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Curso PSICOPEDAGOGIA
INSTITUCIONAL
Disciplina DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM
Curso PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Disciplina DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Carol KWEE Revisado por Simone FERREIRA
www.avm.edu.br
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05 Apresentação
07
Aula 1 O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características
27 Aula 2 Representação da linguagem
46 Aula 3 Dificuldades de comunicação e linguagem
63 Aula 4 Educação especial nas deficiências auditivas
85 Referências bibliográficas
Desenvolvimento da Linguagem
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Esta disciplina visa apresentar o fascinante mundo da linguagem e todo o processo de aquisição no desenvolvimento humano. Sabemos que este processo, também, envolve dificuldades e impasses que podem comprometer o aprendizado de crianças em idade escolar, por isso, propomos discussões na visão de diferentes teóricos da lingüística e da psicologia. Finalmente, na última aula apresentamos as principais diferenças entre as pessoas surdas, o desenvolvimento das crianças deficientes auditivas e sua avaliação, além de um conjunto de orientações sobre a educação de alunos deficientes auditivos.
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Este caderno de estudos tem como objetivos:
� Compreender o desenvolvimento da linguagem, desde a fase
pré-verbal, como relevante para a aquisição da linguagem e expressão de desejos e sentimentos;
� Conhecer algumas teorias sobre o desenvolvimento da linguagem e as habilidades comunicativas da criança, além de algumas propriedades que sugerem o funcionamento de um processo endógeno de maturação;
� Identificar as diferentes formas como se apresentam os distúrbios de audição e de linguagem que podem afetar o processo de aprendizagem e de escolaridade das crianças;
� Apresentar a etiologia da surdez, destacar as dificuldades na comunicação da criança surda e reconhecer a importância da LIBRAS.
Desenvolvimento da Linguagem: definições, conceitos e características Caroline Kwee
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Nesta aula, apresentamos as principais discussões sobre o processo de aquisição da linguagem na visão de lingüistas e psicólogos. Serão tratados conceitos como fala, linguagem e comunicação. Discutiremos os aspectos quanto à percepção dos sons da fala nos bebês para a habilidade lingüística. Ao final, abordaremos alguns problemas em relação ao desenvolvimento da linguagem.
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Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Compreender o desenvolvimento da linguagem, desde a fase
pré-verbal, como relevante para a aquisição da linguagem; � Identificar a função essencial da linguagem de expressar
desejos e sentimentos; � Conhecer os aspectos mais significativos do desenvolvimento
da linguagem e seus principais problemas.
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 8
Introdução
Sem dúvida, o aparecimento da linguagem no
bebê é uma das fases mais esperadas pelos pais.
Aproximadamente aos seis meses, ouvimos o bebê
balbuciando alguns sons; aos dezoito meses, ele já é
capaz de falar de vinte a trinta palavras e aos três
anos, consegue frases longas e contar breves
acontecimentos. A maioria de nós acha muito natural
todo esse processo e não nos damos conta de como é
rápida a aquisição da linguagem nas crianças. Como
conseguem empregar corretamente todas as estruturas
da língua? A linguagem é inata? É ensinada de maneira
direta? A criança aprende o que escuta? Fala,
linguagem e comunicação são sinônimos?
Para os psicólogos e para os lingüistas, a rápida
e hábil aquisição da linguagem por parte da criança
ainda é um enigma. O campo do desenvolvimento da
linguagem tem sofrido uma metamorfose espantosa
nos últimos 25 anos graças ao trabalho de Noam
Chomsky, George Miller, Roger Brown, entre outros
(Flavell, 1999). Em conseqüência disso, o
desenvolvimento da linguagem se tornou uma das
áreas mais estimulantes e desafiadoras em toda a
psicologia do desenvolvimento. Apropriando-se em
grande parte do desenvolvimento cognitivo, a
linguagem também possui quantidade significativa da
teoria lingüística que tenta explicar o volume espantoso
de conhecimentos gramaticais complexamente
organizados que um falante possui. O entusiasmo vem
de tentar imaginar como, afinal de contas, uma pessoa
poderia ter adquirido tudo isso enquanto criança.
Bem vindo ao maravilhoso mundo da linguagem!
Introdução 08 Principais definições 09 Desenvolvimentos pré-verbais 10 O desenvolvimento comunicativo dos bebês 15 As primeiras palavras 17 A interação com as emoções 19 As vocalizações de duas palavras 20 A semântica 21 A sintaxe 21 As inflexões 22 Negação e perguntas 23 Considerações finais 24
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 9
Principais definições
FALA
Constitui-se na produção verbal que inclui
componente fisiológico e lingüístico. O primeiro
compreende a capacidade de articulação (estrutura
anatômica: cavidade oral, ressonadores, língua, véu
palatino), tratada sob o aspecto fonético. O segundo
compreende o som ou o sistema fonológico da língua.
A fonologia é o estudo da linguagem falada, que tem
por objetivos: (a) descrever os padrões de som da
língua; (b) descrever a organização dos sons da fala na
mente; (c) descrever como as línguas diferem entre si
nesta organização e (d) descobrir os universais
fonológicos – propriedades comuns das línguas. Assim,
todos os seres humanos possuem o mesmo mecanismo
articulatório, mas cada língua possui um sistema
fonológico diferente.
LINGUAGEM
É o sistema simbólico usado para representar os
significados dentro de uma cultura. Didaticamente,
separamos em cinco componentes:
� Fonologia: representa o sistema de sons de
uma língua;
� Prosódia: melodia e entonação;
� Sintaxe: unidades gramaticais usadas para
transmitir o significado;
� Semântica: relação entre significado e
significante;
� Pragmática: uso da língua como interação
social, e o efeito do seu uso sobre os outros;
é o estudo dos princípios que regem o uso
comunicativo da Língua, especialmente como
encontramos nas conversas.
Dica da professora
Agora você já consegue dizer o que o papagaio possui? Fala, linguagem ou comunicação?
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 10
COMUNICAÇÃO
Abrange a fala e a linguagem, mas sua aplicação
não se restringe a elas. É o estabelecimento de uma
relação comunicativa, com transmissão de algum ato
comunicativo identificável pelos participantes.
Desenvolvimentos pré-verbais
PERCEPÇÃO DOS SONS DA FALA
Existem dois aspectos quanto à percepção dos
sons da fala nos bebês. Um deles diz respeito às
preferências, o outro às habilidades. Quanto às
preferências, as colocações são bem claras: os bebês
gostam de ouvir a fala. Desde o nascimento, o bebê
parece estar pré-sintonizado e predisposto a sintonizar
o som da fala.
A preferência dos bebês vai além da fala e não-
fala, desde cedo, demonstram uma preferência pelo
“maternês” – nome dado ao tipo de fala que as mães
têm com seus filhos, caracterizada pelo tempo lento, o
tom alto e a entonação muito exagerada. Ele é, em
suma, um forte indicativo de que existe um bebê por
perto.
Os bebês preferem a voz das suas mães àquelas
de outras pessoas. Pesquisas demonstraram estas
preferências já no primeiro mês de vida, além disso, os
autores concluíram que dentro dos três primeiros dias
de nascimento, os neonatos preferem a voz humana e
demonstram preferência pela voz das suas mães,
mesmo com uma exposição materna apenas limitada.
Como bebês tão pequenos podem ter aprendido
a reconhecer e preferir uma voz específica? Uma das
respostas pode ser a de que o sistema auditivo está
Para pensar
Já parou para observar como as mães e muitas vezes nós mesmos, modificamos nossa maneira de falar com os bebês e as crianças pequenas? Perceberam como os pequenos ficam atentos? Experimente falar de outro modo e registre as reações deles.
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 11
ativo algumas semanas antes do nascimento e que o
bebê é, então, exposto à voz da mãe durante o período
pré-natal.
Uma outra pesquisa, muito interessante sobre a
capacidade desta percepção auditiva pré-natal, vale a
pena ser citada aqui: De Casper e Spence, em 1986 (in
Flavell), pediram a mulheres grávidas que lessem
histórias em voz alta duas vezes por dia nas seis
últimas semanas de gravidez (um desses livros, era “O
Gato de Chapéu” do Dr. Seuss) .
Dois dias depois do nascimento, os
pesquisadores realizaram a testagem baseados na
sucção diferenciada e descobriram que os bebês
sugavam mais diligentemente quando escutavam a
história que escutavam no período pré-natal, mesmo
que ela não fosse lida por sua mãe! Neste caso, não
foram comparadas vozes diferentes, mas histórias
diferentes. É claro que nada tem a ver com o conteúdo
da história, mas com aspectos do ritmo ou
encadeamento. De alguma forma, os bebês retiveram
muito mais da sua experiência pré-natal do que a
maioria de nós pensava ser possível.
Porém, uma dupla de pesquisadores estudou
uma pequena (nove bebês) e curiosa amostra: filhos
normais de pais surdos. Esses bebês estão expostos a
muito menos estímulo auditivo no período pré-natal e
pós-natal, e estão expostos a um diferente tipo de
linguagem: a língua dos sinais. O curioso, aqui, é que
os primeiros sinais referenciais e as primeiras palavras
surgem quase na mesma época e que as primeiras
palavras faladas aparecem em uma época inteiramente
normal, apesar do fato de estes filhos e pais surdos
ouvirem comparativamente pouca linguagem falada.
Esta acentuada semelhança na seqüência e no
timing das primeiras etapas da linguagem da criança
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 12
apóia fortemente o argumento de que o bebê está de
alguma forma aparelhado para aprender algum tipo de
linguagem, seja ela falada ou gestual.
Todas estas preferências parecem ser
adaptativas não apenas para a tarefa de aprender a
linguagem, mas para a tarefa igualmente importante de
se apegar à mãe.
Outro ponto importante que os estudos sobre a
percepção dos bebês abordam é a capacidade que eles
têm de processar os sons da fala. Ou seja, além de
perceber a fala como um todo, as crianças devem
perceber que ela é composta de diferentes “pedaços”
organizados e unidos formando palavras. Como a
criança consegue perceber as diferenças entre os sons
tão semelhantes como um “pa” e um “ba”, por
exemplo? É a este aspecto que as pesquisas nos
últimos 20 anos foram dedicadas e mais uma vez, elas
provaram que os bebês são muito mais competentes do
que pensávamos.
A diferença entre um “pa” e um “ba”
(resumidamente) é o contraste fonológico (veja a
definição de fonologia!). A estrutura sonora deles é
diferente e as crianças são capazes, na sua grande
maioria, de perceber e reproduzir essa diferença.
Parece bastante lógico e claro, mas se prestarmos
atenção às crianças que possuem algum distúrbio da
linguagem falada, com trocas, erros ou omissões
(podendo até se estender ao processo da escrita),
perceberemos que alguma dificuldade ocorreu nesse
processo e o quanto é delicado, e por vezes demorado,
seu tratamento.
A capacidade precoce de fazer essas
discriminações poderia ser o resultado da
aprendizagem perceptiva, isto é, adquirida pelos
Para pensar
Poderemos, então, acreditar que a capacidade para “aprender” está localizada muito antes do que imaginávamos? Pense nisso.
Para pesquisar
Procure pesquisar sobre a Teoria do Apego de John Bowlby. Interessantíssimo!
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 13
bebês pela experiência de ouvirem as falas a sua volta?
Parece que a resposta não pode ser um simples sim.
Primeiro, porque foram efetuados testes em bebês bem
pequenos (1 mês). Isto sugere que eles podem ter essa
capacidade antes de qualquer experiência no mundo
falado; segundo, bebês que nascem em uma
comunidade lingüística e se mudam para uma outra
diferente, também, adquirem a capacidade de perceber
as discriminações dos contrastes da outra língua. Isso
explica por que as crianças conseguem aprender com
mais facilidade outras línguas em comparação com os
adultos.
As competências que descrevemos, até agora,
nos levam à seguinte hipótese: estamos equipados
desde o nascimento com uma modalidade altamente
especializada de percepção chamada modalidade de
fala, criada especificamente para nos ajudar a adquirir
essas funções fonológicas encontradas na fala humana.
PRODUÇÃO DOS SONS DA FALA
A linguagem envolve a produção bem como a
recepção, e o lado produtivo desta iniciativa, também,
tem origem no bebê muito antes do aparecimento das
primeiras palavras.
Entre os quatro e seis meses de idade,
aproximadamente, os bebês começam a balbuciar, isto
é, fazer vocalizações que soam muito semelhantes à
fala. Os bebês, geralmente, continuam a balbuciar um
pouco, mesmo depois de terem começado a produzir
palavras, por volta de um ano e meio. Existem bons
motivos para acreditar que, pelo menos, o
aparecimento e o curso inicial dos balbucios sejam, em
grande parte, controlados por fatores maturacionais
mais do que por estímulos do ambiente externo.
Primeiro, bebês do mundo inteiro começam a balbuciar
Dica da professora
Procure saber da validade de se aprender outras línguas na Educação Infantil. Você acredita que as crianças aproveitarão esse aprendizado?
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 14
mais ou menos com a mesma idade e seus sons iniciais
de balbucio soam muito parecidos aos de uma
comunidade de fala para outra; segundo, os bebês
balbuciam mesmo quando seus pais são surdos ou os
próprios bebês não conseguem ouvir; por último, não
há evidências de que seja possível modificar os tipos de
sons que os bebês produzem através de modelagem ou
reforço.
Muito do interesse nos balbucios reside nas
possíveis ligações com as primeiras palavras e a
linguagem. Seria o balbucio um período preparatório
para a linguagem, uma fase na qual os bebês praticam
e aperfeiçoam os sons de que vão precisar quando
começar a falar? Por mais evidente que seja esse
raciocínio, não é possível fazer essa afirmação.
Pesquisas feitas com bebês traqueostomizados
(intervenção cirúrgica laríngea), por exemplo,
comprovaram que eles adquiriram e desenvolveram
uma linguagem excelente quando recuperados, sem
necessariamente terem passado pelo período do
balbucio.
Por outro lado, é simplesmente difícil de
acreditar que poderia existir um período de balbucios
universal e extenso se ele não tivesse algum papel no
desenvolvimento da linguagem. Pesquisas realizadas
por Messick (1984) demonstraram, experimentalmente,
que as crianças aprendem e usam palavras novas mais
prontamente quando contêm sons que elas já
balbuciam. Além disso, muitas funções importantes da
linguagem como pedir, afirmar, negar – emergem
primeiro no bebê, antes do aparecimento da linguagem.
PRIMEIROS GESTOS
Uma outra parte do processo de
desenvolvimento associado pode ser uma
espécie de linguagem gestual que se desenvolve por
Dica da professora
Escutar o balbucio dos bebês é simplesmente uma delícia, não é mesmo? Você conseguiria identificar algum som parecido com alguma palavra? Já tentou repetir esses sons para um bebê? Qual foi sua reação?
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 15
volta dos 9 ou 10 meses. Nessa idade, nós, pela
primeira vez, vemos bebês “exigindo” ou “pedindo”
coisas através de gestos ou combinações de gestos e
sons. Um bebê de 10 meses que, aparentemente, quer
que você alcance um brinquedo favorito, pode esticar-
se e estender a mão para ele, abrindo e fechando a
mão, fazendo sons de gemido. Não há dúvida quanto
ao significado.
Mais ou menos na mesma época, os bebês
começam a fazer aqueles jogos gestuais que as
pessoas adoram como “bater palminhas”, “tchau”,
“jogar beijo”. Juntando os balbucios com esses
comportamentos, podemos perceber uma série de
mudanças ocorrendo por volta dos 9 ou 10 meses: o
início dos gestos significativos, a passagem do balbucio
para os sons da linguagem, jogos gestuais imitativos e
o entendimento de palavras distintas. É como se a
criança agora compreendesse alguma coisa sobre o
processo de comunicação e estivesse pretendendo se
comunicar com o adulto.
