delimitaÇÃo e anÁlise do geossistema campos … · caracterizam-se por suas condições...
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DELIMITAÇÃO E ANÁLISE DO GEOSSISTEMA CAMPOS MARAJOARAS – ESTADO DO PARÁ
Juliana de Paula Silva – Universidade de São Paulo – [email protected] Luis Waldyr Rodrigues Sadeck – Sistema de Proteção da Amazônia – [email protected] Sérgio Alberto Queiroz Costa – Sistema de Proteção da Amazônia – [email protected]
RESUMO
Segundo Monteiro (2001) a análise geossistêmica é uma forma de investigação da geografia física que
visa promover uma maior integração entre o natural e o humano. A delimitação de geossistemas pode
servir como meio de percepção da qualidade ambiental e para atingir-se a prognose geográfica,
imprescindível para a aplicação da geografia no planejamento. Neste estudo a área recoberta por
campos naturais na Ilha de Marajó/Estado do Pará, denominada Campos Marajoaras, foi analisada
através da abordagem sistêmica a fim de explicar como os elementos naturais e humanos interagem na
paisagem formando um geossistema. Para tanto foram realizados uma revisão bibliográfica sobre a
região, trabalhos de campo, sobrevôo da área e análise de mapas, imagens de satélite e dados hidro-
meteorológicos. A área é composta por campos limpos com predominância de vegetação herbácea,
campos mistos cujas pequenas oscilações da topografia favorecem a vegetação arbustivo-arbórea e
ilhas de matas e capões que se desenvolvem nas áreas onde a topografia mais elevada diminui o efeito
da inundação. Esta dinâmica paisagística é controlada principalmente pelo fator hidrológico resultante
da interação dos elementos do clima e a dinâmica marinha regional. Apesar da baixa densidade
populacional existente no local não alterar a paisagem significativamente, constatou-se que este
geossistema apresenta uma alta fragilidade potencial, pois, apesar da pequena declividade, a
fragilidade dos solos é bastante elevada. Indícios desta fragilidade foram encontrados em sulcos e
ravinas originados pelo pisoteio do búfalo (gado predominante na região). Verificou-se também que se
trata de um geossistema extremamente dinâmico, cujos limites com os sistemas vizinhos (mangue,
savanas e florestas) estão em constante migração resultante de ajustes decorrentes de variações dos
elementos que os compõe.
ABSTRACT
According to Monteiro (2001) geosystemic analysis is a form of investigation of the physical
geography that intends to promote a greater integration between the natural and the human aspects.
The geosystems delimitation can be suitable as a way of perception of the environmental quality and
for achieving the geographic prognosis, which is essential to the application of geography in planning.
In this study the area covered by natural fields at Ilha de Marajó/Estado do Pará, denominated Campos
Marajoaras, has been analyzed through a systemic approach with the objective of explaining how the
natural and human elements interact in the landscape forming a geosystem. To accomplish that a
bibliographic revision of the region has been made, as well as field work, a flight over the area, and
analysis of maps, satellite images and hydro-meteorological data. The area is composed of grasslands
with the predominance of herbaceous vegetation, mixed fields whose small topography oscillations
favor a bush-arboreous vegetation and forest patches that occur in areas where the more elevated
topography decreases the effects of flooding. This dynamic is controlled mainly by the hydrological
factor resulting of the interaction of climate and regional maritime dynamic. Even though the low
population density of the area does not change the landscape significantly, this geosystem presents a
high potential frailty, given that, besides presenting a small declivity, the soil fragility is very elevated.
Evidences of this fragility have been found in grooves and ravines originated by the constant stepping
of buffalos (predominant cattle in the region). It has also been verified that it is an extremely dynamic
system, whose boundaries with adjacent systems (mangrove, tropical savannas and forests) are
constantly migrating as a result of adjustments made by variations of the elements composing them.
INTRODUÇÃO
A aplicação da teoria dos geossistemas como base para estudos ambientais no Brasil ainda é
extremamente subutilizada, apesar de ser uma das formas mais completas de abordagem para
diagnósticos aplicados ao planejamento ambiental. Segundo Monteiro (2001, p. 103) nada indica que
conceito de geossistema tenha se transformado em paradigma para a geografia, nem mesmo para a
geografia física no Brasil. Apesar de despertar interesse e ser utilizado por vários pesquisadores o
conceito continua abstrato e irreal mesmo passados 30 anos de suas primeiras aplicações no Brasil.
