dao

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O Retorno à Casa outono - inverno 2011 1

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Daoism or taoism refers to a philosophical and religious tradition that has influenced the people of East Asia for more than 2,500 yearsThe word Dao j is often translated as “path” or “way”, but the best translation I found is SENSE. Like the name suggests, the proposi- tion is to awake the sense, not only sensation, but also meaning.

TRANSCRIPT

O Retorno à Casa

outono - inverno 2011

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Por que viajar? O que se busca em uma viagem? Esta primeira edição contempla o tema da descoberta, do auto-conhecimento, da restauração.

Para falar de viagens nada mais justo do que retormar uma bem famosa: A Odisséia.E a partir daí pode-se pensar: o que Ulysses procurava ao deixar sua casa e se aventurar

pelo desconhecido? O que o impulsionou a tomar essa decisão, a se arriscar? Ele não conseguia explicar o que buscava, mas entendia que buscava por algo.

Isso é possível porque, como diz Joyce “o passado é consumido no presente, que leva con-sigo o futuro”. Vivemos, e nossas referências de dias melhores vivem no passado, revivemos esses momentos com a esperança de que um dia eles voltem.

Mas não podemos voltar atrás, não podemos caminhar na direção contrária. Quando as sereias cantam para Ulysses ele não quer ouvir, ele não quer esquecer. É com a memória que con-struímos o presente, não queremos esquecer porque não queremos regredir, queremos restaurar, tirar experiências de nosso sofrimento, lições por tudo o que já vivemos.

Ao se aventurar pelo desconhecido Ulysses busca o conhecimento, o esclarecimento, busca novas perguntas.

Viajamos porque o mundo nos chama, ele grita, clama por nossas almas.Na Odisséia Ulysses viaja por dez anos, enfrenta seres mitológicos e sua aventura se mistura

entre fantasia e realidade de tal ponto que nem Homero consegue mais distinguir o que é imagi-nação. Quando finalmente ele retorna já não é a memsa pessoa, isso fica evidente quando ele não é reconhecido (a primeira vista) nem pelas pessoas mais próximas.

A Odisséia se mistura entre a realidade e a fantasia porque o que acontece na imaginação tem mais de verdade do que o acontece fora dela; as viagens mais esclarecedoras nunca são as físicas.

Viajar é o paradoxo em que buscamos o conhecimento no desconhecido, o que faz sentido, uma vez que só se pode encher um vaso de água se ele estiver vazio.

Assim, te convido a viajar por estas páginas.

o retorno à casa

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PerspectivaCarl Jung e a

Sincronicidade

HorizontesDescubra a Indonésia

Me Conta. . .Desequilíbrio

ExistindoUm sábado

no planeta Terra

carl jung

sin-croni-cidade

UM PRINCÍPIO DECONEXÕES ACAUSAIS

PERSPECTIVA

‘It’s very good jam,’ said the Queen.‘Well, I don’t want any TO-DAY, at any rate.’‘You couldn’t have it if you DID want it,’ the Queen said. ‘The rule is, jam to-morrow and jam yesterday--but never jam to-day.’‘It MUST come sometimes to “jam to-day,”’ Alice objected.‘No, it can’t,’ said the Queen. ‘It’s jam every OTHER day: to-day isn’t any OTHER day, you know.’‘I don’t understand you,’ said Alice. ‘It’s dreadfully confusing!’‘That’s the effect of living backwards,’ the Queen said kindly: ‘it always makes one a little giddy at first--’‘Living backwards!’ Alice repeated in great astonishment. ‘I never heard of such a thing!’‘--but there’s one great advantage in it, that one’s memory works both ways.’‘I’m sure MINE only works one way,’ Alice remarked. ‘I can’t remember things before they happen.’‘It’s a poor sort of memory that only works backwards,’ the Queen remarked.

