débora bogéa da costa tayt-son€¦ · ao meu orientador de mestrado, professor eduardo ayrosa,...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
Débora Bogéa da Costa Tayt-son
CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE
CONSUMO DO SOL
Rio de Janeiro
2018
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Débora Bogéa da Costa Tayt-son
CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE
CONSUMO DO SOL
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto
COPPEAD de Administração, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em
Administração.
Orientador: Letícia Moreira Casotti
Rio de Janeiro
2018
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CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE
CONSUMO DO SOL
DÉBORA BOGÉA DA COSTA TAYT-SON
Tese de Doutorado submetida à Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de
Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Administração.
Aprovada por:
Rio de Janeiro 2018
(Presidente da Banca)
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DEDICATÓRIA
À família, meu porto seguro.
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à minha orientadora, Professora Letícia Casotti, por
toda a generosidade e carinho desde o primeiro dia em que nos conhecemos.
Hoje vejo que trocar um doutorado em andamento para começar um novo foi a
minha melhor escolha. Como você uma vez me disse e eu concordo, “aqui
trabalhamos muito, mas somos felizes”. Obrigada por dividir essa felicidade
comigo ao longo desses quatro anos.
A todos os professores do COPPEAD, em especial às professoras Roberta
Campos e Maribel Suarez, que tantas vezes me ouviram apresentar e discutiram
essa pesquisa comigo ao longo do seu desenvolvimento.
À professora Lisa Peñaloza que gentilmente aceitou me receber no doutorado
sanduíche em Bordeaux e dedicar parte do seu tempo para contribuir com o meu
desenvolvimento como pesquisadora.
Ao meu orientador de mestrado, Professor Eduardo Ayrosa, por ter despertado
em mim a vontade de seguir na pesquisa em Comportamento do Consumidor e
ter me apresentado para a Professora Letícia Casotti.
À Ticiane, por todo suporte administrativo necessário para que eu conseguisse
cumprir os prazos acadêmicos.
A CAPES, pelos auxílios de bolsas a esta pesquisa tanto no Brasil, quanto
durante o período de doutorado sanduíche.
À Camila Teixeira e a Thaysa, pelos diversos momentos em que conversamos e
por me ajudarem a concluir esse desafio com mais leveza.
Às minhas amigas da salinha de pós-doc, Ana Raquel, Nilma e Ana Paula, por
compartilharem comigo não apenas um lugar de trabalho como também
incontáveis momentos de incentivos.
Às minhas amigas doutorandas, Clarice Santos e Jeanne Pereira, por dividirem
comigo os momentos de angústia e de alegria.
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Às minhas amigas inacianas, Ana Carolina, Roberta, Betania, Ana Luiza, Joana,
Renata e Simone pela amizade, apoio e compreensão durante essa caminhada.
À minha mãe, Lena, e ao meu irmão, Leonardo, pelo amor incondicional e por
me fornecerem o suporte necessário para que eu conseguisse seguir em busca
dos meus sonhos.
À minha amada afilhada, Letícia, por ser uma criança cheia de saúde e alegria.
Obrigada por me ensinar tanto mesmo com tão pouca idade.
Ao Érico, meu companheiro de vida, por toda paciência, amor e respeito e por
sonhar esse sonho junto comigo.
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RESUMO
TAYT-SON, Débora Bogéa da Costa. Criação e Destruição de Valor em
Práticas de Consumo do Sol. 2018. 148f. Tese (Doutorado em Administração)
- Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2018.
Essa pesquisa possui como objetivo principal compreender como valores podem
ser criados e destruídos a partir de práticas presentes no consumo do sol. O
contexto de pesquisa escolhido, o sol, tem como principal característica a sua
onipresença que permitiu que fossem identificados e analisados
simultaneamente processos tanto de criação quanto de destruição de valor. Esse
estudo aconteceu em duas etapas. Na primeira, foi realizada uma análise de
textos de propagandas de protetor solar que identificou a existência de diversos
conflitos nas representações do sol. Na segunda etapa, foram realizadas
entrevistas narrativas apoiadas pela Teoria da Práticacom mulheres residentes
da cidade do Rio de Janeiro que permitiram construir um modelo conceitual de
criação e destruição de valor. Os três conjuntos de práticas que suportaram a
construção do modelo conceitual encontrados na pesquisa foram: (1) as práticas
que se relacionam com o corpo; (2) as práticas que se relacionam com
intermediários e; (3) as práticas que envolvem interações sociais. Essa pesquisa
avança nos estudos encontrados em cultura de consumo ao propor que práticas
podem levar tanto à criação quanto à destruição de valor. Além disso, traz
contribuições quanto à lente teórica utilizada e o contexto de pesquisa escolhido.
Palavras-chave: Criação de Valor. Destruição de Valor. Teoria da Prática.
Consumo do Sol.
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ABSTRACT
TAYT-SON, Débora Bogéa da Costa. Value Creation and Destruction in Sun
Consumption Practices. 2018. 148f. Tese (Doutorado em Administração) -
Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2018.
This research has the main objective to understand how the values can be
created and destroyed from practices present in sun consumption. The chosen
research context, the sun, has as main characteristic its omnipresence that
allowed identifying and simultaneously analyzing both the processes of creation
and destruction of value. This study took place in two stages. In the first one, an
analysis of texts presente on sunscreen advertisements was carried out, which
identified the existence of several conflicts in representations of the sun. In the
second stage, narrative interviews supported by Practice Theory were conducted
with women residents in the city of Rio de Janeiro, which allowed the construction
of a conceptual model of creation and destruction of value. The three groups of
practices that supported the construction of the conceptual model found in this
research were: (1) body-related practices; (2) practices related to intermediaries
and; (3) practices involving social interactions. This research advances the
studies found in consumer culture, proposing that practices can lead to both
creation and destruction of value. In addition, it brings contributions about the
theoretical lens used and the research context chosen.
Keywords:Value Creation. Value Destruction. Practice Theory. Sun Consumption.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Categorização da Teoria de Valor .................................................... 37
Figura 2: Metáforas para o Consumo .............................................................. 53
Figura 3: Circuito da Prática ............................................................................ 80
Figura 4: A Prática por Schatzki (1996) ........................................................... 98
Figura 5: A Prática nessa Pesquisa .............................................................. 100
Figura 6: Processo de Criação e Destruição de Valor em Práticas de Consumo
do Sol .............................................................................................. 112
Figura 7: Modelo Conceitual de Criação e Destruição de Valor em Práticas de
Consumo ......................................................................................... 114
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Estudos de Valor como Resultado.................................................. 41
Quadro 2: Estudos Teóricos de Processo de Criação de Valor ...................... 46
Quadro 3: Estudos Empíricos de Criação de Valor ......................................... 48
Quadro 4: Estudos de Destruição de Valor ..................................................... 52
Quadro 5: Campanhas em mídia impressa de protetor solar .......................... 84
Quadro 6: Perfil das Entrevistadas .................................................................. 96
Quadro 7: Elementos da Prática ...................................................................... 98
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SUMÁRIO
1. Percurso Prático e Teórico da Pesquisa .................................................... 14
1.1 Objetivo e Organização da Tese ......................................................... 17
2. Introdução .................................................................................................. 19
2.1 Consumo do Sol: Contextualização .................................................... 21
2.1.1 O Consumo e a Natureza ............................................................. 21
2.1.2 O Consumo e o Sol ...................................................................... 23
2.1.3 O Sol e o Governo Brasileiro ........................................................ 26
2.1.4 O Sol e o Rio de Janeiro ............................................................... 28
2.2 A Pesquisa .......................................................................................... 32
3. Contribuições da Literatura ........................................................................ 33
3.1 Valor .................................................................................................... 34
3.1.1 Valor como Resultado na Literatura ............................................. 39
3.1.2 Processos de Criação de Valor na Literatura ............................... 41
3.1.3 O Conceito de Destruição de Valor .............................................. 48
3.1.4 Tipologias de Consumo de Holt (1995) ........................................ 52
3.1.4.1 Consumir como Experiência .................................................. 53
3.1.4.2 Consumir como Integração .................................................... 55
3.1.4.3 Consumir como Classificação ................................................ 59
3.1.4.4 Consumir como Teatralização ................................................ 61
4. Teoria da Prática ....................................................................................... 64
4.1 Teoria da Prática como parte das Teorias Culturais ........................... 66
4.2 Teoria da Prática e o Consumo ........................................................... 69
4.3 Teoria da Prática nos Estudos de Consumo Recentes ....................... 74
4.4 O Circuito da Prática: O Estudo de Paolo Magaudda ......................... 78
5. Primeiro Estudo Exploratório: Textos de Propagandas ............................. 81
5.1 Procedimentos Metodológicos ............................................................ 81
5.2 Principais Achados do Estudo ............................................................. 87
5.2.1 Juventude versus Envelhecimento ............................................... 87
5.2.2 Juventude versus Envelhecimento: Representações de Gênero . 88
5.2.3 Juventude versus Envelhecimento: Representações Estéticas .... 89
5.2.4 Sol versus Sombra ....................................................................... 90
5.2.5 Discussão ..................................................................................... 91
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6. Estudo Principal: Práticas de Criação e Destruição de Valor .................... 92
6.1 Procedimentos Metodológicos ............................................................ 92
6.2 Principais Achados do Estudo ........................................................... 101
6.2.1 Práticas que se relacionam com o corpo .................................... 101
6.2.2 Práticas que se relacionam com intermediários ......................... 105
6.2.3 Práticas que envolvem interações sociais .................................. 108
6.2.4 Discussão ................................................................................... 111
7. Discussão Final ....................................................................................... 112
8. Referências Bibliográficas ....................................................................... 121
9. Anexos ..................................................................................................... 135
9.1 Anexo 1: Exemplos das Propagandas Analisadas ............................ 135
9.2 Anexo 2: Roteiro de Entrevistas ........................................................ 142
9.2.1 Roteiro de Entrevista - Versão 1 ................................................. 142
9.2.2 Roteiro de Entrevista - Versão 2 ................................................. 144
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1. Percurso Prático e Teórico da Pesquisa
No primeiro ano do doutorado, além das muitas leituras pude participar
de um grupo de pesquisa liderado pela Professora Roberta Campos sobre o
tema Socialização do Consumo. As leituras e as discussões sobre o tema se
seguiram até final de 2014 com a produção de um artigo conceitual que foi
apresentado e discutido em um workshop com a professora Lisa Peñaloza em
sua visita ao Centro de Estudos em Consumo do Instituto Coppead.
As leituras e encontros do grupo de pesquisa, as discussões e o
workshop, não me motivaram a seguir com o tema inicialmente escolhido. A
conversa com minha orientadora foi essencial para entender a importância de
gostar do que eu iria pesquisar nos três anos subsequentes e, provavelmente,
seguir pesquisando após a conclusão do doutorado. Assim, decidi que trocaria
de tema.
Como uma sessão de brainstorming, começamos a colocar as diversas
possibilidades de pesquisa que eu poderia escolher, já que deveria atender a um
interesse mútuo. Assim surgiu o sol, que trouxe literalmente brilho ao meu olhar
de pesquisadora. O grupo de pesquisa é apoiado há quinze anos pela Cátedra
L’Oréal de Comportamento do Consumidor. O Centro de Pesquisa que
começava a ser construído dentro do Campus da Universidade anunciava como
prioridade de P&D os produtos para cabelo e pele, o que reforçou a ideia de
entender o consumo do sol.
Aonde posicionar o sol no estudo? O quê do consumo do sol eu iria
pesquisar? Eu sabia que essas repostas fariam parte de um longo percurso de
pesquisa. Como primeiro desafio, minha orientadora recomendou que eu
compreendesse um pouco da história do sol e iniciasse uma pesquisa a partir de
algum texto cultural que falasse do sol tal como letras de músicas ou algum tipo
de literatura.
Para construir esse trabalho de texto cultural que de alguma forma
envolvesse o sol, decidi olhar as propagandas de protetor solar, uma categoria
de produto criada para evitar o sol, criada para nos proteger do sol. Esse
caminho pareceu interessante já que outros textos estavam repletos de
associações sempre positivas com o sol “astro rei”. Como o sol estava retratado
15
nessas propagandas? Esse artigo foi apresentado no congresso Enanpad de
2015. O artigo faz parte dessa tese e foi,não só o primeiro contato com o tema
escolhido, mas também o responsável por apoiar a decisão segura de seguir por
esse curioso campode pesquisa.
Após apresentação do artigo de texto cultural e os bons feedbacks dos
avaliadores, era preciso ir ao campo e iniciar a aproximação com os
consumidores e, ao mesmo tempo, observar situações de consumo do sol. Qual
caminho seguir? Mas sobre o quê vou conversar com as consumidoras? E assim
decidi que na primeira rodada de entrevistas, dado que pouco material disponível
sobre o sol foi encontrado nos estudos de cultura e consumo e mesmo em
comportamento do consumidor de forma mais abrangente, que a entrada no
campo seria feita de forma mais aberta considerando ainda objetivos amplos de
pesquisa. Perguntas que explorassem os significados e os aspectos negativos e
positivos do sol, bem como o uso de técnicas projetivas, serviram de base para
esse meu primeiro roteiro.
Na primeira parte do campo foram realizadas seis entrevistas e,
simultaneamente, iniciei um processo de leituras para escolha de uma lente
teórica que pudesse me ajudar a compreender o fenômeno que, naquele
momento, nem eu sabia ainda qual era. E assim cheguei à Teoria da Prática.
Essa teoria era uma boa opção para responder as dúvidas que eu tinha a
respeito da discussão de agência e estrutura que já permeavam minha mente
desde o primeiro ano de doutorado, especialmente após o início das leituras de
Socialização.
Lendo os artigos que utilizaram a Teoria da Prática, encontrei a pesquisa
de Schau, Muñiz e Arnould (2009) que discute como práticas de comunidades
de marca criam valor. Nesse momento, identifiquei que valor poderia ser o outro
eixo teórico que sustentaria esse trabalho. Muitas pesquisas que analisam os
aspectos de criação de valor foram então lidas e organizadas para que
começassem a fazer sentido.
Na sequência, tendo descoberto o eixo e a lente teórica que guiariam os
passos dessa tese, escrevi o projeto que foi apresentado na banca de
qualificação em outubro de 2016. A banca de qualificação trouxe diversos
questionamentos que foram relevantes para que eu conseguisse avançar na
análise e na discussão. Até esse momento, os resultados estavam apresentando
16
os achados do campo mais do que trazendo possibilidades de contribuições
teóricas. Os pontos levantados pela banca foram essenciais para que eu
pudesse aprofundar as leituras e conseguir identificar possibilidades de gap
teórico.
Assim, concluímos que eu deveria voltar ao campo e realizar novas
entrevistas, mas agora com um roteiro mais maduro e elaborado, que trouxesse
questões que envolvessem aspectos presentes tanto na Teoria da Prática
(objetos, significados e fazeres), quanto no valor (benefícios percebidos). Foram
realizadas mais nove entrevistas em profundidade com mulheres residentes na
cidade do Rio de Janeiro.
Da análise das quinze entrevistas que tínhamos até esse momento,
fizemos um artigo que foi submetido para o Enanpad daquele ano. Entre os
resultados da pesquisa, identificamos práticas que envolvem o consumo do sol
e que foram organizadas em algumas categorias temáticas. Dessas categorias
temáticas, apenas uma destoava das demais por concentrar aspectos negativos
da relação do indivíduo com o sol e que, no primeiro momento, chamamos de
Combate.
Em uma das apresentações realizada por mim ao grupo do Centro de
Estudos em Consumo do Coppead, recebi como sugestão voltar à literatura de
valor para tentar ser menos descritiva nos meus resultados e identificar a minha
contribuição teórica. Nessa volta à literatura (que aconteceu diversas vezes ao
longo dessa pesquisa), identifiquei um conceito recente, pouco explorado no
marketing e que estava concentrado apenas nas discussões de serviços:
destruição de valor.
A destruição de valor acabou surgindo na minha pesquisa na medida em
que identificamos a existência de uma categoria temática que concentrava
aspectos negativos do sol e que se distanciava de todas as demais. Sabíamos
que essa categoria guardava um dos pontos altos da pesquisa dada a
construção cultural sempre positiva ao redor do sol, mas faltava ainda identificar
a relação dela com a discussão de valor e com a Teoria da Prática. E, assim, a
destruição de valor começou a fazer parte dos resultados da pesquisa. Ao reler
algumas entrevistas, encontrei mais testemunhos que falavam de destruição de
valor.
17
Tendo isso em mente, realizei uma nova volta ao campo. Nesse novo
roteiro, busquei incluir questões que pudessem trabalhar tanto os aspectos de
criação quanto os de destruição de valor para o consumidor, com olhar para as
práticas de consumo. Com essa nova rodada de entrevistas, pudemos aprimorar
o artigo submetido inicialmente para o Enanpad para que contemplasse também
essa discussão de destruição de valor.
Esse novo artigo foi levado para ser apresentado e discutido durante o
período em que realizei o doutorado sanduíche. Fui aceita para o estágio no
exterior na Kedge Business School: Ecole de Commerce et Management, em
Bordeaux, França, com orientação da professora Lisa Peñaloza. Esse estágio
trouxe novo olhar e importantes questionamentos em relação à lente teórica e
aos achados de campo desse estudo. As discussões sobre a análise dos meus
achados de pesquisa com essa importante e experiente pesquisadora trouxeram
diferentes contribuições. Algumas sugestões já foram usadas na discussão final
desse documento de minha candidatura ao doutorado e outras sugestões foram
avaliadas como possibilidades de trabalhar, em um futuro próximo, em outras
direções e com outra lente teórica.
1.1 Objetivo e Organização da Tese
Essa pesquisa possui como objetivo compreender como valores podem
ser criados e destruídos a partir de práticas presentes no consumo do sol, um
contexto onipresente na vida do indivíduo. Para alcançar esse objetivo, foram
realizados dois estudos: um estudo inicial exploratório que analisou propagandas
de protetor solar e um estudo principal com a análise de entrevistas narrativas
com mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro. Esses estudos deram
origem à construção de um modelo conceitual que será apresentado e discutido
na discussão final.
A organização dessa pesquisa se deu em seis capítulos. Na parte inicial,
fiz um breve resumo da minha história de pesquisadora no doutorado falando do
processo de construção dessa tese e das idas e vindas do campo para a
literatura.
No segundo capítulo, apresento uma introdução onde inseri os principais
trabalhos que serviram de base para essa pesquisa e mostramos como esse
18
trabalho pode contribuir para a discussão do processo de criação e destruição
de valor em práticas de consumo. A contextualização foi separada em quatro
subpartes: 1) começa apresentando os estudos que se aprofundaram em
compreender a relação entre o consumo e a natureza; 2) justifica o motivo pelo
qual nos permitimos chamar esse consumo de consumo do sol e apresentamos
a história desse consumo desde antes do século XX; 3) apresenta o papel
desempenhado pelo Governo Brasileiro nesse consumo, mostrando alguns
dados da população brasileira e como a classificação do protetor solar como
medicamento ou cosmético deve ser melhor discutida nos dias de hoje; 4)
termino a introdução com uma parte destinada a apresentar as peculiaridades
de se estudar o consumo do sol no Rio de Janeiro, cidade que apresenta mais
de 50% de dias ensolarados por ano (equivalente a 212 dias), segundo a
EMBRATUR (O Globo, 2013).
Os capítulos três e quatro apresentam a revisão de literatura e a lente
teórica aplicada nessa pesquisa de maneira a estabelecer os fundamentos
teóricos necessários para atingir o objetivo de pesquisa aqui proposto. Essa
seção está separada em dois grandes grupos. No primeiro, capítulo 3,
discutiremos a literatura de valor. Nessa parte apresentaremos as discussões
sobre o conceito de valor presente nos estudos da CCT (Consumer Culture
Theory), a diferenciação entre criação e destruição de valor e as tipologias de
consumo tradicionalmente estudadas no campo do Comportamento do
Consumidor. O segundo grupo, capítulo 4, está destinado a apresentar a lente
teórica escolhida para essa tese, a da Teoria da Prática. Nesse momento, explico
como ocorreu o surgimento da Teoria da Prática em meio às teorias culturais
existentes até aquele momento, mostrando como ela vem sendo utilizada nos
estudos de consumo e finalizamos apresentando o modelo proposto por
Magaudda (2011), cujos elementos servirão de base para a análise dos achados
da pesquisa.
Na sequência (capítulo 5), abordo os procedimentos metodológicos e
principais achados do primeiro estudo exploratório que realizamos a partir da
análise de textos de vinte e seis propagandas de protetor solar divulgadas entre
2005 e 2015. Por sua vez, o capítulo 6 irá abordar o estudo principal desse
trabalho composto por entrevistas narrativas que foram conseguidas em três
momentos diferentes com a colaboração de 17 entrevistadas voluntárias. Nessa
19
etapa, utilizamos um roteiro semi-estruturado e nos beneficiamos do auxílio da
técnica projetiva. Para a análise das entrevistas narrativas, utilizo o suporte da
ferramenta Atlas.ti. Os resultados foram apresentados a partir das categorias
que emergiram do campo e escolhi apresentar as categorias conflitantes em
conjunto para facilitar a compreensão. Nesse capítulo, apresentaremos o
processo de criação e destruição de valor nas práticas de consumo do sol.
Finalmente, no capítulo sete, apresento a discussão final dessa pesquisa.
Nessa seção são discutidas as principais contribuições do estudo,onde
sugerimos uma proposta de modelo conceitual para se estudar valor a partir de
práticas de consumo, assim como são indicadas sugestões de pesquisas
futuras.
2. Introdução
Essa pesquisa se insere dentro da área de Marketing mais
especificamente da área de Comportamento do Consumidor e tem como objetivo
principal compreender como valores podem ser criados e destruídos a partir de
práticas presentes no consumo do sol, um contexto onipresente na vida do
indivíduo. Para alcançar esse objetivo, foram realizados dois estudos: um estudo
inicial exploratório que analisou propagandas de protetor solar e um estudo
principal com a análise de entrevistas narrativas com mulheres residentes da
cidade do Rio de Janeiro. Esses estudos deram origem à construção de um
modelo conceitual que será apresentado e discutido na discussão final.
Pesquisadores de consumo possuem uma longa trajetória de pesquisas
em valor, ou seja, no benefício percebido em alguma coisa seja em relação a
uma pessoa, um objeto ou uma atividade (Figueiredo & Scaraboto, 2016).
Durante muitos anos, a perspectiva econômica do consumo dominou a
discussão (Holt, 1995). Porém, a partir da década de 1990, outras perspectivas
começaram a aparecer trazendo a noção de que o consumo é uma prática
subjetiva e não necessariamente determinada pelas características de um objeto
(Bourdieu 1984; Halle 1992; Morley 1986; Press 1991; Radway 1984).
É possível observar que na literatura a discussão de valor tomou dois
caminhos diferentes (Gummerus, 2013). De um lado, a corrente tradicional e
mais comum na literatura preocupada em realizar pesquisas que buscam o valor
20
como resultado. Dentro dessa corrente, alguns principais trabalhos se destacam
como, por exemplo, Sydney Levy (1959) que propôs o conceito de valor
simbólico como a atividade que vai permear o consumo. Assim, pessoas
compram produtos pelo que significam. Em sequência e ainda no valor como
resultado, surgiram o valor de troca e o valor experiencial nos trabalhos de
Bagozzi (1975), Hirschman e Holbrook (1982) e Belk, Wallendorf e Sherry
(1989). Logo após, Holbrook (1999) trouxe a noção de valor de uso.
Do outro lado, existe a corrente preocupada em analisar o processo de
criação de valor. Um dos trabalhos seminais que representam bem essa
classificação é a noção de valor para o consumidor, trazida por Kotler (1967).
Dentro dessa perspectiva, a empresa tem a responsabilidade de desenvolver
bens e produtos que tragam satisfação para o consumidor. Mais recentemente
essa corrente voltou a dominar a discussão de valor. Entre os trabalhos que se
destacam podemos citar a pesquisa de Peñaloza e Venkatesh (2006) que
introduziram a noção de construção social do mercado e valor de sinal,
afirmando que o processo de criação de valor está inserido em um sistema de
significados. Karababa e Kjeldgaard (2013) aprofundaram esse entendimento
trazendoo paradigma cultural para a discussão de valor. Assim, o valor será
culturalmente construído. Já Venkatesh e Peñaloza (2014) sugerem que além
de o valor ser culturalmente construído, deve considerar a existência de um valor
ambiental. Ou seja, sugerem um Sistema de Valor de Mercado que irá envolver
tanto as formas de organização capitalistas como qualquer outro tipo de
organização de mercado e diversos atores.
Entre os trabalhos preocupados em entender como estudar tanto o valor
como resultado quanto o processo de criação de valor, podemos destacar a
pesquisa de Gummerus (2013) que, apesar de trazer contribuições para o
marketing de serviços, propõe que a experiência de serviço será responsável por
criar a ligação entre essas duas correntes de discussão de valor. Por outro lado,
e no campo do comportamento do consumidor, Arnould (2013) propõe o
desenvolvimento de uma teoria prática de valor onde defende que um olhar para
a Teoria da Prática social (Reckwitz, 2002; Schatzki, 2001; Warde,2005)pode
trazer informações relevantes uma vez que oferece uma solução para o
problema de estrutura-agência comum em teorias sociais já que considera
resultados advindos de práticas de consumo. Em contrapartida, Arsel (2016)
21
propõe que o mercado seja visto como uma assemblage. Assim, o valor será
construído e incorporado a partir de redes heterogêneas de movimentação de
um objeto. Mais do que olhar um momento discreto do consumo, deve-se
entender o mercado como um sistema de movimento de relacionamentos. Mais
recentemente, Figueiredo e Scaraboto (2016) propõem a análise de ações no
lugar de práticas uma vez que acreditam que a última falha em explicar como
ações não intencionais, discretas e realizadas uma única vez por uma
multiplicidade de atores também contribui para o sistema de criação de valor.
Seguindo o que foi defendido por Arnould (2013), acredita-se que aplicar
a Teoria da Prática pode ser relevante para a pesquisa de consumo do sol. Assim
como Shau, Muñiz e Arnould (2009), que aplicaram a Teoria da Prática para
entender o processo de criação de valor coletivo em nove comunidades de
marca distintas,esse projeto defendeque entender práticas que enfatizam
rotinas, hábitos compartilhados, técnicas e competências trará uma perspectiva
que não será nem individualista e nem holística. Além disso, uma abordagem
prático-teórica irá enxergar os consumidores nem puramente racionais (homo
economicus) e nem dependente de uma estrutura (homo sociologicus), mas sim
como agentes delimitados por nexus socioculturalmente constituídos (Arsel &
Bean, 2013). As práticas funcionam como “imagens pluralistas e flexíveis de
constituição da vida social (...) que podem surgir em contextos locais e acomodar
perfeitamente as complexidades, diferenças e particularidades” (Schatzki, 1996,
p.12).Diante disso, acredita-se que a Teoria da Prática pode trazer benefícios
para a discussão de como um valor é sociocuturalmente (Karababa &Kjeldgaard,
2013) e ambientalmente (Venkatesh & Peñaloza, 2014) constituído.
2.1 Consumo do Sol: Contextualização
2.1.1 O Consumo e a Natureza
Relações humanas com o mundo natural fazem parte tradicionalmente
dos escritos produzidos pelas mais diversas civilizações. Mais recentemente e
vindo do campo da biologia, surgiu o conceito de biofilia que para Wilson (1984)
significa a ideia da necessidade intrínseca humana do contato com a natureza.
Essa necessidade, segundo o autor, não poderia ser suprimida por versões
construídas artificialmente.
22
No campo da CCT, os primeiros artigos que abordavam a relação
Indivíduo x Natureza tinham a finalidade de compreender o consumo
experiencial. Um dos exemplos diz respeito ao trabalho de Arnould e Price
(1993). Nessa pesquisa, os autores analisaram o consumo de experiências
hedônicas e extraordinárias em um grupo de rafting do rio Colorado. A partir de
um esforço que envolveu dois anos de coleta de dados e uma análise
multimétodo, descobriram que a satisfação geral advinda dessa atividade só é
alcançada por a mesma permitir ao praticante vivenciar o crescimento pessoal,
a renovação e a harmonia com a natureza.
A noção do paradoxo que envolve viver em harmonia com a natureza foi
abordada também na literatura (Thompson, 2004). Os consumidores buscam
viver em harmonia com a uma natureza onde de certa forma possam controlar e
dominar ao mesmo tempo. Para isso, Thompson (2004) buscou compreender as
mitologias do mercado de consumo e os discursos de poder envolvidos,
realizando uma pesquisa sobre o mercado de saúde natural. O pesquisador
entrevistou anunciantes de remédios à base de plantas e consumidores que
buscam alternativas aos seus problemas médicos e descobriu que, em alguns
casos, entrevistados usam produtos naturais como uma maneira até de
contestar uma autoridade médica dominante.
Diferente dos artigos anteriores e por ter um olhar crítico em relação à
natureza, Scholz (2012) realizou uma pesquisa onde buscou mostrar como esse
paradoxo de viver em harmonia é construído nas propagandas atuais. Para isso,
o autor analisou mais de seiscentas propagandas da revista Backpacker nos
períodos de 2007 a 2009. Como resultado, classificou as imagens em “Arcadia”
e “Dynamic”, onde a primeira concebe a natureza como um organismo vivo e
orgânico, porém calmo e passivo; e a segunda, classifica a natureza ao mesmo
tempo benevolente e calma, mas também violenta e perturbadora, podendo
ameaçar os seres humanos. O artigo finaliza dizendo que para entender o que
significa viver em harmonia com a natureza é importante considerar como essa
natureza é discursivamente construída e, como implicação tangível da pesquisa,
ressaltam que a área de marketing que desejar posicionar seu produto dentro do
paradoxo do viver em harmonia, deve priorizar a classificação “Dynamic” para se
resguardar e não ser chamada de hipócrita, que fingem ideias e sentimentos que
não existem.