Segundo Monteiro (2001, p. 47 e 48) a análise geossistêmica é uma tentativa de melhoria na
investigação da geografia física visando promover uma maior integração entre o natural e o humano.
Seu estudo pode ser um meio de atingir-se a prognose geográfica, imprescindível para a aplicação da
geografia no planejamento.
Monteiro também relata que, no seu trabalho, busca detectar geossistemas como meio de percepção da
qualidade ambiental, sugerindo manchas dotadas de alguma solidariedade espacial, plasmada
sobretudo pela ação humana (p 102).
Este trabalho teve como objetivo a delimitação do geossistema campos marajoaras, sua caracterização
e análise através de uma abordagem sistêmica a fim de integrar dados físicos e sócio-econômicos
como subsídio para o planejamento sócio-ambiental.
O arquipélago do Marajó situa-se na foz do Rio Amazonas aproximadamente entre os paralelos
00o00’00” e -02 o00’00” e os meridianos -48o00’00” e -51o00’00” (figura 1).
Figura 1: Mapa de Localização dos Campos Marajoaras segundo IBGE, 2004
Segundo IBGE (2000) a mesorregião do Marajó abrange 3 microrregiões, duas delas compostas de
municípios pertencentes ao arquipélago (MRG do Arari e MRG do Furo de Breves) e uma composta
de municípios com sedes em áreas continentais (MRG de Portel). As áreas de campos objeto deste
estudo estão totalmente inseridas na microrregião do Arari. A Mesorregião do Marajó engloba 16
municípios, a maioria deles com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)
extremamente baixos (tabela 1).
MES
OR
REG
IÃO
DO
MA
RA
JÓ
MICRORREGIÃO MUNICÍPIO IDHM 1991 IDHM 2000
ARARI
Cachoeira do Arari 0,60 0,68 Chaves 0,53 0,58 Muaná 0,58 0,65
Ponta de Pedras 0,61 0,65 Salvaterra 0,65 0,72
Santa Cruz do Arari 0,60 0,63 Soure 0,68 0,72
FURO DE BREVES
Afuá 0,51 0,61 Anajás 0,47 0,60 Breves 0,53 0,63
Curralinho 0,52 0,60 São Sebastião da Boa Vista 0,60 0,67
PORTEL
Bagre 0,50 0,57 Gurupá 0,51 0,53 Melgaço 0,42 0,53
Portel 0,51 0,61 Tabela 1: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – fonte: IBGE, 2000 Este baixo IDHM motivou o Ministério da Integração no ano de 2006 a criar o Grupo Executivo
Ministerial (Decreto de 26 de Julho de 2006) e o Governo do Estado do Pará a criar o Grupo Executivo
do Estado do Pará (Decreto de 30 de julho de 2007) com o objetivo de elaborar o Plano de
Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó. Este documento foi lançado em
dezembro de 2007 e traz como principal objetivo “a partir da ação articulada dos diversos níveis de
governo e da sociedade civil, implementar um novo modelo de desenvolvimento local, pautado na
valorização do patrimônio natural e na dinamização das atividades econômicas sustentáveis, com
inclusão social e cidadania” (CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007 p. 74). O
documento é composto pela caracterização da área (diagnóstico sócio-econômico), objetivos, diretrizes
gerais e ações prioritárias.
Após análise do documento chegou-se à conclusão de que o diagnóstico, especialmente em seus
aspectos físicos, foi realizado de forma segmentada, fato que dificulta a compreensão dos ambientes de
forma integrada, comprometendo todas as fases posteriores do planejamento e prejudicando os
resultados esperados.
A proposta deste trabalho foi analisar os dados de uma porção deste território (campos marajoaras) de
forma sistêmica a fim de aplicar o conceito geográfico de geossistema como uma forma diferenciada
de produzir um diagnóstico sócio-ambiental como base para o planejamento.