Carl Gustav Jung se deparou durante sua vida diversas vezes com even-

tos que eram inexplicáveis mediante a cau-salidade. Isso fez com que ele escrevesse um trabalho no qual discorre um conceito muito interessante. É um conceito muito abstrato que todavia hoje em dia requer algumas quebras de paradigmas.

“Espero que não considerem uma pre-sunção, de minha parte, exigir de meus leitores uma atitude de abertura e boa vontade”. Assim Jung começa o seu livro Sincronicidade: um princípio de conexões acausais.

Mas, o que seriam conexões sem causa? A fim de explicar isso temos de entender al-guns conceitos.

Desde um pouco antes do determinismo de Schopenhauer já se pensava em conexões de fenômenos como sendo exclusivamente causais: causa e efeito. Schopenhauer cria a teoria da harmonia preestabelecida, a fim de explicar (sob os olhos da causalidade) fenôme-nos de coincidências significativas, essa harmo-nia seria como uma ordem pré estabelecida, que impera sobre todas as coisas; desta série de conexões também fazia parte, como uma rara coincidência, o acaso.

Jung percebe que o “acaso” não era tão raro, e que ao longo da história (até cair por fim na explicação causalista) este já foi inter-pretado e re-interpretado inúmeras vezes. Ao se deparar com impressionantes coincidências, provindas de experiências pessoas e também de dados históricos, Jung questiona se não poderia existir outra conexão de eventos que não a causal.

“As coincidências significativas são pensáveis como puro acaso. Mas, quanto mais elas se multiplicam, maior e mais exata é a concordância, tanto mais diminui sua probabili-

dade e mais aumenta sua impensabilidade (…) não se pode mais considerá-las como meros acasos, mas, por não terem explicação causal, devem ser vistas como simples arranjos que têm sentido”.

Em contraste com a idéia de uma harmonia preestabelecida, a sincronicidade postula-se como um princípio necessário à nossa atividade cognitiva, princípio esse que se acrescentaria à tríade espaço, tempo e cau-salidade. “…a sincronicidade é um fenômeno que parece estar ligado primariamente a certas condições físicas, ou aos processos do incon-sciente. Fenômenos sincronísticos ocorrem, experimentalmente, com certa regularidade e freqüência nos procedimentos “mágicos” intu-itivos, onde são subjetivamente convincentes, mas extremamente difíceis de verificar objeti-vamente (pelo menos no momento atual)”.

Assim a sincronicidade não é uma teoria filosófica, senão um conceito empírico ne-cessário ao conhecimento, juntamente com a casualidade, o tempo e o espaço nos permite uma possível visão “mais abrangente” da realidade.

Pensar assim torna possível uma maneira de ver o mundo que inclui o fator psicóide em nossa descrição e no conhecimento da natureza. O que isso implica? Vamos pensar em conexões ligadas pelo sentido e não pela causa e efeito. Primeiro: as conexões cau-sais pressupõem a existência do tempo e do espaço. Alguma vez você já esteve andando na rua e reconheceu um objeto que resgatou o sonho da noite anterior? Fica evidente que aqui o espaço e o tempo não influenciaram na conexão; como um objeto no futuro poderia agir sobre um no passado?

Segundo: “se associarmos a sincronic-idade ou os arquétipos ao contingente, este

último assume o aspecto específico de uma modalidade que tem o significado funcional de um fator constitutivo do mundo (…) é um ex-emplo psíquico especial da probabilidade geral que é constituída de leis do acaso e estabelece regras tanto para a natureza quanto para a mecânica”.

O que isso quer dizer é que não so-mos exclusivamente passivos nas conexões de eventos, não ficamos a mercê delas para compreender a realidade, senão “criamos” estas conexões em um contínuo espaço-tempo irrepresentável que não demanda uma relação causal e que pode muitas vezes transgredir a psique; um conteúdo percebido pelo observa-dor pode ser representado, ao mesmo tempo, por um acontecimento exterior, sem nenhuma conexão causal (como o objeto que remete ao sonho).