23
A natureza pode representar significados diferentes para pessoas
diferentes. Assim, a experiência de cada indivíduo com a natureza será única e
isso se traduzirá em expressões e significados pessoais. Kunchamboo e Lee
(2012) realizaram um estudo utilizando a abordagem interpretativa para analisar
dados de um blog sobre o meio ambiente e seus participantes a fim de explorar
o significado da natureza entre aqueles que são fortemente inclinados para sua
preservação. Os resultados incluem a consideração da natureza como uma
extensão do ser, como espiritualidade e como religião. No geral, os resultados
sugerem que ver a natureza e o ser como uma única unidade acaba sendo
responsável por uma motivação fundamental do comportamento de consumo
ecológico e sustentável.
A natureza também foi vista em relação à cultura (Canniford & Shankar,
2013). Durante algum tempo acreditava-se que os consumidores enquadravam
a natureza como algo oposto a cultura em situações de consumo romantizadas
que ofereciam experiências sublimes, mágicas ou primitivas. A partir da
realização de um estudo etnográfico da cultura do surf, foi percebido que a
natureza não é uma categoria ontologicamente separada, ao contrário, é
constituída através de procedimentos disciplinados que orquestram a natureza
com recursos culturais do mercado. O conjunto de recursos heterogêneos que
estão envolvidos no consumo da natureza é frágil e pode ser contestado por
estruturas de serviços, recursos tecnológicos e tensões sociais, porém, os
consumidores continuam implantando discursos românticos sobre natureza
sustentando o ideal de que a natureza, externa à cultura, é uma zona pura. Isso
é conseguido através de práticas que ocultam, removem ou corrigem situações
onde fica claro o status híbrido da natureza com a cultura.
2.1.2 O Consumo e o Sol
Essa pesquisa possui como objetivo principal compreender como valores
são criados e destruídos a partir de práticas presentes no contexto do consumo
do sol, um astro onipresente na vida. A definição de consumo utilizada por Warde
(2005) nos apoia para o entendimento do uso do termo “consumo do sol”. O autor
entende consumo a partir de diferentes perspectivas que vão da contemplação
à funcionalidade e que falam de “bens” adquiridos ou não:
24
[...] o consumo pode ser definido como um processo pelo
qual os agentes se envolvem na apropriação e apreciação,
seja para fins utilitários, expressivos ou contemplativos, de
bens, serviços, performances, informações ou ambiente,
adquiridos ou não, sobre os quais o agente tem algum grau
de discernimento. (Warde, 2005, p. 137).
No tema escolhido nessa pesquisa e que envolve o contato do indivíduo
com o sol, vemos que o comportamento das pessoas em relação à exposição da
sua pele se dá basicamente por três crenças principais: a primeira diz respeito
ao fato de que a pele bronzeada torna a pessoa mais atraente; a segunda
destaca a ideia de que o bronzeado traz benefícios à saúde e, a terceira e última,
de que o bronzeado prévio previne os efeitos indesejáveis de futuras exposições
ao sol (de Souza, Fischer & de Souza, 2004). Para compreender como
chegamos a esse momento, é interessante buscar a relação histórica do
indivíduo com o sol.
Até o século XX e durante as suas primeiras décadas, existia um padrão
dominante de valorização da pele clara. Essa tonalidade era um indicador de
condição socioeconômica mais elevada. Os ricos evitavam a exposição regular
e se vestiam com chapéus, sombrinhas e vestidos mais fechados. Porém,
grande parcela da população, trabalhando com agricultura, permanecia
constantemente exposta ao sol e, por isso, apresentava uma pele mais
bronzeada. Dessa forma, durante anos a manutenção do bronzeado foi
associada à pobreza (Keesling & Friedman, 1987)
A partir de 1920, esse estereótipo inverteu com a adoção da pele
bronzeada por parte dos centros formadores de opinião em moda, tal como Coco
Chanel (designer de moda francês). Essa tonalidade passou a significar riqueza,
indicativo de abundância de tempo e de recursos financeiros para dedicar-se ao
lazer. No Brasil, a mudança também foi incentivada pela disseminação de
práticas esportivas e atividades de lazer ao ar livre. Nos anos 30, a pele
queimada de sol continuou sendo o novo padrão de beleza e foi reforçada pelo
aumento da frequência de banhos de mar e o lançamento dos primeiros
25
bronzeadores, além das câmaras de bronzeamento artificial (de Souza, Fischer
& de Souza, 2004).
A associação do bronzeamento da pele com a saúde, desencadeada na
Europa no início do século XX e a partir da década de 1940, também passou a
contribuir. Essa prática terapêutica, chamada helioterapia, prescrevia banhos de
sol diários como forma de prevenção ou mesmo curativa de determinados males.
Da mesma forma, mães eram estimuladas a dar banho de sol diariamente em
seus filhos a partir de um mês de vida.
Por sua vez, preocupações e pesquisas sobre a heliopatia, distúrbios
patológicos causados pela luz do sol e representados principalmente pelo câncer
de pele devido às constantes exposições solares, passaram a ser desenvolvidas
a partir dos anos 40. Porém, os comunicados mais alarmantes e voltados para a
sua prevenção foram intensificados apenas a partir da década de 60, quando os
jovens que eram crianças na década de 30 começaram a desenvolver tumores
(Keesling & Friedman, 1987).
Os primeiros registros documentados de protetores surgiram apenas em
1928, nos Estados Unidos. Apenas em 1936 que ocorreu o lançamento do
primeiro filtro solar produzido em escala comercial, pela L’Oreal. Porém, o
primeiro protetor considerado realmente eficaz foi desenvolvido somente em
1944, pelo farmacêutico Benjamim Greene, após intensa observação das
queimaduras na pele dos soldados que voltavam da Segunda Guerra Mundial.
A marca em questão foi batizada de Coppertone. Depois de 10 anos do início da
produção desse protetor é que passaram a desenvolver os primeiros
bloqueadores produzidos em escala mundial e, por serem feitos utilizando como
base uma pomada branca e densa, tinham o inconveniente de serem difíceis de
espalhar. No Brasil, a primeira marca de protetor solar foi introduzida somente
em 1984 pela empresa Johnson&Johnson. A marca Sundown possuía protetores
com fatores de proteção FPS 4, 8 e 15 e foi responsável pela conscientização e
educação inicial dos consumidores (Silva, Machado, Rocha e Silva, 2015;
Abihpec – Estadão, 2017).
Na década de 1950, a indústria de filmes, músicas e propagandas
americanas foram fundamentais para o desenvolvimento e difusão de uma
mitologia de estilo de vida voltada para os indivíduos jovens bronzeados e de
classe média executando atividades de lazer que envolvia o contato com praia e
26
mar. A partir da década de 1960, a população viu crescer a noção do simbolismo,
trazida por Sidney Levy em 1959, onde o consumidor passou a ser visto como
alguém orientado para o significado e não apenas para a utilidade básica de um
produto. Nesse momento, as produções artísticas e culturais passaram a lançar
estéticas que serviam para seduzir jovens como, por exemplo, a mitologia da
cultura da juventude dourada que ressaltava o estilo de vida dos surfistas
(Askegaard, 2010).
Uma clássica representação disso que escrevemos é a propaganda do
Coppertone lançada em 1959 pela americana Joyce Ballantine Brand. Nessa
mídia, observa-se uma criança que possui a sua roupa de banho puxada por um
simpático cachorrinho onde é possível notar a pele branca por debaixo da roupa.
Como destaque na mídia impressa estava os benefícios do protetor solar da
respectiva marca para se fugir da cor pálida e conseguir um bronzeado mais
rápido, profundo e, ao mesmo tempo, com proteção.
2.1.3 O Sol e o Governo Brasileiro
A exposição excessiva ao sol é o principal fator de risco para o surgimento
dos cânceres de pele, que ocasionou, em 2014, 98.420 casos novos do tipo não
melanoma nos homens e 83.710 nas mulheres, além de 2.960 casos novos em
homens e 2.930 em mulheres do tipo melanoma (mais letal). Para se ter uma
ideia do perigo da exposição excessiva e sem cuidado, alguns cânceres ocorrem
quase exclusivamente em áreas expostas de forma continua e intermitente à
radiação solar (Instituto Nacional do Câncer, 2014)
Uma matéria divulgada em janeiro de 2016 pela Revista Exame acerca de
um estudo realizado pelo Instituto de Ciências Tecnológicas e Qualidade
Industrial (ICTQ) mostrou que 48% da população brasileira não têm se protegido
do sol. Esse estudo analisou o comportamento de mais de duas mil pessoas em
dezesseis capitais do Brasil e, surpreendentemente, mostrou que esse número
pode ser ainda maior, como no caso das capitais litorâneas, onde alcança cerca
de 60% da população local. Como exemplo, temos o Rio de Janeiro e Salvador.
Um dos principais motivos alegados pelos entrevistados diz respeito ao
incomodo causado pela sensação de oleosidade ao colocar o produto na pele
(Revista Exame, 2016).
27
Em estudos realizados tanto em 2005 quanto em 2010 e disponíveis na
página da câmara dos deputados na internet (Câmara dos Deputados, 2016), o
consultor legislativo para a área de saúde pública, Geraldo Lucchese,reforça a
relevância acerca da categorização do protetor solar como medicamento ou
cosmético. Existem inúmeras solicitações para enquadrar, por meio de lei
federal, os protetores solares na categoria dos medicamentos. Entre os
principais argumentos utilizados estão o de facilitar o acesso dos consumidores
aos mesmos e servir de auxílio em campanhas de prevenção do câncer de pele.
Caso o protetor fosse enquadrado na categoria de medicamentos, poderia ser
distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, em especial para os
trabalhadores com exposição diária ao sol.
Segundo Khury e Borges (2011), a classificação de um protetor solar em
medicamento ou cosmético é uma peculiaridade de cada país. Enquanto nos
Estados Unidos os protetores solares são considerados produtos OTC (“Over-
the-counter”), um tipo chamado pelos autores de "quase medicamento", na
Europa e no Brasil, são regulamentados pela legislação de cosméticos. Mais
especificamente, no Brasil, seguimos as orientações das resoluções RDC 47, de
16 de março de 2006, RDC 79 de 28 de agosto de 2000 e a RDC 237 de 22 de
agosto de 2002 que apresentam a lista de filtros ultravioletas permitidos para
produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfume e definem normas de
rotulagem desses produtos.
Entre os motivos para enquadrar o protetor solar como medicamento
apresentados em algumas proposições, está o fato de que esses produtos
possuem alíquota zero de IPI, além de poderem ser vendidos e comercializados
na modalidade dos genéricos. Nesse enquadramento, poderiam ser distribuídos
também pelo SUS como dito anteriormente. Por outro lado, alguns defendem
que o protetor solar deve continuar a fazer parte da categoria de cosméticos e
que a sua possível transposição ocasionaria um efeito contrário ao pretendido
por aqueles defensores de mudanças na classificação.
Entre os argumentos apresentados pelos contrários a essa modificação,
podemos destacar três que se resumem em primeiro lugar ao fato de os
protetores passarem a ser comercializados apenas em farmácias e drogarias
uma vez que a legislação sanitária proíbe a venda de medicamentos em outros
estabelecimentos. Em segundo lugar, está o fato dos protetores estarem sujeitos
28
à orientação e recomendação médica, com grandes restrições à publicidade e
aos locais de venda, o que poderia limitar a informação e o esclarecimento. Em
terceiro e último lugar, temos que uma alteração na classificação desses
produtos ocasionaria um grande impacto nos custos dos registros dos produtos
e na autorização de funcionamento das empresas junto à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA). Isso ocorreuma vez que as taxas de
medicamentos são consideravelmente maiores que as de cosméticos. Além
disso, as empresas que atualmente produzem protetores e filtros não possuem
autorização para funcionar como laboratórios farmacêuticos.
2.1.4 O Sol e o Rio de Janeiro
“Rio 40 graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos.”
(Música Rio 40 graus, Fernanda Abreu)
O Rio de Janeiro está cercado por representações que traduzem o espírito
da cidade. Entre as principais representações podemos pontuar a praia, o sol, o
mar, os corpos seminus, o carnaval, a juventude, a liberdade, as favelas, dentre
outros (Goldenberg, 2007). Em uma simples procura nas imagens de um
provedor de busca qualquer digitando “Rio de Janeiro”, podemos notar a atenção
que é dispensada à beleza da cidade que combina fotografias tanto de praias
quanto de morros.
Em uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2013 sobre os hábitos
culturais dos cariocas com mais de doze anos (Datafolha, 2013), notou-se que a
música é o hábito mais democrático da cidade (95%), seguido de ir a shoppings
para lazer e diversão (77%) e ir à praia (74%). Importante destacar que a praia
foi a primeira opção de lazer escolhida por moradores da Zona Sul e da Área
Administrativa da Barra (regiões oceânicas) que representam 28% da população
da cidade do Rio de Janeiro, enquanto os shoppings foram escolhidos
preferencialmente pelas demais regiões, Centro, Norte e Oeste, mais afastadas
do mar, e que representam 62%.
No livro “Nu & Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo
carioca”, a antropóloga Mirian Goldenberg (2007) compila e apresenta dez
29
artigos de antropólogos brasileiros e estrangeiros que realizaram pesquisas de
campo na cidade do Rio de Janeiro com a finalidade de, partindo de seus corpos,
conseguirem enxergar a cultura carioca. Segundo a antropóloga, locais como o
Rio de Janeiro, com praias, áreas de lazer ao livre e temperatura elevada durante
quase todo o ano, favorecem um corpo mais à mostra.
Uma tentativa de tipificar o carioca pode ser notada na composição da
não-carioca Adriana Calcanhoto onde destaca que “cariocas são bonitos,
cariocas são bacanas, cariocas são sacanas, cariocas são dourados, cariocas
são modernos,..., cariocas não gostam de dias nublados”. Como diz a letra e
destaca o antropólogo Gontijo (2007), o Rio de Janeiro sempre foi o propagador
de ideias, valores e normas para todo o país. Tudo que passava ou era criado
pelo Rio, se tornava a essência da brasilidade.
No centro do estilo de vida do carioca, que era visto e compreendido como
centro cultural do Brasil, está um cenário em particular: a praia (Penna, 2016).
Para compreender o papel desse cenário para a cidade, vale trazer um breve
histórico da ocupação do espaço territorial da cidade do Rio de Janeiro. Segundo
Gontijo (2007), até o início do século XIX, o povoamento da cidade se limitou aos
contornos do litoral da Baía de Guanabara. Após a chegada da Corte portuguesa
e a transformação da cidade em capital acelerou a ocupação dos territórios ao
norte (especialmente São Cristóvão para os aristocratas). No segundo período
imperial, e uma vez que São Cristóvão encontrava-se saturado, foi a vez de
bairros como Catete, Flamengo e Botafogo se tornarem reduto da elite branca.
A classe operária começava a se concentrar no centro e centro–norte da cidade,
perto dos antigos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e novas fábricas.
Especialmente no início do século XX, com a finalidade de arejar e sanear
o centro da cidade, que nesse momento lidava constantemente com epidemias
que dizimavam grandes parcelas da população, sejam elas de ricos ou de
pobres, governos locais decidiram abrir vias de circulação com a inauguração
das primeiras linhas de bonde. As novas linhas de bonde permitiram o avanço
da cidade rumo às zonas Norte e Sul e reconfiguraram o mapa da cidade antes
limitado pelos morros. A elite ia se instalando cada vez mais distante da classe
operária até que em 1892, chegou-se a beira mar com a abertura do Túnel Velho
que liga Botafogo a Copacabana (Velho, 1999; Gontijo, 2007, O’Donnell, 2013).
30
A ocupação e transformação de Copacabana, Ipanema e Leblon, bairros
clássicos da Zona Sul do Rio de Janeiro e caracterizados por suas belas praias,
em bairros residenciais da elite está ligada à mudança dos hábitos e da
percepção em relação ao mar e aos banhos. Assim, com a abertura do Túnel
Velho e a chegada do bonde a Copacabana em 1892, o bairro deixa de ser um
simples lugar de banho terapêutico para se tornar o primeiro cartão postal da
cidade. A burguesia urbana fará de Copacabana, a partir de 1920, “o espelho de
um país jovem e moderno”. (Velho, 1999; Gontijo, 2007; O’Donnell, 2013; Penna,
2016).
Como destaca Velho (1999),
[...] a crescente valorização da praia, por razões de saúde e
sociabilidade, também contribui para a constituição de um
estilo copacabanense mais esportivo e, progressivamente,
mais informal diante dos padrões tradicionais da sociedade
patriarcal ainda fortemente presentes na sociedade
brasileira das primeiras décadas do século XX. (Velho, 1999
p. 11).
Sobre Copacabana, Tom Jobim já cantava pelos anos de 1950 na música
homônima que “Existem praias tão lindas cheias de luz, nenhuma tem o encanto
que tu possuis (...). Copacabana, princesinha do mar, pelas manhãs tu és a vida
a cantar e a tardinha o sol poente deixa sempre uma saudade na gente”.
Dada a extensão territorial do Brasil e a precariedade dos transportes,
estradas e meios de comunicação até aquele momento, se tornava muito
complicado o conhecimento de suas regionalidades. Assim, o Rio de Janeiro,
que já havia se tornado o centro e modelo cultural para todo o Brasil desde a
chegada da corte Portuguesa, passou a representar um modelo que sintetizava
todo um imenso país (Penna, 2010; Penna, 2016). Como pontua Gontijo (2007)
[...] há uma espécie de ideologia (sutil) da carioquice
permeando os escritos da maioria dos cientistas sociais e
intelectuais brasileiros (de todos os tempos), que generaliza
os traços cariocas para o resto do Brasil, transformando-os
31
em traços culturais nacionais, formadores da própria
"identidade nacional brasileira". É como se o Rio de Janeiro
fosse o espelho do Brasil, e não o contrário. (Gontijo, 2007
p.74).
Tomemos como exemplo a revista O Cruzeiro que se tornou um marco na
imprensa nacional. Lançada em 1928, a revista possuía um projeto audacioso
para a época: edições semanais que seriam distribuídas em todas as capitais e
principais cidades do Brasil. Em 1938, a revista lançou a coluna “As Garotas de
Alceu”, sob o olhar e cuidado de Alceu Penna, com o objetivo de lançarem as
primeiras pin-ups brasileiras (Penna, 2010; Penna, 2016).
Como destaca Penna (2010):
Alceu Penna se inspirou, para fazer suas “Garotas”, na
mulher carioca da emergente classe média, com seus
modismos e trejeitos. A coluna influenciou muitas mocinhas
da época e alcançou uma grande popularidade, durante os
anos de sua veiculação. “As Garotas do Alceu” chegaram a
ser tornar referência em beleza e comportamento para as
meninas da época. (Penna, 2016, p.101).
Como um cenário de destaque para Rio de Janeiro, a praia esteve
presente na primeira edição da coluna em 1938 que recebeu o título de “Garotas
da Praia”. Nessa edição, o assunto principal girava em torno de dúvidas a cerca
da utilização de um novo espaço de lazer, com questões de como se portar e o
que vestir (Penna, 2010; Penna, 2016).
Além dessas questões, outra que também aparecia com frequência na
revista diz respeito à associação da praia com os esportes, cada vez mais
comuns nesse ambiente (Penna, 2010; Penna, 2016). Uma prática que pode ser
facilmente encontrada por nós nos dias de hoje, mas que ainda causa
estranheza principalmente para o turista estrangeiro, como ressalta o
antropólogo Malysse (2007) no trecho a seguir:
32
A praia, em si, não era diferente dos cartões-postais que eu
vira, mas fiquei surpreso ao constatar a extraordinária
atividade que se produzia ali. Enquanto para mim a praia era
um lugar de repouso, de descontração, até mesmo de
abstração do resto do mundo, aqui as pessoas corriam,
jogavam, caminhavam, ficavam de pé, olhavam-se, seus
corpos pareciam tomados por um movimento incessante e
ninguém parecia estar ali para relaxar. A beira-mar era
ocupada por pistas de corrida que regulavam o fluxo
descontínuo dos corpos, contraídos pelo esforço físico ou
levados pela cadência da caminhada. (Malysse, 2007 p.83).
Assim, há que se constatar que em uma cidade tropical quese encontra à
beira-mar como o Rio de Janeiro, exista uma tendência à maior concentração
das atividades cotidianas em áreas ao ar livre, à prática freqüente de esportes,
à cultura do corpo (Goldenberg, 2007), à liberação do peso das roupas (Malysse,
2007) e o maior contato com o sol. Daí a possível explicação para o trecho da
música de Adriana Calcanhoto que pontua que “cariocas não gostam de dias
nublados.”
2.2 A Pesquisa
O estudo do consumo do sol se mostrou adequado para compreender
como as práticas podem criar e destruir valor. Sabe-se que o valor é resultado
das práticas (Arnould, 2013), porém, compreender como o valor é rotineiramente
criado tem sido deixado de lado(Arnould, 2013). Além disso, a discussão de
como práticas podem destruir valor,no lugar de criar, só surgiu mais
recentemente e focada apenas na literatura de marketing de serviços (Plé &
Chumpitaz Cáceres, 2010; Echeverri & Skålén, 2011). Assim, acredita-se que a
proposta desse estudo irá contribuir para a compreensão não apenas de como
o valor é resultado das práticas, como também de como o valor pode ser
rotineiramente criado e destruído.
Aanálise histórica da relação do indivíduo com o sol nos trouxe diferentes
características que nos ajudam a identificar comoos regimes de valor podem
33
influenciar práticas de consumo (Arnould , 2013). Se por um lado, o sol e a pele
bronzeada já estiveram associados à condição social inferior e à necessidade de
usar roupas mais fechadas, com a influência da moda as pessoas passaram a
associar a pele morena a maior tempo e condição financeira para realizar
atividades ao ar livre. Assim, com o estudo do consumo do sol, poderemos
compreender também a interseção e a transição entre regimes de valor, seja
para processos de criação de valor (Arnould , 2013) ou para processos de
destruição.
Escolhemos analisar as práticas de criação e destruição de valor no
consumo do sol, após a realização de um trabalho que também compõe essa
pesquisa de análise de texto cultural em propagandas de protetor solar. O
consumo do sol nos possibilitou acesso a diversos conflitos entre os
consumidores e, também, nas propagandas analisadas.
O campo consistiu em uma análise de texto cultural de vinte e seis
propagandas de protetor solar e entrevistas narrativas semi-estruturadas com 17
mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro. As entrevistas ocorreram em
três etapas.Entre esses diferentes momentos de ida e volta ao campo, as leituras
de diversas bibliografias relacionadas ao tema foram ampliadas.
A pergunta norteadora dessa pesquisa foi: Como valores podem ser
criados e destruídos em práticas de consumo? Algumas perguntas secundárias
também foram pensadas com a finalidade de dar suporte à resposta da pergunta
principal e estão colocadas a seguir:
Quais as principais práticas no consumo do sol?
Que conflitos são encontrados no consumo do sol?
Como os elementos que compõem as práticas (fazeres, dizeres e
objetos) se manifestam no consumo do sol?
Comoelementos das práticas podem atuar na criação ou
destruição de valor?
3. Contribuições da Literatura
A construção desse referencial teórico percorreu dois caminhos presentes
nos estudos da CCT (Consumer Culture Theory): oprimeiro baseia-se na
34
construção de valor para o consumidor presente nos trabalhos de Holbrook
(1999), Karababa e Kjeldgaard (2013),Arnould (2013), Venkatesh e Peñaloza
(2014), Arsel (2016) e Hartmann, Wiertz e Arnould (2015).Seguindo a estrutura
adotada por Gummerus (2013), optamos por apresentar a discussão de valor
desse primeiro caminho separada entre as três principais correntes de pesquisa
existentes na literatura e que envolve o valor como resultado e os processos de
criação e destruição de valor. O segundo caminho diz respeito às tipologias de
consumo (Levy, 1959; Sahlins, 1976; Zaltman & Wallendorf, 1977; Douglas &
Isherwood, 1979; Holbrook & Hirschman, 1982; Rook, 1985; McCracken, 1986;
Belk, 1988; Belk, Wallendorf & Sherry, 1989; Sherry, 1990; Arnould & Price,
1993; Addis e Holbrook, 2001). O trabalho de Holt (1995) com a proposta de
tipologias e metáforas de consumo servirá como base para a estrutura de
discussão desse segundo caminho.
3.1 Valor
Valores foram muito pesquisados na área de marketing e no campo do
comportamento do consumidor (Levy, 1959; Kotler 1967; Bagozzi, 1975;
Churchill &Moschis, 1979;Holbrook & Hirschman, 1982;Johnson, 1984; Belk,
1987; Zeithaml, 1988; Humphrey & Hugh-Jones, 1992, Holbrook, 1999).Esse
tema foi deixado de lado durante um tempo e, mais recentemente, vem
ganhando presença nas pesquisas e discussões na área de cultura e consumo
onde alguns autores defendem que além de identificar tipologias de valores, é
importante compreender como eles são criados (Karababa & Kjeldgaard, 2013;
Arnould, 2013; Gummerus, 2013; Venkatesh & Peñaloza, 2014; Arsel, 2016;
Hartmann, Wiertz & Arnould, 2015; Figueiredo & Scaraboto, 2016).
A busca pela definição de valor tem sido um grande desafio entre diversos
filósofos e pesquisadores, mostrando sua natureza multifacetada (Babin, Darden
& Griffin, 1994). Apesar da percepção dos consumidores de que valor é um
determinante crucial do comportamento do consumidor, durante muito tempo as
pesquisas sobre esse conceito apresentaram poucos resultados conclusivos e
foram muito criticadas por trazerem definições e conceitualizaçõesequivocados
do termo, procedimentos para medição inadequados e problemas metodológicos
(Zeithaml, 1988).
35
Como objetivo principal de sua pesquisa qualitativa exploratória, Zeithaml
(1988) se propôs a definir o conceito de valor a partir da perspectiva do
consumidor. Devido à grande variedade de atributos, notou que o que constitui
valor, mesmo em uma única categoria de produto, parece ser altamente pessoal
e, por isso, o seu conceito vai envolver quatro grandes definições: 1) valor é
preço baixo, 2) valor é qualquer coisa que eu deseje com um produto, 3) valor é
a qualidade que eu recebo pelo preço que eu pago e 4) valor é o que eu recebo
pelo que eu dou. Essas quatro expressões de valor podem ser resumidas em
uma definição geral: valor é toda a avaliação da utilidade de um produto baseado
em percepções do que é recebido e o que é dado. Embora o que é recebido e o
que é dado possam variar entre os consumidores, o valor irá representar um
tradeoff entre os componentes que são dados e recebidos.
Na antropologia, Graeber (2001) destacou que existem três grandes
fluxos de pensamento que convergem na definição do termo valor. O primeiro
deles destaca que o valor no sentido social significa tudo aquilo que é bom,
apropriado e desejado na vida humana. O valor no sentido econômico, em
segundo, diz respeito ao grau em que os objetos são desejados, particularmente
diz respeito à medição de por quanto os consumidores estão dispostos a desistir
de levar o produto. Existe ainda uma terceira definição de valor segundo o autor
que diz respeito ao valor no sentido semiótico, que se refere ao valor como
significado. Significados culturais são mediados através do consumo e
constantemente reconstruídos entre múltiplos atores. O estudo deste assunto
tem sido uma das principais linhas de investigação do CCT (Consumer Culture
Theory) desde seus primeiros dias (Karababa & Kjeldgaard, 2013).
Karababa e Kjeldgaard (2013) pontuam que esses domínios de valor não
são separados e exclusivos, ao contrário, estão inter-relacionados. Assim,
apesar dos três tipos de valor serem separados analiticamente, estarão
presentes simultaneamente em manifestações de mercado tornando-se valores
culturalmente ativos que fazem sentido para os atores presentes em
determinado contexto.
Echeverri e Skålén (2011) também tentaram compilar os estudos de valor.
Segundo os autores, as pesquisas na área estão separadas em duas grandes
categorias. A primeira é a formação de valor não interativo que sustenta que o
valor é produzido pelos provedores e consumido pelos clientes. Nesse caso o
36
valor é conceituado como troca (Bagozzi, 1975). De acordo com essa visão, o
valor está incorporado nos produtos e serviços que as organizações produzem.
O valor é adicionado durante o processo de produção e é igual ao preço que o
cliente irá pagar. Por sua vez, a segunda diz respeitoà formação de valor
interativo que estipula que o valor é co-criado durante a interação entre provedor
e cliente (Vargo & Lusch, 2004). Em contraste com o conceito de valor que está
incorporado ao produto e serviço, esta classificação considera que os
provedores co-criam serviços e produtos em colaboração com seus clientes. Isso
implica dizer que o valor, em vez de ser adicionado durante um processo de
produção separado, é co-criado, realizado e avaliado em um contexto social que
envolve o processo de produção e consumo simultaneamente. Assim, o valor
será avaliado de maneira subjetiva pelos clientes.
Apesar dos vários estudos conceituais e empíricos sobre valor, o valor
para o consumidor como um conceito ainda merece mais clareza. Em nossas
pesquisas encontramos poucos trabalhos que se propõem a discutir ou
apresentar uma definiçãode valor. Um desses trabalhos que podemos destacar
é o de Grönroos (2008), no campo de serviços, que irá definir valor para o
consumidor da seguinte maneira:
O valor para os clientes significa que depois de terem
experimentado um processo de auto-serviço (cozinhar uma
refeição ou retirar dinheiro de um caixa eletrônico) ou um
processo de serviço completo (comer fora em um
restaurante ou se retirar dinheiro no caixa de um banco)
são ou se sentem melhor do que antes. (Grönroos, p. 303,
2008 – tradução livre).
