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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE FÍSICA APLICAÇÃO DE TÉCNICAS FÍSICAS NA PALEONTOLOGIA: UM ESTUDO DE FÓSSEIS DA FORMAÇÃO IPUBI BACIA SEDIMENTAR DO ARARIPE Francisco Eduardo de Sousa Filho Orientador: Prof. Dr. Paulo de Tarso Cavalcante Freire Co Orientador: Prof. Dr. Antônio Álamo Feitosa Saraiva Fortaleza Dezembro de 2011

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

DEPARTAMENTO DE FSICA

APLICAO DE TCNICAS FSICAS NA PALEONTOLOGIA:

UM ESTUDO DE FSSEIS DA FORMAO IPUBI BACIA

SEDIMENTAR DO ARARIPE

Francisco Eduardo de Sousa Filho

Orientador:

Prof. Dr. Paulo de Tarso Cavalcante Freire

Co Orientador:

Prof. Dr. Antnio lamo Feitosa Saraiva

Fortaleza

Dezembro de 2011

Francisco Eduardo de Sousa Filho

APLICAO DE TCNICAS FSICAS NA PALEONTOLOGIA:

UM ESTUDO DE FSSEIS DA FORMAO IPUBI BACIA

SEDIMENTAR DO ARARIPE

Tese submetida Coordenao do Curso de Ps

Graduao em Fsica, da Universidade Federal

do Cear como requisito parcial para a obteno

do grau de Doutor em Fsica.

Fortaleza

Dezembro de 2011

3

DEDICATRIA

A minha me porque fui incapaz de

reconhecer o seu valor enquanto viva,

porque fui incapaz de dar apoio em sua

doena, peo perdo. E pelo grande

esforo que ela fez em criar dez filhos.

Que Deus a tenha reservado um bom

espao para que ela desfrute daquilo que

ela no pode fazer em vida.

A meu sobrinho Keoma por ter sido um

jovem bondoso e cheio de amor. Que

Deus o tenha porque o seu esprito era

grande demais para estar entre os seres

terrenos.

A meu pai pelo exemplo que deu a seus

filhos de como ser um homem honesto e

que ama o trabalho.

A meu filho por ter vindo ao mundo me

dar mais razes para viver.

A todos essas pessoas: DEDICO.

5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar devo agradecer ao Prof. Dr. Paulo de Tarso Cavalcante Freire

em particular por sua liderana nata de forma que ele no precisa impor uma voz de

comando, os seus brandos pedidos soam aos ouvidos de seus orientandos como uma

ordem. Em especial o Prof. Dr. Paulo de Tarso, ou Prof. Paulinho ou Paulinho como

carinhosamente chamado por todos, mais que um incentivador que carrega consigo

todas as prerrogativas de um professor e educador, ele uma pessoa coberta de um

humanismo que no comum a todos. Por tudo isso: OBRIGADO!

Agradeo ao Prof. Dr. Antnio lamo, meu colega de trabalho na URCA, pela

co-orientao e pelo estmulo.

Agradeo ao Prof. Dr. Joo Hermnio por seus incentivos e colaborao nos

trabalhos.

Agradeo ao Prof. Dr. Bartolomeu pela colaborao, ateno dispensada,

valorosas correes e sugestes.

Ao Prof. Dr. Josu por sempre dar crditos s pessoas mesmo sob vrias

adversidades.

A meus professores de disciplinas do doutorado: Prof. Dr. Andr Auto, Prof. Dr.

Euclimar, Prof. Dr. Eduardo Bed e Prof. Dr. Paulo de Tarso. Pela oportunidade que

tive de conhecer um pouco atravs de suas formas particulares de lecionar.

Aos professores Me. Arimatia, Dr. Jos Alves, Dr. Carlos Alberto, Dr.

Giovane, Dr. Marcos Sasaki por suas amizades e pelos momentos de boa conversa

sentados mesa da cantina da fsica, na qual se discute e se resolve todo tipo de

assunto.

A meus colegas de departamento da URCA: Prof. Dr. Francisco Augusto, Prof.

Dr. Alexandre Magno, Prof. Dr. Carlos Emdio, Prof. Dr. Wilson Hugo, Prof. Dr.

Mickel, Prof. Dr Apiano Morais, Prof. Me. Jlio Csar, Prof. Me. Cludio Rejane

A meus amigos de poca de graduao, hoje professores, Prof. Esp. Ricardo

Felipe, Prof. Me. Antnio Paulo, Prof. Dr. Alexandre Gonalves Pinheiro, Prof. Dr.

Joo Milton, Prof. Dr. Deusidedit Monteiro, Prof. Adriano Paulo e Prof. Dr. Joo Bosco

entre outros pelos momentos memorveis de nossa juventude no Campus do Pici.

A meus amigos e companheiros da Sala 13 Daniel Matos, Robson Maia,

Janilson Coelho, Csar Rodrigues e Adelmo Sabino, esse ltimo me deu apoio para a

permanncia na sala, pelos momentos de descontrao e pela construo de uma

irmandade: A Irmandade da Sala 13.

Ao Bruno Abagaro por sua diligncia em obter resultados que contriburam para

o xito desse trabalho. E pelos momentos de conversas a respeito de assuntos diversos,

inclusive sobre ensino.

Olga pela triagem que colaborou com este trabalho.

A meus amigos e colegas Mrio de Assis, Flvio Frana, Daniel Barros,

Neudson, Ricardo Oliveira, Marcelo Nunes, Ernesto, Francisco Fradique, Agmael,

Saulo Reis, Gardnia Sousa, Ndia, Jos Jnior, Acrsio Lins, Hudson, Mrcio Feijo,

Srgio, Pablo, Ivan (O Terrvel), Narclio de S, Rafael ngelo, Janana, Aline Ribeiro,

Jamile, e outros que no d para colocar por aqui por falta de espao e tempo.

A meu amigo e irmo Geraldo Macedo por todos incentivos e bons conselhos

durante um tempo que atualmente fazem 35 anos de uma amizade.

A meus irmos, Orlando Eduardo, Ivo Eduardo, Maria Imaculada, Maria das

Dores, Elaine Maria, Marta Maria, Ktia Eduardo, Francisca Maria e Lzaro Eduardo

pelo apoio dispensado na criao de meu filho enquanto cursava esse doutorado.

Agradeo a meu filho porque sua existncia trouxe mais inspirao para minha

vida, alm de algumas transformaes.

Agradeo a meus sobrinhos William, Virgnia, Wilton, Diego, Alana, talo,

Tatiane e todos os demais pelo carinho que demonstram por mim.

Por fim agradeo a FUNCAP por ter fomentado a execuo desse trabalho.

7

NDICE

RESUMO 9

ABSTRACT 11

CAPTULO 1: INTRODUO. 13

1.1 Histrico de Estudos dos Fsseis na Bacia do Araripe. 16

1.2 Uma Motivao para o Estudo dos Fsseis da Formao Ipubi. 17

CAPTULO 2: ASPECTOS TERICOS. 20

2.1 Pesquisas anteriormente realizadas 20

2.2 Espectroscopia Raman, Difrao de Raios X, Espectroscopia Infravermelha,

Medidas Trmicas e EDS 23

2.2.1 Espectroscopia de Difrao de Raios-X 24

2.2.2 Espectroscopia no Infravermelho 26

2.2.3 Espectroscopia Raman 29

2.2.4 Tipos de Vibraes em Molculas 33

2.2.4.1 Aplicao da Espectroscopia Raman aos Estudos Arqueolgicos e Histria da

Arte 34

2.2.5 Anlises Trmicas 36

2.2.5.1 Anlise Termogravimtrica (TGA) 37

2.2.6 Espectroscopia por Energia Dispersiva EDS 38

2.2.7 Espectroscopia de Fluorescncia de Raios X 39

CAPTULO 3: DESCRIO EXPERIMENTAL 41

3.1.1 Parte Experimental 41

3.1.2 Material 41

3.1.3 Difrao de raios-X (DRX) 43

3.1.4 Espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) 43

3.1.5 Espectroscopia de disperso de energia de raios-X (EDS) 43

3.1.6 Espectrospia de Fluorescncia de Raios X (FRX) 44

3.1.7 Anlise termogravimtrica (TG) 44

3.1.8 Espectroscopia Raman (ER) 44

CAPTULO 4: RESULTADOS 45

4.1 Estudo do fssil de um Terpoda 45

4.1.1 Concluso sobre o estudo do fssil do terpoda 55

4.2 Estudo de um fssil da Brachyphyllum Castilhoi 56

4.2.1 Concluso (Brachyphyllum castilhoi) 67

4.3 Estudo de fsseis dos peixes Vinctifer comptoni e Cladocyclus gardneri 68

CAPTULO 5: CONCLUSES E PERSPECTIVAS 81

REFERNCIAS 84

APNDICE A 94

9

RESUMO

No presente trabalho so utilizadas diversas tcnicas fsicas para caracterizar quatro

diferentes fsseis da Formao Ipubi Bacia do Araripe. As tcnicas aqui empregadas

so: espectroscopia Raman, espectroscopia por energia dispersiva de raios X (EDS),

difrao de raios X, fluorescncia de raios X, espectroscopia no infravermelho e

anlisse termogravimtricas (TG). A inteno no resolver nenhum novo problema

relacionado fsica, mas sim fazer uso dessas tcnicas para caracterizar fsseis. Atravs

de dados obtidos dessa caracterizao tentou-se entender como se deram os diversos

processos de fossilizao ocorridos em alguns fsseis do perodo Cretceo, com idades

da ordem de 100 milhes de anos. Tambm, espera-se contribuir, com esses resultados,

para a compreenso de como era o paleoambiente quando os espcimes fossilizados

ainda tinham vida. Inicialmente caracterizou-se o osso de um dinossauro terpoda

encontrado na Formao Ipubi utilizando tcnicas espectroscpicas de EDS,

fluorescncia de raios X, espectroscopia no infravermelho, alm de difrao de raios

X; com isso, foi possvel observar-se a predominncia de hidroxiapatita no fssil e de

carbonato de clcio na rocha matriz. Complementarmente, submeteram-se as amostras

do fssil e da rocha matriz anlise de medidas trmicas. Num segundo estudo

investigou-se uma planta fssil, a Brachyphyllum castilhoi, tambm encontrada na

Formao Ipubi, pelas tcnicas espectroscpicas de EDS, infravermelho, fluorescncia

de raios X, espectroscopia Raman e difrao de raios X. Percebeu-se que o contedo

original da planta foi quase completamente substitudo por pirita, o que mostra a

importncia dessa substncia para a preservao do fssil. Alm disso, a partir desse

achado, foi possvel sugerir os valores da temperatura e do pH do paleolago existente no

perodo Cretceo em parte da Bacia Sedimentar do Araripe. Essa foi a primeira

evidncia encontrada de que a pirita est relacionada a um processo de fossilizao na

Formao Ipubi. Finalmente, submeteram-se os fsseis de dois peixes extintos, Vinctifer

comptoni e Cladocyclus gardneri, s tcnicas de difrao de raios X e espectroscopia

infravermelho. Observou-se que as fases dominantes no caso do Cladocyclus gardneri

so a hidroxiapatita e a calcita, alm de existirem alguns traos de pirita. Na matriz

observou-se que as fases dominantes so a calcita, a pirita e o quartzo. J para o fssil

do Vinctifer comptoni observou-se que a fase dominante a hidroxiapatita, enquanto

que na matriz a fase dominante a gipsita, embora existam traos de outras fases em

menores quantidades. Assim, concluiu-se deste estudo que no mnimo dois diferentes

processos de fossilizao foram responsveis pela produo de fsseis da Formao

Ipubi: (i) calcificao, envolvendo tanto a gipsita quanto a calcita; (ii) piritizao, via

um complexo processo qumico.

