais disso tudo, o planejamento alternativo empe-nha-se em fomentar a participação popular no planejamento, o qual passa aser entendido como um processo continuado, envolvendo uma dimensão po-lítica de negociação, e não como a simples elaboração de um documentotécnico. Com isso, O planejamento urbano alternativo aparece como uma es-pécie de variante de esquerda do chamado planejamento estratégico, emcujo âmbito abandona-se um dos preceitos do planejamento convencional, edo Urbanismo corbusiano em particular, para o qual planejar era uma tarefatécnica (e não um processo técnico-político) que cabia ao corpo técnico, esomente a ele, realizar, como porta-voz da racionalidade, a qual é reduzida auma racionalidade instrumental.

Diversamente do planejamento urbano convencional e de sua leiturado que seja "desenvolvimento urbano", e diversamente, também, do "desen-volvimento urbano sustentável", no caso do planejamento urbano alternativonão se está diante de um corpus teórico essencialmente fabricado nos gran-des centros intelectuais e acadêmicos dos EUA e da Europa, mas de umaproposta em larga medida autóctone. Sua originalidade, é bem verdade, nãose encontra exatamente no plano dos instrumentos, individualmente conside-rados, mas sim no nível da concepção geral, derivada do ideário da reformaurbana. O que explicaria essa dimensão autóctone do planejamento urbanoalternativo, coisa tão rara em um país onde a maior parte da produção nasciências sociais é um reflexo de idéias e agendas exógenas? É necessárioter em mente que os desafios brasileiros são, devido ao caráter agudo daproblemática social em nossas cidades, diferentes daqueles enfrentados nospaíses ditos desenvolvidos; no "Primeiro Mundo", a alternativa tem girado,fundamentalmente, em torno do "desenvolvimento urbano sustentável" e depropostas concernentes a um "planejamento ecológico". São as peculiarida-des brasileiras em matéria de problemas, aliadas, outrossim, às nossasespecificidades no que diz respeito à complexidade da urbanização e às nos-sas vantagens no que toca ao nível da produção intelectual que já se alcan-

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çou em nossas universidades e nos demais ambientes de pesquisa e refle-xão, que explicam o fato de sermos, nesse particular, claramente tambémprodutores de idéias, e não apenas importadores.

O planejamento urbano alternativo pensado e praticado desde a viradada década de 80 para a de 90 não representa, porém, um desdobramentoperfeitamente natural e tranqüilo do ideário da reforma urbana construído emmeados da década passada. Essa ressalva, que é capital, exige um esclare-cimento cuidadoso.

Em 1986 organizou-se um Movimento Nacional de Luta pela ReformaUrbana, aglutinando uma pletora de entidades profissionais e associativas.Sua meta precipua era a elaboração de uma emenda popular, a ser encami-nhada para a Assembléia Nacional Constituinte, a qual foi instalada em feve-reiro de 1987 com a incumbência de preparar a nova Carta Magna do país. Aexpectativa gerada foi, na época, enorme; não obstante o fato de a emendapopular pela reforma urbana ter sido subscrita por "apenas" cerca de 130.000eleitores, contra mais de um milhão de assinaturas que chegaram a ser colhi-das em apoio da emenda pela reforma agrária (GUIMARÃES, 1997:75), ain-da assim a empolgação em torno da reforma urbana foi bastante expressiva.Da emenda popular restou, contudo, ao final de um longo processo de"enxugamento" e alteração pela Assembléia Constituinte (processo esse des-crito em GUIMARÃES & ABICALlL [1990] e GUIMARÃES [1997]), pouca coi-sa, distribuída em dois artigos no texto definitivo da Constituição (artigos 182e 183). Embora fazendo referência à necessidade de se garantir uma "funçãosocial da cidade" e explicitamente elencando, como instrumentos de combateà especulação imobiliária, o parcelamento e a edificação compulsórios, o IPTUprogressivo e a desapropriação, o artigo 182 transfere a responsabilidade deparametrizar essa "função social" para a esfera municipal, mediante o planodiretor, tornado obrigatório para cidades de mais de vinte mil habitantes. Vagoe ralo, o texto constitucional deixou nada além de um modestíssimo ponto deapoio para esforços mais ousados a serem tentados em nível municipal. Ape-sar disso, na busca de sacudir a poeira e dar a volta por cima, muitos setoresque haviam estado comprometidos com a mobilização pela reforma urbanainiciaram uma reorganização da frente de batalha, entendendo que o planodiretor poderia, eventualmente, ser um instrumento eficaz para a promoçãoda reforma.