Na mesma linha, Figueiredo e Scaraboto (2016, p.4) mais recentemente
apresentaram uma definição de valor mais concisa. Segundo os autores,
“pesquisadores de consumo possuem uma longa trajetória em examinar valor,
ou seja, o benefício percebido de alguma coisa”.
Inspirada no trabalho de Gummerus (2013), esse projeto propõe olhar as
pesquisas de valor separadas entre duas correntes principais: a primeira envolve
o valor como resultado que busca explicar como os consumidores percebem o
37
valor, ou seja, como fazem avaliações de valor e quais são os resultados de valor
que estão recebendo. Já a segunda propõe um olhar ao processo de criação de
valor que considera as atividades, os recursos e as interações envolvidos nessa
criação do valor. Processos de criação de valor tendem a ser contínuos enquanto
o valor como resultado tende a ser amarrado em um ponto específico no tempo.
Diferentemente da pesquisa de Gummerus (2013), que oferece uma discussão
a partir dos estudos com foco em serviços, esse trabalho fará a classificação
partindo de artigos do campo do comportamento do consumidor.
A lógica da divisão de valor em duas categorias propostas por Gummerus
(2013) pode ser resumida na figura 1.
Figura 1: Categorização da Teoria de Valor
Fonte: Adaptado de Gummerus (2013)
Valor como resultado diz respeito a como um ator determina o valor que
estará presente em um dado momento e envolve quatro categorias classificadas
como: meios e fins, benefício e sacrifício, experiências e fenomenológico. Valor
como resultado de meios e fins considera que o valor pode ser apreciado em
diferentes níveis de abstração, sendo os atributos do produto o nível mais baixo,
atributos de desempenho no nível mediano e objetivos e propósitos no nível mais
elevado. Essa categoria foi concebida a partir de como um produto contribui para
o alcance de objetivos funcionais, práticos e emocionais. Valor como resultado
de benefícios e sacrifícios considera que existe um julgamento cognitivo da
utilidade de um produto por parte do consumidor que mede sua eficiência a partir
da análise dos benefícios e dos sacrifícios com a sua aquisição. Valor como
Valor
Processos de Criação
Resultado
Empresa Co-criação ConsumidoresMeios e
FinsBenefício
e Sacrifício
Experiências Fenomenológico
38
resultado de experiência veio pra enriquecer a visão anterior do consumidor
como uma pessoa que toma decisões lógicas e passa a enxergá-lo como alguém
que busca sensações e emoções no consumo. Por fim, o valor como resultado
fenomenológico se baseia na lógica de serviço dominante (Vargo & Lusch, 2004)
para propor que existem duas atividades em paralelo no valor: uma é a co-
criação a partir da integração de recursos e atores no mercado e a outra é a
determinação fenomenológica onde o consumidor considera o significado de
cada experiência para construir valor para si próprio. Assim, o cliente se sentirá
aliviado uma vez que o bem ou serviço cumpriu sua proposta de entrega de valor.
Tradicionalmente, o processo de criação de valor foi inserido dentro das
empresas, o que significa que as empresas eram tidas como criadoras de valor
na medida em que transformavam recursos em produtos finais. Mais
recentemente, a literatura de criação de valor ganhou um avanço a partir da
introdução da lógica de serviço dominante que propôs que o processo de criação
de valor se localize na interação entre a empresa e os consumidores, ocorrendo
assim a co-criação de valor. Segundo Gummerus (2013), existem três
abordagens diferentes para criação de valor que podem ser descritas como a
criação de valor da empresa, a co-criação de valor e a criação de valor do
consumidor. A criação de valor da empresa explica como as empresas
conquistam competitividade sustentável a partir da criação de valor para o
consumidor. Por sua vez, a co-criação de valor propõe que o foco precisa estar
na interface entre organização e o ambiente e não apenas nos processos
internos da organização. Por fim, a criação de valor para o consumidor se
concentra no que o consumidor faz com serviços e produtos na sua esfera de
vida. Existem duas maneiras principais de enxergar o consumidor como criador
de valor que são os processos e as práticas. Em processos, o consumidor cria
valor a partir de uma série de atividades desempenhadas para atingir um objetivo
particular. Esse comportamento é orientado ao objetivo e instrumental e assume
que as pessoas buscam objetivos de maneira racional. As práticas, por sua vez,
se referem às ações rotinizadas que são orquestradas por ferramentas,
conhecimento, imagem, espaço físico e um sujeito que é considerado o
carregador das práticas. As práticas asseguram que ao contrário de terem valor
por si, as ações se tornam valiosas a partir de interações com um contexto.
39
3.1.1 Valor como Resultado na Literatura
O valor como resultado é discutido na literatura em termos do que o cliente
recebe versus o que ele dá em diferentes dimensões, tais como valor utilitário e
hedônico. Sydney Levy (1959) propôs inicialmente o conceito de valor simbólico
como a atividade que vai permear o consumo. A sociedade está composta por
mais pessoas que possuem mais coisas, tais como lazer, dinheiro, posses,
prazeres e preocupações. Quanto menor for a preocupação com a satisfação de
níveis de sobrevivência, mais abstratas as respostas humanas se tornam. Na
medida em que o comportamento do consumidor no ambiente de mercado se
torna mais elaborado, cresce também seu aspecto simbólico. Consumidores
continuam preocupados com preço, qualidade, e durabilidade dos produtos uma
vez que são considerados valores tradicionais sensatos. Porém, ao mesmo
tempo, sabe que outros fatores legítimos também o afetam. As pessoas
compram produtos não apenas pela sua utilidade, como também pelo que
significam (reforçar imagens, distinção, discriminação pública, dentre outros).
Na sequência surgiu o valor de troca no trabalho de Bagozzi (1975).O
paradigma do marketing como troca surgiu como quadro teórico útil para
conceituar o comportamento de marketing. A troca, que foca principalmente na
transferência direta de algo tangível entre duas partes, é apenas um caso
especial da teoria da troca. Na realidade, as trocas de marketing podem ser
muitas vezes indiretas, evolver aspectos intangíveis e simbólicos e mais de duas
partes podem participar. Em geral, existem três tipos de troca: 1) restrita (relação
mútua entre duas partes), 2) generalizada (relação recíproca que envolve ao
menos três atores) e 3) complexa (sistema de mútuas relações entre pelo menos
três partes onde cada ator social está envolvido em pelo menos uma troca direta,
enquanto que todo o sistema é organizado por uma rede de interligação).
Holbrook e Hirschman (1982) foram os primeiros a reconhecer a
importância dos aspectos experienciais de consumo. No seu início, os estudos
de comportamento do consumidor estiveram envolvidos em uma ênfase nas
escolhas racionais e irracionais de consumo, esse último atrelado ao modelo de
processamento de informação onde o consumidor é um pensador lógico que
resolve seus problemas para tomar decisões de compra. Durante muitos anos,
o comportamento do consumidor negligenciou fenômenos importantes como
40
atividades de lazer, prazeres sensoriais, devaneios, fruição estética e respostas
emocionais. Assim, Holbrook e Hirschman (1982) desenvolveram um quadro
teórico baseado no contraste tanto do modelo de processamento de informação
quanto da perspectiva experiencial do consumo (que foca na natureza simbólica,
hedônica e estética) que mostrou como esse consumo é um fenômeno
diretamente relacionado à busca por fantasias, sentimentos e diversão.
No mesmo ano, Hirschman e Holbrook (1982 p.92) classificaram a “faceta
do comportamento do consumidor que está relacionada aos aspectos
multisensoriais, fantasias e emoções da experiência de uso de um produto”, de
consumo hedônico. Os aspectos multisensoriais representam as múltiplas
modalidades sensoriais onde é possível receber a experiência. Envolve o sabor,
som, aromas, impressões táteis e imagens visuais. As fantasias, por sua vez,
ocorrem quando o consumidor reproduz uma imagem sensorial que não estava
diretamente relacionada à experiência. Um exemplo disso é o perfume que pode
despertar tanto os aspectos multisensoriais por conta do seu aroma, quanto
fantasias compostas de imagens internas que contém sinais, sons e sensações
táteis que também são experimentados. Outro tipo de resposta relacionada ao
consumo hedônico é a excitação emocional que representa um fenômeno
motivacional com características neurofisiológicas que inclui sentimentos como
alegria, ciúme, medo raiva e êxtase.
O lado experiencial do consumo também foi abordado a partir de seus
aspectos sagrados e profanos (Belk, Wallendorf & Sherry, 1989). Dessa forma,
o consumo também pode funcionar como um veículo de experiências
transcendentais, exibindo assim alguns aspectos do sagrado. O sagrado está
relacionado a objetos que significam algo muito mais poderoso e extraordinário
do que o próprio ser e não necessariamente estão relacionados à religião. Como
exemplo, bandeiras, esporte, arte, automóveis, museus e coleções. A melhor
maneira de entender as propriedades do sagrado é a partir do seu contraste com
o profano. Enquanto o primeiro é tido como algo extraordinário, o segundo é
ordinário e faz parte do dia a dia. Assim, o sagrado tem o poder de tirar a pessoa
do próprio eixo a partir de experiências de êxtase e totalmente diferentes dos
prazeres diários comuns. Consumidores separam o que é sagrado do que é
profano, a partir de domínios comuns de experiência que são classificados em
41
seis categorias potenciais de consumo vinculadas ao sagrado: lugar, tempo,
coisas tangíveis, intangíveis, pessoas e experiências
A conceitualização de valor que representa o que Echeverri e Skålén
(2011) classificaram de formação de valor interativo pode ser visto na pesquisa
de Holbrook (1999). Holbrook assume a posição de que o valor reside em ações
e interações e que é produzido coletivamente, mas subjetivamente
experimentados. Como resultado de sua pesquisa, Holbrook (1999) trouxe para
a discussão o valor de uso e propôs um framework onde apresenta oito principais
tipos de valor para o consumidor que merecem consideração na análise do
comportamento relacionado com o consumo. Essas oito tipologias surgem a
partir de uma matriz que envolve o uso de três principais dimensões classificadas
pelos autores como: (1) valor intrínseco e extrínseco; (2) valor orientado para si
e para outros e (3) valor ativo e reativo. A partir de uma matriz 2 x 2 x 2 usando
as três dimensões anteriores, propôs que os valores de uso envolvidos no
consumo fossem classificados em: Eficiência, Excelência, Status, Estima,
Brincadeira, Estética, Ética e Espiritualidade.
No quadro 1, apresentamos os principais estudos que analisam o valor
como resultado.
Quadro 1: Estudos de Valor como Resultado
Fonte: a autora
3.1.2 Processos de Criação de Valor na Literatura
Autores Tema Principais Contribuições
Sydney Levy (1959) SímbolosValor Simbólico: Pessoas compram produtos
pelo que significam
Bagozzi (1975)Marketing como
Troca
Valor de Troca: troca de bens tangíveis ou
intangíveis entre duas ou mais pessoas
Hirschman e Holbrook (1982)
Aspectos
Experiênciais do
Consumo
Perspectiva experiencial do consumo.
Natureza simbólica, hedônica e estética do
consumo
Belk, Wallendorf e Sherry (1989)
Aspectos Sagrados
e Profanos do
Consumo
O consumo como veículo de experiências
transcendentais
Holbrook (1999) Valor de Consumo
Valor de Uso: Eficiência, Excelência, Status,
Estima, Brincadeira, Estética, Ética e
Espiritualidade.
42
Embora a literatura tenha se concentrado em pesquisas sobre o valor
como resultado, alguns trabalhos também se preocuparam em analisar como
esse valor é gerado, especialmente pesquisas mais recentes. Em processos de
criação de valor, cabe um olhar mais acentuado sobre as diferentes visões em
relação a quem está envolvido nas atividades de criação de valor e como o valor
é gerado por meio de certas atividades de uma empresa, da co-criação de
mercados e pelo cliente (Gummerus, 2013).
Kotler (1967) iniciou essa discussão a partir da elaboração de valor para
o cliente ou de satisfação para o consumidor. Um ponto crucial nesse momento
foi a compreensão de que a organização é a responsável por criar valor para o
consumidor e deve lidar com uma diversidade grande de grupos que estão
interessados em seus produtos e que podem fazer a diferença para o sucesso
da empresa. Sendo assim, torna-se de vital importância para o sucesso da
organização que a mesma seja sensitiva, sirva e satisfaça esses grupos de
consumidores.
Com o surgimento do marketing de marca, Peñaloza e Venkatesh (2006)
e Venkatesh, Peñaloza e Firat (2006) introduziram a noção de valor de sinal,
afirmando que a economia de mercado está chamando por uma mudança
paradigmática que sai da discussão das técnicas e conceitos de marketing para
enxergar o mercado como uma construção social. Assim, pesquisadores de
marketing devem mudar sua atenção do marketing para o mercado, com esse
último situado dentro de um contexto institucional e sócio-histórico. O marketing
limita a pesquisa em atividades no nível das empresas, enquanto na prática
estamos lidando com produtos ou serviços e com forças e comportamentos
presentes no mercado. Em contraste, o mercado expande a disciplina para
envolver práticas e discursos onde as questões são mais profundas. Assim,
deve-se expandir o conceito de marketing para incluir interesses de todos os
agentes de mercado e levar em consideração o bem-estar social. À medida que
os mercados vão se tornando mais estetizados, espetaculares, encorpados,
personificados e personalizados, recomenda-se enxergar a economia de
mercado global como uma economia de sinal.
A noção de valor de sinal irá incorporar o valor de troca, o valor de uso e
incluir também significados. Os mercados e valores passam a ser produzidos
conjuntamente pelos consumidores, profissionais de marketing e outra força
43
cultural constituinte. Consumidores e profissionais de marketing passam a se
posicionar dentro de um sistema econômico culturalmente constituído que é
produzido na medida em que realizam as trocas de acordo com seus sistemas
de linguagem e significados. Nessa visão, as empresas não são mais
consideradas a partir dos produtos e serviços que oferecem e sim operam em
um sistema de significados de alianças interorganizacionais e transações
simbolicamente orientadas. Na medida em que os mercados continuam
competindo entre si e os produtos e serviços se tornam cada dia mais
comoditizados, o que irá distinguir um produto de outro será a imagem e o
simbolismo construído nele. Assim, mercados e consumidores irão fazer a
distinção baseado em diferentes elementos de valores chamado de sinal. O
crescimento da importância do valor de sinal é o motivo pelo qual marcas e
propagandas se tornaram condição necessária no marketing contemporâneo
(Peñaloza & Venkatesh, 2006; Venkatesh, Peñaloza & Firat, 2006).
Karababa e Kjeldgaard (2013) apresentaram um comentário no Journal of
Consumer Research abordando debates recentes em marketing sobre a
indefinição da noção de valor. Os autores propõem a compreensão dos
processos de valor e sua criação de forma mais abrangente e com um olhar
cultural. Como visto anteriormente, a visão geral predominante do uso de valor
na literatura de marketing e pesquisa do consumidor é discutida em relação a
três tipos de valores abstratos: valor econômico, semiótico e social. A noção de
valor econômico é fundada na economia clássica e política. Economia marxista
define valor de troca como o trabalho necessário para apropriar qualidades úteis
aos bens e expressá-las de forma quantitativa. Por sua vez, valor social se refere
à virtude e pode ser utilizado tanto no sentido ético, que é determinado por uma
pessoa, quanto culturalmente, como a virtude de alguma coisa que é externa a
uma pessoa, ideia, produto ou atividade. Ou seja, o que é considerado bom e
valioso na vida humana. Finalizando, o valor semiótico se refere ao valor de sinal
ou significado. Significados culturais estão presentes no consumo e são
constantemente reconstruídos entre múltiplos atores. Essa perspectiva desafia
a suposição de que a criação de valor ocorre apenas no contexto de troca.
Diante disso, os autores propuseram mais discussões sobre o conceito de
valor a partir de uma perspectiva CCT envolvendo a co-criação de mercado. Uma
abordagem sociocultural pode oferecer uma perspectiva menos reducionista do
44
valor do que as categorias culturais, a ideia de valor como meramente
“significado” ou a concepção de valor economicamente inspirada pela troca e
pelo valor de uso. Tipos diferentes de valor no mercado tais como o valor de
identidade, experiência, estético, funcional, hedônico e o valor da comunidade,
devem ser conceituados como tipologias co-criadas a partir de práticas advindas
de diversos atores, tais como consumidores, empresas, meios de comunicação,
Estado e comunidades de marca que operam em um mercado (Karababa &
Kjeldgaard, 2013).
Arnould (2013) mantém o foco nesse processo de criação de valor e
discute como uma Teoria da Prática de valor poderia ser desenvolvida. O valor
é resultado de práticas que podem variar dependendo do tipo de regime de valor
que for dominante. Assim, práticas de criação de valor críticas para uma
determinada cultura irão diferir daquelas comuns a outros contextos culturais.
Abordagens teóricas práticas enfatizam a centralidade da ação humana
coordenada na produção e reprodução de resultados organizados e coletivos
onde alguns dos quais são valores. Segundo a literatura, o valor não é nem
objetivo como os economistas podem argumentar nem subjetivo como
psicólogos poderiam, mas sim um efeito contingente de interação. Nessa visão,
valor não reside em um indivíduo independente de suas ações e nem em um
bem independente da ação a qual ele é submetido. Em resumo, o valor reside
nas ações e interações onde os recursos têm a função de facilitar, tornar possível
ou apoiar.
Alterando a perspectiva para o nível de performances de prática e
considerando a concepção dos indivíduos como “portadores de práticas”, isto é,
como "pontos únicos de passagem de práticas” com a noção de práticas como
"portadoras de valor", podemos dizer que o valor de uso acontece em dois
momentos no desempenho das práticas. O primeiro é o momento produtivo, ou
seja, onde recursos de algum tipo são oferecidos. Esses recursos podem ser
informação, objeto, experiência, dentre outros. Existe também o momento de
consumo onde recursos de algum tipo são recebidos. Assim, informação, objetos
e experiências podem ser aceitos. O valor será realizado através da experiência
desses momentos. Segundo Arnould (2013), oportunidades futuras de pesquisa
encontram-se pela primeira vez na discussão de como valor é rotineiramente
criado ao invés de que tipos de valor são criados.
45
Gummerus (2013)destaca como a abordagem de valor oferecida pela
Lógica Dominante de Serviço que ressalta que o valor é co-criado por empresas
e clientes e que os beneficiários determinam o valor (resultado), pode contribuir
para os estudos de valor. O artigo também discute como os processos de criação
de valor e valor como resultado podem estar interligados a partir das
experiências. Essa inferência se baseia em dois pressupostos básicos: 1)
clientes permitem interpretar as atividades de criação e co-criação; 2) quando
clientes estão envolvidos em atividades de criação e co-criação, experiências de
serviços são criadas na medida em que agem, sentem e pensam durante esses
eventos. Assim, baseia-se na ideia de que o valor de consumo vem da
experiência do consumidor tanto para empresa quanto para o cliente, assim, a
experiência é o núcleo de consumo.
Venkatesh e Peñaloza (2014) discutem que é sabido que os mercados
são sistemas de criação de valor econômico, social e cultural. Mercados são
vistos como construções sociais e culturais onde o que é criado é um sistema de
significados, especialmente nos ambientes globais e multiculturais. Comentando
a publicação de Karababa e Kjeldgaard (2013), os autores levam a discussão de
valor um pouco mais distante e propõem contribuições para o paradigma cultural.
Assim, os autores sugerem um Sistema de Valores que irá unir valores
socioculturais e ambientais aos propostos anteriormente (troca, uso e sinal).
Vários domínios sociais e biológicos impactados por várias formas de
organização de mercado, sejam elas capitalistas ou não, serão trazidos para a
discussão. Por fim, o quadro cultural proposto por Karababa e Kjeldgaard (2013)
irá abraçar questões sociais e ambientais, implicando cada vez mais em
preocupações multiculturais e ambientais promulgadas no nível do sistema de
mercado e incluindo diferentes atores.
A materialidade e o princípio fundamental de que a circulação das coisas
cria valor foi visto no trabalho de Arsel (2016). Como primeiro objetivo, a autora
se propôsa discutir a ontologia do valor uma vez que falta teorização sobre o
tema na literatura. Como forma de solucionar essa questão,devemos olhar para
os mercados e as trocas existentes como “assemblages”. Além disso, a ideia de
traçar a posição de um objeto torna-se uma orientação epistemológica
interessante para os estudos de valor. Em outras palavras, para entender o valor
de um bem, pesquisadores devem mapear o sistema de movimento de
46
relacionamentos que um bem está inserido ao invés de olhar um momento único
da transação, como a compra ou o descarte.
Entende-se que enxergar mercados como “assemblages” envolve
reconhecer que existe uma reunião de atores, coisas, instituições, narrativas e
outros recursos. Essa visão permite relacionar as experiências individuais com
uma rede externa de recursos, narrativas e materiais de consumo. Essa rede
também irá envolver recursos simbólicos e atores humanos e não humanos.
Esses atores possuem interesses diversos permitindo diferentes arranjos de
configurações, objetivos, ações e possibilidades. Os mercados vistos como
“assemblages” permitem que objetos circulem com o objetivo principal de gerar
valor. Consequentemente, o valor não é uma propriedade inerente a um objeto,
ao contrário, é construído e incorporado em um objeto a partir de redes
heterogêneas. Assim, um bem só terá significado e valor quando estiver em uma
rede de sistemas complexos de relacionamentos (Arsel, 2016).
O quadro 2 traz os estudos teóricos que analisam o processo de criação
de valor.
Quadro2: Estudos Teóricos de Processo de Criação de Valor
Autores Tema Principais Contribuições
Kotler (1967) Gestão de MarketingValor para o consumidor
Satisfação do consumidor
Peñaloza e Venkatesh (2006)
Venkatesh, Peñaloza e Firat (2006)
Construção social do
mercado
Valor de Sinal
Sistema de Significados = Valor de troca +
Valor de uso + Significados
Karababa e Kjeldgaard (2013)Perspectiva sociocultural do
valor
Paradigma Cultural
Valor culturalmente construído
Arnould (2013) Praxeologia do Valor
Teoria da Prática do Valor
Valor como resultado de práticas. Como o
valor é criado no lugar de que tipos de valores
são criados
Gummerus (2013)
Valor como Resultado x
Processo de Criação de
Valor
Lógica Dominante de Serviço e Experiência
como ligação entre processos de criação de
valor e valor como resultado
Venkatesh e Peñaloza (2014)Sistema de Valor de
Mercado
Valor do Ambiente
Sistema composto por Valor de troca + Valor
de uso + Valor de sinal + Valor sociocultural
+ Valor ambiental
Arsel (2015) Valor e "assembling markets"
Ontologia do Valor e Posição do Objeto
O valor é construído e incorporado em um
objeto a partir de redes heterogêneas
47
Fonte: a autora
Entre os artigos empíricos que analisaram o processo de criação de valor,
podemos destacar a pesquisa realizada por Holt (1995). Partindo de uma
perspectiva construcionista e interacionista, da sociologia, a pesquisa
apresentou uma classificação do consumo como um tipo de ação social. Assim,
o objetivo principal foi desenvolver uma linguagem analítica para representar a
variedade de formas em que consumidores interagem com objetos consumidos.
Por ser um trabalho que reuniu classificações consideradas por nós relevantes
para esse trabalho além de servir de base para pesquisas posteriores (Schau,
Muñiz e Arnould, 2009), escolhemos explicar detalhadamente seus principais
resultados na próxima seção.
Schau, Muñiz e Arnould (2009) analisaram como práticas em
comunidades de marca criam valor. Usando a Teoria da Prática social, os
autores revelaram o processo de criação de valor coletivo em nove comunidades
de marca que compreendem uma variedade de categorias de produtos. Como
resultado, os autores identificaram um conjunto comum dedoze práticas de
criação de valor organizadas em quatro temáticas agregadas (uso de marca,
engajamento na comunidade, rede social e gestão de impressão). Além disso,
os autores perceberam que as práticas possuem uma função fisiológica onde a
interação entre os participantes funciona como um processo de aprendizagem,
dotando seus participantes de capital cultural, produzindo a partilha de
informação privilegiada, gerando oportunidades de consumo e criando
valor.Schau, Muñiz e Arnould (2009) utilizam as tipologias e metáforas de Holt
(1995) como inspiração para a discussão de valor. Segundo os autores, Holt
ilustra a maneira como os consumidores individuais conseguem obter valor
através de uma interação com um evento esportivo. Assim, Holt discute
atividades de criação de valor, principalmente através da produção de distinção
individual a partir da dotação de capital cultural.
Mais recentemente, Figueiredo e Scaraboto (2016) realizaram uma
pesquisa que tem como contexto uma rede colaborativa de “geocaching”, uma
versão moderna de um caça ao tesouro. Os resultados demonstraram como a
circulação de objetos promove um sistema de criação de valor que compreende
quatro subprocessos classificados como: 1) promulgação, onde a circulação de
48
objetos promove interdependência entre várias ações de criação de valor pelos
participantes na rede; 2) transvaloração, onde a circulação faz com que os
objetos coletem e armazenem valor potencial gerado a partir de múltiplas ações
ocorridas ao longo do tempo e espaço por diversos participantes em múltiplas
transferências; 3) avaliação, onde a circulação permite que os participantes
acessem dinâmica e coletivamente o valor indexado (história e a durabilidade)
dos objetos e 4) alinhamento, onde a circulação de objetos promove ações de
criação de valor que estão em conformidade com os valores microculturais
prevalentes na rede. Os autores analisaram ações humanas e não humanas,
pois acreditam que a visão da Teoria da Prática, que busca entender a criação
de valor na medida em que os consumidores participam de certas práticas, não
explica como ações não intencionais, ao acaso e realizadas uma única vez de
maneira independentemente por consumidores individuais contribuem para a
natureza sistêmica de criação de valor.
O quadro 3 consolida os artigos empíricos que abordam o processo de
criação de valor na literatura.
Quadro3: Estudos Empíricos de Criação de Valor
Fonte: a autora
3.1.3 O Conceito de Destruição de Valor
Assim como Gummerus (2013), que oferece uma discussão de valor
apoiado em trabalhos que possuem como foco a área de serviços, as pesquisas
de Plé e Chumpitaz Cáceres (2010), Echeverri e Skålén (2011) e Smith (2013)
Autores Tema Principal Contribuição
Holt (1995)Como consumidores
consomem
Consumo como um tipo de ação social onde
são criados valores para os consumidores
Shau, Muñiz e Arnould (2009)
Como práticas em
comunidade de marca criam
valor
Processo de criação de valor coletivo a partir
de práticas comuns a comunidades de marca
Figueiredo e Scaraboto (2016)
Sistema de criação de valor
em redes de consumo
colaborativas
A circulação de objetos promove um sistema
de criação de valor
49
também se apóiam nessa literatura para discutir o processo de co-destruição de
valor (ver quadro 4). Essas pesquisas foram inspiradoras para o nosso trabalho
por abordarem um tema ainda muito recente nos estudos de valor.
Na Lógica Dominante de Serviço, o consumidor será sempre co-criador
de valor (Vargo & Lusch, 2008). Assim, o valor de um bem ou serviço não existirá
por si só, mas dependerá de como o consumidor percebe a experiência
contextual advinda desse bem ou serviço (Plé & Chumpitaz Cáceres, 2010).
Prahalad e Ramaswamy (2004) explicam a co-criação de valor da seguinte
forma:
A visão de co-criação desafia a visão de mercado como
uma agregação de consumidores em torno do que uma
empresa pode oferecer. No novo espaço de co-criação de
valor, os gerentes de negócios têm pelo menos um controle
parcial do ambiente onde ocorrem as experiências e das
redes que desenvolvem para facilitar essas experiências
de co-criação. Porém, eles não conseguem controlar como
os indivíduos passam a co-construir suas
experiências.(Prahalad & Ramaswamy, p.11, 2004,
tradução da autora).
A premissa da Lógica Dominante de Serviço é que o valor é gerado por
um processo colaborativo de co-criação entre as partes (Vargo & Lusch, 2008).
Se o valor pode ser co-criado, parece logicamente possível pressupor que o
mesmo possa ser co-destruído através desse processo (Plé & Chumpitaz
Cáceres, 2010). Porém, a literatura de valor parece deficiente em compreender
os resultados potencialmente negativos advindos dessas interações (Plé &
Chumpitaz Cáceres, 2010) e permanece vinculada a conotações sempre
positivas, como a própria ideia chave de co-criação. Assim, a principal impressão
que fica da literatura é que o envolvimento em processos de criação de valor não
é problemático para as partes envolvidas (Echeverri & Skålén, 2011).
Segundo Echeverri e Skålén (2011), se por um lado a co-criação se refere
ao processo em que provedores e consumidores colaborativamente criam valor,
a co-destruição irá se referir à destruição colaborativa ou diminuição de valor por
50
provedores ou consumidores. Assim, tanto a co-destruição de valor como a co-
criação serão parte integrante em uma interação.
No artigo seminal sobre o tema, Plé e Chumpitaz Cáceres (2010) definem
a co-destruição de valor da seguinte forma:
[...] a co-destruição de valor pode ser definida como um
processo interacional entre sistemas de serviço que resulta
em um declínio em pelo menos um dos sistemas de bem-
estar (que, dada a natureza de um sistema de serviço,
pode ser individual ou organizacional). Durante esse
processo, os sistemas de serviços interagem diretamente
(pessoa a pessoa) ou indiretamente (como, por exemplo,
com os bens) através da integração e aplicação de
recursos. (Plé & Chumpitaz Cáceres, p.431-432, 2010,
tradução da autora).
