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    A imaginao em Descartes e Kant

    Luiz Hebeche

    Abstract: this article aims at showing the diffrence between two mentalist conceptions of

    the concept of imagination. According to Descartes and Kant, imagination is conceived of

    from a monocentric subject, although for each of them its function is radically distinct. As

    per Descartes, imagination is that which thought has to be away from; as per Kant, in turn,

    its role is crucial for the transcendental reflection.

    Key words: imagination, Descartes, Kant.

    Resumo: este artigo procura mostrar a diferena entre duas concepes mentalistas do

    conceito de imaginao. Tanto para Descartes como para Kant a imaginao concebida

    desde o monocentrismo do sujeito, mas para cada um desses filsofos a sua funo ser

    radicalmente distinta; para Descartes a imaginao aquilo de que o pensamento tem de

    afastar-se, para Kant ao contrrio seu papel decisivo para a execuo da reflexo

    transcendental.

    Palavras-chave: imaginao, Descartes, Kant.

    Descartes

    Na era moderna Descartes rejeitou a tradio aristotlica das divises da alma

    (superior/inferior) quando acentuou o dualismo entre phantasia aisthetique e phantasia

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    logistique, afastando totalmente a imaginao do pensamento. No h mais ambigidades

    conceituais aqui; sob a rigorosa inspeo da conscincia, a imaginao ser afastada da

    alma e ficar ligada aos rgos corporais, restringindo-se ento apenas ao plano dos

    sentidos. Na Segunda Meditao ele afirma: imaginar basicamente contemplar a figura

    ou a imagem de uma coisa corporal (Descartes, 1996, p.22). Mas tudo que existe a

    imaginao, inclusive - depende da verdade primeira: eu sou uma coisa pensante. O carter

    vascilante da imaginao est em sua ligao com aquilo que origina nossos erros, as

    sensaes, como tato, olfato, viso, etc.. O conhecimento de mim mesmo, como coisa

    pensante, s ser alcanado medida que me afastar dessa reunio de membros que se

    chama corpo humano, ou seja, afastar-me das coisas que so fingidas e inventadas pelaimaginao ( feintes e inventes par limagination)(ibid., p.22), pois os termos fingir e

    imaginar logo me chamam a ateno do meu erro. Claro que imagino, mas s porque eu

    sou que eu imagino. Ou melhor, s por que eu sou uma coisa pensante que eu existo e,

    portanto, que eu quero, sinto, imagino. Desde a certeza de que eu sou uma coisa pensante

    (res cogitans) que posso apreender a natureza da imaginao e, portanto, de que sonhos e

    quimeras so iluses que se originam no corpo. S a viglia da conscincia, porm, pode

    entender a natureza enganosa das imagens, pois se poderia acreditar que, como muitos

    sonhos nos provocam imagens fortes, poderamos ento sair do estado de viglia para, em

    sonho, captar a intensidade e a vivacidade dessas imagens. Mas isso nos afastaria de que a

    verdade da imaginao no se encontra nela, mas na certeza de mim mesmo. preciso

    ento que o esprito (lesprit) contorne a imaginao para reconhecer que a verdade dela se

    encontra nele. A natureza da imaginao est em que ela faz parte do pensamento, e que o

    pensamento no seja parte dela. Eu sou e por isso imagino. Essa distino depende nica e

    exclusivamente da inspeo do esprito. Essa inspeo afasta as imagens sensveis, os

    sonhos, alucinaes, para reter apenas as idias inatas que so propriedade exclusiva do

    esprito. Para explicar melhor isso, Descartes concebeu o exemplo do pedao de cera que

    pode mudar de cor, de paladar, de olfato, da forma slida para a lquida, etc., mas, nesse

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    processo, sempre haver algo permanente: as idias inatas de extenso, flexibilidade e

    mutabilidade. Ou seja, o pedao de cera poder se alterar e, portanto, no nos enganar, mas

    a inspeo do esprito reconhece idias que no dependem dos sentidos e, portanto, idias

    que no dependem da imaginao.Ou seja: jamais a imaginao nos dar essas idias; ao

    contrrio, ela tende a nos afastar delas. Na Sexta Meditao, Descartes distingue a pura

    inteleco e a concepo da imaginao, isto , ele distingue entre conceber no esprito e o

    imaginar vinculado ao corpo. A distino entre concepo (conception) e imaginao

    importante porque ele pretende distinguir o esprito que reconhece a si mesmo apenas como

    pensamento, e a imaginao como atividade corporal. Por exemplo, quando imagino um

    tringulo, posso logo visualisar uma figura composta de trs linhas, mas j no possofacilmente imaginar uma figura de mil lados e, menos ainda, uma figura mirigono sem

    uma representao muito confusa. Ou seja, posso conceber no esprito as propriedades que

    estabelecem as diferenas entre os polgonos, mas a confuso de imaginar esses polgonos

    me leva a tomar cuidados, conteno do esprito para imaginar, isto , para desenh-los

    no papel ou na lousa tenho de fazer um esforo de ateno, mas para conceber a natureza

