depressão espiritual - d. m. lloyd -jones

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Material que nos auxilia a compreender a depressão no cristão.

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Depresso Espiritual

Digitalizado, revisado e formatado por: valadaobatistoni

www.portaldetonando.com.br/forumnovo/

Ttulo Original:Spiritual Depression its causes and cure

Editora:Pickering & Inglis Ltd.

Copyright:Mrs Bethan Lloyd-Jones

Traduo do Ingls:Inge Koenig

Primeira Edio em Portugus;1987

Capa:Karen Abel

Composio:Intertexto Linotipadora S/C Ltda.

Impresso:LIS Grfica e Editora Ltda.

NDICE

4PREFCIO

41. CONSIDERAES GERAIS

92. O VERDADEIRO FUNDAMENTO

133. VEJO OS HOMENS COMO RVORES QUE ANDAM

184. MENTE, CORAO E VONTADE

225. AQUELE PECADO

266. REMORSOS INTEIS

317. MEDO DO FUTURO

368. EMOES

409. TRABALHADORES NA VINHA

4410. ONDE EST A SUA F?

4911. OLHANDO PARA AS ONDAS

5312. O ESPRITO DE ESCRAVIDO

5813. DOUTRINA FALSA

6214. CANSADO DE FAZER O BEM

6615. DISCIPLINA

7116. PROVAES

7617. CORREO

8018. NO "GINSIO" DE DEUS

8519. A PAZ DE DEUS

8920. APRENDENDO A SER CONTENTE

9321. A CURA FINAL

98SOBRE O LIVRO

98SOBRE O AUTOR

PREFCIO

Estes sermes foram pregados numa srie de domingos consecutivos na Capela de Westminster, em Londres, e esto sendo publicados virtualmente na forma como foram pregados.

A necessidade destes sermes nasceu como resultado da experincia pastoral, e esto agora sendo publicados em forma de livro atendendo ao pedido de grande nmero de pessoas.

Eu creio que a maior necessidade atual de uma Igreja reavivada e triunfante, e portanto, o assunto tratado nestes sermes da mxima importncia. Cristos deprimidos constituem uma, recomendao muito pobre para a f crist; e no h qualquer dvida que o regozijo exuberante dos cristos primitivos foi um dos fatores mais poderosos na expanso do cristianismo.

Este estudo de forma alguma esgota o assunto. Tentei tratar daquelas causas que descobri serem as mais comuns desse problema. Em vrios aspectos (por exemplo, o relacionamento entre o fsico, o psicolgico e espiritual), eu gostaria de ter tratado do problema de maneira mais completa, porm no foi possvel fazer isso num sermo. Em todo caso, sermes no visam os "especialistas", e sim o povo comum, principalmente aqueles em necessidade de ajuda.

Minha orao que Deus use estas mensagens para abenoar tais pessoas.

Os que forem abenoados por este livro, desejaro se unir a mim em agradecimento Sra. Hutchings que transcreveu os sermes, e minha esposa que se encarregou da reviso, leitura de provas, correes, etc.

D. M. Lloyd-Jones Westminster Chapel Setembro de 1964

1. CONSIDERAES GERAIS

"Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei na salvao da sua presena". Salmo 42:5"Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? espera em Deus, pois ainda o louvarei. Ele a salvao da minha face, e o meu Deus". Salmo 42:11A descrio mais simples do livro dos Salmos que ele era o livro inspirado de orao e louvor de Israel. Contm a revelao da verdade, no de forma abstrata, mas em termos de experincia humana. A verdade revelada est imbuda nas emoes, anseios e sofrimentos do povo de Deus pelas circunstncias que tiveram de enfrentar.

Devido isso ser uma descrio muito fiel dos Salmos, eles sempre tm sido uma fonte de conforto e encorajamento para o povo de Deus atravs dos sculos tanto para os filhos de Israel como para a Igreja Crist.

Aqui podemos observar almas nobres lutando com seus problemas e consigo mesmas. Falam consigo mesmas e s suas almas, descobrindo seus coraes, analisando seus problemas, censurando e animando a si mesmas. s vezes esto animadas, outras vezes deprimidas, mas sempre sinceras consigo mesmas. por isso que so de tanto valor para ns, se tambm formos sinceros conosco mesmos.

Neste salmo (42) que pretendemos considerar, o salmista est infeliz e perturbado, e por isso desabafa nestas dramticas palavras: "Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei na salvao da sua presena".

Esta declarao, encontrada duas vezes neste salmo, tambm repetida no salmo seguinte. Alguns consideram o Salmo 43 como parte do Salmo 42, e no um salmo separado. algo que no podemos saber, e realmente no importante, mas encontramos essa declarao em ambos os Salmos, pois est repetida no fim do Salmo 43.

O salmista est compartilhando sua perturbao, a infelicidade de sua alma, e as circunstncias que estava atravessando quando escreveu estas palavras. Ele nos conta o motivo da sua perturbao. Provavelmente naquele perodo ele foi impedido de se unir aos outros em adorao na casa de Deus. Mas no s isso: ele estava claramente sendo atacado por certos inimigos. Havia pessoas que estavam fazendo todo o possvel para deprimi-lo, e ele relata isso. Contudo, estamos interessados aqui particularmente na maneira que ele enfrenta a situao e pela qual trata consigo mesmo.

Nosso assunto, em outras palavras, o que poderamos descrever como "depresso espiritual", as suas causas e a maneira como deve ser tratada. interessante notar a frequncia com que este assunto tratado nas Escrituras. Isso nos leva concluso que um problema muito comum, e que parece ter afligido o povo de Deus desde o princpio, pois tanto o Velho como o Novo Testamento o descrevem e o tratam demoradamente. Isso, por si s, seria razo suficiente para traz-lo sua ateno, mas eu tambm o fao porque parece ser um problema que est afligindo o povo de Deus de forma particular nos dias atuais.

Existem muitas razes para isso. Uma das maiores, sem dvida, so os eventos terrveis que enfrentamos nesta gerao: as duas grandes guerras, e os distrbios que resultaram delas. Certamente no a nica razo, mas no tenho dvida que ela parcialmente responsvel. Entretanto, qualquer que seja a razo, o fato que existem muitos cristos que do a impresso de serem infelizes. Esto abatidos, suas almas esto perturbadas dentro deles, e esta a razo porque resolvi trazer este assunto sua ateno.

Para fazer uma anlise a fundo deste tema, precisamos prosseguir ao longo de duas linhas de pensamento. Primeiro, precisamos ver o que a Bblia ensina sobre o assunto, e ento vamos examinar alguns exemplos ou ilustraes notveis deste problema na Bblia, e observar como as pessoas envolvidas agiram, e como Deus tratou com elas. Esta uma boa maneira de enfrentar qualquer problema na vida espiritual. sempre bom comear com a Bblia, onde encontramos ensinamentos claros sobre todo e qualquer problema, e depois examinar exemplos e ilustraes oferecidos pela mesma fonte.

Ambos os mtodos podem ajudar-nos muito; e eu gostaria de enfatizar a importncia de seguir tanto um como o outro. H pessoas que s se interessam pelos exemplos, as histrias; mas se no tivermos o cuidado de captar os princpios ilustrados pelas histrias, provavelmente acabaremos por agravar nossa condio, e ainda que possamos ganhar muito atravs de exemplos e ilustraes, imprescindvel que primeiro busquemos os princpios. Muitas pessoas hoje tm problemas porque, em certo sentido, esto vivendo das experincias de outros, ou cobiando a experincia de outros; e porque esto sempre olhando para outras pessoas e suas histrias em vez de primeiro captarem os princpios, que tantas vezes se desviam. Nosso conhecimento da Bblia devia ter nos prevenido e protegido de tal perigo, pois invariavelmente faz ambas as coisas, como veremos em nossa discusso desse assunto. Existe este grande ensino doutrinrio, claro e simples, e alm disso Deus em Sua graa tem acrescentado as ilustraes para que possamos ver esses grandes princpios colocados em prtica.

Eu nem preciso explicar porque considero importante que examinemos esta questo. Eu o fao, em parte, por aqueles que esto nesta condio, para que possam ser libertos de sua infelicidade, inquietao, desconforto e tenso, esta perturbao que descrita com tanta exatido pelo salmista neste salmo. muito triste saber que h cristos que vivem a maior parte de suas vidas neste mundo em tal situao. No significa que no so cristos, mas significa que esto perdendo muito, perdendo tanta coisa importante que exige um exame do problema de depresso espiritual em toda a sua extenso, conforme apresentado neste salmo, nem que seja somente para o bem deles.

Mas h uma outra razo e mais importante: devemos enfrentar este problema por amor ao reino de Deus, e para a glria de Deus. De certa forma, um cristo deprimido uma contradio de termos, e uma pssima recomendao do evangelho. Vivemos numa poca pragmtica. As pessoas hoje em dia no esto primariamente interessadas na verdade, e sim em resultados. Sua pergunta sempre : Isso funciona? Esto freneticamente buscando alguma coisa que possa ajud-las. Ns cremos que a obra de Deus, a ampliao do Seu reino, realizada em parte por Seu povo, e sabemos que, no curso da histria da Igreja, Deus frequentemente realizou coisas notveis atravs da vida de alguns cristos muito simples e comuns. Por conseguinte, muito importante que sejamos libertos de uma condio que d s pessoas que nos observam a impresso que ser cristo significa ser infeliz, triste, mrbido, e que um cristo algum que "despreza os prazeres e vive dias laboriosos". Na verdade, h muitos que apresentam isso como razo para no serem cristos e para desistirem de qualquer interesse que possam ter experimentado pela f crist. Dizem: "Veja esses cristos, olha a impresso que eles do!" E gostam de nos comparar com as pessoas do mundo gente que parece muito entusiasmada pelas coisas em que acredita, quaisquer que elas sejam. Essa gente grita e torce nos campos de futebol, comenta os filmes que viu, est cheia de vibrao e quer que todos saibam disso. Em contraste, muitas vezes os cristos parecem estar em perptua depresso, com uma aparncia de infelicidade, falta de liberdade e ausncia de alegria. No h dvida que esta a razo principal porque tantas pessoas deixaram de mostrar interesse pelo cristianismo. E, para ser franco, essa atitude de certa forma justificada, e temos que admitir que suas crticas tm razo de ser. Portanto, necessrio, no s por amor a ns mesmo, mas por amor ao reino de Deus, e pela glria do Cristo em quem confiamos, representar a Ele e Sua causa, Sua mensagem e Seu poder de tal maneira que homens e mulheres, em vez de se oporem, sintam-se atrados e persuadidos ao nos observarem, sejam quais forem nossas circunstncias e nossa situao. Precisamos viver de tal forma que eles sejam compelidos a dizer: "oxal eu pudesse ser assim, oxal eu pudesse viver neste mundo como essa pessoa vive!". Mas bvio que se vivermos em depresso, jamais nossa vida ter esse efeito sobre os outros.

Por enquanto quero abordar este assunto de forma geral. Quero examinar e considerar as causas gerais, e tambm avaliar a maneira que devemos tratar do problema em ns mesmos, se estamos sofrendo dele. Depois dessas consideraes gerais, estaremos em condies de examinar o problema de maneira mais detalhada, e quero enfatizar a importncia de fazer isso. Se examinarmos as obras e os escritos de homens famosos na histria da Igreja que trataram de"ste problema especfico, vamos descobrir que invariavelmente abordavam o assunto dessa forma. Eu sei que no assim que se faz hoje em dia. Estamos sempre com pressa e queremos tudo instantaneamente. Achamos que toda verdade pode ser apresentada em poucos minutos. Mas o fato que isso no possvel; e a razo por que tantos hoje em dia esto vivendo uma vida crist superficial, que no esto dispostos a tomar tempo para se examinarem a si mesmos.

