desenvolvimento cerebral de fetos e infantes em … · 2 consequências de negligências sobre o...
TRANSCRIPT
Minicurso:
DESENVOLVIMENTO CEREBRAL DE
FETOS E INFANTES EM SITUAÇÕES
DE NEGLIGÊNCIA
Ministrantes/Discentes: Adolfo Paulo de Mattos Júnior
Bianca Aparecida Borges e Silva
Tutora do grupo PET-Biologia: Profa. Dra. Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa
Alfenas-MG
2018
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Universidade Federal de Alfenas. Unifal-MG
Rua Gabriel Monteiro da Silva, 700. Alfenas/MG.
CEP 37130-000
Fone: (35) 3299-1000. Fax: (35) 3299-1063
SUMÁRIO
1 Introdução
1.1 Desenvolvimento cerebral durante as fases fetais e infância.
1.2 Situações de negligência.
2 Consequências de negligências sobre o desenvolvimento cerebral
2.1 Negligência alimentar
2.2 Negligência psicossociais
3 Conclusões
4 Prática: Estudo de casos (2 artigos + discussão); Documentário (16 minutos)
Referência bibliográfica
1 INTRODUÇÃO
1.1 Desenvolvimento cerebral
Desenvolvimento cerebral é a forma lúdica de se referir ao processo de
desenvolvimento e amadurecimento do sistema nervoso. O cérebro, órgão sensitivo
especializado, é vital para a condição de funcionamento do ser humano, sendo a morte
cerebral uma das constatações principais para indicar o falecimento de um indivíduo.
Trataremos, nesta apostila, os termos cérebro e sistema nervoso como sinônimos. É
importante ressaltar que se trata de simplificação, porque o sistema nervoso é composto pelo
sistema nervoso central e sistema nervoso periférico. O sistema nervoso central é constituído
por encéfalo e medula, sendo o encéfalo constituído por cérebro, cerebelo e tronco cerebral.
O cérebro necessita de muita energia para se manter funcionalmente operante, e apesar
de possuir somente 2% de todo o peso corporal, consome cerca de 20% do oxigênio e
portanto 20% das calorias fornecidas ao corpo (RAICHLE; GUSNARD, 2002). A alta
demanda de energia faz com que haja constante necessidade de fornecimento energético para
o cérebro.
Tanto durante a formação embrionária-fetal quanto durante o desenvolvimento
infanto-juvenil, o cérebro perpassa por fases de crescimento heterogêneas, com certas regiões
do cérebro sendo impulsionadas ao crescimento e amadurecimento em diferentes épocas
(KEUNEN et al., 2015). A trajetória do desenvolvimento está atrelada também à carga
genética, porém grande parte da influência sobre o desenvolvimento cerebral deriva do
ambiente que se foi exposto durante os períodos críticos do crescimento.
Já é na descrito na literatura científica que os primeiros 1000 dias de vida, por alguns
denominados fase neonatal e também primeira infância, é um período de grande
remodelamento cerebral (CUSICK; GEORGIEFF, 2016). Até os 3 anos de idade, o infante já
desenvolveu cerca de 90% do cérebro que terá quando adulto (WINSTON; CHICOT, 2016).
O pequeno ser humano, ao nascer, possui pouca aptidão para se virar sozinho, como fazem
outros mamíferos, e se é hipotetizado que este nascimento prematuro, por assim dizer, foi a
maneira evolutiva encontrada para possibilitar o investimento no crescimento cerebral
(LONGMAN et al., 2017).
Dentro desta intrincada janela de desenvolvimento do cérebro, vários fatores podem
manipular as vias bioquímicas que regulam este desenvolvimento, afetando, portanto, a
maneira como os tecidos cerebrais serão solidificados. Apesar da plasticidade neural já
descrita em literatura (GAGE, 2004), os efeitos destas alterações ocorridas principalmente nos
períodos críticos de desenvolvimento podem e costumam perpetuar até a fase adulta, campo
de estudo denominada programação neonatal (NELSON; TIERNEY, 2009).