MATERIAL E MÉTODO
Segundo Klir (1987), embora a noção de sistema seja antiga, o conceito de sistema geral e a idéia da
teoria geral dos sistemas são relativamente recentes. Ludwing Von Bertalanffy a esboçou pouco antes
da Segunda Guerra Mundial, mas a mesma só teve publicidade quando se formou a Sociedade para o
Progresso da Teoria Geral dos Sistemas em 1954, que mais tarde foi chamada de Sociedade para
investigação dos Sistemas Gerais (Vale, 2004, p.17). Bertalanffy publicou o livro Teoria Geral dos
Sistemas em 1968, sendo que apenas em 1975 este foi traduzido para o português.
A definição de sistemas é bastante discutida e encontrada na obra de vários autores. Algumas
definições são apresentadas a seguir:
“Um conjunto de objetos com relações estreitas entre si e entre seus atributos”. (HALL e
FAGAN, apud Chorley 1971 p. 4)
“Conjunto de objetos ou atributos de suas relações, que se encontram organizados para executar
uma função particular. Dessa forma o sistema é um operador que em um determinado lapso de
tempo recebe a entrada (input) e o transforma em saída (output)”. (THORNES & BRUBSDEN,
1977 apud Vale, 2004 p.23)
“Conjunto de unidades em relações entre si e o seu grau de organização permite que assuma
função de um todo que é maior que a soma de suas partes”. (MILLER, 1965 apud Vale, 2004
p.23)
“Os sistemas são constituídos de conjuntos de componentes que atuam juntos na execução do
objetivo global do todo. O enfoque sistêmico é simplesmente um modo de pensar a respeito
desses sistemas totais e seus componentes”. (CHURCHMAN, 1972 apud Vale 2004, p.23)
O estudo dos geossistemas é mais recente e foi iniciado na década de 60 na então União Soviética. Os
Geossistemas, de acordo com as proposições de SOTCHAVA (1976), são “sistemas territoriais
naturais que se distinguem na envoltura geográfica, em diversas ordens dimensionais,
generalizadamente nas dimensões regional e topológica. São subsistemas da envoltura geográfica
sendo ela própria um geossistema de nível planetário. Assim a "Geographical Cover", durante a sua
longa e complexa história de desenvolvimento, deu lugar a diversas condições naturais que,
independentemente da ação e presença humana, organizaram-se num elaborado sistema de complexos
físico geográficos (geossistemas). São constituídos de componentes naturais inter-condicionados e
inter-relacionados em sua distribuição, desenvolvendo-se, no tempo, como parte do todo.
Caracterizam-se por suas condições lito-estruturais, seu relevo, o clima, as águas sub-superficiais e
superficiais, os solos, as comunidades vegetais e animais e por seu funcionamento e sua dinâmica,
numa interação complexa - como um sistema aberto”. (MELO, 1997)
Segundo Christofoletti os geossistemas "representam a organização espacial resultante da interação
dos elementos componentes físicos da natureza, possuindo expressão espacial na superfície terrestre e
representando uma organização (sistema) composta por elementos, funcionando através de fluxos de
energia e matéria. As combinações de massa e energia, no amplo controle energético ambiental poderá
criar heterogeneidade interna no geossistema, expressando-se em um mosaico paisagístico.
Independentemente da ação e presença humana, a natureza, físico-biológica do sistema terrestre
organiza-se ao nível dos ecossistemas e geossistemas" (CHIRISTOFOLETTI, 1997).
A Teoria Geral dos Sistemas propõe que os sistemas podem ser definidos como conjunto de elementos
com variáveis e características diversas, que mantém relações entre si e o meio ambiente. A análise
poderá estar voltada para a estrutura desse sistema, para seu comportamento, para as trocas de energia,
limites, ambientes ou parâmetros (GREGORY, 1992 apud Rodrigues, 2001 p. 72)
A análise procurou seguir as orientações encontradas no arcabouço metodológico da teoria dos
sistemas, especialmente na integração dos dados obtidos através de diversas fontes.
Primeiramente foi realizada revisão bibliográfica da área. Não foram encontrados estudos envolvendo
diretamente o geossistema “campos marajoaras”. A maior parte dos trabalhos engloba todo o
arquipélago (AMARAL, 2007; CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007; LIMA et
al; 2005; COSTA et al 2002, entre outros) ou, em outros casos, somente a borda leste da Ilha, regiões
mais próximas de Belém e de melhor acesso para trabalhos de campo (FRANÇA, 2003, 2006). Há
também estudos realizados em domínios vegetais específicos (matas de terra firme ou várzea).