Vou usar uma ilustrao. Muitas vezes ouvimos falar de pessoas que tm dificuldade em seguir um tratamento prescrito por um mdico. Elas vo ao mdico e recebem certas instrues. Ento vo para casa certas de que sabem exatamente o que fazer. Mas quando comeam a observar o tratamento, descobrem que as instrues do mdico no foram suficientemente detalhadas. Ele lhes dera instrues gerais, sem se preocupar em detalhar essas instrues. Sentem-se ento confusas, sem saberem o que fazer e sem se lembrarem exatamente como o tratamento deve ser observado. O mesmo se aplica ao ensino razo porque o professor sbio apresenta primeiro os princpios gerais, mas nunca se esquece de explic-los depois em detalhe. Declaraes gerais no so suficientes em si mesmas preciso que sejam depois expostas de maneira especfica e detalhada. Por enquanto, todavia, vamos tratar do quadro geral.

Antes de tudo, ento, vamos examinar o problema. Seria impossvel encontrar uma descrio melhor do que a que dada aqui pelo salmista. um quadro extraordinariamente preciso de depresso espiritual. Leiam as palavras e quase podero ver o homem, perturbado e abatido. quase possvel ver isso em seu rosto.

Em relao a isso, notem a diferena entre o versculo 5 e o versculo 11. Vejam o versculo onze: "Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? espera em Deus, pois ainda o louvarei. Ele a salvao da minha face, e o meu Deus". No quinto versculo ele diz: "Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxlio e Deus meu" (verso atualizada). Nesse versculo ele diz que h auxlio na presena de Deus (i.e., perante a face de Deus); mas no versculo onze ele fala da "minha face". Em outras palavras o homem que se sente abatido, desanimado e miservel, que est infeliz e deprimido, sempre revela isso em seu rosto. Ele parece preocupado e perturbado. Basta olhar para ele, e se percebe sua condio. "Sim", diz o salmista, "mas quando realmente olho para Deus, e me sinto melhor, minha face tambm melhora" "Ele a salvao da minha face". Aquela aparncia cansada, perturbada, aflita, inquieta, perplexa e introspectiva se desfaz, e eu passo a comunicar uma impresso de paz, calma e equilbrio. Isso no uma mscara, e sim um resultado inevitvel de olhar para Deus. Se estamos deprimidos e infelizes, queiramos ou no, vamos demonstrar isso em nosso rosto. Por outro lado, se nosso relacionamento com Deus correto, se estamos andando no Esprito, isso inevitavelmente tambm vai se expressar em nosso semblante. Com isso no estou dizendo que devemos andar por a com aquele perptuo sorriso forado no rosto, que certas pessoas consideram essencial manifestao da verdadeira alegria crist. No precisamos forar nada essa alegria vai se expressar naturalmente: "Ele a salvao da minha face".

Mas contemplem de novo o quadro que esse pobre homem apresenta. Parece estar carregando o mundo todo sobre seus ombros. Est abatido, triste, perturbado, perplexo. No s isso, ele tambm nos diz que chora: "As minhas lgrimas tem sido o meu alimento dia e noite". Ele chora porque est num estado de perplexidade e temor. Est preocupado consigo mesmo, com o que est acontecendo com ele, e perturbado com os inimigos que o esto atacando e insinuando coisas sobre ele e sobre o seu Deus. Tudo parece estar em cima dele, esmagando-o. Ele no consegue controlar suas emoes, e chega ao ponto de perder o apetite. Diz que suas lgrimas tm sido o seu alimento. Todos estamos familiarizados com esse fenmeno. Se algum est ansioso ou preocupado, perde o apetite no quer comer. De fato, a comida parece quase que repugnante. Ainda que este seja um problema digno de nota, mesmo que somente do ponto de vista fsico e mdico, no decnios nos deter nele, exceto para enfatizar a importncia do quadro que apresenta. Um dos problemas resultantes da depresso espiritual que, com frequncia, quando sofremos dela, no estamos conscientes da impresso que est sendo transmitida aos outros. Uma vez que devemos nos preocupar com isso, bom que examinemos o quadro objetivo. Se tivssemos a capacidade de nos ver a ns mesmos como os outros nos vem, este muitas vezes seria o passo decisivo para a vitria e a libertao. bom olhar para ns mesmos, tentando visualizar o quadro que estamos apresentando aos outros, como uma pessoa deprimida, chorosa, que no quer comer, nem ver ningum, e est to preocupada com seus problemas que comunica a todos um quadro de depresso e misria.

Tendo descrito o problema de forma geral, quero agora mencionar algumas das suas causas gerais. Eu no hesito em colocar, em primeiro lugar e acima de tudo, o temperamento. Afinal, um fato que as pessoas so diferentes em temperamento e personalidade. Ser que algum se surpreender por eu colocar isso em primeiro lugar? Ou argumentar: "Quando voc fala de cristos, no deveria abordar a questo de temperamento, ou tipo de personalidade. Por certo o cristianismo elimina tudo isso, e voc no deveria considerar esse aspecto como tendo influncia na questo". Pois bem, essa objeo vlida, e deve ser respondida. Quero comear deixando bem claro que o temperamento, o perfil psicolgico e a nossa personalidade no fazem a mnima diferena no que concerne nossa salvao. Esta , graas a Deus, a base da nossa posio como cristos. No importa qual o nosso temperamento; somos todos salvos do mesmo modo, pelo mesmo ato de Deus em e atravs de Seu Filho, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esta nossa resposta para a psicologia, e para as crticas ao cristianismo que muitas vezes resultam do estudo da psicologia. Quero deixar uma coisa bem clara: no importa quais sejam seus antecedentes, no importa qual o temperamento que lhe foi dado neste mundo tudo isso no faz a mnima diferena no que se refere salvao. No reconhecemos a existncia de um "complexo religioso". Ns nos glorificamos no fato de que a histria da Igreja d provas abundantes de que todo e qualquer tipo concebvel de temperamento foi, e ainda , encontrado hoje na Igreja do Deus vivo. Mas embora eu enfatize, com todo o meu ser, o fato de que o temperamento no faz a mnima diferena quanto nossa salvao, quero igualmente enfatizar que ele faz uma enorme diferena na experincia concreta da nossa vida crist, e quando estamos tratando de um problema como o da depresso espiritual, esta questo do temperamento deve ser um dos primeiros fatores a ser considerado.

Em outras palavras, de acordo com minha compreenso do ensino bblico sobre esta questo, no h nada to importante como a necessidade, de nos conhecermos a ns mesmos, e isso to cedo quanto possvel. Pois o fato que, embora sejamos todos cristos, unidos num mesmo "corpo", todos somos diferentes, e os problemas e dificuldades, as tribulaes e perplexidades que enfrentamos so, em grande medida, determinadas pelas diferenas de temperamento e tipos de personalidade. Todos participamos da mesma batalha, claro, pois todos compartilhamos da mesma salvao comum, e temos a mesma necessidade bsica. Mas as manifestaes do problema variam de um caso para outro, e de uma pessoa para outra. No h nada mais ftil, ao tratar desse problema, do que agir com base na suposio de que todos os cristos so idnticos em todos os aspectos. No so e Deus jamais planejou que fossem.

Este ponto pode ser melhor ilustrado por um exemplo de uma outra esfera. Todos ns somos seres humanos, tendo basicamente a mesma constituio fsica, no entanto sabemos muito bem que no h duas pessoas idnticas. Na verdade, somos todos diferentes em muitos aspectos. Ora, muitas vezes encontramos pessoas que defendem estilos de vida, ou mtodos de tratamento de doenas, que ignoram completamente este fato fundamental, e portanto, esto obviamente erradas. Elas receitariam a mesma dieta para todo mundo. Prescrevem este regime universal, afirmando que vai curar todo mundo. Isso, eu digo, impossvel, e basicamente errado.

Muitas vezes tenho dito que a primeira lei fundamental da diettica se resume naquele ditado, em ingls, que traduzido diz mais ou menos o seguinte: "Joo da Silva no podia comer gordura, sua mulher no podia comer carne". Est certo! uma declarao engraada, num sentido, mas por outro lado, um princpio fundamental de nutrio. Joo da Silva tem uma constituio diferente da de sua mulher, e sugerir que a mesma dieta seria perfeita para ambos um erro fundamental. Ambos so seres humanos, mas como seres humanos so diferentes em sua constituio fsica. Ou, para citar outro exemplo, vejam a tendncia de insistir que todas as crianas nas escolas faam ginstica. A temos novamente o mesmo erro. Todos diferimos em altura e constituio fsica, e algo irracional estabelecer uma regra inflexvel para incluir todos os tipos. Alguns tm aptido para essas coisas, e outros no; e exigir que todas as crianas participem do mesmo tipo de atividade fsica to absurdo como submeter todas as pessoas mesma dieta. Todos necessitamos de exerccio, mas no do mesmo tipo ou na mesma quantidade.

Menciono isso para ilustrar essa tendncia arregimentao; e o ponto que quero esclarecer < que no podemos estabelecer leis assim generalizadas e universais, como se os homens fossem mquinas. errado na esfera fsica, como eu acabo de demonstrar, e muito mais errado na esfera espiritual.

bem bvio que podemos dividir os seres humanos em dois grupos bsicos os introvertidos e os extrovertidos. H um tipo de pessoa que est constantemente voltada para dentro de si mesma, e outro tipo cuja ateno est em geral voltada para fora. E muito importante compreender, no s que pertencemos a um desses dois grupos, mas tambm que o problema de depresso espiritual tende a afetar um desses grupos mais do que afeta ao outro. Precisamos comear por conhecer e entender a ns mesmos.

H um tipo de pessoa que especialmente vulnervel ao problema da depresso espiritual. Isso no significa que essas pessoas sejam piores do que as outras. Na verdade, eu poderia sustentar com boa base que as pessoas que se destacaram de forma gloriosa na histria da Igreja eram, muitas vezes, do tipo que estamos considerando. Alguns dos maiores santos eram introvertidos; o extrovertido geralmente uma pessoa mais superficial. Na esfera natural existe o tipo de pessoa que est sempre fazendo auto-anlise, avaliando tudo o que faz, e se preocupando com os possveis efeitos de suas aes, sempre olhando para trs, sempre cheia de remorsos fteis. Pode ser algo que foi feito uma vez para sempre, mas ela no consegue esquec-lo. No pode desfazer o que foi feito, entretanto passa o tempo todo se analisando, culpando e condenando. Vocs esto familiarizados com esse tipo de pessoa. Ora, tudo isso tambm transferido para a esfera do esprito, afetando sua vida espiritual. Em outras palavras, h um perigo de que tais pessoas se tornem mrbidas. Eu j disse que poderia mencionar nomes. Certamente um deles foi o grande Henry Martin. No se pode ler a vida desse grande homem de Deus sem se chegar imediata concluso de que ele tinha uma personalidade introspectiva. Era introvertido, e sofria de uma tendncia bvia para a morbidez e a introspeco.