A solidificação neural, que por aqui se entende como área, volume e atividade de certa
região do sistema nervoso não é simplesmente questão anatômica, mas também de simbiose e
modo de atuação. Níveis de neurotransmissores e de neuroreceptores dentro das vias de
comunicação cerebral são importante delimitadores do funcionamento do cérebro, e
negligências podem interferer no estabelecimento e quantidade de sinalizações geradas pelos
neurônios. Os níveis de dopamina, serotonina e outros transmissores são afetados pelas
experiências da primeira infância (CASPI et al., 2002). De mesmo modo, a microbiota
bacteriana dentro do intestino, que comunica com o sistema nervoso entérico e por
consequência com todo o sistema nervoso também influencia no desenvolvimento cerebral,
visto desordens de ordens psíquicas estarem, cada vez mais, em um campo de estudo
emergente, sendo correlacionadas com reações imunológicas (KEUNEN et al., 2015; CENIT
et al., 2017).
A malnutrição pode afetar drasticamente o desenvolvimento cerebral, principalmente,
nos dois últimos trimestres da gestação, caracterizado por grande aumento de área das
substâncias branca e cinzenta. A nutrição defeituosa nos primeiros meses de vida também
afeta o desenvolvimento cerebral e áreas como o cerebelo e o hipocampo são particularmente
sensíveis (KEUNEN et al., 2015).
Não somente a quantidade, mas a qualidade nutricional também é importante. A falta
ou excesso de compostos específicos podem alterar drasticamente não somente o
desenvolvimento cerebral, mas outros variados órgãos. Alguns micronutrientes como Iodo são
imprescindíveis para o desenvolvimento cerebral, e o feto, nos seus primeiros meses de
desenvolvimento, depende unicamente do T4 (complexo protéico produzido pela glândula
tireoide que carrega Iodo) proveniente da mãe. A deficiência de Iodo provoca cretinismo, o
hipotireoidismo e, especificamente no sistema nervoso, diminui a mielinização,
dendritogênese e sinaptogênese (CUSICK; GEORGIEFF, 2016).
O desenvolvimento cerebral perpassa inúmeros pontos críticos, e a completa
maturação do cérebro, principalmente do córtex pré-frontal, é estipulada de ocorrer por volta
dos 20 anos de vida (MADRAS; KUHAR, 2014). Portanto, há um grande período onde este
desenvolvimento pode ser alterado. O fato das negligências de origem econômico-sociais
serem recorrentes durante a formação do indivíduo devem ser, portanto, enfatizadas, para a
devida compreensão da magnitude de uma negligência sobre o desenvolvimento cerebral de
uma pessoa.
1.2. Situações de negligência
A forma mais recorrente de maus-tratos a criança e adolescentes é a negligência
infantil. Esse tema passou a ser mais abordado mundialmente nos últimos 20 anos, levando a
constatação da gravidade dos problemas decorrentes da negligência constante. (HILDYARD;
WOLFE, 2002). Pasian et al. (2013) destaca a necessidade de diferenciar negligência de
pobreza, o que ele descreve como sendo complicado em países com estrutura socioeconômica
como o Brasil, onde muitas vezes as duas problemáticas se confundem.
Segundo a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99), uma criança
é considerada em situação de negligência quando: está abandonada ou vive entregue a si
própria; sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe os
cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; é obrigada a exercer
atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal
ou prejudicial à sua formação ou desenvolvimento; está sujeita, de forma direta ou indireta, a
comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua
saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante
legal ou quem tenha a guarda de fato tente reverter essa situação.
Vários estudos demonstram que a negligência, de forma geral, produz sequelas sócio
afetivas negativas (PASIAN, 2012) e está associada aos maiores danos ao desenvolvimento da
criança, principalmente quando ela está exposta à essas condições de forma crônica.
(ÉTHIER; NOLIN, 2006) Redução do volume cerebral, mudanças bioquímicas, funcionais e
de estrutura cerebral, foram algumas das consequências observadas em crianças vítimas de
negligência (GLASER, 2000).Nos primeiros cinco anos de vida, os maus tratos podem
representar um perigo ainda maior, já que é nessa fase onde as crianças são mais vulneráveis,
e apresentam crescimento neurobiológico e psicológico mais rápido do que nas outras fases
(TOTH; CICCHETTI, 2004).
Estudos demonstraram que crianças vítimas de negligência ou abuso possuem maior
probabilidade de serem presas na juventude, (WIDOM; MAXFIELD, 1996) maior tendência a
desenvolver problema com drogas (CHAFFIN; KELLEHER; HOLLENBERG, 1996), e mais
de 50% das crianças maltratadas enfrentam dificuldade na escola (CALDWELL, 1992).