O desenvolvimento comunicativo dos
bebês
Os bebês pré-verbais podem enviar e receber
mensagens de várias maneiras. Eles podem envolver e
direcionar a atenção das pessoas por meio de ações
vocais e gestuais, inversamente, eles se tornam
capazes de responder às ações de direcionamento de
atenção de outras pessoas, por exemplo, olhar para
onde outra pessoa está olhando ou apontando. Eles
podem iniciar e manter interações com os outros
mantendo contato visual com eles – um
comportamento de enorme valor reforçador para os
pais. Eles, também, podem terminar interações
desviando seu olhar da outra pessoa.
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 16
De início, os bebês não possuem intenção
comunicativa. O choro do recém-nascido faminto envia
uma mensagem, mas ela não é carregada de uma
comunicação intencional. Entre esse tipo de choro e o
apontar de um bebê de 18 meses para algum objeto,
existe um longo caminho percorrido. Sempre há o
perigo de vermos mais no ato comunicativo da criança
do que ela mesma pretende ou até mesmo de
entendermos tudo errado. Isso acontece o tempo todo:
nossas interpretações moldando o comportamento
lingüístico das crianças. Portanto, a maioria dos
pesquisadores concorda que as crianças são capazes de
comunicação intencional por volta de 1 ano.
As comunicações pré-verbais dos bebês
englobam formas precoces de dois atos de fala básicos:
pedir e afirmar. Pedidos de objetos que estão fora do
alcance podem ser feitos por meio de gestos urgentes
de mãos esticadas, como já descrevemos. Os
precursores das afirmações parecem muito diferentes.
Os bebês vêem objetos que lhes interessam e os
tocam, seguram e mostram ou apontam para eles.
Quando mostra, não oferece, mas procura os olhares
de outras pessoas para ver se compartilham daquele
momento interessante.
Além de aprender como enviar e receber
mensagens específicas, os bebês aprendem algumas
coisas sobre como se comportar em um diálogo não-
verbal contínuo, envolvendo uma seqüência alternada
de envio e recebimento comunicativo. Por exemplo, é
provável que eles tenham aprendido a se alternar em
jogos de esconde-esconde ou outras rotinas interativas
ritualizadas. Esta habilidade vai lhes servir bem mais
tarde quando eles começarem a se envolver em
conversações verbais.
Para pesquisar
Observe como um bebê pré-verbal se comporta para pedir água, por exemplo. Anote as diferentes comunicações que eles utilizam.
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 17
As primeiras palavras
As crianças, geralmente, começam a produzir as
primeiras palavras entre 10 e os 13 meses e idade.
Elas entendem, pelo menos, algumas palavras antes
das primeiras produções próprias, e a maioria delas
entende mais do que pode produzir. Este, na verdade,
é um padrão que se aplica por um período extenso e a
uma variedade de aspectos da linguagem: as crianças,
muitas vezes, compreendem mais do que produzem.
A primeira palavra do bebê é um acontecimento
que os pais aguardam ansiosamente, mas é muito fácil
deixar de percebê-la. Uma palavra, como os lingüistas
normalmente definem, é um som ou conjunto de sons
usado consistentemente para se referir a uma coisa,
ação ou qualidade. Mas ele pode ser qualquer som, não
necessariamente um som igual às palavras que os
adultos usam.
Freqüentemente, as primeiras palavras da
criança são usadas apenas em uma ou duas situações
específicas e na presença de muitas sugestões. Alguns
lingüistas descrevem este período como aquele que a
criança “aprende o que as palavras fazem” (in Bee). A
criança aprende algumas palavras que comunicam em
determinadas situações interacionais, mas ainda não
compreende que as palavras são simbólicas – que elas
se referem a objetos e eventos.
Neste período inicial, as crianças costumam
aprender palavras muito lentamente, depois de muitas
repetições. É muito comum que elas levem 6 meses
para aprender um vocabulário de 30 palavras.
O crescimento do vocabulário procede
lentamente, no início, para a maioria das crianças. Por
volta dos 18 meses, entretanto, muitas delas
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 18
demonstram um “estirão” no aprendizado de palavras,
o qual foi denominado explosão de nomeação (in
Flavell). A explosão de nomeação é um fenômeno que
pode ser muito familiar para os pais: a criança
descobriu que as coisas têm nomes, e agora –
incansável e incessantemente – exige saber quais são
eles. Muitas crianças, nesta fase, aprendem 10, 20 ou
30 palavras num período de poucas semanas. Elas
aprendem palavras novas com poucas repetições, e
generalizam essas novas palavras para muitas
situações.
As primeiras palavras, muitas vezes, referem-se
a objetos e eventos importantes para as crianças:
familiares, animais, veículos, brinquedos, comestíveis,
partes do corpo salientes (olho, mão, pé, cabeça), itens
do vestuário e utensílios domésticos (copo, prato). Elas
também aprendem cumprimentos (oi e tchau), ação
(embora, sair), termos de localização (lá). E as
classificações das palavras, ainda, são básicas
(cachorro – para todos os animais; flor – para todas as
plantas), denominamos a esse uso das palavras de
superextensão.
O sentido que as crianças dão às palavras tende
a ser menos estáveis e menos consistentes que a fala
dos adultos. Com sentidos complexos, a criança parece
deslocar as palavras de uma característica ou conjunto
de características para outro ao usar a mesma palavra
em diferentes situações.
Com as holofrases, a criança usa uma única
palavra, não para uma nomeação, mas para comunicar
um sentido de uma frase inteira. Assim, “bola” pode
significar “eu quero a bola”, “aquilo é uma bola”, “a
bola bateu em mim”.
Os desvios das crianças em relação ao uso
adulto não estão limitados a palavras do vocabulário
Importante
Já percebeu como isso acontece? È quando os pequenos olham para um cachorrinho e fala “au-au”, para um carro “bip-bip” etc.
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 19
adulto. Muitas crianças inventam palavras próprias
quando enfrentam o desafio de falar algo sobre o qual
ainda não têm uma palavra adulta. Estes neologismos
não estão ligados apenas às palavras faladas, eles,
surpreendentemente, aparecem também em crianças
surdas que se utilizam da língua de sinais, inventando
gestos para palavras que ainda não conhecem. O
importante, nesse item, é termos em mente que as
crianças sabem mais sobre a linguagem do que revela
sua própria fala.
A interação com as emoções
Uma função essencial da linguagem é expressar
desejos e sentimentos. Os bebês certamente têm
sentimentos e desejos e encontram maneiras, desde
muito cedo na vida, de comunicá-los com os que estão
à sua volta.
A questão dos elos entre a emoção e a
linguagem é intrigante porque regiões diferentes do
cérebro são especializadas na expressão emocional
(hemisfério direito) e na linguagem (hemisfério
esquerdo). Pesquisas demonstram uma descoberta que
as crianças pequenas que expressam mais suas
emoções são mais lentas na aquisição da linguagem
precoce como as primeiras palavras, o estirão de
vocabulário e as vocalizações de múltiplas palavras.
Uma possível explicação é a proposta de Bloom
(in Flavell) de que estas duas atividades mentais, a fala
e a expressão emocional, competem por recursos
cognitivos nos bebês e nas crianças pequenas,
tornando difícil expressar emoções na fala. À medida
que o desenvolvimento da linguagem fica mais
automático para a produção da fala, estas duas formas
de expressão se integram.
Para pensar
Você se lembra de alguma “invenção” lingüística da sua infância? O que elas significavam? Determinavam as ações do objeto ou eram parecidas com a palavra adulta?
Dica da professora
Na sua prática, com certeza, já teve oportunidade de tentar consolar alguma criança pequena enquanto ela chora. Já percebeu que as explicações vêm sempre depois (às vezes, bem depois) do choro? Outras vezes, as palavras vêm desconectadas e sem sentido, ou aparecem repetições. E em um momento de excitação positiva? Já percebeu se há essa mesma dificuldade?
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 20
As vocalizações de duas palavras
Por volta dos 18 meses, as vocalizações de uma
palavra começam a ser unidas por expressões de duas
ou até mais palavras. Começamos a escutar “quer
biscoito”, “mais papá”. Um pouco antes disso, já
percebemos as vocalizações de duas palavras com uma
pequena pausa entre elas “mais (pausa) leite”. A
entonação e a ligação contextual (semântica)
evidenciam o claro esforço que as crianças fazem para
produzir vocalizações mais longas. Esta situação é
comum em todo o processo do desenvolvimento da
linguagem: primeiro as partes isoladas, depois as
combinações.
Notamos, também, que a fala é “telegráfica”.
São omitidas as palavras de ligação das construções
frasais, tais como os artigos (o, a); conjunções (e);
verbos auxiliares (pode, vai); preposições (em) e
quaisquer inflexões morfológicas (como os gerúndios).
Uma explicação para isso é que as crianças tendem a
reproduzir aqueles aspectos da fala que recebem a
ênfase mais forte de entonação (substantivos, verbos,
adjetivos) e deixam de fora as menos enfatizadas.
Uma característica, pelo menos surpreendente, é
a capacidade criativa que as crianças têm nesta fase.
Produzem vocalizações que não poderiam ser fruto da
imitação dos adultos, mas utilizadas como uma saída
para expressões que ainda não conhecem. Permitam-
me um exemplo pessoal: “Acabou dormir!” – gritava
meu filho mais velho, do berço, quando acordava de
manhã. A originalidade das vocalizações infantis nos
mostra que as crianças não estão simplesmente
reproduzindo o que ouviram, mas criando frases e
vocabulários a partir de uma espécie de regra. Não é
fantástico?!
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 21
A semântica
Como vimos anteriormente nas definições, a
semântica é a relação entre o significando e o
significante, ou seja, a relação da palavra com o que
ela representa. Leia a palavra BOLA. Com certeza, você
fez uma imagem mental de alguma bola, não é
mesmo? É isso que queremos (resumidamente) dizer
com o estudo da semântica. Como as palavras são
unidas por um sentido.
Parece que as crianças organizam as palavras
iniciais por sentidos característicos e os pesquisadores
determinaram oito relações semânticas: agente-ação
(mamãe beija); ação-objeto (dá bola); agente-objeto
(mamãe roupa – para tirar ou colocar a roupa); ação-
locativo (senta cadeira); entidade-locativo (copo
mesa); possuidor-possuído (carro papai); entidade-
atributo (carro grande); demonstrativo-entidade
(aquele carro). Além destes, apresentam também
relações de recorrência (mais biscoito) e não-existência
(acabou biscoito). Bem, com certeza, vocês já ouviram
estes tipos de exemplo e talvez outros tantos em
diversas ocasiões. Mas, será que quando a criança diz:
“carro papai”, ela se refere realmente à relação de
possuidor-possuído – tem a noção de que aquele carro
pertence ao pai ou está simplesmente verbalizando o
fato de ver seu pai dentro de um objeto tão
interessante? Para tanto, precisamos avaliar como as
crianças constroem o significado das suas estruturas de
vocalizações frasais, com duas palavras, e qual seria o
real sentido destes significados. Parece existir, então,
algum conhecimento de gramática ou sintaxe.
A sintaxe
Então, que tipo de evidências comprovariam que
as crianças utilizam algum tipo de sintaxe na
construção de duas palavras? A possibilidade mais
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 22
clara é a de que a ordem das palavras modificaria seu
significado. “Carinho mamãe” para fazer carinho em
sua mãe e “mamãe carinho” para receber carinho dela.
É interessante notar que as crianças são sensíveis a
estas ordenações e fazem uso deste artifício para se
fazerem entender.
À medida que as frases das crianças crescem, as
evidências do conhecimento sintático se tornam mais
claras. Aparecem os gerúndios, os plurais e uma
característica hierárquica (substantivo + verbo). Entre
os 24 e 36 meses, as crianças ajustam e modulam as
frases com o uso do passado, associadas ao gênero e à
pessoa. Brown, em 1973 (in Flavell), fez um estudo
sobre a ordem destes aparecimentos (em inglês) que
ele denominou de morfemas gramaticais, afirmando
que a ordem de seu aparecimento é constante. O que
nos faz duvidar novamente da pura e simples
capacidade da linguagem ser aprendida através de
repetições e modulações ouvidas dos pais.
Os morfemas gramaticais aparecem na seguinte
ordem: plural, possessivo, uso da 3a pessoa do
singular, gerúndio, passado, artigo definido, artigo
indefinido, uso do verbo ser/estar como auxiliar e
principal.
As inflexões
Se eu sugerisse que vocês completassem a
seguinte frase: “Hoje o cachorro gafa. Ontem, o
cachorro, muito provavelmente, responderiam “gafou”,
numa inflexão da palavra para o passado, mesmo que
ela não faça nenhum sentido. Você pôde fazê-lo porque
seu conhecimento do passado em Português está
baseado não na memorização mecânica das palavras,
mas nas regras da língua.
Para pesquisar
Procure, na sua prática, listar o tipo de vocalizações de duas palavras que as crianças da sua comunidade (creche, crianças da família) fazem e compare com a ordem que aparece no texto. Será que o meio cultural influencia nessas vocalizações? Ou a aquisição e o desenvolvimento da linguagem seguem um padrão único?
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 23
As línguas humanas são fortemente regidas por
regras. Dominar a estrutura gramatical da língua nativa
é adquirir uma rica rede de regras funcionais e
implícitas. O mais impressionante é verificar como as
crianças conseguem perceber essas regras, aprender
as primeiras palavras de forma mecânica através de
repetições e modelos para logo depois utilizar uma
linguagem tão corretamente aplicada com todas as
intrincadas regras gramaticais, respeitando seu uso e
adequando aos seus conhecimentos. É óbvio que, no
início, escutamos suas tentativas de aplicar as regras
de forma indiscriminada como “lápises” para o plural de
lápis, ou responder “eu foi” para a pergunta, “você
foi?” Essas experimentações são um indício bem forte
para acreditarmos que as crianças aprendem as regras
e tentam enquadrá-las nas suas aquisições ao longo do
processo do desenvolvimento da linguagem.
Negação e perguntas
As aquisições gramaticais para as negações
também seguem uma seqüência fixa de aparecimento.
Primeiro, as crianças geralmente somente colocam a
palavra “não” na frente de todas que queiram negar:
“Não suco”, “Não brincar”. Contudo, a criança vai
percebendo que este não é um sistema muito
satisfatório e dá margens a outras situações: “Não quer
suco?” “Não tem suco?” ou “Isso não é suco”? O
progresso se dá com o aumento do uso dos verbos
auxiliares e conectivos e da migração do “não” para
outros lugares da frase. “Eu não quero suco”.
O domínio das perguntas mostra um caminho
semelhante. As crianças do mundo inteiro elevam a
entonação no final da frase para determinar que estão
fazendo uma pergunta e só mais tarde dominam os
pronomes interrogativos. Neste caso, as perguntas
(assim como as exclamações) são somente detectadas
pela capacidade de entonação (prosódia) do falante.
Importante
Já reparou que quando eles aprendem a dizer “não”, algumas crianças dizem não para tudo? Será que eles simplesmente repetem ou descobriram o poder em aceitar ou negar coisas e situações? Procure observar com mais atenção as construções das frases nessa época tão rica em descobertas!
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 24
Considerações finais
Depois que as crianças compreendem as
inflexões e as formas de frase como a negação e a
pergunta, elas logo começam a criar frases
notavelmente complexas, com orações subordinadas,
perguntas de final de frase e sentenças combinadas e
interligadas entre si.
Passados esses estágios iniciais, a linguagem da
criança continua a se desenvolver de várias maneiras.
Em especial, eles aprendem na escola primária formas
de frases mais complexas e difíceis, e são eliminados os
erros decorrentes daquelas supergeneralizações de
regras.
Os verdadeiros passos de gigante ocorrem entre
os primeiros quatro anos de vida e foram estes que
acabamos de tentar descrever. Nossa criança agora é
inteiramente responsável pelo domínio de seus próprios
pensamentos e tem a liberdade de expressá-los livre e
na grande maioria das vezes, muito corretamente. Está
disponível para ela o infinito universo comunicativo que
só a linguagem pode proporcionar.