    desses polgonos no h nenhum processo corpreo, sua verdade imediata ao meu

    esprito. A imaginao, portanto, no de nenhum modo necessria minha natureza,

    minha essncia, ou seja, natureza de meu esprito, pois, sem ela, eu permaneo sempre o

    que sou, e, se meu esprito nada tem a ver com ela, porque a imaginao depende de outra

    coisa que no o meu esprito: o meu corpo. Essa duplicidade, porm, que leva, pela

    imaginao, o meu esprito a ser ameaado em sua essncia, pois, afastando-se de si,

    imaginando, o esprito se volta para o corpo. Acredito que da possa, pelos sentidos,

    concluir pela existncia dos corpos, mas, desde a imaginao, apenas posso conjeturar que

    os h, porm eu no encontro nada que, desta idia distinta da natureza corporal que tenho

    em minha imaginao, possa tirar algum argumento que conclua necessariamente a

    existncia de algum corpo (ibid, p.58). Descartes no est rejeitando a faculdade da

    imaginao, pois eu tenho um corpo a que estou estritamente conjugado, s que a idia

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    distinta do corpo s possvel quando eu tenho a idia clara e distinta de mim mesmo, isto

    , que sou fundamentalmente uma coisa pensante e inextensa, que ento minha alma,

    pela qual sou o que sou, inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que pode

    existir sem ele. Portanto, a faculdade de imaginar que posso dispensar para conceber-me

    clara e distintamente a mim mesmo distinta de mim e no pode ser concebida sem mim,

    isto , sem uma substncia inteligente a que esteja ligada(ibid.,p.62). Esta ligao ser o

    papel da glndula pineal. Interessa-nos, porm, destacar que todo esse processo

    introspectivo do esprito feito de modo extralingstico. As idias inatas so nomeadas

    pelas palavras. A linguagem descreve um processo mental interno. Esse meu esprito

    extralingstico, vasculhando a si mesmo, afasta-se at mesmo das palavras - fingir,enganar, imaginar - medida que elas expressam iluses e enganos que impedem, portanto,

    que eu atinja a verdade de mim mesmo: uma coisa pensante.

    A introspeco do esprito no apenas um processo incorpreo, mas tambm extra-

    lingstico. As palavras nomeiam as idias. Nas segundas respostas s objees das

    Meditations, Descartes nos explica o que entende pelo nome de pensamento (le nom de

    pense): algo que est em ns de tal modo que somos imediatamente conscientes; porimediato deve entender-se aquilo que depende apenas do pensamento: as idias. Ora,

    com o nome idia, entendo esta forma de cada um de nossos pensamentos, de tal sorte que

    no posso expressar nada por palavras enquanto eu no entendo o que digo, isto ,

    enquanto eu no tiver certeza que tenho em mim a idia da coisa que significada pelas

    minhas palavras. Desse modo eu no chamo com o nome de idia apenas as imagens que

    dependem da imaginao (fantaisie), ao contrrio, eu no as chamo aqui por este nome

    enquanto elas so imagens corporais, isto , enquanto elas so apenas dependentes de certas

    partes do crebro (cerveau), mas somente enquanto elas informam ao esprito mesmo, e que

    podem ser aplicadas a certas partes do crebro (1996, p.124ss). Nessa posio agostiniana

    a linguagem apenas descreve tanto as idias do esprito puro quanto os processos cerebrais,

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    ou seja, a linguagem como um meio subsidirio que porta informao de algo que se

    processa independente dela. As palavras no nomeiam s as imagens cerebrais, mas

    tambm nomeiam aquilo que j est previamente assegurado pelo pensamento. A certeza

    do cogito est para alm da precariedade da linguagem capaz de express-la.

    Kant

    Na obra crtica de Kant, a noo de imaginao oposta s interpretaes que meramente a

    confundem com as das representaes sensveis; e, ao contrrio, ela passa a fazer parte dascondies de possibilidade do conhecimento objetivo. Pode-se aqui tambm estabelecer um

    paralelo com o conceito de querer, pois, semelhante a este, temos basicamente duas

    posies exemplares: a de Descartes, que vincula a imaginao sensibilidade, e a posio

    kantiana, que a toma como espontaneidade pura, ou seja, que a concebe como uma

    atividade inefvel. Em Kant, porm, a faculdade da imaginao adquire um estatuto

    decisivo no sistema das faculdades da mente humana. Ele mesmo reconhecia que nenhum

    psiclogo havia pensado que a imaginao fosse um componente necessrio da percepo,

    isto , de que no se podem receber as percepes de modo meramente passivo, pois a

    tambm est envolvida uma faculdade (Einbildungskraft) que tem a funo de sintetizar

    essas percepes (KrV, A120-121). A sua funo no sistema da mente, esquematizando os

    conceitos do entendimento e os conectando com os dados da intuio sensvel, d

    imaginao um destaque que jamais teve na histria da filosofia. Isso j estava incipiente

    na filosofia alem que Kant estudou, especialmente na metafsica de C. Wolf e na esttica

    de A. G. Baumgarten. Wolf atribuia imaginao o poder de poetizar e de inventar, de

    conceber novas formas e criar novas concepes matemticas, enquanto, para Baumgarten,