Outros problemas descritos foram: distúrbios do desenvolvimento do self (ego) (CICCHETTI,
1991), incapacidade de formar relações efetivas com seus pares de idade semelhante
(BOLGER; PATTERSON, 2001), desafios na adaptação do ambiente escolar (SHONK;
CICCHETTI, 2001) e taxas mais altas de problemas comportamentais e psicopatologias
(TOTH; CICCHETTI, 2004). Alterações na linguagem também podem estar associadas à
condições sociais precárias e falta de contato linguístico (PUYUELO; RONDAL, 2007).
O minicurso visa demonstrar, em um panorama geral, os efeitos de situações de
negligência sobre o desenvolvimento cerebral, frisando a importância do tratamento adequado
tanto nas políticas públicas quanto no seio familiar, para assegurar um futuro mais sereno aos
pequenos cidadãos.
2 CONSEQUÊNCIAS DE NEGLIGÊNCIAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO
CEREBRAL
2.1. Negligências alimentares
Dois estudos registraram a possível relação entre a exposição de fetos à deficiência
nutricional materna grave e o risco de desenvolvimento de esquizofrenia. O primeiro estudo
foi realizado na China, com base no período de 1959, que registrou relevante aumento dos
casos de esquizofrenia (ST CLAIR et al., 1961). Outro estudo foi feito por Susser e Lin
(1992), que usou o período em que a Holanda passou por racionamento alimentar durante a
Segunda Guerra Mundial (1944-1945). Com base nos registro psiquiátrico nacional holandês,
foi possível verificar um risco duas vezes maior de fetos que passaram por negligência
alimente se tornarem adultos esquizofrênicos do que fetos em condições de suprimento
alimentar suficiente. Ambas as situações, embora em escalas temporais e populacionais muito
diferentes, são análogas. Houve um aumento abrupto da taxa entre indivíduos expostos à fome
no período pré-natal, seguido de um rápido retorno às taxas prévias no final da crise
nutricional.
A relação foi explicada pela deficiência pré-natal de folato, um micronutriente, que
quando insuficiente pode acarretar defeitos na formação do tubo neural (SUSSER; LIN,
1992). Um derivado do folato é o ácido fólico um doador de metil que influencia na metilação
do DNA causando mudanças no gene (VAN DEN VEYVER, 2002). Essas mutações são de
grande importância na expressão do DNA durante o desenvolvimento embrionário humano e
na vida adulta desencadeiam vários distúrbios mentais (PADMAVATHI et al., 1998). Lewis
et al. (2005) associou o gene MTHFR C677T, conhecido por desempenhar um papel no
metabolismo do folato, como o possível fator alterado que acarretaria no desenvolvimento da
esquizofrenia.
Folato é um termo genérico para designar todas as formas de ácido fólico presente nos
soros e nos alimento. É uma vitamina B, essencial para a formação de glóbulos vermelhos
normais, síntese de DNA e auxilia no desenvolvimento normal do sistema nervoso do feto
(WHO/FAO, 2008).
Em animais foi demonstrado que a insuficiência materna desse nutriente durante o
pré-natal está associada a um número reduzido de células no cérebro fetal (CRACIUNESCU
et al., 2004) e a redução do peso cerebral (MIDDAUGH et al., 1976). Ars et al. (2015)
identificou que em humanos, filhos de mães com baixa concentração de folato no plasma
durante o início da gravidez, tiveram uma redução do volume de regiões corticais e
subcorticais do cérebro em comparação aos filhos de mãe com concentrações normais, além
de apresentarem a circunferência da cabeça menor no nascimento.
Crianças de mães com níveis mais elevados de folato durante a gravidez apresentaram
melhor desempenho em uma bateria de testes cognitivos (ARS et al., 2015). O baixo nível de
folato tem sido associado a alterações na mielinização e atrofia cerebral (NYARADI et al.,
2013) que podem explicar o desempenho negativo em crianças expostas à deficiência pré-
natal de folato. (ARS et al., 2015)
Roza et al. (2010) relatou que um nível inadequado de folato pré-natal estava
associado a problemas emocionais e comportamentais na idade de 1,5 anos, Ars et al. (2015)
não encontrou essa relação, e sugeriu que os efeitos da insuficiência pré-natal de folato no
funcionamento psicológico das crianças podem desaparecer no decorrer do desenvolvimento,
possivelmente devido a fatores ambientais compensatórios, como nutrição adequada e
funcionamento familiar ou estímulo e apoio social, sendo importante ressalta que este estudo
utilizou como amostra crianças holandesas com boa estrutura familiar. Os mecanismos exatos
dessa relação ainda não foram explicados, e para isso devem ser feito mais estudados.