RESUMO
Vimos até agora:
� A diferença entre fala, linguagem e
comunicação, bem como o desenvolvimento
pré-verbal e comunicativo dos bebês;
� Uma função essencial da linguagem é
expressar desejos e sentimentos. Os bebês
certamente têm sentimentos e desejos e
encontram maneiras, desde muito cedo na
vida, de comunicá-los para os que estão à
sua volta;
Aula 1 | O desenvolvimento da linguagem: definições, conceitos e características 25
� As línguas humanas são fortemente regidas
por regras. Dominar a estrutura gramatical da
língua nativa é adquirir uma rica rede de regras
funcionais e implícitas, e as crianças conseguem
perceber essas regras, respeitando seu uso e
adequando aos seus conhecimentos.
26
Representação da Linguagem Caroline Kwee
AU
LA 2
Apr
esen
taçã
o
Nesta aula, abordaremos a construção do uso social da linguagem e suas representações. Destacando que a real intenção da comunicação é transmitir significados a outras pessoas de modo que elas possam entender. Neste sentido, nos deteremos na aquisição da linguagem infantil.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Compreender o conceito de metacomunicação em relação à
aquisição da linguagem e as habilidades comunicativas da criança;
� Conhecer algumas teorias sobre o desenvolvimento da linguagem;
� Reconhecer que o desenvolvimento da linguagem tem propriedades que sugerem o funcionamento de um processo endógeno de maturação.
Aula 2 | Representação da linguagem 28
Introdução
À medida que os desenvolvimentos cognitivos e
lingüístico progridem, as crianças adquirem uma
riqueza de conhecimentos e habilidades nos usos
sociocomunicativos da linguagem (Flavell, 1999). Elas
aprendem a conversar, com troca verbal extensa com
outra pessoa, dentro de um mesmo tema. Com o
tempo, utilizam histórias temporais, conseguem prever,
planejar e mais tarde expressar sentimentos.
As crianças aprendem que o que realmente as
vocalizações significam, às vezes, não são ditas de
forma literal. Elas se tornam capazes de inferir o que é
sugerido ou pressuposto, mas não afirmado
explicitamente, uma habilidade absolutamente
essencial para o discurso comum.
As crianças, também, aprendem a adaptar seu
discurso de acordo com o ouvinte e com o meio social.
Pesquisadores como Lakoff (in Flavell, 1999) sugeriram
que essas adaptações estão a serviço de dois objetivos
gerais: ser educado e ser claro. Elas se tornam
progressivamente mais hábeis em utilizar a linguagem de
acordo com o adulto que a estiver ouvindo.
Principalmente se for solicitar algo!
O desenvolvimento do significado
Para compreendermos como se dá o
desenvolvimento da linguagem, não basta saber como
as crianças juntam as palavras e formam as frases,
mas como as palavras passam a ter significados. Essa é
a real intenção da comunicação: transmitir significados
a outras pessoas de modo que elas possam entender.
Para tanto, os lingüistas tentam descrever ou
explicar como as crianças compreendem o significado
de cada palavra. O que vem primeiro, o significado ou a
Para pensar
A criança aprende a representar objetos para si mesma porque agora tem uma linguagem ou a linguagem simplesmente surge nesse momento e facilita as representações? Pense nisso.
Introdução 28 O desenvolvimento do significado 28 Metacomunicação 29 Utilizando a linguagem: comunicação e autodireção 32 Explicando o desenvolvimento da linguagem 33 Piaget e a linguagem 38 O papel da biologia 38 A independência entre linguagem e inteligência 41 Diferenças individuais no desenvolvimento da linguagem 42 Considerações finais 42
Aula 2 | Representação da linguagem 29
palavra? A criança aprende a falar boneca porque viu o
objeto ou aprendeu primeiro o conceito e depois
classificou o objeto? Parece a mesma questão entre
quem vem primeiro, o ovo ou a galinha, não é mesmo?
Mas esta pergunta pode parecer um tanto abstrata,
mas toca na questão fundamental da relação entre
pensamento e linguagem.
Agora que a criança compreende, de maneira
primitiva, que os nomes se referem às categorias,
aprender um novo nome sugere a existência de uma
nova categoria e, portanto o nome afeta o pensamento
da criança. A linguagem é, então, um importante
processo cognitivo.
Metacomunicação
Cientistas que estudam o desenvolvimento da
comunicação (Asher, 1979; Baker & Brown, 1984; e
outros, in Flavell, 1999) abordam o conhecimento e as
ações cognitivas da criança em relação à comunicação
– portanto um tipo de metacognição referida como
metacomunicação.
O elemento meta, que anda muito na moda, significa originariamente "além de". No entanto, os textos filosóficos (principalmente da área da Lógica) têm dado a ele um valor de "mais geral; o que inclui". Por exemplo: a linguagem fala da realidade; quando usamos, no entanto, a linguagem para falar da própria linguagem, temos a metalinguagem. Na Literatura, um livro de crítica examina autores e obras literárias; um livro que avalie o trabalho de críticos seria de metacrítica. No exemplo clássico: meu barbeiro barbeia todo o mundo do meu bairro; o barbeiro que o barbeia, no entanto, seria um metabarbeiro. Um dicionário que relacione todos os demais dicionários é um metadicionário. E assim por diante. Por Cláudio Moreno
Aula 2 | Representação da linguagem 30
Vou descrever um exemplo para tentar explicar
este conceito.
Foi realizada uma pesquisa sobre a tarefa de
comunicação referencial, desenvolvida por Glucksberg e
Krauss (1975). Consta dessa tarefa, um falante e um
ouvinte que não podem se ver um ao outro, mas
ambos sabem que têm um conjunto de objetos
idênticos a sua frente. A tarefa do falante é descrever
um dos seus objetos para que seu ouvinte possa
identificá-lo no seu próprio conjunto. Muitos problemas
metacomunicativos da criança pequena podem ser
observados com esta simples tarefa.
Suponha que nosso ouvinte tenha, cinco anos e
ouve a seguinte ordem: “pegue o bloco vermelho”, mas
no seu conjunto tem dois blocos vermelhos, um
quadrado e um redondo. Essa criança não demonstra
nenhum sinal de dúvida ou ambigüidade, escolhendo
um dos blocos, diferente de uma criança mais velha
que ficaria na dúvida. Com isso, as crianças pequenas
demonstram ter pouco monitoramento das suas
compreensões. Elas não compreendem algo e muitas
vezes não sabem que não estão compreendendo.
Por que elas respondem desta maneira curiosa?
A razão mais geral pode ser que elas simplesmente não
são muito dadas a analisar produtos mentais
intangíveis como as informações de mensagens faladas.
Nesta área específica, o desenvolvimento das
disposições e das habilidades metacognitivas não é tão
avançado.
TEORIAS DA MENTE
A entrada mais aprofundada nas teorias
cognitivas para o desenvolvimento da linguagem, se
explica pela simples condição de que a linguagem é de
Dica da professora
Experimente pedir alguma coisa para uma criança pequena com uma ordem ambígua, complexa ou incompleta. Será que ela vai pedir para você repetir ou confessar que não entendeu? Depois conte como foi!
Aula 2 | Representação da linguagem 31
fato um processo cognitivo. Ela não acontece de
forma independente ou paralela, mas intrinsecamente
como dois lados de uma mesma moeda. Apesar do
subtítulo acima poder sugerir uma gama de caminhos,
vamos nos deter ao nosso objeto de estudo: a
aquisição da linguagem infantil.
A comunicação envolve a criação de estados
mentais nos outros, e as crenças das crianças sobre a
comunicação estão, portanto, necessariamente ligadas
à sua teoria mais geral da mente – em particular, em
suas crenças quanto à fonte dos conhecimentos.
Por volta dos quatro anos, as crianças
adquiriram o importante entendimento de que a
comunicação, e não só a percepção direta, pode ser
uma fonte de conhecimento. Elas, também, aprendem
que uma falsa comunicação pode ser a fonte de uma
falsa crença (Perner&Davies, in Flavell,1999). Somente
por volta dos seis anos, as crianças percebem que a
informação de uma mensagem depende da sua
qualidade.
Existem contribuições de experiências
específicas para o progresso das habilidades
comunicativas e metacomunicativas das crianças, além
das mudanças cognitivas gerais identificadas nos
trabalhos sobre a teoria da mente? Muito
provavelmente a resposta seja sim. Piaget há muito
tempo sugeriu isso: o toma-lá-dá-cá da interação entre
os pares, onde a criança é forçada a se comunicar com
a outra e nem sempre o teor da mensagem é
compreendido da mesma maneira.
Também existem evidências que a resposta que
os pais proporcionam aos seus filhos, diante de uma
informação não muito precisa, faz que as crianças se
esforcem a produzir perguntas mais claras. Por último,
vários escritores descreveram que experiências
::Cognição:
Ato ou processo de conhecer. Inclui a atenção, a percepção, a memória, o raciocínio, o juízo, a imaginação, o pensamento e o discurso. As tentativas de explicação da forma como a cognição trabalha são tão remotas como a própria filosofia, de fato, o termo tem origem nos escritos de Platão e Aristóteles. Com a separação entre psicologia e filosofia, a cognição tem sido investigada a partir de diversos pontos de vista. Saiba mais no site: http://www.citi.pt/educacao_final/trab_final_inteligencia_artificial/cognicao.html
Para pensar
Já observou uma criança maior, tentando explicar alguma coisa para uma menor? Muitas vezes, ela percebe que o pequeno amigo não está conseguindo entender o que é falado (mesmo que ele balance a cabeça afirmativamente) e tenta mudar seu discurso com palavras mais “simples”?
Aula 2 | Representação da linguagem 32
associadas à escolarização formal podem ajudar as
crianças a aprenderem sobre a natureza e a
administração das ações comunicativas. Na escola, as
crianças podem encontrar exigências mais explícitas e
freqüentes de se comunicarem claramente com outros
e de monitorarem a clareza das informações que
recebem.
A experiência na leitura e na escrita pode
facilitar o desenvolvimento da metacomunicação;
diferente da comunicação falada, onde as palavras são
“voláteis”, na escrita, elas permanecem acessíveis ao
receptor para uma avaliação crítica. Não devemos
esquecer que uma das metas primárias da
alfabetização é a capacidade de comunicar suas
próprias idéias de forma clara, para os outros, e
compreender uma vasta sucessão de mensagens que a
palavra escrita torna disponível.
Utilizando a linguagem: comunicação e
autodireção
Desde a última década, mais ou menos, os
lingüistas tentam explicar como as crianças aprendem a
utilizar a linguagem, quer para se comunicar com os
outros (pragmática), quer para regular seu
comportamento.
As crianças aprendem a usar a pragmática ainda
bem cedo. Com 18 meses, já apresentam padrões de
olhar semelhantes aos dos adultos quando estão
conversando com os pais, mantendo e desviando seu
olhar durante a conversação. Além disso, modificam
seu discurso de acordo com o ouvinte, conforme já
citamos anteriormente. Quando mais velha, conseguem
utilizar padrões de educação diferentes para falar com
os adultos dos que se utilizam para falar com os
amigos.
Importante
O Centro de Referência em Educação Mário Covas (SP) tem um site com várias informações interessantes. Lá você encontra o caminho para vários artigos disponíveis na internet sobre alfabetização. Acesse: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/alf_l.php?t=001 Ou procure o livro TEBEROSKY, Ana. Além da Alfabetização, São Paulo: Ática, 2000.
Aula 2 | Representação da linguagem 33
A linguagem parece também ter uma outra
representatividade: a de controlar e monitorar o
próprio comportamento. Essa “linguagem própria”
pode ser constituída de palavras, murmúrios e ordens e
instruções para si mesmo e pode ser observada desde
o surgimento das primeiras palavras.
Quando as crianças são mais velhas, essa
linguagem própria ainda é audível, principalmente
quando estão com algum problema difícil. Normalmente,
observamos esses comportamentos na escola primária,
como recursos para decorar a tabuada, fazer contas e
contagens, decorar listas. Aos nove ou dez anos, essa
linguagem tende a diminuir e à medida que as tarefas
forem mais exercitadas, menos a linguagem auto-
reguladora existe. Devemos abrir um parêntese aqui,
de que, inclusive, os adultos usam linguagem de apoio
para resolverem problemas mais difíceis.
Mesmo esta breve incursão na pesquisa sobre a
utilização da linguagem, na criança, mostra que uma
completa compreensão do desenvolvimento da
linguagem exige compreensão tanto do
desenvolvimento cognitivo quanto das habilidades e do
entendimento social da criança. Isso nos alerta de que
as crianças (e os seres humanos em geral) não estão
divididas em partes organizadas e isoladas como
“desenvolvimento físico”, “desenvolvimento
psicomotor”, “desenvolvimento cognitivo”, mas elas
são um sistema integrado e coerente.
Explicando o desenvolvimento da
linguagem
Na aula anterior, procuramos caracterizar,
definir e descrever o processo de aquisição da
linguagem. Se descrever já é difícil, explicar é ainda
mais. Na verdade, explicar como uma criança aprende
Dica da professora
Procure observar crianças de dois ou três anos brincando sozinhas e veja se isso realmente não acontece. Não parece que elas procuram se organizar através dessa fala?
Aula 2 | Representação da linguagem 34
a falar provou ser um dos desafios mais compelidores,
e um dos mais difíceis, dentro da psicologia do
desenvolvimento.
Para a grande maioria de vocês, o aparecimento
da linguagem é algo natural e portando aprendida
naturalmente. O que há de mais nisso? A criança fala
aquilo que ouve e aprende desta forma. Não é esse o
pensamento? Mas já pararam para avaliar os casos
das crianças que não adquirem fala? Existem
situações onde elas têm todas as condições de falar e
simplesmente a fala e a linguagem não aparecem, ou
atrasam sobremaneira que prejudicam o aprendizado
futuro. Por isso, tentar explicar como se dá o processo
do desenvolvimento da linguagem para profissionais,
que lidam com essa população tão específica, nos
parece essencial.
O que existe de mágico ou complicado no
desenvolvimento da linguagem? Quanto mais
pensamos a respeito, mais surpreendente e misterioso
Crianças com a idade de 12 a 18 meses devem ser vistas por profissionais quando seus pais suspeitam de atraso nas habilidades de comunicação. Os pais devem, também, procurar ajuda se seu filho de qualquer idade não responde a sons. Uma avaliação precoce é importante para evitar futuros problemas de linguagem. Há uma diferença entre fala e linguagem. A fala se refere basicamente à forma de articular sons nas palavras. A linguagem significa expressar e receber informações de modo significativo. É compreender e ser compreendido através da comunicação. Uma criança com problemas de linguagem pode estar apta a pronunciar bem as palavras, mas ser incapaz de colocar mais de duas palavras juntas. Inversamente, a fala de uma outra criança pode ser difícil de ser compreendida, mas ela usa palavras e frases para expressar suas idéias. Problemas com fala e linguagem diferem, mas freqüentemente coincidem. Disponível na Página da AND: Associação Nacional de Dislexia http://www.andislexia.org.br
Aula 2 | Representação da linguagem 35
isso se torna. Estudiosos como Steven Pinker (1987, in
Bee) colocam que existe uma verdadeira lacuna entre o
que a criança recebe como informação (input) e o que
ela finalmente vai falar. O input consiste em uma série
de frases faladas com entonação, ênfase e timing.
Elas são faladas na presença de situações,
objetos, pessoas e em uma determinada ordem. Elas
não repetem essas informações como um gravador,
mas adquirem, com esse input, uma série de regras
para criar frases. Como as crianças realizam essa
proeza?
Primeiro, os pesquisadores acreditavam que a
linguagem baseava-se na aprendizagem pela imitação.
A imitação desempenha um importante papel, como já
vimos no módulo anterior, porque a criança aprende o
que escuta. Mas a imitação sozinha não pode explicar
toda a aquisição da linguagem, porque não explica a
criatividade da linguagem infantil.
As teorias do reforço de Skinner (1957, in Bee)
argumentam que os pais moldam a linguagem através
de reforços sistemáticos, reforçando gradualmente a
cada melhora nas expressões faladas. Na verdade,
existem poucas comprovações de que os pais
efetivamente fazem isso. O mais comum é os pais
perdoarem e por vezes até acharem engraçadinho
qualquer tipo de construção particular de seus filhos.