As informações foram agrupadas e confrontadas com dados primários (IBGE, RADAMBRASIL,
INMET) e posteriormente tratadas de forma integrada.
Foi realizado sobrevôo no dia 12 de outubro de 2008 e trabalhos de campo na área a fim checar os
dados levantados e obter fotografias panorâmicas para ilustrar a descrição do geossistema, bem como
registrar eventos importantes observados em campo.
Para delimitação do geossistema de forma cartográfica foram utilizadas 3 imagens Landsat TM
(224/060 de 21/08/2008, 224/061 de 21/08/2008 e 225060 de 11/07/2008). As imagens foram
registradas e classificadas através do método isodata (não supervisionado) no software ENVI 4.6. Cada
imagem foi classificada separadamente utilizando-se 20 classes iniciais. As classes foram
posteriormente agrupadas nas categorias água, mata, cerrado, campos, nuvem, sombra e praia. Em
seguida foi aplicado um filtro majoritário 3x3 seguido de edição visual, necessária para eliminar
alguns problemas encontrados na classificação automática, tais como bordas de nuvens confundidos
com campos, e áreas de campos alagados confundidos com a hidrografia.
Terminado o processo de edição, a classe campos obtida em cada imagem foi exportada em formato
vetorial para o software ArcGIS 9.2 para união e generalização cartográfica compatível com a escala
de apresentação. Foi realizado também um mosaico com 6 imagens landsat TM (223/060 de
03/08/2001, 223/061 de 03/08/2001, 224/060 de 21/08/2008, 224061 de 21/08/2008, 225060 de
11/07/2008 e 225061 de 11/07/2008) para visualização no layout final (figura 2).
A principal dificuldade encontrada no processo de classificação automática foi a presença de nuvens
nas imagens ópticas pesquisadas no ano de 2008.
Figura 2: delimitação da área dos campos marajoaras
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Estudos recentes apontam evidências de que o arquipélago se separou do continente num tempo
geologicamente bastante recente, provavelmente já no Holoceno (10 mil anos antes do presente).
Antes deste período, o Rio Tocantins cortava toda a região no sentido norte em direção ao oceano, até
que falhas tectônicas desviaram seu curso para nordeste. Este processo foi seguido pela criação do rio
Pará, no sul da ilha, refletindo sistemas de falhas com direção principal E-W, o que culminou com a
total separação da ilha do Marajó do continente (ROSSETI, 2006 apud AMARAL, 2007 – pag. 15).
Atividades neotectônicas, oscilações do nível do mar e influência da dinâmica costeira deram origem a
uma grande diversidade de feições morfológicas inseridas em duas grandes Unidades: 1 – Planalto
Rebaixado da Amazônia; 2 – Planície Amazônica (FRANÇA, 2003).
Figura 3: Mapa das Unidades morfoestruturais da Ilha de Marajó (adaptado de Radam 1974 apud FRANÇA, 2003)
De acordo com França (2003) a planície é constituída de sedimentos lamosos e arenosos quaternários
de origem fluvio-marinha eólica. As cotas topográficas não ultrapassam 5 m e sua abrangência vai de
leste a oeste até onde chega a influência das marés. O geossistema campos salinos está inserido na sub-
unidade definida pela autora como “Planície lamosa de supramaré”, constituída por sedimentos
clásticos quaternários, cuja origem está relacionada aos processos de afogamento e colmatagem de
paleocanais, que ligavam o interior da Ilha de Marajó à Baía de Marajó e Oceano Atlântico, entre o
Pleistoceno Superior e o Holoceno (Bemerguy 1981; Vital 1988; Costa et al. 2002 apud França, 2003).
Durante o período chuvoso (dezembro a maio) o regime é controlado pela pluviosidade, sendo
secundária a influência das marés. No Período seco (junho e novembro), a menor quantidade de chuva
favorece a maior penetração das marés, tornando salobra a água superficial.
De acordo com a classificação de Koppen o clima predominante na área é do tipo AF – Clima tropical
úmido, com o mês mais seco tendo uma precipitação média maior ou igual a 60 mm. A amplitude
térmica é muito baixa e os dias tem a mesma duração das noites. A única estação meteorológica da
área é a estação de Soure cujos dados pluviométricos foram sistematizados conforme gráfico 1. A alta
pluviosidade verificada no período chuvoso que vai de dezembro a maio é decorrente da forte
influência da ZCIT que está posicionada na região durante esta época do ano.