Esses dois termos nos lembram que o problema fundamental dessas pessoas, que elas muitas vezes no cuidam de estabelecer a linha divisria entre auto-anlise e introspeco. Todos concordamos com a necessidade de nos examinarmos a ns mesmos, mas tambm concordamos que a introspeco e a morbidez so coisas nocivas. Qual, ento, a diferena entre auto-anlise e introspeco? Eu diria que atravessamos a linha divisria entre auto-anlise e introspeco quando no fazemos outra coisa seno nos examinar, e quando essa auto-anlise se torna o fim dominante da nossa vida. Devemos nos examinar periodicamente, porm se o fazemos constantemente, colocando, por assim dizer, a nossa alma num recipiente para dissec-la, isso introspeco. E se estamos sempre falando com os outros a respeito de ns mesmos, de nossos problemas e dificuldades, e nos aproximamos deles com uma carranca, dizendo: "Tenho tantos problemas!" provavelmente isso significa que estamos sempre com nossa ateno toda concentrada em ns mesmos. Isso introspeco, e pode levar condio conhecida como morbidez.

Aqui, ento, o ponto aonde devemos comear. Ser que nos conhecemos a ns mesmos? Sabemos quais so as reas especficas de perigo para ns? Sabemos a que que somos especialmente vulnerveis? A Bblia est repleta de ensinamentos sobre isso. Ela nos exorta a sermos cuidadosos com respeito s nossas foras e s nossas fraquezas. Tomemos Moiss como exemplo. Ele era o homem mais manso sobre a Terra, segundo a Bblia; e, no entanto, seu maior fracasso teve ligao exatamente com isso. Ele afirmou sua prpria vontade, e ficou irado. Temos que vigiar tanto nossas foras como nossas fraquezas. A essncia da sabedoria compreender este fato fundamental sobre ns mesmos. Se eu, por natureza, sou um introvertido, tenho que exercer uma vigilncia constante e advertir a mim mesmo sobre isso, para no cair inconscientemente num estado de morbidez. Da mesma forma, o extrovertido precisa conhecer-se a si mesmo, mantendo vigilncia contra as tentaes peculiares sua natureza. Alguns de ns, por natureza e devido ao nosso temperamento, somos mais suscetveis esta doena chamada depresso espirtual do que outros. Pertencemos ao mesmo grupo que Jeremias, Joo Batista, Paulo, Lutero e muitos outros. Uma companhia muito seleta! Sim, mas no se pode pertencer a ela sem ser especialmente vulnervel a esse tipo especfico de tribulao.

Agora passemos segunda grande causa: condies fsicas. Isso surpreende algum? H algum que pensa que a condio fsica do seu corpo no importa desde que cristo?. Bem, se pensa assim, no vai demorar para sofrer uma desiluso. A condio fsica tem muita influncia nisso tudo. difcil marcar uma linha divisria entre esta causa e a anterior, porque o temperamento parece ser controlado, at certo ponto ,por condies fsicas, e na verdade h pessoas que so, parece, fisicamente vulnerveis ao problema da depresso espiritual. Em outras palavras, existem certas debilidades fsicas que tendem a causar depresso. Acho que Thomas Carlyle foi um bom exemplo disso. Ou tomemos aquele extraordinrio pregador ingls do sculo passado, que pregou em Londres por quase quarenta anos Charles Haddon Spurgeon um dos maiores pregadores de todos os tempos. Esse grande homem era sujeito a depresso espiritual, e a explicao, no caso dele, sem dvida era o fato de que ele sofria de gota, o problema que acabou causando a sua morte. Ele teve que enfrentar esse problema de depresso espiritual muitas vezes em sua forma mais intensa. Essa tendncia depresso profunda era uma consequncia do problema de gota, problema esse que Spurgeon herdou de seus ancestrais. E h muitas pessoas que me procuram em busca de ajuda para o problema de depresso, em cujos casos se torna bvio para mim que a causa de seu problema , principalmente, fsica. Esto includos nesse grupo de causas fsicas: cansao, esgotamento, "stress", e qualquer tipo de doena. No se pode isolar o fsico, separando-o do espiritual, pois somos corpo, mente e esprito. Os melhores cristos so mais propensos a ataques de depresso espiritual quando esto fisicamente fracos e encontramos grandes ilustraes disso na Bblia.

Quero dar uma palavra de advertncia nesta altura. No podemos esquecer a existncia do diabo, nem permitir que ele nos engane, considerando espiritual aquilo que fundamentalmente fsico. Mas por outro lado, devemos ser cuidadosos nessa distino em todos os aspectos; porque, se jogamos toda a culpa em nossa condio fsica, podemos nos tornar culpados num sentido espiritual. Entretanto, se reconhecermos que nosso fsico pode ser parcialmente responsvel por nosso problema espiritual, e levarmos isso em considerao, ser mais fcil tratar do espiritual.

Outra causa frequente da depresso espiritual o que poderamos chamar de "reao" reao a uma grande bno, ou a uma experincia extraordinria ou fora do comum. Pretendo chamar ateno posteriormente ao caso de Elias, assentado debaixo do zimbro? No tenho nenhuma dvida de que seu problema era que ele estava sofrendo de uma reao ao que acontecera no Monte Carmelo (I Reis, captulo 19). Abrao teve a mesma experincia (Gnesis, captulo 15). Por isso, quando algum vem me contar a respeito de alguma experincia extraordinria que teve, eu me regozijo com a pessoa, dando graas a Deus; mas passo a observ-la atenta e apreensivamente depois disso, caso haja uma reao. Isso no precisa acontecer, mas pode se dar se no estivermos cientes dessa possibilidade. Se apenas compreendssemos que quando Deus se agrada em nos dar uma bno incomum, deveramos redobrar nossa vigilncia, ento poderemos evitar essa reao.

Passemos para a causa seguinte. Em certo sentido, em ltima anlise, esta a nica causa da depresso espiritual o diabo, o inimigo de nossas almas. Ele pode usar nosso temperamento e nossa condio fsica. Ele nos manipula de tal forma que acabamos permitindo que nosso temperamento nos controle e governe nossas aes, em vez de ns mantermos o controle sobre ele. So incontveis os meios pelos quais o diabo causa a depresso espiritual. Temos que nos lembrar dele. O seu objetivo deprimir o povo de Deus, de tal forma que ele possa ir ao homem de mundo, dizendo: "Eis o povo de Deus; voc quer ser assim?" A estratgia do adversrio de nossas almas, o adversrio de Deus, de nos levar depresso e ao estado de esprito do salmista quando estava atravessando este perodo de perturbao e infelicidade.

Na verdade, posso resumir a questo desta forma: a causa bsica de toda depresso espiritual incredulidade, pois se no fosse por ela nem o diabo poderia fazer coisa alguma. porque prestamos ateno ao diabo em vez de ouvirmos a Deus, que camos derrotados diante dos ataques do inimigo. Por isso que o salmista continua dizendo a si mesmo "Espera em Deus, pois ainda o louvarei". Ele volta o seu pensamento para Deus. Por qu? Porque ele estava deprimido, e tinha se esquecido de Deus, de forma que sua f em Deus e no Seu poder, e sua confiana no relacionamento que tinha com o Senhor, no eram o que deveriam ser. Podemos, portanto, resumir tudo isso, afirmando que a causa fundamental pura e simples incredulidade.

At aqui, ento, temos examinado as causas. E quanto ao tratamento? Abreviadamente, por ora a primeira coisa que precisamos aprender o que o salmista aprendeu precisamos assumir o controle de ns mesmos. Este homem no se contentou em ficar sentado, sentindo pena de si mesmo. Ele fez alguma coisa a respeito. Assumiu o controle de si mesmo. Mas ele fez uma coisa ainda mais importante. Falou consigo mesmo. Ele se voltou para si mesmo, dizendo: "Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas dentro de mim?" Fala consigo mesmo; argumenta consigo mesmo. No entanto, algum indaga: "Mas no exatamente isso que devemos evitar, j que gastar tempo demais consigo mesmo uma das causas do problema? Isso contradiz suas declaraes anteriores! Fomos advertidos contra introspeco e morbidez, e agora nos diz que devemos falar conosco mesmos!"

Como podemos harmonizar as duas coisas? Desta maneira: eu estou dizendo que devemos falar com o nosso "eu" em vez de permitir que o nosso "eu" fale conosco! Entendem o que isso significa? Estou dizendo que o maior problema em toda essa questo de depresso espiritual, num sentido, que permitimos que o nosso "eu " fale conosco, em vez de ns falarmos com o nosso "eu". Estou tentando ser deliberadamente paradoxal? De modo algum. Isso a essncia da sabedoria nesta questo. J perceberam que uma grande parte da infelicidade e perturbao em suas vidas provm do fato, que esto escutando a si mesmos em vez de falar consigo mesmos? Por exemplo, considerem os pensamentos que lhes vm mente quando acordam de manh. Vocs no os originaram mas esses pensamentos comeam a "falar" com vocs, trazendo de volta os problemas de ontem, etc. Algum est falando. Quem est lhes falando? O seu "eu" est falando com vocs. Ora, o que o salmista fez foi o seguinte: em vez de permitir que esse "eu" falasse com ele, ele comeou a falar consigo mesmo. "Por que ests abatida, minha alma?" ele pergunta. Sua alma estava deprimida, esmagando-o. Por isso ele se dirige a ela, dizendo: "Oua por um momento, eu quero falar contigo". Vocs entendem o que estou falando? Se no, porque ainda no tiveram muita experincia com estas coisas.

A arte maior na questo da vida espiritual saber como dominar-se. Um homem precisa ter controle sobre si mesmo, deve falar consigo mesmo, exortar e examinar a si mesmo. Deve perguntar sua alma: "Por que ests abatida?" "Como pode se abater assim?" Voc como ele, precisa se voltar para si mesmo repreendendo, censurando, condenando, exortando e dizendo a si mesmo: "Espera em Deus", em vez de resmungar e murmurar dessa maneira infeliz e deprimida. E ento deve prosseguir, lembrando-se de Deus: quem Ele , o que Ele , o que Ele tem feito, e o que tem prometido fazer. Tendo feito isso, termine com esta nota de triunfo: desafie a si mesmo, desafie os outros, desafie o diabo e o mundo todo, dizendo com este homem, "Eu ainda o louvarei. Ele a salvao da minha face, e o meu Deus".

Essa a essncia do tratamento, em resumo. Os demais captulos sero apenas uma exposio mais elaborada do que foi apresentado aqui. A essncia desta questo entender que este nosso "eu" interior esta outra pessoa dentro de ns precisa ser controlado. No lhe d ateno fale com ele, condenando, censurando, exortando, encorajando, relembrando-o daquilo que voc sabe em vez de ouvir placidamente o que ele tem a dizer, permitindo que ele o leve ao desnimo e depresso. Certamente isto que ele sempre far, se voc lhe entregar o controle. O diabo tenta controlar o nosso "eu" interior, usando-o para nos deprimir. Precisamos nos erguer, dizendo como este homem: "Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas dentro de mim?" Pare com isso! "Espera em Deus, pois o louvarei. Ele a salvao da minha face, e o meu Deus".

2. O VERDADEIRO FUNDAMENTO

"Conclumos pois que o homem justificado pela f sem as obras da lei."Romanos 3:28

Quero examinar esta declarao luz do texto bsico do captulo anterior.