Os sistemas de serviços são configurações de recursos (pessoas,
informação e tecnologia) que estão conectados a outro sistema. Assim, sistemas
de serviços incluem firmas, consumidores, fornecedores, empregados, governos
e todo e qualquer parceiro na rede de relacionamento de uma empresa (Vargo
& Lusch, 2008, Plé & Chumpitaz Cáceres, 2010 e Smith, 2013). Cada um desses
sistemas de serviços irá contribuir na criação de valor para eles próprios e para
os demais envolvidos (Vargo & Lusch, 2008).
E quando ocorrerá a co-destruição de valor? Segundo Plé e Chumpitaz
Cáceres (2010), a co-destruição resulta do mau uso dos recursos durante as
interações entre os diferentes sistemas de serviços. Cada um dos sistemas de
serviços envolvidos poderá usar os recursos próprios ou os recursos do outro
sistema de serviços. O uso incorreto desses recursos resultará em co-destruição
de valor para pelo menos um dos sistemas de serviços envolvidos.
Por sua vez, o mau uso dos recursos envolvidos pode ser compreendido
como uma falha em usar os recursos da maneira que é apropriada ou esperada
pelo sistema de serviço. Assim, quando dois sistemas interagem, direta ou
indiretamente, cada parte possui certas expectativas em relação ao seu próprio
papel e o papel da outra parte. O uso inapropriado ou inesperado de algum
51
recurso disponível em uma interação irá resultar em destruição de valor para
pelo menos uma das partes (Plé & Chumpitaz Cáceres, 2010).
Usando a pesquisa de Plé e Chumpitaz Cáceres (2010) como ponto de
partida; porém, trazendo um estudo empírico sistemático e construindo em cima
da lente teórica da Teoria da Prática, Echeverri e Skålén (2011) identificaram
que a co-destruição de valor é uma consequência de quando clientes recorrem
a elementos da prática incongruentes em respeito ao comportamento do
empregado de uma empresa. A partir de um estudo de uma organização de
transporte público da Suécia, os autores identificaram cinco práticas de interação
de valor que mostram como essas práticas não estão associadas apenas a co-
criação, como também a co-destruição de valor.
Para a literatura de valor, esse trabalho contribui sob duas perspectivas
diferentes. A primeira diz respeito ao consumo de um elemento onipresente na
vida do consumidor. Diferente de outros consumos em que o aspecto da escolha
é o ponto de partida para a prática do consumo, o contexto do sol possibilita a
que se observe, por vezes, não só escolhas como adaptações, afastamentos,
dentre outras práticas. Neste estudo, a Teoria da Prática serve de apoio para a
análise da criação de valor do consumo relacionado ao sol, em consonância com
a indicação de Arnould (2013) sobre lacunas relacionadas à temática de valor
nos estudos de consumo.
A segunda perspectiva destaca que algumas práticas, ao contrário de
criarem valor, podem levar ao processo de destruição de valor em
comportamento do consumidor, ou seja, mesmo sem a ocorrência de interação
entre diferentes sistemas de serviços (firmas, consumidores, fornecedores,
empregados, governos e todo e qualquer parceiro na rede de relacionamento de
uma empresa), como pontuam Vargo e Lusch (2008), Plé e Chumpitaz Cáceres
(2010) e Smith (2013).
O quadro 4 apresenta as pesquisas de destruição de valor encontradas
na literatura.
52
Quadro 4: Estudos de Destruição de Valor
Fonte: a autora
3.1.4 Tipologias de Consumo de Holt (1995)
Utilizamos as tipologias de consumo trazidas por Holt (1995) para ajudar
a organizar a literatura referente aos processos de criação de valor, corrente
escolhida por essa pesquisa.
A partir da década de 1990, autores do campo do comportamento do
consumidor buscaram compreender como as pessoas consomem e o que elas
fazem quando consomem. Até aquele momento, o consumo era estruturado por
meio das propriedades do objeto consumido. A partir de uma perspectiva
econômica, acreditava-se que os produtos eram desenvolvidos como um
conjunto de atributos que fornecessem benefícios particulares (Holt, 1995). Após
essa primeira constatação, diferentes perspectivas começaram a se desenvolver
sugerindo que o ato de consumir é uma prática subjetiva e variada e não
determinada apenas pelas características de um objeto (Bourdieu 1984; Halle
1992; Morley 1986; Press 1991; Radway 1984). Um mesmo objeto pode ser
consumido de maneiras variadas, por diferentes grupos de consumidores.
Com uma observação extensiva de espectadores de beisebol, Holt (1995)
propõe uma classificação do consumo em quatro grandes categorias. Essas
categorias emergiram a partir de duas distinções conceituais básicas
encontradas em literaturas anteriores: a estrutura e o propósito do consumo. Em
termos de estrutura, o consumo consiste em ações em que consumidores se
envolvem tanto diretamente com o objeto de consumo (objetiva), quanto
interações com outras pessoas em que os objetos de consumo servem como
recursos para intermediar essa interação (interpessoal). Em termos de propósito,
Autores Tema Contribuição
Plé e Chumpitaz Cáceres (2010) Co-destruição de ValorCo-crição não é o único resultado possível
em interações do sistema de serviços
Echeverri e Skålén (2011)
Formação de valor interativo
em uma perspectiva prático-
teórica
Co-destruição de Valor Interativo a partir de
Práticas de Consumo
Smith (2013)
Co-destruição de valor no
relacionamento com clientes
(CRM)
Falhas no processo de integração de
recursos gera destruição de valor
53
as ações dos consumidores podem representar tanto um fim em si mesmas
(autotélicas), quanto meios para alcançar outros fins (instrumentais).
Cruzando essas duas dimensões, Holt (1995) propõe uma matriz 2x2
(Figura 2) que contém três metáforas tradicionalmente vistas na literatura para
descrever o ato de consumir (consumo como experiência, integração e
classificação) e uma nova metáfora até então negligenciada pela literatura e
classificada por ele de Consumo como Teatralização.
Figura 2: Metáforas para o Consumo
Fonte: Holt (1995, p.3)
Tradução livre da autora
3.1.4.1 Consumir como Experiência
Para construir a metáfora de consumir como experiência, Holt (1995) se
baseou nos trabalhos de Holbrook e Hirschman (1982) e Belk, Wallendorf e
Sherry (1989). Essa metáfora tende a ver o consumo como um fenômeno
psicológico de uma perspectiva fenomenológica que enfatiza estados
emocionais que surgem durante o consumo.
Como visto anteriormente, Holbrook e Hirschman (1982) foram os
primeiros a apresentar a visão de valor com resultado de experiência. Valor como
resultado de experiência possui como objetivo complementar e enriquecer a
visão dos clientes como responsáveis por decisões lógicas e passam a ver os
seres humanos como buscadores de sensações e emocionais. Assim, valor
54
como resultado de experiências combinará afeto e cognição do consumidor e
propõe que os eventos ideias também possam ser pesquisados.
Os aspectos sagrados e profanos também foram relevantes para explicar
o lado experiencial do consumo(Belk, Wallendorf & Sherry, 1989). Assim, o
consumo funciona como um veículo de experiências transcendentais, exibindo
alguns aspectos do sagrado e do profano, conforme detalhado anteriormente.
Existe ainda o lado extraordinário da experiência (Arnould & Price, 1993).
Construído a partir do rafting no rio Colorado, o “rio mágico” envolve um senso
de reverência e mistério. Assim, a experiência extraordinária oferece absorção,
controle pessoal, diversão e apreciação que são fáceis de relembrar, porém,
devido ao elevado envolvimento emocional, são difíceis de descrever. As
dimensões da experiência extraordinária se manifestam a partir da harmonia
com a natureza, o senso de pertencimento a uma comunidade não estruturada
onde as pessoas são iguais e compartilham o espírito da comunidade, o
crescimento pessoal e a renovação.
A importância da customização em massa no desenvolvimento e
aplicabilidade da perspectiva experiencial do consumo foi abordada por Addis e
Holbrook (2001). A customização em massa gera impactos profundos no
comportamento do consumidor uma vez que os estimula a cobrar a indústria por
novos produtos de uma maneira nunca vista antes. Junto com a customização
em massa, o marketing de relacionamento acabou desenvolvendo na empresa
a importância de considerar os consumidores como interlocutores válidos,
criando um contato mais íntimo, inclusive, no processo de produção. Assim, a
subjetividade foi ganhando ainda mais espaço.
O conceito de experiência não apresenta uma definição clara e objetiva e,
por isso, acaba sendo definido em termos ideológicos. Essa questão foi
abordada por Carù e Cova (2003) que buscaram dar uma visão geral dos
diferentes significados atribuídos à palavra experiência em várias disciplinas
científicas e destacar, a partir de uma abordagem desconstrutiva, que no
marketing devemos utilizar uma tipologia de consumo de experiência que vai
além de uma visão ideológica que tende a considerar toda experiência como
sendo extraordinária.
A partir da ascensão da abordagem experiencial no marketing durante a
década de 2000 e do desenvolvimento da etnografia de consumo que surgia
55
como uma estratégia promissora para pesquisa qualitativa, Carù e Cova (2008)
desenvolveram uma metodologia que melhor examina o consumo de
experiência. Assim, os autores propuseram uma metodologia integrada de
consumo que combina observação e introspecção de grandes e pequenas
histórias propondo assim uma abordagem etnográfica completa para
experiências de consumo.
Mais recentemente, o consumo como experiência também foi visto a partir
de sua relação com a natureza. Utilizando o método etnográfico no contexto do
surf, Canniford e Shankar (2013) teorizaram a experiência purificadora com a
natureza de seus consumidores a partir de um conjunto de recursos
heterogêneos. Utilizando a teoria da assemblage, os autores mostraram
comoquestões relativas à geografia são vitais para a reprodução de discursos
românticos do consumo dessa experiência.
3.1.4.2 Consumir como Integração
Já o Consumir como Integração descreve como consumidores adquirem
e manipulam os significados de um objeto. Com uma variedade de práticas de
consumo, Holt (1995) utiliza desde trabalhos sobre rituais de consumo (Rook,
1985), até processos de extensão do ser (Belk, 1988), rituais personalizados
(McCracken, 1986) e processos sacralizados (Belk, Wallendorf & Sherry, 1989).
Assim, consumidores são capazes de integrar o objeto com o próprio ser
permitindo que os mesmos tenham acesso às propriedades simbólicas do bem.
No dia a dia, as pessoas participam regularmente de atividades
ritualizadas em suas casas, nos seus trabalhos e nas suas atividades de lazer,
tanto de maneira individual quanto coletiva, como membros de uma comunidade
maior. Expressões ritualizadas foram definidas como uma linguagem do corpo
que envolve tanto comportamentos mentais quanto físicos e retratam os esforços
dos consumidores com a finalidade de obter status social, maturidade e
identidade sexual (Rook, 1985). O ritual contribui para marcar as passagens
significantes na vida do consumidor tais como formaturas, casamentos e
enterros Mas também pode estar envolvido em atividades diárias que regula as
interações sociais e prescreve a maneira “correta” de se fazer as coisas como,
56
por exemplo, filas, agradecimento e rituais de despedida (Zaltman & Wallendorf,
1977).
Em muitos casos os rituais são analisados como práticas de reforço a
tradições sociais subjacentes à sociedade (Cupolillo, Casotti e Campos, 2014).
Um dos exemplos é o trabalho de Wallendorf e Arnould (1991) sobre os rituais
coletivos do Dia de Ação de Graças nas cidades americanas. Segundo os
autores, esse ritual celebra a abundância material e prova ao participante sua
habilidade em suprir necessidades básicas através de um consumo em excesso.
Assim, o Dia de Ação de Graças é um discurso entre os consumidores que
contribui para a formação de uma cultura de consumo americana que negocia
seus significados de forma a tornar a compreensão difícil para pessoas que não
fazem parte dessa cultura.
O feriado norteamericano de compras no dia seguinte à celebração do
Dia de Ação de Graças, conhecido como Black Friday, também foi analisado sob
a perspectiva dos rituais de consumo (Thomas & Peters, 2011). Entrevistas
fenomenológicas realizadas em um período de dois anos indicaram que as
atividades de compra no Black Friday constituem um ritual coletivo de consumo
que é praticado e compartilhado por múltiplas gerações de mulheres de uma
mesma família e, até mesmo, de amigas mais próximas. O ritual de Black Friday
irá diferir de rituais de compras e de feriados por incluir elementos como
aventura, competição e urgência no consumo.
Além dos rituais, outra maneira de representar o consumo por integração
está presente no processo de extensão do ser (Belk, 1988). Nossas posses são
fundamentais para refletirem e contribuírem na formação de nossas identidades.
Assim, são partes de nós e, na atual vida moderna, aprendemos, definimos e
lembramos quem somos através delas. Para entender o significado das posses,
antes é preciso compreender o papel que os atos de ter, fazer e ser
desempenham nas nossas vidas. Um exemplo está na própria utilização de um
uniforme que permite que sejamos uma pessoa diferente do que seríamos sem
ele, tanto para nós mesmos quanto para terceiros, ou seja, existe uma sensação
de aumento de poder individual a partir da utilização de um objeto (Belk, 1988).
A identificação que temos com as nossas posses acontece ainda na infância
quando aprendemos o que é nosso, o que é do outro e o que é do ambiente, e
aprendemos também a lidar com a inveja do outro pelo que temos e a nossa
57
própria pelo que não temos. A ênfase na posse material permanece elevada ao
longo da vida e, a partir dela, buscamos alcançar felicidade, relembrar
experiências passadas, conquistas e a participação de outros em nossas vidas.
O acúmulo de posses fornece um senso de passado e nos fala quem somos, de
onde viemos e para onde iremos (Belk, 1988).
As posses e atividades que os consumidores amam e seu papel na
construção de uma narrativa de identidade também foram analisados por Ahuvia
(2005). As pessoas e os bens que amamos possuem forte influencia no nosso
ser e no senso de quem somos. Na literatura de comportamento do consumidor,
a identidade do consumidor têm sido frequentemente relacionada a construtos
que podem estar mais ou menos relacionados ao amor, tais como posses
especiais, envolvimento e relacionamento entre consumidor e marca. Amor
difere desses construtos uma vez que engloba uma categoria mais ampla que
inclui objetos públicos, como a natureza, bem como atividades de consumo. No
entanto, todos estes construtos compartilham um foco na maneira como as
pessoas usam o consumo para manter seu senso de identidade ao longo do
tempo e para se definirem em relação a outras pessoas.
O papel da natureza na extensão do ser foi vista por Kunchamboo e Lee
(2012). Segundo os autores, a nossa percepção quanto à natureza ser parte da
extensão do nosso ser possui implicações sobre a forma como iremos lidar com
a natureza. Essa percepção provoca a consciência da nossa interdependência
com a natureza, levando a uma ligação emocional. Essa ligação desenvolve a
visão de que a natureza possui um valor intrínseco. O sentimento de inclusão
encoraja as pessoas a ver a natureza como parte do próprio "ser",
desenvolvendo assim uma forte necessidade de valorizá-la e protegê-la. Assim,
ver a natureza como extensão do ser incentiva o comportamento ecológico do
consumidor o que leva a uma atitude positiva em relação ao consumo
sustentável. No entanto, o sentimento de exclusão (quando a natureza não é
parte do ser) encoraja uma visão antropocêntrica que trata o indivíduo como
centro do universo e coloca a natureza como um objeto que deve ser explorado.
A extensão do ser foi proposta em 1988 e desde então muitas
mudanças tecnológicas passaram a afetar dramaticamente a forma como
consumimos, nos apresentamos e nos comunicamos. Belk (2013) propõe uma
atualização para revitalizar o conceito incorporando os impactos da digitalização
58
e fornecendo uma compreensão do senso de ser do consumidor em um
ambiente tecnológico comum aos dias atuais. Esse trabalho está em constante
progresso uma vez que nosso comportamento dentro de um ambiente virtual
continua a evoluir. O mundo digital abre uma série de novos meios para a
extensão do ser, usando novos objetos de consumo para chegar a um público
ainda mais amplo.
Para entendermos o significado das posses, McCracken (1986) mostrou
como um bem pode estar carregado de significados culturais. O significado
cultural se move de um mundo culturalmente constituído para um bem e daí para
o consumidor individual. O primeiro movimento parte de um mundo culturalmente
constituído e, através da propaganda e da moda constrói significados para os
bens e serviços. Assim, as propriedades conhecidas do mundo culturalmente
constituído, passam a residir nas propriedades desconhecidas do bem de
consumo e, assim, a transferência do significado do mundo ao bem é realizada.
A transferência para o indivíduo irá ocorrer a partir das “ações simbólicas” ou
rituais de consumo. O ritual manipula o significado cultural com a finalidade de
realizar uma comunicação individual ou coletiva que pode afirmar, evocar, ceder
ou rever os símbolos e significados culturais convencionais.
Os processos sacralizados (Belk, Wallendorf & Sherry, 1989)
representam o papel de consumir como integralização a partir do que os autores
chamaram de objetificação (uma das doze propriedades da sacralidade). A
objetificação é a tendência de enxergar uma variedade de elementos da
existência mundana de uma forma transcendental, onde acabam aparecendo de
maneira mais ordenada, consistente e intemporal. A partir da representação em
um objeto, o sagrado acaba se concretizando. Assim, uma pedra pode continuar
a ser uma pedra, mas se torna um objeto sagrado quando sua origem é
compreendida a partir da criação de um mito que faz com que seja vista como a
lágrima de um animal. Bens tangíveis podem incluir ícones, roupas, mobiliários,
artefatos e posses simbolicamente ligadas ao consumidor e que se tornam
sagrados a partir de mitos, rituais e sinais. Um objeto pode se tornar sagrado
também pela sua raridade e beleza, que os deixa distantes da classificação de
itens ordinários, tais como metais preciosos e jóias.
Os processos sacralizados também foram analisados a partir da
perspectiva de consumo como religião e mito no contexto de fãs de Star Trek
59
(Kozinets, 2001). A partir de uma pesquisa que envolveu vinte meses de trabalho
de campo em fãs clubes, convenções e grupos de internet, além de mais de
sessenta entrevistas com fãs, Kozinets pontuou que essa subcultura de
consumo funciona como um poderoso refúgio utópico uma vez que envolve
qualidades extraordinárias e sagradas. Essas articulações de sacralização são
utilizadas para criar uma distância em relação ao seu estado superficial, um
produto comercial.
Kunchamboo e Lee (2012) analisaram papel sagrado que a natureza
exerce na vida dos participantes de um blog sobre o meio ambiente. Segundo
os autores, o que explica a sensação de unidade entre os participantes e a
natureza é a espiritualidade definida como um sentimento geral de proximidade
com o sagrado. Espiritualidade é um conceito que se origina na parte de dentro
de um indivíduo e pode ser definida como o núcleo ou vida interior da pessoa e
pode ser encontrada em todas as sociedades através de uma experiência
individual com o divino, uma conexão com a natureza ou através da prática
religiosa. Assim, a espiritualidade que existe no contato com a natureza envolve
uma sensação de proximidade e ligação com meio ambiente a partir de um
sentimento de serenidade e calma ao testemunhar as maravilhas da natureza.
3.1.4.3 Consumir como Classificação
Em Consumir como Classificação, o consumo é tido como um processo
onde os objetos, vistos como recipientes cheios de significados culturais e
pessoais, agem para classificar seus consumidores em relação a outros
considerados relevantes. Práticas classificatórias servem tanto para construir um
senso de filiação quanto para aumentar o senso de distinção. Assim, a
classificação é um processo que é realizado através da posse e exibição social
do objeto consumido. Essa metáfora foi construída a partir de trabalhos
publicados por Levy (1959), Sahlins (1976) e Douglas e Isherwood (1979).
Levy (1959) pontuou que quanto menor a preocupação de satisfação de
um nível mínimo de vida que permita a sobrevivência, mais abstrata se torna a
exigência humana por produtos. Assim, na medida em que os comportamentos
no mercado se tornam mais elaborados, o seu simbolismo também aumenta.
Isso significa dizer que no lugar de vender bens para consumidores orientados
60
funcionalmente, os vendedores estão engajados em vender símbolos.
Consumidores justificam suas escolhas de consumo a partir de questões como
conveniência, negligência, pressão familiar, outras pressões sociais, razões
econômicas complexas e propagandas. Eles buscam satisfazer infinitos
objetivos, sentimentos, desejos e circunstâncias. O consumo se torna menos
uma questão de “Eu preciso disso?”. E passa a ser mais “Eu desejo isso?” “Eu
gosto disso?”. Os bens adquiridos passam a ter significados pessoais e sociais
adicionados às suas funcionalidades.
Ao contrário da teoria utilitária que preza por uma orientação econômica,
Sahlins (1976) toma como característica distintiva do homem, não apenas que
ele vive em um mundo material, mas sim que o mesmo o faz de acordo com um
esquema de significados de sua própria invenção. Para essa compreensão, é
considerada a cultura uma vez que a mesma é tida como a responsável por
constituir a utilidade de cada produto. Assim, em uma sociedade não será
possível separar os aspectos materiais dos aspectos sociais, como se o primeiro
se referisse à satisfação de necessidades a partir da exploração da natureza e
o segundo aos problemas relacionados entre os homens. Em termos de
propriedades sociais e materiais, bens estão relacionados tanto à articulação
com a natureza em serviço de um interesse prático, quanto à manutenção de
uma ordem entre as pessoas e entre grupos. Em um esquema simbólico que
engloba tanto as forças materiais quanto sociais, cada força material presente
em uma existência social só poderá ser determinada a partir de sua integração
com um sistema cultural (Sahlins, 1976).
Bens funcionam como um sistema de informação. Em vez de supor que
os bens são necessários principalmente para subsistência, além de exibição
competitiva, Douglas e Isherwood (1979) supõem que eles são necessários para
fazer com que as categorias de uma cultura permaneçam visíveis e estáveis.
Antropólogos perceberam que os bens materiais encontrados em estudos tribais
possuem a finalidade não só de fornecer alimentos e cobertura para os seus,
como também, são importantes para fazer e manter relações sociais. A rede de
laço de parentesco que une os membros de uma comunidade local é provocada
muitas vezes pela operação de regras atreladas aos bens, muitas vezes
expressos em gado. A união do casamento se concretiza com o pagamento de
61
gado e cada fase do ritual do casamento é marcada pela sua transferência ou
abate.
Mudanças nos significados culturais de um objeto também foram
abordadas por Kjeldgaard e Bengtsson (2005). Após ser considerado um
comportamento marginal e até desviante, o consumo de tatuagem tornou-se um
fenômeno de consumo de massa. Uma vez que as tatuagens ganharam
popularidade, é possível acreditar que as razões pelas quais as pessoas fazem
tatuagens mudaram também. Antes associada a uma cultura de marinheiros e
motoqueiros, a tatuagem se tornou um fenômeno onde algumas são
consideradas até fora de moda e ultrapassadas. Atualmente, fazer uma
tatuagem tem se tornado comparável a outras práticas de consumo onde as
pessoas procuram embelezar seus corpos de acordo com as normas de moda.
Portanto, as pessoas não vão necessariamente fazer uma tatuagem para
expressar afiliação a um estilo de vida certo ou uma subcultura específica. Com
a popularização da tatuagem, nova forma de classificação também se
desenvolveu. Alguns usuários discutem a tatuagem dentro de um sistema
classificatório de arte e moda gerando a necessidade de elaborar os desenhos
das tatuagens e personalizar seus significados.
O consumo como classificação também foi visto por Arsel e Bean (2013)
ao desenvolverem um quadro teórico do gosto baseado na Teoria da Prática. O
gosto é considerado um domínio fértil dos pesquisadores de consumo e
sociólogos por ser considerado como um mecanismo fundamental para
perpetuar hierarquias sociais. Segundo os autores, existe um regime de gosto
definido como um sistema normativo construído discursivamente que vai
orquestrar práticas em uma cultura de consumo orientada esteticamente. Esse
regime de gosto será perpetuado por instituições presentes no ambiente de
mercado como revistas, sites e marcas e será responsável por regular práticas
por meio de um engajamento contínuo.
3.1.4.4 Consumir como Teatralização
A quarta e ultima dimensão trazida por Holt (1995) diz respeito ao
Consumir como Teatralização. Essa metáfora envolve uma ação autotélica com
estrutura interpessoal. Apesar de ter recebido pouca atenção na literatura, busca
62
descrever como as pessoas usam o consumo de objetos para desenvolver a
relação entre eles e os outros. Assim, o consumo não envolve apenas o consumo
direto de objetos, mas também inclui esse consumo como recurso para interagir
com outros consumidores. O objeto de consumo é essencial para a teatralização,
pois fornece os materiais através dos quais a interação lúdica é ordenada. Em
relação a trabalhos anteriores que abordaram o tema, temos como exemplo
Sherry (1990) e Arnould e Price (1993).
Baseado no comportamento de consumidores de jogos profissionais de
basebol, Holt (1995) percebeu que existe um quadro metacomunicacional entre
esses espectadores que define o conteúdo de suas falas e suas ações como
algo totalmente sem sentido exceto para o seu papel no aumento da interação
entre os outros. Esse quadro também define os papéis e as regras que aqueles
que participam no jogo assumem. Duas ações são predominantes entre
espectadores de beisebol: a comunhão, onde espectadores compartilham
mutuamente suas experiências e a socialização, onde espectadores fazem uso
de práticas vivenciais para entreter uns aos outros.
A socialização e a comunhão foram vistos no trabalho de Sherry (1990)
que explorou o significado sociocultural de um mercado de pulgas a partir de
uma pesquisa etnográfica. Um quadro teórico mostrou que comprar em
mercados de pulga envolve lidar com duas dimensões: a primeira diz respeito à
dimensão estrutural representada pela dialética formal-informal e a segunda é a
dimensão funcional formada pela dialética econômico-festiva. Segundo a
pesquisa, o consumo é um jogo social que sempre esteve presente nas
diferentes culturas. Diferente de mercados tradicionais, o mercado de pulgas
oferece uma atmosfera mais social, onde as interações são mais pessoais,
menos restritas e as pessoas são mais simpáticas. Algumas interações,
inclusive, são partes importantes da atmosfera, como a negociação e a forma
adequada de fazê-la. O comportamento do consumidor desse mercado irá
envolver três características básicas: a busca (pelos “tesouros” escondidos), a
negociação (e a forma como deve ser feita) e a socialização (consumidores
buscam viver a experiência do mercado de pulgas e a compra e venda é apenas
um aspecto envolvido) (Sherry, 1990).
Voltando para um contexto de jogo, Csikszentmihaly (1990) pontuou que
suas regras enfatizam uma sensação de movimento de vai e vem entre o campo
63
e a estrutura. Um jogador, por exemplo, não estará distanciado do jogo, mas sim
estará imerso em sua estrutura. Para jogar bem, uma pessoa não pode fazer
qualquer coisa que queira. Pelo contrário, o jogador qualificado é altamente
sintonizado às circunstâncias emergentes no jogo, e atua em conjunto com o
fluxo. Para o observador experiente, as ações do jogador são compreensíveis
dentro do fluxo do jogo e o exercício de suas habilidades está sistematicamente
relacionado em facilitar que o jogo ocorra. Assim, as regras do jogo e dinâmica
estrutural não são impedimentos para brincadeiras criativas, ao contrário, estão
permitindo condições a partir da qual as habilidades podem surgir e ser
compreendidas pelos outros.
Espectadores comungam quando compartilham quem eles realmente são
quando estão experimentando o objeto de consumo uns com os outros, de tal
modo que a interação se torna uma experiência mútua. Arnould e Price (1993)
encontraram essa característica quando exploraram o consumo hedônico em
uma experiência extraordinária de consumo do rafting no rio Colorado. A partir
da realização de uma pesquisa multimétodo que envolveu dois anos de coleta
de dados com participantes dessa atividade, os autores viram que existe uma
expectativa em relação aos outros participantes. Os praticantes inexperientes
geralmente atribuem pouca importância aos demais para construir uma
experiência satisfatória e compartilhada. Por isso, é esperado que todos sejam
amigáveis, saibam trabalhar em equipe, considerem uns aos outros e sejam
sociáveis. Geralmente, o praticamente mais experiente acaba assumindo o
papel de instruir os outros sobre esses aspectos essenciais para uma prática
adequada.
Partindo de uma etnografia que explorou um evento que possui a duração
de uma semana e que é caracterizado como um antimercado, chamado Burning
Man, Kozinets (2002) concluiu que algumas práticas são usadas para distanciar
os consumidores do mercado. A pesquisa inclui discursos que suportam a
comunhão entre os participantes rebaixando as lógicas tradicionais de mercado,
as práticas alternativas de mercado e o posicionamento do consumo como uma
arte de expressão do ser. Uma das práticas comuns do evento envolve o ato de
presentear. O guia de sobrevivência da organização do evento destaca que o
local deve ser baseado no livre compartilhamento e troca de bens, ou seja, uma
economia de presentes. Assim, o ato de presentear desempenha um papel
64
importante, senão central, para perpetuar os princípios defendidos pelo evento
e conhecidos como: reciprocidade, cuidado uns com os outros e vínculo
emocional.
4. Teoria da Prática
Ao considerarmos a natureza da vida social, a teoria social sempre esteve
envolvida na discussão de dois grandes conceitos, o de totalidade e o individual.