Mesmo antes da derrota na Constituinte a bandeira da reforma urbanaera - seja desculpado o pleonasmo - "reformista". Afinal. não se tratava denegar a propriedade privada ou fazer-lhe oposição sistemática. mas sim deuma estratégia que visava ao amparo na legalidade e buscava jogar com aspróprias contradições da sociedade existente, na expectativa de que a propri-edade privada pudesse ser, por assim dizer, domesticada, desempenhandouma "tunção social", o que tornaria a própria cidade mais justa. Essa relativaacomodação aos marcos da ordem vigente acentua-se no âmbito do planeja-mento urbano alternativo, bastante vinculado à idéia dos planos diretores como

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instrumentos reformistas, que emerge após a derrota de 1988. Aos instru-mentos de planejamento específicos cumpriria definirem os parâmetros le-gais, no contexto do plano diretor, para a efetivação dessa domesticação dapropriedade privada ou, para usar a vaga expressão presente na Constitui-ção, da "função social da cidade".

Acontece, porém, que a referida derrota não foi, como muitos imagina-ram, meramente tática, e sim estratégica, com conseqüências de longo pra-zo, como o autor destas linhas ressaltou já em trabalho anterior (SOUZA,1993). Desde fins dos anos 80 foram várias as tentativas de colocar em prá-tica a reforma urbana através de planos diretores municipais, sendo constan-temente lembradas experiências como a de Angra dos Reis (RJ) (vide GU 1_MARÃES, 1997) e a de São Paulo durante a gestão Luiza Erundina (verROLNIK et aI., 1990). RIBEIRO (1995) constatou. ademais, que, nas cinqüen-ta maiores cidades do país, boa parte já havia incorporado em suas leis orgâ-nicas municipais e planos diretores, em 1994, um espírito progressista,constatável através da presença de diversos instrumentos regulatórios avan-çados e da criação de conselhos de desenvolvimento urbano com participa-ção popular. Conforme o próprio trabalho de Ribeiro deixa claro, no entanto, ograu de consistência dos documentos é bastante variável, e na maioria doscasos a efetiva implementação dos conselhos abertos à participação populartem sido, no mínimo, precária. Além disso, o que normalmente se perde devista é que, a despeito dos avanços aqui, ali e acolá (e já lá se vão dez anosdesde a promulgação da Constituição), os casos mais ou menos bem-sucedi-dos são, ainda, uma pequena minoria no universo dos cerca de 1.000 municí-pios brasileiros que têm mais de vinte mil habitantes.

A par de vários outros problemas, que por motivos de espaço serãoaqui deixados de lado (tais como deficiências dos próprios instrumentos),faz-se mister entender que, ao empurrar-se a responsabilidade para o nívelmunicipal, sem que a amarração no texto constitucional fosse algo mais sóli-do (e a própria legislação ordinária federal que deve regulamentar os artigos182 e 183 até hoje não foi votada!), criou-se uma situação que limita enormenteas chances de que, na maioria dos municípios, chegue-se a algum resultadoque seja, pelo menos, razoável. Por quê? Basta, para perceber-se isso, quese lenha diante dos olhos a imensidão da tarefa e a heterogeneidade da rea-lidade brasileira: cerca de mil municípios, na maioria dos casos com prefeitu-ras desprovidas de quadros técnicos preparados, com uma vida políticamarcada pelo coronelismo, pelo patrimonialísmo, pela corrupção e pela fra-queza da sociedade civil, e ainda com lobbies poderosos contrários a umareforma urbana. Tornar realidade viva e atuante um plano diretor progressistaé, com efeito, uma penosíssima corrida de obstáculos que, na maior partedas cidades, tende a não ter final feliz: se existir, em dado município, umaconstelação de forças (partidos e sociedade civil) capaz de sustentar a elei-ção de um executivo local com real orientação progressista e aberto à partici-pação popular; se essa prefeitura progressista, uma vez eleita, dispuser de