    ela estava vinculada no apenas ao conhecimento emprico, mas verdade da beleza. Ou

    seja, a imaginao esttica liga a sensibilidade com um modo de saber que no apenas

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    conceitual. Na Metaphysica, Baumgarten funde a imaginao inventiva ( facultas fingendi)

    e a imaginao reprodutiva (phantasia) na disposio potica (dispositio poetica). No

    entanto, o desenvolvimento desse conhecimento no apenas conceitual da sensibilidade tem

    vrios passos que Kant tentar unificar em alguns conceitos-chave, como o da faculdade

    formativa (Bildungsvemgen), que se bifurca na Bildungskraft, isto , em poder de

    coordenar os objetos dados na intuio, e na Einbildung, como capacidade de produzir

    imagens na ausncia dos objetos da intuio. Kant ento tenta combinar, numa concepo

    totalmente distinta da de Descartes, a noo de imaginao formativa e criativa de

    Baumgarten com a posio abstrativa de Wolf, ainda que ela, nesse primeiro momento, seja

    concebida de modo ainda pr-crtico, pois esse poder de unificar o mltiplo (Abbildung) concebido segundo leis empricas de associao. A imaginao ainda vinculda

    memria: como um depsito das nossas representaes (Makkreel, 1990, p.17). Na sua

    Antropologia do ponto de vista pragmtico, Kant ainda preserva muitas dessas posies

    quando liga a imaginao com a faculdade de lembrar, ou de tornar presente o passado, ou

    com a faculdade de prever ou de representar algo no futuro. A imaginao faz parte ento

    das faculdades rememorativas ou adivinhatrias. A faculdade de prever (praevisio) parte

    do interesse prtico que os homens tm de usar suas foras no futuro, a faculdade de

    divinatria ( facultas divinatrix) se caracteriza por uma espcie de intuio proftica; a

    faculdade de designao ( facultas signatrix) ento a faculdade do conhecimento do

    presente, isto , a faculdade que pela ao do esprito ( Handlung des Gemts) faz a

    designao. Essa designao o meio pelo qual a mente, no presente, conecta o passado e o

    futuro (Anthropologie 34, 35, 36, 37, 38). Temos a um prolongamento das primeiras

    posies em que as imagens antecipatrias (Vorbildung) e as imagens em que se preserva o

    que j ocorreu (Nachbildung) so reunidas no presente (Abbildung). Ou seja, desde ento

    Kant reunia a seqncia do tempo na experincia imediata do presente, isto , o presente

    est de algum modo contagiado pelas imagens do passado e pelas perspectivas do futuro.

    Kant atacar, na filosofia crtica, os resduos metafsicos dessas posies. Em linhas gerais,

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    porm, algumas delas ainda continuaro nas suas obras principais, como o caso da

    relevncia do conceito de imaginao. No entanto, essa relevncia no ser uniforme. As

    influncias de Wolf e de Baumgarten persistiro nas diferentes funes da faculdade da

    imaginao na 1a e na 3a Crticas, como produtora de juzos determinantes ou de juzos

    reflexivos. Na 1a Crtica, ela estar vinculada aos fundamentos do conhecimento das

    cincias naturais, o conhecimento dos objetos da experincia; na 3a Crtica, ela estar

    vinculada recepo esttica dos objetos. Mesmo na Crtica da Razo Pura a imaginao

    ter posies diferentes na primeira e na segunda edies, uma vez que a questo central

    na deduo transcendental das categorias estabelecer a conexo entre a intuio sensvel

    e os pressupostos intelectuais do conhecimento humano. Esse conhecimento s teriavalidade se sua diversidade fosse reunida na unidade da conscincia. Essa unidade

    assegurada pelas regras estabelecidas pelas categorias. Nessa prova o papel que

    desempenha a imaginao maior na primeira edio. Para Heidegger a se encontra o

    genuno pensamento de Kant. Nosso interesse pela interpretao de Heidegger est em que

    ele aponta os limites da filosofia do sujeito; ao contrrio de posies como, por exemplo, a

    de Allison, que veremos suscintamente. Para Heidegger, o fato de que Kant tenha reescrito

    sua obra no indica apenas uma dificuldade argumentativa, mas revela os limites do projeto

    de encontrar no sujeito transcendental as bases do conhecimento objetivo. E o conceito de

    imaginao mostra essas ambigidades, pois sua relevncia anda junto da sua obscuridade.

    Seu tratamento diferente na segunda edio indica o recuo de Kant diante dessa raiz

    desconhecida (unbekannten Wurtzel) (Heidegger,1991, p.160).