Platão construiu seus discursos sobre justiça, educação, psicologia, arte e
existência social a partir de uma analogia entre o indivíduo e a sociedade como
um todo. Essa analogia permaneceu como princípio organizador do pensamento
durante muitos anos (Schatzki, 1996). Após a virada interpretativa, que ocorreu
na década de 1970, as “teorias da prática” ou “teorias de práticas sociais” se
tornaram uma alternativa conceitual atraente para um público insatisfeito com as
teorias sociais clássicas. É possível encontrar elementos de uma teoria das
práticas sociais na obra de diferentes pesquisadores sociais das últimas décadas
do século XX e que são de origem teórica diversificada, tais como Bourdieu
(1972, 1997), Giddens (1979, 1984), Foucault (1976, 1980), Latour (1991) e
Schatzki (1996) (Schatzki, 1996; Reckwitz, 2002; Schatzki, Cetina &
Savigny, 2001; Warde, 2005).
A diversidade e multiplicidade de impulsos, questões e oposições entre
esses teóricos levaram a uma abordagem ainda não unificada da prática. A
maioria dos teóricos, principalmente aqueles em filosofia e ciências sociais
tradicionais, identifica as atividades envolvidas na prática como as de pessoas:
práticas são matrizes de atividade humana. Uma significativa minoria, centrada
em estudos de ciência e tecnologia, no entanto, acreditam que as atividades
ligadas em práticas também incluem aquelas de não-humanos, tais como
máquinas e objetos de investigação científica. A maioria, por fim, concorda que
a atividade é incorporada e que nexos de práticas são mediados por artefatos e
objetos (Schatzki, Cetina & Savigny, 2001).
Shove e Pantzar (2005) pontuam que teóricos como Bourdieu (1984,
1992), de Certeau (1984) e Giddens (1984) usam o termo prática de diferentes
formas, porém, de uma maneira comum que enfatiza rotinas, hábitos
compartilhados, técnicas e competências. O ponto fundamental é que práticas
65
são feitas por e através da reprodução de rotinas. Mesmo sendo um argumento
forte e convincente, essas teorias acabam sendo completamente sociais no
sentido de que os artefatos materiais, infra-estruturas e produtos sempre soam
como um recurso negativo.
Baseado e inspirado nos trabalhos de Wittgenstein, Schatzki (2001)
oferece uma interpretação diferente para a prática. Para ele, as práticas
consistem em arranjos encorpados e materialmente mediados por atividades
humanas centralmente organizadas em torno de uma compreensão
compartilhada da prática. De encorpado, entende-se o fato de muitos
pensadores, do final do século XX, enfatizarem o entrelaçamento entre as formas
de atividades humanas e as características do corpo humano. Teóricos que
destacam essa visão acreditam que corpos e atividades são constituídos nas
práticas. Assim, as práticas são o contexto principal onde as propriedades do
corpo, cruciais para a vida social, são formadas. Não apenas habilidades e
atividades como também experiências.
Entre os motivos principais que estão atraindo o público para as teorias
da prática, estão o fato de elas não serem nem individualistas e nem holísticas.
No lugar disso, são compostos por “imagens pluralistas e flexíveis de
constituição da vida social que geralmente se opõem a unidades hipostasiadas
(ex. substância ou coisa), que pode surgir em contextos locais e acomodar
perfeitamente as complexidades, diferenças e particularidades” (Schatzki, 1996,
p.12).
Dessa forma, existem pelo menos duas noções de prática proeminentes
na literatura (Schatzki, 1996; Arsel& Bean, 2013). De acordo com a primeira, a
prática é o processo de aprender ou melhorar a capacidade de fazer alguma
coisa a partir da repetição e persistência. É nesse sentido que os adultos
praticam piano, crianças são incentivadas a treinarem e iniciantes informam seus
amigos ao telefone que não podem, pois estão treinando. A segunda avalia a
prática como um nexo temporalmente desdobrado e espacialmente disperso de
“fazeres” e “dizeres” (doings and sayings). Como exemplo, temos as práticas de
cozinhar, votar, práticas industriais e práticas de lazer (Schatzki, 1996; Arsel &
Bean, 2013).
Com a finalidade de trabalhar as questões que envolvem a relação entre
valor e práticas de consumo, esse trabalho irá adotar a perspectiva da "Teoria
66
da Prática" (Schatzki, 1996; Schatzki, Cetina & Savigny, 2001), começando a
partir do referencial teórico desenvolvido por Reckwitz (2002) e da sua aplicação
no contexto de estudos de consumo feitas por Sassatelli (2007), Shove e Pantzar
(2005) e Warde (2005). Seguindo esses trabalhos, assume-se que atividades de
consumo são o resultado de desempenhos individuais entrelaçados em um
contexto sócio-material complexo, onde significados, objetos e atividades
encarnados estão dispostos em configurações específicas de práticas, assim
estamos olhando para a segunda noção de prática proeminente na literatura
(Schatzki, 1996; Arsel& Bean, 2013).
4.1 Teoria da Prática como parte das Teorias Culturais
Reckwitz (2002) destaca que a Teoria da Prática é um tipo de teoria
cultural. Em contraste com as teorias clássicas do “homo economicus”, que
explica a ação a partir de propósitos individuais, intenções e interesses, onde a
ordem social é um produto da combinação de interesses individuais; e do “homo
sociologicus” que explica a ação apontando para normas e valores coletivos,
onde a ordem social é garantida por um consenso normativo; as teorias culturais
buscam explicar e compreender as ações por meio da reconstrução das
estruturas simbólicas de conhecimento que habilitam e restringem os agentes de
interpretar o mundo de acordo com certas formas. Essa estratégia conceitual
não é exclusiva da Teoria da Prática. Nem todos os teóricos culturais são
teóricos da prática, algumas distinções se fazem necessárias.
O campo das teorias culturais, ou seja, das teorias sociais que explicam
ou compreendem a ação e a ordem social a partir de estruturas simbólicas e
cognitivas é altamente complexo. Existem quatro grandes subtipos de teorias
culturais: o mentalismo, o textualismo, o intersubjetivismo e a Teoria da Prática.
Há algumas diferenças entre a Teoria da Prática social e as outras formas de
teoria cultural, mas o mais importante e elementar é que a Teoria da Prática vai
situar o social em um local diferente dos de outras teorias culturais. Isso significa
dizer que a menor unidade de análise da teoria social na teoria a prática é
conceituada de maneira diferente (Reckwitz, 2002; Schatzki, 2002).
Uma vertente das teorias culturais, a que possui mais tradição, localiza o
social ou o coletivo na mente humana. A ideia básica da corrente do mentalismo
67
é que a mente é o lugar do social por ser o local onde habitam as estruturas de
conhecimento e significado. Dessa forma, o social pode ser encontrado na
cabeça dos indivíduos e a menor unidade de análise social são as estruturas
mentais. A mente é o lugar ou reino que abriga uma determinada gama de
atividades e atributos e são essas estruturas mentais do conhecimento que vão
garantir a ordem social (Schatzki, 1996; Reckwitz, 2002).
A próxima vertente, conhecida como textualismo, acredita que as
estruturas simbólicas não estão situadas na mente humana e sim fora dela em
cadeias de sinais, símbolos, discursos, comunicação ou textos. Assim, o social
não fica ancorado no nível psicológico das mentes, mas apenas no nível
extrasubjetivo de sinais em sua materialidade. Três contextos teóricos se
desenvolveram a partir da noção do textualismo e são eles: pós-estruturalismo,
semiótica e fenomenologia (Reckwitz, 2002; Schatzki, 2002). A terceira vertente
conhecida como intersubjetismo localiza o social nas interações. O ponto
paradigmático nesse caso está no uso de uma linguagem comum. Em seus atos
de fala, os agentes estão se referindo a um lugar de proposições semânticas e
de regras pragmáticas sobre o uso de sinais. Dessa maneira, o social não pode
estar em outro lugar que não nas interações sociais de seus agentes. Interação
é, portanto, um processo de transferência de significados que foram
internalizados na mente (Reckwitz, 2002).
Por sua vez, a Teoria da Prática não coloca o social nas qualidades
mentais, nem nos discursos e nem nas interações. Ao contrário, coloca o social
nas práticas que são a menor unidade de análise social. Existe uma diferença
que merece ser compreendida entre prática (praxis) e práticas (praktiken). De
acordo com Reckwitz (2002):
Prática (praxis), no singular, representa apenas um termo
enfático para descrever toda a ação humana (em contraste
com a "teoria" e mero pensamento). Prática, no sentido da
teoria das práticas sociais, no entanto, é outra coisa. A
"prática" (Praktik) é um tipo rotineiro de comportamento
que consiste em vários elementos interligados a um outro:
formas de atividades corporais, formas de atividades
mentais, "coisas" e seu uso, um conhecimento prévio na
68
forma de compreensão, know-how, estados de emoção e
conhecimento motivacional. (Reckwitz , 2002, p.249).
A prática vista como uma maneira de cozinhar, de consumir, de cuidar de
si mesmo e de outras pessoas, forma um todo que depende da existência de
vários elementos e da interligação entre eles e que não pode de maneira alguma
ser reduzida a qualquer um desses elementos individualmente. O indivíduo,
representado por um corpo e um agente mental, irá atuar como um
“transportador” de uma prática e de muitas práticas diferentes que não precisam
ser coordenadas entre si. Assim, mais do que um portador de padrões de
comportamento corporal, o indivíduo será portador de certas maneiras de
entender, de saber como (know-how) e de desejar (Reckwitz, 2002).
Dessa forma, a prática funciona como um nexo de “dizeres” e “fazeres”.
Dizer que os “dizeres” e “fazeres” formam uma prática que constitui nexo,
significa dizer que estão ligados de alguma maneira. As três formas de ligação
são definidas como: 1) entendimentos, por exemplo, sobre o que dizer e fazer;
2) e regras, princípios, preceitos e instruções; 3) estruturas teleoafetivas que
envolvem limites aceitáveis, tarefas, propósitos, crenças, emoções e estados de
espírito que governam a prática e a incorpora em um contexto (Schatzki, 1996).
Schatzki (1996) rotulou as práticas em duas categorias de espaço-tempo.
A primeira foi denominada de prática dispersa. As práticas dispersas são aquelas
que amplamente aparecem entre os diferentes setores da vida social e podem
ser exemplificadas por práticas de descrever, ordenar, seguir regras, explicar,
questionar, reportar, examinar e imaginação. Seu desempenho requer
principalmente uma compreensão. Uma compreensão de como realizar um ato,
de como identificar esse ato ao fazê-lo ou quando alguém o faz e uma
capacidade de pedir ou responder a um ato. Outra palavra para descrever essa
capacidade é o saber. Assim, práticas dispersas são um conjunto de “dizeres” e
“fazeres” interligados principalmente pela compreensão do ato em si, do saber
fazer. Saber fazer alguma coisa é uma capacidade que pressupõe uma prática
compartilhada e coletiva envolvendo um desempenho em um contexto
apropriado e com entendimentos comuns, que são fundamentais para o
reconhecimento de um ato (Schatzki, 1996; Warde, 2005)
69
A segunda, chamada de prática integrativa, envolve práticas mais
complexas que são encontradas em e constituídas por domínios particulares da
vida social. Como exemplo existe as práticas agrícolas, práticas de negócios,
práticas de voto, práticas de ensino, práticas de celebração, práticas culinárias,
práticas religiosas, dentre outras. Assim como as práticas dispersas, as práticas
integrativas são conjuntos de “dizeres” e “fazeres” interligados, porém,
englobam: 1) entendimentos, 2) regras e princípios e 3) estruturas teleoafetivas.
Práticas integrativas não funcionam como uma mistura de práticas dispersas que
são colocadas junto para formar práticas integrativas. Práticas integrativas
incluem muitas vezes práticas dispersas que são parte dos componentes de
“dizeres” e “fazeres” que permite uma compreensão do ato em si, porém,
funcionam em conjunto com uma habilidade de seguir regras e estruturas
teleoafetivas. Essas práticas são as que despertam mais interesse em
sociólogos e em uma sociologia do consumo (Schatzki, 1996; Warde 2005).
Resumindo, Reckwitz (2002) vai definir a prática como:
A prática é, portanto, uma forma rotineira em que os corpos
são movidos, os objetos são manipulados, assuntos são
tratados, as coisas são descritas e o mundo é
compreendido. Dizer que práticas são "práticas sociais", é
de fato uma tautologia. Uma prática é social uma vez que
é um tipo de comportamento e compreensão que aparece
em diferentes lugares e em diferentes pontos no tempo e é
realizada por diferentes corpos/mentes. No entanto, isso
não pressupõe necessariamente interações – ou seja, o
social no sentido do intersubjetivismo – e nem permanecer
no nível extra-mental e extra-corporal de discursos, textos
e símbolos – ou seja, o social no sentido do textualismo.
(Reckwitz , 2002, p.250).
4.2 Teoria da Prática e o Consumo
70
Alan Warde (2005) publicou no Jounal of Consumer Culture (JCC) o artigo
intitulado Consumption and theories of practice onde considera o potencial do
renascimento do interesse nas teorias da prática para os estudos de consumo.
O artigo apresenta os preceitos básicos de uma teoria e extrai alguns princípios
gerais para a sua aplicação na análise do consumo. O pressuposto básico é que
o consumo ocorre na medida em que bens são apropriados ao longo do
engajamento em práticas particulares.
Por mais atenção que a literatura vem dando para a cultura material e a
vida social dos bens, existe uma tendência a ter uma visão parcial a respeito do
que está envolvido ao consumir e ao usar coisas nas práticas. As teorias de
consumo devem ir além de uma orientação simbólica e pensar novamente nos
consumidores, produtores e artefatos materiais com os quais eles lidam (Shove
e Pantzar, 2005). Embora a aquisição e a posse sejam importantes na
sinalização de tipos de status e identidades, muitos produtos estão diretamente
relacionados à condução e reprodução da vida diária fazendo com que haja uma
dimensão material na prática que merece atenção (Warde, 2005; Shove e
Pantzar, 2005).
O consumo não deve ser considerado apenas uma atividade padronizada
social e culturalmente, uma vez que a construção de um estilo pessoal está
pautada em mercadorias (commodities) cujas trajetórias os consumidores nunca
conseguirão ter total controle. Essas mercadorias são negociadas dentro de
vários contextos, instituições e relações que tanto habilitam quanto restringem
os indivíduos (Sassatelli, 2007). Os estudos em consumo já estão
suficientemente maduros para superar a dualidade que por um lado celebra o
consumo como um ato livre e libertador e por outro o deprecia colocando-o como
um ato dominado e subjugado. Assim, na medida em que o consumo parece ter
mais significado em si mesmo, ainda que firmemente relacionado a esferas de
produção, venda e promoção, as práticas de consumo passam a fazer sentido
para as pessoas ainda que não totalmente livres ou dominadas (Sassatelli,
2007).
Warde (2005) traz uma nova definição para consumo:
Eu entendo o consumo como um processo pelo qual
agentes se envolvem em apropriação e apreciação, seja
71
para fins utilitários, expressivos ou contemplativos, de
mercadorias, serviços, desempenhos, informações ou
ambientes, quer sejam adquiridos ou não, sobre os quais o
agente tem algum grau de discricionariedade ... Nessa
visão, o consumo não é em si uma prática, mas sim um
momento em quase todas as práticas (Warde, 2005,
p.137).
A apropriação irá ocorrer no interior das práticas – carros são desgastados
e a gasolina é queimada no automobilismo. A partir de convenções da prática,
os itens serão apropriados e a sua forma de utilização será definida. Padrões de
similaridade e diferença em posses e usos dentro e entre grupos de pessoas,
muitas vezes demonstrada por estudos de consumo, podem ser vistos como a
conseqüência da forma como a prática é organizada e não como o resultado de
escolha pessoal, como sendo irrestrita ou limitada. As convenções e as normas
da prática orientam o comportamento. Assim, atividades irão gerar desejos, e
não vice e versa. Práticas, no lugar de vontades individuais, criam desejos. Por
exemplo, veículos modificados, manuais e revistas de automóvel funcionam
como conseqüência ao engajamento em uma prática particular de esporte de
automóvel ao contrário do que simples gosto individual ou escolha. Assim, a
prática é que irá explicar a natureza e o processo de consumo (Warde, 2005).
Partindo do trabalho de Schatzki (1996), Warde (2005) sugere que as
práticas consistem em “fazeres” e “dizeres” e, portanto, a análise deve se
preocupar tanto com a atividade prática quanto com suas representações. Os
nexos, que fazem com que esses “fazeres” e “dizeres” façam sentido e assumam
certa coordenação são compostos por três componentes. Como uma forma de
facilitar a referência e a compreensão, os três componentes que formam o nexo
e que foram previamente definidos no trabalho de Schatzki foram chamados por
Warde de: 1) entendimento, 2) procedimentos e 3) engajamentos.
Baseados no trabalho de Reckwitz (2002), Shove e Pantzar (2005)
pontuam que as coisas são centrais e estão inevitavelmente envolvidas na
produção e reprodução da prática. Assim, trabalham com a noção de que as
práticas envolvem a integração ativa dos materiais, significados e formas de
competências. A análise da maneira com que as coisas são adquiridas,
72
apropriadas e utilizadas rotineiramente falha em capturar a extensão do que está
envolvido na prática. Um exemplo está nos jogadores de futebol que não estão
simplesmente usando ou se apropriando da bola. Ao chutar uma bola e durante
o jogo, os jogadores estão ativamente envolvidos na reprodução do jogo em si.
Consumidores não são apenas usuários, mas funcionam como profissionais
ativos e criativos e a apropriação é apenas uma dimensão de reprodução da
prática. Assim, na visão de Shove e Pantzar (2005), o nexo onde os “fazeres” e
“dizeres” fazem sentido passa a ser formado por: 1) significados, 2)
competências e 3) produtos.
A criatividade dos consumidores também foi vista por Sassatelli (2007)
que pontuou que as práticas devem ser observadas como atos criativos e
irredutíveis, mas não inteiramente fora dos princípios estruturais de uma dada
cultura. No lugar de uma ação estratégica (e, portanto, produto de uma ação
totalmente definida, autônoma e realizada), o consumo é mais bem representado
como uma série de atos de improvisação empreendidos pelos atores sociais que
precisam se mover através de uma variedade de mundos sistematizados por
rotinas coletivas e imaginários. Teorias da prática tentam substituir a imagem do
ator como um operador cognitivo, comunicador e intérprete de textos, para a de
um sujeito corporificado que é situado no espaço e no tempo interagindo com
objetos dentro de contextos sociais que os participantes continuamente
consolidam a partir das práticas.
A partir de um estudo com pessoas que se exercitam através da
modalidade da caminhada nórdica, que possui como diferencial a utilização de
bastões que auxiliam na execução da atividade, Shove e Pantzar (2005)
mostraram como a questão cultural pode se relacionar com as práticas. O
primeiro e mais importante ponto a se considerar é que a prática é feita pelas
ações e omissões de potenciais e reais praticantes. O que uma prática é em uma
cultura e o que ela irá se tornar em outra depende de quem irá executá-la, onde,
quando e com que consequência para a subsequente trajetória atividade como
um todo. O segundo ponto destaca que a prática não ocorre de maneira isolada,
mas em referência a um arranjo de conceitos específicos e culturais já
estabilizados. A maneira como esses elementos estão configurados irá variar de
um local para outro. O terceiro e último ponto destaca que a prática envolve
ligações e conexões com uma comunidade de participantes-chave, como por
73
exemplo, empresas, concorrentes, governo, dentre outros. Para uma prática
fazer parte de outra cultura, novas ligações e conexões precisam ser feitas entre
os praticantes e participantes-chave. É neste sentido que práticas são
inerentemente dinâmicas.
Essa característica dinâmica da prática foi pontuada também por Warde
(2005) ao colocar que as práticas sociais não apresentam planos uniformes onde
agentes participam de forma idêntica. Em vez disso, são diferenciadas
internamente em muitas dimensões. Do ponto de vista do indivíduo, a prática vai
depender de experiências passadas, conhecimento técnico, aprendizado,
oportunidades, recursos disponíveis, estímulos de terceiros, dentre outros. Do
ponto de vista da prática como um todo, podemos pensar em um domínio
especializado que compreende muitas competências e capacidades distintas.
Quanto à capacidade de seus agentes, podemos diferenciar entre os
participantes de longa data e novatos, teóricos e técnicos, generalistas e
especialistas, conservadores e radicais, visionários e seguidores e profissionais
e amadores. Todas essas diferenças podem ser relevantes ao analisar o papel
dos participantes e da estrutura nas práticas.
A rigidez do sistema de produção difere da forma como os consumidores
consomem. Produtos são produzidos pelo sistema de produção de maneira
caracteristicamente rígida, mas são experimentados e utilizados pelos
consumidores de maneiras diferentes de acordo com o contexto e a
circunstância. Ao consumir, os atores sociais elaboram os significados e os usos
das mercadorias, articulando as suas qualidades simbólicas e materiais com
vários graus de reflexividade e de uma maneira que às vezes sejam úteis para a
reprodução de estruturas de poder existentes, outras vezes não. Um exemplo
está nos gostos das pessoas que refletem sua localização sócio-cultural, que,
através de suas escolhas passam a demonstrá-la e reproduzi-la (Sassatelli,
2007).
O conceito da prática irá combinar uma capacidade para dar conta tanto
de uma reprodução quanto de uma inovação. Em um determinado momento no
tempo, uma prática possui um conjunto estabelecido de entendimentos,
procedimentos e objetivos. Práticas de reprodução são as que muitas vezes não
envolvem reflexão ou consciência por parte de seus portadores. São práticas
que possuem certa inércia como, por exemplo, hábitos, rotinas, conhecimento
74
tácito, tradição e assim por diante. O desempenho em uma prática conhecida
não é muitas vezes consciente e nem reflexivo. No entanto, as práticas também
contêm as sementes da mudança constante. Elas são dinâmicas em virtude de
sua própria lógica interna de operação, uma vez que as pessoas em muitas
situações devem se adaptar, improvisar e experimentar. Além disso, práticas não
estão hermeneuticamente seladas de outras práticas adjacentes e paralelas das
quais lições são aprendidas, inovações emprestadas e procedimentos copiados
(Warde, 2005).
4.3 Teoria da Prática nos Estudos de Consumo Recentes
Considerando o potencial da Teoria da Prática para os estudos de
consumo, essa seção irá apresentar os trabalhos recentes no campo do
Comportamento do Consumidor que se utilizaram dessa teoria e de seus
princípios gerais para aplicação na análise do consumo final. Busca-se, assim,
obter uma noção de como essa teoria vem sendo aplicada no campo.
O termo prática vem sendo utilizado de duas maneiras diferentes nas
pesquisas de comportamento do consumidor. Na primeira, como exemplo, temos
os trabalhos de Humphreys (2010), Denegri-Knott e Molesworth (2010) e Arsel
e Thompson (2011), que utilizam o termo prática como forma de cobrir todas as
ações desempenhadas pelas pessoas. A segunda, por sua vez, segue os
trabalhos de Reckwitz (2002) e Warde (2005) e acredita que a prática irá
envolver ações rotineiras baseadas em entendimentos, procedimentos e
engajamentos. Esse trabalho seguirá a segunda linha de pensamento.
Fazendo uso da Teoria da Prática social, Schau, Muñiz e Arnould (2009)
buscaram categorizar práticas de criação de valor em comunidades de marca
identificando o papel de cada tipo de prática no processo de criação de valor
coletivo. Partindo de uma meta-análise, onde examinaram trabalhos anteriores
em conjunto com dados coletados em nove comunidades de marca,
conseguiram identificar um conjunto de doze práticas comuns de criação de
valor. Com o objetivo de defender uma aplicação metodológica explícita da
Teoria da Prática para separar as formas de criação de valor coletivo em
comunidade de marca, os autores se inspiraram nas tipologias de consumo de
Holt (1995) e na definição da Teoria da Prática de Warde (2005) – que liga
75
comportamentos, desempenhos e representações a partir de entendimentos
(know-how) procedimentos (regras e princípios) e engajamentos (finalidade e
propósito).
Práticas estigmatizadas e os processos de estigmatização e
desestigmatização também foram analisados nos estudo de consumo. Sandikci
e Ger (2010) realizaram um estudo etnográfico de práticas de consumo de moda
de mulheres que utilizam o véu Islâmico na Turquia. O estudo teve como objetivo
mostrar como uma prática desviante e estigmatizada durante muito tempo na
mentalidade da população urbana, primeiro se tornou uma escolha atraente para
mulheres de classe média e depois se transformou em uma prática considerada
elegante por muitos. O véu foi se tornando gradualmente parte de uma rotina,
deixando de ser estigma. Prática e rotina foram vistos como conceitos que se
constituem onde prática é definida como uma “forma rotineira em que os corpos
são movidos, os objetos são manipulados, os indivíduos são tratados, as coisas
são descritas e o mundo é entendido” (Reckwitz, 2002, p.250).
Em março de 2011, o Journal of Consumer Culture publicou uma edição
especial chamada de Applying Practice Theory to the Study of Consumption. Na
introdução, Halkier, Katz-Gerro e Martens (2011) mostraram que o potencial da
Teoria da Prática para o campo do comportamento do consumidor se
desenvolveu a partir de discussões e debates na Universidade de Manchester
onde Alan Warde era co-diretor e organizava uma série de seminários
interdisciplinares sobre o consumo do dia a dia. Essas discussões incluíram
diversos estudiosos como Bente Halkier, Milka Pantzar, Inge Ropke, Elizabeth
Shove e Dale Southerton que, posteriormente, se tornaram grandes defensores,
divulgadores e debatedores da perspectiva prático-teórica nos estudos de
consumo.
Partindo de um estudo qualitativo sobre as maneiras de se tornar um
usuário de um aparelho de cozinha conhecido como Bimby – uma espécie de
multiprocessador de alimentos -, Truninger (2011) argumenta que a combinação
da Teoria da Prática com a teoria de convenções (conventions theory) promete
superar algumas das deficiências da Teoria da Prática em conseguir
empiricamente operacionalizar as práticas. Esse processador não pode ser
comprado em lojas, é vendido apenas diretamente pelos vendedores que fazem
uma demonstração na casa de futuros clientes. Essas demonstrações acabam
76
se tornando eventos sociais onde o anfitrião convida amigos e familiares para
uma refeição grátis produzida com o Bimby e sob a supervisão do demonstrador.
Demonstradores podem ser vistos como intermediários culturais que tanto
divulgam o produto quanto transmitem mensagens normativas e simbólicas
sobre o ato de cozinhar, além de orientar sobre o uso da tecnologia. A conclusão
é que a junção dessas duas teorias oferece uma nova ênfase em questões como
o sequenciamento de tarefas, a tensão entre práticas que são instituídas e as
que são personalizadas e a ligação entre imagens, objetos e competências.
Na mesma edição, Gram-Hanssen (2011) investiga a questão da
mudança nos hábitos da vida cotidiana e oferece esclarecimentos conceituais do
próprio conceito de prática e como elas são organizadas. Baseando-se em três
estudos de caso sobre o consumo doméstico de energia na Dinamarca, Gram-
Hanssen lida com duas questões na utilização da abordagem da Teoria da
Prática em pesquisas em consumo que incide sobre a relação entre a
estabilidade e a mudança. A primeira inclui o equilíbrio entre a rotina e a
reflexividade onde se conclui que mudanças nas práticas podem vir de
engajamentos e de reflexão consciente, mas também de naturalizar novos
hábitos em rotinas. A segunda envolve a conceituação de prática, sua relação
com outras práticas, possíveis variações da prática e o desenvolvimento de
novas práticas.
O processo que envolve mudanças na prática foi visto por Hargreaves
(2011) que realizou um estudo qualitativo sobre as mudanças no consumo pró-
ambiental. Foi realizado um estudo de caso etnográfico que envolveu nove
meses de observação participante e trinta e oito entrevistas semi-estruturadas
com a finalidade de compreender uma iniciativa de mudança comportamental
que ocorreu em um ambiente de trabalho. Ao contrário das abordagens
individualista e racional para mudanças de comportamento, a Teoria da Prática
retira o indivíduo do centro da análise e transfere a atenção para as práticas
sociais e coletivas de uma organização. O artigo sugere que a Teoria da Prática
fornece uma perspectiva mais holística e fundamentada em processos de
mudanças comportamentais. O autor, no entanto, também sugere que a
abordagem da Teoria da Prática em mudanças de comportamento de consumo
também precisa se concentrar em uma análise mais ampla considerando
diversas outras práticas que se cruzam.
77
A discussão metodológica sobre a potencial utilidade da abordagem da
Teoria da Prática nos estudos de consumo foi vista no artigo de Halkier e Jensen
(2011). Os autores discutem os desafios de traduzir a Teoria da Prática em
métodos de pesquisa empírica no campo do consumo. Argumenta-se que uma
interpretação sócio-construtivista da Teoria da Prática pode ser particularmente
útil para permitir que os pesquisadores de consumo realizem estudos empíricos
que são diferentes das abordagens tradicionalmente utilizadas no campo. Essa
abordagem sócio-construtivista permite que os investigadores de consumo
analisem formas de consumir e como essas estão envoltas em redes de
reprodução social e de mudanças. Permite também que os pesquisadores
compreendam formas de consumir como realizações relacionais contínuas no
meio de múltiplas práticas da vida cotidiana.
Finalizando os artigos da edição especial do Journal of Consumer Culture,
Magaudda (2011) desenvolveu um estudo empírico qualitativo a partir de vinte e
vinco entrevistas sobre as mudanças no consumo de música na Itália,
acompanhadas do crescimento da digitalização da música. O artigo discute o
papel da materialidade em relação às práticas e a questão da desmaterialização
e se de fato as músicas foram desmaterializadas após a sua digitalização. O
artigo mostra que o surgimento de novas tecnologias fez com que a
materialidade passasse a se articular de novas maneiras. Para realizar a análise
de seus dados, o artigo adota o que chamou de “circuito da prática”, esquema
analítico que auxilia na análise empírica.