Devemos considerar A criação como um ato de criação contínua que não é apenas uma série de sucessivos atos de criação, mas também a presença eterna de um só ato, “um modelo que se repete esporadicamente desde toda a eternidade, e não pode ser deduzido a partir de antecedentes conhecidos”.

Por mais que o contingente seja uma “matéria sem forma” ele se revela à intro-specção psíquica, e a percepção interior é capaz de percebê-lo como imagem, ou antes, como “um tipo que está na base não só das equivalência psíquicas mas notavelmente tam-bém das equivalência psicofísicas”.

Esta imagem, ou tipo é o que Jung dá o nome de Arquétipos, e é o que constitui o inconsciente. E por mais que “estar na base” remeta a uma condição causalista, não se refere

“As coincidências significativas são pensáveis como puro acaso. Mas, quanto mais elas se multiplicam, maior e mais exata é a concordância, tanto mais diminui sua probabilidade e mais aumenta sua impensa-bilidade (…) não se pode mais considerá-las como meros acasos, mas, por não terem explicação causal, devem ser vistas como simples arranjos que têm sentido”.

a nada de causal, mas a uma “qualidade exis-tente que expressa simplesmente aquilo que ela é, e não outra coisa”.

Fica evidente a relação entre a mente humana (psique) e o Divino. Jung foi uma forte influência para escritores enraizados espiritu-almente como Herman Hesse e James Joyce. Nos seus estudos epistemológicos, onde confronta a crença e a “verdade” a fim de validar o conhecimento, Jung se encanta com a Alquimia, tanto com a grande fonte de símbo-los que utiliza para análise do inconsciente e do inconsciente coletivo quanto com a filosofia da transmutação da matéria, o que, até a Idade Moderna era motivo de escárnio e hoje é uma verdade. Não é a toa que Jung caracteriza a psique humana como sendo “naturalmente religiosa”.

Mais do que tudo, Jung sugere, na cria-ção desse conceito, evidenciar um problema universal que diz respeito à nossa percepção de mundo e a relação entre eventos, colo-cando a psique como um fator de influência nessa relação, nos conectando ao mundo com o qual coexistimos. A partir disso se concluí: “ou que a psique não pode ser localizada espacialmente, ou que o espaço é psiquica-mente relativo. O mesmo vale para a determi-nação temporal da psique ou a relatividade do tempo”.

Antes de terminar o texto coloco uma questão: se entendermos o sentido das con-exões acasuais podemos perceber o tempo e o espaço, e consequentemente a realidade, sob outras perspectivas? Deixo a passagem de Through the Looking-Glass de Lewis Carroll a fim de elucidar essa proposição.

PERSPECTIVA

“…a sincronicidade é um fenômeno que parece estar ligado primariamente a certas condições físicas, ou aos processos do inconsciente. Fenômenos sincronísticos ocorrem, experimentalmente, com certa regu-laridade e freqüência nos procedimentos “mágicos” intuitivos, onde são subjetivamente convincentes, mas extremamente difíceis de verificar objetivamente (pelo menos no momento atual)”.

Trechos retirados do livro Sincronicidade: um princípio de conexões acausais.

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do mundo com mais biodiversidade.Desde os primeiros séculos da era cristã,

governantes locais gradativamente absorviam, modelos culturais, políticos e religiosos es-trangeiros, e reinos hindus e budistas floresce-ram. A História da Indonésia tem sido influen-ciada por poderes estrangeiros atraídos por seus recursos naturais. Comerciantes muçulma-nos trouxeram o Islão. As potências europeias trouxeram o cristianismo, e, além disso, lu-taram entre si para monopolizar o comércio de especiarias nas ilhas Maluku durante a Era dos Descobrimentos. Depois de três séculos e meio de colonialismo holandês, a Indonésia garantiu sua independência após a Segunda Guerra Mundial.

A História da Indonésia desde então tem sido um período turbulento, com os desafios colocados pelas catástrofes naturais, a corrup-ção, o separatismo, um processo de democ-ratização, e os períodos de rápida mudança econômica. A nação atual da Indonésia é uma república presidencial unitarista composta por trinta e três províncias.