No h dvida que o problema conhecido como depresso espiritual bastante comum. De fato, quanto mais o estudamos e falamos sobre ele, mais descobrimos como ele comum. Estamos estudando este problema, como eu j mencionei, por duas razes principais. Primeira, desolador que algum tenha que permanecer em tal condio. Mas a segunda razo ainda mais importante e sria; que tais pessoas so pssimas representantes da f crist. Ao enfrentarmos o mundo moderno, com todas as suas perturbaes e turbulncias, com suas dificuldades e tristezas, ns, que nos dizemos cristos e professamos o nome de Cristo, devemos representar nossa f diante dos outros de tal maneira que eles digam: ' A est a soluo. A est a resposta". Num mundo em que tudo perdeu o rumo, devemos nos sobressair como homens e mulheres caracterizados por uma alegria e segurana interior inabalveis, apesar das circunstncias e adversidades. Creio que concordaro comigo quando digo que este um quadro que tanto o Velho como o Novo Testamento apresentam do povo de Deus. Esses homens de Deus se sobressaram porque, quaisquer que fossem as circunstncias e condies, eles pareciam possuir um segredo que os capacitava a viver em triunfo, sendo mais que vencedores. Portanto, imprescindvel que examinemos o problema da depresso espiritual muito de perto.

J analisamos o problema em geral, bem como algumas de suas causas principais. Vimos que a essncia do tratamento, de acordo com o salmista, que devemos nos enfrentar a ns mesmos.

Em outras palavras, devemos falar com nosso "eu" interior, em vez de permitir que ele fale conosco. Devemos assumir o controle de ns mesmos, falando com a nossa alma, como o salmista fez, perguntando: "Por que ests abatida, minha alma, e por que te perturbas dentro de mim?" "Voc no tem o direito de se sentir assim. Por que est to desanimada e abatida?" Ele se enfrenta e fala consigo mesmo, discute consigo mesmo e se coloca novamente numa posio de f. Ele se exorta a ter f em Deus, e ento est em condies de orar a Deus.

Quero examinar este mtodo defendido pelo salmista. O princpio vital que devemos nos enfrentar e examinar a ns mesmos, e se estamos entre aqueles que parecem nunca conhecer a alegria da salvao e o gozo do Senhor, precisamos descobrir a causa. As causas podem ser muitas, e em minha opinio, a essncia da sabedoria nesta questo tratar dessas causas, uma por uma, e examin-las em detalhe. No devemos tomar nada por certo. Na verdade, creio que poderia ser facilmente constatado que a maior causa de problemas nesta rea, a tendncia fatal de tomar certas coisas como garantidas. Quanto mais eu falo com as pessoas sobre isso, mais vejo que este o caso. H tantas pessoas que parecem nunca chegar a uma posio firme sobre a f crist, porque no chegam a uma definio clara em sua mente quanto a certos pontos primrios, certas coisas fundamentais que deviam ser tratadas no princpio.

Embora correndo o risco de ser mal compreendido, vou apresentar isto assim: o problema especfico do qual estamos tratando tem a tendncia de ser mais comum entre aqueles que foram criados e educados de maneira religiosa, do que entre os que no foram criados e educados dessa maneira. Parece afetar mais aqueles que foram criados em lares de famlias crists, e que sempre foram levados a lugares de adorao, do que aqueles que no foram. H muitos que parecem atravessar a vida da forma que Shakespeare descreveu como "presos em superficialidade e misria". Parece que nunca saem disso. Esto envolvidos na igreja, e muito interessados em assuntos cristos; todavia, se os compararmos com a descrio que o Novo Testamento faz da "nova criatura em Cristo", veremos imediatamente uma grande diferena. De fato, eles mesmos vem isso, e muitas vezes a causa principal da sua depresso e infelicidade. Eles vem outros cristos se regozijando, e dizem: "Bem, no posso dizer que sou assim. Essa pessoa tem algo que eu no tenho" e dariam tudo para obter o que a outra pessoa tem.Eles lem biografias de santos que enriqueceram a vida da Igreja Crist, e admitem logo que no so assim. Sabem que nunca foram assim, e que essas pessoas obviamente usufruam de algo que eles mesmos nunca tiveram.

H um grande nmero de pessoas nessa situao infeliz. Para elas a vida crist parece ser um constante problema, e esto sempre fazendo a mesma pergunta: "Por que no posso chegar a esse nvel? Por que no posso ser assim?" Lem livros que oferecem princpios da vida crist, vo a reunies e conferncias, sempre em busca desse algo que no conseguem encontrar. E ficam desanimadas, sua alma fica abatida e inquieta dentro delas.

Ao tratar com tais pessoas, de importncia vital certificar-se que os princpios bsicos e fundamentais da f crist esto claros em suas mentes. Vezes sem conta, eu descobri que o verdadeiro problema delas estava nisso. No digo que no fossem crists, mas eu diria que so entre os que chamo de "cristos miserveis" simplesmente porque no entenderam o caminho da salvao, e por isso todos os seus esforos em geral resultaram em nada. Muitas vezes se concentram no assunto da santificao, mas isto no os ajuda, porque no entenderam a justificao. Supondo que esto no caminho certo, acham que tudo que precisam fazer continuar nele.

um ponto interessante para investigao teolgica, se tais pessoas so crists ou no. Eu, pessoalmente, diria que so. John Wesley um exemplo clssico. Eu hesitaria em afirmar que John Wesley no era cristo antes de 1738; mas tenho certeza que ele no havia entendido o caminho da salvao como sendo somente atravs da justificao pela f, at 1738. Em certo sentido ,ele concordara com todos os ensinos da Bblia, mas sem capt-los ou compreend-los plenamente. No tenho dvida nenhuma que, se o tivesse interrogado, ele teria dado todas as respostas corretas, at mesmo sobre a morte do Senhor Jesus; no entanto, em sua experincia ele no tinha uma compreenso clara da justificao pela f. Foi somente depois de seu encontro com os irmos morvios, e especialmente aps uma conversa com um deles, chamado Peter Bohler, numa viagem de Londres a Oxford, que ele verdadeiramente compreendeu essa doutrina vital. Ali estava um homem que tinha tentado encontrar felicidade em sua vida crist atravs do que fazia pregando aos prisioneiros em Oxford, renunciando ctedra que ocupava na universidade, e enfrentando os perigos de uma viagem atravs do Atlntico para pregar aos pagos da Amrica. Estava tentando alcanar a felicidade seguindo um certo padro de vida. Contudo o seu problema todo residia no fato que John Wesley nunca tinha realmente compreendido a doutrina da justificao pela f. Ele no tinha entendido o versculo que estamos considerando: "Conclumos pois que o homem justificado pela f sem as obras da lei". Parece quase impossvel que um homem assim, criado num lar excepcionalmente piedoso, e que passara sua vida toda no trabalho cristo, pudesse ter uma compreenso errada a respeito de um ponto to bsico e fundamental mas assim foi!

E eu diria que esta a situao de um grande nmero de pessoas ainda hoje. Elas supem estarem certas a respeito das coisas bsicas, mas nunca entenderam sua justificao, e exatamente a que o diabo causa confuso. Agrada-lhe que tais pessoas estejam preocupadas com santificao e santidade e coisas assim, mas elas nunca encontraro o caminho certo at que esclaream este aspecto, e portanto aqui que devemos comear. No adianta tratar da estrutura, se o alicerce tem falhas. Ento devemos comear por esta grande doutrina. Esta confuso um problema antigo. Num certo sentido a obra-prima de Satans. Ele at nos encorajar a sermos justos, enquanto puder nos confundir neste ponto. E ele est conseguindo isso, a julgar pelo fato que as pessoas na Igreja hoje em dia parecem considerar como cristo aquele que faz boas obras, mesmo estando inteiramente errado sobre esta verdade bsica. um problema antigo, e era o problema essencial dos judeus. o que o Senhor Jesus estava dizendo constantemente aos fariseus, e certamente era o maior argumento que o apstolo Paulo tinha com os judeus. Eles estavam completamente errados quanto a toda a questo da lei, e o maior problema era mostrar-lhes o ponto de vista certo sobre isso. Os judeus criam que Deus dera a lei ao homem para que ele pudesse se salvar, observando-a. Diziam que tudo que algum precisava fazer era observar a lei, e que poderia alcanar a justificao mediante isso; e se essa pessoa vivesse de acordo com a lei, Deus a aceitaria, e Ele Se agradaria dela. E pensavam que podiam fazer isso, porque nunca tinham entendido a lei. Interpretaram-na sua prpria maneira, tornando-a em algo que estava ao seu alcance e assim pensaram que tudo estava bem. Este o quadro que os Evangelhos e todo o Novo Testamento do a respeito dos fariseus. Era o problema dos judeus e ainda o problema de muita gente hoje. Precisamos entender que h certas coisas que devem estar bem claras em nossa mente, antes de podermos realmente ter paz e usufruir as bnos da nossa vida crist.

Este ponto preliminar pode ser esclarecido atravs de uma exposio geral do terceiro captulo da carta aos Romanos. Na verdade, os primeiros quatro captulos dessa grande epstola so dedicados a esse tema. A verdade principal que Paulo estava ansioso por esclarecer era a mensagem da justia de Deus, que pela f em Jesus Cristo. Ele j tinha declarado, em Romanos 1:16-17: "Porque no me envergonho do evangelho de Cristo, pois o poder de Deus para salvao de todo aquele que cr; primeiro do judeu, e tambm do grego. Porque nele se descobre a justia de Deus de f em f, como est escrito: mas o justo viver pela f". Mas ento surge a pergunta: Por que nem todos criam nisso? Por que essa mensagem no foi aceita automaticamente por todos que a ouviram, como a melhor notcia j anunciada ao mundo? A resposta que eles no creram porque no viram a necessidade disso. Tinham um conceito errado de justia. A justia de que Paulo fala significa um relacionamento correio com Deus. No existe felicidade, no existe paz nem regozijo parte de um relacionamento correto com Deus. E com isso todos concordam tanto o cristo miservel como o cristo seguro. Mas a diferena entre um e outro, que o cristo miservel tem um conceito errado sobre como alcanar a justia de Deus. Esse tambm foi o problema dos judeus. Eles, como eu j disse, declaravam que a justia alcanada atravs de uma conformao e observncia da lei, como eles a entendiam. Mas eles tinham um conceito completamente errado da lei. Eles a perverteram de tal forma que o prprio meio que Deus lhes deu para esclarecer o caminho da salvao tornou-se nas mos deles o maior obstculo a essa salvao.

Qual, ento, o ensino? H certos princpios, bastante simples, que precisamos entender antes que possamos realmente usufruir dessa salvao crist. O primeiro convico de pecado. Precisamos ter uma viso clara da nossa pecaminosidade. Aqui, vou seguir o mtodo do apstolo Paulo, levantando uma objeo imaginria. Imagino algum dizendo imediatamente: "Voc vai pregar sobre pecado, vai pregar sobre convico de pecado? Voc diz que seu objetivo nos levar felicidade, mas se vai pregar sobre convico de pecado, isso vai nos tornar ainda mais infelizes. Voc est deliberadamente tentando nos levar misria e ao desespero?" A minha resposta : Sim! Este o ensino do grande apstolo nestes captulos. Pode parecer um paradoxo o termo realmente no importa mas acima e alm de qualquer dvida, esta a regra, e no h excees. Voc precisa passar por misria e desespero, antes que possa conhecer a verdadeira alegria crist. Na verdade, o grande problema do cristo miservel que ele nunca foi levado a se sentir verdadeiramente miservel por causa de convico de pecado. Ele ignorou a preliminar essencial alegria, presumindo algo que no tem o direito de presumir.