Mais recentemente, Arsel e Bean (2013) analisaram o gosto e como o
mesmo consegue fazer parte das práticas do dia a dia. Partindo de uma pesquisa
que envolveu uma análise tanto qualitativa quanto quantitativa de um blog
popular de design de residências (Apartment Therapy), os autores viram que o
regime de gosto é definido como um sistema normativo discursivamente
construído que orquestra práticas em uma cultura de consumo esteticamente
orientada. Utilizando o circuito da prática proposto por Magaudda (2011), os
autores perceberam que esses regimes de gostos são perpetuados por
instituições presentes no mercado tais como revistas e sites de internet. Assim,
o regime de gosto irá regular a prática por meio do engajamento contínuo.
Na próxima seção, será apresentado o circuito da prática proposto por
Magaudda (2011). O circuito é um modelo explicativo que facilita uma análise
78
empírica e que visa destacar a evolução das relações entre materialidade e
práticas sociais. Baseia-se na ideia de que a prática deve ser considerada como
uma unidade inteira de análise que consiste na interação entre objetos materiais,
conjuntos de conhecimentos e competências e imagens culturais e simbólicas.
4.4 O Circuito da Prática: O Estudo de Paolo Magaudda
Essa seção possui como objetivo apresentar em detalhe a pesquisa de
Magaudda (2011) sobre a relevância de objetos materiais nos estudos de
consumo. O estudo aprofunda um tema relevante para a presente pesquisa, que
envolve a questão da materialidade, além de propor um modelo explicativo da
Teoria da Prática que permite a análise empírica e que destaca as mudanças na
relação entre materialidade e práticas sociais, chamado de circuito da prática.
O artigo parte da Teoria da Prática com a finalidade de mostrar que a
digitalização da música e a desmaterialização dos bens musicais não significam
menos materialidade e não implicam um papel social menos relevante para os
objetos no consumo. Ao contrário, a digitalização da música revela-se,
paradoxalmente, como um processo no qual a reconfiguração da relação entre
o bem material e a cultura leva a um novo papel desempenhado pelos objetos
na vida das pessoas e em suas atividades. Assim, mostra que os bens materiais
ainda ocupam uma posição relevante e que a materialidade desempenha um
papel essencial nas práticas de consumo.
O artigo se baseia em dados coletados durante uma pesquisa sobre a
apropriação de tecnologias digitais de músicas e envolveu vinte e cinco
entrevistas semi-estruturadas em profundidade com jovens consumidores
italianos de música digital. Os dados foram analisados e interpretados com base
na abordagem da grounded theory. As mudanças no relacionamento entre
consumidores e a materialidade da música digital despontaram como uma
questão relevante que deveria ser abordada no processo de difusão de novos
dispositivos e serviços de música. O artigo centrou-se então em três processos
e dispositivos que envolveram mudanças: a introdução de um novo objeto (iPod);
um objeto existente que não estava ligado anteriormente ao consumo de música
(disco rígido) e, finalmente, um velho e obsoleto objeto (disco de vinil).
79
Magaudda (2011) destaca que enquanto mudanças nas práticas de
escutar música foram parcialmente abordadas a partir de perspectivas tais como
de produção, legais e econômicas, suas consequências no nível sociocultural e
em relação às práticas de consumo, ainda precisam ser mais bem exploradas.
Embora esteja claro que ocorreram mudanças na materialidade das músicas e
que as tecnologias têm influenciado as maneiras pelas quais as pessoas
consomem música, precisamos reconhecer que interpretar estas mudanças
como uma perda de relevância no papel de objetos materiais na formação de
hábitos e de culturas pode ser equivocado.
Com o objetivo de abordar as questões relativas à materialidade,
digitalização da música e práticas de consumo, o artigo adotou uma perspectiva
enraizada na Teoria da Prática (Schatzki,1996; Schatzki, Knorr-Cetina & Von
Savigny, 2001) partindo do referencial teórico desenvolvido por Reckwitz (2002)
e da sua articulação com os estudos de consumo de Warde (2005), Shove e
Pantzar (2005) e Sassatelli (2007). Com base nesses trabalhos, o autor assume
que práticas de consumo são o resultado de desempenhos individuais
entrelaçados em um contexto sócio-material complexo, onde significados,
atividades (“fazeres”) e objetos (meanings, doings and objects) estão dispostos
em configurações específicas de práticas. Assim, as práticas serão o resultado
da ligação performativa destes três elementos, uma ligação em que a
materialidade desempenha um papel crucial na criação, na mudança e na
estabilidade de todas as atividades e práticas.
Com a fim de desenvolver um foco teórico sobre a dinâmica da mudança
da prática, Magaudda (2011) evoluiu o esquema tripartite de prática elaborado
por Shove e Pantzar (2005) - significados, atividades e objetos - transformando-
o em um circuito da prática. O circuito da prática (figura 3) é um esquema para
analisar os processos de mudanças nos padrões de consumo e é composto por
três principais elementos analíticos (significados, objetos e atividades) que
constituem a prática como uma entidade inteira e que se destina a explicar a
dinâmica de mudança da prática e transformação do ponto de vista dos
consumidores e atores humanos.
80
Figura 3: Circuito da Prática
Fonte: Adaptado de Magaudda (2011, p.24)
No circuito da prática, as setas duplas e contínuas representam a
constante relação entre os três elementos que constituem as práticas como uma
entidade completa. As relações reais e influências que esses elementos
estabelecem dinamicamente nas experiências das pessoas podem ser
demonstradas em linhas pontilhadas e irão variar conforme a prática analisada
(ver Magaudda, 2011). Assim, o circuito representa uma ferramenta analítica e
visual para verificar o trabalho de reconfiguração de uma prática e também as
experiências dos consumidores focando no nível individual e concreto onde as
práticas são criadas, estabilizadas e transformadas.
No processo de digitalização de consumo de música, o autor mostrou que,
embora a música tenha mudado passando de registros tangíveis para dados
intangíveis, os objetos materiais musicais e as tecnologias continuam a
desempenhar um papel relevante e ainda mais importante nas práticas de
consumo de música. Mudanças no consumo de música geradas pelo processo
de digitalização não levaram à desmaterialização do consumo e ao
desaparecimento de objetos materiais. Ao contrário, geraram formas de re-
Objetos Significados
Fazeres
81
materialização, que significa a rearticulação das relações entre a materialidade,
significados culturais e atividades das pessoas.
O autor aborda também uma consideração mais teórica que diz respeito
ao fato de que, adotando o circuito da prática para entender e apontar as
mudanças que ocorrem em práticas de consumo de música, o artigo contribuiu
para a articulação, no plano empírico, de ideias e de categorias desenvolvidas
pela Teoria da Prática. Assim, acredita-se que o circuito poderia demonstrar
melhor a sua utilidade na análise de diferentes esferas da prática do consumidor,
especialmente as que examinam alterações radicais de bens materiais e
ferramentas envolvidas em processos de consumo. O circuito da prática oferece
uma alternativa para transformar conceitos em torno da Teoria da Prática em
termos empíricos e em uma ferramenta viável para o desenvolvimento de novas
pesquisas e tipos semelhantes de análise.
5. Primeiro Estudo Exploratório: Textos de Propagandas
5.1 Procedimentos Metodológicos
A utilização de filmes, propagandas de televisão ou mídia impressa não
são uma novidade nos estudos das Ciências Sociais. Porém, ainda constituem
um campo pouco explorado na área de comportamento do consumidor (Suarez,
Motta & Barros, 2009).
Já na década de 1930, o antropólogo Bronislaw Malinowski (1935)
ressaltava que a mídia impressa é o campo mais rico da magia verbal moderna.
No Brasil, o antropólogo Everardo Rocha volta a falar da magia da propaganda
em seu livro “Representações do consumo: estudos sobre a narrativa
publicitária” (Rocha, 2006). Rocha pontua que estudar a publicidade é algo
urgente e necessário, pois através delas podemos conhecer a nós mesmos.
Assim, a publicidade será o principal discurso que nos fala do consumo e são
fundamentais para entendermos a cultura contemporânea. Para o autor, a
publicidade traduz a produção para que essa possa virar consumo, e ensina
modos de sociabilidade enquanto explica o quê, onde, quando e como consumir.
Na área de comportamento do consumidor, Jonh Sherry (1987) observou
que apesar de as propagandas serem rotuladas muitas vezes como as principais
82
causadoras do mal da contemporaneidade e responsáveis por um sistema
econômico irracional, elas são excelentes fontes de dados para uma pesquisa.
O autor também destaca a propaganda como componente do marketing e o
marketing como um agente de mudanças culturais no mundo contemporâneo.
Na mesma linha de raciocínio, Scott (1994) ressalta que o mundo das
propagandas é povoado por imagens fantásticas que caminham para lados
distintos que podem ir desde o sensual até o divertido.
De acordo com Belk e Pollay (1985), as propagandas, mais do que
qualquer outra fonte de informação, foram as responsáveis por uma mudança
social nos valores da população que passaram a priorizar o hedonismo. Os
autores também ressaltam que a ênfase em destacar o prazer no consumo
presente nos comerciais, faz com que passemos a nos sentir menos culpados
em relação ao consumo em si. Dessa forma, as propagandas do século vinte
acabaram por contribuir com o reforço e a difusão de uma cultura de consumo
onde a aquisição de bens materiais substituiu a busca de objetivos religiosos até
então priorizada.
Em 2004, Schroeder e Zwick realizaram uma pesquisa envolvendo
análise de imagens presentes em propagandas impressas onde buscaram
compreender como a identidade masculina interage com o consumo de imagens,
de produtos, de desejos e de paixões. Ou seja, nessa pesquisa os autores
analisaram a construção cultural da masculinidade a partir da análise de
identidades masculinas contraditórias presentes nas propagandas. Dessa forma,
concluíram que as representações não apenas expressam a masculinidade
como desempenham um papel central na formação de concepções de
masculinidade e ajudam a construir segmentos de mercado tais como os
playboys, dentre outros.
O paradoxo que envolve viver em harmonia com a natureza, construído a
partir de propagandas, também foi analisado por Scholz (2012). No referencial
teórico detalhamos mais essa pesquisa, mas aqui vale destacar que foram
analisadas mais de seiscentas propagandas da revista Backpacker nos períodos
de 2007 a 2009. Como resultado, a pesquisa classificou as imagens em duas
categorias chamadas de “Arcadia” e “Dynamic”. A primeira concebe a natureza
como um organismo vivo e orgânico, porém calmo e passivo; e a segunda,
83
classifica a natureza ao mesmo tempo benevolente e calma, mas também
violenta e perturbadora, podendo ameaçar os seres humanos.
Propagandas também foram estudadas como facilitadores de rituais em
relação ao tipo de alimentação do Natal, na pesquisa de Freeman e Bell (2013).
A partir de uma pesquisa utilizando como método a análise longitudinal
semiótica, os autores mostraram como os próprios rituais em relação à
alimentação foram se adaptando para suportar as mudanças no estilo de vida
das mulheres nos últimos vinte anos.
Além dos rituais como contribuição da Antropologia, o entendimento dos
mitos também é importante para a análise de textos culturais. Para tanto,
voltamos mais uma vez nas contribuições de Rocha (1985) que destaca que o
mito representa “(...) uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as
sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus parados, dúvidas e
inquietações”. Segundo o autor, essa palavra é de difícil definição e pode ser
usada para representar uma gama diversificada de ideias. Justamente por isso,
é preciso ter cuidado para formar sua real definição.
Resumir o mito a uma simples narrativa, um discurso, uma fala, é capaz
de descaracterizá-lo e para isso devemos considerá-lo uma narrativa especial.
Se por um lado o mito é caracterizado com sendo algo ocorrido nos tempos de
outrora, ele também pode ser considerado para descrever alguma coisa
inacreditável. Porém, Rocha (1985) ressalta que embora o mito possa não ser
verdade, isso não quer dizer que não possua seu valor, e, para tanto, a eficácia
do mito e não a sua verdade é que deve ser o critério para pensá-lo. Na frente
dos nossos olhos, é possível identificarmos como anúncios publicitários, filmes,
notícias de jornais, super-heróis, música popular, fotografias, etiquetas, modas,
televisão, programas de rápidos, dentre outros, nos contemplam, seduzem e
abandonam, tais quais um mito.
Coleta de dados
Para a coleta de dados, foram analisadas 26 propagandas de protetores
solar vinculadas em revistas entre 2006 e 2015. Esse conjunto de propagandas
que refletem o consumo moderno de protetores solares foi utilizado para
84
ressaltar os aspectos culturais (positivos e negativos) presentes na relação do
indivíduo com a natureza aqui representada pelo sol.
Para obter esse resultado, foram realizadas buscas na internet de
propagandas de protetores vinculadas em mídia impressa dos últimos anos. No
buscador Google, foram inseridas as seguintes frases: “propaganda de protetor
solar”, “mídia impressa protetor solar”, “campanhas protetor solar” e “divulgação
protetor solar”. Foram recolhidas imagens de campanhas publicitárias de
diversas marcas, fatores solares e ano divulgação. As campanhas selecionadas
a partir de 72 visualizações estão listadas no Quadro 5.
Quadro 5: Campanhas em mídia impressa de protetor solar
85
Análise de dados
O clássico modelo do movimento dos significados apresentado por
McCraken (1986; 1987) foi inspirador para nossa proposta e análise, assim como
Número Produto Marca Ano
1 Nívea Sun - Protetor Solar FPS 30 Nivea 2006
2 Sundown Protetor Solar Sundown 2007
3 Sundown Protetor Solar Sundown 2007
4 Avon Sun - Protetor Solar Gel FPS 15 Avon 2008
5 Solar Expertise - FPS 30 Loreal Paris 2008
6 Solar Expertise - FPS 30 Loreal Paris 2008
7 Sundown Protetor Solar Spray Sundown 2009
8 Sundown - Exposição ao sol Sundown 2009
9 Nívea Sun - Loção Solar Bloqueadora Nívea 2010
10 Nívea Sun - Loção Solar Bloqueadora Nívea 2010
11 Sun Filter - Protetor Solar Muriel Cosméticos 2010
12 Roc - Protetor Solar Roc Italiana 2010
13 Roc - Protetor Solar Roc Italiana 2010
12 Sundown Protetor Solar FPS 30 e 60 Sundown 2010
13 Renew Solar Advance Renew 2011
14 Nívea Sun - Protetor Solar FPS 30 Nívea 2012
15 Coppertone Sport Pro Series Coppertone 2012
16 Coppertone Sport Pro Series Coppertone 2012
17 Bloqueador Solar e Facial Roval Cosméticos 2012
18 Solar Expertise Corpo e Rosto - FPS 30 Loreal Paris 2012
19 Base Protetor Spectraban FPS 35 Spectraban 2012
20 Avon Sun Kids e Bebês FPS 40/50 Avon 2014
21 Avon Sun - Protetor Solar Labial FPS 30 Avon 2014
22 Avon Sun - Protetor Solar FPS 30 Avon 2014
23 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 50 e 30 Cenoura & Bronze 2014
24 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 50 e 30 Cenoura & Bronze 2015
25 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 30 Cenoura & Bronze Não
Identificado
26 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 30 Cenoura & Bronze Não
Identificado
86
o foi para Askegaard (2010). Segundo esse modelo, os significados culturais em
uma sociedade de consumo irão se mover de maneira incessante. A trajetória
tradicional fará com que o significado cultural se mova primeiro do mundo
culturalmente constituído para os bens de consumo e, em seguida, desses bens
para o consumidor através de rituais.
McCraken (1986) explica que o primeiro movimento de significados parte
de um mundo culturalmente constituído e, através de, por exemplo, propagandas
constrói significados para os bens e serviço. Nesse movimento inicial proposto
por McCracken é que reside o foco da análise desses textos culturais. Assim, as
propriedades conhecidas do mundo culturalmente constituído passam a residir
nas propriedades desconhecidas do bem de consumo e, assim, a transferência
do significado do mundo ao bem é realizada.
Com relação aos rituais, os de posse e preparação parecem ser os que
mais se associam à categoria de produto que foi analisada. McCracken (1986)
destaca que os indivíduos passam boa parte do seu tempo discutindo,
comparando, mostrando e fotografando suas posses. A partir da posse desses
bens, os indivíduos podem trazer para si os valores simbólicos presentes nos
produtos a partir de forças de marketing. Já os rituais de preparação, são aqueles
descritos como os voltados para os bens que possuem uma natureza perecível.
Dessa forma, o consumidor deverá retirar o significado cultural do bem repetidas
vezes.
Na metodologia de análise desse estudo, os trabalhos realizados por
Hirschman (1988) e Suarez, Motta e Barros (2009) serviram de inspiração. No
caso, o foco está em captar o movimento da narrativa do texto e como ele se
desenrola a partir da definição de categorias concretas de Ator, Ação e
Resultado. Para o autor, a utilização dessas categorias permitirá tornar visível a
lógica binária do texto, ou seja, as associações positivas e negativas presentes
nas propagandas em relação ao consumo do sol. Para isso, cada propaganda
foi separada para que então a análise sintática da narrativa fosse feita a partir da
observação das categorias ator e ação.
Assim, cada propaganda foi detalhada em uma planilha que distinguiam
Ator, Ação e Resultado. Nessa tabela também existiu a preocupação em separar
os contextos (praia, parque), os objetos presentes (esteiras de sol, chapéu, bola),
as observações extras (predominância de cores) e as conclusões gerais onde
87
foi possível incluir observações relevantes e que contribuiriam na análise dos
resultados.
Utilizando o modelo proposto por McCracken e os trabalhos de Hirschman
(1988) e Suarez, Motta e Barros (2009), nosso interesse se deu em interpretar
nas propagandas de protetores solares, sinais que representem o mundo
culturalmente constituído que transfere seus significados para o bem. Além
disso, a partir da noção de ritual de posse e de preparação, buscaremos
identificar se o bem – protetor solar - transfere significados para seus
consumidores.
5.2 Principais Achados do Estudo
Nessa seção, são trazidos os principais achados desse trabalho que foi
apresentado no Enanpad de 2015, em Belo Horizonte.Esses achados foram
organizados em 4 categorias: (1) Juventude versus envelhecimento; (2)
Juventude versus envelhecimento: Representações de Gênero; (3) Juventude
versus Envelhecimento: Representações Estéticas e;(4) Sol versus Sombra.
5.2.1 Juventude versus Envelhecimento
Resultados sugerem que juventude versus envelhecimento é o grande
conflito que circunda o consumo do sol e dos protetores representados nos
comerciais analisados. Na análise, esse conflito está dividindo em itens que vão
falar de juventude e envelhecimento, representações de gênero, representações
estéticas e sol versus sombra.
Ainda que os cenários sejam predominantemente positivos com contextos
de lazer que envolve praia, parque, férias e esporte, as oposições encontradas
nos anúncios trazem tanto os benefícios quanto os malefícios do sol de
diferentes formas. A palavra juventude não aparece escrita de forma literal no
texto, mas essa etapa tão valorizada da vida aparece nas imagens com a
utilização de modelos, atrizes e celebridades sempre jovens. Já a palavra
envelhecimento aparece de forma direta.
Na campanha realizada pela L’Oréal do protetor “Solar Expertise”, a
empresa lançou na mídia impressa três folhetos onde apareciam em cada: uma
88
mulher, um homem e um casal. Na campanha destinada para o público feminino,
a juventude foi representada pela utilização de uma bela atriz vestindo apenas
um biquíni branco em um cenário de praia desfilando seu corpo jovem. A frase
de divulgação da campanha era: “Máxima proteção contra o envelhecimento
solar”. A utilização de palavras como “máxima proteção”, “contra” e
“envelhecimento”, parece reforçar a busca pela eterna beleza e jovialidade,
principalmente no caso das mulheres.
Já a campanha voltada para o público masculino utiliza como modelo um
campeão internacional de surf que aparece segurando sua prancha e a frase de
destaque é “Protetor solar avançado + ação antienvelhecimento”. Não apenas a
“ação”, mas os termos “avançado” e “anti” se somam à imagem bronzeada e
suada de um esportista sugerindo alguém jovem em constante atividade ao ar
livre.
A mesma campanha do produto Solar Expertise da L’Oréal possui a
versão onde homem e mulher são representados ao mesmo tempo. Novamente
o envelhecimento é o vilão que precisa ser combatido. A frase em destaque é
“Sim para o verão, não para o envelhecimento da minha pele”.
5.2.2 Juventude versus Envelhecimento: Representações de
Gênero
Na campanha realizada pela L’Oréal do protetor “Solar Expertise, uma
diferença de gênero aparece quando comparamos a versão masculina com a
celebridade da versão feminina do anúncio, que também se encontra na praia
ao ar livre. Uma jovem com leve bronzeado e cabelos penteados e secos sugere
uma atividade mais complacente ao invés de qualquer tipo de exercício físico.
Por sua vez, na campanha voltada para o público masculino, o reforço está na
utilização da palavra “ação” que sugere um movimento mais masculino do que a
palavra “proteção” usada no anúncio feminino.
Outro aspecto que é possível comparar entre os anúncios com
representação feminina e masculina relaciona-se aos produtos em destaque. O
homem possui apenas uma embalagem junto à sua imagem. A mulher possui
três embalagens de fator de proteção e formas de aplicação diferentes, o que
pode indicar maior preocupação com o benefício central do produto, ou seja, elas
89
lutam “contra” o envelhecimento e por isso precisam de mais “armas” ou
protetores. Enquanto isso, o gênero masculino que deverá ter uma “ação” “anti”
parece estar orientado mais para uma prevenção ou preparação do que
propriamente para uma luta.
Na versão da campanha onde homem e mulher são representados ao
mesmo tempo, ambos são jovens, mas a mulher aparece mais em destaque e
sua expressão sugere mais atenção já que o homem não possui um olhar direto.
O casal exibe uma postura sensual assim como se caracteriza o próprio verão,
a estação do ano mais sensual com férias e corpos mais a mostra, mas chama
atenção à declaração de posicionamento no singular “minha” e não “nossa” (“Sim
para o verão, não para o envelhecimento da minha pele”).
Em uma campanha em página dupla e interativa onde bastava colocar a
revista ao sol para descobrir quem havia usado protetor e quem não havia, a
Sundown 2009 traz a seguinte declaração de posicionamento: “Chegou
Sundown nova fórmula. Exponha este anúncio ao sol e descubra quem usa
Sundown e quem não usa”. Alguns aspectos podem ser realçados a partir desse
texto e das imagens que trazem de um lado as embalagens e as sentenças e do
outro um casal deitado em esteiras de praia onde se vê ao lado do homem uma
raquete de frescobol e da mulher uma bolsa com o protetor Sundown.
5.2.3 Juventude versus Envelhecimento: Representações
Estéticas
Uma campanha lançada pela L’Oréal do protetor Solar Expertise FPS 60
trouxe para a discussão a dualidade do belo e do feio. A propaganda difere das
demais, pois não apresenta um cenário de praia ou parque, comum nas
propagandas analisadas. Por outro lado, a imagem mostra duas mulheres, entre
elas a atriz Grazi Massafera, sentadas como se estivessem pegando sol em uma
praia ou piscina (uma vez que os cabelos aparentam estar molhados). Pela
luminosidade da pele das modelos e pela sombra feita pelos seus corpos de
biquíni é possível inferir que ainda que expostos ao sol estão sem auxílio de
outros produtos como viseiras, óculos, barracas, dentre outros.
Na frase da campanha aparece escrito em negrito e com letras em caixa
alta “CIÊNCIA AVANÇADA CONTRA OS DANOS SOLARES MAIS
90
PROFUNDOS”. Logo embaixo e sem ser em negrito aparece a frase “PARA
PROTEGER A BELEZA DA SUA PELE”.
Ao lado da imagem das modelos, aparecem dois protetores solares FPS
60 e a frase “tecnologia contra UVA longo” e com uma luminosidade que também
leva a entender que os frascos estão diretamente em exposição ao sol. Nesse
anúncio, a discussão da juventude versus envelhecimento abre espaço para a
discussão do belo e do feio. Na primeira frase que está em negrito, não fica claro
quais danos profundos à pele são esses que a exposição ao sol parece trazer.
Porém, na sequência, sugere que o dano diz respeito à beleza da pele. Ou seja,
a ciência avança para proteger a beleza e não a saúde da pele como inicialmente
pensamos.
Nesse caso, a propaganda fala da exposição da pele ao sol, porém com
proteção adequada para que a mesma fique bonita ou não fique feia. O que seria
o feio nesse caso? Como aparecem duas modelos jovens e uma inclusive com
um tom de pele levemente bronzeado, isso pode sugerir que a beleza da pele
está associada à juventude e a uma pele mais dourada. O que nos leva
novamente ao grande conflito entre juventude versus envelhecimento
5.2.4 Sol versus Sombra
Outro contraste, sol versus sombra, aparece na campanha da Nívea Sun
- Loção Solar Bloqueadora. O termo bloquear, mais enfático do que os termos
mais frequentes, protetor solar e filtro solar, está associado a uma paisagem que
mostra uma luminosidade de fim de tarde, ou seja, mais próxima da sombra do
que do sol que é o principal protagonista das campanhas dessa categoria de
produtos. Novamente a mulher é o destaque com seu corpo jovem ligeiramente
bronzeado sem que seja mostrado o seu rosto, o que pode indicar um produto
orientado para bloquear a ação do sol no corpo e não na face. A relação que a
campanha parece procurar realçar entre o produto e a sombra é reforçada pela
tatuagem no corpo feminino de uma nuvem e de um coqueiro em cada um dos
dois anúncios analisados.
A dualidade sol versus sombra parece estar também representada no
contraste de cores que as propagandas mostram: azuis e amarelas / laranjas.
Não apenas como pano de fundo dos folhetos, essas cores foram priorizadas
91
inclusive nas embalagens dos produtos. Elas são conhecidas por representarem
acima de tudo o calor, a luz e a jovialidade. Elas estão associadas ao sol, ao
verão, à energia, à diversão e à liberdade. Mas também podem representar
alerta, atenção e cuidado, como por exemplo, quando são utilizadas nos
semáforos.
As oposições estão presentes nas ações representadas nos textos das
propagandas com palavras, expressões e cenas que sinalizam ao consumidor a
importância do produto. Mensagens recomendam que o produto esteja sempre
ao alcance. Proteger e cuidar são as principais ações que aparecem nos textos
(14 campanhas). Expressões como “Verão com mais proteção” e “O melhor
cuidado e proteção para sua pele” reproduzem os benefícios básicos da prática
de passar o protetor e tem a função de despertar o indivíduo para os possíveis
problemas causados pelo sol. Algumas ações com conotação mais positiva
aparecem como consequência possível para quem se protege do sol como, por
exemplo, aproveitar e curtir.
5.2.5 Discussão
As oposições que cercam o sol repercutem nas propagandas
selecionadas nessa pesquisa (Bem ou Mal? Envelhecimento ou Juventude?
Belo e Feio? Intenso ou Moderado? Saúde ou Doença? Essencial para a vida ou
com radiações que adoecem?). A categoria de produto navega em imagens e
textos que representam essas oposições sem que seja possível interpretar se é
o lado do bem ou do mal, o vencedor ou o mais sedutor para o posicionamento
da categoria.
Por outro lado, as propagandas sugerem a influência da questão estética
ou da busca da beleza e juventude, o que aproxima as marcas de protetores
mais a produtos de beleza. Os produtos ficam distantes de sua atribuição de
bloquear, proteger ou filtrar os malefícios do sol como o câncer de pele. Por outro
lado, os produtos sugerem proximidade a tratamentos estéticos que, por
exemplo, prolongam a juventude ou adiam as rugas do envelhecimento.
A abordagem cultural do consumo pode apoiar nossa compreensão sobre
a eficácia ou não dos esforços das organizações públicas em disseminar
informações sobre o câncer de pele bem como sua incidência e seus riscos. No
92
mundo culturalmente construído que influencia as propagandas e ao mesmo
tempo é por elas influenciado, o consumo do sol tem tido associações quase
sempre positivas, fantasiosas e até românticas. Diante desse imaginário positivo
sobre o consumo do sol, como construir uma comunicação que possa trazer
associações diferentes e que contemplem, por exemplo, a prevenção e
educação diante das evidencias dos malefícios do consumo do sol?
Esse estudo exploratório inicial foi importante para que tivéssemos um
primeiro contato com um contexto de pesquisa ainda pouco explorado no campo
de Cultura e Consumo, o sol. Além disso, os achados encontrados na análise
das propagandas de protetores nos levaram a identificar dualidades presentes
nesse consumo e que puderam ser exploradas e discutidas, na percepção do
consumidor, durante a realização do segundo estudo que foi composto por
entrevistas narrativas.
6. Estudo Principal: Práticas de Criação e Destruição de Valor
6.1 Procedimentos Metodológicos
Embora alguns trabalhos na área acadêmica de marketing defendam a
importância de analisar o simbolismo do consumo, o desenvolvimento de
estruturas interpretativas com o objetivo de derivar ideias de marketing a partir
dos textos advindos de histórias dos consumidores foi deixado em grande parte
para os praticantes de marketing e de publicidade (Thompson, 1997).
A partir da década de 1980, os conceitos de narrativa e história de vida se
tornaram mais visíveis nas ciências sociais. Chamado por alguns de “revolução
narrativa”, o uso dessa técnica ofereceu possibilidades de pesquisa diferente das
mais tradicionais como experimentos, questionários, observação, dentre outros.
Assim, metodologias narrativas se tornaram uma parte significativa do repertório
das ciências sociais (Lieblich, Tuval-Mashiach & Zilber, 1998; Shankar, Elliott &
Goulding, 2001).