11

ABSTRACT

In this work we have used several physical techniques to characterize four different

fossils form Ipubi Formation Araripe Basin. The techniques used were: X-ray energy

dispersive spectroscopy (EDS), Raman spectroscopy, X-ray diffraction (XRD), X-ray

fluorescence, infrared spectroscopy and thermogravimetric analysis. The objective is

characterizing fossils through several techniques, gibing new insights on a problem of

paleontology. Through data obtained from this characterization we have tried to

understand diverse fossilization processes that took place in Cretaceous fossils, aged as

100 million years old. We also hope give insights on the understanding of the

paleoenvironmnet at the time when fossil specimens were lived. Initially, the bone of a

theropode dinosaur from Ipubi Formation was characterized through EDS, X-ray

fluorescence, infrared spectroscopy and XRD. From this study it was possible to

observed that the main fossil constituent is hydroxiapatite, while the main matrix rock is

calcium carbonate. As a complementary analysis, the fossil and the matrix rock were

investigated by thermal analysis technique. In a second study a plant fossil

Brachyphyllum castilhoi also extracted from Ibupi Formation, was investigated

through EDS, infrared, X-ray fluorescence, Raman spectroscopy an X-ray diffraction.

The original content of the plant was almost completely substituted by pyrite, showing

the importance of this substance in the fossil preservation. Additionally, form this study,

it was possible to suggest the temperature and the pH values of the paleolake form

Cretaceous period in part of the Araripe Sedimentar Basin. This work was the first

evidence that pyrite is related to a fossilization process from Ipubi Formation. Finally,

two fish fossils, Vicntifer comptoni and Cladocyclus gardneri, were submitted to XRD

and infrared spectroscopy techniques. It was observed that the principal phases from

Cladocyclus gardneri are hydroxiapatite and calcite, although small traces of calcite is

also present. In the matrix, the main phases are calcite, pyrite and quartz. Related to

Vicntifer comptoni the principal phase is hydroxiapatite, while in the matrix the

principal phase is gypsite, although small traces of other phases are also found. In this

way, it was possible to conclude from this study that at least two different fossilization

processes were responsible by the production of fossils from Ipubi Formation: (i)

calcification, through the gypsite and calcite; (ii) piritization, through a complex

chemical process.

CAPTULO 1: INTRODUO

Fsseis so registros de vida no mnimo com cerca de 11 mil anos. Existem

vrios tipos de fossilizao, entre eles temos a mumificao, a moldagem, a

recristalizao, a carbonificao, a mineralizao e a incrustao. Aqui nos interessa a

mineralizao que ocorre quando substncias minerais so depositados e substituem o

contedo original do ser que anteriormente tinha vida. Isto permite que informaes

valiosas sobre o modo como viviam os seres vivos de cerca de dezenas de milhares a

milhes de anos atrs seja inferido, estudando-se espcimes que geralmente so

encontrados em stios bastante particulares. No que diz respeito a fsseis do Cretceo,

perodo geolgico que compreende entre aproximadamente 140 e 65 milhes de anos

atrs, um dos stios mais importantes do mundo encontra-se no Brasil. Esta regio, que

contm espcimes bastante conservados, a Bacia Sedimentar do Araripe (Camargo-

Mendes, 1960).

A Bacia do Araripe encontra-se inserida num espao geogrfico que intercepta o

sul do Estado do Cear atravs da Mesorregio do Sul Cearense, o noroeste de

Pernambuco atravs da Mesorregio do Serto Pernambucano e o leste do Piau atravs

da Mesorregio do Sudeste Piauiense. Com rea de cerca de 12.000 km2, considerada

a maior bacia sedimentar do interior do Nordeste brasileiro (Fig. 1.1 e Fig. 1.2). Sob a

Chapada do Araripe pode ser encontrada a seqncia completa das unidades geolgicas

que compem a bacia. delimitada ao norte pelo lineamento de Patos e ao sul pelo

lineamento Pernambuco (Assine, 1992). Situa-se entre os meridianos 3830 e 4050

de longitude W de Greenwich e os paralelos 705 e 750 de latitude S. Sua seqncia

cretcea foi depositada ao longo de quase 50 milhes de anos, na qual se encontram

calcrios laminados, bancos de gipsita, folhelhos e arenitos finos.

13

FIG.1.1: Localizao da Bacia do Araripe.

FIG.1.2: Localizao da Bacia do Araripe com a rea cretcea aflorante e localidades

onde aflora o Grupo Santana (em cinza) com maior ocorrncia de concrees.

A Formao Ipubi (Fig. 1.3) proposta por Neumann (1999) tratada por

Beurlen (1963) como o Membro Ipubi da Formao Santana. Essa unidade geolgica

representa as fcies evaporticas1 do sistema lacustre Aptiano-Albiano

2, composto

principalmente por depsitos de gipsita e anidrita, intercalados por lutitas escuras

(Lima, 1979).

Maisey (1991) e Menor (1993) ressaltam a ausncia de estudos geoqumicos

especficos para fazer maiores inferncias sobre o tipo de deposio, precipitao e

origem dos sedimentos dessa unidade, contudo propem uma possvel origem lacustre

para esses depsitos. Os fsseis dessa formao so ocorrentes na camada de folhelho3

pirobetuminoso que se sobrepe ao pacote de gipsita. Esses fsseis so geralmente

impresses de algas, plantas, peixes e mais raramente tartarugas.

A Formao Ipubi est sobreposta seo peltico4-carbontica e calcrios

laminados da Formao Crato e abaixo dos arenitos finos e folhelhos da Formao

Romualdo (Neumann, 1999). Considerada de idade albiana (Arai et al. 2001), sendo

constituda predominantemente por camadas de folhelhos pretos pirobetuminosos e

evaporitos. Esses apresentam pouca variabilidade qumica, restringindo-se a sulfato de

clcio, principalmente sob a forma de gipsita primria, com espessura de 30 m, em

mdia (Assine, 1992). Nesta formao foram encontrados fragmentos de vegetais

carbonificados, e cinco diferentes gneros de peixes provavelmente piritizados, embora

no tenham sido feitas anlises para determinao da composio qumica (Viana et al.,

1989). Como ser visto mais adiante, o presente trabalho ser dedicada ao entendimento

dos processos de fossilizao que deram origem aos fsseis desta formao.

1 Evaporito um depsito salino originado por precipitao e cristalizao direta a partir de

solues cristalizadas. Os principais evaporitos so: gipsita, anidrita, halita, carnalita, silvita e,

s vezes, calcita e dolomita.

2 Entre 110 e 100 milhes de anos.

3 Rochas sedimentares que possuem gros de tamanho de argila (cerca de 4m de dimetro).

Possuem lminas finas e paralelas esfoliveis enquanto os argilitos apresentam aspecto macio.

Pirobetume aquilo que se obtm por destilao seca, composto por hidrocarbonetos,

semelhante ao petrleo.

4 Adjetivo de rochas cujos gros so indistinguveis a olho nu.

15

FIG. 1.3: Camadas sob a Chapada do Araripe destacando a Formao Ipubi que

constituda por gipsita e folhelho pirobetuminoso. (Saraiva, 2008)

Os evaporitos so interpretados como originrios de ambientes costeiros (supra-

mar), sujeitas a variaes relativas do nvel de mar, em condies de clima rido a

semi-rido. As caractersticas mineralgicas (dimenses, natureza e geometria dos

jazimentos) indicam sistemas deposicionais similares s modernas salinas do sul da

Austrlia (Warren & Kendall, 1985).

A Formao Ipubi a mais explorada da Bacia do Araripe, do ponto de vista

econmico, uma vez que cerca de 96 % do gesso produzido no pais proveniente desta

unidade geolgica da Bacia Sedimentar do Araripe, sendo as regies prximas cidade

de Araripina, em Pernambuco e Santana do Cariri, no Cear as principais reas de

explorao de gipsita.

A explorao desse depsito sedimentar est ocorrendo em grande escala, o que

bom para a economia regional, entretanto esta explorao econmica no corresponde

mesma intensidade das pesquisas no campo da geoqumica e da paleontologia, pois

apenas a Formao Romualdo teve alguns de seus fsseis caracterizados quimicamente.

Para tanto, necessrio uma caracterizao da biota5 fssil e da composio qumica do

material fssil proveniente da Formao Ipubi. Esse conhecimento muito auxiliar a

novas interpretaes paleoambientais sobre a rea em discusso e seus extratos

deposicionais. Portanto, o objetivo do presente trabalho contribuir para um melhor

entendimento dos processos de formao dos fsseis da Formao Ipubi, aplicando-se

tcnicas de anlises fsicas a espcies oriundas desta regio.

1.1 HISTRICO DE ESTUDOS DOS FSSEIS NA BACIA DO ARARIPE

Em 1800, Joo da Silva Feij descreveu, em relatrio ao governador da capitania

do Cear, a ocorrncia de petrificaes de peixes e anfbios com tecidos moles

preservados provenientes da fazenda Gameleira, prximo vila de Bom Jardim

(atualmente municpio de Jardim), anexando ao relatrio uma coleo de centenas de

concrees (Nobre, 1978). Os cientistas alemes von Spix e von Martius, quando

viajaram ao Brasil entre 1817-1823, estiveram em Fortaleza, capital da provncia do

Cear, e levaram parte desta coleo para o Museu de Munique (Maisey, 1991),

comunicando este achado no primeiro volume de seu relatrio encaminhado ao rei da

Baviera Maximilian Joseph I (von Spix & von Martius, 1823). Neste relatrio, porm

em outro volume, editado pouco mais tarde, tambm se encontra a ilustrao de uma

concreo6 calcria contendo um peixe fssil do Araripe (von Spix & von Martius,

1831), posteriormente identificado como Rhacolepis sp. (Maisey, 1991). A outra parte

da coleo foi enviada ao Rio de Janeiro, de onde foi para vora, Portugal (Pinheiro &

Lopes 2002; Lopes & Silva 2003; Antunes et al., 2005).

5 Biota o conjunto da flora e fauna de uma regio, o mesmo que bioma.

6 Material de origem mineral mais ou menos arredondado muitas vezes possui camadas

concntricas depositadas ao redor de um fssil, gros de areia ou outro ncleo. Possui sentido

de torna-se concreto o que no o nosso caso.

17

Dez anos depois da comunicao dos cientistas alemes, Agassiz (1841)

descreveu o primeiro peixe fssil das Amricas, Rhacolepis buccalis, encontrado dentro

de uma concreo coletada por Gardner (1841) tambm em Bom Jardim, quando este

botnico escocs esteve no Brasil.