O período seco, que vai de junho a novembro ocorre devido à migração da ZCIT para o hemisfério
norte, diminuindo a umidade trazida pelo sistema. Além disso a proximidade com o oceano faz com
que a brisa leve a umidade para áreas a oeste da ilha, cobertas por florestas de terra firme. Na época
das secas as temperatura sofrem pequena elevação em decorrência da menor umidade.
0,0
100,0
200,0
300,0
400,0
500,0
600,0
700,0
800,0
900,0
Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
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.
Prp. - Precipitação Total
Fdp - Frequência de Dias com Precipitação
Gráfico 1: Precipitação total e freqüência de dias com precipitação – série histórica de 1929 a 2008 (INMET, 2008)
Na região geomorfológica denominada Planície lamosa de supramaré, onde o clima apresenta de forma
marcante uma estação seca e outra chuvosa encontra-se a vegetação de campos naturais sazonalmente
alagados chamados campos marajoaras. Devido a oscilações do clima decorrentes de elementos que
influenciam a circulação atmosférica como El Nino, La Nina e Temperatura do Atlântico Norte, as
chuvas anuais apresentam-se mais ou menos abundantes (gráfico 2), modificando os balanços de
entrada e saída de energia. Este fato ocasiona uma constante migração do geossistema com os sistemas
vizinhos (mangues, savanas e florestas). Em escala detalhada, esta migração é sensível em curtos
períodos de tempo (figura 4) e mostra como a entrada de material trazida pela chuva e pela maré
controlam o balanço do geossistema.
-4,0
-3,0
-2,0
-1,0
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
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2000
2001
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2004
2005
2006
2007
2008
A N O S
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ada
.
Precipitação TotalTemperatura de Superfície do Mar - Pacífico (El Niño (1+2)Temperatura de Superfície do Mar - Atlântico NorteZ(i) > 1 Anomalia PositivaZ(i) < -1 Anomalia Negativa
Gráfico 2: Influência da TSM do Pacífico e Atlântico Norte na Precipitação Total – série histórica de 1950 a 2008
(INMET, 2008)
Figura 4: pequenas migrações nos limites do geossistema observado nas imagens 224/060 de 01/08/2001 e 21/08/2008
A interação desses elementos gerou solos hidromórficos dos tipos Gley, Laterita e Solonchak
(RADAMBRASIL, 1974). Há indícios, encontrados em sulcos e ravinas originados pelo pisoteio do
búfalo (gado predominante na região) - (figura 5), de que tratam-se de solos com alta fragilidade aos
processos erosivos.
Figura 5: Evidencia de degradação decorrente do pisoteio do gado
(fotografia: Carlos Tadeu de Carvalho Gamba – 11/10/2008)
Segundo AMARAL (2007), os campos do Marajó apresentam diferentes feições de acordo com a
posição topográfica e a influência da rede de drenagem fluvial. Além dos campos úmidos limpos, com
predominância de elemento herbáceo, existem os campos mistos com “mondrongos”, correspondendo
a pequenas oscilações na micro-topografia que favorecem o estabelecimento do estrato arbustivo-
arbóreo. Existem ainda os campos com ilhas de mata e capões, de tamanhos e formas variados. Essas
ilhas geralmente se desenvolvem nos “tesos”, zonas de topografia mais elevada, onde geralmente os
efeitos da inundação não se fazem sentir. (pag. 16-19) - (figuras 6 e 7).
Figura 6: Fotografia panorâmica evidenciando a distribuição da vegetação relacionada com a microtopografia. (fotografia:
Carlos Tadeu de Carvalho Gamba – 12/10/2008)
Figura 7: Campos limpos e vegetação arbóreo-arbustiva ao fundo (fotografia: Carlos Tadeu de Carvalho Gamba –
11/10/2008)
Apesar do arquipélago do Marajó apresentar uma ocupação muito antiga (há indícios de culturas pré-
coloniais de vida sedentária há cerca de 5000 A.P. especialmente pela ocorrência de sambaquis), a
densidade demográfica na região dos campos é extremamente baixa. A microrregião do Arari, que tem
a maior parte da área recoberta por campo naturais, tem uma média de 4,11 hab/km2 segundo dados do
IBGE (2000).