A narrativa dos consumidores pode ser considerada um repositório de
informações referente à resposta cognitiva e afetiva do consumidor em relação
às marcas, propagandas e trocas interpessoais (Stern, Thompson & Arnould,
93
1998). Assim, não há experiência humana que não possa ser expressa na forma
de uma narrativa. Como Roland Barthes destacou:
A narrativa está presente no mito, lenda, fábula, conto,
novela, epopéia, história, tragédia, drama, comédia,
mímica, pintura (pense na Santa Úrsula de Carpaccio),
vitrais de janelas, cinema, quadrinhos, notícias,
conversação. Além disso, no âmbito dessa quase infinita
diversidade de formas, a narrativa está presente em todas
as idades, em todos os lugares, em todas as sociedades;
ela começa com a própria história da humanidade e nunca
existiu, em nenhum lugar e nem tempo algum, um povo
sem narrativa. Não se importando com a divisão entre boa
e má literatura, a narrativa é internacional, trans-histórica,
transcultural: ela simplesmente existe, como a vida em si
(Barthes, 1993, p.251-2)
As narrativas possuem imensa variedade e podem ser encontradas em
diversos lugares. Existe uma necessidade comum ao indivíduo que é a de contar
histórias. Contar histórias é uma excelente forma de comunicação humana, além
de ser uma capacidade universal. A partir de narrativas, as pessoas se recordam
de histórias que vivenciaram, colocam sua experiência em uma dada sequência,
buscam e encontram possíveis explicações para essas sequências e interagem
com a rede de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Ao
contar histórias, fazemos com que acontecimentos e sentimentos presentes no
dia a dia se tornem mais leves e familiares (Bauer & Gaskell, 2000).
Pesquisa narrativa refere-se a qualquer estudo que utiliza ou analisa
materiais narrativos. Os dados podem ser coletados como uma história (história
de vida fornecida em uma entrevista ou uma obra literária) ou de uma maneira
diferente (notas de campo de um antropólogo que escreve as suas observações
como uma narrativa ou em cartas pessoais). Ele pode ser usado para
comparação entre os grupos, para aprender sobre um fenômeno social ou
período histórico ou para explorar uma personalidade (Lieblich, Tuval-Mashiach
& Zilber, 1998).
94
Comunidades, grupos sociais e subculturas contam histórias com
palavras e significados que são específicos para a sua experiência e seu modo
de vida. O conjunto de palavras de um determinado grupo social constitui a sua
perspectiva sobre o mundo e presume-se que as narrativas preservem
perspectivas particulares de uma forma mais genuína. O ato de contar histórias
é uma habilidade relativamente independente da educação. Enquanto o último é
desigualmente distribuído em qualquer população, a competência para contar
histórias não é ou, pelo menos, é menos (Jovchelovitch & Bauer, 2000).
Embora as construções narrativas possam ser marcadas por contradições
e crenças internas, permitem que as pessoas construam um sentido de
continuidade e coerência ao longo de suas experiências de vida. Essas
narrativas pessoais são contextualizadas dentro de um fundo complexo de
significados culturais historicamente estabelecidos e de um sistema de crenças.
Esse background cultural fornece as categorias sociais, as crenças de senso
comum, o conhecimento popular e quadros de referência interpretativos a partir
do qual significados personalizados e concepções de identidade são construídos
(Thompson, 1997).
O uso do texto narrativo como dado de pesquisa justifica-se no paradigma
interpretativo como uma contribuição para uma melhor compreensão da
perspectiva do consumidor (Stern, Thompson & Arnould, 1998). Arnould e Price
(1993) destacam que a narrativa da experiência é fundamental para uma
avaliação global. Ao narrarsuas experiências, participantes podem acessar uma
variedade de scripts pré-conscientes ou narrativasculturalmente informadas.
Narrativas são histórias consideradas como o meio mais importante pelo qual as
nossas experiências ganham significados. Em outras palavras, histórias e contar
histórias nos ajudam a dar sentido às nossas vidas (Shankar, Elliott & Goulding,
2001).
Shankar, Elliott e Goulding (2001) defendem que a premissa principal para
uma narrativa é que a mesma tenha uma sequência, ou seja, tenha início, meio
e fim. Além disso, a narrativa terá os seguintes componentes-chave: 1)
estabelecimento de um ponto valioso (cada história terá um ponto que será
avaliado negativa ou positivamente pela pessoa envolvida na narrativa); 2)
seleção de eventos relevantes (após decidir o ponto é preciso selecionar apenas
os eventos que ajudam a compor esse ponto); 3) ordenar os eventos (de maneira
95
linear, temporal); 4) estabelecer sequência causal (a ordenação tende a facilitar
a compreensão da causalidade dos eventos) e 5) sinais de demarcação
(histórias tendem a ter bem reconhecidos seus começos, meios e fins).
O processo de contar histórias é um ato de criação e construção e não
simplesmente um ato de lembrar ou recontar. O objetivo do pesquisador deve
ser de ajudar o participante nesse processo e, consequentemente, encorajá-los
a refletirem sobre seus registros mentais ao longo da vida. A perspectiva da
narrativa ame que as histórias que as pessoas contam não surgem do nada,
aparecem de algum lugar. Será esse lugar que representará as circunstâncias
transmitidas do passado que estamos interessados em investigar (Shankar,
Elliott & Fitchett, 2009).
Como Giddens (1991) destacou, a nossa identidade não é para ser
encontrada em nosso comportamento e nem nas reações dos outros, mas na
nossa capacidade de manter uma narrativa particular em andamento. Para isso,
deve-se estar continuamente integrando eventos do mundo exterior à nossa
história que está em constante construção. Essas pequenas histórias sobre o
nosso próprio ser podem aparecer como se estivessem revelando um ser pós-
moderno fragmentado. Mas, dada a nossa facilidade de armazenamento, a
nossa seletividade intencional de recuperação de fatos e a fé em nossa
capacidade de remendar pedaços em uma narrativa coerente, podemos
começar a ver um self composto de qualquer coisa que pode aparecer em uma
situação, desde histórias de viagens ou aventuras de infância (Belk, 2013).
Coleta de Dados
No início, pensei em entrevistar mulheres de diferentes Estados do Brasil.
Porém, logo que foram realizadas as primeiras seis entrevistas, notou-seque o
Rio de Janeiro possui características peculiares que podiam tornar o processo
de criação e de destruição de valor ainda mais interessante.
Essas características já foram observadas na introdução da pesquisa e
basicamente se resumem a representações da cidade que envolve praia, sol,
mar, corpos seminus e liberdade (Goldenberg, 2007). Além disso, o Rio de
Janeiro sempre foi considerado o propagador de ideias, valores e normas para
todo o Brasil. Tudo que passava ou era criado pelo Rio, se tornava a essência
96
da brasilidade (Gontijo, 2007). Assim, a seleção das entrevistadas não
estabeleceu limitações de idade, apenas que fossem adultas, acima de 18 anos.
No final, foram entrevistadas mulheres com idades entre 20 e 75 anos. Como
filtro, era perguntado se residiam na cidade do Rio de Janeiro.
Dado que pouco material sobre o sol foi encontrado nos estudos de cultura
e consumo, decidiu-se que na primeira rodada de entrevistas o ideal seria ir de
forma mais aberta, sem delimitações, para o campo. Perguntas abertas que
explorassem significados e práticas negativos e positivos do sol serviram de
base para o primeiro roteiro apoiado por exercícios projetivos. Na segunda e
terceira etapa de entrevistas, novo filtro foi construído para que fossem
explorados os aspectos de destruição de valor no consumo do sol. Ao final de
cada entrevista, foi solicitado às respondentes que indicassem conhecidas que
não gostassem de sol para serem entrevistadas.
Em síntese, a coleta de dados envolveu 17 (dezessete) entrevistas
narrativas semi-estruturadas com mulheres residentes da cidade do Rio de
Janeiro e com idades que variaram de 20 a 75 anos. A coleta de dados se deu
em três etapas: na primeira, foram realizadas seis entrevistas. Na segunda,
foram feitas mais nove entrevistas. A terceira e última envolveu apenas mais
duas entrevistas. O quadro 6 apresenta um breve perfil das entrevistadas.
O roteiro de entrevistas (anexo 2) foi elaborando a partir de perguntas
abertas com utilização de exercícios projetivos. As entrevistas foram realizadas
em local escolhido pelas entrevistadas (preferencialmente, em suas residências)
e tiveram duração de cerca de 60 minutos. A escolha das participantes dessa
pesquisa se deu tanto pelo critério de acessibilidade quanto pela técnica da bola
de neve, na qual os participantes indicam conhecidos, que indicam os próximos
e, assim, sucessivamente.
O uso de exercícios projetivos buscou compreender significados
associados ao sol a partir de imagens que continham dias de sol, praia, pele
bronzeada, pele branca, pontos positivos e negativos, dentre outros. As imagens
que estão no anexo 2 eram apresentadas ao longo das entrevistas.
Quadro 6: Perfil das Entrevistadas
97
Análise de Dados
Os registros de pesquisa foram reunidos em áudio e transcritos para que
pudessem ser acessados sempre que necessário. No total foram 133 páginas
de textos (Times 12, espaço simples). Para a análise dos dados, contou-se com
o auxílio do software Atlas.ti. As entrevistas transcritas foram importadas para o
software para que iniciássemos o processo de codificação que gerou
inicialmente um total de 306 códigos de análise.
Lofland e Lofland (2006) destacam que em estudos qualitativos, a análise
é concebida como o produto de um processo gradual de indução. Apesar da
análise em contextos sociais conter diversas atividades e rotinas concretas, o
processo permanece aberto, ou seja, a análise pode ser descrita como uma ação
que demanda criatividade do pesquisador.
A Teoria da Prática serviu de suporte para conseguir enxergar os
processos de criação e de destruição de valor nesse trabalho. Para tanto, foi
98
necessário identificar quais componentes da Teoria da Práticaseriam utilizados
nessa análise. O quadro 7descreve os principais elementos identificados na
Teoria da Prática por diferentes autores:
Quadro 7: Elementos da Prática
Fonte: a autora
Chamou-se de analíticos, os elementos que irão compor uma prática e os
elementos de ligação, aqueles que fazem com que os analíticos dialoguem entre
si. A figura 4 representaa prática na concepção de Schatzi (1996):
Figura 4: A Prática por Schatzki (1996)
Fonte: a autora
Dizeres Fazeres
Entendimentos
Regras/ Instruções
Estruturas teleoafetivas
99
Após iniciar a análise das seis primeiras entrevistas, verificou-se que a
versão dos elementos analíticos apresentada por Magaudda (2011) poderia se
adaptar melhor aos nossos dados. Porém, foi necessário juntar a esses
elementos analíticos, elementos de ligação que estavam espalhados em
diferentes trabalhos. De acordo com Lofland e Lofland (2006), uma das
estratégias possíveis para desenvolver análises em contextos sociais é formular
proposições genéricas que geram ordem para os dados. Essas proposições
podem ser apresentadas de diversas formas, tais como: desenvolver uma tese,
formular um conceito, fazer uma afirmativa, apresentar uma ideia, endereçar um
problema e promover uma interpretação geral.
Inspirados nas estratégias apresentadas por Lofland e Lofland (2006),
identificou-se na análise das entrevistas que fazeres, significados e objetos
(Magaudda,2011) podem se relacionar uns com os outros a partir de esquemas
interpretativos (serviu de inspiração os achados da pesquisa de Orlikowski,
2000), competências (Shove & Pantzar, 2005) e facilitadores (Orlikowski, 2000).
Esquemas interpretativos podem ser compreendidos como estoques de
conhecimentos que os indivíduos adquirem a partir de interações contínuas com
o universo (Orlikowski, 1992, Orlikowski, 2000). Assim, os esquemas
interpretativos permitem compartilhar significados e representam regras que
informam e definem uma interação (Orlikowski, 1992, Orlikowski, 2000).Por
competência, podemos entender que existe uma espécie de método “adequado”
para desempenhar uma prática e que as pessoas precisam aprendê-lo e que
envolve o conhecimentoe a habilidade (Shove & Pantzar, 2005).Por fim,
facilitadores são os recursos necessários para que se possa atingir um objetivo
como, por exemplo, produtos, estruturas físicas, tecnologias, dentre outros
(Orlikowski, 2000).
Nessa pesquisa, utilizou-se a noção de que a prática está estruturada em
termos de significados, fazeres e objetos e que esses elementos conversam
entre si a partir de esquemas interpretativos, competências e facilitadores.
Trouxemos esse esquema representado na figura 5:
100
Figura 5: A Prática nessa Pesquisa
Fonte: a autora
O esquema utilizado nessa pesquisa não pretende criticar os demais
apresentados na literatura (ver quadro 7), ao contrário, serviu para organizar os
conceitos abordados na literatura para que melhor se encaixa em trabalhos que
utilizem a Teoria da Práticapara analisar processos de criação e de destruição
de valor.
De acordo com Lofland e Lofland (2006), o que chamamos de codificação
é a atividade principal no desenvolvimento de uma análise. A codificação inicia
a partir de um processo de questionamento dos dados de campo sobre o tipo de
aspecto, tópico ou unidade que aquele item se refere, além do entendimento
sobre o que ele representa. A resposta a essas perguntas irão gerar os códigos
e estes ajudarão a separar, compilar, sintetizar e organizar os achados do
campo.
Nesse trabalho, os 306 códigos de análise encontrados foram
reagrupados de maneira que ao final foram identificadas três dualidades de
práticas que estão associadas tanto a exposição quanto a evitação do sol. A
primeira dualidade envolve práticas ligadas ao corpo, a segunda a um
intermediário e a terceira a interação com terceiros.
Significados
Fazeres Objetos
Prática
Esquemas Interpretativos
101
6.2 Principais Achados do Estudo
Ao escolher o consumo do sol para analisar práticas de criação e de
destruição de valor, essa pesquisa sugere que sua onipresença pode
desencadear escolhas, evitações e submissões dado que existem situações em
que a presença do sol não pode ser evitada. A peculiaridade desse contexto se
mostrou interessante para analisar o processo de criação e de destruição de
valor, ou seja, permite compreender dualidades e tensões existentes, como
consumidores se comportam e como as práticas podem construir ou destruir
valor.
As três dualidades analisadas a partir dos relatos estão associadas às
práticas que envolvem tanto exposição quanto evitação do sol e apresentam
camadas diferentes de intimidade com as práticas de consumo do sol. Em uma
primeira camada, mais íntima, estão as práticas ligadas ao corpo. Na segunda
camada, encontramos as práticas relacionadas a um intermediário onde a
criação ou destruição de valor ocorrem a partir de um agente. A terceira camada
reúne práticas onde há interação ou não com outras pessoas, ou seja, onde a
sociabilidade assume um papel importante na criação ou destruição de valor
quanto à exposição ou evitação do consumo do sol.
6.2.1 Práticas que se relacionam com o corpo
As práticas de consumo do sol que envolvem o corpo foram observadas
nos relatos de duas maneiras. A primeira fala de criação de valor de forma mais
geral, pois o sol proporciona a equilíbrio do corpo e da vida, “dá muito bem estar”,
“revigora” e “é fonte de energia”. Já a segunda maneira de unir o sol ao corpo
revela questões estéticas e de prevenção e saúde.
Uma das entrevistadas compara a vida das plantas com a vida humana
para exemplificar a importância do sol sugerindo que plantas podem morrer sem
o sol e pessoas podem ficar sem energia ou mesmo deprimidas sem o consumo
do sol. Ou, o que seria semelhante, sem a vida ao ar livre ou ainda sem o contato
com a natureza, o que tem aproximação com os achados da etnografia de
Canniford e Shankar (2013) no contexto do surf. Os autores encontraram
discursos criados para justificar aspectos negativos da natureza. Ao mesmo
102
tempo, identificaram nos relatos uma “função” purificadora das experiências
vividas no contato com a natureza.
E - O que significa o Sol para você?
- Fonte de energia (...). Eu até falo que preciso fazer
fotossíntese, as pessoas precisam de fotossíntese. Que
precisa pegar Sol mesmo, para revigorar, sabe? De alguma
forma assim de energia mesmo, fonte de energia. Muitos
dias nublados seguidos meio que dá uma “deprê”, a gente
precisa de Sol. (R.D. - 31 anos)
A segunda camada de práticas encontrada no consumo do sol e que se
relaciona com o corpo diz respeito à exposição ou evitação do sol. Identificou-
se nos relatos que o valor pode ser criado ou destruído a partir de práticas que
envolvem, por exemplo, o bronzeamento ou a prevenção. O exercício projetivo
onde eram mostradas imagens de peles bronzeadas e naturalmente brancas foi
importante para acessar a intimidade do consumo do sol que envolve o corpo.
As entrevistadas trouxeram relatos que falam da beleza e sensualidade
associadas ao corpo bronzeado. A “marquinha” sensual do biquíni no corpo
queimado pelo sol aparece envolta por certo desconforto, “ficava toda ardida”,
em meio a informações e produtos que defendem a evitação do sol.
[...] depois quando eu comecei a trabalhar a minha meta
era ficar mais moreninha, mas quando era bem
adolescente assim não, acho que talvez quando eu estava
na adolescência, pré-adolescência por aí eu acho que eu
me preocupava mais, usava o pó de arroz caseiro. Depois
quando eu fui para Belo Horizonte (cidade sem praia),
piscina, nunca tinha ido para piscina, clube que a gente
frequentava, queria ficar moreninha igual o pessoal de lá,
já não cuidava assim tanto cuidava (da pele). Eu queria
ficar no sol, por isso ficava toda ardida mas queria ficar com
marquinha. Agora hoje não, as pessoas tem cuidado, tem
103
reportagens falando sobre os perigos da exposição ao sol.
(S.M. - 59 anos).
O valor estético positivo construído para o corpo que se expõe ao sol
parece apoiado por práticas advindas de diversos atores presentes no ambiente
de mercado e promovidas na mídia ou compartilhada na mídia social, o que
também foi trazido na discussão teórica de Karababa e Kjeldgaard (2013)
quando propõem uma discussão mais abrangente sobre a criação de valor ou,
dito de outra forma, sobre elementos diversos que participam da co-criação de
valor tais como Estado, comunidades de marca, empresas ofertantes e a
perspectiva sócio cultural.
No entanto, os relatos trazem também dilemas relacionados ao consumo
do sol e sua relação com a beleza. O mesmo sol cuja exposição é capaz de criar
um valor estético positivo proporcionando o bonito bronzeado que traz a “cara
de saúde”, pode também ser visto a partir da perspectiva de destruição de valor,
pois o bronzeado proporciona a dor da pele queimada e pode trazer manchas e
doenças de pele.
Dilemas quanto à estética bronzeada também apareceram quando a
imagem da mulher “muito branca” “que não vai para o sol” é associada com
estratégias de prevenção que sugerem esforço e trabalho. Mas a estética da pele
bronzeada parece ser ainda a mais associada com a beleza, pois não gostam
da “branquidão”. Já a imagem bronzeada, com “cara mais saudável”, e com
estética “ligada à beleza” parece ser a mais admirada e desejada. No entanto,
essa admiração vem acompanhada de comentários em que parece mandatória
a presença de alguma “proteção” contra o consumo do sol, pois mesmo as
mulheres bronzeadas: “até” usam protetor, mesmo que a “intensidade seja
menor”, precisam de uma “proteção básica” já que consomem informações
diversas que falam dos malefícios do sol para o envelhecimento e para a saúde.
Essa (modelo) daqui é mais bronzeada do que a outra,
muito branca. Essa daqui (pele branca) fica debaixo do
coqueiro, do chapéu, de tudo, bota 3 quilos de protetor, ela
não vai para o sol. E essa daqui (pele bronzeada) de
repente coloca até um protetor mais de intensidade menor
104
e vamos à luta. A cara fica mais saudável. A aparência fica
mais saudável, não sei se gosto dessa branquidão toda. Eu
até passo mais no rosto, se bem que quando saio para o
sol, aí eu passo, só não passo nas pernas. (D.D. - 59 anos).
Como está com brilho [falando sobre a imagem
bronzeada], parece que tem algum tipo de óleo, mas eu
não consigo imaginar que ninguém usa óleo de bronzear,
acho que tem alguns protetores solares que tem um nível
de proteção muito baixa, acho que ela usaria um protetor
desses que tem fator 8 só para dar uma proteção
básica...acho que hoje em dia ninguém ia fazer isso mais,
ainda mais alguém que tem que cuidar da saúde. (C.N. -
41 anos)
A minha irmã que vai à praia todos os dias ela está mais
envelhecida na pele do que eu e a outra minha irmã que
tem um ano só a mais que ela. Ela disse que é o preço que
ela paga. E é. Ela adora passar muito creme, mas ela vai
muito. A cor dela, ela é mais branca do que eu. Hoje em
dia ela é mais escura do que eu de tão queimada do sol e
ela não quer mais perder aquele tom então ela vai sempre.
Hoje ela se lambuza toda de protetor, hoje todo mundo se
preocupa. (M. H – 72 anos).
A gente ficava preta. Aí botava aquelas roupas brancas
coladas, mandava fazer biquínis de várias cores aí ficava
lá tostando. Quer dizer, era uma loucura. O sol naquela
época estava ligado à beleza. À beleza, mas na época a
gente não associava que podia perder a saúde. (M. H – 72
anos).
Os relatos mostraram também que informações sobre o uso de produtos
no corpo para se expor ao sol se modificaram. No Brasil, o primeiro produto com
105
filtro solar foi lançado em 1984 pela Johnson & Johnson com a marca Sundown
(Silva, Machado, Rocha e Silva, 2015). Uma entrevistada, referindo-se ao
passado, conta que “não passava filtro solar” e “botava Coca-Cola” como um
recurso para deixar a pele ainda mais “queimada”. Ela lembra que não se sabia
na época que isso poderia prejudicar a saúde. Posteriormente, a expressão “filtro
solar” foi substituído por “protetor solar” e “bloqueador solar” nas embalagens e
na comunicação.
Mesmo que as mulheres entrevistadas indiquem já ter internalizado a
necessidade de uso do protetor solar quando expostas ao sol para prevenir,
principalmente, manchas, envelhecimento e câncer de pele, alguns relatos
sugerem que essa estratégia nem sempre é seguida. Como exemplifica a fala
de J.C. (34 anos), o “medo de ter um câncer de pele” não supera a “preguiça”
por ter que passar e repassar o protetor enquanto se expõe ao sol.
Uma coisa péssima porque a gente não passava filtro solar
(antigamente), eu chegava tirar casca de mim assim e
ficava tudo branco entendeu. E sempre ficava alguma
manchinha daquela época porque naquela época você
botava Coca-Cola. [...] eu ia para o sol e ficava lá com
Coca-Cola queimando. Todo mundo fazia isso [...] mas na
época a gente não associava que podia perder a saúde.
(M. H – 72 anos).
Eu tenho medo de ter um câncer de pele porque realmente
pego sol sem protetor solar. Não vou mentir. Muitas vezes
não passo protetor solar por preguiça porque muitas vezes
ele está na bolsa, passo só um pouquinho e está bom. E
depois não passo de novo ou passo, ou então não passo
na perna, passo só em cima do braço, não passo embaixo.
Então tenho medo do sol de no futuro ter um câncer de
pele. Eu tenho essa consciência. (J.C - 34 anos).
6.2.2 Práticas que se relacionam com intermediários
106
Os relatos anteriores trouxeram relações mais íntimas do corpo com o sol,
ainda que tenha já aparecido o protetor solar como um objeto que participa do
dilema entre a exposição ao sol e a evitação ou prevenção. Nessa parte, no
entanto, os objetos e sua materialidade aparecem como centrais na
intermediação entre o consumo do sol e o corpo. A entrevistada A.M (35 anos),
por exemplo, conta que realizou uma viagem de férias para praia com o marido,
mas acabaram guardando na memória uma “péssima recordação” atrelada ao
uso de um “protetor solar vencido” que foi o responsável por deixá-la “queimada”,
“descascando”, “muito vermelha”, “ardida”, “com a canga o tempo inteiro nas
costas”. A compra de um “novo protetor solar” com “um fator super alto” e “na
validade” foi fundamental para que recuperassem o valor do consumo do sol na
viagem de férias.
Outro relato que manifesta a materialidade como intermediária na
recuperação de valor destruído na presença do sol, fala da luz excessiva
provocada pelo astro rei capaz de gerar dificuldades para enxergar. O uso de
objetos como “óculos”, “chapéu”, “guarda sol” são, muitas vezes, recursos
primordiais para a exposição ao sol. A entrevistada J. (50 anos) nos relatou a
sua “sensibilidade a luz muito grande” que pode impedi-la de ir a praia ou mesmo
caminhar na rua em dias ensolarados, sendo importante o uso de objetos
intermediários como óculos e “chapéu” para reduzir a “claridade”.
Em alguns relatos, foram encontrados espaços exercendo o papel de
intermediários importantes para recuperar o valor destruído pelo desconforto
gerado pelo calor excessivo. Locais como shoppings e cinemas são lembrados,
pois possuem recursos como o ar condicionado capaz de recuperar o valor
destruído por um dia de sol com altas temperaturas. Alem disso, esses espaços
refrigerados ou ainda parques ao ar livre são vistos como alternativas para evitar
o elevado custo de energia caso permaneçam em casa ao longo do dia com os
aparelhos de ar condicionado ligados.
As elevadas temperaturas que as entrevistadas experimentam no Rio de
Janeiro (giram em torno de 40°C no verão e sensação térmica que pode ser
superior a 50°C) fizeram com que a entrevistada D.D (59 anos) associasse o “sol
da tarde” que bate em sua casa a um “maçarico” (aparelho usado também na
culinária que envia uma chama produzida por combustão). A entrevistada reside
em um apartamento de cobertura e diz não poder “ficar de ar condicionado o dia
107
inteiro”. Como alternativa, usou uma “barraca de sol” dentro da piscina para
amenizar o calor e evitar o gasto de energia com o ar condicionado.
A materialidade também aparece ligada à criação de valor através da
exposição e evitação do consumo do sol. Porém, nesses casos, não são os
objetos os intermediários para a criação de valor, mas sim o sol. Foram
lembradas situações cotidianas que falam dos benefícios do sol para objetos e
outros em que o sol aparece como elemento decisor ou organizador de situações
cotidianas. O relato de J. (50 anos) fala da lógica organizadora da semana e do
fim de semana a partir do sol que é capaz de “ligar uma tomada” na sua rotina.
A. (54 anos) conta que o sol ou a chuva são intermediários importantes na sua
decisão sobre o que vestir ou calçar. M.H. (72 anos) lembra que a criação de
valor diante da exposição ao sol de um objeto pode ser inversa a destruição de
valor reconhecida quando o corpo é submetido por uma longa exposição ao sol.
O sol pode tornar o objeto “saudável” quando elimina fungos de “tudo”.
Minha filha diz que sou a mulher do tempo, todo dia eu vejo
qual tempo que vai estar se eu estiver aqui no Rio ou
viajando. De acordo com um solzinho que aparece, o
tempo, eu me programo. Eu já vi que domingo vai fazer sol
e domingo é o dia que eu vou para praia porque vai fazer
um sol aberto, aquele sol que você vê o azul todo sem uma
nuvem, sem nada, não tem uma nuvem passando [...].
Então contagia, é como se ligasse uma tomadinha em você
e você ficasse diferente. (J. - 50 anos).
Bom, um dia de Sol para mim, quando eu acordo né, tenho
que começar pela manhã né, que eu acordo quatro horas
da manhã e tenho que ver o tempo para ver a roupa.
Porque quando está chuva é tênis, meia, calça comprida e
um casaquinho. Agora quando o tempo ta bom, é o que?
Você olha pro céu. Se o tempo estiver nublado eu já
preparo meia, tênis, tudo. (A. - 54 anos).
108
[...] eu adoro sol. Roupa no sol, tudo no sol para tirar fungo
é saudável, é gostoso, é alegre. (M.H. - 72 anos).
6.2.3 Práticas que envolvem interações sociais
O antropólogo brasileiro Gilberto Velho (1999), em seu estudo sobre a
antropologia urbana no Brasil e em Portugal, conta que uma das principais
motivações para que as pessoas frequentassem mais assiduamente as praias
foi a crescente valorização da praia como espaço de sociabilidade. Os achados
desse estudo também indicam que o consumo do sol cria valor a partir de
práticas de socialização com amigos e familiares em ambientes de lazer ao ar
livre. As entrevistadas contam como o dia de sol “favorece” “o encontro”, “as
conversas”, “a risada” “a alegria” de “estar com pessoas” “todas as amigas”, “todo
mundo junto”. Aspectos experienciais do consumo (Holbrook & Hirschman, 1982;
Belk, Wallendorf & Sherry, 1989) também se sobressaem nessa categoria na
medida em que fenômenos importantes como atividades de lazer, prazeres
sensoriais, devaneios e respostas emocionais também estão presentes no
comportamento desse consumidor.
Como são muitos os dias de sol no Rio de Janeiro, os dias de chuva foram
associados, por algumas entrevistadas, como aqueles em que se permitem “ficar
mais em casa” já que “não tem muita disposição para ficar na rua”. Outros relatos
falam da “função social” do sol. Dias de sol motivam happy hour com os amigos
após o trabalho ou reuniões em casa em torno da piscina. Uma entrevistada traz
como exemplo a socialização em família que um dia de sol proporciona quando
pode velejar em ambiente de “paz” e mais privacidade para “conversar” com o
pai.
[...] é mais comum sair e velejar no final de semana quando
o tempo está bom, então quase sempre lembro muito
disso. Aí é o meu momento de paz, eu acho que é diferente
de ir a praia, quando está no barco geralmente é eu e meu
pai, mais uma pessoa ou duas, o motor não fica ligado, fica
109
só aquela brisa, vela, a gente toma uma cerveja, 10, 11
horas a gente estipula para... Mais cedo não dá para beber
as cervejas, mas aí come amendoim, conversa, então tem
uma função social, a gente até participa de regata, mas
geralmente é por diversão, então eu associo muito o Sol a
velejar, também na Ilha Grande. (C.N. - 41 anos).