Silva-Santos (1950) foi quem primeiro utilizou o termo ictilito numa

publicao brasileira para designar uma concreo calcria com restos fossilizados de

peixes em seu interior, provavelmente baseando-se no termo ictiolli do trabalho de

DErasmo (1938) sobre os peixes da Bacia do Araripe pertencentes ao acervo da

Universidade de So Paulo. Weeks (1953) descreveu pela primeira vez ambientes onde

o limo carbontico ambiental estivesse em contato com dixido de carbono livre,

facilitando a rpida precipitao de carbonato de clcio em torno de um corpo que

induzisse esta precipitao, formando posteriormente concrees calcrias.

A Formao Ipubi foi descrita primeiramente por Beurlen (1971) na categoria de

membro, e redefinida por Mabesoone e Tinoco (1973). Martill (1993) props sua

elevao para categoria de Formao. Representa fcies evaporticas do sistema lacustre

Aptiano-Albiano, sendo composta essencialmente por corpos descontnuos de gipsita e

anidrita, intercaladas por folhelhos pretos.

1.2 UMA MOTIVAO PARA O ESTUDO DOS FSSEIS DA FORMAO IPUBI

Berthou et al., 1990, realizaram estudos com istopos de enxofre (34

S)

proveniente de sulfetos e oxignio (18

O) obtidos a partir de amostras de gipsita da

Formao Ipubi e apontaram para nveis semelhantes aos encontrados nas amostras

analisadas da Bacia de Sergipe, reconhecidamente como depsitos de origem marinha.

Para esses autores, os valores de do sulfato marinho correspondem transio

Aptiano terminal Albiano basal. Esse resultado est de acordo com os resultados

obtidos por Lima (1978) que observou carapaas de dinoflagelados nos depsitos de

gipsita, relacionados como de idade albiana.

Quanto a biota da Formao Ipubi, Berthou et al., 1990, cita para os nveis de

folhelho pirobetuminoso fsseis de conchostrceos, ostracodes, peixes do gnero

Vinctifer, algumas concrees com restos de Cassiopdeos acompanhados de equindeos

e lamelibrquios. Silva et al., 2009 e 2010, em trabalhos de caracterizao qumica de

fsseis, citaram a presena de terpoda e da gimnosperma Brachyphyllum castilhoi

(Duarte, 1987). No entanto, poucos so os trabalhos com descrio de macro-fsseis das

camadas com folhelhos e argilitos, nos nveis fossilferos, da Formao Ipubi. O grupo

Santana (Formaes Rio da Batateira, Crato, Ipubi e Romualdo) caracterizado por

nveis com fsseis bem preservados, desde a Formao Rio da Batateira at o topo da

Formao Romualdo. As formaes Crato e Romualdo, por essa condio recebem o

termo de lagerstatten (armazm) que retrata estratos com quantidade, diversidade e

excelente estado de preservao dos fsseis nele encontrados. Trabalhos pioneiros sobre

as anlises quanti-qualitativas da assemblia fossilfera da Formao Romualdo foi

desenvolvido por Fara et al., 2005, que estabelece os nveis de mortandade, orientao

azimutal das concrees e distribuio das taxas ao longo da coluna estratigrfica.

Um estudo preliminar relativo a um levantamento estatstico dos macro fsseis

dos folhelhos da Formao Ipubi, localizado acima do pacote de gipsita, apenas

recentemente foi realizado (Barros, 2011). No referido trabalho foi colocada a hiptese

de que a camada fossilfera da Formao Ipubi foi formada em condies ambientais

diversas das demais concentraes fossilferas da Bacia do Araripe. Com o objetivo de

entender o material fssil existente numa camada de folhelho pirobetuminoso da

Formao Ipubi, o autor da Ref. (Barros, 2011) coletou aproximadamente 32 m2 de

folhelho, encontando-se a 403 fsseis (peixes, plantas, coprlito, etc.); a densidade

mdia estimada foi de 12 ind./m2. Entre as vrias espcies encontradas aquela que

apresentou-se em maior quantidade foi a de peixes Dastilbe crandalli, alm de oito

outros txons de peixes e outras espcies no determinadas do mesmo animal. Tal

quantidade de fsseis pode confirmar a hiptese que os nveis de folhelhos e calcrios

acima do pacote de gipsita pode ser considerados o terceiro Lagersttten da Bacia do

Araripe. Ou seja, trata-se de um depsito com altas concentraes de fsseis, que no

caso especfico do estudo da Ref. (Barros, 2011) melhor especificado como um

Konzentrat Lagersttten. Alguns dos fsseis encontrados no depsito acima descrito

sero parte da investigao da presente tese, como por exemplo um fssil de

Brachyphyllum castilhoi.

de se destacar que todos estes trabalhos abordaram os fsseis dos pontos de

vista geolgico, paleontolgico, biolgico e qumico. Neste trabalho, vamos fazer um

estudo abordando um ponto de vista da Fsica. Isto ser realizado aplicando-se aos

fsseis diversas tcnicas de investigao fsica (espectroscopia no infravermelho,

19

espectroscopia Raman e disperso de energia de raiosX; anlise termogravimtrica)

para se lanar luz aos processos de fossilizao que deram origem aos diversos fsseis

do perodo Cretceo da Formao Ipubi Bacia do Araripe.

Vimos aqui no Captulo 1, Introduo, breves discernimentos sobre aspectos

histricos, geogrficos e geolgicos, porm, sem entrar em detalhes. No Captulo 2,

Aspectos Tericos, apresentamos um resumo de uma pesquisa recente que utiliza

tcnicas fsicas para entender a natureza fgica de um animal e a seguir realizamos uma

discusso de diversas tcnicas espectroscpicas, bem como discorremos sobre a anlise

termogravimtrica. No Captulo 3, Descrio Experimental, citamos sucintamente os

equipamentos utilizados. No Captulo 4, Resultados, apresentamos os resultados da

investigao por diversas tcnicas experimentais de quatro fsseis coletados na

Formao Ipubi: o terpoda, a planta fssil Brachyphyllum castlhoi, o Vinctifer

comptoni e Cladocyclus gardneri, bem como a implicao desses resultados para o

entendimento do ambiente do perodo Cretceo na regio. Por fim, no Captulo 5,

Concluses e Perspectivas, apresentamos as concluses tiradas dos estudos realizados

bem como, apresentamos algumas perspectivas de continuidade do trabalho aqui

iniciado.

CAPTULO 2: ASPECTOS TERICOS

Neste captulo apresenta-se inicialmente um resumo de alguns poucos trabalhos

existentes na literatura que aplicam tcnicas experimentais utilizadas na fsica para

estudar fsseis do perodo Cretceo da Bacia Sedimentar do Araripe. A seguir, faz-se

uma discusso terica das diversas tcnicas que sero utilizadas ao longo do trabalho.

2.1 PESQUISAS ANTERIORMENTE REALIZADAS NA BACIA SEDIMENTAR DO ARARIPE

Existem alguns trabalhos na literatura que tentam dar uma contribuio ao

entendimento dos fsseis atravs da utilizao de tcnicas de anlises fsicas diversas.

Alguns destes trabalhos sero discutidos a seguir para se entender o estado da arte das

pesquisas no tema.

O primeiro intitula-se Caracterizao Espectroscpica de Peixe do Perodo

Cretceo (Bacia do Araripe) publicado por Lima et al, 2007. At ento, observara-se

que tcnicas analticas como difrao de raio-X e espectroscopia no haviam sido

utilizadas no Brasil para caracterizao de fsseis provenientes da Bacia do Araripe. O

uso de equipamentos de caracterizao fsica justifica-se pela complexidade e

abrangncia de reas que podem envolver-se no estudo de fsseis, paleoclimas e

paleoambientes.

Lima et al, 2007, submeteram difrao de raios-X e espectroscopia na regio

do infravermelho, amostras tiradas de escamas de um fssil de peixe encontrado na

Formao Romualdo Grupo Santana (antes denominados de Membro Romualdo

Formao Santana). O fssil de peixe utilizado foi identificado como Rhacolepis

bucalis, um fssil comumente encontrado na Formao Romualdo.

Na difrao do material proveniente das escamas Lima et al (2007), observaram

um expressivo pico que est associado ao carbonato de clcio CaCO3 mostrando ser esta

uma fase predominante na amostra, com presena menos marcante, mas perceptvel, de

hidroxiapatita Ca5(PO4)3(OH).

Quando se fez os espectros de infravermelho de uma amostra sinttica de

carbonato de clcio e do material fssil, observaram-se diversas semelhanas,

confirmando que a composio das escamas predominantemente carbonato de clcio.

Aparecem ainda algumas bandas localizadas em torno de 600, 1050 e 3500 cm1

21

presentes apenas no espectro do material fssil. As bandas localizadas em torno de 600

e 1050 cm1

so atribudas a vibraes do grupo fosfato, enquanto que em torno de 3500

cm1

podem ser atribudas a vibraes do grupo OH, uma vez que o fosfato de clcio

hidrxido (hidroxiapatita), Ca5(PO4)3(OH), foi identificado, atravs de raios-X, como

uma fase cristalina secundria.

Conclusivamente percebe-se que o mineral mais importante do processo de

fossilizao do Rhacolepis bucalis o carbonato de clcio. Portanto, o material original

da escama foi substitudo principalmente pela calcita, processo esse denominado de

calcificao, resultando em boa conservao de sua forma. Isso evidencia um ambiente

de carter alcalino que proporciona uma rpida precipitao de carbonato de clcio em

torno da estrutura orgnica. Esse processo teria ocorrido, em termos geolgicos,

simultaneamente ruptura do Gondwana, h cerca de 100 milhes de anos com a

conseqente formao do Oceano Atlntico.

No segundo artigo, Lima et al, 2007, publicaram um trabalho intitulado Estudo

de Coprlito da Bacia Sedimentar do Araripe por Meio de Espectroscopia FT-IR e

Difrao de Raios-X. A motivao era confirmar se a natureza de um peixe, Telesteo,

era carnvora. Assim submeteu-se o fssil denominado coprlito (fezes fossilizadas)7 da

Formao Romualdo, s tcnicas de difrao de raios-X e de espectroscopia

infravermelha por transformada de Fourier. de se destacar ainda que outro trabalho da

literatura (Chin et al, 1991) investigaram a eficcia digestiva de dinossauros herbvoros.

Atravs da difrao de raios-X Lima et al, 2007, observaram uma diferena

acentuada entre o material fossilfero, o ndulo calcrio e o sedimento que envolve o

ndulo, haja vista que os padres de difrao apresentaram-se significativamente

diferentes ( Fig. 2.6). Concluiu-se que o coprlito era constitudo de fosfato de clcio

hidrxido (hidroxiapatita), Ca5(PO4)3(OH), e o ndulo era constitudo de carbonato de

clcio, CaCO3, enquanto o sedimento apresentava diversas fases, entre elas o quartzo,

porm, no sendo possvel a determinao de todas elas.

7 Coprlitos em paleontologia so excrementos fossilizados.

Quanto ao espectro de infravermelho, observou-se boa concordncia entre o

padro de hidroxiapatita e do coprlito, confirmando a caracterizao feita por difrao

de raios-X. Fazendo-se uma comparao entre o espectro do infravermelho do coprlito

e do ndulo, observou-se diferenas em algumas regies espectrais, como em torno de

580 cm1

. Nessa regio, as bandas que aparecem no espectro do coprlito e ausentes no

espectro do ndulo so associadas a vibraes do PO4, grupo da hidroxiapatita.