Com mais de 230 milhões de habitantes, é o quarto país mais populoso do mundo e o primeiro entre os países islâmicos. Através de suas numerosas ilhas, o povo indonésio está distribuído por distintos grupos étnicos, lin-guísticos e religiosos. O lema nacional Bhinneka Tunggal Ika (“Unidade na diversidade”) articula a diversidade que há na nação.indonesia

A Indonésia, oficialmente República da Indonésia (em indonésio: Re-

publik Indonesia), é um país localizado entre o Sudeste Asiático e a Austrália, é composto pelo maior arquipélago do mundo, as Ilhas de Sonda, e ainda a metade ocidental da Nova Guiné. Compreendendo assim cerca de 17 508 ilhas. Por ser um arquipélago, tem fronteiras terrestres com a Malásia, Timor-Leste e Papua-Nova Guiné; e marítimas com as Filipinas, Malásia, Singapura, Palau, Austrália e com o estado indiano de Andaman e Nicobar. Local-izada entre dois continentes, a Ásia e a Ocea-nia, a Indonésia é uma nação transcontinental. É uma república com poder legislativo, sendo o presidente eleitos por sufrágio universal. Sua capital é a cidade de Jakarta. A economia in-donésia é a décima oitava maior economia do mundo, e a 15.º maior em paridade de poder aquisitivo; o Brasil ocupa a oitava e a sétima posição respectivamente.

O arquipélago indonésio tem sido uma região de grande importância para o comér-cio desde os séculos VI e VII, quando Srivijaya (antigo reino malaio) começou a comerciar com a China e com a Índia. Depois de comerciantes assumirem o Islão, e durante a Era dos Desco-brimentos (Grandes Navegações), as potências europeias começaram a disputar o monopólio do comércio das especiarias nas ilhas Molucas. Apesar de sua grande população e regiões densamente povoadas, a Indonésia tem vastas áreas desabitadas que o tornam um dos países

sumatra

kalimantan

java

bali e lombok flores komodo e rinca

sulawesimaluku

irian jaya

HORIZONTES

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1008

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01 PARQUE NACIONAL BROMO Tengger Semeru, Java Leste.

Fotografado por Jessy Eykendorp

03 JAKARTA, Capital.

Fotografado por John Huslim.

05 DANÇARINOS DE JAVA Java Central.

Fotografado por Kris Priatmoko.

07 PLATÔ DIENG, Java Central.

Fotografado por Rusdi Sanad.

09 TEMPLO DE BORUBUDUR, Java Central.

Fotografado por Ferry Tan.

11 MONTE RINJANI, Lombok.

Fotografado por Y. Pin Chuah

02 TEMPLO DE BORUBUDUR Java Central.

Fotografado por Charuhas Deshpande.

04 LAGO GUNUNG,Java Oeste.

Fotografado por Hardi Budi.

06 MALANG, JAVA LESTE Lolyta and The Disgusting Trouble.

Fotografado por Noorman Sasongko.

08 TEMPLO DE TANAH LOT, Bali.

Fotografado por L. Niteberg.

10 WAKATOBI,Sul de Sulawesi.

Fotografado por Sascha Romatzki.

12 SANUR, BALI,Dançarina balinesa.

Fotografado por Frank Bulen.

LEGENDA

ME CONTA. . .

desequilí-brio

É difícil negar sua beleza estética, um triângulo equilátero é tão equilib-

rado que assemelha-se à perfeição. Um pode pensar no círculo, mas esta figura é única e indivisível, diferentemente da alma, aqui a bem-aventurança e a desventura, o desejo e a frustração, o delírio e a sanidade se misturam criando inúmeras possibilidades. Assim não se trata de uma coisa única, senão de uma harmoniosa composição que pode tanto ser uma melodia quanto um ruído. A beleza do triângulo equilátero rege em seu equilíbrio, ao dividi-lo em partes, a começar pelo ângulo (onde se juntam), ainda serão triângulos, porém de beleza incontestavelmente menor. Na alma a diferença é que o equilíbrio oscila, os pesos mudam de tamanho e de lugar sem, neces-sariamente, perderem sua formosura. A beleza e a perfeição aqui estão nos olhos de quem vê, e para tanto é preciso ter olhos não viciados, é preciso reparar o infinito no outro, entendê-lo não por meio de palavras, senão experienciá-lo, a fundo, ao seu completo extremo.