Deixem-me colocar isso num contexto bblico. Lembram-se do velho Simeo segurando o Senhor Jesus Cristo, ainda beb, em seus braos? Ele fez uma declarao muito profunda, ao dizer: "Eis que este posto para queda e elevao de muitos em Israel". No existe elevao sem que tenha havido uma queda antecedente. Esta uma regra absoluta, e no entanto algo que est sendo completamente esquecido por muitos hoje em dia, e mal interpretado por muitos outros. As Escrituras, porm, tm uma ordem, e essa ordem deve ser observada, se vamos usufruir os benefcios da salvao. Em ltima anlise, a nica coisa que vai levar o homem a Cristo, e faz-lo confiar somente nEle, uma verdadeira convico de pecado. Erramos porque no somos verdadeiramente convictos do nosso pecado. por isso que digo que este um problema que afeta particularmente todos aqueles que foram criados num ambiente cristo ou religioso. O seu maior problema, muitas vezes, uma idia errada do pecado. Lembro-me de uma pessoa que expressou isso de forma dramtica em certa ocasio. Era uma senhora que fora criada num lar muito religioso, assdua frequentadora da igreja, sempre envolvida nas suas atividades. Era membro de uma igreja onde vrias pessoas tinham se convertido de repente dos seus caminhos mundanos e vida pecaminosa bebida, e coisas assim. Lembro quando ela me disse: "Sabe, eu quase chego a desejar que no tivesse sido criada da maneira que fui criada, e que tivesse vivido o tipo de vida que essas pessoas viveram, para tambm ter essa experincia maravilhosa". O que ela queria dizer com isso? O que ela realmente estava dizendo era que nunca tinha se visto como uma pessoa pecadora. Por que no? H muitas razes. Esse tipo de pessoa, quando pensa em pecado, pensa em termos de aes, de atos. No s isso, mas em termos de certos atos em particular, apenas. Ento, sua tendncia pensar que, uma vez que no culpada desses pecados especficos, ento no realmente pecadora. De fato, s vezes o expressa bem claramente, dizendo: "Eu nunca pensei em mim mesmo como um pecador; mas, naturalmente, isso no de espantar, uma vez que minha vida foi muito protegida desde o comeo. Nunca fui tentado a fazer essas coisas, ento no de espantar que nunca tenha sentido que sou um pecador". E a vemos a essncia desse engano. Essas pessoas pensam em termos de aes, certos atos em particular, e em termos de comparao com outras pessoas e suas experincias, e assim por diante. Por' essa razo nunca tiveram uma convico real de pecado, e por isso nunca viram claramente sua absoluta necessidade do Senhor Jesus Cristo. Ouviram pregar que Cristo morreu por nossos pecados, e dizem crer nisso; mas nunca chegaram a realmente reconhecer a sua absoluta necessidade pessoal disso.

Como, ento, podem tais pessoas chegar convico de pecado? Esse o assunto de Paulo neste captulo trs da Epstola aos Romanos. Ele realmente tratou disso atravs do segundo captulo tambm. E esta sua grande tese: "No h um justo, nem um sequer; porque todos pecaram, e destitudos esto da glria de Deus". Quem so esses "todos"? Ele deixa claro: tanto judeus como gentios. Os judeus, bvio, concordariam que os gentios eram pecadores, fora da aliana, transgressores contra Deus. "Mas esperem um pouco", Paulo diz: "vocs tambm so pecadores!" A razo por que os judeus odiavam Cristo e O crucificaram, a explicao da "ofensa da cruz", a razo por que Paulo foi tratado daquela forma por seus conterrneos que odiavam a f crist, era que a f crist declarava o judeu to pecador como o gentio. Ela asseverava que o judeu o qual pensava que sempre tinha vivido uma vida justa e religiosa era to pecador como o pecador mais mpio entre os gentios. "Todos pecaram"; judeus e gentios esto igualmente sob condenao diante de Deus.

O mesmo verdade hoje, e se vamos levar a srio a convico de pecado, a primeira coisa que devemos fazer parar de pensar em pecados especficos. Quo difcil isso para todos ns, pois todos temos esses preconceitos. Restringimos o pecado apenas a certas coisas, e se no somos culpados dessas coisas, pensamos que no somos pecadores. Todavia, essa no a forma de se chegar convico de pecado. No foi assim que John Wesley chegou a entender que era pecador. Lembram-se o que o levou convico de pecado? Comeou quando ele viu a forma como certos irmos morvios agiram durante uma tempestade em pleno oceano Atlntico. John Wesley estava apavorado com a tempestade, e com medo de morrer; os morvios no. Pareciam to felizes e tranquilos em meio tempestade como se o sol estivesse brilhando. John Wesley percebeu que tinha medo de morrer; de algum modo ele no conhecia a Deus da forma como aquelas pessoas O conheciam. Em outras palavras, ele comeou a sentir sua necessidade, e isso sempre o comeo da convico de pecado.

O ponto essencial aqui que voc no chega convico de que pecador comparando-se com outras pessoas, e sim chegando face a face com a lei de Deus. Bem, o que a lei de Deus? "No matars, no furtars"? "Nunca fiz essas coisas, ento no sou um pecador". Meu amigo, isso apenas parte da lei de Deus. Voc gostaria de saber o que a lei de Deus? Aqui est: "Amars, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu corao, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas foras: este o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, : Amars o teu prximo como a ti mesmo" (Marcos 12:30-31). Esquea tudo sobre bbados e outros assim, esquea as pessoas sobre quem voc l na imprensa atualmente. Aqui est o teste para voc e para mim: voc est amando a Deus de todo o seu corao? Se no est, voc um pecador. Esse o teste. "Todos pecaram e destitudos esto da glria de Deus". Deus nos criou, e nos criou para Si mesmo. Ele criou o homem para Sua prpria glria, e com a inteno que o homem vivesse inteiramente para Ele. O homem devia ser representante de Deus e andar em comunho com Ele. Devia ser o senhor do universo, e devia glorificar a Deus. Como est no Catecismo Menor: "O fim principal do homem glorificar a Deus e goz-lo para sempre". E se voc no est fazendo isso, voc um pecador da pior espcie, que reconhea e sinta isso ou no.

Ou deixem-me colocar de outra forma. Considero este um modo vlido de apresentar o assunto. Deus sabe que estou pregando a minha prpria experincia a vocs, pois tive uma formao muito religiosa. Tambm estou falando da minha experincia a vocs como algum que frequentemente ajuda pessoas que foram criadas da mesma maneira. O homem foi criado para conhecer a Deus. Ento a pergunta : vocs conhecem a Deus? No estou perguntando se vocs crem em Deus, ou se crem em certas coisas sobre Ele. Ser um cristo significa ter a vida eterna, e como o Senhor Jesus disse em Joo 17:3: "E a vida eterna esta: que te conheam, a ti s, por nico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste". Ento o teste que devemos aplicar a ns mesmos no perguntar se fizemos isto ou aquilo. Meu teste um teste positivo: "Eu conheo a Deus? Jesus Cristo real para mim?" No estou perguntando se vocs sabem coisas a respeito de Deus, mas se conhecem a Deus, se se alegram em Deus, se Deus o centro de suas vidas, a alma do seu viver, a fonte da sua maior alegria? Ele deve ser. Ele criou o homem para isso para que habitasse em comunho com Deus, e se regozijasse nEle, e andasse com Deus. Ns fomos criados para isso, e se no estamos vivendo assim, isso pecado. Isso a essncia do pecado. No temos o direito de no ser assim. Isso pecado, em sua forma pior e mais profunda. A essncia do pecado, em outras palavras, que no vivemos inteiramente para a glria de Deus. Naturalmente, ao cometer certos pecados, agravamos a nossa culpa diante de Deus, mas vocs podem ser inocentes de qualquer dos pecados mais vis, e ainda assim serem culpado desse terrvel pecado de estarem satisfeitos com suas prprias vidas, de terem orgulho das suas realizaes, e de olharem para os outros com superioridade, sentindo que so melhores do que eles. No h coisa pior do que isso, porque vocs esto dizendo a si mesmos que d certa forma esto mais pertos de Deus do que os outros, quando na verdade no esto. Se esta sua atitude, vocs so como o fariseu no templo, que agradeceu a Deus por no ser como aquele outro homem "esse publicano". O fariseu nunca tinha visto sua necessidade de perdo, e no h pecado mais terrvel do que esse. No sei de nada pior do que um homem que diz: "Saiba que nunca realmente senti que sou um pecador". Esse o cmulo do pecado, pois significa que essa pessoa nunca compreendeu a verdade sobre Deus e sobre si mesma. Leiam o argumento do apstolo Paulo, e percebero que sua lgica no apenas inevitvel, mas tambm irrespondvel. "No h um justo, nem um sequer". "Sabemos que tudo o que a lei diz, aos que esto debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenvel diante de Deus". Se nunca reconheceram a prpria culpa ou pecaminosidade diante de Deus, nunca vo ter alegria em Cristo. impossvel. Jesus no veio salvar justos, e sim pecadores. "Os sos no precisam de mdico, e sim os doentes". A est o primeiro princpio convico de pecado. Meu amigo, se voc no tem convico de pecado, e se no reconhece que indigno diante de Deus, que est condenado e que um fracasso completo aos olhos de Deus, no preste ateno a mais nada at que tenha isto, at que chegue a essa compreenso, porque voc nunca ter alegria, e nunca vai se livrar da sua depresso at que entenda isso. Convico de pecado um ponto preliminar essencial a uma verdadeira experincia de salvao.

Isso me traz ao segundo princpio. A segunda coisa que precisamos entender o caminho da salvao de Deus em Cristo. Esta a grande boa nova. "Isto o que eu estou pregando", Paulo diz aos romanos; "essa justia de Deus que est em Jesus Cristo Sua justia". Do que ele est falando? Podemos coloc-lo em forma de pergunta. Como voc v Jesus Cristo? Por que Ele veio a este mundo? O que Deus fez em Cristo? Foi Ele apenas um exemplo, ou algo assim? No vou perder tempo demonstrando a futilidade dessas suposies. No. Isto algo positivo, essa justia de Deus em Jesus Cristo. A salvao est inteiramente em Cristo, e se voc no est voltado exclusivamente para Cristo, tudo o mais tendo fracassado, voc no um cristo, e no de admirar que no seja feliz. "A justia de Deus em Jesus Cristo" significa que Deus O enviou ao mundo para que Ele honrasse a lei, e para que os homens pudessem ser perdoados. Aqui est Um que prestou obedincia perfeita a Deus. Aqui est Um Deus na carne que tomou sobre Si mesmo a natureza humana e, como homem, rendeu a Deus perfeita adorao, perfeita lealdade e perfeita obedincia. Ele observou a lei de Deus de maneira total e absoluta, sem uma falha. Mas no fez s isso. Paulo acrescenta algo mais nesta declarao clssica da doutrina da expiao: "Ao qual Deus props para propiciao pela f no seu sangue, para demonstrar a sua justia pela remisso dos pecados dantes cometidos, sob a pacincia de Deus; para demonstrao da sua justia neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem f em Jesus". Isto significa que, antes que o homem possa ser reconciliado com Deus, antes que possa conhecer a Deus, esse pecado precisa ser removido. Deus disse que Ele iria punir o pecado, e o castigo do pecado a morte, como tambm separao de Deus. Isso precisa ser resolvido. E o que aconteceu? "Bem", diz Paulo, "Deus o enviou como propiciao". Esse foi o meio que Deus empregou. Significa que Deus fez Cristo responsvel por nossos pecados. Eles foram colocados sobre Cristo, e Deus tratou deles e os puniu ali, e uma vez que Ele puniu nossos pecado em Cristo, em Seu corpo sobre a cruz, Ele pode nos perdoar com justia. Como vemos, esta uma doutrina profunda. uma declarao arriscada do apstolo, mas isso precisa ser dito, e vou repetir. Deus, sendo justo, santo e eterno, no podia perdoar o pecado do homem sem castig-lo. Ele disse que iria puni-lo, ento Ele precisa puni-lo* e, bendito seja o Seu nome, Ele o puniu! Ele justo, portanto, e o justificador daquele que cr em Jesus. O pecado foi punido, por isso Deus, que justo e santo, pode perdoar o pecado.