Comparando o espectro infravermelho do ndulo com o obtido a partir da amostra

padro de carbonato de clcio observa-se boa semelhana a no ser pela presena de

uma banda em torno de 1020 cm1

, indicando predominncia de fase, na constituio do

ndulo (de carbonato de clcio) conforme as medidas de raiosX. Indica-se uma banda

presente no ndulo, de menor concentrao, possivelmente de hidroxiapatita. A

presena desse material pode ser explicada devido difuso da hidroxiapatita do

coprlito para o ndulo.

Observou-se no material sedimentar que envolve o ndulo, atravs da

comparao de seu espectro com os demais, ausncia da banda em torno de 1450 cm1

.

Essa banda est associada a vibraes C O de grupos comuns aos materiais

hidroxiapatita e carbonato de clcio. Outras bandas ausentes nesse espectro esto em

torno de 580 cm1

que so associadas ao grupo PO4. Significa que a hidroxiapatita no

tem origem do meio exterior ao ndulo, concordando com a difrao de raios-X. Assim,

da espectroscopia no infravermelho e da difrao de raios-X conclui-se que o coprlito

formado de hidroxiapatita, o ndulo composto substancialmente de carbonato de

clcio e o sedimento onde o ndulo foi encontrado possui uma srie de materiais, mas

nenhuma hidroxiapatita. Sabendo que os seres vivos, principalmente nos ossos,

possuem uma grande quantidade de hidroxiapatita, pde-se concluir que tal mineral

presente no coprlito era proveniente de outro animal que teria sido devorado pelo

Telesteo.

Esses resultados obtidos por Lima et a, 2007, evidenciam que submeter fsseis

da Formao Ipubi s mesmas tcnicas e outras tcnicas similares podem fornecer

resultados que auxiliaro na elucidao dos processos de fossilizao ocorridos nessa

Formao, hbitos e ambiente dos fossilizados.

23

2.2 - ESPECTROSCOPIA RAMAN, DIFRAO DE RAIOS X, ABSORO NO

INFRAVERMELHA, MEDIDAS TRMICAS, EDS E FRX

Espectroscopia o ramo da fsica que estuda a interao da radiao

eletromagntica com a matria, sendo um dos meios mais poderosos de obteno de

informao a respeito da estrutura microscpica da matria. Neste sentido, a radiao

eletromagntica uma sonda do mundo microscpico. Uma anlise mais profunda da

natureza desta interao depende de conhecimentos de mecnica quntica. Podem-se

obter informaes sobre as propriedades fsicas, direta ou indiretamente, partindo dos

espectros, principalmente da temperatura, densidade e composio. O resultado da

interao da radiao eletromagntica com a matria proporciona evidncias do

comportamento microscpico. Com isso podemos prever ou compreender propriedades

do material estudado.

Desenvolvendo tcnicas cada vez mais apuradas a complexidade da

espectroscopia chegou gerao de registros grficos partindo de perturbaes que um

feixe incidente venha provocar na matria analisada. A perturbao pode ser provocada

no s por radiao eletromagntica como por eltrons, nutrons, prtons e tambm por

ons. Ainda na dcada de 1990, com o surgimento da microscopia de fora atmica

promoveu-se o surgimento de tcnicas de espectroscopia de fora.

Assim a espectroscopia um termo genrico para a interao da matria com

vrios tipos de radiao, como a radiao eletromagntica e outras formas como

radiao de partculas. Mtodos espectroscpicos baseados em espectroscopia

molecular e atmica tratam da medida da intensidade da radiao com um transdutor.

Veremos aqui, em linhas gerais, definies sobre tcnicas espectroscpicas

como infravermelho, difrao de raios X e Espalhamento Raman. As interaes

eletromagnticas provocam diferentes fenmenos dependendo da energia da radiao

incidente. A seguir, apresentamos uma tabela exemplificando os fenmenos

observveis.

TABELA 2.1: Quadro representativo do fenmeno de interao da radiao

eletromagntica com a matria (Mansur et al., 2005).

Tipo de Espectroscopia Faixa de comprimento

de Onda

Tipo de Transio

Quntica

Emisso de Raios Gama 0,005 1,4 Nuclear Absoro, emisso, fluorescncia e

difrao de raios-X 0,1 100 Eltrons Internos

Absoro no Ultravioleta de Vcuo 10 180 nm Eltrons de Ligao

Absoro, emisso e fluorescncia

UV vis

180 780 nm Eltrons de Ligao

Absoro no IV e Espalhamento

Raman

0,78 300 m Rotao/Vibrao das

molculas

Absoro de Microondas 0,75 3,75 nm Rotao de Molculas

Ressonncia de Spin Eletrnico 3 cm Spin de em um

Campo Magntico

Ressonncia Magntica Nuclear 0,6 10m Spin Nuclear em um

Campo Magntico

2.2.1 DIFRAO DE RAIOS X

Raios-X so radiaes eletromagnticas de pequeno comprimento de onda

proveniente da desacelerao de eltrons de alta energia ou pela transio de eltrons de

orbitais internos dos tomos. Os raios-X varrem uma faixa de aproximadamente 105

a

100 , porm convencionalmente restringe-se regio de 0,1 a 25 . (Fig. 2.1)

FIG. 2.1 : Espectro das radiaes eletromagnticas mostrando a faixa de comprimento de

ondas de raios-X.

Instrumentalmente os raios-X so obtidos de trs formas diferentes: (1) por

bombardeamento de um alvo metlico com um feixe de eltrons de alta energia, (2) pela

25

exposio de uma substncia a um feixe de raios-X de tal forma que gere um feixe

secundrio de fluorescncia de raios-X e (3) empregando uma fonte radioativa cujo

decaimento resulte em emisso de raios-X.

Difrao um fenmeno de mudana de direo de um feixe de ondas paralelas

quando estas atingem centros de espalhamentos com aproximadamente o mesmo

tamanho do comprimento de onda.

Considera-se um cristal qualquer como um reticulado com extenso entre os

tomos (ou molculas, ou ons) conhecidos e dados por dhkl. Aqui h, k e l fazem,

referncia aos planos cristalinos, atravs dos quais se podem obter a difrao de raios-X,

desde que a distncia entre esses planos seja da ordem de 0,1nm. Com base nisso, pode-

se caracterizar uma estrutura cristalina de um material por meio de difrao de raios-X

(XRD X Ray Diffraction).

Os raios-X so obtidos em um tubo no qual uma fonte de eltrons fixa

submetida alta tenso visando acelerar os eltrons que esto direcionados a um alvo

metlico, de modo que os eltrons atinjam o alvo com uma energia cintica elevada o

suficiente para ter-se com uma rpida desacelerao a emisso dos raios-X.

Os raios-X obtidos so colimados em direo ao material a ser analisado.

Observa-se difrao quando se v um padro de interferncia. Neste caso isso ocorre

quando a diferena de caminho entre os raios for um nmero inteiro ( ) de

comprimento de onda (). Esta condio mostrada na Equao de Bragg

n = 2dsen (2.1)

onde d o espao entre os planos cristalinos e o ngulo de espalhamento.

Embora, observar a equao de Bragg seja condio necessria, mas a mesma no

suficiente para garantir a difrao em materiais cristalinos nos quais a clula unitria

possua tomos situados em outras posies alm dos vrtices, ao longo das arestas, nas

faces ou no interior da clula, pode ocorrer espalhamento por estes tomos produzindo

outros padres de interferncias. Aps interagir com a estrutura os raios difratados so

percebidos pelo detector. Se o detector for filme fotogrfico obtm-se pontos brilhantes

no filme, em um contador obtm-se picos no espectro.

2.2.2 ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO

A diversidade de faixas de comprimento de onda da radiao eletromagntica

levou ao desenvolvimento de mtodos especficos de medidas e, conseqentemente

muitos equipamentos sofisticados foram inventados para tcnicas espectroscpicas

cada uma com suas particularidades.

Ao interagir com a matria a radiao pode sofrer redirecionamento o qual

denominado de espalhamento. A observao desse fenmeno pode ocorrer com

transferncia de energia, se a radiao espalhada apresentar uma pequena diferena

de comprimento de onda, ou sem transferncia de energia, se no houver diferena

do comprimento de onda antes e depois da interao. Outro fenmeno que pode ser

observado a transio entre os nveis de energia de tomos e molculas. Uma

transio de um nvel de energia mais alto para um nvel de energia mais baixo

chamado de emisso se a energia transferida para a radiao, ou chamada de

decaimento no radioativo se nenhuma radiao emitida. A transio de um nvel

mais baixo para um nvel superior com transferncia de energia da radiao para o

tomo ou molcula denominada de absoro.

Molculas so sistemas oscilantes, os quais podemos atribuir caractersticas

de oscilador harmnico, como primeira aproximao, sendo que para sistemas

microscpicos os nveis de energia vibracional so determinados pela relao

Evibr = (n+1/2)h ( n= 0, 1, 2, 3, ...) (2.2)

aqui, representa a freqncia de vibrao da molcula e so os diversos nveis

associados a excitao produzida pela radiao incidente na molcula. Caso a energia

do fton incidente seja dado pela relao

E = hfton (2.3)

haver excitao da molcula somente se as freqncias, de vibrao da molcula e

a freqncia fton do fton forem iguais, podendo ocorrer excitao, tambm, quando

a freqncia do fton um mltiplo da freqncia da vibrao da molcula. Este

caso refere-se a uma molcula diatmica, caso em que a molcula s tem um grau de

27

liberdade para vibrar, se tivermos um sistema com N molculas formando um cristal

ou tomos a energia passa a ser fornecida pela relao

Evibr = (n+1/2)h ( n= 0, 1, 2, 3, ...N) (2.4 )

Assim os eltrons so promovidos para orbitais mais elevados pela radiao

ultravioleta ou pela luz visvel, as vibraes so excitadas pela luz infravermelhas e

as rotaes so excitadas pelas microondas.

A regio do infravermelho envolve nmeros de onda de 12800 cm1

a 10cm1

,

ou com comprimento de onda de 0,78 m a 1000 m (ver Fig. 2.8). No tocante da

parte instrumental e aplicao, divide-se em radiao do infravermelho prximo,

mdio ou distante (Tabela 2.2). Sendo essa espectroscopia de infravermelho utilizada

tanto em anlises quantitativas como qualitativas.

TABELA 2.2: Regies do espectro infravermelho destacando as mais utilizadas

(Mansur et al., 2005).

As fontes de infravermelho (IR) so as mais diversas possveis uma vez que

molculas de corpos com temperatura um pouco superior ao zero absoluto emitem IR

mesmo com pequena intensidade. Outros corpos como o Sol, animais de sangue

quente, ferro eltrico de passar roupas e etc. emitem IR que podem ser percebidos

por equipamentos, insetos, ou alguns animais com viso sensvel ao IR.