Outros micronutrientes são também necessários para um desenvolvimento saudável do
cérebro. Lítio, um mineral, é um micronutriente necessário na maquinaria de produção de
vitamina B12. Porém grande quantidade deste, usado normalmente para tratar distúrbios
bipolares, pode influenciar o desenvolvimento cerebral de maneira drástica. Baixa
concentração de lítio, porém, já foi correlacionada com comportamentos agressivos e maiores
taxas de criminalidade. Lítio, per si, ajuda na manutenção e crescimento de áreas cerebrais
como o hipocampo, amígdala e córtex frontal (YOUNG, 2009). Já o Ferro, essencial para o
carreamento de oxigênio, afeta principalmente quando há deficiência. A deficiência de ferro
afeta a mielinização, a estruturação para a sinalização de serotonina, dopamina e
norepinefrina (CUSICK; GEORGIEFF, 2016). Cobre e vitamina A já foram correlacionados
com o desenvolvimento correto do túbulo neural (PRADO; DEWEY, 2014).
Não só os micronutrientes, mas o conjunto de nutrientes disponíveis, quando em
deficiência, provoca sérios problemas de desenvolvimento. Em situações com falta de
nutrientes durante os primeiros 4 meses de gestação, houve diferença na pontuação de QI
(quoeficiente de inteligência) (CUSICK; GEORGIEFF, 2016). A amamentação materna
também é importante durante o desenvolvimento cerebral do infante, pois promove ao infante
as imunoglobulinas que este não possui enquanto desenvolve (MANOHAR et al., 2018). A
amamentação materna do líquido chamado colostro é muito importante para a colonização
bacteriana adequada no intestino da criança, protegendo-a contra desordens psiquiátricas
decorrentes de distúrbios da microbiota, como o autismo (MANOHAR et al., 2018; CLAPP et
al., 2017).
2.2. Negligências psicossociais
De Bellis e Zisk (2014), explicam que eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) é
essencial para o desenvolvimento cerebral durante a infância. Sua função está relacionada
com a descarga de adrenalina liberada quando o ser humano está assustado, preparando uma
resposta instintiva para sua segurança e autodefesa. Segundo esses autores, quando crianças
são expostas a violências e agressões, elas apresentam maiores níveis de cortisol, quando isso
ocorre de maneira crônica acarreta prejuízos para o desenvolvimento cerebral.
Para se adaptar aos altos níveis de cortisol circulante, o organismo delas passa a
realizar a regulação negativa dos receptores de corticotropina (CRH). O hormônio CRH é
liberado com a ativação do eixo (HPA), e sua função é desencadear a liberação do hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) que por sua vez estimula a secreção do cortisol adrenal. O
cortisol ativará os receptores mineralocorticoides e glicocorticoide (GR), sendo que o segundo
está envolvido na transcrição e expressão de genes para imunidade, metabolismo, cognição e
desenvolvimento cerebral (DE BELLIS; ZISK, 2014).
A regulação negativa dessa via como adaptação de crianças traumatizadas faz com que
apenas uma resposta neuronal mínima seja realizada em resposta ao CRH. Nos adultos, os
níveis de CRH são elevados promovendo a excitação, ansiedade, agressividade,
hipervigilância, estimulação geral do sistema nervoso simpático, depressão e problemas com
alimentação e sexo (DE BELLIS; ZISK, 2014).
Como consequências dessas alterações hormonais, alguns estudos demonstraram que
adolescente que sofreram traumas na infância relacionados à maus tratos apresentaram
diminuição da ativação do córtex frontal médio e aumento da ativação no giro frontal medial
esquerdo e no giro cingulado anterior (CHROUSOS; GOLD, 1992; DELIMA; VIMPANI,
2011; MACMILLAN et al., 2008).
Além disso, foi verificada a diminuição do volume cerebral, sendo as áreas afetadas: o
mesencéfalo, o sistema límbico, o córtex, o corpo caloso e o cerebelo. O mesencéfalo é o
“ponto de retransmissão” para mensagens visuais e auditivas. Nessas crianças ele permanece
subdesenvolvido por isso elas se distraem facilmente e não conseguem prestar muita atenção
às suas atividades, muitas vezes apresentando déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)
(TATULLO; GUNNAR, 2006) .