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quadros técnicos competentes ou puder contar com apoio técnico externoadequado; e se a proposta de plano eventualmente enviada por essa hipoté-tica prefeitura progressista for, no essencial. acatada e aprovada pela Câma-ra Municipal- enfim, mesmo se tudo isso for cumprido, ainda restará o desa-fio de fiscalizar a implementação da lei.·É sintomático que mesmo algumasdas experiências tomadas como referências técnicas e políticas foram exitosasapenas parcialmente: em Angra dos Reis o plano foi, inicialmente, rejeitadopela Câmara, o que obrigou a Prefeitura a uma negociação para aprovar aomenos uma parte de sua proposta; na cidade de São Paulo foi ainda pior: aproposta do Executivo foi recusada pelo Legislativo municipal, e a idéia deum plano diretor extremamente avançado morreu por ali.

Não é infundada, logo, uma preocupação, externada em trabalho ante-rior (SOUZA, 1993:223),8 quanto ao perigo de se superestimarem os poderesdo plano e do planejamento e de se subestimar o caráter decisivo da práticapolítica, equívoco contra o qual muitos continuam parecendo não estar vaci-nados. Também merece ser renovada a desconfiança do autor de que alguns,no seu íntimo, inclinam-se a acreditar que o planejamento e o plano podemcompensar a falta de mobilização da sociedade civil (SOUZA, 1993:222-3).Existiria um certo viés tecnicista, subjacente a uma espécie de ethos"tecnocrático de esquerda", que veio se infiltrando insidiosamente na esteirade fenômenos da conjuntura política internacional (implosão do "socialismoreal", colapso do pensamento marxista, desorientação da esquerda) e nacio-nal (crise dos movimentos sociais urbanos)? Um caso, pois, de auto-enganopor parte de intelectuais acolhedores de uma matriz discursiva social-refor-mista e antitecnocrática, mas ao mesmo tempo envolvidos por dinâmicas queconvidam a uma reafirmação de práticas e valores tscnocrátlcos?

Do ponto de vista teórico e estratégico, enfim, avançou-se, a despeitodas ressalvas e dos senões anteriores; mas a idéia convencional de desen-volvimento urbano não foi, também aqui, verdadeiramente subvertida. É certoque o núcleo da idéia de desenvolvimento urbano vem a ser, aqui, a justiçasocial, e não a modernização; será o horizonte político-filosófico do planeja-mento urbano alternativo, porém, capaz de agasalhar uma percepção simul-taneamente radical e operacional do que seja justiça social? Ou tenderia,talvez, a relativa estreiteza desse horizonte, embebido no já mencionado ethos"tecnocrático de esquerda", a conduzir a que esse planejamento urbano alter-nativo acoberte, na prática e veladamente, uma visão de desenvolvimentourbano que seja uma espécie medíocre de modernização com injustiça socialatenuada, assim como o "desenvolvimento urbano sustentável" nada mais éque uma modernização com degradação ambiental mitigada? É sintomático,talvez, que não haja sequer um esforço sistemático de construção de um

a E também manifestada, já bem cedo, por outras poucas vozes mais ou menosdestoantes, como RIBEIRO (1990) e COELHO (1990).

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conceito alternativo: a maioria dos trabalhos esgota-se em vagas discussõessobre a "participação popular" e no esmiuçamento do potencial dos instru-mentos de planejamento, sem que se perceba que uma nova institucionalidade,como um orçamento participativo seriamente implementado, é, de longe, maisimportante que qualquer tributo ou zoneamento. Passe-se, portanto, para apróxima seção, na qual o assunto do orçamento participativo será retomado erecontextualizado.

Para além das críticas ambientalista e social-reformista

"Democracia" e "justiça social", assim como "socialismo" e váriasoutras expressões, encontram-se menos ou mais desgastadas, dadas a pro-miscuidade e a confusão reinantes no que concerne ao seu uso. Sua simplesmenção, hoje em dia, não sugere, para os espíritos mais avisados, necessa-riamente nada de sólido, para além de cantilenas e fórmulas simpáticas edeclarações de boas intenções repetidas ad nauseam. No que toca à palavra"socialismo", o presente autor acompanha, mais uma vez, o filósofo CorneliusCASTORIADIS (1983), o qual, há vinte anos, ponderava que ela, nebulosa esuficientemente desmoralizada por sua vinculação a um espectro de usuári-os capaz de abarcar da social-democracia mais acomodada ao stalinismomais brutal, deveria ser simplesmente deixada de lado. Mas, e quanto aoconteúdo "democrático" e de "justiça social" da gestão, do planejamento e,afinal, do desenvolvimento urbano? O que deve isso significar?