Pequenas diferenas entre estados energticos vibracionais e rotacionais so

aspectos observados na absoro no espectro do infravermelho. Todavia, as energias

Regio Comprimento

de onda ( )

Nmero de

onda ( )

Freqncia ( )

Prximo 0,78 a 2,5 12800 a 4000 3,81014 a 1,21014

Mdio 2,5 a 50 4000 a 200 1,21014 a 6,01012

Distante 50 a 1000 200 a 10 6,01012 a 3,01011

mais usado 2,5 a 15 4000 a 670 1,21014 a 2,01013

envolvidas nas diferentes formas de rotao so muito semelhantes (em torno de

510-5 eV), dessa forma apenas as vibraes so geralmente consideradas.

Havendo absoro no infravermelho uma molcula sofre uma mudana no

seu momento de dipolo eltrico como conseqncia de seu movimento vibratrio

e/ou rotacional, e sob tais particularidades haver interao do campo eltrico

alternado da radiao com a molcula provocando mudana(s) de amplitude(s) do(s)

movimento(s).

O momento de dipolo eltrico (p=qd) determinado pela diferena de carga

de eltrons dos tomos ligados multiplicada pela distncia. Distribuies de cargas

em molculas diatmicas, por exemplo, na qual a diferena de densidade de eltrons

muito maior num tomo que no outro, no simtrica e deve apresentar um

momento de dipolo significante, alm de ser uma molcula polar. Essa molcula

diatmica deve vibrar, e uma flutuao, via de regra, acontece no momento de

dipolo, e um campo eltrico oscilante estabelecido propcio a interagir com o

campo eltrico associado radiao. Se a freqncia da radiao incidente na

molcula ajusta-se com uma freqncia de vibrao natural da molcula h uma

transferncia de energia que resulta em um aumento da amplitude com que a

molcula vibra absorvendo tal radiao. Similarmente, a rotao em torno do centro

de massa da molcula resulta em uma flutuao peridica do dipolo que possibilita

uma interao com a radiao.

Em geral molculas compostas de apenas um elemento no se observam

alterao no momento de dipolo durante vibraes ou rotaes, conseqentemente,

tais molculas no absorvem no infravermelho.

A quantidade de energia que se faz necessria para causar mudanas

rotacionais est associada a radiaes de cerca de 100 cm1

ou menores que 100 m.

Como os nveis de rotaes so quantizados, linhas discretas bem definidas

caracterizam a absoro de gases na regio do infravermelho. Nos lquidos e nos

slidos as linhas se alargam devido s colises e interaes resultando num contnuo.

Os nveis de energia vibracionais, para a maioria das molculas, diferem entre

os estados qunticos correspondentes regio do infravermelho mdio. E o espectro

de infravermelho de um gs em geral consiste de uma srie de linhas bem prximas,

29

pois para cada estado energtico de vibrao existem vrios estados energticos de

rotao. No entanto, a rotao restrita em lquidos e principalmente em slidos. Em

amostras lquidas ou slidas as linhas rotacionais somem e permanecem somente os

picos de vibrao.

2.2.3 ESPECTROSCOPIA RAMAN

A espectroscopia Raman uma tcnica que proporciona informaes

estruturais e qumicas de uma grande quantidade de materiais, seja orgnico ou

inorgnico, possibilitando entre outros identific-los. Fundamentalmente a

espectroscopia Raman examina a luz que um material tenha espalhado aps a

incidncia de um feixe de luz monocromtica. dispersa inelasticamente apenas

uma pequena poro dessa luz com pequena alterao nas freqncias que so

caractersticas do material analisado e no depende da freqncia da luz que incidiu.

Essa tcnica analisa o material de forma direta sem requerer uma preparao especial

e no provoca alteraes estruturais na superfcie que se pretende analisar.

A espectroscopia Raman est baseada no fenmeno do espalhamento

inelstico de luz pela matria, ou espalhamento Raman. Fundamentalmente este tipo

de espalhamento um fenmeno quntico, que pode ser explicado qualitativa e

quantitativamente atravs de perturbao quntica. Entretanto, a idia bsica do

espalhamento simples. A radiao espalhada criada por momentos de dipolos

eltricos e magnticos induzidos nas molculas ou nos ons do material pela radiao

incidente, que geralmente a luz de um laser. Sabe-se que se um dipolo Eltrico

oscila harmonicamente com uma freqncia 0, ento uma radiao com a mesma

freqncia produzida. Se a intensidade da radiao eletromagntica no muito

alta, os dipolos induzidos oscilaro tanto com a freqncia do campo eltrico

incidente E0, tanto com uma freqncia que a diferena entre aquela do campo

eltrico externo e a freqncia molecular (Long, 2002). Consideremos que o dipolo

oscile como

p = p0 cos t. (2.5)

Se tal dipolo est alinhado com o eixo z, ele produzir um campo eletromagntico no

espao livre dado por:

E = -2p sen / (4 0 c0

2 r ) ej (2.6)

B = - 0 2p sen / (4 c0 r ) ek , (2.7)

onde a freqncia de oscilao do dipolo eltrico, p o valor do dipolo eltrico,

0 a permissividade eltrica do vcuo, 0 a permeabilidade magntica do vcuo, c

a velocidade da luz no vcuo. Estas frmulas so aproximaes que valem quando

a dimenso do dipolo bem menor que o comprimento de onda da radiao e a

distncia na qual os campos E e B esto sendo observados bem maior do que a

dimenso do comprimento de onda da radiao (r >> ).

Pode-se mostrar que a intensidade radiante emitida pelo dipolo numa

determinada direo, ou potncia mdia no tempo por unidade de ngulo slido :

I = d /d = k S4 p0

2 sen

2, (2.8)

onde k = (32 2 0 c0

3)-1

, com p a amplitude do dipolo eltrico induzido com

freqncia S, o ngulo com o eixo do dipolo.

Quando se faz o tratamento quntico, a radiao descrita classicamente, mas

as molculas so consideradas entidades qunticas. A radiao, ento, produz

perturbaes nos estados das molculas e a utilizam-se mtodos qunticos para

descrever as propriedades do centro espalhador (Long, 2002).

Como j foi dito a espectroscopia Raman se baseia em fazer incidir um feixe

de luz monocromtica com freqncia 0 sobre uma amostra cujas caractersticas

moleculares se pretendem obter. Faz-se isso, examinando a luz dispersada pela

amostra. Entretanto quase toda luz espalhada apresenta a mesma freqncia que a

incidente e uma pequena poro apresenta uma pequena alterao devido interao

desta ltima com a matria. A disperso que mantm a freqncia 0 inalterada

conhecida como disperso Rayleigh e no fornece nenhuma informao direta a

respeito do material analisado. J a radiao dispersa com freqncia diferente da

incidente carrega informaes sobre o centro espalhador e, denomina-se disperso

Raman. As freqncias Raman, + r e r, so caractersticas da natureza fsica da

amostra sendo as mesmas independentes da radiao incidente.

Variaes de freqncia no fenmeno Raman equivalem a mudanas de

energia. Os ons e os tomos que se pretende analisar esto ligados formando

molculas e redes cristalinas encontrando-se num estado de constante movimento

31

oscilatrio vibracional e rotacional cujas freqncias so bem determinadas. Tais

freqncias dependem da massa das partculas envolvidas e das ligaes envolvidas.

Esses movimentos moleculares esto relacionados a certa quantidade de energia

conforme representado pela Fig. 2.2.

Fig. 2.2: Diagrama energtico no qual se mostra a transio entre estados energticos

quando h espalhamento Raman.

Ao incidirem ftons com energia h0 (sendo h a constante de Planck), em um

material apenas uma pequena poro do feixe incidente dispersa (cerca de 1 fton

disperso para cada 1011

incidentes), dependendo da diferena de nveis vibracionais

(ou rotacionais). Neste caso, entende-se que o fton incidente leva a molcula

temporariamente a um nvel de energia vibracional (ou rotacional), nvel este

superior e no permitido, sendo este estado energtico abandonado para a molcula

assumir um nvel permitido conseqentemente o material emite um fton com

freqncia diferente da luz incidente o qual depender do salto energtico dado pela

molcula.

Tm-se dois casos distintos quando do fenmeno de espalhamento. Primeiro,

se o fton espalhado tem a mesma freqncia do fton incidente, afirma-se que

houve um choque elstico. Nesse caso nem a molcula e nem o fton sofrem

variaes no estado de energia, tendo o fton espalhado a mesma freqncia 0 que o

incidente, essa disperso denominada de disperso Rayleigh. No segundo caso, o

fton espalhado apresenta uma freqncia diferente daquela que tinha o fton

incidente. Aqui podemos distinguir dois casos com respeito ao valor da freqncia do

fton disperso. O primeiro caso aquele em que a energia do fton espalhado

menor que o fton incidente, sendo 0 r devido transferncia de energia do fton

para a molcula, deixando assim a molcula num estado energtico permitido maior

que antes da interao, denominamos a isso de disperso Stokes. Por fim, o fton

espalhado tem freqncia 0 + r maior que o fton incidente, neste fato a molcula

transmite energia para o fton migrando para um estado energtico inferior ao que

tinha antes da interao; a esse fenmeno chamamos de espalhamento anti-Stokes.

Aqui, r um valor caracterstico dos materiais que depende da estrutura poliatmica

e/ou cristalina e das ligaes existentes.

O espectro Raman formado por uma banda central, referente ao

espalhamento Rayleigh, e duas sries secundrias que so as bandas Raman Stokes

(de menor freqncia) e Raman anti-Stokes (de maior freqncia) em posies

simtricas em relao banda Rayleigh (Fig.2.15). Observa-se que os deslocamentos

Raman independem da freqncia 0 da luz incidente, representando assim no eixo

das abscissas colocando no centro a banda Rayleigh, ou seja, na origem.

Computando a diferena entre as freqncias Raman e a excitao do laser

normalizando com a velocidade da luz:

= ( 0) (2.9)

A lei de distribuio de energias de Maxwell-Boltzman (f exp[E/kT]) nos

informa que maiores estados de energia ocorrem com probabilidade muito pequena

temperatura ambiente. Dessa forma a probabilidade de se observar disperses Raman

Stokes muito maior que a anti-Stokes (Ashcroft, 1976). de praxe utilizar o efeito

Stokes que situado na parte positiva do eixo das abscissas.

Um fenmeno de absoro da luz denominado de fluorescncia pode ocorrer

com o efeito de espalhamento Raman durante as medidas. Os dois fenmenos tm

origem semelhantes diferindo do tempo de durao. Deve-se supor a existncia de

estados virtuais para explicar o espalhamento Raman dado que o tempo de durao

do efeito Raman muito pequeno em relao fluorescncia. Sendo um processo

quase que simultneo, estes estados virtuais explicam o fato do espectro Raman no

depender do laser de excitao. Enquanto o processo de fluorescncia requer um

33

tempo superior a 109

s, uma transio Raman finda num prazo de 1012

s ou menos.