Começo apresentando a moça, seu nome é Ana. Ela tem quantos anos quer, se hoje tem 20 amanhã tem 25. O tempo é seu amigo, fez as pazes com ele ainda menina, logo depois de perder o pai. Sua mãe nunca entendeu como uma criança tão nova podia lidar tão bem com tudo aquilo, achava que a menina enclausurará seus fantasmas e que estes um dia se cristalizariam em demônios. Nada disso, ela materializara o pai dentro de si e sentia, todavia sem o saber, que o tempo era uma desilusão. Sua casa era seu coração, assim a levava a todos os lugares. Ana, que animal

você gostaria de ser? uma tartaruga Profes-sora! os outros alunos riam, ela nunca entendeu o porquê. Era altamente apaixonante, sabia disso, elas sempre sabem…

Seus lábios eram rosados como o véu de seu amor, carnudos seduziriam o mais crente dos crentes. Seus olhos eram grandes de um preto-azulado místico, fitavam com admira-ção tudo que ela olhava, tinham uma maneira extraordinária de enxergar o mundo. O cabelo era mutuante, ela mesmo alegava não saber a cor original. Andava devagar, fazendo par a sua respiração, nunca com a cabeça para baixo. Era extremamente sensível (um dia comoveu-se tanto com um gatinho na rua que o levou para casa, deu-lhe banho e de comer. Cuidou do coitado até ele morrer). Era imprevisível, e, jus-tamente por isso, intrigante, o que despertavao delírio de muitos homens e mulheres.

Tinha se apaixonado e amado várias vezes. Gostava de viver o calor do momento mas sua cabeça sempre estava à frente, rara-mente ali, talvez por isso nunca se entregará a ninguém. Consumia o amor como se fosse uma droga, o sugava até o fim e se desfazia dele com tanta facilidade que às vezes assustava a si mesma. Sabia que o finito está no infinito, que cada pedaço, cada instante de tempo o con-tinha, e assim contemplava todas suas relações passadas: com carinho e admiração, enxer-gando sua plenitude. Mesmo assim queria o amor eterno, divino, não humano, o calor dos corações apaixonados, a euforia do primeiro beijo, o toque medroso das mãos trêmulas, isso era o que buscava. Experimentará esse amor inúmeras vezes, e justamente por conhecê-lo

dele sentia falta.Em seu apartamento atual morava com

o seu cachorro que chamava Gato. Maldita crença popular de que existem pessoas que gostam de gato e pessoas que gostam de ca-chorro. Como ela detestava crenças populares. “Tudo que eu repetir três vezes é verdade”… a ignorância é gratuita. O apartamento tinha dois cômodos, a cozinha era separada da sala por um bar, e isso era o que ela mais gostava. Quando chamava os amigos para jantar coz-inhava enquanto todos ficavam na sala, conver-sando, bebendo, fumando, era um ambiente gostoso. O seu quarto era à esquerda da cozinha, a porta era alta, adornada com figuras orgânicas talhadas na madeira verde-avermel-hada. Ela achará a porta em uma loja de móveis antigos e se apaixonara, fez o cara da loja subir três andares com a bendita porta nas costas e a ajudar a instalar. Ele não resistiu ao seu “por favor”. No quarto tinha um banheiro e o apar-tamento ainda tinha uma pequena varanda que dava para a rua. Um ótimo lugar para respirar.