    Na Crtica da Razo Pura, a imaginao est ligada concepo dos juzos

    sintticos a priori. A imaginao se divide ento em reprodutiva e em produtiva. H um

    paralelismo entre a unidade da percepo emprica e da apercepo transcendental, ou

    melhor, a imaginao emprica apenas uma mera associao de impresses. No entanto,

    as trs fontes subjetivas do conhecimento (os sentidos, a imaginao reprodutiva e

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    apercepo emprica) dependem da unidade da apercepo transcendental. aqui que a

    imaginao transcendental ocupa um funo original, pois sua tarefa a sntese

    transcendental que, associada s categorias ou s regras do entendimento, garantir a

    objetividade do conhecimento. Ou seja, a imaginao continua sendo a faculdade de

    representar na intuio um objeto que no est presente (B151). Obviamente, esta

    capacidade j no estar na memria, mas numa espontaneidade pura. A relao entre o

    emprico e o transcendental, entre as intuies sensveis e os conceitos, ou ainda, entre o

    caso e a regra, feita pelo esquematismo. Este , portanto, um terceiro termo ou uma

    representao que faz a mediao entre o mundo inteligvel e o mundo sensvel. O

    esquematismo transcendental homogneo (Gleichartichkeit) tanto categoria quanto aofenmeno, e isso que permite a aplicao deste quela (B175, A139). Kant sustenta que a

    condio formal que d unidade ao sentido interno o tempo, medida que todas as

    representaes empricas se sucedem na ordem linear do tempo. Assim, o tempo vincula-se

    ao esquematismo do entendimento que possibilita s categorias poderem ser aplicadas aos

    fenmenos. Essa estrutura formal, que a condio do conhecimento possvel, Kant chama

    de esquematismo; ele o processo (verfahren) pelo qual o entendimento puro lida com

    esses esquemas. Esse procedimento do entendimento depende da atividade da imaginao,

    mas, ao contrrio da tradio do empirismo, o esquema se distingue da imagem, tal como a

    imaginao transcendental produtiva se distingue da meramente reprodutiva, pois as

    categorias jamais se apiam nas impresses sensveis, ou seja, nenhuma imagem de

    tringulo pode se equiparar com a universalidade do conceito de tringulo. Diz Kant: o

    esquema do tringulo s pode existir no pensamento (Gedanken) e significa uma regra de

    sntese da imaginao com vistas a figuras puras no espao (B180, A140). Ora, com isso

    se entende que a imaginao no se restringe a nenhuma imagem especial, mas tem por

    funo conectar as intuies s regras do entendimento puro, isto , o esquema no pode

    nunca se reduzir alguma imagem (Bild), pois apenas uma sntese pura (reine Synthesis)

    feita em concordncia com uma regra de unidade dos conceitos em geral em que se

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    expressa a categoria (B181, A142). Esse procedimento um produto transcendental da

    imaginao (transzendentales Produkt der Einbildungskraft). Portanto, nem a noo de

    esquema, nem a de imaginao se confundem com a imagem. A funo da imaginao

    produzir a sntese transcendental e pura que, vinculada ao esquema, reuna a diversidade sob

    o conceito. O modo como se estabelecem essas conexes escapa ao conhecimento

    discursivo. Aquilo que converte imagens em conceitos permanece na obscuridade. Desse

    modo, a imaginao que produz o esquema pode ser tambm submetida mesma

    constatao que Kant, na segunda edio, dava ao esquematismo do nosso entendimento

    que, no que diz respeito aos fenmenos e sua mera forma, uma arte oculta nas

    profundezas da alma humana, cujo segredo de funcionamento dificilmente arrancaremos natureza e poremos a descoberto diante de nossos olhos (B181, A142). Dessa arte oculta

    faz parte a atividade sintetizante da imaginao, uma vez que possui a caracterstica de agir

    sobre essas imagens, de modo que possa reduzir a uma s o diverso da intuio, isto , ela

    no coleta as intuies de modo passivo, mas a recepo das imagens uma atividade

    constante e, por isso, capaz de dar uma unidade ao diverso. Ela no uma mera recepo,

    mas uma atividade de receber as intuies. Ela uma faculdade ativa da sntese. Kant

    ocasionalmente chama essa capacidade de reunir o diverso da intuio sensvel de

    princpio subjetivo emprico quando reproduz as imagens segundo regras empricas (A

    120, 121). Esse princpio, porm, tem de estar submetido a um princpio objetivo dado de

    modo totalmente a priori pelas regras do entendimento. O entendimento a faculdade das

    regras, sem ele as imagens vagueariam a esmo na mente humana. A questo ento como

    as imagens so reunidas sob uma unidade, isto , como elas caem sob uma uma regra. Em

    outras palavras: como a imaginao transcendental liga a imaginao emprica numa regra

    a priori que seu fundamento objetivo? Temos a um paralelismo: regra emprica e regra a

    priori; imaginao reprodutiva emprica e imaginao transcendental; princpios subjetivos

    e princpios objetivos. Obviamente que a funo da imaginao transcendental estar

    vinculada capacidade de forjar snteses a priori, mas ela tem de estar relacionada s

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    categorias, pois sem isso no haveria nenhum conhecimento objetivo. No entanto, a

    atividade sinttica d imaginao transcendental uma caracterstica distinta das regras.