Dependendo do comprimento de onda do laser os efeitos de fluorescncia podem

existir ou no. Se o fton de excitao no fornecer energia suficiente transio

necessria para gerar fluorescncia, ela no acontecer. Entretanto, se fluorescncia

gerada, freqentemente muito mais intensa que a disperso Raman escondendo

caractersticas Raman. Sendo o espectro Raman mais informativo que a

fluorescncia, espectrocopistas Raman esto sempre procurando mtodos de evitar a

fluorescncia. Um mtodo escolher um comprimento prximo do IR (NIR) ou do

UV, procurando um comprimento de onda de laser que no tenha energia suficiente

para excitar a fluorescncia. Outro mtodo, a fluorescncia pode ser excitada, mas a

emisso separada por energia de modo que o espectro Raman seja gravado sem a

interferncia da fluorescncia. s vezes a fluorescncia proveniente de impurezas

da amostra, neste caso, evita-se ou minimiza-se a fluorescncia usando a capacidade

seletiva confocal. De outro modo, em geral pretendemos obter o espectro do Raman

Stokes o que requer uma maior potncia da fonte de laser o que pode provocar

emisso de fluorescncia.

2.2.4 TIPOS DE VIBRAES EM MOLCULAS

A posio relativa de um tomo numa molcula varia em conseqncia das

diferentes vibraes. Para molculas simples (triatmica ou diatmica) determina-se

com facilidade o nmero de vibraes e a natureza destas, bem como as relacionam

com a energia de absoro. Mas tal determinao extremamente difcil para

molculas com vrios tomos, pois molculas assim possuem uma quantidade muito

grande de centros de vibraes.

Existem duas categorias de vibraes que so as de estiramento e as de

dobramento. Quando na vibrao h uma modificao oscilante e contnua das

distncias interatmicas ao longo do eixo que une dois tomos temos uma vibrao

denominada de estiramento, e o que caracteriza uma vibrao de dobramento so

mudanas no ngulo entre duas ligaes. As vibraes de dobramento so de quatro

tipos diferentes: scissoring, rocking, wagging e twisting. Essas vibraes so

mostradas na Fig. 2.12 e, ocorrerem em molculas que contenham mais de dois

tomos. Se as vibraes envolvem um tomo central ainda podem ocorrer interaes

ou acoplamento, resultando em alteraes nas propriedades das vibraes.

Fig. 2.3: Vibraes moleculares. O sinal + indica um movimento numa

direo perpendicular folha, saindo dela, e o sinal um movimento no sentido

oposto.

2.2.4.1 APLICAO DA ESPECTROSCOPIA RAMAN AOS ESTUDOS ARQUEOLGICOS

E HISTRIA DA ARTE

A presente tese de doutorado diz respeito ao estudo de espcimes

paleontolgicos por meio de diversas tcnicas fsicas, incluindo-se a a

espectroscopia Raman. Esta se constitui, portanto, num dos primeiros trabalhos com

aplicao da referida tcnica a um estudo relacionado paleontologia, ou estudo de

fsseis.

Por outro lado interessante destacar que a espectroscopia Raman vem sendo

utilizada em arqueologia (estudo de vestgios de culturas antigas, bem como de sua

composio e detalhes de sua manufatura) e em histria da arte com uma certa

freqncia nos ltimos anos.

35

Em particular, no que diz respeito aos materiais cermicos, uma anlise

completa pode ser obtida por meio de espectroscopia Raman. Cermicas, de uma

maneira geral, so compsitos formados pela queima de diferentes materiais,

minerais em conjunto, tendo como microestrutura gros sinterizados (Colomban et

al, 2005). Geralmente nestas cermicas tambm esto presentes fases cristalinas e

fases vtreas. Sabe-se que diferentes espcies de produtos foram produzidos a partir

do mesmo material original aplicando-se diferentes tecnologias, ou diferentes

produtos puderam ser produzidos com a mesma tecnologia tendo sido aplicada a

diferentes materiais. Alm disso, diferentes tecnologias aplicadas a diferentes

materiais produziram resultados finais com aparncias muito semelhantes. Isto

significa, como afirma a referncia (Colomban et al, 2005), que os segredos do

processamento permaneceram escondidos com a amostra. Para as cermicas, a

identificao das fases cristalinas fornece importantes informaes sobre a

composio e a temperatura de processamento, entre outros pontos.

Um outro aspecto relacionado aos estudos arqueolgicos e de histria da arte

que pode receber contribuies de investigaes atravs da espectroscopia Raman

est relacionado aos pigmentos e corantes. Como do conhecimento da indstria

qumica e dos investigadores de histria da arte, a pintura consiste de trs compostos

majoritrios: o corante, o meio ligante e o solvente (Vandenabeele et al, 2005).

Sabe-se que nas pinturas secas o solvente evapora e no pode ser mais descoberto

pela espectroscopia Raman, ou seja, ele est perdido para uma anlise atual. O meio

ligante o responsvel pela adeso do corante sobre o suporte onde se fez a pintura.

Diferentes tipos de corantes podem ser distinguidos por sua solubilidade no ambiente

da pintura. Pigmentos so geralmente insolveis, enquanto que corantes so solveis

(Vandenabeele et al, 2005). A maioria dos pigmentos inorgnica (lpis lazuli,

cinnabar, azurita, ocre, malachita, etc.), enquanto uns poucos so orgnicos (natural

ndigo, etc).

Em geral, os pigmentos inorgnicos fornecem espectros Raman de boa

qualidade com bandas Raman bem definidas. Materiais cristalinos, alm de bandas

relativamente finas, tambm apresentam bandas de baixa frequncia que esto

associados aos chamados modos da rede. Muitos pigmentos minerais so xidos,

sulfatos, carbonatos, etc. Destaca-se que nas anlises, algumas dificuldades podem

surgir como a ocorrncia de luminescncia, que pode ser superada pelo uso de

espectroscopia Raman por Transformada de Fourier (FTIR), ou a anlise de

pigmentos verdes com laser vermelho (que produz uma grande absoro do laser),

que pode ser superada pelo uso de outras linhas de laser. O importante que a

tcnica Raman precisa e quando existem certas dificuldades prticas, elas podem

ser contornadas. Para finalizar, podemos afirmar que, de uma forma geral, a

espectroscopia Raman til para fornecer mais detalhes do que outras tcnicas de

anlise. Como exemplo est a identificao de pigmentos verdes contendo cobre.

Utilizando-se a espectroscopia dispersiva de fluorescncia de raios-X possvel

apenas identificar a presena do cobre; por outro lado, a espectroscopia Raman

consegue fazer a diferenciao entre vrios pigmentos contendo cobre, como

antlerita (CuSO42Cu(OH)2), langita (CuSO43Cu(OH)2.2H2O), brochanita

(Cu4SO4(OH)6) e posnjakite (CuSO43Cu(OH)2.H2O) (Gilbert, 2003). Outros

exemplos de diferenciao de substncias qumicas semelhantes atravs da

espectroscopia Raman so fornecidos no Apndice A.

2.2.5 ANLISES TRMICAS

Quando o interesse avaliar alguma propriedade fsica (mecnica,

termodinmica, tica, magntica, eltrica, etc.) de algum material em funo da

temperatura pode-se aplicar um conjunto de tcnicas denominadas genericamente de

anlises trmicas, na qual as principais propriedades envolvidas so massa,

temperatura e entalpia (Tabela2.2). (Ionashiro, 2004)

TABELA 2.2: Principais tcnicas de anlises trmicas.

Propriedade Tcnica

Massa Anlise Termogravimtrica TG (Thermogravimetric Analysis)

Temperatura Anlise Trmica Diferencial DTA (Differential Thermal Analysis)

Entalpia Anlise Calorimtrica Diferencial DSC (Differential Scanning Calorimetry)

Dimenses Anlise Dilatomtrica TD (Thermodilatometry)

37

2.2.5.1 ANLISE TERMOGRAVIMTRICA (TGA)

A anlise termogravimtrica uma tcnica que se baseia na medida da

variao de massa de uma amostra ao ser aquecida a uma razo de temperatura

programada (Fig. 2.18). Alguns eventos que sucedem com a amostra medida que

aquecida so a desidratao, a decomposio, a oxireduo e etc., sendo a variao

de massa mensurada por uma balana acoplada a um micro processador que registra

a curva de variao da massa como funo da temperatura (T) ou do tempo (t). A

curva registrada apresenta uma srie de intervalos nos quais a massa se apresenta, em

geral, quase constante e cada intervalo seguido de pontos de inflexo passando a

funo m(t) ou m(T) a apresentar uma variao quase abrupta, embora em alguns

casos mais suave. Essas caractersticas da curva esto associadas aos processos

ocorridos permitindo uma anlise quantitativa do evento atravs de clculos

estequiomtricos. Assim, pode-se determinar, por exemplo, os nmeros de molculas

de gua que estavam presente, se estavam fraca ou fortemente ligadas ao composto

estudado, avalia-se a quantidade de etapas do processo de decomposio, que tipos

de fragmentos so eliminados, o grau de pureza da amostra e etc. Um tratamento dos

resultados obtidos com a TGA feita atravs da derivada primeira da curva obtida

(dm/dt), que a tcnica de termogravimetria derivada (DTG), transformando um

ponto de inflexo num pico, cuja rea proporcional variao de massa ocorrida,

evidenciam os limites de temperatura onde os eventos tm incio (Ti) e fim (Tf) e a

temperatura de inflexo mxima da curva.

(dm/dt)=f(T) ou (dm/dt)=f(t) (2.5)

E permite tambm conhecer o nmero de etapas das reaes ocorridas quando se tem

processos consecutivos. Atravs da Fig. 2.18 se pode fazer uma comparao das

curvas TGA com DTG (Ionashiro, 2004).

FIG. 2.4: Principais tipos de curvas de TG. (a) Ausncia de decomposio com liberao

de produtos volteis. (b) Curva caracterstica de processos de desoro e secagem. (c)

Decomposio em um nico estgio. (d) e (e) Decomposio em vrios estgios. (f)

Reao com aumento de massa, por exemplo a oxidao.

2.2.6 ESPECTROSCOPIA POR ENERGIA DISPERSIVA - EDS

A espectroscopia por energia dispersiva baseada na interao de uma amostra

com partculas carregadas quando a mesma (a amostra) passa a emitir raios-X como

resposta da ao das partculas carregadas. Fundamentalmente essa tcnica sustentada

pelo fato de que cada elemento e molcula possuem uma estrutura nica e por isso

emitem raios-X caractersticos como se fossem digitais atmicas. Assim, numa dada

39

amostra se pode identificar os diversos elementos atravs dessa propriedade especfica

de cada elemento, ou molcula. Obtm-se isso estimulando a emisso de raios X

caractersticos fazendo colidir na amostra um feixe de eltrons, prtons ou mesmo de

raios X.

O Microscpio Eletrnico de Varredura (SEM, de Scanning Electron

Microscope) que utiliza o feixe focalizado de eltrons de alta energia gerando sinais

na superfcie da amostra slida analisada. Os sinais derivados desta interao fazem

revelar informaes sobre a amostra como a textura, componentes qumicos, estrutura

cristalina e orientao dos componentes.

Assim aps a interao do feixe de partculas carregadas com a amostra um

detector de energia dispersiva (EDS) usado para separar os raios-X caractersticos de

elementos diferentes daqueles desejados. Ainda se usa um software de EDS para

analisar a abundncia dos elementos

Na maioria dos casos seleciona-se uma rea da superfcie da amostra obtendo

uma imagem bidimensional varrendo reas que vo de cerca de 1 cm a 5 m utilizando

tcnicas de Scanning Electron Microscopy (SEM) cuja ampliao pode variar de 20

vezes 30.000 vezes com resoluo espacial de cerca de 50 100 nm. na anlise local

de algum ponto que podemos fazer alguma aferio qualitativa ou semi-quantitativa na

composio qumica usando EDS.