Foi dessa varanda que um dia ela o viu pela primeira vez. Ele tinha seus 1,80, cabe-los castanho mel, uma testa pequena e olhos afundados. Sua pele era morena. Fumava um cigarro encostado em uma árvore, devia estar esperando alguém. Naquele momento ela o possuiu: sentiu a respiração forte dele na sua nuca, o toque das suas mãos na sua coxa, a troca de olhar lascivo, a boca entreaberta cla-mando pelo beijo. A libido no ar era tanta que ele olhou para cima. Pronto. Ele sorriu, ela virou e entrou em casa.

A cena se repetiu um par de vezes, agora ela já sabia quem ele esperava na árvore. Uma tarde de quarta-feira voltava do mercado com algumas sacolas na mão. Deixou uma delas cair, é claro que ele foi um cavalheiro. “Oi, acho que ainda não nos apresentamos, o meu nome é Bruno”. Sua voz era alta e grave, falava pausadamente, parecia fazer isso de propósito, talvez não gostasse de repetir a fala; quem gosta? “Ana”, “Ana do quê?”, “e precisa ser de alguma coisa?”, “não sei, normalmente é”, “como você sabe?”, “das Anas que conheço todas tem outro nome”, “e você conhece todas as Anas do mundo?”, “claro que não”, “então não acho que sua amostra seja válida”. Como gostara mais dele quando estava de boca

fechada, mesmo assim era sensual, os olhos a contemplavam, a queriam, a desejavam sem a conhecer.

Quem não gosta de sentir-se desejado? Sabia que jamais seria capaz de amar Bruno, essas coisas se percebem muito rápido, mas ele tinha aquele olhar, então marcaram de sair dali a dois dias, ele disse que morava ali por perto e que passaria na casa dela por volta das oito. Conhecia um restaurante muito bom, era do filho de um amigo seu. Um jovem mulato que ganhará 60 mil reais apostando. O restaurante ia bem e o menino estava realizado, acabará de voltar de uma viagem à Argentina e com ele trouxera seu novo Chef, seu nome era Ignacio, nascerá e crescerá no noroeste argentino, aos nove anos já sabia como matar e cortar uma vaca. O desfecho de um jogador afortunado raramente é feliz, por aqui não foi muito dife-rente.

Na quinta-feira ele não apareceu na árvore, e de noite ela saiu para caminhar na beira da praia. Ela, sem se dar conta, sempre passeava pela orla nas noites de lua cheia, caminhava descalça e sempre que uma onda chegava até seus pés abria os dedos. A noite estava quente e silenciosa, o barulho das ondas quebrando acalmava a alma de Ana, enquanto a brisa, assoprando seus ombros e sua nuca, a acompanhava até o píer. De longe avistou uma silhueta, chegou mais perto. Era um senhor. Seu rosto marcado pela idade ainda escondia o brilho de sua juventude, encarava atentamente o mar como se estivessem em uma longa conversa. Estava tão concentrado que não a escutou chegar, quando finalmente ouviu seus passos ela estava ao seu lado, virou assustado, seu olhar estava um pouco desnorteado. Ela sorriu, ele retribuiu. “Noite moça”, “Ana”, “e o que a Ana faz aqui, a essa hora?”, “sai de casa procurando alguma coisa, o senhor sabe, que nem sempre”, “pois” disse o homem, “todo dia eu saio de casa e venho ver o mar, já nos conhecemos faz tempo. Hoje ele me falou sobre a lua, me mostrou o seu brilho prateado, refletiu ele pra mim, amanhã a lua vai começar a ir embora, e antes de partir vai se despedir com um sorriso”, ao dizer isso olhou para frente e suspirou, afundado em lembranças. “Você se importa se eu ficar aqui um pouquinho?”, ele sorriu, seu riso era leve. Ela sentou e pensou ter

escutado algum segredo no mexer do mar.Naquela madrugada sonhou que era

um mergulhador, mergulhava no fundo do mar abrindo ostras e procurando pequenas pérolas. Um tubo gigante saia de sua boca e subia o mais alto possível, até onde ela não mais enxer-gava. As pérolas que encontrava emanavam um brilho interno, ela se contentava em olhá-las, sabia que, se as tirasse dali, perderiam sua luz.