    Ainda que Kant considere o entendimento como a faculdade de produzir regras mediante a

    comparao dos fenmenos e, portanto, de ser a legislao sobre a natureza (A 126, 127),

    no se pode dizer que se produzam regras sem uma faculdade fazer snteses a priori. Essa

    capacidade sinttica basicamente a reunio do diverso na unidade, e isso se d medida

    que essa unidade retida no tempo presente. Kant ento associa essa unificao a priori

    com uma forma pura da sensibilidade: o tempo. Toda sntese envolve o tempo enquanto

    forma do sentido interno (B 178, 179). E a imaginao tem a funo de representar o

    passado e o futuro, isto , sintetizar dar unidade quilo que escapa e quilo que est porocorrer. A unidade do diverso se d no presente. E a funo da imaginao tornar

    presente o que est ausente. Tudo o que ocorre se deve ao tempo. S o ser-humano tem

    tempo; e sob essa forma geral interna est a possibilidade de toda experincia. Desse modo,

    a imaginao tem um carter temporal, pois essa capacidade de tornar algo presente

    envolve a reteno daquilo que est ausente, do que j passou ou do que ainda no ocorreu.

    Semelhante imaginao, o tempo extraconceitual. Certamente isso influenciou a

    ontologia de Heidegger e definiu sua leitura da Crtica da Razo Pura, pois ao identificar a

    imaginao com o tempo originrio ele pretende desvincular-se da noo de tempo como

    uma mera sucesso de agoras, pois o tempo no um mbito qualquer em que a

    imaginao transcendental tivesse cado para s ento entrar em atividade (Heidegger,

    1991, p.175s.). Na leitura de Heidegger, a imaginao extraconceitual enquanto uma

    produtora no-causal de sntese coincide com um tempo originrio que subjaz mera

    sucesso de agoras.

    Ao contrrio de Allison, que realiza uma interpretao e defesa do idealismo

    transcendental, Heidegger faz uma violncia interpretativa, medida que ele l a filosofia

    kantiana desde o ponto de vista da ontologia da finitude; por isso, para ele, a fora

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    interpretativa no apenas um capricho (ibid., p.202). No prefcio segunda edio de seu

    livro, Heidegger reconhece que sua interpretao est cheia de erros e deficincias e nos

    incita a tentar aprender com esses erros. Levamos sua advertncia em considerao,

    alertando que o nosso interesse pela posio de Heidegger est em que ele interpreta a

    filosofia transcendental da conscincia desde uma posio que j no coincide com ela. Seu

    esforo foi o de romper com o modelo da conscincia oriundo do cartesianismo, pois

    embora, para Kant, no se tenha um conhecimento da conscincia de ns mesmos, tem-se

    ainda a noo de que a identidade do eu penso est ainda vinculada unidade da

    diversidade das intuies sensveis, ou seja, a condio da experincia possvel dada, ao

    fim e ao cabo, pela unidade sinttica da apercepo transcendental temos conscincia apriori da identidade permanente de ns mesmos. Esse princpio a priori est firmemente

    estabelecido e podemos cham-lo deprincpio transcendental da unidade (transzendentale

    Prinzip der Einheit) de todo o diverso de nossas representaes (A 116, 117). E uma vez

    que unidade da conscincia a condio para o conhecimento objetivo, ento a trama do

    mundo da conscincia reduzida uniformidade das regras. Na 1a Crtica o preo pago

    para estabelecer as bases do conhecimento reduzir o mundo da conscincia ao princpio

    transcendental da unidade. O conceito de imaginao concebido dentro dessa posio; no

    entanto, esta tambm mostra as ambigidades e os limites da filosofia transcendental.

    Mesmo a defesa que Allison pretende do idealismo transcendental deixa transparecer as

    dificuldades insuperveis deste, quando reconhece que a sntese transcendental da

    imaginao est associada ao tempo e, portanto, que ela tem como funo representar o que

    j se foi e o que ainda no ocorreu. Ou seja, a capacidade de tornar presente o que est

    ausente s possivel a partir da noo de um tempo (e espao) nico. Continua, porm, a

    dificuldade de justificar como a unidade do tempo est vinculada unidade da apercepo

    transcendental. Ou melhor: como se d a conexo entre a imaginao e as regras? Nas

    palavras de Allison, a pergunta fundamental que surge dessas anlises : o que a atividade

    da imaginao tem a ver com as funes lgicas dos juzos?(Allison, 1983, p.161). Aqui

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    temos o problema do esquematismo, isto , de como a imaginao se liga com as categorias

    e de como essa conexo se vincula com a sensibilidade humana. Esse o problema central

    da Crtica da Razo Pura. Um exemplo dessas dificuldades pode ser encontrada no prprio