A energia de entrada dos raios-X absorvida por um detector de EDS no qual

contm um cristal e esse feito se d por ionizao que gera eltrons livres no cristal

atravs da produo de corrente de carga eltrica. Assim, tem-se a energia dos raios-X

convertidos em tenso eltrica, no qual tais pulsos correspondem aos raios-X

caractersticos do elemento. (Severin, 2004)

2.2.7 ESPECTROMETRIA DE FLUORESCNCIA DE RAIOS-X

Os princpios de fluorescncia de raiosX so bastante conhecidos por cientistas de

diversas reas. O mtodo consiste na induo de transies eletrnicas entre os orbitais

internos dos tomos por meio de radiao eletromagntica dependendo da energia,

podendo ser raiosX ou radiao gama. Essas transies resultam na emisso de raios

X com energia prpria do tomo envolvido na transio e na medida de sua abundncia.

A energia da radiao idntifica o elemento enquanto a intensidade identifica a

concentrao. Um aspecto importante que essa tcnica FRX nodestrutiva, rpida

e precisa. A medida feita usando uma fonte que emite a radiao formando um ngulo

1 com a superfcie da amostra que reemite uma radiao atravs de um ngulo 2

proveniente de uma profundidade x, formado tambm com a superfcie da amostra de

espessura D, que incide num detector (Fig. 2.5). Nesse detector mede-se a energia e a

intensidade j citadas (Jenkins et al, 1995).

FIG. 2.5: Esquema de uma medida FRX.

41

CAPTULO 3: DESCRIO EXPERIMENTAL

3.1.1 PARTE EXPERIMENTAL

Dos trabalhos realizados, fez-se uma caracterizao geoqumica de fragmentos

fossilizados de um terpoda8 recolhido na Formao Ipubi utilizando tcnicas de

difrao de raios-X (XRD), espectroscopia no infravermelho por transformada de

Fourier (FTIR) e espectroscopia de disperso de raios-X (EDS). Obtiveram-se

informaes que podem auxiliar em interpretaes paleoambientais, no entendimento

dos processos de fossilizao e dos processos deposicionais. Uma pretenso do trabalho

obter-se uma melhor compreenso da tafonomia da Bacia Sedimentar do Araripe. No

que diz respeito s medidas no fssil de uma planta tambm foi utilizado, alm das

tcnicas anteriores, a tcnica de espectroscopia Raman (ER). Finalmente, nos estudos

realizados em fsseis de dois peixes, utilizou-se as tcnicas de difrao de raios-X

(XRD), espectroscopia no infravermelho.

3.1.2 MATERIAL

O material utilizado nesse trabalho consta de quatro achados fsseis, um se

atribui a um terpoda, o outro a uma planta fssil e outros dois de peixes fsseis.

A coleta do material do terpoda foi realizada na Mina Conceio Preta, rea de

explorao de sulfato de clcio no Municpio de Santana do Cariri, no estado do Cear.

O material consta de uma lmina de cor cinza escuro, descrita como folhelho piro-

betuminoso, do nvel logo acima do banco de gipsita (evaporitos). Nesse nvel so

facilmente encontradas impresses fsseis de peixes e plantas como descrito por Saraiva

et al, 2007. Nessa placa foi observada a ocorrncia de fragmentos de ossos comprimidos

de membros posteriores que, de forma indireta, comparando com peas similares, foi

atribudo a um dinossauro terpoda. Parte desse material foi macerada para

caracterizao e o mesmo procedimento foi utilizado com a rocha matriz que envolvia o

fssil.

8 Um grupo de dinossauros, carnvoros, e significa ps anormais tendo como principal

caracterstica trs dedos que tocam o cho e um quarto que fica suspenso.

Fig. 3.1: Detalhe de um fragmento de folhelho pirobetuminoso do mesmo nvel de onde

o fssil de terpoda foi coletado.

Fig. 3.2: Camadas da Formao Ipubi retiradas para a explorao de gipsita.

No que diz respeito ao segundo fssil (planta fssil), foi atribuda como sendo

Brachyphyllum castilhoi e a mesma foi coletada na Mina Chaves/Pedra Branca. Esta

mina usada na explorao de sulfato de clcio cerca de 3,5 km a nordeste do

Municpio de Santana do Cariri do Estado do Cear, com altitudes variando de 525 a

43

598 m. O material consta de uma lmina de cor cinza escuro, denominada de xisto piro-

betuminoso do nvel logo acima dos bancos de gipsitas. Os fsseis dos peixes Vinctifer

comptoni e Cladocyclus gardneri tambm foram encontrados na Mina Chaves/Pedra

Branca..

Fig. 3.3: Seo da Mina Pedra Branca/Formao Ipubi.

3.1.3 DIFRAO DE RAIOS-X (DRX)

As medidas de difrao de raios-X foram realizadas no Departamento de Fsica

da Universidade Federal do Cear (UFC) utilizando-se um equipamento Rigaku,

modelo DMAXB, com a geometria focalizante Bragg-Brentano. Foi utilizado o passo

de varredura de 1 por minuto para cada amostra.

3.1.4 ESPECTROSCOPIA NO INFRAVERMELHO COM TRANSFORMADA DE FOURIER

(FTIR)

As medidas de FTIR foram realizadas no Departamento de Fsica da UFC

atravs de um espectrmetro Bruker, modelo Vertex 70. A regio espectral analisada foi

de 400 at 4000 cm-1

. As amostras foram diludas em KBr na razo mdia de 1:100 e

prensadas em forma de pastilhas. A tcnica de transmitncia foi utilizada nas medidas.

3.1.5 ESPECTROSCOPIA DE DISPERSO DE ENERGIA DE RAIOS-X (EDS)

Os espectros de EDS foram obtidos atravs de um espectrmetro Bruker,

modelo Xflash, acoplado a um microscpio eletrnico de varredura da TESCAN,

modelo Vega XMU. As medidas foram realizadas sob vcuo e a regio analisada de 0

at 40 keV, com uma energia de acelerao dos eltrons de 30 kV.

3.1.6 ESPECTRMETRO DE FLUORESCNCIA DE RAIOS-X (FRX)

Os espectros FRX foram obtidos atravs de um espectrmetro da marca Rigaku,

modelo ZSX Mini II, operando com 40 kV e 1,2 mA, usando um tubo de Pd (Paldio).

3.1.7 ANLISE TERMOGRAVIMTRICA (TG)

As curvas termogravimtricas do fssil e da rocha matriz foram obtidas

utilizando-se um equipamento da marca Netzsch, modelo STA 409C. As amostras

foram varridas no intervalo de temperatura entre 30 e 1300 C com uma taxa de

aquecimento de 10 C/min em atmosfera de nitrognio.

3.1.8 ESPECTROSCOPIA RAMAN (ER)

Os espectros Raman foram obtidos utilizando-se o sistema T64000 da Jobin

Yvon SPEX, que consiste de um espectrmetro triplo, ao qual foi acoplado um

sistema de micro-anlise, um micro computador e um sistema de deteco do tipo

CDD (coupled charge device) resfriado a nitrognio lquido. A amostra foi focalizada

com uma lente de 20,5 mm de distncia focal e a luz era recolhida no espectrmetro

com fendas de entradas tpicas de 150 m. Os experimentos realizados utilizaram como

fonte de excitao um laser de argnio (Ar), modelo Innova 70 da Coherent Inc. com

potncia de sada entre 200 e 300 mW, o que significa que quando focalizada sobre a

amostra a potncia era da ordem de 2 a 3 mW.

45

CAPTULO 4: DISCUSSO DOS RESULTADOS

Neste captulo apresentamos os resultados obtidos em trs diferentes grupos de

fsseis da Formao Ipubi, o primeiro de um terpoda, o segundo, da planta

Brachyphyllum castilhoi e o terceiro de dois peixes, o Vinctifer comptoni e o

Cladocyclus gardneri.

4.1 ESTUDO DO FSSIL DE UM TERPODA

Terpoda um grupo de dinossauros bpedes, carnvoros ou omnvoros,

pertencentes ordem Saurischia. Descende desse grupo grande parte das aves. Esse

nome, terpoda, significa ps anormais. Isso porque os animais pertencentes a esse

grupo tm, como principal caracterstica, trs dedos que tocam o cho e um quarto que

fica suspenso. A seguir faz-se uma caracterizao de um fssil de terpoda encontrado

na Bacia Sedimentar do Araripe, mais especificamente na Formao Ipubi.

FIG. 4.1: Fragmentos do fmur do terpoda.

FIG.4.2: Fragmentos da rocha matriz do terpoda.

Qualitativamente a composio qumica das amostras foi determinada por

espectroscopia de disperso de energia de raios-X (EDS) (Figuras 4.3 e 4.4). Pode-se

observar na Figura 4.3 o espectro EDS do fssil supracitado com a presena de Ca, P, O

e C. Esses elementos so componentes da hidroxiapatita carbonatada embora no seja

possvel afirmar baseado apenas por essa tcnica, teremos confirmao disso

posteriormente com aplicao de outas tcnicas. Entretanto, ainda se observa a presena

de S, Na e Fe em menor quantidade no fssil. Entende-se isso como mdia substituio

do contedo qumico dos elementos que se encontravam nas partes duras do cadver.

Considera-se o tempo que o material encontrava-se em ambiente aquoso, o que

propiciava a substituio do contedo original do animal. Minerais ricos em Na, S e Fe

so geralmente encontrados em depsitos de evaporitos provenientes de corpos

submetidos influncia de gua-marinha ou com salinidade que vai de moderada a alta.

A Figura 4.4 mostra o espectro EDS da rocha matriz. Nele podem-se identificar os

elementos Ca, C e O em maior quantidade, que podem ser atribudas estrutura da

calcita, conforme anlise de difrao de raios-X. Em seguida, identifica-se em menor

quantidade o Fe, S, Si, Al, P, K e Mg. A presena de traos desses elementos pode ser

explicada como sendo devida a fossilizao ao ter ocorrido material em ambiente e com

temperaturas elevadas: os evaporitos ocorrentes corroboram essa preposio.

47

FIG. 4.3: Espectro de disperso de energia de raios-X (EDS) do fssil.

FIG. 4.4: Espectro de disperso de energia de raios-X (EDS) da rocha matriz.

A Figura 4.5 mostrao difratograma de raios-X do fssil e da rocha matriz. Pode-

se observar que o difratograma do fssil possui picos que podem ser identificados como

planos cristalinos da fase fosfato de clcio hidrxido (Ca10(PO4)6(OH)2) ou

hidroxiapatita de clcio. Com isso possvel supor que a hidroxiapatita a fase

realmente predominante no fssil (Maisey, 1991). A largura dos picos de difrao do

fssil mostra que o mesmo possui uma baixa cristalinidade. No difratograma de raios-X

da rocha matriz pode-se identificar uma grande quantidade de picos relacionados fase

cristalina carbonato de clcio ou calcita, CaCO3, Lima et at (2007), Wilson et al (2006)

e Kandori et al (1995) . Atravs do difratograma de raios-X possvel supor que a fase

cristalina predominante no fssil fosfato de clcio hidrxido e na rocha matriz calcita,

situao similar ao que ocorre nas concrees da Formao Romualdo. Conseguiu-se

tambm observar no difratograma de raios-X traos de calcita no fssil e de

hidroxiapatita na rocha matriz. Por isso, para complementar a anlise, optou-se por fazer

a espectroscopia no infravermelho para tentar detectar tais traos e confirmar os

resultados obtidos pela difrao de raios-X.