Portanto, algum outro processo deve haver além da
modelagem.
Entretanto, uma afirmação podemos fazer: a
velocidade do desenvolvimento é afetada pela
quantidade de input. Ou seja, os pais que lêem mais,
conversam mais e respondem aos questionamentos
dos seus filhos, estimulam mais cedo o aparecimento
da fala. Além disso, a forma e a qualidade da
linguagem dos pais também são importantes.
Para refletir
Já parou para observar como o pai ou a mãe conversa com seu filho pequeno? Reparou que, às vezes, eles repetem várias vezes a mesma coisa? Será que é para que a criança repita ou para que ela preste atenção?
Aula 2 | Representação da linguagem 36
Quanto à forma, para os bebês e as crianças
pequenas (só para recordar), é normalmente feita em
tom mais agudo, com linguagem simples, num ritmo
lento e frases curtas (o maternês). As frases são
simples, curtas, com um vocabulário simples e
concreto. Eles também tendem a repetir a frase várias
vezes, em diferentes entonações, como se as
repetições fossem mais longas e pausadas – um padrão
conhecido como expansão ou remodelação. Ora,
quando a atenção das crianças é atraída por essa forma
especial de falar, apropria simplicidade e repetitividade
da fala do adulto pode ajudar a criança a repetir as
formas gramaticais. Só para ilustrar a complexidade do
assunto, foram feitas pesquisas sobre a ausência da
fala do tipo maternês nas mães deprimidas e as
mesmas aquisições de fala em tempo e qualidade de
seus bebês. Assim, embora o maternês possa ser útil,
ele não necessário para a linguagem.
Por outro lado, temos teóricos que defendem o
caráter inato do desenvolvimento da linguagem. As
crianças aprendem a falar porque é inato do organismo.
(Noam Chomsky, Dan Slobin – só para citar os mais
importantes). Estes estudiosos acreditam que os bebês
nascem programados com regras para escutar as
palavras faladas. Slobin, por exemplo, propõe que os
bebês estão pré-programados para prestar atenção aos
inícios e finais das seqüências de sons, e aos sons
enfatizados. Juntos estes aspectos explicariam a
gramática inicial das crianças.
As teorias inatistas ainda estão iniciando e
buscando explicações mais consistentes para suas
afirmações. Existem, ainda, correntes dentro deste
pensamento que argumentam que o importante não
são as inclinações inatas, mas a construção que cada
criança faz como parte do processo amplo do
desenvolvimento cognitivo.
Quer saber mais?
Noam Chomsky, importante lingüista contemporâneo, nascido em 1928 nos EUA, filho de pais ucranianos, é também um dos mais lúcidos e críticos pensadores contemporâneos. Atento observador da cena internacional, Chomsky tem tido posições solidárias e críticas em todas as situações de conflito internacional, do Vietnã à América Latina, da Palestina a Timor. Atualmente, é diretor do Departamento de Línguas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
NOAN CHOMSKY
Aula 2 | Representação da linguagem 37
Segundo a descrição de Bee (2003), Melissa
Bowerman defende a Teoria Construtivista para o
desenvolvimento da linguagem. Assim como Piaget, a
autora levanta a hipótese de que quando a linguagem
surge, é porque a criança já internalizou significados,
independentemente da linguagem. Vamos pensar
juntos: lembram-se do aparecimento dos primeiros
gestos? As crianças se comunicam através de gestos,
muitas vezes antes do aparecimento das palavras. Ou
o brincar simbólico de ninar uma boneca ou fazer-de-
conta que está bebendo em um copinho, sugerem que
a criança já está simbolizando um comportamento.
Então, esses atos já estão internalizados e são
posteriormente nomeados. Realmente, se analisarmos
as crianças cuja linguagem está severamente atrasada,
tanto o brincar simbólico quanto a imitação
normalmente também estão atrasados.
Não é nossa intenção, aqui, defender um ou
outro pensamento. Ambos podem ser verdadeiros. A
criança pode começar com princípios operantes inatos
que dirigem sua atenção para o input de linguagem.
Então, ela processa as informações de acordo com as
suas estratégias ou esquemas (que podem ser inatos).
Depois, ela modifica essas estratégias ou regras na
medida em que recebe as informações e o resultado é
a criação de uma série de regras para compreender e
criar a linguagem (a construção).
Estas pequenas descrições das teorias sobre o
desenvolvimento da linguagem demonstram que os
pesquisadores caminharam bastante. Nós, agora,
sabemos como não explicar o desenvolvimento da
linguagem. O fato de como as crianças aprendem a
forma complexa da língua em tão pouco tempo ainda é
um mistério ou um milagre.
Você sabia?
Você sabia que estas pesquisas sobre a teoria inatista foram feitas em várias culturas diferentes? Foram estudados comportamentos lingüísticos nas comunidades onde se fala turco, servo-croata, húngaro, hebreu, japonês, kaluli (Nova Guiné), alemão e italiano. Obviamente, qualquer teoria sobre a aquisição da linguagem deve explicar tanto os aspectos comuns como as amplas variações de uma língua para outra.
Aula 2 | Representação da linguagem 38
Piaget e a linguagem
A teoria de Piaget oferece diversas afirmações
sobre as bases cognitivas da aquisição da linguagem.
Além da teoria descrita acima (em Melissa Bowerman),
a teoria piagetiana afirma que as crianças falam sobre
aquilo que sabem, e o que elas sabem é o que
dominaram nos dois primeiros anos do período
sensório-motor. Exemplo disso é o domínio das
palavras de desaparecimento como “acabou” que
emergem no momento em que a criança está no
processo de dominar as formas mais avançadas de
permanência de objeto.
Da mesma maneira, palavras que denotam o
sucesso ou o fracasso de ações, como “pronto” e “o-oh”
estão ligadas a aquisições do tipo meios-fins no campo
cognitivo mais geral. Portanto, esta teoria argumenta
que todas essas construções precoces refletem as
aquisições cognitivas do período sensório-motor – o
conhecimento e os efeitos das ações sobre os objetos,
sobre as relações causais e espaciais, sobre o self e o
mundo.
A abordagem piagetiana é mais forte em
relação às perguntas sobre como as crianças conseguem
usar as palavras (habilidade simbólica) e porque elas
usam palavras específicas e comunicam sentidos
específicos. Ela é mais fraca em relação às explicações
de como as crianças dominam as regras sintáticas.
O papel da biologia
Evidências e argumentos de vários tipos
convergem para a conclusão de que a aquisição da
linguagem tem um forte componente biológico
maturacional (Newport&Pinker, in Flavell). Estes
argumentos não negam a inter-relação com as
habilidades cognitivas, mas sustentam que estas
explicações não são suficientes.
Dica da professora
Relembrar as teorias de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo nunca é demais. Existe vasta bibliografia sobre o assunto que você não deve deixar de ler.
Aula 2 | Representação da linguagem 39
Nós parecemos ser constituídos biologicamente
para aprender e utilizar a linguagem oral do tipo
humano. O cérebro humano e o aparelho circulatório
são especializados na produção de fluxos rápidos e
extensos de sons da fala humana. Também existe
alguma especialização do hemisfério esquerdo do
cérebro para a análise de informações semelhante à
linguagem. Também somos programados para ouvir e
analisar sons de fala e preparados biologicamente para
aprendermos a linguagem, assim como para
aprendermos habilidades perceptivas e motoras. Que
máquina fantástica nós somos, não é mesmo?
Uma cirurgia extraordinária! Mesmo com o cérebro completamente exposto, a paciente Sarah precisa estar consciente. Ela tem um tumor muito próximo à região cerebral que controla a linguagem falada, a linguagem verbal. É necessária precisão absoluta na retirada do tumor. Qualquer passo em falso, e Sarah pode nunca mais voltar a falar. Em casos como esse, o paciente faz parte da equipe. Sob anestesia, mas acordada, consciente, Sarah vai contando números sem parar. Mas, quando o médico estimula a região da fala com um impulso elétrico, ela não consegue continuar a contagem. A corrente elétrica bloqueia a atividade mental daquela área. Assim que o cirurgião retira o aparelho, Sarah volta a falar. Agora os médicos sabem exatamente o lugar onde o bisturi não pode nem chegar perto. Ali está o precioso centro da linguagem verbal. Drauzio Varella www.drauziovarella.com.br
Aula 2 | Representação da linguagem 40
O desenvolvimento da linguagem tem
propriedades que sugerem o funcionamento de um
processo endógeno de maturação. As crianças do
mundo inteiro passam aproximadamente pelos mesmos
estágios principais de aquisição da linguagem, na
mesma ordem e na mesma idade. Certamente não o
fazem completamente idênticas, mas existem
semelhanças fundamentais.
Estas evidências apontam fortemente para uma
estrutura biológica do ser humano para a aquisição da
linguagem. Agora, do ponto de vista maturacional,
vamos acompanhar o seguinte raciocínio: a maioria das
coisas é aprendida melhor por crianças mais velhas do
que as menores, e melhor pelos adultos do que pelas
crianças. Porém, não é assim com a linguagem. As
crianças, quanto menores forem expostas a diferentes
linguagens, melhores falantes elas serão. Quanto mais
cedo iniciar o aprendizado em outra língua,
melhor se mostra o domínio dela. É importante
acrescentar que a maior facilidade na infância não está
limitada ao aprendizado de uma segunda língua, mas
aplica-se à aquisição da primeira língua também. Ela foi
demonstrada, por exemplo, em indivíduos surdos que
foram expostos pela primeira vez à Língua Americana
de Sinais (pesquisa inclusive realizada por eles) em
momentos variados da vida. Aqueles que aprenderam
mais cedo aprenderam melhor.
Por que mentes mais jovens e menos maduras
deveriam ser melhores para o aprendizado da
linguagem do que mentes mais velhas, mais maduras e
mais poderosas? Ninguém sabe ao certo, mas
pesquisadores como Newport (1990, in Flavell)
sugerem uma hipótese instigante. A essência de sua
proposição é que os progressos evolutivos na
habilidade cognitiva, na verdade, trabalham contra a
aquisição da linguagem. Calma aí, eu vou tentar
explicar.
Para refletir
Com base nestas informações, será que é válido entrar com a educação de uma segunda língua, ainda na, pré-escola?
Aula 2 | Representação da linguagem 41
Isso acontece porque o sistema cognitivo
maduro assimila e retém informações demais. A
aquisição da sintaxe (que é a estrutura da língua)
requer a habilidade de analisar o fluxo da fala em seus
componentes (morfemas, inflexões, sentenças) que
transmitem sentido – requer a habilidade de lidar com
partes e não somente com todos. (senão não
entenderíamos a mensagem). As crianças, segundo o
autor, estão em uma posição favorável para identificar
partes componentes, porque muitas vezes tudo o que
elas conseguem assimilar; suas habilidades de
processamento de informações limitadas as poupam
dos tipos de análise excessivamente inclusivos de todos
os itens, o que impede o aprendizado da linguagem nos
adultos. Essa explicação provocativa para a
superioridade das crianças é adequadamente
denominada do “menos é mais”. É no mínimo
interessante, não é?!
A independência entre linguagem e
inteligência
Se a linguagem é um reflexo da cognição em
geral, esperaríamos encontrar uma relação próxima
entre a capacidade lingüística e a capacidade
intelectual geral. Em particular, esperaríamos descobrir
que os problemas em um domínio encontraram
paralelos em problemas no outro. Um exemplo disso é
o caso do retardo mental que, geralmente, é
acompanhado de uma capacidade lingüística muito
reduzida. Esta situação ocorre com freqüência, mas
não é de forma nenhuma regra geral.
O desenvolvimento da linguagem, às vezes,
procede notavelmente bem frente a severos problemas
intelectuais; inversamente, em algumas síndromes
clínicas, a linguagem é muito prejudicada, enquanto a
inteligência geral permanece intacta. Ambos os tipos de
Dica da professora
Na sua prática, você já deve ter tido oportunidade de observar alguns casos de crianças com dificuldades de fala ou até com atrasos significativos na aquisição dela. Nem sempre esses casos se tratavam de deficiência mental, não é mesmo?
Aula 2 | Representação da linguagem 42
dissociação oferecem evidências de que a linguagem
não é redutível à cognição em geral, mas sim tem seu
próprio status especial, talvez modular.
Diferenças individuais no desenvolvimento
da linguagem
Algumas crianças começam a utilizar palavras
distintas aos 8 meses, outras não antes dos 18 meses;
algumas não dizem frases com duas palavras até os
três anos ou até mais tarde. Vocês podem observar o
intervalo de variação normal muito claramente no
comportamento das crianças. Como explicar essas
variações na velocidade do desenvolvimento inicial da
linguagem?
Uma possibilidade é que a velocidade do
desenvolvimento da linguagem possa ser algo que você
herda – assim como a inteligência ou a velocidade do
desenvolvimento físico. Certamente, se imaginarmos
que alguns padrões cerebrais de processamento da
linguagem são inatos, como falamos anteriormente, faz
sentido pensar que algumas crianças podem herdar um
sistema inato mais eficiente do que outros.
Outra possibilidade é alguma explicação
ambiental. Os pais que falam mais, que lêem mais para
as crianças e eliciam mais a linguagem e, que
respondem sempre à criança, parecem ter filhos que
desenvolvem mais rapidamente a linguagem. O fato de
essas mesmas relações serem encontradas nas famílias
de filhos adotivos é notável, porque nos dá bastante
certeza das influências ambientais na velocidade da
aquisição da linguagem.
Considerações finais
As habilidades de comunicação das crianças
também demonstram progressos dramáticos ao longo
Para pesquisar
Uma questão acompanha constantemente as reflexões sobre desenvolvimento: a relação entre aspectos físicos e fisiológicos e aspectos ambientais e sociológicos e sua influência no processo de desenvolvimento. É o antigo debate entre o inato e o adquirido. Pesquise mais sobre isso!
Aula 2 | Representação da linguagem 43
da infância. As habilidades que se desenvolvem durante
os anos pré-escolares incluem a capacidade de manter
uma conversa sobre um único tópico, de discutir o que
não está presente e o que não é real, entre outras
capacidades lingüísticas.
Ainda que essas capacidades sejam
impressionantes, as pesquisas sobre metacomunicação
sugerem que as crianças da Educação Infantil e as
mais velhas têm algum desenvolvimento comunicativo
importante para fazer. Elas precisam aprender a
monitorar sua própria compreensão e a reconhecer o
sentido e as implicações dos sentimentos de incerteza
ou falta de compreensão. Elas precisam aprender que a
qualidade comunicativa de uma mensagem afeta seu
sucesso e tudo está relacionado às teorias da mente, à
interação com os pares, ao ambiente, à orientação
parental e às suas próprias características biológicas.
Colocando desta forma, parece mesmo um
verdadeiro milagre quando a criança adquire a
linguagem sem nenhum bloqueio ou tropeço e no
tempo e velocidade certos. Felizmente, esse quadro
representa a maioria dos casos. Abordaremos as
situações de desvios e atrasos na próxima aula.
RESUMO
Vimos até agora:
� A linguagem é de fato um importante
processo cognitivo;
� Uma das metas da alfabetização é a
capacidade da criança de comunicar suas
próprias idéias para os outros e compreender
as mensagens que a palavra escrita torna
disponível;
Aula 2 | Representação da linguagem 44
� As teorias do reforço de Skinner argumentam
que os pais moldam a linguagem através de
reforços sistemáticos, enquanto alguns lingüistas
defendem o caráter inato do desenvolvimento da
linguagem. As crianças aprendem a falar porque
é inato do organismo.