    Allison quando prope uma leitura distinta daDeduo Transcendental, pois, segundo ele,

    no convincente o argumento de que a unidade da conscincia acarrete a unidade do

    tempo, por isso se prope a fazer uma manobra invertida para tentar vincular a sntese

    transcendental da imaginao com a apercepo e as categorias. Ele parte, ento, da

    unidade do tempo para a unidade da apercepo, ou seja, ele parte da tese de que , antes, a

    unidade do tempo o que garante a objetividade da experincia. A unidade da conscincia

    depende da unidade de um tempo nico (Allison, p.162). Com esse movimento invertido,ele pretende mostrar como a sntese transcendental da imaginao, na segunda edio,

    vincula as categorias com as formas da sensibilidade humana ao conectar ambas com essa

    sntese(ibid., p.162). Desse modo ele pretende refutar a posio de Heidegger de que Kant,

    a, teria recuado. No entanto, ele prprio reconhece que essa questo central no foi

    respondida por Kant, mas afirmada dogmaticamente. E mais: Allison reconhece que

    infelizmente, nesse mesmo argumento a sntese transcendental da imaginao

    obscurecida porque Kant nega, ao fim e ao cabo, fazer uma clara distino entre

    imaginao e entendimento, e, num claro contraste com o que formulara na primeira

    edio, Kant caracteriza a sntese agora como ao do entendimento sobre a sensibilidade,

    e ainda que o entendimento sob o nome de sntese transcendental da imaginao determina

    o sentido interno(B153). E Allison recorrendo a Heidegger, a quem tenta refutar (ibid.,

    p163, notas 63, 64, p.355) -, continua afirmando que essas formulaes tambm esto em

    desacordo com a Deduo metafsica em que o ato de sntese constituinte antes da

    imaginao do que do entendimento, mas entram em conflito com a primeira edio onde

    a imaginao considerada como a funo fundamental da alma (ibid., p.163). Ou seja,

    quando Heidegger fala em recuo de Kant precisamente isso que quer destacar, no para

    encontrar na filosofia de Kant soluo para problemas nela originados, mas para apontar

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    seus limites. Isto , interessa-nos compreender os limites da filosofia transcendental postos

    pela sua atividade mais obscura, ou seja, que a unidade da concincia depende do vnculo

    dogmaticamente assegurado entre a espontaneidade da sntese e as categorias da mente. E

    essa atividade transcendental da imaginao , semelhante vontade, uma ao inefvel,

    como um motor sem inrcia que move tudo, mas que no tocado por nada. A conexo

    entre os juzos cognitivos, do tipo tal e tal o caso e a imaginao, impossvel, porque

    ela est alm de qualquer juzo. Seja qual for o procedimento argumentativo, a unidade da

    apercepo transcendental pressupe uma atividade sinttica que, por sua vez, est alm de

    todo conceito. A questo de como se poderia encontrar uma conexo entre a imaginao e

    as categorias pode ser colocada assim: como se poderia ligar o no-conceitual com oconceitual, ou melhor ainda: como uma atividade inefvel da imaginao pode ser

    vinculada aos juzos sintticos a priori? No h respostas aqui, pois aquilo que seria a

    condio fundamental para o pensamento puro permanece uma regio totalmente opaca

    para o pensamento.

    Na Crtica do Juzo (KU), tem-se um novo enfoque, pois se, antes, a imaginao

    tinha que se adequar s regras do entendimento, agora ela se relaciona com a sensibilidadealm das regras do entendimento. O entendimento d a lei, mas a imaginao uma

    legalidade livre(KU 22). Ou seja, Kant acentua o livre jogo da imaginao atravs dos

    juzos reflexivos. Se no juzo determinante da razo terica o particular subsumido na

    regra geral, no juzo reflexivo tem-se o oposto: dado o particular tem-se de encontrar o

    universal. Ou seja, Kant d um passo muito maior e atribui imaginao um poder que no

    se encontra na 1a Crtica. Portanto, o que Heidegger entendia por um recuo diante do

    desconhecido no pode ser aplicado de modo generalizado obra de Kant. Ele no tematiza

    a imaginao na Crtica do Juzo, limitando-se apenas a afirmar que nessa obra ela tem

    uma funo diferente. A nosso ver, precisamente a que Kant resolve avanar nesse

    territrio desconhecido. A faculdade da imaginao ter um papel decisivo no fechamento

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    do sistema da razo pura. Da relao com a sensibilidade ter-se-o os juzos reflexivos

    estticos, e, quando se relaciona com a razo, os juzos sublimes. Com o fundo flexvel dos

    juzos reflexivos estticos, Kant reduzir o papel dos juzos tericos, pois o que belo ou

    no, independe tanto de juzos ticos como de juzos cognitivos. Seu julgamento depende

    da comunidade. Ele antes resultado da adeso do que da argumentao racional. Da

    surgiram diferentes interpretaes. Hannah Arendt viu, na passagem da validade objetiva

    para a validade exemplar, uma perspectiva de uma nova fundamentao no-dogmtica da

    vida pblica (Arend, 1982, p.79-85), enquanto Gadamer ainda v nessa obra uma posio

    subjetivista da esttica (Gadamer, 1990, p.48s.). A nosso ver, dificilmente se poder negar

    que Kant ainda mantm-se nos limites da filosofia da conscincia; ele pretende estabelecero sistema de todas as faculdades da mente humana, a atividade da imaginao na sua

    maior liberdade continua extraconceitual e, portanto, uma atividade inefvel obscura. Ele

    afirma de modo oposto sua concepo inicial do esquematismo que no pode haver uma

    regra do gosto objetiva, que atravs dos conceitos possa determinar o que belo, ou seja,

    que a origem do esttico o sentimento do sujeito e no, o conceito de um objeto, cujo

    fundamento o juzo determinante. Por isso no h modelos ideais de beleza antes da ao

    da imaginao sobre a sensibilidade. Afasta-se, assim, todo modelo pensado desde juzos

    determinantes. Os modelos estticos ou metafsicos dependem da livre atividade do sujeito

    transcendental. No h, portanto, uma unanimidade estabelecida por qualquer regra ideal.