Como, ento, isso funciona? Desta maneira: Deus aceita esta justia de Cristo, esta justia perfeita face a face com a lei que Ele honrou em todos os aspectos. Ele a guardou e obedeceu e levou seu castigo. A lei foi totalmente satisfeita. Este o caminho de salvao de Deus, diz Paulo. Ele nos d a justia de Cristo. Se vemos a nossa necessidade, e vamos a Deus e a confessamos, Ele nos d a justia de Seu prprio Filho. Ele imputa a justia de Cristo a ns que cremos nEle, e nos considera justos, e nos declara justos nEle. Esse o caminho da salvao, o caminho cristo de salvao, o caminho de salvao atravs da justificao pela f. E se resume nisto: que eu no vejo, nem creio nem olho para nada e ningum a no ser o Senhor Jesus Cristo. Gosto da maneira como Paulo o expressa. Ele pergunta: "Onde est logo a jactncia? excluda. Por qual lei? Das obras? No; mas pela lei da f". "Oh, judeus tolos", diz Paulo. "Vocs se gabam do fato que so circuncidados, e que tm os orculos de Deus, e que so o povo de Deus. Precisam parar com isso. Vocs no podem descansar no fato de que tm esta tradio e que so filhos de Israel. No h jactncia precisam se basear exclusivamente no Senhor Jesus Cristo e Sua obra perfeita. O judeu no superior ao gentio neste aspecto. "Porque todos pecaram e destitudos esto da glria de Deus". Olhamos para Cristo, e para Cristo somente, e no para ns mesmos, em nenhum aspecto que seja.

Para tornar isto bem prtico, quero dizer que h um meio muito simples de algum se testar a si mesmo, para saber se realmente cr nisso. Ns nos revelamos por nossas palavras. O Senhor mesmo disse que seramos justificados por nossas palavras e como verdade! Eu j tive que abordar este ponto com muitas pessoas, explicando o caminho da justificao pela f, mostrando como tudo em Cristo, e que Deus nos confere a justia dEle. E depois de explicar tudo, eu digo: "Vocs entenderam isso? Vocs crem nisso?" E a resposta "sim". Ento eu digo: "Ento esto prontos para dizer que so cristos?" E eles hesitam. E eu sei ento que no entenderam, e pergunto: "O que houve? Por que esto hesitando?" E cada um responde: "Eu no sinto que sou bastante bom". E eu percebo que no entenderam nada. Ainda esto pensando em termos de si mesmos; sua idia ainda que precisam ser bons para serem cristos, precisam ser bons para serem aceitos por Cristo. Eles tm que faz-lo! "No sou bastante bom". Parece muito humilde, mas uma mentira do diabo, e uma negao da f. Amigo, voc acha que est sendo humilde. Mas nunca ser suficientemente bom; ningum jamais foi bastante bom,

A essncia da salvao crist dizer que Ele suficientemente

bom, e eu estou nEle!

Enquanto voc continuar pensando em si mesmo, dizendo: "Ah, sim, eu gostaria mas no sou bom o suficiente; sou um pecador, um grande pecador", voc est negando a Deus, e nunca vai ser feliz. Vai continuar se sentindo abatido e perturbado em sua alma. Voc vai pensar em certas ocasies que est melhorando, para logo descobrir que no to bom quanto pensava. Ao ler as biografias dos santos, voc percebe que um fracasso. Da fica perguntando: "Que posso fazer? Continuo sentindo que no sou to bom quanto devia ser". Esquea-se, esquea tudo a respeito de si mesmo! claro que voc no bom o suficiente e nunca o ser! O caminho cristo de salvao lhe diz isto que no importa o que voc foi ou o que fez. Como posso explicar isto com clareza? Tento comunic-lo do plpito todo domingo, pois creio que a coisa que est privando muitas pessoas do gozo do Senhor. No importa que voc tenha ido quase s profundezas do inferno, ou se culpado de homicdio ou qualquer outro pecado vil, no importa quando se trata de justificao perante Deus. Voc no mais perdido do que a pessoa mais respeitvel e correta do mundo. Voc acredita nisso?

H um outro meio de se testar a si mesmo. Voc cr que com referncia salvao e justificao diante de Deus, todas as nossas habituais distines so demolidas de uma vez, e que o que determina se somos pecadores ou no, no o que fizemos, e sim nosso relacionamento com Deus? Eu digo, portanto, que este o teste que voc reconhea prontamente e declare com firmeza que est olhando para Cristo, e Cristo somente, e a nada e ningum mais, e que deixe de levar em considerao certos pecados e certas pessoas. No olhe para nada nem para ningum, a no ser Jesus Cristo, e diga:

Em nada ponho a minha f

Seno no sangue de Jesus.

No sacrifcio remidor,

No sangue do meu Redentor.

A minha f e o meu amor Esto firmados no Senhor.

E voc precisa crer de tal forma que possa ir alm, declarando com santa convico:

Seu juramento mui leal, Abriga-me no temporal; Ao vir cercar-me a tentao, Cristo a minha salvao.

Voc gostaria de se livrar dessa depresso espiritual? A primeira coisa que precisa fazer dizer adeus de uma vez por todas ao seu passado. Compreenda que ele foi coberto e apagado em Cristo. Nunca mais olhe para trs para os seus pecados. Diga: "Est consumado! Eles foram cobertos pelo sangue de Cristo". Esse o primeiro passo. Tome-o, e acabe com toda essa conversa sobre "ser bom", e olhe para o Senhor Jesus Cristo. Somente ento que verdadeira felicidade e alegria podero ser suas! Voc no precisa decidir viver uma vida melhor, ou comear a jejuar, se esforar e orar. No! Diga apenas:

Descanso a minha f nAquele

Que morreu para expiar minhas transgresses.

D o primeiro passo, e descobrir que imediatamente vai comear a experimentar uma alegria e uma liberdade que nunca conheceu antes em sua vida. "Conclumos pois que o homem justificado pela f sem as obras da lei". Bendito seja o nome de Deus por uma salvao to maravilhosa para pecadores desesperados.

3. VEJO OS HOMENS COMO RVORES QUE ANDAM

"E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que lhe tocasse. E, tomando o cego pela mo, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mos, perguntou-lhe se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como rvores que andam. Depois tornou a pr-lhe as mos nos olhos, e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido, e j via ao longe e distintamente a todos. E mandou-o para sua casa, dizendo: No entres na aldeia".Marcos 8:22-26

Quero chamar sua ateno para este incidente, como parte de nossas consideraes sobre o tema que estamos examinando e que denominei "depresso espiritual".

Estamos considerando este assunto, no somente porque um fato triste e trgico que um cristo possa se sentir deprimido e miservel, mas tambm por causa da situao geral da Igreja atualmente. No hesito em afirmar, novamente, que uma das razes por que a Igreja Crist exerce to pouca influncia no mundo moderno, que tantos cristos esto nesta condio. Se todos os cristos comeassem a agir e a viver conforme o Novo Testamento ensina, a Igreja no enfrentaria problemas para evangelizar. A questo se resolveria por si mesma. porque estamos falhando como cristos em nossa vida diria, comportamento e testemunho, que a Igreja exerce to pouca influncia e to poucos so atrados a Deus atravs do Senhor Jesus Cristo. Portanto, por esse motivo to premente, imprescindvel que tratemos desta questo.

J fizemos uma anlise geral do problema, e no captulo anterior consideramos um aspecto especfico dele. Vimos que h alguns cristos nesta condio porque nunca realmente entenderam com clareza a grande doutrina bsica da justificao pela f. Na verdade, essa foi a causa de todo o problema antes da Reforma protestante. A Reforma trouxe paz, felicidade e alegria vida da Igreja, de uma forma que ela no tinha conhecido desde os primeiros sculos, e tudo aconteceu porque a doutrina bsica da justificao pela f foi redescoberta. Ela fez Martinho Lutero se regozijar e cantar, e ele por sua vez foi usado para levar outros a discernir esta grande verdade. Ela produziu essa grande alegria na Igreja; e, se por um lado hesitamos em declarar que aqueles que no entenderam esta questo com clareza no sejam cristos, por outro lado, um fato que no momento que a entendem, imediatamente deixam de ser cristos miserveis e se tornam cristos radiantes.

Vamos passar agora para o passo seguinte, e quero consider-lo luz deste extraordinrio incidente na vida e no ministrio do nosso bendito Senhor, registrado em Marcos 8:22-26. Observaro imediatamente que estamos tratando de um caso completamente diferente; e este quadro ilustra isso de forma bastante clara. Em vrios aspectos o mais extraordinrio de todos os milagres realizados por nosso Senhor e Salvador. Lembram-se dos detalhes do que Ele fez por esse homem cego? Ele o tomou pela mo, levou-o para fora da aldeia, cuspiu nos seus olhos, imps as mos sobre ele, e ento perguntou ao homem se podia ver alguma coisa. O homem disse: "Sim, vejo. Vejo os homens como rvores andando". Ento o Senhor ps as mos novamente sobre os olhos do homem e desta vez a sua vista foi restaurada, e ele "viu distintamente".

Isto, obviamente, algo de significao muito profunda. O que aconteceu neste caso no foi acidental. Temos outros exemplos em que o Senhor curou pessoas cegas, e evidente que Ele poderia ter curado este homem instantaneamente, dizendo apenas: "Recebe a vista". Nosso Senhor tinha esse poder; nada era impossvel para Ele. J tinha feito isso antes, e podia faz-lo novamente. Ento, o que Ele fez aqui foi feito deliberadamente e com um propsito. Nada que o Senhor Jesus fez foi feito a esmo ou acidentalmente. Todas as Suas aes eram deliberadas e quando Ele mudava Seu mtodo, sempre tinha uma razo muito boa para fazer isso. No havia nada particularmente difcil neste caso; a variao no tratamento no era causada por isso. Era devida ao plano determinado pelo prprio Senhor, de operar o milagre desta forma a fim de ensinar uma lio e comunicar uma certa mensagem. Em outras palavras, todos os milagres do Senhor foram mais do que simples eventos de certa forma, eles tambm foram parbolas. Isso no quer dizer que no cremos nos incidentes em si como sendo fatos reais na histria. Estou simplesmente declarando que um milagre tambm uma parbola, e se isso verdade a respeito de todos os milagres, especialmente verdade a respeito deste aqui. De fato, pois o Senhor obviamente mudou o mtodo aqui a fim de ensinar uma lio vital e importante.