45
Dificuldades de Comunicação e Linguagem Caroline Kwee
AU
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o
Esta aula apresenta um panorama geral dos distúrbios da audição, da linguagem, da articulação, da voz e da fluência encontrados em crianças. Um distúrbio na infância, numa destas áreas, pode provocar amplos efeitos sobre outros aspectos da comunicação. Não é nosso objetivo, aqui, capacitar nenhum de vocês no diagnóstico, mas autorizá-los de informações básicas sobre tais dificuldades para que nossos pequenos companheiros se beneficiem de encaminhamentos precoces caso sejam necessários.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:
� Identificar as diferentes formas como se apresentam os
distúrbios de audição que podem afetar o processo de aprendizagem das crianças;
� Conhecer os distúrbios de linguagem, bem como outros distúrbios a estes relacionados que podem, também, comprometer o processo de aprendizagem e a escolaridade das crianças.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 47
Introdução
A maioria das crianças é comunicadora natural
logo após o nascimento, como vimos nos módulos
anteriores. Para estas crianças, formas verbais e não-
verbais e comunicação desenvolvem-se rapidamente e
com pouco esforço aparente. Contudo, quase dez por
cento de todas as crianças apresentam dificuldades em
algum aspecto da comunicação. Os distúrbios da
comunicação podem acompanhar uma variedade de
incapacidades congênitas ou um distúrbio pode ser
adquirido em conseqüência de uma doença da infância
ou de um acidente.
O impacto de longo prazo de distúrbios na
infância sobre o desenvolvimento geral de habilidades
de comunicação torna importante a identificação e a
intervenção precoce.
Boa leitura!
Distúrbios de audição
A linguagem auditivo-oral é o principal modo da
comunicação humana. Conseqüentemente, qualquer
tipo de perda auditiva pode comprometer a capacidade
da criança de utilizá-la. A perda auditiva é talvez o
distúrbio mais comum afetando a comunicação.
Conforme vimos nas aulas anteriores, ouvir ruídos e
sons do ambiente, como a voz humana, parece ser um
importante requisito para o desenvolvimento do
desenvolvimento cognitivo-social normal e para a
aquisição e crescimento da linguagem. Até mesmo uma
perda auditiva suave e, às vezes, assintomática do
ponto de vista clínico, numa criança pequena, pode
interferir gravemente no desenvolvimento da
linguagem e no sucesso acadêmico.
Introdução 47 Distúrbios de audição 47 Distúrbios de linguagem 51 Distúrbios de articulação 55 Distúrbios da voz 58 Distúrbios de fluência 59 Considerações finais 60
Dica da professora
Nesta aula estudaremos sobre: Distúrbios de audição; Distúrbios de linguagem; Distúrbios de articulação; Distúrbios da voz; Distúrbios de influência. Bons estudos!!!!
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 48
Os distúrbios da audição nas crianças podem ser
descritos de dois modos: como uma falha de
funcionamento adequado no sistema auditivo periférico
e como um transtorno no sistema auditivo central.
PERDA AUDITIVA CONDUTIVA
O problema de comunicação mais comum na
criança é a perda auditiva periférica relacionada à
infecção da orelha (ouvido) média (otite média). Este
tipo de infecção, muitas vezes, é conseqüência de um
resfriado ou alergia, o que resulta em um acúmulo de
líquido na cavidade da orelha média devido ao bloqueio
da tuba auditiva (Trompa de Eustáquio).
Embora tais infecções surjam e desapareçam
nas crianças com surpreendente freqüência, é comum
que elas não sejam detectadas. A criança pode, certo
dia, experimentar problemas em seguir instruções
faladas simples e, aproximadamente no momento que
os pais se tornam preocupados, elas parecem ouvir
normalmente de novo.
A perda auditiva na otite média oscila
constantemente. Nos níveis mais elevados, isto é
suficientemente grave para interferir com a audição da
conversação normal. Além disso, o líquido na orelha
média e as mudanças na pressão da mesma distorcem
Com ilustração fica mais fácil entender. Veja, então, a Trompa de Eustáquio.
^
Importante
Vamos prestar mais atenção àquelas crianças que assistem à televisão muito alta, ou perguntam a toda hora: “o quê?” Talvez nosso pequeno amigo esteja apresentando algum problema auditivo.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 49
os sons transmitidos para a orelha interna. Os efeitos
combinados de distorção sonora e limiares de audição
elevados podem interferir na audição dos sons da fala.
A maioria dos prejuízos de audição condutiva
em crianças relaciona-se a condições físicas tratáveis,
quer médica, quer cirurgicamente. Já que os anos pré-
escolares são anos de particular importância para o
desenvolvimento da linguagem, todo o esforço deve
ser feito para assegurar que a criança pequena tenha
audição adequada.
PERDA AUDITIVA NEUROSSENSORIAL
Em geral, uma perda auditiva neurossensorial
(de orelha média ou nervo auditivo) em crianças
exerce maior impacto sobre a comunicação do que uma
perda auditiva condutiva. As perdas neurossensoriais
(entre suaves e severas) podem ser mais graves do
que as perdas condutivas, e a maioria não pode ser
tratada com tanto sucesso médica ou cirurgicamente.
Muitas dessas perdas são congênitas, presentes no
momento do nascimento e podem ou não resultar de
fatores hereditários.
Com maior freqüência, o problema
neurossensorial congênito foi adquirido durante a
gravidez da mãe, talvez em decorrência de uma
doença infecciosa como rubéola ou caxumba. Podem
estar, também, relacionados aos fatores causais, à
toxicidade ou trauma durante a gravidez ou como
conseqüência de uma anoxia prolongada.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 50
Outras perdas auditivas neurossensoriais podem
ser adquiridas em algum momento da infância através
de doenças viróticas como sarampo, caxumba, catapora
ou gripe, o mesmo ocorrendo com algumas doenças
bacterianas como meningite e difteria, que podem
causar perda auditiva grave ou surdez.
A perda auditiva profunda no bebê interferirá
seriamente no desenvolvimento geral. A escuta dos
sons e a produção das vogais e consoantes no devido
tempo estarão comprometidas. Estes bebês necessitam
de amplificação (aparelhos auditivos) tão logo seja
possível. Com o avanço nos exames e testagens, é
possível avaliar os bebês e pode-se satisfatoriamente
acessorá-los com próteses auditivas com seis semanas
de idade.
As crianças com a audição severamente
prejudicada e as surdas requerem um treinamento
especializado para expô-las ao ambiente sonoro
cotidiano. Precisarão de ajuda para desenvolver o
padrão normal da fala, para escutar suas próprias
vozes e a das outras pessoas. A linguagem em si
Os sinais provenientes da cóclea viajam até o cérebro através do nervo auditivo. Este transporta os sinais sonoros até a área do cérebro chamada córtex auditivo. É nessa área que o cérebro interpreta os sinais como "sons". Na verdade, não se sabe ao certo como o cérebro interpreta as ondas sonoras captadas pelo ouvido e transformadas em energia elétrica. Cóclea Nervo auditivo
Importante
Cuidados extras com doenças da infância são necessários. Até uma simples gripe poderá se tornar um grande problema se mal conduzida.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 51
deverá ser ensinada em vez de experimentada
naturalmente como ocorre com as crianças que ouvem.
A educação deste novo padrão é muitas vezes facilitada
pelo uso da língua de sinais (LIBRAS).
Através da sinalização, o bebê aprende a
linguagem. Swisher (1985, in Boone) relata que, assim
como as crianças normais, muitas vezes, falam as
primeiras palavras entre doze e treze meses de idade,
os bebês que foram expostos à sinalização, com
freqüência, “produzirão seus primeiros sinais por volta
desta idade”.
PROBLEMAS NA AUDIÇÃO CENTRAL
Algumas crianças apresentam sérias dificuldades
em entender o que outras pessoas falam, mesmo que
possam demonstrar sensibilidade auditiva normal em
exames audiométricos. Isso se dá por alguma lesão no
nervo auditivo, que leva a informação sonora ao
cérebro, ou por lesões no lobo temporal do cérebro,
responsável pela audição. Um exemplo desta síndrome é
a agnosia auditivo-verbal, também conhecida como
afasia epiléptica adquirida e Síndrome de Landau-
Kleffner. Caracteriza-se pelo desenvolvimento normal
nos primeiros anos de vida, seguido por perda súbita
das habilidades da linguagem associada a convulsões. A
princípio, as crianças podem se comportar como se não
entendessem a língua falada ou até mesmo como se
tivessem perdido completamente a audição. Mais tarde
ocorrem problemas, também, na linguagem expressiva,
levando às dificuldades escolares a longo prazo.
Distúrbios de linguagem
Algumas crianças apresentam dificuldades em
adquirir e utilizar o código da sua língua. Os distúrbios
de linguagem podem estar associados a uma variedade
Dica da professora
Parece, então, que tanto o desenvolvimento social-cognitivo quanto a aquisição da linguagem são facilitados pela exposição a um sistema de dupla-linguagem conhecido como comunicação total.
Importante
Crianças que nascem com a audição severamente comprometida ou surdas podem freqüentar uma escola para deficientes auditivos, onde o programa total é adaptado para suas condições especiais.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 52
de condições da infância. O atraso no início da
linguagem em uma criança pequena pode indicar uma
incapacitação desenvolvimental como deficiência
intelectual ou autismo. As habilidades de linguagem
podem ser perdidas após um período de
desenvolvimento normal devido a dano cerebral, como
vimos anteriormente. Alguns distúrbios de linguagem
podem ser familiares, ocorrendo com avós, pais e
filhos.
As ocorrências na linguagem são, sem dúvida,
um extenso leque a ser investigado. Todos os
problemas auditivos acarretam uma dificuldade na
aquisição e produção da linguagem, assim como as
lesões neurológicas, as síndromes genéticas, o autismo,
os atrasos simples durante a aquisição da linguagem
falada. Além disso, podem estar associados a
dificuldades na linguagem escrita, no processamento da
fala, na organização do pensamento e a todas as
vertentes comunicativas do ser humano.
Não nos cabe aqui discorrer sobre todas essas
possibilidades diagnósticas, mas esclarecer os possíveis
sintomas para abrir oportunidades de um
encaminhamento precoce e um prognóstico mais
positivo quando necessário.
Um distúrbio da linguagem numa criança
pequena, em geral, é determinado comparando-se o
funcionamento da linguagem da criança com outra da
mesma idade em desenvolvimento normal. Por esse
motivo, os sinais de um distúrbio de linguagem mudam
ao longo do tempo com as expectativas em mudança
que temos para as crianças, à medida que elas
crescem.
Espera-se que uma criança pequena utilize
formas iniciais de comunicação como, por exemplo,
apontar e vocalizar para chamar atenção ou expressar
Dica de leitura
Vygotsky você já conhece, não é? Por isso não esqueça da contribuição dele. Veja a referência completa. VYGOTSKY, L. S. - Pensamento e Linguagem. Lisboa: Antídoto, 1979.
Dica de leitura
Veja essa indicação de leitura. LURIA, A. R. e YODOVICH, F. I. Linguagem e Desenvolvimento Intelectual na Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 53
uma emoção. Por volta de um ano, os pais esperam
ouvir do filho palavras simples. Quando as habilidades
pré-verbais e verbais iniciais não se desenvolvem, há
motivo justificado para preocupação.
O atraso do desenvolvimento da linguagem pode,
muitas vezes, ser o primeiro sinal de uma incapacidade
desenvolvimental. Como os bebês com surdez congê-
nita, por exemplo, citados no item anterior. Crianças
que nascem com incapacidades físicas (paralisias
cerebrais, entre outras) podem levar mais tempo para
desenvolver a tonicidade muscular e a coordenação
necessárias para apoiar as palavras faladas, embora sua
compreensão possa ser bastante boa.
Bebês de risco podem dispender tantos cuidados
neonatais (UTI) que mantêm pouco contato com o
mundo externo e recebem pouco estímulo do
ambiente. A aquisição da linguagem pode ser lenta por
falta de estímulo ambiental. Outros não conseguem
absorver os estímulos externos por limitações
cognitivas, que podem ser ocasionados por fatores
genéticos, peri-natais, exposição a drogas ou álcool
durante a gravidez da mãe. Muitas vezes, as causas
não são sequer identificadas prontamente, somente os
sinais são visíveis ao longo do desenvolvimento. É
comum que as crianças com deficiência intelectual
apresentem atrasos no desenvolvimento da linguagem,
pois esta está intimamente ligada ao desenvolvimento
cognitivo, conforme já discutimos em módulos
anteriores. Porém, este desenvolvimento atrasado
segue o padrão do desenvolvimento cognitivo
específico desta criança com deficiência intelectual,
pois toda sua progressão desenvolvimental é lenta.
Para outras crianças, a falha em desenvolver
habilidades iniciais de linguagem não é prontamente
explicada por uma incapacidade desenvolvimental
Importante
Atenção na hora de solicitar avaliações e encaminhamentos! Estamos vendo a variedade de situações e condições para o estabelecimento de um diagnóstico. Nosso papel é somente de sugerir consultas avaliativas, sem rótulos ou predições.
Dica de leitura
Mais uma indicação de leitura: HAGE, S. R. V. - Investigando a Linguagem na Ausência da Oralidade. In MARCHESAN, I. Q. e outros (org.). Tópicos em Fonoaudiologia. Vol. III. São Paulo: Lovise, 1996.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 54
sensorial, motora, cognitiva ou outra. Tais crianças são
referidas como com distúrbio específico da linguagem.
Tipicamente, os pais percebem um problema com
habilidades da fala ou linguagem entre o segundo e o
terceiro aniversário. Algumas dessas crianças são
tardias em adquirir suas primeiras palavras; outras
falam suas palavras na idade esperada, mas são lentas
em acrescentar palavras novas em seu repertório ou
combinar palavras em frases simples. Estas frases
simples soam telegráficas, pois carecem da maioria dos
elementos gramaticais. Muitas crianças com distúrbio
específico de linguagem também apresentam distúrbio
fonológico (alterações na fala), acompanhante que
interfere adicionalmente na capacidade dos outros de
entender o que elas estão tentando dizer.
Quando tais crianças entram na pré-escola,
podem sentir dificuldades com determinados aspectos
dos seus programas diários. Algumas dessas crianças
sentem dificuldade em compreender a linguagem do
seu professor e a de seus colegas. Elas podem cometer
erros seguindo instruções. Tipicamente, apresentam
dificuldades em participar de atividades que utilizem a
linguagem como base, por exemplo, contar histórias,
hora da rodinha, entre outros.
Parece haver duas abordagens principais hoje
em dia para proporcionar programas para as crianças
com algum distúrbio de linguagem: a específica e a
desenvolvimental (Perkins,1984 in Boone). Na
abordagem específica, a etiologia (a causa) do distúrbio
proporciona a referência primária. A teoria atual em
psicologia da aprendizagem e cognitiva parece
favorecer a abordagem desenvolvimental.
Cada criança é avaliada em termos de seu
estágio de desenvolvimento de linguagem. As
condições naturais que caracterizam este estágio
Importante
Estes tipos de problemas de linguagem podem colocar as crianças em risco para o insucesso acadêmico e social posterior. Veja que responsabilidade!!
Dica de leitura
Pra você, mais duas obras sobre linguagem: LIMONGI, S. C. O. Da Ação a Expressão Oral: subsídios para avaliação da Linguagem pelo psicopedagogo. In OLIVERIA, V. B. e Bossa, N. A.(Org.) Avaliação Psicopedagógica da Criança de Zero a Seis Anos. Petrópolis: Editora Vozes, 1994 MANOLSON, A. - Falar: Um Jogo a Dois. Porto: Edições Afrontamento, 1985.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 55
particular são, então, estimuladas no programa
terapêutico, a criança experimenta estas condições
naturais com algum foco adicional dado a modelos de
linguagem. Há menos solicitação direta, hoje em dia,
para uma resposta imediata da criança, o que
caracterizou as abordagens terapêuticas nos anos 60 e
70.
Espera-se com isso que a criança possa aliar
suas experiências anteriores, com os novos estímulos
apresentados e construa seu próprio corpus lingüístico
e que os modelos de linguagem apresentados durante
as terapias, apareçam no repertório de respostas
naturais das crianças.
Distúrbios de articulação
O surgimento de palavras faladas é um dos
marcos mais importante na vida da criança pequena. É
comum ouvirmos dos pais emocionados que relatam
ouvir papai ou mamãe nos balbucios dos seus filhos
bem antes que a criança esteja utilizando estes sons
como palavras reais. Contanto que um bebê pronuncie
uma palavra com os fonemas corretos suficientes para
ser reconhecida, o ouvinte a aceita como palavra-alvo.
