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2021 Coordenadores Eduardo Fontes Henrique Hoffmann Autores Anderson Rodrigo Andrade de Lima Bruno Calandrini Carlos Eduardo Pellegrini Eduardo Fontes Henrique Hoffmann Isabelle Vasconcellos Kishida Márcio Alberto Gomes Silva Pedro Garcia Rafael Fernandes Souza Dantas Rodrigo Perin Nardi Ulisses Prates Junior DELEGADO FEDERAL Doutrina e Jurisprudência Volume Único 2.ª edição Revista, atualizada e ampliada Organizadores Eduardo Fontes | Henrique Hoffmann Disciplinas Direito Constitucional Direito Administrativo Direito Penal – Partes Geral e Especial Legislação Penal Extravagante Direito Processual Penal Criminologia Direito Civil Direito Processual Civil Direito Previdenciário Direito Financeiro Direito Tributário Direito Internacional Direito Empresarial

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Page 1: DELEGADO FEDERAL - Editora Juspodivm...tuição Federal. Independentemente do conteúdo material da norma, pelo simples fato de ela estar inserida na Constituição Federal, já será

2021

Coordenadores Eduardo Fontes Henrique Hoffmann

Autores

Anderson Rodrigo Andrade de Lima

Bruno Calandrini

Carlos Eduardo Pellegrini

Eduardo Fontes

Henrique Hoffmann

Isabelle Vasconcellos Kishida

Márcio Alberto Gomes Silva

Pedro Garcia

Rafael Fernandes Souza Dantas

Rodrigo Perin Nardi

Ulisses Prates Junior

DELEGADO FEDERALDoutrina e Jurisprudência

Volume Único

2.ª ediçãoRevista, atualizada e ampliada

Organizadores Eduardo Fontes | Henrique Hoffmann

Disciplinas

• Direito Constitucional

• Direito Administrativo

• Direito Penal – Partes Geral e Especial

• Legislação Penal Extravagante

• Direito Processual Penal

• Criminologia

• Direito Civil

• Direito Processual Civil

• Direito Previdenciário

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CAPÍTULO 1

DIREITO CONSTITUCIONAL

1.1. NATUREZA, CONCEITO E OBJETO

Balizando-se com o edital do concurso de in-gresso para o cargo de Delegado de Polícia Federal, inicialmente, merecem destaque três pontos, a saber: natureza jurídica, conceito e objeto.

Segundo a doutrina clássica o direito é dividido em dois grandes ramos, quais sejam: direito público e direito privado. Destaque-se que, não obstante a doutri-na mais moderna já tenha superado essa classificação dicotômica entre direito público e privado, vez que o direito é uno e indivisível, devendo ser entendido como um conjunto harmônico, para fins didáticos e de provas de concursos públicos continuaremos a adotá-la. Destaque-se que essa classificação, segundo a doutrina, é atribuída a Jean Domat.

Modernamente, ante o reconhecimento de novos direitos e das transformações do Estado, a doutrina percebeu uma forte influência do direito constitucional sobre o direito privado, reconhecendo, em diversas situações, a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, surgindo a denominada “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”.

Com isso, o Direito Constitucional deixa de ser reconhecido apenas e tão somente em uma relação vertical (Estado X Cidadão), passando a ser reconhecido também nas relações horizontais (cidadão X cidadão). Em virtude dessa característica e considerando tratar--se de norma fundamental e estruturante de nosso ordenamento jurídico podemos afirmar que ele possui a natureza jurídica de direito público fundamental.

Tema de grande controvérsia diz respeito ao con-ceito de Constituição, haja vista que ela envolve a perspectiva histórico-universal dos intitulados ciclos constitucionais. Faz-se importante perceber que a ideia de Constituição deve ser compreendida mesmo antes do surgimento do constitucionalismo em sentido estrito. Isso porque, toda e qualquer sociedade, inde-pendentemente da época e do lugar, sempre possuiu

um conjunto de regras de organização do Estado, semelhantes ao que intitulamos de Constituição.

Conquanto existam diversos parâmetros para se conceituar o Direito Constitucional e, por consequência, a própria Constituição, partiremos do conceito cunha-do pelo brilhante professor José Afonso da Silva que afirma que o direito constitucional é “Direito Público fundamental por referir-se diretamente à organização e fundamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política”.1

A partir dessa lição do professor José Afonso, po-demos conceituar a Constituição Federal como sendo a norma máxima de um Estado que estabelece sua organização e fundamentos, trazendo as regras mí-nimas essenciais para sua subsistência e formação. Com isso, a Constituição Federal passa a ser a norma de validade de todo o ordenamento jurídico pátrio, sendo ela o parâmetro de validade dos demais atos normativos, haja vista o princípio da supremacia das normas constitucionais.

Ainda com base em referido conceito trazido à baila podemos estabelecer seu objeto como sendo aquele que se refere à organização e fundamento do Estado, à articulação de seus elementos primá-rios, bem como ao estabelecimento das bases da estrutura política.

Não obstante a definição ora fornecida, conforme já dito, existem vários sentidos (perspectivas ou cri-térios) adotados pela doutrina para definir o termo “Constituição”, haja vista o ângulo de visão de seu observador.

A partir disso, passaremos à análise de algumas perspectivas (sentidos ou conceitos) das Constituições.

1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ª ed. rev. São Paulo: Malheiros. P. 48.

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CAPÍTULO 2

CONSTITUIÇÃO

2.1. SENTIDOS. CONCEITO, OBJETOS E ELE-MENTOS

No tocante aos sentidos sociológico, político e ju-rídico, não faremos novas considerações nesse ponto, haja vista já terem sido analisados no tópico anterior, quando da análise das denominadas “perspectivas”. Mesma observação com relação ao denominado objeto.

Conquanto as Constituições sejam um todo unitário e orgânico, elas possuem normas incidentes nas mais variadas matérias, bem como possuem finalidades di-versas. Ante essa característica a doutrina nos ensina que as Constituições são formadas por muitas faces.

Não obstante a divergência doutrinária a respeito de quais elementos integram as Constituições, vamos adotar as lições do prof. José Afonso da Silva que, a nosso ver, traz a classificação mais completa a respeito do tema.

Nesse sentido, os elementos podem ser estrutu-rados em1:

a) Orgânicos – são aqueles que se alocam nas normas que regulamentam o Estado e o poder (p.ex., Títulos II e IV da CF);

b) Limitativos – são aqueles integrantes dos direi-tos e garantias fundamentais, os quais limitam os poderes do Estado (p.ex., art. 5.º da Carta Magna);

c) Sócio ideológicos – demonstram o comprometi-mento das Constituições contemporâneas entre os Estados individual e social (p.ex., Títulos VII e VIII da CF);

d) De estabilização constitucional – integram as normas que objetivam garantir a solução dos conflitos constitucionais, a defesa da Consti-tuição, do Estado, bem como das instituições democráticas (p.ex., arts. 34/36 e 102, I, todos da CF);

1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16.ª Edição. São Paulo: Malheiros. 1999. P. 46/47.

e) Formais de aplicabilidade – são normas que estabelecem regras de aplicação das Constitui-ções (p.ex., preâmbulo e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Destaque-se, por fim, que os elementos ora es-tudados não devem ser confundidos com os denomi-nados elementos integrantes do Estado (soberania, finalidade, povo e território).

2.2. CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

Registre-se que a doutrina brasileira costuma utilizar-se de variados critérios de classificação das constituições, existindo variação entre eles.

Conquanto o edital do concurso para Delegado de Polícia Federal seja restritivo na análise dos critérios, importante que tenhamos uma visão panorâmica de alguns dos critérios que comumente são cobrados nos diversos concursos públicos.