O conceito fundamental e parâmetro central de avaliação do desenvol-vimento - não somente urbano, mas em geral - é, para o autor deste traba-lho, a autonomia individual e coletiva. Mesmo sem compartilhar todas as pre-missas e conclusões relativas à excessivamente universalista "teoria dasnecessidades humanas" de DOYAL & GOUGH (1994), pode-se concordarcom estes autores em que, considerado o plano individual, a autonomia éfunção, substantivamente, das três coisas seguintes: do "grau de compreen-são que uma pessoa tem de si mesma, de sua cultura e do que se esperadela como indivíduo dentro da mesma; da "capacidade psicológica que pos-sui para formular opções para si mesma"; e das "oportunidades objetivas quelhe permitam atuar em conseqüência" (pág. 90). Caso a instituição da socie-dade seja, porém, fundamentalmente heterônoma, marcada por uma assimetriaestrutural de poder e por uma desigualdade profunda de chances de satisfa-ção de necessidades, inscritas ambas em uma relação dialética de alimenta-ção e retroalimentação com privilégios econômicos e constantementereproduzidas e sancionadas pelo imaginário social, a autonomia estritamenteindividual será uma ficção. Conquanto a dependência da autonomia individu-ai para com o entorno social do indivíduo não tenha passado despercebida aDoyal e Gough, é na obra pioneira de CASTORIADIS (1983; ver, também,CASTORIADIS, 1986a; 1986b; 1990; 1996a; 1996b; 1997) que se pode en-

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contrar o exame mais profundo disponível sobre as condições sociais do exer-cício da autonomia - ou, mais amplamente, sobre a natureza e as condiçõesda autonomia individual e coletiva, que são os dois lados da mesma moeda.Foi contra o pano de fundo da reflexão de Castoriadis sobre o projeto de umasociedade autônoma que o autor deste artigo, já em trabalhos anteriores,dedicados à questão do desenvolvimento em geral (SOUZA. 1996: 1997),elegera o referencial da autonomia como um parâmetro-chave para a avalia-ção das condições de justiça social."

Despojado da dimensão de autonomia, o desenvolvimento urbano, ouo desenvolvimento simplesmente, só pode ser, na melhor das hipóteses, umaespécie de modernização cum redução da pobreza e de danos e riscos ambi-entais sob a tutela de elites dirigentes mais esclarecidas. Pode-se cogitar, emum tal âmbito, de mais prudência ecológica, e até mesmo de uma atenuaçãoda segregação residencial, mas certamente não é o caso de esperar-se maisliberdade. A autonomia possui um valor intrínseco, ao menos no Ocidente, doqual o Brasil urbano, diga-se de passagem, de algum modo é parte integrante_ autonomia como o gozo da liberdade, e a liberdade como base da auto-estima individual e coletiva -, a par de um valor instrumenta/- autonomiapara fazer coisas, para continuar conquistando melhorias, para ousar supe-rar-se. Mesmo que a autonomia, como uma significação presente no imagi-nário, de ordinário se manifeste de maneira difusa e confusa em meio a umaapatia política generalizada induzida pelas regras do jogo e saudada pelospartidários das concepções elitistas de democracia que servem de sustentá-culo ideológico ao sistema representativo, é lícito duvidar: quem sabe, emtodas as circunstâncias, o que é melhor para o indivíduo ou o grupo - o pró-prio indivíduo e o próprio grupo ou os "especialistas", sejam eles os cientis-tas, sejam eles os políticos? A questão crucial, aqui, não é meramente "técni-ca", em sentido restrito e instrumental (isto é, a questão sobre como podemser alcançados com mais eficiência ou de modo mais adequado certos fins,momento em que o conhecimento técnico-científico certamente tem de reve-lar o seu papel de apoio à tomada de decisões); a questão crucial é política:quem define, explícita ou sub-repticiamente, os fins? Que instância de poder