Acordou com um gosto salgado na boca, lembrou do sonho. Como de costume foi fazer café, gostava de ficar só de calcinha. Seu vizinho da frente já a tinha visto seminua muitas vezes, era um velho tarado, devia ter uns 60 anos, ela achava tudo aquilo divertido, pen-sava que se um dia matasse o velho de infarto não seria de todo o mal para a sua estima. Foi tomar banho e não escutou a campainha tocar, era sua mãe, felizmente (não para Ana) esta tinha feito uma cópia da chave. Quando saiu do banho deu de cara com a mãe que a espe-rava na sala. A relação das duas era muito boa, se aceitavam, se entendiam e se amavam. Eram juntas antes do acidente, depois que o pai morreu viraram melhores amigas. Por mais que Ana sentisse seu pai dentro dela morria de sau-dades dele todo dia. Sabia que um dia iriam se reencontrar, e essa estranha certeza era o que a consolava. Cada um lida com a vida à sua ma-neira, as relações individuais para dentro e para fora são sempre únicas, inéditas e especiais, ela estava a caminho de entender isso.

“Ana, que cabelo é esse meu Deus, você não toma jeito né? enfim, conheci um rapaz que quero te apresentar, o nome dele é Leonardo, é filho da Maria, sabe? acabou de se mudar para a cidade, bom, falei que tinha uma filha e ele ficou morrendo de curiosidade pra te conhecer, o que você me diz?”, “Ixi mãe, tenho um encontro hoje”, “e que tal sábado, ou domingo? podemos sair todos pra almoçar, acho que você vai gostar dele, é um rapaz bem tranqüilo, acho que é escritor, ou escreve, alguma coisa assim, ele me falou mas eu estava tão distraída na hora…”, “pode ser mãe, vamos almoçar domingo, que tal?”, “perfeito”, disse juntando as mãos na altura do peito; antes de continuar tomou um ar mais sério, “vou passar aqui por volta do meio dia então, por favor Ana, nenhuma surpresa, já basta a última vez…”, “vejo que você aprendeu a lição não?!” e as sobrancelhas completaram a ironia.

Como prometido, às oito o interfone tocou, ela atendeu e disse que já descia, não era dessas meninas que demoram para ficar pronta, se olhou no espelho, encarou aqueles grandes olhos negros, sorriu e desceu. Nunca comia muito nesses jantares, sempre pensou ser necessária uma certa intimidade para sentar junto à mesa, olhar o outro comer. Era uma me-nina reservada. Conversa vai e conversa vem, nada de muito interessante, a melhor parte do jantar foi quando os dois ficaram quietos, se encarando, se desejando, preparando o terreno para a noite que estava por vir. E a noite veio, tão gostosa quanto ela esperou. Acordaram juntos, transaram e ele foi embora, combinaram de se ver dali a alguns dias; ele que ligaria.

O sábado foi como tinha de ser, gostoso e tranqüilo. Foi caminhando até o sebo, pro-curava um livro antigo que não achava em lugar nenhum, era a única tradução de um escritor inglês, datava de 1987, estava quase pedindo o livro pela internet, mas resolveu dar uma última chance. Quando entrou na loja notou um rapaz que nunca tinha visto. Ele não era muito alto, tinha olhos castanho claros que faziam par com o cabelo encaracolado. Era magro, tinha um nariz bonito, pontudo e uma barba mal feita. Não usava óculos, o que era de se causar estranheza, posto que um par de óculos com-binaria perfeitamente com aquela aparência. O rapaz fitava atentamente um livro de capa vermelha-alaranjada. Na capa, um desenho que lembrava o teste de Rorschach assemelhava-se à um útero. Ana reconheceu o livro, era o que ela procurava. Chegou perto do rapaz, contou sua história e escutou de volta “é um ótimo livro, você pode ficar com ele se prometer me contar o que achou quando terminar”, perfeito, tinham um acordo. O rapaz falava com uma voz suave e calma, tipicamente tímida. Ela pergun-tou como eles se encontrariam de novo, ele disse que isso cabia ao destino, uma vez que fora este que os apresentará.