Eu concordo com aqueles que sugerem que talvez a lio principal aqui tivesse em vista particularmente os discpulos. Lembram-se do que aconteceu antes? Eles se esqueceram de levar po no barco, e por isso tinham apenas um consigo. Comearam ento a se preocupar com isso, e ficaram perturbados. Nosso Senhor ao falar com eles no barco, disse: "Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes"; e eles arrazoavam entre si, dizendo: porque no temos po". Visto que Ele mencionou a palavra "fermento", pensaram que ele estava falando de po! Eram literalistas, faltava-lhes entendimento espiritual, e por isso a palavra "fermento" fez com que pensassem apenas em po e no fato de terem se esquecido de levar um suprimento. Por essa razo estavam perturbados e apreensivos, e o Senhor lhes fez uma srie de perguntas penetrantes, terminando com esta: "No compreendestes ainda?" como se dissesse: "Aqui estou eu, pregando a vocs e lhes ensinando, e parece que ainda no entendem. Esto perturbados porque tm somente um po, e no entanto testemunharam dois milagres, os quais provam que com apenas alguns pes e peixes eu posso alimentar milhares de pessoas; como que ainda no entendem?" Eu creio que Ele tratou do homem cego daquela maneira a fim de lhes dar uma imagem deles mesmos. Ele adorou esta tcnica registrada aqui, para que os discpulos pudessem se ver a si mesmos, como realmente eram.

Mas h um sentido mais profundo aqui; uma lio permanente para o povo de Deus. uma mensagem terrvel. Estou ansioso para chamar sua ateno para isso porque h muitas pessoas que so como este homem, e h muitas pessoas que parecem ainda estar no primeiro estgio que este homem atravessou, no processo de ser curado. Nosso Senhor cuspiu nos seus olhos e perguntou: "Pode ver alguma coisa?" E ele respondeu: "Vejo os homens, como rvores andando". Entendem a sua situao? difcil descrever este homem. No podemos mais dizer que ele cego. No podemos dizer que ainda cego, porque pode ver; mas hesitamos em dizer que ele pode ver, porque v os homens como rvores andando. Ento ele cego, ou no ? Quase sentimos que a nica coisa que se pode dizer, que ele ao mesmo tempo cego, e no . Ele no uma coisa nem outra.

Ora, essa precisamente a condio que estou ansioso por abordar aqui. Eu me preocupo com aqueles cristos que se sentem inquietos e infelizes e miserveis por causa desta falta de clareza. quase impossvel defini-los. Vocs s vezes falam com uma pessoa assim, e pensam: "Este homem um cristo". E ento o encontram novamente, e ficam em dvida, e pensam: "Certamente ele no pode ser cristo, se fala dessa maneira ou age dessa forma". Cada vez que se encontram com esse homem, a impresso que tm dele diferente; e nunca tm certeza se ele realmente um cristo ou no. Vocs no se satisfazem em dizer que ele v, ou que no v. Alm disso, o problema que no s os outros pensam isso a respeito de pessoas desse tipo, mas muitas vezes elas sentem isso a respeito de si mesmas. Eu digo isso a favor delas, pois se sentem infelizes porque no tm certeza a respeito da sua prpria situao. s vezes, depois de assistir a um culto, elas dizem: "Sim, eu sou um cristo; eu creio nisso". Ento alguma coisa acontece, e passam a pensar: "No posso ser um cristo. Se eu fosse cristo, no teria tais pensamentos, ou no sentiria o desejo de fazer as coisas que fao". Por isso sentem-se to perplexas a respeito de si mesmas, como os outros cristos que as observam. Ora sentem que so cristos, ora sentem que no so. Parecem saber o suficiente a respeito do cristianismo para no sentirem prazer nas coisas do mundo; mas no sabem o bastante para se sentirem felizes consigo mesmos. No so "nem quentes, nem frios". Eles vem, e ao mesmo tempo no vem. E acho que concordaro comigo que estou descrevendo a situao de um grande nmero de pessoas. uma situao dolorosa, e minha mensagem, como podem imaginar, que ningum deve viver nessa situao, nem deve permanecer nela.

Vamos seguir o ensino do nosso Senhor. A melhor maneira de fazer isso colocar o caso dessas pessoas numa forma diferente. Tenho falado at aqui de modo geral. Quero agora entrar em alguns aspectos especficos para ajudar essas pessoas a se verem a si mesmas, e tambm para ajudar a todos ns a discernir esta condio. O que que essas pessoas podem ver? Elas vem alguma coisa. Este homem disse: "Sim, eu vejo, vejo homens, mas alguma coisa est errada, porque os vejo como rvores andando".

O que essas pessoas vem? Muitas vezes elas sabem que alguma coisa est errada. Sentem-se infelizes consigo mesmas. Alguma coisa aconteceu com elas que lhes deu um sentimento de insatisfao a respeito de si mesmas. Houve uma poca em que se sentiam perfeitamente felizes com as coisas como eram. Levavam a sua vida como queriam, e pensavam que no havia nada de errado com isso. Mas no so mais assim. Alguma coisa lhes aconteceu, que lhes deu uma percepo completamente diferente do tipo de vida que estava vivendo. No preciso entrar em detalhes; basta que pensem em pessoas que esto vivendo este tipo de vida, pessoas que devoram mexericos de jornal, e consideram maravilhosa e invejvel a vida da alta sociedade, e sentem que "aquilo, sim, que vida". Mas estas pessoas no so mais assim. Comearam a perceber o vazio, a inutilidade, a completa falsidade daquilo tudo, e sentem-se profundamente insatisfeitas com esse tipo de vida. Percebem que, mesmo parte de tudo o mais, no uma escolha inteligente, que um tipo de vida completamente vazia. Tornam-se infelizes com sua situao, dizendo que no podem continuar assim. H muitas pessoas nessa situao, e muitas delas passam por esse estgio. um estgio em que o homem v que tudo o mais est errado, embora ainda no tenha visto que o cristianismo est certo. E isso muitas vezes o leva ao cinismo, e at mesmo ao desespero.

Tenho visto muitos exemplos dramticos disso. Lembro muito bem o caso de um homem que era um cirurgio extraordinrio em Londres, de muita proeminncia. Subitamente, para assombro de lodos que o conheciam, ele anunciou que tinha desistido de tudo c se tornara um mdico de navio. O que aconteceu com esse homem foi o seguinte: ele era muito famoso em sua profisso, e tinha ambies perfeitamente legtimas com respeito a certas honras cm sua profisso. Mas desapontamentos a esse respeito de repente lhe abriram os olhos para toda a situao, e ele concluiu que no havia satisfao duradoura na vida que estava levando. Ele percebeu tudo isso, mas no se voltou para Cristo. Simplesmente tornou-se cnico, e deixou tudo. E tem havido outros exemplos notveis de homens que abriram mo de tudo e foram para algum lugar isolado onde encontraram uma certa medida de paz e felicidade, sem se tornarem cristos. Essa uma possibilidade.

Mas eles podem at mesmo ir alm, e perceber as qualidades superiores da vida crist, como esto expressas no Sermo do Monte. Dizem: "No h dvida que a vida crist nica vida real; se to somente todos vivessem assim!" Talvez tenham lido as biografias dos santos e reconhecido que esses homens tinham algo maravilhoso em suas vidas. Houve um tempo em que no tinham qualquer interesse nisso, mas agora passaram a compreender que a vida descrita no Sermo do Monte a nica que vale a pena viver; e tambm, lendo I Corntios, captulo 13, dizem: "Se apenas todos vivssemos assim, este mundo seria um paraso". Eles passaram a perceber isso com muita clareza.

E podem at mesmo ter ido mais alm, concordando que Jesus Cristo a nica esperana, que Ele , de algum modo, o Salvador. Notem como expressei isto: que Jesus Cristo , "de algum modo", o Salvador. Chegaram a ver que Ele poderia ajud-los, e que o cristianismo a nica esperana para o mundo, e de algum modo percebem e sabem que essa Pessoa Jesus pode ajud-los. Houve um tempo em que no estavam interessados, quando O puseram de lado, sem qualquer considerao mais sria; mas isso mudou. Compreendendo o vazio deste mundo, e vendo o tipo de vida vivida por certos cristos, e sabendo que Jesus Cristo a razo dessa diferena, percebem que de algum modo Ele deve ser o Salvador. Por isso esto interessados nEle, e querem saber mais a Seu respeito. At a eles vem claramente.

Podemos dizer ainda mais sobre eles, isto , ao contrrio das pessoas de que falamos no captulo anterior, estes indivduos perceberam que no podem salvar a si mesmos. O problema do homem que no tem uma compreenso clara da justificao pela f que ele ainda est tentando se justificar; mas estes indivduos sabem que no podem fazer isso. Tentaram muitas vezes, e esto insatisfeitos; e, vendo a verdadeira natureza da qualidade de vida crist, compreendem que o homem no pode alcanar esse ideal. Compreendem que no podem salvar a si mesmos.

"Certamente", algum dir, "voc foi longe demais, voc lhes d crdito demais!" No! Eu estou simplesmente descrevendo o que essas pessoas podem ver, da mesma forma que aquele homem cego, quando Jesus lhe perguntou: "Podes ver?" respondeu: "Sim". Ele certamente podia ver, podia ver homens. E essas pessoas chegaram a ver alguma coisa, talvez at mesmo chegaram a ver todas estas coisas que estou descrevendo aqui.

Todavia, preciso dizer tambm que ainda esto confusas, que ainda no podem ver com clareza. Podem apenas ver homens "como rvores andando". Em que aspecto isto verdade sobre elas? O problema aqui saber o que deixar de fora; mas eu vou tentar selecionar o que considero as trs coisas mais importantes.

A primeira coisa que essas pessoas no tm uma compreenso clara de certos princpios. por isso que tomei o cuidado de dizer que compreenderam que Cristo "de algum modo" o Salvador. Mas elas no compreendem de que forma Ele o Salvador. No tm uma compreenso clara, por exemplo, da morte de Cristo, e sua absoluta necessidade. No tm certeza sobre a doutrina do novo nascimento. Se falarmos com elas a respeito destas coisas, vamos descobrir que esto cheias de confuso e perplexidade. Essas pessoas dizem que no vem, e esto certas! Elas no vem, elas no entendem por que Cristo teve que morrer, e no vem a necessidade do novo nascimento. J temos visto esse tipo de gente; pessoas que esto descontentes com sua vida, e louvam a vida crist; esto sempre prontas a falar sobre Cristo como Salvador, mas ainda "no podem ver" certas verdades. O resultado que se sentem perturbadas, infelizes e miserveis.

A segunda coisa que no vem claramente que seu corao no totalmente envolvido. Ainda que possam ver muitas coisas, sua felicidade realmente no est no cristianismo nem na posio crist. Por alguma razo, no encontram alegria verdadeira na f crist. Precisam constantemente trazer isso memria, e s vezes tentam forar essa atitude em si mesmos. No so felizes; sua alegria se que tm alguma ainda parece provir de outras fontes. Seu corao no completamente envolvido. E eu menciono estas coisas aqui porque espero poder tratar delas detalhadamente mais adiante. No momento estou dando uma viso resumida da condio geral.