2.2.1. Quanto à origem

As Constituições poderão ser classificadas como sendo outorgadas (aquelas impostas pelo agente re-volucionário que não recebeu do povo a legitimidade para, em nome dele, atuar), promulgadas, democráti-cas, votadas ou populares (fruto do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo), cesaristas ou bonapartistas (não é pro-priamente outorgada, nem democrática, ainda que criada com a participação popular, vez que essa visa apenas ratificar a vontade do detentor do poder) e, pactuadas ou dualistas (são aquelas que surgem através de um pacto entre as classes dominante e oposição).

2.2.2. Quanto à forma

A partir dessa classificação as Constituições po-dem ser escritas (instrumentais) ou costumeiras (não escritas).

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2.2.3. Quanto à extensão

No que tange à extensão as Constituições podem ser denominadas de sintéticas, concisas, breves, sumárias, sucintas ou básicas (aquelas que apenas vinculam os princípios fundamentais e estruturais do Estado) e analíticas, amplas, extensas, largas, prolixas, lon-gas, desenvolvidas, volumosas ou inchadas (são as Constituições que abordam todos os assuntos que os representantes do povo entenderem por fundamentais).

2.2.4. Quanto ao conteúdo

Segundo esse critério, considera-se constituição material o conjunto de normas escritas ou não, em um documento que colaciona normas relativas à estrutura do Estado, organização do poder, bem como direitos e garantias fundamentais. Com base nesse critério, para que a norma seja considerada materialmente consti-tucional não é necessário que ela esteja inserida no bojo da Constituição Federal, bastando versar sobre as matérias anteriormente mencionadas.

Caso determinada norma verse sobre as matérias descritas no parágrafo anterior e esteja inserida na Constituição Federal ela será considerada formal e materialmente constitucional.

Destaque-se que uma norma materialmente cons-titucional (p.ex., que verse sobre direito eleitoral), que não esteja inserida no bojo da Constituição Federal, poderá ser alterada por uma lei infraconstitucional, sem que haja necessidade de se observar os proce-dimentos mais rígidos estabelecidos para se alterar a estrutura da Magna Carta. Entretanto, isso não lhe retira o caráter de norma materialmente constitucional!

A segunda classificação quanto ao conteúdo diz respeito à constituição formal que é o conjunto de normas escritas, sistematizadas e reunidas em um único documento normativo, qual seja, na Consti-tuição Federal.

Independentemente do conteúdo material da norma, pelo simples fato de ela estar inserida na Constituição Federal, já será considerada formalmente constitucional (v.g., § 2.º do art. 242 da CF).

Ainda que essas normas não tenham conteúdo materialmente constitucional, apenas e tão somente pelo fato de estarem inseridas no bojo da Constitui-ção, somente poderão ser alteradas observando-se o rígido sistema de alteração das normas constitucionais.

2.2.5. Quanto ao modo de elaboração

As Constituições podem ser dogmáticas (são aquelas que consubstanciam os dogmas estruturais e

fundamentais do Estado) ou históricas (constituem-se através de um lento e contínuo processo de formação, ao longo do tempo).

2.2.6. Quanto à alterabilidade (estabilidade) Com relação à estabilidade as Constituições podem

ser classificadas como sendo rígidas (são aquelas que exigem um processo legislativo mais dificultoso para sua alteração), flexíveis (o processo legislativo de sua alteração é o mesmo das normas infraconstitucionais), semirrígidas (são as Constituições que possuem matérias que exigem um processo de alteração mais dificultoso, enquanto outras normas não o exigem), fixas ou silenciosas (são as Constituições que somente podem ser alteradas por um poder de competência igual àquele que as criou), transitoriamente flexíveis (são as suscetíveis de reforma, com base no mesmo rito das leis comuns, mas por apenas determinado período preestabelecido), imutáveis (são as Consti-tuições inalteráveis) ou super-rígidas (são aquelas que possuem um processo legislativo diferenciado para a alteração de suas normas e, de forma excepcional, algumas matérias são imutáveis).

Destaque-se que conquanto a maioria da nossa doutrina classifica nossa CF como sendo rígida, há que sustente tratar-se de super-rígida, vez que as cláusulas pétreas não poderão ser alteradas, di-versamente do que ocorre com as demais normas constitucionais.

2.2.7. Quanto à sistemáticaCom base nessa classificação as Constituições

podem ser divididas em reduzidas (aquelas que se materializam em um só instrumento legal) ou variadas (aquelas que se distribuem em vários textos esparsos).

2.2.8. Quanto à dogmática As Constituições poderão ser denominadas orto-

doxa (Constituição formada por uma só ideologia) ou eclética (formada por ideologias conciliatórias diversas).

2.2.9. Quanto ao critério ontológicoEsse critério foi desenvolvido pelo político e filósofo

Karl Loewenstein.Segundo referido critério a constituição pode ser

classificada como sendo normativa (aquela cujos limites ao poder político, estabelecidos em seu texto, são de fato respeitados na realidade), nominalista (conquanto

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CAPÍTULO 3

PODER CONSTITUINTE

3.1. FUNDAMENTOS DO PODER CONSTITUINTEA despeito de existir divergências sobre a origem da

expressão “poder constituinte”, a maioria da doutrina sustenta que o abade Joseph Sieyès foi seu precursor, haja vista ser o criador da teoria do Poder Constituinte.

O conceito de Poder Constituinte surgiu com as revoluções burguesas, notadamente com a Revolução Francesa.

Para nossa doutrina pátria:

“(...) a autoridade máxima da Constituição vem de uma força política capaz de estabelecer e manter o vigor normativo do texto. Essa magnitude que fundamenta a validez da Constituição, desde a Revolução Francesa, é conhecida como poder constituinte originário” 1.

A Constituição é idealizada como uma norma jurídica fundamental, sendo a base da ordem jurídica e fonte de sua validade. A Constituição (e demais normas constitucionais) é a base de todo o ordena-mento jurídico, sendo que todos os atos normativos devem possuir compatibilidade vertical com ela, sob pena de estarem eivados de inconstitucionalidade. A Constituição, portanto, é a norma suprema do orde-namento jurídico, sendo que essa supremacia decorre de sua origem.

A partir dessas lições, bem como considerando o entendimento da doutrina moderna, podemos afirmar que a titularidade do Poder Constituinte pertence ao povo. Essa conclusão é reforçada, inclusive, pelo disposto no parágrafo único do art. 1.º de nossa Car-ta Magna que preceitua que todo o poder emana do povo. Conquanto a titularidade pertença ao povo, seu exercício é desempenhado por outros entes, conforme veremos ao longo de nosso estudo.

1. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9.ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva. P. 103.

De uma maneira mais sintética podemos conceituar o Poder Constituinte como sendo aquele capaz de ela-borar ou atualizar uma Constituição, por intermédio de supressão, modificação ou acréscimo de normas constitucionais. Partindo-se dessa conceituação, temos a existência de duas espécies de poder constituinte, quais sejam: ordinário e derivado.

3.2. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO

3.2.1. Poder Constituinte OriginárioInicialmente, há que se observar que referido poder

também é denominado de poder inicial, inaugural, de primeiro grau, primogênito, genuíno, primário ou fundacional.

O Poder Constituinte Originário pode ser con-ceituado como sendo a força política consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de convivência na comunidade política2.

Em havendo manifestação do poder constituinte originário o Estado e a ordem jurídica são inaugurados (no caso de ser a primeira manifestação do poder constituinte originário) ou reinaugurados. Ressalte-se, contudo, que a reinauguração do Estado não signi-fica dizer que ele, necessariamente, teve seus limites territoriais alterados. Ainda que os limites territoriais permaneçam íntegros, com a manifestação do poder constituinte originário juridicamente o Estado é outro!

Portanto, referido poder é o que elabora a Cons-tituição de um Estado, organizando-o e instituindo os poderes que regerão os interesses de todo o povo.