Você vai trabalhar e depois vai pro barzinho com os amigos
quando está um clima mais fresco, quando está sol né. Aí de
repente isso já não acontece quando está chovendo, a
pessoa vai direto para casa ou vai fazer outra coisa, quem
não tem muita disposição para ficar na rua. Tem gente que
não gosta de chuva, de sentir molhado [...] (T. – 21 anos).
A gente se reunia, vamos estudar, ia todo mundo lá para
casa, ficávamos de maiô e tal, daí ficávamos no jardim
tomando sol e ao mesmo tempo estudando. Tinham as
mesinhas lá fora no pátio que minha mãe tem, a gente ficava
sentado ali, estudava um pouco, deitava um pouco, tinha
uma piscina, a gente se molhava [...] (H.C – 61 anos).
Ao mesmo tempo em que o sol possui uma associação positiva quando
possibilita práticas que criam valor a partir de experiências de socialização com
exposição ao sol, alguns relatos contam experiências em que a presença do sol
pode destruir valor. Os constantes dias de sol do Rio de Janeiro podem ter como
consequência associações negativas com o sol. Algumas entrevistadas relatam
que se sentem “pressionadas” ou “obrigadas” a gostar e preferir os dias de sol.
Visto de outra forma, os dias de sol trazem a “pressão” de parecer “feliz”, “alegre”,
“sair para se divertir” e de “estar com um monte de gente” que são sentimentos
e comportamentos associados ao carnaval de rua brasileiro.
[...] eu sempre gostei de fazer as coisas opostas, se está Sol
demais eu gosto de ir ao cinema com ar condicionado, não
tem nada a ver por eu queimar muito fácil, é mais uma coisa
110
de expectativa, o Sol, a praia, aquela alegria toda, meio
carnaval, tudo isso junto é uma pressão de que você tem
que se divertir, que tudo está bem, maravilhoso, e a maioria
das pessoas entram nesse clima, eu não, porque tem
sempre alguma outra coisa que eu estou pensando. (C.N. -
41 anos).
Uma das minhas músicas preferidas é o “Dia Branco” de
Geraldo Azevedo porque eu sempre [...] gostei do dia
branco, os dias que a gente não vê Sol, não precisa estar
chovendo, mas mais friozinho, sem muito Sol. Aqueles dias
que você não sente aquela obrigação de ser feliz, de estar
com um monte de gente. Eu gosto desses dias mais
incógnitos, eu acho que tem a ver com o humor da gente,
mas eu sempre tive esse problema com o Sol. (C.N. - 41
anos).
Mesmo que C.N. (41 anos) traga como música preferida aquela que fala
de um dia sem sol (Azevedo, 1996), outra música de sucesso fala justamente o
contrário, ou seja, “cariocas não gostam de dias nublados” (Calcanhoto, 1994)
ideia repetida constantemente pela mídia em geral. A fala de J. (50 anos) a seguir
reflete o “duelo infernal” que é gostar dos dias de chuva que podem ser mais
“reflexivos” e produtivos para estudar versus gostar dos dias de sol para o lazer
ou não se divertir em dias de sol que pode significar “perder uma parte da vida”.
Para mim são dias reflexivos (nublados), você fica muito
introspectiva em qualquer lugar. Eu gosto de chuva [...]. Aqui
no Rio são os dias que eu estudo mais, quando tem chuva,
porque quando está com sol, eu começo a estudar e que
vontade de ir para praia. Aqui tem a questão do mar [...] aqui
mesmo (no Rio) passei a caminhar porque eu ficava nesse
duelo infernal, não me concentrava e eu tinha a impressão
de que eu perdi uma parte da minha vida naquele dia porque
111
eu não fui caminhar na praia, não fui andar no parque. (J. -
50 anos).
Essa categoria temática mostra como é importante analisar o valor do
consumo também no sentido semiótico (Karababa & Kjeldgaard, 2013). Ou seja,
significados culturais do sol que são mediados pelo consumo e constantemente
reconstruídos por diversos atores. A construção cultural do sol, sempre positiva,
acaba por trazer ao consumidor essa “pressão” e “obrigação” de fazer algo,
sugerindo que o mercado está situado em um contexto institucional e sócio-
histórico relevante para as pesquisas no campo do comportamento do
consumidor (Peñaloza & Venkatesh, 2006; Venkatesh, Peñaloza & Firat, 2006).
6.2.4 Discussão
Os achados desse estudo possibilitaram observar que práticas trabalham
em conjunto e funcionam como engrenagens em um processo de criação e
destruição de valor mesmo em um contexto de onipresença, ou seja, onde as
pessoas possuem menos liberdade de escolher se querem ou não a exposição
ou evitação desse contato. Nessa situação, as experiências trazidas mostram
que as pessoas decidem sobre as práticas que lhes trazem mais benefício
(valor), como também entendem que estão sujeitos a práticas que podem
destruir valor. Exemplificando, as práticas de consumo do sol que se relacionam
como corpo podem gerar destruição de valor quando entendem que a exposição
ao sol pode provocar manchas, envelhecimento e câncer de pele. Em práticas
onde intermediários desempenham papel central, o valor é criado quando o sol
percebido como um benefício para objetos ou para a organização de rotinas. A
destruição valor, nesse caso, pode acontecer quando existem problemas com
intermediários que são importantes para a experiência de consumo como, por
exemplo, o uso de protetor solar vencido, a falta de óculos escuros para pessoas
sensíveis à claridade do sol ou o alto custo de energia do ar condicionado em
épocas de muito calor. Os dias de sol convidam a sair de casa e encontrar
pessoas, mas também podem representar obrigações e pressões para
socialização quando as pessoas buscam experiências mais introspectivas ou
possuem responsabilidades e compromissos prioritários.
112
A Figura 6 sintetiza os achados desse estudo. A representação reúne
práticas que trabalham juntas e se dirigem umas às outras. Nessa
representação, é possível observar que essa pesquisa não se limitou a analisar
práticas que envolvem criação de valor, como é o foco da pesquisa de Schau,
Muñiz e Arnould (2009). Inspirados nos achados no campo de serviços
(Echeverri & Skålén, 2011) foi possível observar como práticas no contexto do
consumo do sol podem levar também à destruição de valor. A figura 6 mostra
que práticas que experimentam diferentes valores são combinadas de maneira
complexa dando origem a criação e ou destruição de valor para o consumidor.
Figura 6: Processo de Criação e Destruição de Valor em Práticas de
Consumo do Sol
7. Discussão Final
Práticas que se relacionam com o corpo
• Prevenção
• Beleza
• Manchas
• Câncer de Pele
• Envelhecimento
Práticas que se relacionam com intermediários
• Organização
• Limpeza
• Problemas
• Indisponibilidade
• Gastos de Energia
Práticas que envolvem interações sociais
• Socialização
• Lazer
• Isolamento
• Desconcentrar
113
O objetivo dessa pesquisa foi compreender como valores podem ser
criados e destruídos a partir de práticas presentes no consumo do sol, um
contexto onipresente na vida do indivíduo. Para alcançar esse objetivo, foram
realizados dois estudos: um estudo inicial exploratório que analisou propagandas
de protetor solar e um estudo principal com a análise de entrevistas com
mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro. Esses estudos deram origem
à construção de um modelo conceitual que está representadona Figura 7.
A Teoria da Prática pontua que práticas são formadas por objetos, fazeres
e significados (Maggauda, 2009). Quando objetos, fazeres e significados estão
alinhados e em harmonia, podemos supor que a prática criará valor para o
consumidor. Por sua vez, quando algum desses elementos não estiver alinhado,
a prática poderá ser responsável pelo processo de destruição de valor. Os
objetos funcionam como facilitadores (Orlikowski, 2000) para a execução de
diferentes práticas, ou seja, os objetos são recursos para que as pessoas
alcancem seus objetivos. Por sua vez, os fazeres fornecem competências, ou
seja, conhecimentos e habilidades (Shove&Pantzar, 2005; Schau,
Muñiz&Arnould, 2009) que vão sendo adquiridos na medida em que as pessoas
desempenham suas práticas. Finalmente, os significados funcionam como
esquemas interpretativos (Orlikowski, 2000), agindo como regras que refletem o
conhecimento sobre algo a se fazer.
Vejamos alguns exemplos que surgiram ao longo dessa pesquisa onde
práticas de criação e destruição de valor trabalharam em conjunto. Uma das
entrevistadas relata sua experiência com um protetor solar vencido em viagem
de lazer em que ficaram marcadas em sua memória as consequências negativas
do seu uso – queimaduras na pele. O objeto facilitador do consumo do sol não
desempenhou sua função, provocou um desalinhamento e consequentemente
destruiu valor.
Em outro exemplo, uma entrevistada descreve situações em que a
ausência do sol é preferida já que a sua presença pode exercer pressões e
obrigações sociais indesejadas, o que contrasta com significados positivos do
sol presentes nos textos culturais de protetores analisados, em algumas letras
de músicas levantadas e também na história que nos fala do papel positivo do
sol na vida das pessoas. Existe, no caso dessa entrevistada, um desalinhamento
entre o esquema interpretativo construído por ela, em que obrigações
114
indesejadas se associam ao dia de sol, e as atividades que ela de fato deseja
desempenhar e que são mais introspectivas e solitárias e que, portanto,
acontecem sem o sol.
Os fazeres também podem passar por desalinhamentos. Relatos mostram
que conhecimentos adquiridos sobre a necessidade de uso do protetor solar e o
medo de doenças que podem ser originadas do não uso e/ou do consumo
excessivo do sol, não são suficientes para que o protetor solar passe a fazer
parte da rotina da respondente. As entrevistadas associam o uso do protetor à
preguiça ou algo repetitivo e cansativo. Nesses exemplos, competências se
tornam desalinhadas, o que dá origem a práticas de consumo do sol que podem
destruir valor
Os dois estudos consolidados permitiram propor o modelo conceitual de
criação e destruição de valor representado na figura 7 a seguir.
Figura 7: Modelo Conceitual de Criação e Destruição de Valor em Práticas de
Consumo
O modelo conceitual proposto por essa pesquisa (Figura 7) sugere que os
significados, fazeres e objetos podem estar em desalinhamento uma vez que
existem representações do consumo do sol, geradas tanto pela história da
relação do indivíduo com o sol (Keesling & Friedman, 1987; Souza, Fischer & de
Souza, 2004; Silva, Machado, Askegaard, 2010; Rocha e Silva, 2015), como por
representações retratas na literatura referente à cidade do Rio de Janeiro (Velho,
1999; Goldenberg, 2007; Gontijo, 2007; Penna, 2016) e nas propagandas de
115
protetor solar (Estudo 1), que diferem da vontade do consumidor para
determinado momento ou situação.
Principais Contribuições da Pesquisa
Esse estudo, que usou como principal lente teórica a Teoria da Prática
(Schatzki, 2001; Reckwitz, 2002; Warde, 2005), contribui de diferentes maneiras
para as pesquisas em comportamento do consumidor e, mais especificamente,
para os estudos que se inserem na perspectiva da CCT.
Esse trabalho explora um conceito até então marginalizado pela literatura
do campo, caracterizando a destruição de valor como um processo que também
pode ser resultado de práticas de consumo. Na seção anterior, apresentou-se
um modelo conceitual para os estudos de valor capaz de considerar tanto o
processo de criação de valor, com suas características positivas, quanto o de
destruição, com suas peculiaridades negativas. Vimos que quando ocorre o
desalinhamento de práticas de consumo, o consumidor se vê em uma situação
não esperada e precisa lidar com resultados que podem não ser positivos.
O modelo conceitual proposto (figura7) pode ser adotado para
compreender como valores podem ser criados e destruídos em práticas de
consumo. Esse trabalho também contribui para a articulação, em nível empírico,
de ideias e categorias desenvolvidas em diferentes estudos que abordaram tanto
a Teoria da Prática quanto os processos de criação e destruição de valor. Desta
forma, a prática se apresentacomo uma unidade de análise que envolve
diferentes componentes (objetos, fazeres e significados) que se relacionam entre
si (por meio de facilitadores, competências e esquemas interpretativos). Os
achados mostram que essas práticas podem gerar resultados positivos, na
medida em que seus componentes encontram-se alinhados (criação de valor),
ou resultados negativos, na medida em que se encontrem desalinhados
(destruição de valor)
Além das contribuições do modelo proposto, essa pesquisa avança nos
estudos encontrados e que discutem a co-destruição de valor no campo de
serviços (Plé&Chumpitaz Cáceres, 2010; Echeverri&Skålén, 2011 e Smith,
2013). Os achados sugerem que existem práticas que levam à destruição de
valor sem que haja interação colaborativa entre provedores e consumidores. Se
116
por um lado a co-destruição reforça a existência de um desalinhamento entre
pelo menos um dos diferentes elementos do sistema de serviços, algumas
experiências aqui relatadas mostram que o desalinhamento pode ocorrer
também fora do contexto característico de serviços.
Essa pesquisa também corrobora com o estudo de Shove e Pantzar
(2005), ao identificar que diferentes atores estarão envolvidos no processo de
constituir e reproduzir práticas que levem a criação de valor. No entanto, o estudo
de Shove e Pantzar (2005) não contempla destruição de valor. Múltiplos atores,
tais como consumidores, empresas, mídia, Estado e comunidades de marca que
operam em um mesmo mercado, precisam ser analisados em estudos que
envolvem tanto práticas de criação quanto de destruição de valor. A realização
da análise de texto cultural em propagandas de protetor solar e o levantamento
de dados históricos sobre a relação dos indivíduos com o sol mostraram
diferentes representações da pele bronzeada ao longo do tempo. Além disso,
aspectos legais que confundem, no Brasil, a classificação do protetor solar como
medicamento ou cosmético também são exemplos de como a multiplicidade de
atores em torno da prática de consumo do sol pode contribuir nesse processo de
criação e destruição de valor.
Vargo e Lush (2004) propõem uma nova lógica para o marketing onde os
consumidores assumem uma parte importante e crescente na criação de valor,
ao mesmo tempo em que as empresas, as quais historicamente era atribuído o
quase monopólio na criação de valor, perdem espaço para os consumidores.
Eles assumem papel mais protagonista e têm o apoio da tecnologia de
comunicação e do compartilhamento de informações. Compreender a criação e
destruição de valor nas diferentes experiências e relações de consumo é algo
ainda mais valioso para a pesquisa e para prática do marketing. As propostas ou
equações das proposições de valor das empresas parecem difusas uma vez que
diferentes grupos de consumidores em diversas categorias de produtos e
serviços possuem participação mais atuante nessa transição ou, em outras
palavras, participam mais ativamente da criação ou destruição de valor.
Defende-se aqui que novas lentes dentro de perspectivas sócio-culturais,
como a Teoria da Prática, são importantes para conhecer os processos de
mudança ou novas forças dos consumidores que são capazes, por exemplo, de
resistir às forças de mercado ou mesmo destruir proposições de valor trazidas
117
pelo mercado.A área de conhecimento precisa de novas lentes que
integremconsumidores, produtores e outros atores como as diferentes mídias
que podem apoiar tanto a construção quanto a destruição de valor nas práticas
de consumo.
A Teoria da Prática, nesse estudo, permitiu identificar três conjuntos de
práticas de criação e destruição de valor: (1) práticas que se relacionam com o
corpo; (2) práticas que se relacionam com um intermediário e; (3) práticas que
envolvem interações sociais. Esses conjuntos forneceram uma base para
compreensão e teorização quanto aos aspectos positivos e negativos em torno
de valor já que trabalham com uma perspectiva não encontrada nos estudos de
valor em cultura e consumo. Os estudos de marketing de serviços falam da
destruição de valor interacional, ou seja, quando envolve interação entre
consumidores e empresas ou outros elementos do sistema de serviços. No
entanto, esse estudo identifica novo olhar para valor ao mostrar que a destruição
também pode ser resultado de práticas cotidianas.
Em síntese, a utilização de perspectivas mais abrangentes no estudo de
valor contribui para uma nova visão sobre valor. A Teoria da Prática nos foi útil
para apresentar um valor originado de uma interação que nem é o valor objetivo
de que os economistas falam, nem o valor subjetivo como associam os
psicólogos e nem o valor sempre positivo, como a literatura de valor em
comportamento do consumidor. Nessa visão, valor não reside em um indivíduo
independente de suas ações e nem em um bem independente da ação a qual
ele é submetido. O valor residirá nas ações e interações onde objetos,
significados e fazeres têm a função de facilitar, tornar possível, apoiar o consumo
(Arnould, 2013), mas, também, como identificado no campo, podem funcionar
como barreiras que levam à destruição de valor.
A característica de onipresença encontrada no contexto do consumo do
solpermitiu que fossem identificados e analisados simultaneamente processos
tanto de criação quanto de destruição de valor já que o consumidor não pode
controlar a presença do sol.A escolha da cidade Rio de Janeiro,com períodos
mais intensos de calor e sol,quando comparada a outras cidades do Brasil e do
mundo, também contribuiu para que as entrevistadas trouxessem exemplos que
falavam simultaneamente de práticas que criam e destroem
valor.Historicamente, a relação do indivíduo com o sol demonstra a existência
118
de um regime de valor positivo dominante, possivelmente pela pouca
flexibilidade para evitarmos o sol. Com a descoberta e o avanço dos estudos de
câncer de pele, o aumento da preocupação fez com que as pessoas
desenvolvessem mais práticas de prevenção e até mesmo de evitação do sol.
Comoo consumo ligado ou dependente da natureza também tem sido pouco
contemplado na área de conhecimento, a escolha desse contexto também pode
ser vista como uma contribuição para os estudos de consumo.
Esse estudo também contribui para a discussão de processos de criação
e destruição de valor como algo que pode ser objetivo ou circunstancial. Os
achados dessa pesquisa sugerem que enquanto a criação de valor se assemelha
a um processo objetivo, em que o consumidor antecipadamente já espera
determinado resultado, a destruição de valor pode se caracterizar por questões
circunstanciais, ou seja, quando durante o processo de criação de valor,
acontece algo inesperado na relação de consumo que foge do que havia sido
programado.
Implicações Gerenciais
Compreender o valor para o cliente e o seu processo de criação é uma
importante preocupação das empresas e, também, um diferencial competitivo.
Os achados oferecem uma nova perspectiva aos profissionais para compreender
que consequências desfavoráveis e indesejáveis, que levam à destruição de
valor, podem acontecer em experiências de consumo. O processo de destruição
de valor pode ser desencadeado por uma variedade de motivos, inclusive em
momentos em que o consumidor e a empresa não estão se relacionando
diretamente. As empresas podem oferecer aos clientes mais oportunidades para
que consumidores possam tanto criar valor em suas experiências de consumo
(Shau, Muñiz & Arnould, 2009), quanto minimizar a destruição de valor em
situações indesejáveis.
Pesquisas que identifiquem processos de criação e destruição de valor
podem ser aplicadas a outros contextos já que é possível identificar a crescente
participação do cliente em todas as etapas do processo de consumo.
Delimitações e Oportunidades Futuras
119
Esse trabalho, que se insere em uma perspectiva microssocial, possui
diversas delimitações como, por exemplo, o uso da lente teórica da Teoria da
Prática, o contexto do consumo do sol, a localização em apenas uma cidade e o
seu foco em mulheres. Dessa forma, abre diversas avenidas para outros estudos
de consumo, com destaque para estudos que envolvam práticas de destruição
de valor.
Como uma lente teórica alternativa, sugere-se o uso da Assemblage
(Latour, 2005; DeLanda, 2006; Arsel, 2016), que pode trazer revelações
interessantes tanto para a criação e destruição de valor quanto para o papel do
sol nessa interação. Diferente da Teoria da Prática, na Assemblage, a unidade
de análise será a rede de relacionamento composta por diferentes atores e suas
conexões em que o humano passa a ser um elemento dentre vários outros que
compõe a rede. Tanto o sol quanto os protetores e outros objetos de consumo
assumem papéis de atores, assim como os consumidores. A posição do sol
como um ator se considerarmos as relações em uma rede, pode trazer
discussões interessantes na medida em que nos permite enxergá-lo como um
agente na relação de consumo como, por exemplo, quando queima a pele ou
pressiona as pessoas a saírem de suas casas para socializar. Assim, o uso de
diferentes lentes teóricas pode trazer informações novas ou complementares
para compreender criação e destruição de valor já que a utilização da Teoria da
Prática, que coloca o consumidor como um portador da prática, pode ocultar o
papel do sol como um dos atores relevantes nessa relação e não apenas como
um contexto.
Outras oportunidades de pesquisa surgem ao considerarmos as
narrativas construídas nesse estudo em relação ao contexto do sol. Essas
narrativas se diferem daquelas identificadas em estudos anteriores e que
analisaram a relação dos indivíduos com a natureza (Arnould & Price, 1993;
Thompson, 2004; Scholz, 2012, Canniford & Shankar, 2013). Foi possível
observar que essas pesquisas anteriores trouxeram narrativas que envolvem
discursos românticos e discursos utilitários. Porém, nos achados de campo
desse trabalho, identificamos a coexistência de discursos de submissão e de
poder que não podem ser ignorados. Seria interessante explorar como a
120
natureza pode tanto contribuir quanto ser um obstáculo para o processo de
criação de valor.
Outros estudos podem buscar compreender a destruição de valor em
outras situações de consumo como, por exemplo, o trabalho em comunidades
de marca (Shau, Muñiz & Arnould, 2009) que se limitou analisar a criação de
valor. Em outro exemplo, pesquisas anteriores sugerem que a circulação de
objetos em uma rede de relacionamento (geocaching) tem a capacidade de criar
valor (Figueiredo &Scaraboto, 2016), porém, o campo poderia se beneficiar
também da análise de ações que poderiam levar à destruição de valor.
Quanto à escolha de mulheres, sabe-se que elas possuem uma relação
própria com o corpo, com a sociabilidade e com possíveis intermediários
envolvidos no consumo, diferente da relação construída por outras categorias de
gênero. Sendo assim, realizar uma pesquisa para compreender como ocorre o
processo de destruição de valor do consumo do sol em outras categorias de
gênero, também pode trazer informações interessantes.
Por fim, as sugestões de pesquisas futuras ilustram e reforçam o principal
achado desse estudo que faz uma crítica à pesquisa de viés abertamente
positivo sobre o valor nos estudos de consumo. Esse trabalho conseguiu
mostrar, com base em dados empíricos, que o valor não é apenas algo que é
criado, mas também pode ser destruído, o que modifica a predominante visão
da criação de valor como único resultado possível durante as interações entre
provedor e cliente assim como também em práticas de consumo cotidianas.
121
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134
135
9. Anexos
9.1 Anexo 1: Exemplos das Propagandas Analisadas
136
137
138
139
Figura 6: Campanha Avon Sun + - Protetor Solar FPS 30 – 2014
140
Figura 7: Cenoura & Bronze
141
Figura 8: Campanha Sundown 2007
142
9.2 Anexo 2: Roteiro de Entrevistas
9.2.1 Roteiro de Entrevista- Versão 1
Essa é uma entrevista para uma pesquisa sobre consumo, mas será bem informal, como se fosse uma conversa mesmo. Nome: Idade: Profissão: Estado Civil: Filhos: A palavra natureza te lembra o que? Por que? (cada resposta tem que ser acompanhada de por que? Me explica melhor) Quando eu falo a palavra sol, o que vem a sua cabeça? (cada resposta tem que ser acompanhada de por que? Me explica melhor) O que mais? Me explica porque você fez essa associação. O que mais? - O que é então o sol pra você? - Quais recordações o sol te trás? Só boas? Ou Só más? - Se a gente tivesse uma linha e de um lado estivesse o sinal positivo e do outro o sinal negativo, onde estaria o sol pra você? O que você mais gosta de fazer fora da sua casa, ao ar livre?
- Qual é o seu lazer preferido ao ar livre? - Lazer? Entretenimento? Esporte? Viagem? Exercício físico? Praia? - Conte-me sobre um final de semana típico para você no verão. - E no inverno, muda? E em dias nublados? - O que fez nas suas últimas férias? Projetiva pele branca x bronzeada na praia
143
- Pra você, como a primeira cuida da pele? O QUE ELA COMPRA? - Pra você, como a segunda cuida da pele? O QUE ELA COMPRA? E você? Como cuida da sua pele? Você costuma se proteger do sol? Como? - Práticas atuais:
- Quais produtos costuma usar? Diariamente? - Que tipo de benefício você espera deles? - E quando está ao sol? O que você usa/passa? - Além do protetor solar, você usa alguma outra coisa para se proteger?
O que? - Você costuma consumir alguma coisa quando está ao sol? Bebidas /
Comidas
- Práticas anteriores: - Como você cuidava da sua pele mais nova? - Mudou em relação à hoje? - A que você atribui essa mudança? - Como sua mãe cuida/cuidava da pele? - Tem alguma semelhança/diferença?
144
9.2.2 Roteiro de Entrevista - Versão 2
Bom dia. Eu sou estudante de doutorado do Coppead/ UFRJ e estou fazendo uma tese sobre práticas de consumo. Ao longo da nossa conversa, vou fazer diversas perguntas e ainda que algumas possam parecer óbvias são muito importantes para mim. Meu principal interesse aqui é que você relate a o que acontece no seu dia a dia . Não existe resposta certa ou errada.Você se importa se eu gravar nossa conversa? Irá me ajudar a guardar tudo o que você me falar sem eu ter que ficar me preocupando em anotar. A conversa será informal e a sua identidade será preservada, assim como o anonimato das suas respostas.Alguma dúvida? Podemos continuar?
Apresentação
Para começar, gostaria que você se apresentasse: Como se chama? Quantos anos? Profissão? Onde mora? Estado Civil?
História de vida e Rotina do Entrevistado (doings)
Vamos começar falando sobre você. Fale-me um pouco do seu lazer na infância. O que você costumava fazer durante a semana? E finais de semana? E nas férias? E na adolescência? E atualmente? Conte-me a sua rotina. Como é a sua semana? E os seus finais de semana? Conte-me sobre um final de semana seu. O que você gosta de fazer? Com que frequência você faz isso? Por quê? O que você fez no último final de semana? (se não fez muita coisa, perguntar do anterior) Saiu ou ficou em casa? Se saiu, foi para onde? Fez o quê? Sozinha ouacompanhada? Se ficou em casa, o que fez?
E nas suas férias? O que gosta de fazer? Como foram suas últimas férias? Que época foi? Para onde foi? O que fez por lá?
E no verão? O que gosta de fazer? Como foi o último verão? E no inverno? O que gosta de fazer?
Meanings - Projetivas
145
Quando eu mostro essa imagem o que vem a sua cabeça? E essa?
Qual imagem você gosta mais? Por quê? Explique-me melhor.
Se escolher sol: Pensa que você mora em um lugar que faz sol quase todos os dias:
Como você se sentiria? Por quê? O que você faria nos momentos de lazer? Você gosta de fazer isso? Com que frequência você faz isso? O que mais você gosta de fazer em dias de sol? PRA QUEM ESCOLHEU O SOL, EXPLORAR O NUBLADO DEPOIS Se escolher nublado: Pensa que você mora em um lugar que nunca faz sol: Como você se sentiria? Por quê? O que você faria nos momentos de lazer? Você gosta de fazer isso? Com que frequência você faz isso? O que mais você gosta de fazer em dias sem sol? PRA QUEM ESCOLHEU O NUBLADO, EXPLORAR O SOL DEPOIS Agora (mostrando a figura) você deve dar uma nota de zero a dez aos dias de sol. Onde você colocaria a nota? Explorar a localização escolhida. Por que você colocou aqui? O que você pensou na hora em que escolheu esse lugar?
E se eu pedisse pra você colocar uma nota para os dias sem sol? Onde estaria?
Por que você colocou aí? O que você pensou na hora em que escolheu esse lugar?
Para você, o que significam os dias de sol? Por quê? E os dias sem sol? Por quê? “Cariocas não gostam de dias nublados” – Adriana Calcanhoto O que você me diz dessa afirmação? Por quê? Você concorda ou discorda dessa frase? E você? O que você acha de dias nublados? Agora vou te mostrar uma imagem e gostaria que você me falasse o que vem a sua cabeça.
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Qual a diferença entre os dois momentos? O que você imagina que está acontecendo no momento 1 (antes)? Por que? Pontos positivos em estar branca? Negativos? O que mudou no momento 2? Pontos positivos em ela estar bronzeada? Negativos? Em qual dos dois momentos você acha que ela está mais bonita? Por quê? Você acha que as pessoas em geral pensam como você sobre essa estética (branca ou bronzeada)? Por quê?
Objects Pense em um dia de sol: Quais produtos você costuma usar na sua rotina semanal? Produtos de beleza? Saúde? Vestuário? Qual a frequência de uso? Como você se protege do sol? O que você usa/passa? Com que frequência? Como é a sua alimentação nesses dias? E no inverno? Quais produtos você utiliza? Como é a sua alimentação nesses dias? E em dias nublados? Você utiliza esses produtos? Mais algum produto que ainda não foi citado?Como é a sua alimentação nesses dias? Quando você viaja de férias para lugar de sol, quais produtos não podem faltar na mala? Existe algum produto que você leva para as férias, mas que não tem o costume de usar por aqui? Por quê? Resgatando um pouco na sua memória O que você lembra que não foi bom na sua experiência com o sol no passado? O que não é bom agora? E o futuro? Como você enxerga a sua relação com o sol? Tem mais alguma coisa que eu não perguntei e que você gostaria de falar?