    A unanimidade alcanada pelos juzos de gosto de outra natureza. A comunicabilidade

    universal da sensao (da complacncia ou no-complacncia) feita de modo extra-

    conceitual, da por que a unanimidade, na extenso possvel, de todos os povos e pocas

    com respeito a este sentimento na representao de certos objetos um critrio emprico, se

    bem que dbil e apenas suficiente para a suposio da derivao de um gosto, apenas

    confirmado por exemplos, do profundamente oculto fundamento comum a todos os homens

    (von dem tief verborgenen allen Menschen gemeinschaftlichen Grunde), da unanimidade

    no ajuizamento (Beurteilung) das formas sob as quais lhes so dados objetos (KU 17).

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    Mais adiante, Kant descreve o modus operandi da faculdade da imaginao de sobrepor,

    comparar, fazer desaparecer as imagens. Aquilo que para a conscincia pareceria

    insuficiente, a imaginao sabe fazer, como, por exemplo, deixar cair uma imagem sobre a

    outra; isto , ela sabe revolver os sinais dos conceitos de longo tempo atrs e reproduzir, a

    partir de vrias imagens, uma imagem ou, de uma s, produzir vrias, etc. Segundo Kant, a

    faculdade da imaginao sabe fazer isso de modo totalmente incompreensvel para ns (auf

    eine uns gnzlich unbegreifliche Art) (KU 17). Est-se ento longe da validade ou da

    realidade objetiva. A imaginao no mais tem a segurana da unidade do mltiplo na

    conscincia. Que garantias poderia lhe dar o belo ou o sublime? Ao contrrio, justamente

    no fechamento do sistema da filosofia transcendental, a imaginao preserva suarelevncia, ao mesmo tempo que aponta para o desconhecido. Na produo dos juzos

    reflexivos a imaginao torna-se um fosso insondvel para a razo. Ou seja, libertada da

    passividade dos dados sensveis e da memria do perodo pr-crtico, onde vagueava nas

    trevas, agora, fora da coero das regras do entendimento, a imaginao transcendental

    pode perder-se no abismo da transcendncia.

    Ao aproximar a imaginao da temporalidade originria, Heidegger avana emrelao a Kant, mas tambm paga o preo de diluir a gramtica da imaginao. certo que

    ela faz parte das atividades cotidianas do ser-a e, portanto, que ela desvinculada da noo

    da unidade sinttica da apercepo transcendental e do modelo da teoria do conhecimento.

    Ou seja, que os fundamentos transcendentais da experincia possvel dependem da unidade

    da conscincia, ou melhor, de que s h garantia do conhecimento a partir da unidade da

    conscincia. Kant reconhece que o eu que deve poder acompanhar todas as minhas

    representaes(KrV 16) no pode ele mesmo ser conhecido, mas isso porque sua

    identidade j est dada a priori, pois se todo o conhecimento uma sntese do diverso, o eu

    no pode ser diverso para si mesmo. Na Crtica do Juzo, medida que cresce o papel da

    imaginao, diminui o da conscincia, a ponto de Kant no mais tratar dela. Isso mostra

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    como o conceito de conscincia fra confundido com unidade da apercepo

    transcendental. Em Heidegger, essa unidade formal do eu substituida pela abertura do ser-

    a. No entanto, na ontologia da finitude a estrutura do ser-a concebida de modo

    monocntrico. A noo de ser-com (Mitsein) no consegue driblar o modo de conceber o

    ser-a isolado. Alis, a dificuldade de estabelecer uma ponte entre um ser-a e outro j fora

    levantada por Cassirer no debate de Davos, propondo como alternativa o mundo das

    formas simblicas (Heidegger, 1991, p.293). Por isso, legitimo indagar se a crtica

    heideggeriana filosofia da conscincia ainda no guardaria uma proximidade com ela. Na

    esteira da fenomenologia, Heidegger far uma destruio da ontologia da filosofia

    moderna. O ser-a j sempre ser no mundo. A si-mesmidade do eu ser afastada de seuvnculo com a unidade do conhecimento objetivo. Ao invs de um eu penso, ele colocar

    a estrutura do cuidado, ao invs do sujeito, ter-se- a angstia, e no lugar da noo da

    conscincia como a unidade do mltiplo da experincia possvel, ou ainda ao invs da

    conscincia moral subsumida na vontade racional pura, recorre-se ento a um conceito

    existencial de conscincia. A conscincia est ligada culpa (Heidegger, 1986, 55, 56,

    57). Ocorre que toda essa rejeio do cartesianismo e do kantismo ainda feita, semelhante

    ao sujeito moderno, no construto monocntrico do ser-a. Ou seja, Heidegger avana ao

    conceber de modo no-teortico o mundo da conscincia, mas ainda continua preso ao

    problema do acesso s outras conscincias. A sua volta ao cotidiano no feita a partir das

    regras de uso das palavras na linguagem. por isso que o conceito de imaginao passa a

    ser apenas uma das atividades do ser-a. Perde-se assim a sua funo na complexidade

    conceitual do mundo da conscincia. Ora, nosso esforo restituir - como pretendia

    Wittgenstein - uma viso sinptica da conscincia saindo de uma noo monocntrica para

    uma posio em que a palavra conscincia seja parte do tapete da vida (Lebenstepish).