9 Dificilmente uma palavra como autonomia, corrente em diversas linguas, consegui-ria ficar a salvo de interpretações e contextualizações divergentes, inclusive a pro-pósito da temática do desenvolvimento. O expert em desenvolvimento rural e ex-sacerdote Raff CARMEN (1996), para ficar em um só exemplo, utiliza profusamenteo termo, mas em um contexto teórico-conceitual não compartilhado pelo autor dopresente trabalho. Pouco avançando para além da reciclagem e do costuramento deenfoques de sabor terceiro-mundista e/ou grassroots conhecidos de décadas passa-das ("self-reliance", "desenvolvimento em escala humana", "small is beautifuf', "ter-ceira via"...), simpáticos mas nem sempre isentos de ambigüidades, o texto de Car-men, que passa ao largo da obra de Castoriadis, ressente-se de uma certa carênciade profundidade e novidade.

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determina as necessidades materiais e imateriais, que instância de poderpretende sonhar e desejar pelos próprios homens e mulheres concretos?

Uma cidade justa pressupõe uma sociedade justa, a qual, por sua vez,só o será se seu nomos e suas instituições garantirem o acesso igualitario àtomada de decisões: ou seja, garantirem a autonomia dos Indivíduos (pensa-dos não apenas individualisticamente, mas também como membros de gru-pos) e da sociedade. Essa é a base sobre a qual poderá, mais adequada elegitimamente, ser pensado e decidido o conteúdo substantivo de palavrascomo "justiça" e "bem comum", assim como "desenvolvimento". O recurso aindicadores específicos de bem-estar, sejam os mais convencionais e con-testáveis, como o aumento da renda per capita, sejam outros, mais sofistica-dos, como a diminuição dos níveis de segregação residencial, é imprescindí-vel a qualquer avaliação de situações concretas; no entanto, não sendo "qua-lidade de vida", "necessidades básicas" e mesmo "justiça" categorias cujoconteúdo seja completamente transcultural e a-histórico (a despeito de toda aglobalização), impõe-se reconhecer que os indicadores específicos só fazempleno sentido se subordinados à autonomia enquanto princípio ético-políticoe critério de avaliação - isto é, se forem estabelecidos e monitorados pelospróprios citadinos, ainda que em parceria com pesquisadores e planejadores.

Qualidade de vida (bem como necessidades, aspirações, desejos, feli-cidade etc.) e justiça social se situam, todavia, em planos ontológicos distin-tos. Sem perder de vista que os indivíduos são condicionados no interior desociedades particulares que lhes incutem preferências e apresentam lequesde opções determinados, convém admitir que, em um certo sentido, qualida-de de vida (necessidades, aspirações ...) remete a julgamentos cuja esferaprópria é a privada (o indivíduo enquanto tal, a família, o oikos), ao passo quea justiça social deve realizar-se na e através da esfera pública (a esfera dopolítico). Ao menos em um universo onde a liberdade seja um valor central,como ocorre no Ocidente, heteronomia implica sempre, necessariamente,injustiça. E, na ausência de um processo de aumento das condiçõessocioeconômicas e políticas para o exercício da autonomia, não é possívelfalar, sem restrições, de desenvolvimento social ou sócio-espacial. Em últimaanálise, o desenvolvimento social pautado pela autonomia individual e coleti-va como princípio e parâmetro é, em um sentido profundo, um processo polí-tico (e apenas secundariamente "econômico"), que corresponde exatamentea uma mudança da instituição da sociedade e da organização espacial capazde propiciar mais justiça, nos marcos do que as escolhas individuais (a mo-delagem definitiva da qualidade de vida, a satisfação das necessidades etc.)tenderão a ser, tanto quanto possível, genuinamente livres.

Chega-se, então. a um ponto decisivo da argumentação. Se se acei-tar que a prática da livre participação na tomada de decisões e o gozo daliberdade não se podem desenvolver plenamente em uma sociedade capi-talista, cujas instituições mais típicas encarnam e reproduzem uma separa-ção estrutural entre dominantes e dominados, entre privilegiados e

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desprivilegiados,10 cumpre indagar: há, verdadeiramente, um compromissodo "desenvolvimento urbano sustentável" e do "planejamento urbano alter-nativo" com a conquista de condições gerais propiciadoras de uma signifi-cativa autonomia? Em que pese o fato de que o segundo se acha menosdistante desse compromisso que o primeiro, e em que pesem, também, umacerta heterogeneidade e a possibilidade de contradições no interior de cadauma dessas correntes, o que converte generalizações em um negócio de-veras arriscado, a resposta é: não.