Comumente a doutrina costuma afirmar que o poder constituinte originário pode ser classificado em histórico (esse sim, considerado o verdadeiro poder

2. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9.ª Ed. São Paulo: Saraiva. P. 103.

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46 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

constituinte originário, vez que inaugura e estrutura, pela primeira vez, o Estado) e revolucionário (são todos os posteriores ao histórico, rompendo por completo com a ordem jurídica anterior e criando um novo Estado).

Frise-se, ainda, que parte da doutrina atribui a classificação ao poder constituinte de originário fundacional (é o responsável pela elaboração da primeira constituição de um Estado) e originário pós-fundacional (responsável pela elaboração das demais constituições do Estado).

Por fim, a doutrina afirma que o poder constituin-te pode ser dividido em formal (é o ato de criação, de positivação de um ato normativo, atribuindo-lhe o status de norma constitucional) e material (lado substancial do poder constituinte, que qualifica o direito constitucional formal com o status de norma constitucional). Destaque-se que o poder constituinte material precede ao formal, lógica e historicamente.

Nessa linha de ideia, temos que o poder material estabelece o que é constitucional, ao passo que o formal materializa como constituição.

Embora haja certa divergência doutrinária a respeito do número de características, passaremos a analisar cinco delas. Senão, vejamos.

A primeira característica trazida pela doutrina é aquela que afirma ser o poder constituinte originário inicial, ou seja, ele é o marco zero do novo Estado e da nova ordem jurídica. É de se destacar, entretanto, que isso não significa dizer que o ordenamento ju-rídico anterior será totalmente desconsiderado, haja vista o princípio da segurança jurídica.

Quando tratamos dessa primeira característica, importante tecer algumas considerações. As normas anteriores que estavam sob a égide da Constituição Federal revogada continuarão vigorando, desde que estejam em consonância com o novo ordenamento constitucional oriundo do poder constituinte originá-rio. Caso isso ocorra, estaremos diante do fenômeno conhecido como recepção. De outro vértice, as normas anteriores que estiverem em descompasso com a nova ordem jurídica serão consideradas não-recepcionadas (tecnicamente é incorreto falar que essas normas incompatíveis são inconstitucionais frente à nova Constituição, haja vista que a inconstitucionalidade é congênita, situação que estudaremos mais a frente).

É possível que ocorra o fenômeno da desconsti-tucionalização no Brasil? Antes de se responder à essa indagação, importante saber em que consiste tal fenômeno. A desconstitucionalização é o fenômeno pelo qual as normas da Constituição anterior, que forem com-patíveis com a nova ordem constitucional, permanecem

em vigor, mas com status de lei infraconstitucional (há uma queda de hierarquia da norma). Passemos, agora, à resposta da indagação feita: no Brasil somente será possível a ocorrência desse fenômeno se a nova ordem constitucional fizer previsão expressa nesse sentido. Caso contrário, como tem ocorrido até o presente momento, a constituição anterior será integralmente revogada pela nova ordem jurídica.

Sublinhe-se que o poder constituinte originário é dito ilimitado, entendendo-se que a nova Constituição Federal não encontra limites anteriores, podendo revo-gar qualquer norma do ordenamento jurídico anterior.

No tocante a essa característica importante destacar o posicionamento firmado entre os positivistas e os jusnaturalistas. Para os primeiros (posição, inclusive, do próprio Supremo Tribunal Federal) não há qual-quer limite que assuma o caráter jurídico. Segundo a jurisprudência do STF o poder constituinte não se encontra sujeito a qualquer limite imposto pela ordem jurídica interna, tampouco a limitações de ordem suprapositiva. Por sua vez, para os jusnatu-ralistas, a condição de validade do poder constituinte originário é o direito natural, o qual se sobrepõe ao direito material.

Destaque-se, outrossim, que parcela da doutrina afirma que o poder constituinte originário somente deve possuir essa característica de ilimitado no plano interno, sendo que no plano internacional ele não poderia violar regras mínimas de convivência com outros países soberanos, conforme regras do Direito Internacional. Entretanto, não é esse entendimento que prevalece na nossa doutrina constitucionalista, nem da jurisprudência do STF.

Diz-se, ainda, que o poder constituinte originário é incondicionado, pois não depende de um procedimento preestabelecido para ser exercido, sendo que a forma mais democrática para seu exercício é por intermédio da instituição de uma Assembleia Constituinte.

Ademais, é conhecido como sendo um poder po-lítico, ou seja, a ordem jurídica começa com referido poder e não antes dele.

E mais. É um poder permanente, vez que o poder constituinte originário poderá ser exercido a qualquer tempo, não se esgotando no momento de seu exercício. Destaque-se que a atuação da Assembleia Constituinte é temporal, findando-se após sua atuação.

Por fim, o Poder Constituinte Originário poderá se manifestar por intermédio da outorga (declaração unilateral do agente revolucionário) ou da assembleia nacional constituinte (nasce a partir da deliberação da representação popular. Essa forma de expressão é também conhecida como convenção).

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CAPÍTULO 4

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

4.1. CONCEITO E SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O denominado controle de constitucionalidade das normas constitui uma das criações mais interessantes do direito constitucional e da ciência política, vez que a adoção das variadas formas nos mais diversos sistemas constitucionais, mostra sua flexibilidade e capacidade de se adequar aos mais diversos sistemas políticos, sendo curioso observar sua expansão na ordem jurídica atual.

Analisando-se a sistemática atual a respeito do controle de constitucionalidade verificamos que foi deixado de lado o antigo monopólio da ação direta, vez que essa somente poderia ser proposta, exclusi-vamente, pelo Procurador-Geral da República. Com a ampliação do rol de legitimados ativos para a pro-positura das ações em sede de controle abstrato de constitucionalidade conclui-se que houve considerável avanço do presente instituto.

Embora tenha sido mantido o modelo tradicional de controle difuso, a adoção de instrumentos como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de segurança coletivo e, especialmente a ação direita de inconstitucionalidade, conferiram um novo perfil a esse sistema de controle. Ademais, foi inserido em nosso ordenamento jurídico brasileiro o remédio constitucional conhecido como mandado de injunção, o qual já foi devidamente estudado na presente obra.

A Constituição Federal é o instrumento normativo através do qual se disciplina a criação das denominadas regras essenciais do Estado, organiza os entes estatais, bem como elenca o procedimento legislativo. Em virtude dessas características resta cristalina a posição hierárquica preeminente das normas constitucionais (princípio da supremacia da Constituição Federal).

Destaque-se, contudo, que somente será possível se falar em controle de constitucionalidade naqueles países que adotem, quanto à estabilidade, uma constituição do

tipo rígida. Isso porque, se as normas constitucionais forem flexíveis, não existirá procedimento diferenciado das demais espécies normativas, sendo que no caso seria realizado, apenas e tão somente, um controle de legalidade das normas, levando-se em conta, especial-mente, o critério da temporalidade.

Segundo a clássica lição de Hans Kelsen o orde-namento jurídico pode ser representado por uma pirâmide, sendo que no topo dela estão as normas constitucionais (Constituição Federal e demais normas materialmente constitucionais), as quais são consi-deradas normas (ou fundamentos) de validade dos demais atos normativos do sistema, que se encontram hierarquicamente abaixo daquelas.

Para uma compreensão mais simples devemos analisar o ordenamento jurídico brasileiro de cima para baixo, sendo que no topo da pirâmide encon-tram-se as normas constitucionais e todos os demais atos normativos hierarquicamente abaixo daquelas. Portanto, somente podemos dizer que uma norma é constitucional se ela estiver em harmonia com as normas constitucionais.

Atualmente há uma tendência de ampliar o conteúdo do parâmetro de constitucionalidade, com aquilo que a doutrina vem chamando de bloco de constitucio-nalidade (ou paradigma de controle). Através desse instituto a doutrina moderna afirma que o parâmetro de constitucionalidade não se limita apenas às normas constantes da Constituição Federal e sim também pelas leis com valor constitucional material, pelos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados nos termos do § 3.º do art. 5.º da CF, bem como pelo conjunto de preceitos e princípios, explícitos ou implícitos, decorrentes da própria Carta Magna.