    A crtica de Heidegger filosofia moderna teria, ento, de ser levada adiante, a partir da

    gramtica do mundo da conscincia. Muda-se o programa. A ontologia no possvel como

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    fenomenologia, mas como gramtica. A linguagem a coisa mesma a que se deve voltar.

    Da por que a essncia da imaginao o modo como essa palavra usada na linguagem.

    Heidegger, ao chamar a ateno sobre a concepo kantiana da imaginao, ajuda-

    nos a tematizar o modelo da representao em que ela foi concebida, mas sua efetiva

    correo s possvel desde a crtica concepo onto-teo-lgica da metafsica originada

    na posio palavra-objeto, pois no se trata de um erro terico que possa ser corrigido por

    uma outra teoria, mas da iluso gramatical de que as palavras se refiram a processos ou

    estados mentais. Na concepo kantiana, a idia esttica o resultado do esprito inefvel

    que vivifica os poderes da mente. Ou seja, a fora da imaginao enquanto uma das

    faculdades da mente est para alm da linguagem que a expressa. Sem esse esprito, a

    linguagem letra morta. Como diz Kant:

    A idia esttica uma representao da imaginao que acompanha um conceito

    dado e que est vinculada a uma tal diversidade de representaes parciais em seu jogo

    livre, que para ela no pode ser encontrada nenhuma expresso que designe um conceito

    determinado, e que, portanto, permite acrescentar em pensamento a um conceito muita

    coisa indizvel, cujo sentimento vivifica a faculdade de conhecer e insufla linguagem,

    como mera letra, um esprito. (KU 49)

    Na Crtica do Juzo j no se trata de garantir o conhecimento pela unidade da

    conscincia, por isso cresce a funo da faculdade da imaginao, embora esta j no seja

    basicamente tematizada atravs da sua vinculao com o tempo. Da por que essa obra

    carece de importncia para Heidegger. Ao contrrio dele, porm, temos de reconhecer que

    Kant avanou um grande passo, medida que inverteu a relao entre o entendimento e a

    imaginao, isto , de submeter a imaginao regra, para pensar agora a regra sob a

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    imaginao. No entanto, ainda mantm a posio de sempre: a imaginao

    paradoxalmente uma arte oculta para ns mesmos: ela sabe o que ns no sabemos. Para o

    primeiro Heidegger, houve um avano da filosofia crtica em relao tradio metafsica,

    medida que Kant aproximou a imaginao da temporalidade originria, porm seu recuo

    diante desse mbito desconhecido no era apenas um defeito do kantismo, mas mostrava

    que a imaginao ainda no havia sido pensada em sua radicalidade. Dessa faanha

    resultaria a ontologia da finitude. No entanto, ele permanece ainda no modelo da filosofia

    da conscincia ao conceber a ontologia a partir do ser-a como um singulare tantum.

    Heidegger afirmara que, em Kant, a imaginao transcendental no tem ptria

    (heimatlos) (1991, p.136), mas, como mostramos em outra ocasio1

    , diferentemente doidealismo transcendental ou do ser-a monocntrico, a ptria da imaginao a gramtica.

    Bibliografia e abreviaturas:

    ALLISON, H. E. Kant's Transcendental Idealism: Na Interpretation and Defense. New

    Haven: Yale University, 1983.

    ARENDT, H. Imagination. In: Lectures in Kant's Political Philosophy, Chicago: The

    University of Chicago Press, 1982.

    DESCARTES, R. Mditations et Principes. In: Oeuvres de Descartes. Paris: Librairie

    Philosophique J. Vrin, 1996.

    GADAMER,H.G. Wahrheit und Methode - Grundzge einer philosophischen Hermeneutik,Tbingen: J.C.B. Mohr, 1990.

    1 Hebeche, L, O mundo da conscincia - ensaio a partir da filosofia da psicologia de Wittgenstein,Porto Alegre, Edipuc, 2002.

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    KANT, I.Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1968,

    Werkausgabe, Band XII.

    ________. Kritik der reinen Vernunft(KrV), Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988,

    Werkausgabe, Band III.

    ________. Kritik der Urteilskraft(KU), Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988,

    Werkausgabe, Band X.

    HEIDEGGER, M. Kant und das problem der Methaphysik. Frankfurt am Main: Vitorio

    Klostermann, 1991, Gesamtausgabe, Band 3.

    ______________. Sein und Zeit. Tbingen: Max Niemeyer Verlag, 1986.

    MAKKREEL, R.Imagination and Interpretation in Kant - The Hermneutical Import of the

    Critique of Judgement. Chicago: The Chicago University Press, 1990.