À medida que novas palavras surgem, a criança
pequena, em geral, diz as vogais destas palavras
corretamente. As consoantes fisiologicamente mais
fáceis de produzir aparecem primeiro. Nos três
primeiros anos de vida, o interesse parental se detém
no surgimento de novas palavras, novas combinações
de palavras e na comunicação, em vez de na precisão
da articulação. Se a fala da criança até a idade de três
anos pode ser entendida, há em geral pouco interesse
na articulação.
Quando a criança fica mais velha, o modelo
adulto de articulação prevalece como padrão. As
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 56
crianças devem usar a forma consoante adulta ou sua
fala pode ser julgada deficiente. Aos 48 meses, a
criança é capaz de produzir vinte e quatro consoantes
corretamente em qualquer posição na palavra. Os
fonemas mais complexos (como os grupos
consonantais) só são produzidos mais tarde.
Quando as crianças apresentam dificuldades em
dominar os sons da fala, é útil identificar os fatores que
contribuem para o problema. Tirando os exemplos
citados anteriormente, algumas crianças podem sentir
dificuldade em controlar e coordenar os músculos que
apóiam a fala. Para a maioria das crianças, a má
articulação não apresenta uma causa física óbvia; elas
podem ter aprendido um padrão articulatório defeituoso
para um único som (como “framengo” ou “bicicreta”)
ou persistir em empregar padrões imaturos de
articulação que afetam grandes conjuntos de sons
(“balata”, “cacholo”, “tota-tola”).
Outro problema bastante comum é a projeção
de língua. A língua é empurrada para frente contra a
dentição anterior, na fala e durante a deglutição, o que
prejudica a mastigação e o processo correto da
digestão. Além disso, essa freqüente pressão sobre os
dentes força-os para fora e os tira do alinhamento. Por
esta razão, muitos ortodontistas mostram-se relutantes
em colocar aparelho ortodôntico em uma criança até
que esta projeção tenha sido superada. Este tipo de
distúrbio articulatório requer terapia miofuncional para
o desenvolvimento de posturas linguais intra-orais
ideais.
Ocasionalmente, problemas de língua podem
contribuir para uma dificuldade de articulação. Um freio
lingual curto é um destes problemas, com isso o
movimento para frente e para cima da ponta da língua
é restringido. É o que comumente chamamos de língua
presa.
Para pensar
Já pensou como seria difícil falar palavras com “L” se sua língua estivesse presa?
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 57
As habilidades pobres de articulação de algumas
crianças não são prontamente atribuíveis a
anormalidades estruturais. Os pais tornam-se
preocupados quando a fala dos seus filhos parece ficar
aquém da dos seus amiguinhos. Para algumas crianças,
os erros de articulação da fala limitam-se apenas a
alguns sons. Em alguns outros casos, os erros de
articulação são tão numerosos que a fala das crianças
pequenas torna-se quase ininteligível.
Para muitas crianças, o problema não se limita a
uns poucos sons consistentemente mal articulados.
Com maior freqüência, o especialista encontra erros em
muitos dos sons consonantais, os mesmos, à primeira
vista, podem parecer inconsistentes. Mas, em uma
análise mais detalhada da produção e listagem
(transcrição fonética) dos sons, verificaremos que eles
podem apresentar omissões, distorções ou
substituições formando um padrão. De posse deste
padrão nos erros, o fonoaudiólogo determinará quais
processos fonológicos a criança está utilizando.
Muitos processos fonológicos são observados em
crianças com desenvolvimento normal. A abordagem
fonológica a distúrbios de articulação reconhece que a
criança apresenta alguma dificuldade em dominar a
fonologia adulta da linguagem. Em suas tentativas de
utilizar a linguagem, a criança de fato produz
simplificações sistemáticas. A partir deste ponto de
vista, as crianças com um distúrbio fonológico
continuam a usar estas simplificações além da época.
Por isso, a terapia concentra-se mais em eliminar os
processos do que tratar os erros individuais.
Dica da professora
Então, vimos que dependendo da dificuldade da linguagem, são necessários ajustes na conduta terapêutica. Não se trata somente de fazer uma série de exercícios articulatórios para corrigir os fonemas, mas de uma avaliação criteriosa para definir com mais acerto as correções. Aí está a importância fundamental do trabalho integrado e dos conhecimentos básicos para encaminhamentos precoces.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 58
Distúrbios da voz
A maioria das vozes que ouvimos em crianças
durante os cinco primeiros anos são percebidas como
normais. Às vezes, um bebê parece chorar com uma
voz inadequadamente grave ou suas vocalizações
parecem ser hipernasais. Qualquer desvio na qualidade
vocal, no nível de altura ou de ressonância, pode ser o
sintoma de uma doença de via aérea ou laringe, por
esta razão, qualquer criança pré-escolar com uma
mudança persistente na qualidade da voz deve ser
submetida a um exame médico mais criterioso.
Em geral, concorda-se que os anos na educação
infantil podem ser sabiamente dispendidos desfrutando
dos diversos excessos vocais que parecem ocorrer
espontaneamente como chorar, rir, gritar ou berrar.
Esta é provavelmente a única época da vida em que se
pode ser vocalmente espontâneo, dramatizando nossas
emoções com a nossa voz. Não é necessariamente uma
época, então, para terapias vocais.
Contudo, é provável que uma voz que se desvie
marcantemente da dos companheiros de idade precise
ser investigada por um médico. Um distúrbio vocal
numa criança muito pequena pode ser um sintoma
inicial de doença laríngea grave. Dependendo dos
achados do exame, o manejo do problema vocal nesta
idade precoce será principalmente médico, em vez de
envolver terapia vocal.
Caso nenhuma lesão estrutural da laringe possa
ser identificada como causa possível da disfonia
(alteração da voz), estabelece-se o diagnóstico de
disfonia funcional (alteração na produção da voz). Ou
seja, a criança está usando a voz de maneira
inadequada, a função fonatória não está sendo ideal,
produzindo uma voz normalmente rouca, agravada,
Dica da professora
Que saudades do tempo que a gente podia sair correndo e gritando pelo pátio da escola, não é mesmo? Confesse que, às vezes, dá uma vontade de fazer isso de novo...
Dica da professora
Estatisticamente, existem mais problemas vocais em meninas do que em meninos. Deve ser porque abusamos da nossa condição de seres falantes!!
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 59
soprosa e assim por diante. É comum as crianças
ficarem roucas após períodos de berros e gritarias, mas
a persistência do caso merece ser investigada.
Distúrbios de fluência
A maioria das crianças fala com espantosa
fluência. Até mesmo nas fases iniciais, no balbucio do
bebê, ouvimos padrões vocais variáveis contínuos, em
geral livres de qualquer tipo de interrupção. Quando a
criança de dois anos combina palavras no início de
frases e orações, dizemos que elas apresentam fluência
surpreendente, já que é a primeira vez que ela constrói
uma frase. Ocasionalmente, qualquer criança já
experimentou alguma interrupção na fluência verbal.
Quando estão excitadas, por exemplo, podem
exclamar: “Mamãe! Mamãe! Mamãe!”, algumas vezes
antes de efetivamente contar o que causou tanta
alegria. Ou quando estão com medo: “U-um cachorro!”
ou então: “um (pausa) cachorro!”. Estes tipos de
repetições e revisões são ouvidos na fala de crianças
pequenas que estão adquirindo linguagem e é
fisiológica até os quatro anos. O distúrbio que ocorre
quando a criança inicia uma frase, de forma sistemática
e contínua, é chamado de gagueira.
Uma maneira útil de distinguir entre a
disfluência fisiológica e a gagueira é identificando o tipo
de unidade da fala envolvido na disfluência. Por
exemplo, as crianças com disfluência normal tendem a
repetir palavras ou frases inteiras como “eu quero, eu
quero, eu quero sorvete”. Uma criança que esteja
gaguejando tende a repetir os sons de uma sílaba: “e-
e-eu quero s-s-s-s-sorvete”. Outro indicativo
importante é a freqüência da disfluência.
A gagueira, em geral, é acompanhada por um
esforço para eliminá-la. Quando a criança experimenta
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 60
reações negativas dos ouvintes, ela começa a lutar
para eliminar as interrupções de fluência, mudando a
palavra visada, franzindo lábios, piscando os olhos, e
assim por diante. Muitas vezes, essas coisas
secundárias que as crianças fazem, tornam-se um
problema a parte no processo comunicativo delas.
Como regra geral, ao nos depararmos com uma
criança que apresente estes sintomas, o mais indicado
é não supervalorizar a ocorrência, permanecendo o
ouvinte calmo para que a criança possa terminar sua
fala. Os pais devem ser orientados a fazer o mesmo em
casa e se persistirem as ocorrências, a criança deverá
ser encaminhada para uma avaliação fonoaudiológica.
Considerações finais
Um distúrbio de comunicação pode ser muito
prejudicial para uma criança afetando as interações
familiares iniciais, o desempenho na escola e,
possivelmente, os desenvolvimentos cognitivo e social
gerais. Há, proporcionalmente, mais crianças do que
adultos que apresentem dificuldades na linguagem,
principalmente porque muitos distúrbios da
comunicação nas crianças são de origem
desenvolvimental.
Esperamos que, com este último módulo, as
perspectivas sobre o desenvolvimento cognitivo e da
linguagem tenham sido ampliados. Munidos de
informações, vocês são uma poderosa arma contra as
possíveis dificuldades de aprendizagem, de
comunicação e de relacionamentos sociais que nossos
pequenos alunos possam ser expostos.
Foi um grande prazer poder compartilhar esses
momentos com vocês!
Importante
A coisa menos indicada a fazermos com uma criança que gagueja é tentar adivinhar a sua fala, rir ou deixar que seus amiguinhos riam dela. Com essas atitudes, estaremos contribuindo para o estabelecimento de uma gagueira definitiva além de ferir a auto-estima dos nossos pequenos amigos.
Aula 3 | Dificuldades de comunicação e linguagem 61
RESUMO
Vimos até agora:
� A linguagem auditivo-oral é o principal modo
da comunicação humana, conseqüentemente,
qualquer tipo de perda auditiva pode
comprometer a capacidade da criança de
utilizá-la, uma vez que afeta a comunicação;
� Algumas crianças apresentam dificuldades em
adquirir e utilizar o código da sua língua. Os
distúrbios de linguagem podem estar
associados a uma variedade de condições da
infância;
� A gagueira, em geral, é acompanhada por um
esforço para eliminá-la, e, quando a criança
experimenta reações negativas dos ouvintes,
ela começa a lutar para eliminar as
interrupções de fluência.
62
Educação Especial nas Deficiências Auditivas Carol Kwee
AU
LA 4
Apr
esen
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Esta aula apresenta as principais diferenças entre as pessoas surdas, o desenvolvimento das crianças deficientes auditivas e sua avaliação, além de um conjunto de orientações sobre a educação de alunos deficientes auditivos.
Obj
etiv
os
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: � Apresentar a etiologia da surdez e seus diferentes tipos de
acordo com a localização da lesão; � Destacar as dificuldades na comunicação da criança surda cujo
acesso a linguagem não é espontâneo nem natural, devendo ser planejada essa aquisição de forma sistemática pelos adultos;
� Reconhecer a importância da LIBRAS, como instrumental lingüístico de poder e força que possui todos os elementos classificatórios identificáveis de uma língua e demanda prática para seu aprendizado, como qualquer outra língua.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 64
Introdução
O estudo de crianças privadas de audição e que
desenvolvem modos alternativos de comunicação
desperta a atenção de muitos pesquisadores. Mesmo
com todos os saberes compartilhados, ainda, não
conseguimos resolver definitivamente duas
controvérsias: o sistema de comunicação mais
adequado e o tipo de educação mais positivo.
Os psicólogos procuram saber que mudanças
ocorrem em seus processos lingüísticos, cognitivos e
sociais. Os lingüistas analisaram as características e as
possibilidades de uma nova linguagem: a língua de
sinais.
Os antropólogos e sociólogos estudaram
principalmente as relações entre as pessoas surdas. Os
educadores refletiram sobre os processos de instrução
e sobre as estratégias comunicativas mais adequadas à
forma de aprender. As próprias pessoas Ds.As.
reivindicaram um papel nestes estudos e contribuíram
para ampliar o conhecimento sobre a situação de
pessoas não-ouvintes.
O prejuízo auditivo permanente é um quadro
que pode prejudicar muito o aluno, caso as medidas
necessárias para garantir o desenvolvimento desse
aluno não sejam tomadas o mais brevemente possível.
Sabemos que a audição é essencial para a aquisição da
linguagem que, por sua vez, é essencial para a
comunicação e a construção do conhecimento sobre a
realidade.
O debate sobre a linguagem e sobre a
integração na escola prossegue, embora nas duas
últimas décadas tenham ocorrido avanços importantes
em todos os campos, permitindo apresentar um campo
mais sólido e mais completo.
Você sabia?
Deficiência auditiva ou surdez é a incapacidade parcial ou total de audição. Pode ser de nascença ou causada posteriormente por doenças.
Introdução 64 Diferenças individuais 65 Desenvolvimento da criança deficiente auditiva 71 A intervenção educativa 77 A polêmica da inclusão 82 Considerações finais 83
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 65
Diferenças individuais
As pessoas com perda auditiva constituem um
grupo bastante heterogêneo e, por isso, não é correto
fazer afirmações que possam ser generalizadas a toda
população com deficiência auditiva. O desenvolvimento
comunicativo e o lingüístico de crianças surdas com
uma perda profunda, por exemplo, apresentam
aspectos muito distintos daquelas com perdas leves ou
hipoacúsicas. O fato dos pais serem surdos ou ouvintes
tem repercussões importantes na educação das
crianças surdas. As diferenças baseiam-se
principalmente em torno da localização da lesão, da
etiologia, da perda auditiva, da idade do início da
surdez e o ambiente educativo da criança.
Podem-se organizar os principais fatores
diferenciadores em torno dos cinco seguintes: a
localização da lesão, a etiologia, a perda auditiva, a
idade de início da perda auditiva, a idade do início da
surdez e o ambiente educativo da criança.
TIPOS DE SURDEZ CONFORME A LOCALIZAÇÃO DA
LESÃO
Uma surdez ou uma deficiência auditiva é
qualquer alteração produzida tanto no órgão da
audição como na via auditiva. A classificação mais
habitual do ponto de vista médico foi feita em função
do lugar onde se localiza a lesão.
Com relação à localização da lesão, os médicos
destacam três tipos diferentes:
1) A surdez condutiva ou de transmissão, onde a
lesão se localiza na orelha média ou externa –
o que impede ou dificulta a transmissão das
ondas sonoras até o ouvido interno. São
Você sabia?
O deficiente auditivo é classificado como surdo quando sua audição não é funcional na vida comum e hipoacústico aquele cuja audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 66
Figura 1. Ouvido humano
causadas por otites, malformações ou
ausência de pavilhão auditivo, traumatismos,
alterações na cadeia de ossículos.
Normalmente, não são graves nem
duradouras e há possibilidade de tratamento
médico ou cirúrgico. Produzem alteração na
quantidade e não na qualidade auditiva;
2) A surdez neurossensorial ou de transmissão,
onde a lesão se localiza na orelha interna ou
na via auditiva para o cérebro – que afeta a
quantidade e a qualidade da recepção do
estímulo auditivo. São causadas por infecções
tipo meningite ou alterações vasculares e dos
líquidos linfáticos da orelha interna.
Costumam ser permanentes e, até pouco
tempo, sem nenhum auxílio cirúrgico, até a
chegada do implante coclear, cirurgia que
ainda causa controvérsias;
3) A surdez mista, onde a lesão pode ser tanto
na orelha interna ou na via auditiva como o
canal auditivo externo ou médio – os danos
são qualitativos e quantitativos e podem levar
a uma perda auditiva completa.