Em virtude da supremacia da Constituição é que surge o instituto do controle de constitucionalidade o qual, de forma didática, pode ser conceituado como sendo a verificação de compatibilidade vertical entre as normas constitucionais e os demais atos normativos que se encontram hierarquicamente abaixo delas.

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54 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

O controle de constitucionalidade é um instrumen-to de tutela e proteção do princípio da supremacia da Constituição, buscando manter a harmonia do ordenamento jurídico.

Destaque-se que somente é possível falar que uma norma é constitucional ou não se ela foi editada e promulgada após a Constituição Federal (e normas constitucionais) em vigor à época. Se a norma infracons-titucional for constitucional, e a norma constitucional que serviu de parâmetro de aferição for revogada, é possível que aquela seja incorporada ou não pelo novo ordenamento jurídico. Se estiver em consonância com o atual regramento constitucional, dizemos que ela foi recepcionada, sendo que continuará a viger. De outro vértice, se aquela norma estiver em desacordo com a nova Constituição Federal dizemos que ela não foi recepcionada pela nova ordem (sendo extirpada tacitamente do ordenamento jurídico), sendo incor-reto dizer que ela é inconstitucional. Nessas situações estaremos diante do denominado direito intertemporal.

Portanto, tecnicamente, o parâmetro para se afir-mar se a norma infraconstitucional é ou não consti-tucional é a Constituição Federal (e demais normas constitucionais) vigente ao tempo em que aquela entrou em vigor. Ressalte-se, contudo, que não raras vezes doutrina e jurisprudência, afastando-se do termo técnico, acabam por utilizar as expressões em questão de forma indiscriminada.

Importante consignar que em virtude da globali-zação e das regras de Direito Internacional, surgiu o instituto do controle de convencionalidade, que é a verificação de compatibilidade entre a legislação na-cional e as normas de proteção internacional (tratados e convenções internacionais) ratificadas pelo Governo brasileiro e em vigor no país.

IMPORTANTE

No final do ano de 2016 a 5.ª Turma do STJ decidiu pela não aplicabilidade do crime de desacato (art. 331 do Código Penal), haja vista que, ao se valer do controle de convencionalidade, decidiu que a figura típica desse tipo é incompatível com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário (cf. Informativo n.º 596 – Resp. 1.640.084-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimi-dade, julgado em 151216, DJe 01/2/17). Portanto, para referida turma teria ocorrido a descriminalização do desacato. Entretanto, no mês de maio de 2017, a 3.ª Seção do STJ (reunião dos Ministros da 5.ª e 6.ª Turmas) ao julgar o HC 379.269/MS decidiu que o desacato continua sendo crime em nosso ordenamento jurídico brasileiro. Frise-se que até o fechamento desta obra não houve posicionamento do STF a respeito do caso.

Em agosto de 2018, monocraticamente, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, inde-feriu pedido de Habeas Corpus 154.143, no qual a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro pedia o trancamento da ação penal a que um colombiano respondia, na Justiça fluminense, pela prática do crime de desacato. Para o decano do STF, a conduta imputada ao denunciado, de desacatar funcionários públicos no exercício de suas funções, extrapola o direito à liberdade de expressão, que não pode amparar comportamentos delituosos.

Na referida decisão, de forma a demonstrar o caráter não absoluto do direito à livre expressão, fundamentou o Min. Celso de Mello:

“Os abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, quando praticados, legitimarão, sempre a posteriori, a reação estatal aos excessos cometidos, expondo aqueles que os praticarem a sanções jurídicas, de caráter civil ou, até mesmo, de índole penal”.

Portanto, a despeito do posicionamento inicialmente exposto pelo Superior Tribunal de Justiça, a meu ver, enquanto o Pleno do Supremo Tribunal Federal não declarar a não recepção do art. 331 do Código Penal, ou até que sobrevenha legislação revogando este tipo penal, tal conduta continua sendo punível. Frise-se que em outubro de 2017 foi proposta perante o Supremo Tribunal Federal uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (496) por parte do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, mas até o fechamento da presente obra não houve decisão liminar, nem de mérito.

Ainda sobre controle de convencionalidade, interes-sante pontuar que a Corte IDH possui jurisprudência no sentido de que a obrigação de controlar a conven-cionalidade das normas internas é dever não só dos juízes, mas também de outros órgãos do Estado, nos limites de suas atribuições:

Quando um Estado é parte em um tratado interna-cional como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, incluídos seus juízes, estão a ele submetidos, o qual os obriga a velar a que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e fim, pelo que os juízes e órgãos vinculados à administração da Justiça em todos os níveis têm a obrigação de exercer ex officio um “controle de convencionalidade” entre as normas internas e a Convenção Americana.1

Daí o preciso ensinamento de Valerio Mazzuoli acerca da atuação da Polícia Judiciária:

1. Corte IDH, Caso Gelman vs. Uruguai, Sentença de 24/02/2011.

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CAPÍTULO 5

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS

5.1. CONSIDERAÇÕES INICIAISA despeito de possuírem certa similitude e se

aproximarem em alguns aspectos, é importante que não utilizemos de forma equivocada e indiscriminada as seguintes expressões: direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais.

A expressão “direitos do homem” possui cunho jus-naturalista, compreendendo a série de direitos naturais hábeis à proteção global do homem e válidos em todos os tempos. Em tese, são direitos que não se encontram consubstanciados nos textos constitucionais, nem nos tratados internacionais protetivos. Segundo a doutrina, trata-se de expressão em desuso em diversos países.

Já a expressão “direitos humanos” está relacionada ao conjunto de direitos que podem ser exigidos por todos os seres humanos do planeta e em qualquer condição, bastando que ocorra a violação de um direito seu reconhecido em norma internacional e que seja aceita pelo Estado em cuja jurisdição se encontre. Parcela da doutrina utiliza a expressão “direitos humanos funda-mentais”, objetivando-se representar a união material da proteção de fonte constitucional com a preservação de cunho internacional daqueles direitos. Destaque-se que a CF deu tratamento diferenciado aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, conferindo-lhe status de norma constitucional, desde que observado o procedimento estabelecido no § 3.º do art. 5.º da CF.

De outro vértice, a expressão “direitos fundamentais” deve ser compreendida como sendo a proteção interna dos direitos dos seres humanos, ligada a normas pro-tetivas constitucionais que se encontram positivadas nas Constituições contemporâneas. Frise-se que os direitos fundamentais se encontram objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta.

Partindo-se dos conceitos sobre os direitos hu-manos e os direitos fundamentais, forçoso presumir

que os primeiros são mais amplos que os últimos, haja vista que esses possuem uma amplitude mais restrita, ou seja, em um determinado ordenamento jurídico interno.

Registrem-se os ensinamentos doutrinários:

“Por questão de técnica, porém, preferimos o uso do termo direitos humanos para conotar a proteção da ordem internacional a esses direitos, e o emprego da expressão direitos fundamentais quando a matriz protetiva se encontra in foro doméstico” 1.

É de se registrar que através do estudo dos parágrafos do artigo 5.º da nossa Carta Magna, verificamos que o legislador constituinte foi feliz na utilização das expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, haja vista ter se valido de total precisão técnica, conforme conceitos que acabamos de ver neste capítulo.

Ao iniciarmos o estudo do presente tema é de suma importância deixarmos consignados que a Constituição Federal de 1988, em seu Título II, classifica os direitos e garantias fundamentais como sendo gênero, do qual decorre cinco espécies:

a) direitos e deveres individuais e coletivos;

b) direitos sociais;

c) direitos de nacionalidade;

d) direitos políticos; e,

e) partidos políticos.