FIG. 4.5: Difratograma de raios-X do fssil (curva abaixo) e da rocha matriz (curva

acima). As fases hidroxiapatita e calcita so marcadas com x e *, respectivamente.

Os espectros no infravermelho do fssil e da rocha matriz so mostrados na

Figura 4.6. Com relao ao espectro FTIR do fssil, observam-se com maior

intensidade modos localizados nas proximidades de 565, 604, 960 e 1041 cm-1

, que

49

esto relacionados s vibraes do on fosfato (PO43

). Nota-se, em menor intensidade,

a presena de modos localizados na regio de 866, 1425 e 1457 cm-1

que so

relacionados s vibraes do grupamento do on carbonato (CO32

). Tal afirmao

possui respaldo em vrios trabalhos realizados por diversos autores. Na regio 870

880 cm-1

esto bandas associadas a vibraes do tipo bending fora do plano do

carbonato, enquanto que entre 1420 e 1570 cm - 1

esto vibraes do tipo estiramento

anti-simtrico do on carbonato. interessante destacar que estas vibraes tambm

dependero do ambiente no qual o on carbonato se encontre. Por exemplo, sob

determinadas condies formam-se ons carbonatos na hidroxiapatita, Ca5(PO4)3(OH),

produzindo o carbonato apatita. Tais ons entraro na estrutura da hidroxiapatita em

stios do OH (carbonato apatita tipo-A), em stios do PO4 (carbonato apatita tipo-B), ou

em ambos os stios do OH e do PO4, que conhecido carbonato apatita tipo-C;

dependendo do stio ocupado pelo carbonato, sero observadas vibraes em diferentes

frequncias (Tonegawa, 2010).

Alm destes, possvel observar um modo prximo a 470 cm-1

, que pode estar

relacionado vibrao da interao inica clcio-grupamento fosfato. J na amostra da

rocha matriz, pode-se observar em maior intensidade modos localizados nas

proximidades de 870 e 1430 cm-1

que so relacionados ao carbonato e em menor

intensidade modos localizados por volta de 471, 710 e 1040 cm-1

, que so relacionados

com as vibraes da interao clcio-grupamento fosfato, aos grupamentos HPO43

e

PO43

, respectivamente. Em particular, no que diz respeito ao grupo PO4, alguns

minerais que possuem esse grupamento so conhecidos por apresentarem vibraes na

regio entre 900 1080 cm-1

. Alguns exemplos so a apatita, Ca5(PO4)3(F,Cl, OH); a

lebertenita, Cu2PO4OH, que possui picos bastante intensos em torno de 1000 cm-1

; a

pseudomalaquita, Cu5(PO4)2(OH)4, que apresenta picos de mdia intensidade em ~ 1000

cm-1

, entre outros (Bouchard, 2005).

Observam-se tambm outros modos com intensidades ainda menores que podem

ser relacionados a outros materiais orgnicos e inorgnicos que esto presentes em

pequenas quantidades nas amostras. No fssil a relao de intensidades das fases

existentes indica que a fase que predomina no mesmo a da hidroxiapatita carbonatada.

conhecido que existem tipos de apatitas que contm ons carbonato substitucionais em

diferentes stios (Kandori, et al (1995)). J na rocha matriz pode-se observar que a fase

predominante em sua estrutura o carbonato de clcio ou calcita com a presena de

diversos elementos em menor concentrao. Essa mistura pode ser entendida como

traos do fssil e de outros elementos do solo que ficaram agregados rocha matriz e

vice versa. A presena dos ons OH e de molculas de gua adsorvida no fssil e na

rocha matriz identificada pela presena da banda em torno de 3500 cm-1

(Hoang,

2011). De fato, bandas do tipo estiramento OH esto presentes tanto nos espectros de

infra-vermelho quanto nos espectros Raman de materiais que possuam ou ons OH ou

molculas de gua em suas estruturas. Um exemplo clssico de um material onde as

vibraes dos ons OH

aparecem com muita clareza nos espectros de infra-vermelho e

Raman a turmalina. Sendo um composto que possui uma srie de composies

distintas, entretanto, para a maior parte deles os ons OH esto presentes e a

espectroscopia vibracional consegue enxerg-los (ver o Apndice A).

Os resultados da espectroscopia no infravermelho tm uma boa concordncia

com os resultados de DRX, complementando-os com os resultados semi-quantitativos

das misturas de fases nas amostras.

FIG. 4.6: Espectro no infravermelho com transformada de Fourier do fssil (curva

inferior) e da rocha matriz (curva superior).

As medidas da composio qumica concordaram bem com as medidas de XRD

e FTIR e, alm disso, sugerem a possvel origem da fossilizao. Uma anlise qumica

atravs de fluorescncia de raios-X foi feita e os resultados concordaram bem com os

51

resultados obtidos a partir dos espectros de EDS. Esses resultados apontam para uma

substituio parcial do osso, assim como, apontam para a existncia de fsseis no

piritizados na Formao Ipubi, o que largamente citado na literatura. A presena de

enxofre e de ferro em quantidades razoveis so indicativos de um ambiente anxido

em torno do material fossilizado.

Tabela 4.1: Quantidades relativas em percentual de massa dos elementos no

fssil do terpoda e na rocha matriz.

ELEMENTO FSSIL

% de massa

ROCHA MATRIZ

% de massa

Ca 78.244 79.509

P 17.844 1.5545

S 1.8786 4.4043

Sr 0.7079 0.1666

Fe 0.6415 6.3655

Cl 0.2358

Si 0.1644 4.5928

Mn 0.1510 0.4718

K 0.0913 1.0502

Y 0.0405

Al 1.6210

Ag 0.2005

Zn 0.0635

A Figura 4.7 mostra a anlise termogravimtrica (TG) do fssil. Observa-se uma

perda de massa entre 80 C e 120 C que est relacionada com a perda de gua contida

na amostra. de se destacar que diversas substncias que possuem gua em sua

constituio ou na qual ela faz parte como impureza ou mesmo adsorvida, possuem

perdas de massa neste intervalo de temperatura. Para mostrar uns poucos exemplos

podemos apontar o estudo sobre madeiras no qual gua adsorvida comea a ser perdida

em torno de 80 oC (Villanueva, 2011), ou um estudo realizado na metoclopromida

clorohidrato monohidratada, que perde gua a partir de 78 oC (Wang, 2011).

interessante destacar que em um conjunto de substncias orgnicas na qual a gua toma

parte, a perda de massa associada a sua sada pode comear numa temperatura ainda

mais baixa, como observado recentemente num estudo em diversas espcies de

cogumelos que quando aquecidos perdiam gua entre 50 e 138 oC (Tanase, 2011). de

se destacar tambm que mesmo quando a gua est como impureza, ela poder comear

a sair da amostra em temperaturas ainda mais baixas, como observado no compsito

LiFePO4/C, que perde gua no intervalo 35 150 oC (Yang, 2011). Por outro lado, em

algumas situaes com ocorrncia de gua estrutural, a temperatura na qual o material

se desidrata pode ser bem maior. Assim, num estudo realizado com o fosfato de clcio

dihidratado observou-se atravs de medidas termogravimtricas a desidratao do

material em temperaturas bem elevadas, ocorrendo em duas etapas, entre 385 e 428 K e

entre 428 e 477 K (Peres-Filho, 2011). Mais especificamente, no que diz respeito a

fsseis, num estudo anterior do fragmento de uma coluna vertebral de um peixe sseo

extinto, Cladocyclus gardneri, a anlise de TG apresentou uma mudana na regio em

torno de 90 oC, que tambm foi associada evaporao da gua (Moth et al, 2008).

interessante destacar que no mesmo trabalho de Moth et al., quando se analisava a

curva TG de uma vrtebra de peixe moderno, a quantidade de gua perdida em torno de

80 100 C era de aproximadamente 6 %, superior tanto ao fssil do Cladocyclus

gardneri, quanto ao fssil do terpoda investigado no presente trabalho.

Mais adiante no termograma da Figura 4.7, em torno de 547 oC, observa-se uma

perda de massa que deve estar associada a uma transformao do fosfato contido na

hidroxiapatita. Aqui tambm importante destacar que os processos trmicos que esto

associados aos ons PO4, podem ser de grande complexidade. Por exemplo, quando se

aquece o fosfato clcio hidrognio dihidratado, em vez de se perder o grupo PO4, o que

acontece que ele se transforma sucessivamente em diferentes polimorfos do clcio

pirofosfato, conforme o esquema a seguir: CaHPO42H2O [135 oC] CaHPO4 [360-

450 oC] Ca2P2O7- amorfo [530

oC] - Ca2P2O7 [750

oC] - Ca2P2O7 [1171

1191 oC] - Ca2P2O7 [1352

oC] fuso (Vasant, 2011). Num segundo exemplo que

pode ser citado, est o caso do NH4MnPO4.H2O. A anlise de TG mostra que entre 295

e 550 oC ocorre a desidratao do MnHPO4 e a formao de Mn2P2O7 (Wenwei, 2009).

No caso do Cs0,75Rb0,25H2PO4, quando ele aquecido, observa-se atravs de anlise de

TG que entre 275 e 325 oC o material atinge uma fase caracterizada pela frmula

estequiomtrica Cs0,75Rb0,25H2(1-x)PO4-x, com x = 0,6 (Ikeda, 2010). Finalmente, para

mostrar um ltimo exemplo no qual a complexidade da trasnformao de substncias

contendo o on PO4 explcita, considere-se o fosfato de titnio dihidratado, que sob

aquecimento, passa por vrias fases conforme o seguinte esquema:

Ti(PO4)(H2PO4).2H2O Ti(PO4)(H2PO4).(2-x) H2O Ti(PO4)(H2PO4)

Ti(PO4)(H2P2O7)0,5 TiP2O7 , onde a penltima e a ltima transformaes acontecem

em 320 e 720 oC, respectivamente (Garcia-Granda, 2010).

Por volta de 763 C no termograma da Figura 4.7, observa-se uma perda de

massa que pode estar relacionada ao carbonato proveniente do carbonato de clcio,

53

originado atravs do processo de fossilizao. Processos envolvendo o carbonato, assim

como ocorre com a gua e os materiais com ons PO4, possuem tambm certa

complexidade. Alguns poucos exemplos podem mostrar este fato. Por exemplo,

carobonato de cobalto quando submetido a altas temperaturas comea a se decompor

acima de 330 oC produzindo Co3O4 que permanece estvel at 850

oC e ento se

decompe dando origem ao CoO acima desta temperatura (El-Shobaky, 1996).

Estudando-se o oxalato de cdmium, zircnio e sdio, observou que o material sofre

transformaes sucessivas com o aumento da temperatura da seguinte forma:

CdZrNa2(C2O4)48.4H2O CdZrNa2(C2O4)4 mistura de xido de cdmium, CdO,