Importante
No caso da audição humana, a intensidade padrão ou de referência corresponde à mínima potência de som, sendo essa intensidade tomada como padrão denominada 0 dB.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 67
ETIOLOGIA DA SURDEZ
A causa da surdez também é um fator de
variabilidade significativa que está relacionada com a
idade da perda auditiva, com a reação emocional dos
pais, com os possíveis transtornos associados e, por
última razão, com o desenvolvimento da criança.
Há dois grandes tipos de causas: as de base
hereditária e as adquiridas, embora para cerca de um
terço das pessoas surdas a origem de sua surdez não
possa ser diagnosticada com exatidão.
A porcentagem de surdezes hereditárias situa-se
em torno de 30 a 50%, mas não é fácil determinar
isso. A principal razão está em que a maioria das
surdezes de origem genética tem caráter recessivo.
Isso supõe que, em muitos casos, a perda auditiva das
crianças surdas, com pais ouvintes é genética. Deve-se
levar em conta que apenas 10% das pessoas surdas
têm pais surdos.
Há menor probabilidade de encontrar um
transtorno associado à surdez quando sua origem é
hereditária. Ao contrário, é mais provável que as
surdezes adquiridas estejam associadas a outras lesões
ou outros problemas, especialmente quando foram
causadas por anoxia neonatal, infecções,
incompatibilidade de RH ou rubéola. Esse fato talvez
possa explicar os resultados obtidos e diversos
estudos, que comprovaram que as crianças surdas
profundas, cuja causa seja hereditária, têm nível
intelectual mais elevado que os surdos de outra
etiologia.
GRAU DE PERDA AUDITIVA
A perda auditiva é avaliada por sua intensidade
em cada um dos ouvidos em função de diversas
Quer
saber mais?
Para um diagnóstico correto de uma surdez, é preciso fazer uma exploração audiométrica do grau de perda por relação com um espectro de freqüência que vá pelo menos de 125 Hz a 4000 Hz, já que são estas as freqüências mais utilizadas na fala humana.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 68
freqüências, como demonstra o quadro abaixo. A
intensidade do som é medida em decibéis (dB), a
freqüência refere-se à velocidade de vibração de ondas
sonoras, de graves a agudas, e é medida em Hertz
(Hz). As freqüências mais importantes para a
compreensão da fala situam-se entre 500 e 2.000 Hz e
a intensidade do som para a conversação normal em 60
dB.
Classificação dos graus de perda de audição para
conversação face a face:
Do ponto de vista educacional, costuma-se fazer
uma classificação mais ampla, de acordo com as
necessidades educativas dos alunos hipoacúsicos e
surdos profundos. As crianças hipoacúsicas têm
dificuldades na audição, mas seu grau de perda não as
impede de adquirir linguagem oral através da via
auditiva. Normalmente, necessitarão da ajuda de
prótese auditiva. Costumam ocorrer dificuldades na
articulação e na estruturação da linguagem e, por isso,
é importante a intervenção fonoaudiológica.
CLASSE NOME PERDA PARA CONVERSAÇÃO dB
OBSERVAÇÕES
A NORMAL Não mais do que 15 dB no pior ouvido
Sem dificuldade para ouvir voz baixa
B QUASE NORMAL Mais que 15, mas menos do que 30 em ambos os ouvidos
Dificuldade apenas para ouvir voz baixa
C PERDA / DIA Mais que 15, mas menos do que 30 em ambos os ouvidos
Dificuldade para voz normal, mas não para voz alta
D PERDA SÉRIA Mais do que 45, mas não mais do que 60 no melhor ouvido
Dificuldade mesmo para voz alta
E PERDA GRAVE Mais do que 60, mas não mais do que 90 no melhor ouvido
Só pode ouvir voz amplificada
F PERDA PROFUNDA
Mais do que 90 no melhor ouvido
Não pode entender nem mesmo a voz amplificada
G PERDA TOTAL EM AMBOS OUVIDOS - Não pode ouvir qualquer som
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 69
Os surdos profundos têm perdas auditivas
maiores, o que dificulta bastante a aquisição da
linguagem oral através da via auditiva, inclusive com o
auxílio de próteses. Por isso a visão se torna o principal
vínculo com o mundo exterior e o primeiro canal de
comunicação.
IDADE DE INÍCIO DA SURDEZ
A idade da criança, quando se produz a perda
auditiva, tem grande repercussão em seu
desenvolvimento posterior. Diferenciam-se em dois
tempos: antes dos três anos e depois dessa idade. No
primeiro, é denominado de surdez pré-locutiva, antes
da fala; e no segundo, surdez pós-locutiva, depois da
fala.
Crianças que perdem a audição antes dos três
anos levam enorme desvantagem frente às crianças
que perdem depois dos três. Isso se explica porque
depois dos três anos as crianças que ensurdecem têm
uma dominância cerebral mais consolidada e podem
manter sua linguagem interna.
Os programas educativos devem levar em conta
esses dados. As crianças surdas pré-locutivas (antes de
adquirirem a fala) têm de aprender uma linguagem
totalmente nova para elas, sem nenhuma experiência
com o som. As crianças que ficaram surdas entre o
segundo e o terceiro ano conseguiram chegar a uma
competência lingüística, mas sua estruturação ainda é
frágil e, por isso, o principal objetivo continua sendo a
aquisição de um sistema lingüístico quando a criança
perde a audição. Já depois dos três anos, o objetivo é
manter a linguagem adquirida, enriquecê-la e
complementá-la.
Importante
O professor pode suspeitar de casos de deficiência auditiva entre seus alunos quando observar os seguintes sintomas: Excessiva distração; freqüentes dores de ouvido ou ouvido purgante; dificuldade de compreensão; intensidade da voz, inadequada para a situação, muito alta ou baixa ou quando a pronúncia dos sons é incorreta.
Para pensar
Aos cuidadores e educadores é essencial este conhecimento para poder compreender as crianças surdas e, também, saber melhor colaborar com as mesmas. De tal forma que, este conhecimento facilite um diálogo possível e amadureça a comunicação da criança com o mundo.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 70
FATORES AMBIENTAIS
Além das diferenças individuais clínicas, existem
ainda os fatores ambientais capazes de modificar
substancialmente o curso do desenvolvimento das
crianças não-ouvintes.
A atitude dos pais frente à surdez pode variar
entre negação, tratando a criança como ouvinte; outros
com superproteção, que limitam as experiências e
outros com uma posição intermediária, mais positiva,
que aceitam as conseqüências da surdez, criam um
ambiente comunicativo descontraído e se dispõem a
aprender a usar a forma de comunicação mais
adequada ao seu filho.
Se os pais são surdos, compreendem e aceitam
melhor a surdez do filho e oferecem mais
espontaneamente a comunicação alternativa. No caso
de pais ouvintes (90% dos casos), existem maiores
dificuldades para encontrar um modelo de comunicação
adequado.
A possibilidade de se obter atenção educativa
desde o momento em que se detecta a surdez é
garantia para um desenvolvimento satisfatório da
criança. Ações educativas que envolvam estimulação
sensorial, atividades comunicativas e expressivas, a
utilização da língua de sinais para os que possuam
surdez profunda, o desenvolvimento simbólico, o
envolvimento dos pais e a utilização dos resquícios
auditivos contribuem sobremaneira para a superação
das limitações impostas pela deficiência auditiva.
Importante
Quando a educação é adaptada às suas possibilidades, isto é, quando se utilizam os meios comunicativos de que a criança necessita, facilita-se o conjunto de aprendizagens.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 71
Desenvolvimento da criança deficiente
auditiva
Os estudos sobre o desenvolvimento educativo
da criança surda são muito extensos e numerosos. Para
recortar nosso discurso, abordaremos dois itens que
consideramos mais representativos.
O DESENVOLVIMENTO COMUNICATIVO E
LINGÜÍSTICO
Antes de entrarmos nas especificidades
comunicativas, relembremos a importância do meio
familiar para a aquisição da linguagem nas crianças
Ds.As. Assim como as crianças ouvintes são
influenciadas pelo ambiente lingüístico de seus pais, o
mesmo acontece com as crianças surdas. Portanto,
como a minoria dos casos é de filho de pais surdos, os
pais ouvintes utilizam habitualmente a linguagem oral,
contudo podem aprender algum sistema de
comunicação.
As diferenças lingüísticas das crianças não-
ouvintes começam a se revelar desde os primeiros
meses. Os sons habituais de choro, arrulhos e
balbucios dos quatro primeiros meses são iguais aos de
um bebê ouvinte, mas começam a diminuir entre
quatro e seis meses pela própria falta de feedback
(retorno) auditivo de suas próprias vocalizações.
As dificuldades de entender o jogo da troca de
turnos no diálogo, de focar o rosto das pessoas no
momento da fala, de identificar as expressões faciais
durante o discurso e de dividir a atenção entre a
comunicação do adulto e o objeto de que se faz
referência são situações muito comuns entre mãe e
filho com deficiência auditiva que muitas vezes leva a
criança a uma atitude mais passiva e menos interessada
nos intercâmbios comunicativos (Coll, 2004).
Para pensar
A educação da criança surda é um direito, faz parte da sua condição como ser humano, e o dever de educar é uma exigência do ser humano adulto, do pai e do educador.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 72
Foram realizados alguns estudos sobre a
comunicação precoce em crianças surdas. Eles
revelaram três aspectos importantes da comunicação
entre mãe e bebê durante o primeiro ano: a
alternância, a referência conjunta e os jogos de
antecipação.
A alternância refere-se à progressiva percepção
do papel que cada um dos interlocutores ocupa.
Quando um inicia a fala, o outro espera seu turno. Nas
crianças surdas, existe dificuldade nessa alternância: os
tempos em que mãe e filho vocalizam juntos são mais
freqüentes do que quando ela é ouvinte.
A referência conjunta é um indicador das
atividades que mãe e filho realizam com atenção
dirigida às mesmas coisas, acompanhando essa
atenção compartilhada com vocalizações e expressões
lingüísticas.
Essas expressões convertem-se posteriormente
em instrumento para regular a atenção da criança. Na
criança surda, não se estabelece uma relação estável
do rosto da mãe com os sons e a comunicação.
Também não percebe as vocalizações nas ações de
ambos com os objetos. Por isso, a criança surda
diminui a busca do rosto da mãe e, conseqüentemente,
a mãe não pode regular a atenção da criança.
Os jogos de antecipação, em que mãe e filho
aprendem um papel que se repete, permitem que a
criança realize as ações previstas e as alterne com as
da mãe. Dessa forma se estabelece uma estrutura
interativa que é a base para os intercâmbios
lingüísticos. Esses jogos são acompanhados de
expressões orais. Embora seja possível utilizar sinais,
observa-se uma significativa diminuição desse jogo das
mães com suas crianças surdas.
Importante
Para a criança surda, tal como para a criança ouvinte, o pleno desenvolvimento das suas capacidades lingüísticas, emocionais e sociais é uma condição imprescindível para o seu desenvolvimento como pessoa.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 73
As enormes dificuldades na comunicação
precoce, entre mãe e criança surda, podem também
decorrer do problema da atenção dividida. A criança
surda não consegue, ao mesmo tempo, prestar atenção
ao rosto do adulto para perceber sua intenção
comunicativa e olhar para o objeto ao qual se faz
referência. Enquanto a criança ouvinte retém
informações simultaneamente, a criança surda retém
seqüencialmente. Tais dificuldades causam frustração
no adulto e, por vezes, redução das expressões orais e
dos jogos de alternância.
Com relação à aquisição da linguagem oral,
principalmente para surdez grave e profunda, autores
como Bishop (2002) e Coll (2004) coincidem na
dificuldade e extrema diferença com que essas crianças
são apresentadas a essa forma comunicativa. Elas
enfrentam um problema complicado de como ter
acesso a uma linguagem que não podem ouvir.
Portanto, sua aquisição não é um processo espontâneo
e natural, vivido em situações habituais de
comunicação e de intercâmbio de informações, mas
sim uma atividade difícil que deve ser planejada de
forma sistemática pelos adultos.
Não é estranho ouvir os pais de crianças surdas
dizerem que estão trabalhando uma palavra com seu
filho. As palavras vão incorporando-se pouco a pouco
ao vocabulário da criança, convertendo sua aquisição
em um objetivo muitas vezes distante de um conte xto
comunicativo e interativo.
Mogford (in Coll & Bishop) comprovou que as
crianças surdas profundas não chegavam a dez
palavras até depois de dois anos, o que supõe um
atraso de quase um ano em comparação ao grupo de
crianças ouvintes.
Para refletir
Diferente dos deficientes visuais, as perspectivas de interação comunicativa das crianças deficientes auditivas parecem bem mais comprometidas, não é mesmo? A tendência ao isolamento e/ou agitação psicomotora são bem freqüentes nestes casos. Por essa razão, estudar suas peculiaridades ainda é a melhor forma de ajudarmos esses alunos.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 74
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
A obra mais representativa sobre este assunto é
de Hans Furth (1966, 1973, in Coll), cuja conclusão é a
de que a competência cognitiva dos não-ouvintes é
semelhante a dos ouvintes. Os dois grupos de pessoas
passam pelas mesmas etapas do desenvolvimento,
embora nos surdos a solução seja mais lenta.
Acrescenta, ainda, que isso se deve a “deficiências
experimentais” que o surdo vive.
Furth sustenta que pessoas surdas não são
privadas de linguagem, mas têm uma linguagem
própria que se expressa (mais facilmente) na
modalidade manual. Esses modos específicos de
comunicação dos surdos também influenciaram as
pesquisas atuais sobre a representação e a organização
mental da informação e sobre os esquemas de
conhecimento.
Pesquisas sobre o desenvolvimento da
inteligência sensório-motora são muito escassas devido
à dificuldade de detectar a surdez durante o primeiro
ano de vida. As poucas conclusões a que se chegaram
comprovaram que o desenvolvimento sensório-motor é
semelhante entre crianças surdas e ouvintes. A única
dimensão alterada é a imitação vocal.
Uma das etapas mais importantes da função
representativa e simbólica é o jogo. Essa atividade, que
não exige a presença de intercâmbios comunicativos, é
particularmente relevante para analisar o
desenvolvimento cognitivo de todas as crianças,
inclusive o das surdas.
A pesquisa de Marchesi e colaboradores
(Marchesi et al.,1994/95 in Coll) estudou a evolução do
jogo simbólico nas crianças surdas profundas e
Importante
A linguagem é essencial à vida em comunidade, pois é através dela que partilhamos idéias, emoções, experiências. Sem a linguagem, as nossas potencialidades como ser humano ficam muitíssimo reduzidas.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 75
considerou que o jogo não constitui uma conduta
unitária, mas formado por várias dimensões, que
representam evoluções diferentes. As dimensões são:
descentração, identidade, substituição, integração de
ações e planejamento. Os autores concluíram que
existem semelhanças com as crianças ouvintes em
quase todos os itens menos nos de identidade e de
planejamento. Esses dados mostram a importância da
linguagem nos jogos mais sociais e nos jogos de
papéis. A influência da linguagem também se revela na
dimensão planejamento, pois indica a capacidade da
criança antecipar as situações e representá-las
mentalmente.
A etapa das operações concretas foi
amplamente estudada. Comparando com crianças
ouvintes, a aquisição dos conceitos de classificação, de
seriação, de conservação e da representação espacial
apresentou uma evolução semelhante, mas com
atrasos entre dois e quatro anos.
O pensamento hipotético-dedutivo, característica das
operações formais, depende enormemente da
linguagem e do meio social. É de se esperar que o não-
ouvinte tenha dificuldades significativas nesta área.
Porém, alguns autores, como o próprio Furth,
assinalam para a falta de busca ativa para a solução
dos problemas e para o tipo de ensino que os surdos
recebem, concreto e literal demais, limitando o
pensamento abstrato.
A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS
A principal personagem da história dos surdos
no Brasil não é um brasileiro e sim um francês. Eduard
Huet nasceu em 1822 e aos 12 anos ficou surdo. Sua
família pertencia à nobreza daquele país. Huet se
formou professor e emigrou para o Brasil em 1855.