Dito isso, é um equivocado pensar (e afirmar) que os direitos fundamentais são aqueles elencados, única e exclusivamente, no art. 5.º da nossa Constituição Federal de 1988.

1. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 6.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019. P. 30.

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Ademais, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e em abalizada doutrina, podemos afirmar, tranquilamente, que os direitos e deveres individuais e coletivos não estão restritos ao rol dos incisos constantes do art. 5.º da Carta Magna, poden-do ser encontrados ao longo do texto constitucional, explícita ou implicitamente, bem como constantes de tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte (cf. art. 5.º, § 2.º, da CF).

Ainda, no que tange aos aspectos gerais a respeito dos direitos fundamentais, impende registrar a deno-minada teoria dos quatro status. No final do século XIX o professor alemão Georg Jellinek desenvolveu a teoria em questão, tendo em vista as variadas fun-ções desenvolvidas pelos direitos humanos, as quais colocarão o indivíduo em determinado patamar diante do Estado. A despeito de ter sido desenvolvida no século XIX essa teoria ainda é atual, embora existam algumas críticas a respeito dela.

O primeiro status é o passivo, segundo o qual o indivíduo encontra-se em posição de subordinação aos poderes públicos, sendo detentor de deveres para com o Estado. Aqui, o Estado poderá obrigar o indivíduo, seja por intermédio de condutas ativas (mandamentos), seja por condutas passivas (proibições).

Há também o status negativo, o qual se contrapõe ao primeiro status. O indivíduo passa a ser possuidor de personalidade, tem direito de usufruir de um espaço de liberdade. Nesse segundo status o Estado não tem ingerência na autodeterminação do indivíduo. Por sua vez, o status positivo é aquele em que o indivíduo tem o direito de exigir do Estado uma atuação positiva em seu favor, oferecendo serviços ou bens.

Por fim, reconheceu-se o status ativo em que o indivíduo passa a usufruir de atribuições para aconselhar a formação da vontade estatal, guardando correlação direta com o exercício dos direitos políticos.

Abalizada doutrina preceitua:

“Em suma, com base na teoria clássica de Jellinek, os di-reitos fundamentais correspondem a cada um daqueles status, desempenhando funções distintas. Destarte, com fundamento no status negativo, o indivíduo titulariza direitos de defesa em face do Estado, em virtude dos quais ele pode, quando se sentir ameaçado ou prejudi-cado por entes ou órgãos estatais, repelir a intervenção ilegítima destes no âmbito de sua autonomia individual garantida por lei. Com arrimo no status positivo, pode o indivíduo exigir prestações do Estado para suprir suas necessidades e, finalmente, com supedâneo no status ativo, o indivíduo tem o direito de participar da vida política de sua comunidade. O status passivo, na verdade, não contempla nenhum direito, e sim obriga-ções. A teoria proposta corresponde, de certo modo, ao

processo histórico de emancipação da pessoa humana. No início, os homens conquistam a liberdade e passam da condição de mero objeto do Estado à condição de su-jeitos de direitos frente a esse Estado. Depois, adquirem uma posição jurídica perante o Estado, do qual recebem prestações. Enfim, posteriormente, estão habilitados a participar ativamente do processo político, tornando-se sujeitos do próprio Estado”2.

Outro ponto importante a ser estudado aqui diz respeito à evolução dos direitos fundamentais. Den-tre as diversas classificações trazidas pela doutrina, vamos destacar neste momento aquela que divide os direitos fundamentais em dimensões (ou gerações) de direitos. A despeito de alguns doutrinadores ainda se utilizarem da expressão “geração” (a qual dá a ideia de sucessão), preferimos utilizar o termo “dimensão”, haja vista que esta não abandonaria as conquistas das dimensões anteriores, vedando-se a denominada proibição de evolução reacionária.

Frise-se que, não obstante a classificação a seguir descrita, doutrina não é pacífica quanto à alocação dos direitos mencionados em cada uma dessas dimen-sões, nem quanto ao número exato dessas. Em razão disso, o leitor poderá encontrar exemplos diversos em outras obras.

Com base na divisão acima, os direitos funda-mentais podem ser classificados em cinco dimensões.

a) Primeira dimensão dos direitos fundamentais – está relacionada às liberdades individuais, em contraposição ao até então Estado autoritário. As liberdades individuais representavam formas de absenteísmo estatal. O Estado deixa de ser autoritário, passando para um Estado de Direito. Destaque-se que a liberdade é traduzida pelos direitos civis e políticos.

b) Segunda dimensão dos direitos fundamentais – diz respeito aos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos. Em razão das péssimas situações e condições de trabalhos, realizam-se reivindicações traba-lhistas e normas de assistência social, eclodindo importantes movimentos revolucionários (v.g., Comuna de Paris em 1848). Teve como marco a conhecida Revolução Industrial Europeia.

c) Terceira dimensão dos direitos fundamentais – diz respeito ao meio ambiente, desenvolvimento, propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e de comunicação, preocupando-

2. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, T. IV, P. 84, apud CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucio-nal. 12. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, P. 498.

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CAPÍTULO 6

PODER LEGISLATIVO

6.1. FUNDAMENTO, ATRIBUIÇÕES E GARAN-TIAS DE INDEPENDÊNCIA

6.1.1. Fundamento

O Poder Legislativo tem como funções típicas a atividade legiferante (produção de leis) do Estado, além de desempenhar o controle político do Poder Executivo e a fiscalização orçamentária. Da mesma forma que os demais Poderes, o Poder Legislativo executa, também, algumas funções atípicas (v.g., julgamento do Presi-dente da República em processo de impeachment).

Estruturalmente ele tem tratamento diferente no âmbito federal, estadual, distrital e municipal.

No âmbito federal o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, sendo adotado o denomina-do sistema bicameral, haja vista ser aquele composto por duas casas legislativas, quais sejam:

a) Câmara dos Deputados: composta por repre-sentantes do povo, isto é, os Deputados Federais manifestam a vontade do povo. Aqueles são eleitos segundo o princípio proporcional, ou seja, o número de Deputados Federais de cada Estado ou do Distrito Federal será proporcional à população de cada um desses entes federa-tivos, sendo que o número mínimo de cada Estado ou do Distrito Federal não poderá ser inferior a 08 (oito) Deputados Federais, nem superior a 70 (setenta). Atualmente a Câmara dos Deputados possui 513 (quinhentos e treze) representantes, número esse estabelecido pela LC n.º 78/93. O mandato é de 04 (quatro) anos, admitindo-se a reeleição dos Deputados, sem que haja limitação para tanto. Frise-se que se houver a criação de um Território Federal, esse também poderá eleger Deputados Federais, num total de 04 (quatro).

b) Senado Federal: composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, de forma

paritária, assegurando-se o equilíbrio entre eles (princípio do bicameralismo federativo). Os Senadores são eleitos observando-se o princípio majoritário, ou seja, serão eleitos os Senado-res mais votados em cada um daqueles entes federativos. Diversamente do que ocorre com a Câmara dos Deputados, o número de Sena-dores eleitos é fixo, sendo que cada Estado e o DF elegerão apenas 03 (três) Senadores, cada um desses com 02 (dois) suplentes. Com base nisso, considerando que a República Federativa do Brasil possui atualmente 26 (vinte e seis) Estados além do Distrito Federal, o número total de Senadores é de 81 (oitenta e um). No tocante ao mandato, também há diferença com os dos Deputados, haja vista que o prazo é de 08 (oito) anos, sendo que a renovação dos Senadores eleitos é de 04 (quatro) em 04 (quatro) anos, na proporção de 1/3 (um terço) e 2/3 (dois terços), conforme preceitua o § 2.º do art. 46 da CF. Por fim, é de se destacar que, ainda que haja a criação de Territórios Federais, esses não terão direito a eleger Senadores da República.