Temido e olhado com desconfiança pelos vereadores, que - com todaa razão - nele enxergam um incômodo elemento de democracia direta aperturbar a "pureza" do sistema representativo (FEDOZZI, 1997), o orçamen-to participativo de Porto Alegre, experiência modelar que vem se aperfeiço-ando desde 1989, foi, significativamente, elogiado por ninguém menos que opróprio Castoriadis, o qual, tendo tido a oportunidade de conhecer in loco aexperiência, considerou-a próxima dos princípios autogestionários por eledefendidos (CASTORIADIS et ai., 1992:129). Sem querer exagerar o alcancedesse tipo de processo territorialmente referenciado de gestão compartilhadaou co-gestão, o fato é que ele oferece um gancho apropriado para se retomara discussão conceitual sobre o desenvolvimento urbano de maneira a valori-zar, consistentemente, a participação popular nesse contexto. Passível deser entendido, ele próprio, como um componente do ideário de um planeja-mento urbano crítico, o orçamento participativo possui uma importância quetranscende de muito a da discussão sobre os instrumentos de planejamentoem si mesmos e sugere um horizonte de questionamento da democracia libe-rai que não pode ser coerentemente abraçado quando se está amarrado pe-las cordas de um ethos "tecnocrático de esquerda", como acontece com omainstream do "planejamento urbano alternativo". Estar livre dessas cordas écondição stne qua non para ir além de um social-reformismo desprovido demaiores ambição e fôlego, percebendo-se que iniciativas como planos direto-res progressistas e mesmo orçamentos participativos devem constituir, tão-somente, o começo de uma longa, longa caminhada. Uma caminhada emcujo transcurso novos direitos serão conquistados, as fronteiras do possívelserão redefinidas e expandidas e espaços serão refuncionalizados oureestruturados em consonância com as transformações das práticas sociaise do imaginário.

O desafio crucial, o qual os estudiosos do urbano realmente compro-metidos com a humanização das cidades precisam se acostumar a enfrentar,é o de, por um lado, reconhecer que a minimização satisfatória da degrada-ção ambiental e a edificação de instituições efetivamente garantidoras de igual-

10 Talvez o leitor ache dogmático não fazer acompanhar esse pressuposto de umaargumentação especifica, mas não há espaço para discutir o assunto aqui. Trata-mentos apropriados do tema podem ser encontrados, por exemplo, em CASTORIADIS(1983; 1996~ 1996b; 1997).

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dade de oportunidades continuam a reclamar uma crítica corajosa do capita-lismo - aliás, não apenas do "modo de produção", mas do modelo civilizatório,o que inclui o imaginário e a produção de subjetividade, as relações de podere suas manifestações no espaço. Por outro lado, não basta ampliar e modifi-car os horizontes da crítica; cumpre, igualmente, arquitetar estratégias viá-veis e operacionais, das quais o orçamento participativo porto-alegrense podeservir de exemplo. O estabelecimento da autonomia em sentido forte (confor-me exposta por Castoriadis) como horizonte de pensamento e ação não éincompatível com o uso do referencial em sentido mais fraco ou relativo (mai-or ou menor autonomia), como parte de uma trajetória concreta de conquistade direitos e liberdades.

Menos que uma conclusão, o que se quis, nesta última seção, foi pro-piciar uma nova abertura: um convite à meditação sobre a necessidade deultrapassar as críticas ambientalista e "social-reformista" à noção mais con-vencionai de desenvolvimento urbano mas, ao mesmo tempo, recolhendo,dialeticamente, suas contribuições positivas. O autor acredita que, com res-paldo no referencial da autonomia, é possível purgar, de maneira a mais efi-caz possivel, a noção de desenvolvimento urbano de seus elementos conser-vadores; isso com vistas à construção de um conceito que atue como umfarol a iluminar uma incorporação socialmente crítica do imperativo de pre-servação ambiental e um tratamento mais ambicioso da bandeira de umagestão democrática do espaço urbano, no âmbito de estratégias de desenvol-vimento não-convencionais.

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