A terceira coisa a respeito das pessoas que estamos discutindo, c que sua vontade est dividida. So rebeldes, e no conseguem entender por que que um homem, s porque se declara cristo, (em que fazer certas coisas e deixar de fazer outras. Acham que isso ser tacanho. Por outro lado, condenam sua vida passada e aceitam a vida crist de forma geral. Reconhecem Cristo como Salvador; todavia, quando se trata de aplicar Seus ensinos, ficam confusas e no conseguem discernir a questo com clareza. Esto sempre argumentando, sempre perguntando se certo fazer isto ou aquilo. H uma ausncia de tranquilidade na esfera da vontade. No estou apresentando uma caricatura dessas pessoas. Estou ciando uma descrio muito literal, exata e detalhada delas. Muitos de ns passamos por este estgio, e sabemos disso por experincia prpria; e, como o Senhor adotou este mtodo no caso do homem cego, Ele parece fazer coisa similar na converso. H pessoas que vem as coisas claramente de uma vez; mas h outras que passam por estgios. Estamos tratando aqui daquelas que atravessam este estgio especfico, e assim que eu descreveria sua condio.

Quero aqui passar para o ponto seguinte. Por que, quando o Senhor Jesus estava ensinando, Ele apresentou aquela srie de perguntas aos discpulos, e ento demonstrou tudo desta forma dramtica, atravs deste incidente? Ou, para express-lo de uma forma diferente, quais so as causas desta condio? Por que deveria algum passar por esta situao indefinida, cristo e no cristo, como se fosse "sim e no" ao mesmo tempo? No h dvida que s vezes a responsabilidade inteiramente do evangelista usado para despert-los. Os evangelistas muitas vezes so a causa do problema. Na sua ansiedade de ver resultados, muitas vezes causam este problema.Mas nem sempre culpa do evangelista; com frequncia a culpa da prpria pessoa, e vou mencionar algumas das maiores razes por que "acaba nesta situao. Primeiro, em geral essas pessoas protestam contra definies muito precisas e limitadas. Elas no gostam de nada que seja muito claro e absoluto. No precisamos entrar nas razes especficas disso. Eu acho que elas se opem clareza de pensamento e definio por causa de suas exigncias. O tipo mais confortvel de religio sempre uma religio vaga, nebulosa e incerta, cheia de frmulas e rituais. No me surpreende que o catolicismo romano atraia certas pessoas. Quanto mais vaga e indefinida a sua religio, mais confortvel ela ser. No h coisa mais incmoda do que verdades bblicas que exigem decises. Por isso, essas pessoas dizem: "Voc est sendo muito rgido, est sendo muito legalista. No, no, eu no gosto disso. Eu creio no cristianismo, mas voc est sendo muito rgido e tacanho em seus princpios. Vocs conhecem esse tipo de pessoa. Mas, se comearem com a teoria que o cristianismo no definido, no se surpreendam se acabarem como este homem, vendo "homens, como rvores andando". Se comearem sua vida e experincia crist dizendo que no querem uma perspectiva exata ou uma definio precisa para sua f, vocs provavelmente no a tero! A segunda causa, e muitas vezes o grande problema com essas pessoas, que elas nunca aceitam completamente os ensinos e a autoridade das Escrituras. Suponho que, em ltima anlise, esta a grande causa do problema. Elas no se submetem totalmente autoridade da Bblia. Se to somente nos aproximssemos dela como crianas, com uma aceitao sem reservas, permitindo que a Bblia fale conosco, este problema no existiria. Essas pessoas no fazem isso ;elas misturam suas prprias idias com verdades espirituais. Naturalmente, elas afirmam que se baseiam nas Escrituras, porm e esta a palavra fatal imediatamente passam a modific-las. Aceitam certas idias bblicas, mas h outras idias e filosofias, remanescentes de seu velho estilo de vida, que desejam conservar consigo. Misturam idias naturais com idias espirituais. Dizem gostar do Sermo do Monte e de I Corntios 13; declaram crer em Cristo como Salvador, mas argumentam que no devemos ser muito extremistas nestas questes, que devemos ser moderados. Ento comeam a modificar as Escrituras. Recusam-se a aceitar sua autoridade em todos os aspectos na pregao e na vida, na doutrina e na sua viso do mundo. "As circunstncias mudaram", dizem; "e a vida no mais o que costumava ser. Estamos vivendo no sculo vinte!" E mudam a Bblia aqui e ali, adaptando-a s suas prprias idias, em vez de aceitarem a doutrina das Escrituras do comeo ao fim, reconhecendo a irrelevncia dessa conversa sobre o sculo vinte. A Bblia a Palavra de Deus, ela eterna, e porque ela a Palavra de Deus, devemos nos submeter a ela, e confiar que o Senhor use Seus prprios mtodos Sua prpria maneira.

Uma outra causa deste problema que quase invariavelmente suas vtimas no esto interessadas em doutrina.. Vocs esto interessados em doutrina? s vezes essas pessoas so tolas ao ponto de contrastar o que consideram "leitura espiritual das Escrituras" com doutrina. Dizem que no esto interessadas em doutrina, que gostam de exposio bblica mas no de doutrina. Declaram crer nas doutrinas que esto expostas na Bblia, e que provm da Bblia, porm ( incrvel, mas verdade) elas estabelecem este contraste fatal entre exposio bblica e doutrina. No entanto, qual o propsito da Bblia, seno de apresentar doutrina? Qual o valor da exposio bblica, se ela no nos levar verdade? Mas no difcil entender sua posio. a doutrina que fere, a doutrina que define as coisas. uma coisa apreciar as histrias e se interessar por palavras e nuanas de sentido. Isso no perturba, no focaliza a ateno no pecado, nem exige uma deciso. Podemos relaxar e apreciar isso; contudo a doutrina fala conosco e exige uma deciso. Doutrina verdade, e ela nos examina e nos prova e nos fora a uma auto-anlise. Ento, se comeamos com objees doutrina como tal, no de surpreender que no vejamos com clareza! O propsito de todos os credos elaborados pela Igreja Crist, bem como todas as confisses de f e doutrina, ou dogmas, foi de capacitar as pessoas a verem com clareza. Foi por isso que foram formulados. Nos primeiros sculos do cristianismo o evangelho foi pregado de gerao a gerao. Mas algumas pessoas comearam a ensinar coisas erradas. Por exemplo, alguns comearam a dizer que Cristo realmente no veio em forma humana, e sim que era uma apario espiritual. Uma variedade de idias comeou a surgir, levando muitos confuso e perplexidade. Por isso, a Igreja comeou a formular suas doutrinas na forma do Credo dos Apstolos e outros. Vocs acham que os pas da Igreja fizeram essas coisas simples porque gostava de faz-las? No. Eles tinham em vista um propsito muito mais prtico. A verdade deve ser definida e preservada, para que as pessoas no andem em erros. Ento, se temos objees doutrina, no da admirar que no vemos as coisas com clareza, ou que nos sentimos infelizes e miserveis. No h nada que ajude tanto um homem a ter clareza em sua viso espiritual, como uma compreenso das doutrinas da Bblia.A ltima explicao desta condio que eu mencionarei aqui o fato que muitas pessoas no captam as doutrinas das Escrituras em sua ordem correta. Este um ponto importante, e espero poder me aprofundar nele mais adiante. Mas sei disso por experincia pessoal. importante que tomemos as doutrinas das Escrituras em sua ordem certa. Se tomarmos a doutrina da regenerao antes da doutrina da expiao, teremos problemas. Se estamos interessados no novo nascimento e em termos uma nova vida, antes que tenhamos uma viso clara de nossa posio diante de Deus, cairemos em erro, e eventualmente nos sentiremos miserveis. O mesmo se aplica se tomarmos santificao antes da justificao. As doutrinas devem ser tomadas na ordem certa. Em outras palavras, podemos resumir isso tudo, dizendo que a grande causa do problema que estamos considerando uma recusa em persistir e examinar as coisas at o fim. o perigo fatal de querer aproveitar algo antes de realmente capt-lo e tomar posse dele. Homens e mulheres que se recusam a. perscrutar as coisas, que no querem aprender nem querem ser ensinados, por vrias razes s vezes em auto-defesa em geral so as pessoas que se tornam vtimas desta confuso espiritual, esta falta de clareza, este problema de ver e no ver ao mesmo tempo.Isso nos traz ltima pergunta. Qual a cura deste problema? Por enquanto vou dar princpios, apenas. O primeiro evidente: acima de tudo evitem declarar prematuramente que sua cegueira foi curada. O homem do nosso texto deve ter sido tentado a fazer isso. Ele tinha sido cego. O Senhor cuspiu em seus olhos e disse: "Podes ver?" O homem respondeu: "Posso". Como ele devia ter se sentido tentado a sair correndo e anunciando a todo mundo: "Posso ver!" De certa forma, ele podia ver, mas sua viso era incompleta e imperfeita, e era vital que no desse testemunho antes de ver claramente. uma grande tentao, e eu posso entend-la, mas fazer isso fatal. Muitos esto fazendo tal coisa atualmente (e so incentivados e encorajados a fazer isso), proclamando que vem, quando to claro para os outros que eles no vem claramente, e realmente ainda esto muito confusos. E acabam prejudicando muita gente. Descrevem homens a outros "como rvores andando", e acabam confundindo outras pessoas!

A segunda coisa o oposto da primeira. A tentao do primeiro correr e proclamar que pode ver, antes de poder enxergar claramente; mas a tentao do segundo se sentir totalmente sem esperana, e dizer: "No adianta continuar. Puseste cuspe nos meus olhos, e me tocaste. De certa forma eu vejo, mas vejo homens como se fossem rvores andando". Pessoas assim muitas vezes vm falar comigo, dizendo que no conseguem ver a verdade com clareza. Em sua confuso ficam desesperadas e perguntam: "Por que no posso ver? Isso tudo no adianta". Param de ler suas Bblias, param de orar. O diabo j desencorajou muitos com suas mentiras. No dem ateno a ele!

Qual, ento, a cura? Qual o caminho certo? ser sincero, e -responder a pergunta do Senhor com honestidade e franqueza. Este o segredo da questo. Jesus Se voltou para o homem, dizendo: "Podes ver?" E o homem disse, com absoluta franqueza: "Eu vejo, mas vejo homens como se fossem rvores andando". O que salvou este homem foi sua honestidade. A pergunta, ento, : qual nossa posio? O propsito deste sermo justamente tratar desta pergunta: qual nossa posio? O que vemos, realmente? Vemos as coisas com clareza? Somos felizes? Vemos realmente? Ou vemos, ou no vemos e precisamos saber exatamente qual nossa posio. Conhecemos a Deus? Conhecemos Jesus Cristo? No somente como nosso Salvador, mas ser que O conhecemos realmente? Estamos nos regozijando com "alegria indizvel e cheia de glria"? Esse o cristo do Novo Testamento. Podemos ver? Vamos ser francos; vamos enfrentar a questo, e vamos faz-lo com absoluta honestidade.

E depois? Bem, o ltimo passo submeter-se a Ele, submeter-se a Ele to completamente como este homem fez. Ele no fez objees ao tratamento suplementar, mas regozijou-se com o mesmo, e creio que se o Senhor no tivesse dado aquele passo adicional, o homem teria Lhe pedido que o fizesse. E voc, meu amigo, pode fazer o mesmo. Venha Palavra de Deus. Pare de fazer perguntas. Comece com as promessas,