6.1.2. AtribuiçõesA CF delineia, de forma individualizada, as atribui-

ções do Congresso Nacional (arts. 48 e 49), da Câmara dos Deputados (art. 51) e do Senado Federal (art. 52).

A partir do estudo dos arts. 48 e 49 da CF veri-ficamos que o Congresso Nacional possui apenas as denominadas competências legislativas e competências políticas próprias. A despeito dessa previsão, segundo a doutrina pátria o rol de atribuições do Congresso Nacional é meramente exemplificativo.

Inicialmente, é de se consignar, que as matérias elencadas no art. 48 da CF, embora sejam de atribuição do Congresso Nacional, elas necessitam de sanção do Chefe do Executivo Federal (Presidente da República),

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razão pela qual são conhecidas como competências legislativas, vez que serão regulamentadas por inter-médio de lei. De outro vértice, as matérias elencadas nos arts. 49 não necessitam de sanção presidencial para entrarem em vigor, integrando o grupo das competências políticas próprias, sendo regulamentadas via resolução.

No exercício da competência legislativa o Con-gresso Nacional disporá sobre todas as matérias de competência da União Federal (art. 48), sendo que referidas matérias deverão ser regulamentadas por lei, tendo em vista que o próprio texto constitucional exige a sanção do Chefe do Poder Executivo Federal.

As competências políticas exclusivas do Congresso Nacional estão previstas nos incisos do art. 49 da CF. Essas matérias dispensam sanção presidencial, razão pela qual deverão ser regulamentadas por meio de resolução.

As atribuições da Câmara dos Deputados estão previstas no art. 51, ao passo que as atribuições do Senado Federal encontram-se elencadas no art. 52 da Carta Magna. É de se destacar que tanto as matérias privativas de competência da Câmara dos Deputados, quanto do Senado Federal, por não dependerem de sanção presidencial, serão materializadas por meio das denominadas resoluções (espécie do gênero ato normativo – cf. art. 59, VII, da CF).

6.1.3. Garantias de IndependênciaPonto importante a ser estudado, e que tem sido

destaque nos últimos tempos devido à denominada Operação Policial Lava Jato, é o denominado esta-tuto dos congressistas, que consiste em um rol de prerrogativas e vedações parlamentares, a fim de que os membros do Poder Legislativo tenham condições de atuar com independência e liberdade no desempenho de suas funções constitucionais.

Não obstante sua importância para o salutar anda-mento do Estado Democrático do Direito, temos visto nos últimos tempos que elas, infelizmente, acabam servindo para “blindar” atividades ilícitas perpetradas por muitos parlamentares. Entretanto, não podemos nos olvidar que tais regras não devem ser vistas como privilégios pessoais dos membros do Poder Legislativo, sob pena de desvirtuamento delas.

São regras que integram o estatuto dos congressistas:a) Imunidades;b) Prerrogativas;c) Incompatibilidades.A partir de agora analisaremos cada uma dessas

regras.

As imunidades devem ser entendidas como sen-do prerrogativas outorgadas constitucionalmente aos membros do Poder Legislativo, a fim de que eles pos-sam exercer as respectivas funções com independência e liberdade de manifestação, por meio de palavras, discussão, debates e votos.

Frise-se que desde a expedição do diploma1, por parte da Justiça Eleitoral, os parlamentares federais possuem as imunidades, já devendo ser observadas as regras previstas constitucionalmente. Elas podem ser divididas em imunidades formal e material.

A imunidade material (real ou substantiva) é aquela a partir da qual os parlamentares federais (Deputados e Senadores) são invioláveis (civil, penal, política e administrativamente) por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, desde que proferidas em razão de suas funções, no exercício e relacionadas ao respectivo mandato.

A despeito de ser entendida como sendo absoluta, permanente e de ordem pública, a imunidade material só protege o congressista quando sua manifestação se der no exercício do mandato.

O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que se as manifestações ocorrerem no recinto das Casas Legislativas, os parlamentares estarão sempre protegidos por essa imunidade, haja vista a presunção absoluta de pertinência temática com o desempenho da atividade parlamentar, vez que nada se reveste de caráter mais intrinsicamente parlamentar do que os pronunciamentos feitos no âmbito do Poder Legislativo.

Não obstante esse entendimento, importante trazer à baila um caso concreto em que a Colenda Corte acabou por afastar essa presunção e, por consequência, a própria imunidade material. Vejamos:

“A Primeira Turma, em julgamento conjunto e por maio-ria, recebeu denúncia pela suposta prática de incitação ao crime (CP, art. 286) e queixa-crime apenas quanto à alegada prática de injúria (CP, art. 140), ambos os delitos imputados a deputado federal. Os crimes dizem respeito a declarações proferidas na Câmara dos Deputados e, no dia seguinte, divulgadas em entrevista concedida à imprensa. No caso, o parlamentar afirmara que depu-tada federal “não merece ser estuprada, por ser muito ruim, muito feia, não fazer seu gênero” e acrescentara que, se fosse estuprador, “não iria estuprá-la porque ela não merece”. A Turma assinalou que a garantia consti-tucional da imunidade material protege o parlamentar, qualquer que seja o âmbito espacial em que exerça a liberdade de opinião, sempre que suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legis-

1. A diplomação é um atestado garantindo a regular eleição do candidato. Ela é feita antes da posse.

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lativa ou tenham sido proferidas em razão dela. Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser relacionadas ao exercício do mandato, devem revelar teor minimamente político, referido a fatos que estejam sob debate público, sob investigação em CPI ou em órgãos de persecução penal ou, ainda, sobre qualquer tema que seja de interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou quaisquer grupos representados no parlamento ou com pretensão à representação demo-crática. Consequentemente, não há como relacionar ao desempenho da função legislativa, ou de atos praticados em razão do exercício de mandato parlamentar, as pa-lavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou ideias e, portanto, sem vínculo com o exercício das funções cometidas a um parlamentar. Na hipótese, trata-se de declarações que não guardam relação com o exercício do mandato. Não obstante a jurisprudência do STF tenha entendimento no sentido da impossibilidade de responsabilização do parlamentar quando as palavras tenham sido proferidas no recinto da Câmara dos Deputados, as declarações foram proferidas em entrevista a veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade. O fato de o par-lamentar estar em seu gabinete no momento em que a concedera é meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas as ofensas, mas sim por meio da imprensa e da internet. Portanto, cuidando-se de declarações firmadas em entrevista concedida a veículo de grande circulação, cujo conteúdo não se relaciona com a garantia do exercício da função parlamentar, não incide o art. 53 da CF”. (Inq 3932/DF, rel. Min. Luiz Fux, 21.6.2016) – sublinhei.