Como efeito tardio dos maus-tratos foi verificada a atrofia do hipocampo que é parte
do sistema límbico e abriga os centros primitivos de emoções, sobrevivência, medo, raiva e
prazer, incluindo o sexo. Além de ser importante para memória e armazenamento de
informações, e para medir a magnitude de uma resposta (CARRION et al., 2009) .
Tomoda et al. (2012) demonstrou a redução do volume do córtex pré-frontal e da
massa cinzenta. O córtex pré-frontal tem papel no comportamento do adulto, incluindo
atenção, memória, controle motor, motivação, emoção, expressão de personalidade e
moderação do comportamento social aprendido. O autor também registrou a diminuição do
volume do corpo caloso, que é a maior estrutura de substância branca no cérebro e conecta os
hemisférios cerebrais direito e esquerdo e facilitando a comunicação entre eles.
Quanto ao cerebelo, a diminuição do seu volume afeta diretamente o desempenho de
suas funções, sendo entre elas o controle das emoções e o desenvolvimento e equilíbrio
cognitivos. Além de possuir inúmeras conexões com os lobos frontais e é importante para o
nexo fronto-cerebelar que modula o comportamento. (BRADY; SINHA, 2005).
Jovens do sexo masculino que apresentam má conduta e pouca emoção (insensíveis)
podem apresentar aumento da massa cinzenta nos córtices orbitofrontal e cingulado medial, e
aumento do volume e da concentração de substância cinzenta na região lobos temporais
bilateralmente (DE BRITO et al., 2009). Podendo ser sinal de problema com a maturação do
córtex com efeito na moralidade, na empatia e na capacidade de tomar decisões
(TSAVOUSSIS et al., 2014).
Estudos demonstraram ainda associação do estresse pós traumático com outros
transtornos de ansiedade e abuso de drogas. Sendo o uso de drogas uma tentativa de aliviar
seus sintomas, ocorrendo agravamento das memórias traumáticas durante a retirada dessas
substâncias. (KEYES et al., 2012).
Os trabalhos de Ducan e Brooks-Gunn (1997) e Haveman e Wolfe (1995) mostram
que crianças que vivem na pobreza apresentam menores desempenho acadêmico e
escolaridade. Esses padrões persistem até a vida adulta, contribuindo para baixos salários e
renda (DUCAN et al., 2012). A explicação foi que crianças que durante seu desenvolvimento
embrionário vivem na pobreza além de serem expostas a menor nutrição dos pais, recebem
elevados níveis de estresse, convivem com maior instabilidade familiar e maior violência,
além disso suas casa são mais cheias e muitas vezes fornecem menos estimulação cognitiva
(EVANS, 2004).
Hair et al. (2015), demonstrou que crianças pertencentes a famílias com recursos
financeiros limitados possuíam diferenças estruturais sistemáticas no lobo frontal, lobo
temporal e hipocampo. Além disso, o volume de massa cinzenta dessas crianças foi cerca de 3
a 4% inferiores ao normal para sua idade. Em níveis de pobreza ainda maior esse volume foi
de 7 a 10% menor.
A epigenética que governa o desenvolvimento cerebral é pouco elucidada, porém os
resultados que estão dispostos na literatura demonstram que o cuidado parental e a exposição
à outros indivíduos estão fortemente correlacionados com o desenvolvimento saudável do
cérebro. Ijzendoorn et al. (2011) cita trabalhos com crianças mantidas em orfanatos.Na
Romênia, demonstraram variações no cortisol incondizentes com os padrões normais.
Crianças mantidas em orfanatos em 19 países diferentes também demonstraram níveis mais
baixos em testes de QI (IJZENDOORN et al., 2011).
Os desafios para melhorar as condições de criação infantil são tremendos em uma
sociedade com pouco tempo útil para se dedicar aos cuidados infantis necessários. A questão
é levantada por Winston e Chicot (2016), onde indicam que, em um estudo na Inglaterra, que
80% dos em breve pais pela primeira vez se mostram ansiosos e despreparados para lidar com
a criação de uma criança.