Apoiado por D. Pedro II, ele fundou, no dia 26 de
Para pensar
Isso faz a gente pensar no que estamos fazendo, não é?
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 76
setembro de 1857, o Imperial Instituto de Surdos-
Mudos, hoje chamado de Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES). Começou alfabetizando
sete crianças com o mesmo método do abade L’Epée.
Essa foi a primeira escola a aplicar a língua de
sinais na metodologia de ensino (Capturado no site da
FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração
dos Surdos, em 11 de fevereiro de 2005 –
www.feneis.com.br).
Assim como a educação na França, a língua de
sinais no Brasil deixou de se desenvolver com o
Congresso de Milão. Embora a influência do oralismo
fosse forte, os surdos brasileiros buscaram alternativas
de se comunicarem através da Língua Brasileira de
Sinais (Libras). Organizaram-se em forma de
associações para viverem aí sua cultura. As associações
são lugares onde há uma rica convivência de surdos,
troca de experiências, lazer, esporte e, principalmente,
o fortalecimento da identidade dos surdos.
LIBRAS, ou Língua Brasileira de Sinais, é a
língua materna dos surdos brasileiros e, como tal,
poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada
pela comunicação com essa comunidade. Como língua,
é composta de todos os componentes pertinentes às
línguas orais, como gramática semântica, pragmática
sintaxe e outros elementos, preenchendo, assim, os
requisitos científicos para ser considerada instrumental
lingüístico de poder e força. Possui todos os elementos
classificatórios identificáveis de uma língua e demanda
prática para seu aprendizado, como qualquer outra
língua.
Foi na década de 60 que as línguas de sinais
foram estudadas e analisadas, passando então a ocupar
um status de língua. É uma língua viva e autônoma,
reconhecida pela lingüística. Pesquisas com filhos
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 77
surdos de pais surdos estabelecem que a aquisição
precoce da Língua de Sinais dentro do lar é um
benefício e que esta aquisição contribui para o
aprendizado da língua oral como segunda língua para a
população surda. Os estudos em indivíduos surdos
demonstram que a Língua de Sinais apresenta uma
organização neural semelhante à língua oral, ou seja,
que esta se organiza no cérebro da mesma maneira
que as línguas faladas. A Língua de Sinais apresenta,
por ser uma língua, um período crítico precoce para sua
aquisição, considerando-se que a forma de
comunicação natural é aquela para o qual o sujeito está
melhor preparado, levando-se em conta a noção de
conforto estabelecido diante de qualquer tipo de
aquisição na tenra idade.
A utilização da língua de sinais, da mímica e da
dramatização facilita a compreensão do conteúdo
curricular do surdo. A presença de intérprete da língua
de sinais (português) é um recurso que existe em
algumas instituições de ensino.
A intervenção educativa
A educação da criança surda ou com grave
perda auditiva supõe um conjunto de decisões ao longo
do processo de ensino. Há algumas particularmente
importantes: os sistemas de comunicação, as
adaptações curriculares e o tipo de escolarização.
OS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO
Em alguns países, há uma tradição centenária
que defende a comunicação exclusivamente oral,
inibindo sistematicamente o uso da língua de sinais.
Esta é considerada como um conjunto de gestos
icônicos e pouco estruturados, além disso, existe o
medo de seu uso interferir na aprendizagem oral.
Importante
O sucesso escolar depende, em grande parte, do domínio da língua de escolarização. Além disso, a linguagem escrita é a modalidade de comunicação mais facilmente partilhável por surdos e ouvintes. No entanto, a língua de aquisição natural e espontânea da criança surda não é, obviamente, uma língua oral, logo, para a população surda, o conhecimento da escrita implica a aprendizagem de uma nova língua.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 78
Tal posição foi questionada por vários fatores.
Comprovou-se que a utilização exclusivamente oral de
ensino não possibilitou aos surdos níveis satisfatórios
em leitura labial, expressão oral ou leitura de textos
escritos. Em contrapartida, a língua de sinais
estabeleceu seu valor lingüístico e sua capacidade para
expressar não apenas a realidade concreta, mas
também o mundo poético e abstrato.
Além disso, como foi mencionado no texto sobre
a LIBRAS, existe comprovada equivalência entre o
desenvolvimento da aquisição da linguagem oral e a de
sinais. Esses dados levaram a rever os modelos
exclusivamente orais. Por um lado, incorporaram-se
novos sistemas visuais à educação das crianças surdas:
a palavra complementada e os sistemas de
comunicação bimodal. Por outro, recuperou-se a língua
de sinais. Os dois primeiros priorizam a língua oral, por
isso são considerados monolíngües. O terceiro
incorpora uma nova língua, por isso é bilíngüe.
PALAVRA COMPLEMENTADA (CUED-SPEECH,
CONETT, 1967)
Seu objetivo é permitir que a criança surda
aprenda a linguagem por meio da leitura labial com a
ajuda de sinais complementares. O próprio autor
ressalta que o sistema não é um substituto do
treinamento auditivo, nem da aprendizagem da
aquisição dos sons da língua, nem da língua de sinais.
A palavra complementada é compatível com outros
métodos de comunicação e de treinamento. Seu
principal objetivo não é criar uma comunicação
alternativa, mas facilitar a compreensão da linguagem
oral por meio de sinais manuais.
Tal sistema baseia-se na utilização de um
conjunto de sinais manuais perto do rosto para que
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 79
possam ser vistos de forma simultânea à percepção do
movimento dos lábios e contribuam para tornar mais
claro o fonema articulado. A principal vantagem desse
sistema é que ele favorece a discriminação fonética e
facilita a leitura labial. Não ajuda, porém, a expressão
comunicativa nem procura um meio alternativo de
comunicação para crianças com graves problemas para
utilização da língua falada.
SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO BIMODAL
O sistema bimodal supõe a utilização simultânea
da fala e dos sinais. Trata-se, portanto, de uma
comunicação em dois modos: o oral e o manual.
Estrutura-se em torno da linguagem oral, que é a que
estabelece a ordem da frase e a sintaxe. Os sinais, que
em sua grande maioria procedem da língua de sinais,
são expressos ao mesmo tempo em que as palavras e,
com isso, produz-se uma única mensagem em dois
modos de comunicação.
O sistema manual adota diversas formas de
concretização. Nos Estados Unidos, desenvolveram-se
vários modelos que visam manter um estreito paralelo
com a linguagem oral; por isso, criaram-se sinais para
expressar aspectos morfossintáticos: plurais,
desinências verbais, conjunções etc. A dactilogia é
usada normalmente para palavras novas, nome
próprio, palavras sem equivalência na língua de sinais.
Na maioria dos países europeus, os sinais seguem a
ordem da linguagem falada, mas ignoram-se as
mudanças morfológicas.
Essas variações indicam a existência de diversos
sistemas bimodais em função de sua correspondência
com a estrutura da linguagem oral. As vantagens
educacionais de sua utilização estão em sua maior
facilidade para a aprendizagem por parte das pessoas
Para pensar
Quem estuda uma língua de sinais fica impressionado com a sua sutil complexidade e riqueza de expressão.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 80
ouvintes e também em seu maior ajuste à linguagem
oral. O principal inconveniente está em sua
artificialidade, já que o modo de sinais não constitui
efetivamente uma língua.
Em contrapartida, o valor da linguagem de sinais
e a sua utilização pela comunidade surda levaram a
reforçar uma opção comunicativa com as crianças
surdas: o bilingüismo. A comunicação bilíngüe supõe
usar os dois tipos de comunicação, os sinais e a
linguagem oral, que podem ser oferecidos de duas
formas: simultaneamente e primeiro os sinais e depois
(6 – 7 anos) a linguagem oral.
As razões, pelas quais o enfoque bilíngüe é
defendido, são as características estruturadas e
coerentes da língua de sinais, capaz de produzir uma
infinidade de expressões e significados; e seu uso pela
comunidade surda, como uma linguagem própria. A
dificuldade se encontra na prática: formação de pais e
professores e inclusão de professores bilíngües nas
salas de aula.
ADAPTAÇÕES CURRICULARES
Inserir um aluno não-ouvinte em sala de aula
ouvinte ainda é um desafio. São necessários ajustes
para um bom aproveitamento do aluno surdo e bom
entrosamento do grupo e professores para esse fato. A
correta utilização do sistema de comunicação escolhido
para o aluno em questão é a primeira coisa a ser vista.
Matérias como música, língua estrangeira e linguagem
oral devem ser reestruturadas. Em primeiro lugar, é
necessário incorporar ao currículo os conteúdos
próprios da linguagem alternativa em uso e relacioná-
los com os objetivos próprios da área estudada. Em
segundo lugar, deve-se considerar que as crianças
surdas têm que aprender conteúdos lingüísticos que
Importante
A criança com bom domínio da língua gestual tem vantagem quando chega à escola.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 81
seus colegas ouvintes adquiriram de forma espontânea
e aos quais não se dá importância no ensino regular.
Em terceiro lugar, deve haver uma estreita
coordenação entre as atividades de grupo e os
atendimentos individuais com a fonoaudiologia para
maior coerência e entendimento do aluno surdo.
Seguem abaixo, algumas sugestões que podem
favorecer a comunicação na sala de aula:
� Verificar as condições acústicas e da
visibilidade da sala de aula;
� Falar dirigindo o olhar à criança;
� Saber se existem recursos tecnológicos
disponíveis na escola;
� Facilitar a compreensão por meio de
mensagens escritas;
� Conscientizar os alunos ouvintes para o uso
visual de comunicação.
O enfoque da língua estrangeira deve ser feito
com estreita relação com a própria língua. Em linhas
gerais, pode-se dizer que, enquanto a criança surda
não tiver um bom domínio da sua primeira língua, não
é aconselhável o início de uma segunda língua.
A área de música deve ser mantida no currículo
do aluno surdo, com as adaptações necessárias. É
preciso dar mais atenção aos elementos relacionados
ao desenvolvimento da expressão corporal, ao ritmo e
às experiências com diferentes tipos de sons e
instrumentos musicais mediante a estimulação
vibrotátil.
Em todas as áreas, deve-se dar mais ênfase aos
procedimentos da aprendizagem e não tanto ao
acúmulo de informações. Para os alunos surdos (e
também os ouvintes), é particularmente importante
Dica da professora
Na relação professor-aluno D.A., é essencial que sejamos verbais e visuais em nossas interações. Isto implica localizar bem este aluno na sala, nunca esquecer da sua singularidade para aprender, não falar de costas, articular bem as palavras e ser criativo na busca de estratégias que facilitem a aprendizagem do seu aluno.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 82
desenvolver o desejo de saber, o interesse pela busca
de informações, o interesse pela leitura e a satisfação
pela resolução de problemas. A esses objetivos, deve-
se adaptar a metodologia que se desenvolve na sala de
aula.
A polêmica da inclusão
A inclusão de deficientes auditivos em classes de
alunos ouvintes ainda é motivo de debates. Existem
possibilidades negativas e positivas, que são
apresentadas no quadro abaixo.
Pontos desfavoráveis Pontos favoráveis
A inclusão marginaliza a língua de sinais, necessária para a comunicação de pessoas surdas e para a construção da própria identidade.
Os alunos surdos têm maiores possibilidades de interação com colegas ouvintes, o que favorece a aquisição da linguagem oral.
Os professores das escolas de ouvintes não têm formação suficiente.
As expectativas e os estímulos para a aprendizagem são maiores nas escolas inclusivas.
Os alunos surdos têm sérias dificuldades de oralização, por isso a integração social fica comprometida, mesmo estando no mesmo ambiente.
A inclusão prepara a futura e necessária inclusão das pessoas surdas para a vida ativa e profissional.
Os alunos surdos não podem acompanhar as informações transmitidas oralmente, o que leva a aumentar seus problemas de aprendizagem.
A inclusão deve ser feita de maneira adequada, pois de outra forma será negativa. É preciso haver um projeto educativo e curricular da escola que leve em conta a realidade do D.A., professores preparados e uso da comunicação visual.
As pesquisas realizadas, a fim de avaliar os
processos de inclusão de crianças surdas, foram
escassas e com vários problemas metodológicos. É
preciso definir com clareza quais os critérios de êxito do
processo de inclusão e das escolas especiais, qual o
nível de perda auditiva dos alunos, sua educação
precoce e a influência do ambiente familiar.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 83
Conclusões preliminares e que devem ser lidas
com cuidado, pois, como já citamos, as pesquisas são
escassas e com déficits metodológicos, apontam para
um melhor rendimento dos alunos surdos em classes
inclusivas, mas há muitas dificuldades sociais e de
integração, situação que não ocorre na educação
especial.
A inclusão de crianças hipoacúsicas não deve
oferecer grandes dificuldades. É necessário o
conhecimento das dificuldades dos alunos pelos
professores, para que possa facilitar o acesso à
comunicação. O problema mais sério é com a inclusão
de crianças surdas profundas. Nesse caso, é necessário
o básico: favorecer a comunicação e educar para a
integração, tanto no mundo dos ouvintes como no
mundo dos surdos. Para isso, devem-se incorporar uns
sistemas duplos de comunicação, oral e visual, e
facilitar a interação social e a aprendizagem das
crianças com seus colegas surdos e ouvintes.
Considerações finais
A tarefa de se fazer educação especial de
qualidade está longe de ser fácil. Infelizmente, como
pudemos verificar, não existem soluções prontas ou
adequações padrão. Tudo depende da singularidade de
cada individuo especial, das suas necessidades
individuais, da sua estrutura familiar, do seu meio
ambiente.
Não queremos, aqui, defender nenhuma postura
considerada certa ou errada, nem questionar a validade
ou não da inclusão do aluno com necessidades
educativas especiais. Mas demonstrar os estudos
existentes sobre o desenvolvimento das suas
características especiais, as pesquisas realizadas sobre
a educação para essas populações e como os especialistas
Quer
saber mais?
A inclusão, assunto que vem sendo discutido desde a década de 90, se apresenta como outro grande desafio para a educação brasileira. Tradicionalmente, a sociedade vem discriminando e segregando o portador de deficiência.
Para refletir
Em se tratando de aluno com deficiência auditiva, o que parece certo é que não se deve pautar pelo maniqueísmo; não há uma regra ou uma receita que garanta o bom resultado. Cada criança tem sua história e, sem dúvida, o professor e a escola terão papel decisivo no seu desempenho.
Aula 4 | Educação Especial nas Deficiências Auditivas 84
da área atuam, na tentativa de criar uma rede de
informações que possibilitem ao professor buscar as
melhores estratégias para auxiliar seu aluno especial a
se tornar um cidadão.
Em qualquer opção de modelo, é preciso
reconhecer e respeitar a cultura das pessoas surdas,
uma cultura que se baseia na linguagem de sinais e que
se mantém graças às associações das pessoas surdas,
uma cultura que deve ajudar na construção da
identidade pessoal das crianças surdas e que deve ser
conhecida e valorizada também pelos colegas ouvintes.
Dessa forma, é mais simples conseguir o objetivo de
educar a criança surda para viver em uma comunidade
de pessoas surdas e em uma comunidade de pessoas
ouvintes.
RESUMO
Vimos até agora:
� Em qualquer opção de modelo de
aprendizagem é preciso reconhecer e
respeitar a cultura das pessoas surdas, uma
cultura que se baseia na linguagem de sinais;
� Para a inclusão de deficientes auditivos em
classes de alunos ouvintes existem
possibilidades favoráveis e desfavoráveis;
� Do ponto de vista educacional, deve-se fazer
uma classificação, de acordo com as
necessidades educativas dos alunos
hipoacúsicos e surdos profundos. Uma vez
que estas têm dificuldades na audição, mas
seu grau de perda não as impede de adquirir
linguagem oral através da via auditiva, porém
necessitarão de intervenção fonoaudiológica.
Para pensar
Ao oportunizar o acesso ao sistema regular de ensino aos indivíduos com necessidades especiais e estes não conseguirem se adaptar, devido à escola não estar pronta para recebê-los, o processo pode contribuir mais uma vez para a segregação.
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