Questão interessante a ser abordada aqui, ainda, diz respeito à possibilidade ou não de aplicação da imunidade material nas opiniões proferidas por intermédio de redes sociais. A jurisprudência do STF é assente no sentido de que a imunidade material estará presente, em princípio, mesmo nas hipóteses de crimes de opiniões perpetrados pelas redes sociais. Nesse sentido, veja-se a seguinte ementa:

Queixa-Crime. Manifestações de parlamentar veicu-ladas, no caso, em meio de comunicação social (“face-book”). Imunidade parlamentar material (cf, art. 53, “caput”). Alcance dessa garantia constitucional. Tutela que a Constituição da República estende às opiniões, palavras, votos e pronunciamentos do congressista, independentemente do “locus” (âmbito espacial) em que proferidos, desde que tais manifestações guardem pertinência com o exercício do mandato representativo. O “telos” da garantia Constitucional da imunidade parlamentar, que se qualifica como causa descaracteri-zadora da própria tipicidade penal da conduta do con-gressista em tema de delitos contra a honra. Doutrina. Precedentes. Inadmissibilidade, no caso, da pretendida persecução penal por crimes contra a honra, em face da inviolabilidade constitucional que ampara os membros

do congresso nacional. Parecer do ministério público federal, como “custos legis”, pela rejeição da queixa--crime. Extinção do procedimento penal. (Pet 8242/DF, Min. Celso de Mello, J: 03/12/2019. Segunda Turma)

Antes de finalizar as considerações a respeito da imunidade material, impende consignar que o Supre-mo Tribunal Federal, apreciando recente caso, firmou a tese de que o fato de um parlamentar estar na Casa Legislativa no momento em que proferiu as declarações ofensivas não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que aquelas são divulgadas pelo próprio parlamentar na internet (PET 7174/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10.3.2020). Vejamos o informativo 969:

“A Primeira Turma recebeu queixa-crime formulada contra parlamentar pela prática de crime de difama-ção e injúria.De acordo com a inicial, o parlamentar-querelado, em discurso proferido no Plenário da Câmara dos Deputados e em reunião da Comissão de Constitui-ção e Justiça e da Cidadania da mesma Casa, teria desferido ofensas verbais a artistas, ao afirmar, dentre outras imputações, que eles teriam “assaltado” os cofres públicos ao angariar recursos oriundos da Lei Rouanet (Lei 8.313/1991).A Turma salientou que o fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet.Afirmou que a inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares.No caso concreto, embora aludindo à Lei Rouanet, o parlamentar nada acrescentou ao debate público sobre a melhor forma de distribuição dos recursos destinados à cultura, limitando-se a proferir palavras ofensivas à dignidade dos querelantes.O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos par-lamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação”.

A imunidade processual (formal ou adjetiva) diz respeito à prisão dos parlamentares, bem como às re-gras processuais a serem observadas em face daqueles.

A imunidade para a prisão (também denominada de incoercibilidade pessoal relativa – “freedom from arrest”) é aquele que protege os parlamentares contra a prisão

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cautelar, vez que eles somente poderão ser presos em flagrante por crime inafiançável2. Ou seja, a única prisão cautelar que poderá ser efetivada em face do parlamentar federal é a em flagrante por crime inafiançável.

Ocorrendo a prisão em flagrante, os autos serão remetidos, em 24 (vinte e quatro) horas, à Casa respectiva (Câmara dos Deputados ou Senado Fede-ral), para que haja a deliberação sobre a prisão, pelo voto da maioria de seus membros. Essa deliberação (aprovação) da Casa Legislativa é considerada condição necessária para a manutenção da prisão.

Destaque-se que ao julgar a AD 5526/DF o Supre-mo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o Poder Judiciário possui competência para impor aos parlamentares, por autoridade própria, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

Veja-se o julgado em questão:

“1. Na independência harmoniosa que rege o princípio da Separação de Poderes, as imunidades do Legislativo, assim como as garantias do Executivo, Judiciário e do Ministério Público, são previsões protetivas dos Poderes e Instituições de Estado contra influências, pressões, coações e ingerências internas e externas e devem ser asseguradas para o equilíbrio de um Governo Republi-cano e Democrático.2. Desde a Constituição do Império até a presente Consti-tuição de 5 de outubro de 1988, as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas, no intuito de preservar o Poder Legislativo de eventuais excessos ou abusos por parte do Executivo ou Judiciário, consagrando-se como garantia de sua independência perante os outros poderes constitucionais e mantendo sua representação popular. Em matéria de garantias e imunidades, necessidade de interpretação separando o CONTINENTE (“Poderes de Estado”) e o CONTEÚDO (“eventuais membros que pratiquem ilícitos”), para fortalecimento das Instituições.3. A imunidade formal prevista constitucionalmente somente permite a prisão de parlamentares em flagrante delito por crime inafiançável, sendo, portanto, incabível aos congressistas, desde a expedição do diploma, a aplicação de qualquer outra espécie de prisão cautelar, inclusive de prisão preventiva prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal.

2. Registre-se que, como regra, os crimes são afiançáveis. A CF estabelece a inafiançabilidade absoluta dos crimes constantes dos incisos XLII, XLIII e XLIV, todos do art. 5.º. Uma vez praticado qualquer desses crimes, não há que se falar, em hipótese algu-ma, de concessão de fiança, vez que são crimes inafiançáveis por natureza. De outro vértice, o art. 324 do Código de Processo Penal traz algumas situações em que também não se admite, como regra, a concessão de fiança.

4. O Poder Judiciário dispõe de competência para impor aos parlamentares, por autoridade própria, as medidas cautelares a que se refere o art. 319 do Código de Pro-cesso Penal, seja em substituição de prisão em flagrante delito por crime inafiançável, por constituírem medidas individuais e específicas menos gravosas; seja autono-mamente, em circunstancias de excepcional gravidade.5. Os autos da prisão em flagrante delito por crime ina-fiançável ou a decisão judicial de imposição de medidas cautelares que impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e regular exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, serão remetidos dentro de vinte e quatro horas a Casa respectiva, nos termos do § 2º do artigo 53 da Constituição Federal, para que, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão ou a medida cautelar.6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada par-cialmente procedente”.

Através da imunidade para o processo, uma vez recebida a denúncia contra um Parlamentar Federal, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa Legislativa respectiva que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros poderá, até decisão final, sustar o andamento da ação. Destaque-se que o pedido de sustação será apreciado pela respectiva Casa no prazo improrrogável de 45 (quarenta e cinco) dias de seu recebimento pela Mesa Diretora. Uma vez sustado o andamento do processo, suspende-se também a prescrição, enquanto durar o mandato.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha de-clarado inconstitucional a condução coercitiva do investigado, há que se registrar que existia na Colenda Câmara precedente do STF impedindo a condução coercitiva do parlamentar que se negar a comparecer a interrogatório.

Importante deixar registrado que as imunidades parlamentares não se estendem aos suplentes, salvo se assumirem ou estiverem no efetivo exercício do mandato. Isso porque, aquelas são prerrogativas ine-rentes ao cargo e não à pessoa.

Há que se observar, ainda, que as imunidades dos parlamentares federais subsistirão durante o estado de sítio, somente podendo ser suspensas mediante o voto de 2/3 (dois terços) dos membros da respectiva Casa legislativa, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

No que tange aos Estados-Membros e Distrito Federal, aplicam-se as mesmas regras sobre as imu-nidades conferidas aos parlamentares federais (cf. art. 27, § 1.º; e art. 32, § 3.º, ambos da CF).

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Já aos vereadores são aplicáveis apenas a regra da imunidade material, não se falando em imunidade for-mal (art. 29, VIII, da CF). Além disso, impende destacar que aquela imunidade só protege as manifestações do vereador na circunscrição do Município que exerce suas funções. Destaque-se que o Supremo Tribunal Federal entende tratar-se de uma imunidade relativa. Vejamos a ementa do STP 157AgR/SP (j. 21/2/2020. Plenário):

1. A Constituição Federal não assegura ao vereador a garantia da imunidade parlamentar formal. Precedente. 2. A necessidade de análise de legislação infraconstitu-cional para conhecimento da temática constitucional defendida pelo reclamante revela ofensa reflexa à Cons-tituição da República. 3. Impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal, na via excepcional da contracautela, imiscuir-se no contexto fático-probatório do processo de origem, devendo a reapreciação da interpretação dada ao conteúdo ser buscada na via recursal. 4. O in-teresse de caráter particular não constitui bem jurídico tutelado em sede de pedido de suspensão. 5. Agravo regimental não provido.

Dada sua relevância para os concursos públicos trataremos apenas da denominada prerrogativa de foro.

A prerrogativa de foro (art. 53, § 1.º, da CF) es-tabelece que os parlamentares federais, desde a expe-dição do diploma, serão submetidos a julgamento por infrações penais perante o Supremo Tribunal Federal.