As fazendas de criação de búfalo e o extrativismo vegetal são as atividades mais importantes na região.
As atividades são realizadas sem nenhum tipo de manejo ou práticas ambientalmente corretas. A
atividade agrícola é quase nula nessa região.
É grande o isolamento geográfico, especialmente no período denominado localmente de inverno
(dezembro a maio) quando a área permanece alagada, inviabilizando o transporte terrestre. Este fato
gera grandes problemas para a população, especialmente relacionados à educação e saúde. Os baixos
números de IDH apresentados na tabela 1 são decorrentes de fatores como baixo número de médicos e
leitos por habitante, carência de obras de infra-estrutura que geram uma elevada mortalidade infantil,
desnutrição, malária, óbitos por doenças parasitárias, taxas elevadas de analfabetismo, condições
inadequadas de moradia e elevado número de domicílios sem energia elétrica (IBGE, 2000 apud
CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007 pag 53-54).
A ausência do poder público também é marcante seja pelo baixo número de funcionários nas
prefeituras com curso universitário seja pela ausência de atividades culturais ou esportivas.
Outro grande problema da região é a questão da regularização fundiária. Os moradores da região, com
raras exceções, são posseiros nas áreas onde moram e realizam suas atividades produtivas. “A
regularização fundiária dos imóveis localizados nas ilhas que se situam no estuário do rio Amazonas,
onde se faz sentir a influência das marés, representa um verdadeiro desafio, seja para o poder público,
seja para as populações locais. A legislação em vigor não se adapta à realidade amazônica. Questões
de fundamental importância para as populações tradicionais que ocupam estas ilhas não encontram
amparo no ordenamento jurídico brasileiro, ao não esclarecer qual a modalidade da regularização
fundiária permite o uso sustentável dos recursos naturais”. (Treccani, 2003 apud CASA CIVIL DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007 pag 22).
A Área de Proteção Ambiental (APA) do Marajó abrange toda a extensão da ilha, entretanto, como
ocorre na maioria das APAs brasileiras não há um plano de manejo e fiscalização ambiental adequadas
a este ambiente extremamente rico e peculiar. Existem outras unidades de conservação no arquipélago,
mas nenhuma abrange as áreas de campos alagáveis do centro leste da ilha.
Além dos problemas sociais descritos e apesar da baixa densidade demográfica, foram encontrados
indícios de degradação ambiental gerados pela pecuária bufalina (figura 5). Apesar da baixa
declividade a fragilidade ambiental na área é muito alta devido principalmente aos solos hidromórficos
da região.
O diagnóstico sócio-ambiental realizado sob esta perspectiva aponta graves problemas tanto sócio-
econômicos quanto ambientais. A proposta de ações para elevar a qualidade de vida da população deve
ser realizada levando em consideração os processos naturais complexos da região.
CONCLUSÕES
A análise da região sob a abordagem geossistêmica apresentou-se extremamente satisfatória. A partir
dela pode-se demonstrar como os elementos físicos e humanos são interligados e não podem ser
entendidos isoladamente.
O geossistema campos marajoaras apresenta uma peculiaridade que imprime grande interesse
científico por tratar-se de um ambiente onde o clima, a maré e o histórico geológico-geomorfológico
interagem gerando uma paisagem única que apresenta constantes ajustes que buscam o equilíbrio
dinâmico do sistema.
Verifica-se que o ambiente é extremamente frágil e deve ser apropriado segundo critérios de manejo
adequados que levem em consideração as suas peculiaridades.
A população residente na área, carente de infra-estrutura básica e cuidados essenciais de saúde,
educação e cultura, sofre por viver em um ambiente onde as imposições geográficas imprimem um
estado de grande isolamento em relação ao resto do país.
O poder público federal e estadual mobilizou-se através do Plano de Desenvolvimento Territorial
Sustentável do Arquipélago do Marajó que vem agindo desde 2006 em prol da modificação positiva
desta realidade, vivida em todo o arquipélago do Marajó e, em especial, nas áreas alagáveis, onde os
problemas são agravados.
A contribuição da teoria dos sistemas para o planejamento e proposições de diretrizes seria
extremamente positiva para manutenção de preservação deste geossistema aliada à melhoria das
condições de vida da população tradicional.
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