3 CONCLUSÃO
A partir do exposto é possível perceber que a negligência e os maus-tratos contra
crianças pré-natais e pós-natais vem crescendo, assim como a desigualdade social e
econômica. Esses dois dados não podem ser deixados de analisar em conjunto, já que como
observado um interfere em grande parte das vezes no outro. A negligência muitas vezes é
confundida com a pobreza, pois a falta de recursos e informação dos pais afeta diretamente o
que eles oferecerão aos seus filho.
Como mostrado, existem diversos fatores que na primeira infância interferem
diretamente no comportamento e na formação da personalidade do indivíduo quando adulto,
ficando claro que essas alterações não são somente sociais. A falta de alimentação adequada,
exposição a ambientes violentos, a falta de estímulos cognitivos e afetivos afeta diretamente
na estruturação bioquímica cerebral que essas crianças recebem, e por sua vez na formação de
seu sistema nervoso.
Portanto, é indispensável que para resolver os problemas sociais associados a roubos,
homicídios, agressões, entre outros, seja levado em conta que essas pessoas agressivas,
insensíveis, e estimuladas a cometerem os crimes na maior parte das vezes são pessoas
derivadas de ambientes onde sofreram violência, maus-tratos e negligência. Com isso somente
terá resultados efetivos proposta de soluções que atinjam o problema pela raiz, fornecendo às
gestantes alimentação adequada, assim como para as crianças, tirá-las de ambientes violentos
e de qualquer outro ambiente onde receba estímulos negativos para seu desenvolvimento.
Em 2006, foi divulgado um guia de prevenção aos maus-tratos pela World Health
Organization and International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect, onde se
enfatiza a necessidade de promover programas para a prevenção e tratamento, principalmente
em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mas ainda sim as políticas públicas
desenvolvidas não são o suficiente. É preciso melhorar os métodos de avaliação de crianças
que sofrem maus-tratos e elaborar meios de solucionar os problemas sem causar ainda mais
traumas nessas crianças.
4 ESTUDOS DE CASO
Artigos para discussão:
● SALMELAINEN, P. Child Neglect: Its Causes and its Role in Delinquency. Crime
and justice bulletin, n. 33, 1996.
● MITCHELL, H.; AAMODT, M. G. The Incidence of Child Abuse in Serial Killers.
Journal of Police and Criminal Psychology, vol. 20, n. 1, 2005.
● Documentário TED: Nadine Burke Harris - How childhood trauma affects health
across a lifetime. TED. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=95ovIJ3dsNk.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARS, C. L. et al. Prenatal folate, homocysteine and vitamin B12 levels and child brain
volumes, cognitive development and psychological functioning: the Generation R Study. Br.
J. Nutr., v. 22, p. 1-9, 2016.
BRADY, K. T.; SINHA, R. Co-occurring mental and substance use disorders: the
neurobiological effects of chronic stress. Am. J. Psychiatry, v. 8, n. 162, p. 1483-1493, 2005.
BOLGER, K. E.; PATTERSON, C. J. Developmental pathways from child maltreatment to
peer rejection. Child Development, v.2, n. 72, p.549-568, 2001.
CALDWELL, R. A. The costs of child abuse vs. child abuse prevention. Michigan’s
experience, 1992.
CARRION, V. G. et al. Converging evidence for abnormalities of the prefrontal cortex and
evaluation of midsagittal structures in pediatric posttraumatic stress disorder: an MRI study.
Psychiatry Research, v.3, n.172, p. 226-234, 2009.
CASPI, A. et al. Role of genotype in the cycle of violence in maltreated children. Science, v.
297, n. 5582, p. 851-854, 2002.
CENIT, M. C.; SANZ, Y., CODOÑER-FRANCH, P. Influence of gut microbiota on
neuropsychiatric disorders. World J. Gastroenterol., v. 23, n. 30, p. 5486-5498, 2017.
CHAFFIN, M; KELLEHER, K.; HOLLENBERG, J. Onset of physical abuse and neglect:
psychiatric, substance abuse, and social risk factors from prospective community data. Child
Abuse & Neglect, v.3, n. 20, p.191-203, 1996.
CHROUSOS, G.P. & GOLD P.W. The concepts of stress and stress system disorders.
overview of physical and behavioral homeostasis. JAMA, v. 9, n. 267, p. 1244-1252, 1992.
CLAPP, M. et al. Gut microbiota’s effect on mental health: The gut-brain axis. Clin. Pract.,
v. 7, n. 987, 2017.