Pela literalidade do texto constitucional, bem como considerando entendimento doutrinário e ju-risprudencial durante muito tempo consolidado, essa competência do STF era para processar e julgar os parlamentares federais por toda e qualquer infração penal a eles imputadas, mesmo que cometidas antes da diplomação. Nessa situação, eventuais ações penais em trâmite nas instâncias inferiores, com a diplomação do parlamentar federal, eram encaminhadas à Colenda Corte para prosseguimento da ação.

Tal prerrogativa alcança toda e qualquer infração penal (crimes e contravenções penais), bem como aqueles crimes sujeitos à competência da justiça especializada. Abrange, inclusive, todos os inquéritos policiais instau-rados em desfavor dos parlamentares federais, impondo a instauração daqueles junto ao STF. Destaque-se que o Pretório Excelso já decidiu, inclusive, que a autoridade policial não pode sequer indiciar o agente político sem autorização prévia do foro especial (Inq. QO 2.411/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/10/07).

Destaque-se, contudo, que referida prerrogativa não alcança as ações de natureza não penais ajuizadas em desfavor dos parlamentares, segundo a jurispru-dência do STF que se firmou no sentido de que a

competência por prerrogativa de foro restringe-se às ações de natureza penal.

A despeito da literalidade do texto constitucional, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento (03/5/18) da questão de ordem na Ação Penal 937, decidiu que o foro por prerro-gativa de função conferido aos deputados federais e senadores (a) aplica-se apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e (b) em razão das funções a ele relacionadas. Hoje, portanto, a prerrogativa de foro deve ser entendida de maneira limitada, nos termos da decisão em questão. Ressalte-se que os requisitos para a fixação de competência são cumulativos.

Na ocasião, também, decidiu-se a respeito da prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal, na hipótese em que após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. Com isso, a perda superveniente do mandato eletivo não afasta a prerrogativa de foro.

Nesse sentido, vejamos excerto da decisão profe-rida na AP 937:

Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida nos autos de inquérito, por meio da qual se declinou da competência para o processamento e o julga-mento do feito, com a consequente remessa ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O agravante sustentava a supressão do direito de recorribilidade em face da ordem de envio imediato dos autos ao STJ sem que fosse aguar-dado o decurso do prazo recursal para defesa. Afirmava, ainda, a necessidade da manutenção da competência no Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos até o ofereci-mento da denúncia, em função do avanço e da iminência do término das apurações, supervisionadas, no âmbito desta Corte, há mais de cinco anos (Informativo 918). O colegiado reafirmou a incompetência do STF para processar e julgar o feito. Inicialmente, observou que a decisão recorrida atendeu às regras de publicidade im-postas ao estabelecer a ciência formal às partes, embora tenha determinado a imediata remessa do feito ao STJ. Além disso, esclareceu ter sido cancelado o ato cartorário que, de forma equivocada, certificou o decurso do prazo recursal. Como resultado das providências adotadas, assegurou-se ao investigado o exercício do direito de defesa e do contraditório por meio da interposição de recurso contra o declínio de competência, o qual, no entanto, não possui efeito suspensivo, nos termos do art. 317, § 4º, do Regimento Interno do STF (RISTF) (1). Ato contínuo, assinalou inexistir prejuízo ao agravante, pois a determinação da imediata remessa dos autos do inquérito ao juízo destinatário está em consonância com

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Page 16: DELEGADO FEDERAL - Editora Juspodivm...tuição Federal. Independentemente do conteúdo material da norma, pelo simples fato de ela estar inserida na Constituição Federal, já será

104 DIREITO CONSTITUCIONAL • Rodrigo Perin Nardi

o novel entendimento do Plenário firmado no julgamento da AP 937 QO. Nesse precedente, o STF resolveu questão de ordem no sentido de fixar as seguintes teses: (i) o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, com o entendimento de que essa nova linha interpretativa deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudên-cia anterior, conforme precedente firmado no Inq 687 QO. A Turma asseverou que a pretensão do agravante foge aos parâmetros estabelecidos na AP 937 QO para auferir a prorrogação da jurisdição do STF, haja vista que o avançar das apurações deflagradas no inquérito não detém, de modo algum, a potencialidade de interferir no declínio de competência realizado. Apesar da efetiva evolução das investigações, sob a supervisão do STF, não houve imputação criminal formalizada pelo titular da ação penal contra o agravante nem encerramento da instrução processual penal. Logo, o marco temporal relativo à data de apresentação das razões finais não foi alcançado. O ministro Gilmar Mendes complemen-tou que a Corte tem entendido pela possibilidade de imediata remessa dos autos às instâncias competentes, inclusive antes da publicação do acórdão ou do trânsito em julgado, quando constatado o risco de prescrição. Na espécie, os fatos remontam a 2010, razão pela qual a determinação da remessa imediata demonstra-se adequada para evitar a ocorrência de prescrição antes do fim das investigações. (1) RISTF: “Art. 317. Ressal-vadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte. (...) § 4º O agravo regimental não terá efeito suspensivo”. Pet 7716 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 18.2.2020. (Pet-7716)

Essa segunda parte do julgamento, inclusive, vai no mesmo sentido de posicionamento mais antigo da própria Corte que entendia que em virtude do caráter unitário do julgamento, a cessação do exercício da função pública depois do STF haver dado início ao julgamento, não faz cessar a prerrogativa de foro (Inq. 2295/MG, j. 23/10/2008).

Referido entendimento deve ser aplicado aos pro-cessos em curso, ficando resguardados os atos e as decisões do STF, bem como dos juízes de outras ins-tâncias, tomados com base na jurisprudência anterior, assentada na questão de ordem no Inquérito (INQ) 687.

Ainda, dentro desse tópico, temos uma questão interessante a ser abordada, questão essa relaciona-da à possibilidade de perda automática ou não do mandato eletivo.

Conforme se extrai da leitura do § 2.º em questão, nos casos elencados nos incisos I, II e VI do caput, a perda do mandato eletivo não será automática, haja vista que dependerá de juízo político de conveniência do Plenário da Casa legislativa. É preciso que ocorra provocação e deliberação plenária, assegurando-se ao parlamentar a ampla defesa.

De outro vértice, nas hipóteses mencionadas nos incisos III a V do caput, a perda do mandato eletivo dar-se-á de forma automática, cabendo à Casa Legis-lativa respectiva apenas declarar a sua perda.

Questão tormentosa e que, sem dúvida alguma, será objeto de indagação nos concursos públicos, diz respeito à condenação criminal em sentença transitada em julgado. Isso porque, pela literalidade da Consti-tuição Federal é hipótese não automática de perda de mandato eletivo.

Entretanto, a jurisprudência do STF, durante muito tempo oscilou sobre o tema. Atualmente, há divergências entre as duas turmas da Colenda Corte. Para facilitar a compreensão, podemos esquematizar os posicionamentos da seguinte forma:

1.ª Turma

Se o Parlamentar Federal for condenado a mais de 120 dias em regime fechado: a perda do cargo será uma consequência lógica da condenação. Neste caso, caberá à respectiva Mesa apenas declarar que houve a perda, nos termos do art. 55, III e § 3º da CF.

Se o Parlamentar Federal for condenado a uma pena em regime aberto ou semiaberto: a condenação criminal não gera a perda automática do cargo. O Plenário da Casa respectiva deliberará, nos termos do art. 55, § 2º, se o condenado deverá ou não perder o mandato.

2.ª Turma

No entendimento da 2.ª Turma, o STF apenas comunica, por meio de ofício, a Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal informando sobre a condenação do parlamentar. Então a respectiva mesa deliberará (decidirá) como entender de direito (como quiser) se o parlamentar perderá ou não o mandato eletivo, conforme prevê o art. 55, VI, § 2º, da CF. Portanto, mes-mo com a condenação criminal, quem decide se haverá a perda do mandato é a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal.

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