CICCHETTI, D. Fractures in the crystal: Developmental psychopathology and the emergence
of the self. Developmental, v. 3, n. 11, p. 271-287, 1991.
CRACIUNESCU, C.N. et al. Folic acid deficiency during late gestation decreases progenitor
cell proliferation and increases apoptosis in fetal mouse brain. J. Nutr., v. 134, n. 1, p. 162-
166, 2004.
CUSICK, S. E.; GEORGIEFF, M. K. The role of nutrition in brain development: the golden
opportunity of the “First 1000 Days”. J. Pediatr., v. 175, p. 16-21, 2016.
DE BELLIS, M.D.; ZISK, A. The biological effects of childhood trauma. Child &
Adolescent Psychiatric Clinics of North American, v. 2, n. 23, p. 185- 222, 2014.
DE BRITO, S. A. et al. Size matters: increased grey matter in boys with conduct problems
and callous unemotional traits. Brain, v. 4, n. 132, p. 843-852, 2009.
DELIMA, J.; VIMPANI G. The neurobiological effects of childhood maltreatment: an often
overlooked narrative related to the long-term effects of early childhood trauma? Fam.
Matters, v. 1, n. 89, p. 42-52, 2011.
DUCAN, G.J.; BROOKS-GUNN, J. Consequences of growing up poor. New York. Russell
Sage Foundation, 1997.
DUCAN, G.J.; MAGNUSON, K.; KALIL, A.; ZIOL-GUEST, K. The importance of early
childhood poverty. Social Indicator Research, v. 1, n. 108, p. 87-98, 2012.
EVANS G.W. The environment of childhood poverty. American Psychologist, v. 2, n. 59, p.
77-92, 2004.
ÉTHIER, L.; LEMELIN, J. P.; LANCHARITÉ, C. A longitudinal Study of the effects of
chronic Maltreatment on children's behavioral and emotional problems. Child Abuse and
Neglect, v. 12, n. 28, p. 1265-1278, 2004.
GAGE, F. H. Structural plasticity of the adult brain. Dialogues Clin. Neurosci., v. 6, n. 2,
2004.
GLASER, D. Child abuse and neglect and the brain - A review. J. Child. Psychol.
Psychiatry, v. 1, n. 41, p. 97-116, 2000.
HAIR, N. L. et al. Association of child poverty, brain development, and academic
achievement. JAMA Pediatrics, v. 9, n. 69, p., 822-829, 2015.
HAVEMAN, R.; WOLFE, B. The determinants of children’s attainments: a review of
methods and findings. Journal of Economic Literature, v.4, n.33, p 182978, 1995.
HILDYARD, K. L.; WOLF, D. A. Child neglect: Developmental issues and outcomes. Child
Abuse Negl., v. 26, n. 6-7, p. 679-695., 2002.
IJZENDOORN, M. H. et al. Children in institutional care: delayed development and
resilience. Monogr. Soc. Res. Child Dev., v. 76, n. 4, p. 8-30, 2011.
KEUNEN, K. et al. Impact of nutrition on brain development and its neuroprotective
implications following preterm birth. Pediatr. Res., v. 77, n. 1-2, p. 148-155, 2015.
KEYES, K. M. et al. Childhood maltreatment and the structure of common psychiatric
disorders. Br. J. Psychiatry, v. 2, n. 200, p.107-115, 2012.
LEWIS, S.J.; ZAMMIT, S.; GUNNELL, D.; SMITH, G.D. A meta-analysis of the MTHFR
C677T polymorphism and schizophrenia risk. Am. J. Med. Genet. Part B Neuropsychiatr.
Genet., n. 135B, n. 1, p. 2-4, 2005.
LONGMAN, D.; STOCK, J. T.; WELLS, J. C. K. A trade-of between cognitive and physical
performance, with relative preservation of brain function. Sci. Rep., v. 7, n. 1, p. 13709, 2017.
MACMILLAN, H.L. et al. Cortisol response to stress in female youths exposed to childhood
maltreatment: results of the youth mood project. Biol. Psychiatr., v.1, n. 66, p.62-68, 2009.
MADRAS, B., KUHAR, M. The effects of drug abuse on the human nervous system. 1.
ed. San Diego: Elsevier, 2014.
MANOHAR, H. et al. Role of exclusive breastfeeding in conferring protection in children at-
risk for autism spectrum disorder: Results from a sibling case–control study. J. Neurosc. Rur.
Prac., v. 9, n. 1, p. 132-136, 2018.
MIDDAUGH, L. D. et al. Neurochemical and behavioral effects of diet related perinatal folic
acid restriction. Pharmacol. Biochem. Behav., v. 5, n. 2, p. 129–134, 1976.
NELSON III, C. A.; TIERNEY, A. L. Brain development and the role of experience in the
early years. Zero Three, v. 30, n. 2, p. 9-13, 2009.
NYARADI, A. et al. The role of nutrition in children’s neurocognitive development, from
pregnancy through childhood. Frontiers in Human Neuroscience, v. 7, n. 97, p.1-16, 2013.
PADMAVATHI, R.; RAJKUMAR, S.;SRINIVASAN, R.N. Schizophrenic patients who were
never treated - a study in an Indian urban community. Psychological Medicine, n. 28, p.
1113-1117, 1998.
PASIAN, M. S. Maus-tratos infantis: Conscientização, consequências e medidas de
prevenção. 2012. Psicopedagogia On Line. Disponível em:
<http://www.psicopedagogiaonline.com.br/index.php/1229-maus-tratos-infantis>. Acesso em:
02 set. 2018.
PASIAN, M. S.; FALEIROS, J. M.; BAZON, M. R.; LACHARITÉ, C. Negligência infantil:
A modalidade mais recorrente de maus-tratos. Pensando Famílias, v. 17, n. 2, p. 61-70, 2013.
PRADO, E. L.; DEWEY, K. G. Nutrition and brain development in early life. Nutrition
Reviews, v. 72, n. 4, p. 267-284, 2014.
PUYUELO, M.; RONDAL, J. A. Manual de desenvolvimento e alterações da linguagem na
criança e no adulto. Porto Alegre: Artmed, 2007.
RAICHLE, M. E.; GUSNARD, D. A. Appraising the brain’s energy budget. PNAS, v. 99, n.
16, p. 10237-10239, 2002.
ROZA, S. J. et al. Maternal folic acid supplement use in early pregnancy and child
behavioural problems: the Generation R Study. British Journal of Nutrition, v. 103, n.3, p.
445-452, 2010.
SHONK, S. M.; CICCHETTI, D. Maltreatment, competency deficits, and risk for academic
and behavioural maladjustment. Developmental Psychology, v. 1, n. 37, p. 3-17, 2001.
ST CLAIR, D.; XU, M.; WANG, P. et al. Rates of adult schizophrenia following prenatal
exposure to the Chinese Famine of 1959-1961. JAMA, n. 294, p. 557-562, 2005.
SUSSER, E.S. & LIN, S.P. Schizophrenia after prenatal exposure to the Dutch Hunger Winter
of 1944-1945. Archives of General Psychiatry, n. 49, p. 983-988, 1992.
TARULLO, A. R.; GUNNAR M. R. Child maltreatment and the developing HPA axis.
Horm. Behav., v. 4, n. 50, p .632-639, 2006.
TOMODA, A.; ANN, P.; ANDERSON, C. M.; TEICHER, M. H. Reduced visual cortex gray
matter volume and thickness in young adults who witnessed domestic violence during
childhood. PLoS One, v. 7, n. 12, p. 52528, 2012.
TSAVOUSSIS, A. et al. Child-witnessed domestic violence and its adverse effects on brain
development: a call for societal self-examination and awareness. Front. Public Health, v. 2,
n. 178, p. 1-5, 2014.
VAN DEN VEYVER, I.B. Genetic effects of methylation diets. Annual Review of
Nutrition, n. 22, p. 255-282, 2002.
WINSTON, R.; CHICOT, R. The importance of early bonding on the long-term mental health
and resilience of children. London Journal of Primary Care, v. 8, n. 1, p. 12-14, 2016.
WORLD HEALTH ORGANIZATION and FOOD AND AGRICULTURE
ORGANIZATION OF THE UNITED NATION (WHO/FAO). Human Vitamins and
Mineral Requirements. Report of a joint FAO/WHO expert consultation. Bangkok:
Thailand. 2002. 290p.
WIDOM, C. S.; MAXFIELD, M. G. A prospective examination of risk for violence among
abused and neglected children. Annals of the New York Academy of Sciences, n. 794 p.
224-237, 1996.
YOUNG, W. Review of lithium effects on brain and blood. Cell Transplantation, v. 18, p.
951-975, 2009.