Qual não foi a surpresa domingo na hora do almoço, “Leonardo, Ana, Ana, Leonardo”, “desculpe dona Maria, mas meu nome é Leo”, “achei que fosse apelido para Leonardo”, “acontece”, disse coçando a cabeça e ficando um pouco rosa nas maças. Ela sentiu um frio na barriga.

O almoço foi gostoso, e os dois conver-saram sobre inúmeros interesses em comum,

ME CONTA. . . 16

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o assunto não seguiu o ritmo da comida, e quando esta acabou aquele tinha apenas começado. Quando estavam indo embora Leo as acompanhou até a porta, e ao se despedir deu um beijo na bochecha de Ana. Seus lábios sorriram involuntariamente, involuntário tam-bém foi o movimento de sua mão, que tocou o rosto beijado.

Por um mês saiu com Leo sem deixar de se encontrar com Bruno. O primeiro nunca tentou nada, gostava da companhia dela e a respeitava anacronicamente, mesmo as-sim ela nunca deixou de se sentir desejada. Tinham uma conexão muito forte que ela não conseguia explicar, mas conseguia muito bem entender. Em sua cabeça escrevia cenas mira-bolantes onde os dois se amavam perdida e eternamente. O problema de uma imaginação muito fértil é a decepção quando esta é con-frontada com a dura realidade. Não conseguia tirá-lo da cabeça e gostava disso, facilmente consumia suas paixões e estas desvaneciam. Talvez, se ela conservasse o desejo, a vontade, o delírio, poderia manter aquela sensação, aquela loucura. Não custava tentar, e para curar as vontades da carne tinha Bruno, que, nesse quesito, era um santo curandeiro.

Continuou a idealizar Leo e realizar Bruno. Um dia chegou a chamar Bruno de Leo, inventou uma desculpa esfarrapada de que Leão era o seu signo ascendente, ele acreditou, acreditaria em tudo que ela dissesse. Pouco sabia da vida amorosa de Leo, este, assim como ela, era extremamente reservado. Um dia o encontrou com uma linda menina de cabelos claros e uma presença meiga num café perto do píer. “Ana, esta é Carolina” o nome veio de-sprovido de títulos, o que deu asas à imagina-ção de Ana, que, detrás de um sorriso forçado, se contorcia de ciúmes.

O que ela iria fazer? Sabia que seu rela-cionamento com Leo não duraria para sempre, ela era como um monstro, consumiria o amor até a última gota e depois disso o jogaria de lado sem dó nem piedade, se apossaria desse amor, o encontraria em seu sofrimento e o levaria consigo para o resto da vida, como um fardo, um fardo que ela merecia carregar. Mas assim como as coisas estavam ela poderia viver com esse amor não realizado, e o amor não realizado é o mais romântico. E Bruno, ele não era de todo o mal, era engraçado uma vez ou

outra, uma companhia agradável e era muito bom de cama. O problema era que se enten-dia com Leo em outra esfera, e ansiava para ver como seus corpos conversariam. Até agora tinha conseguido transferir seus desejos carnais para Bruno, mas isso duraria até quando? e se Leo cansasse dessa brincadeira? e se ele desco-brisse? ela estava tremendamente apaixonada e sentia que era recíproco, mas tinha medo, tinha medo de que, como sempre, a paixão, o amor e o romance fossem efêmeros.

Numa sexta-feira de ar meloso saiu com Leo, tinha acabado de ler o livro, estavam con-versando sobre uma das questões principais. Falavam sobre a alma, o fundamento divino, falavam sobre individualidade, como tudo está conectado, sobre o infinito do ser, como de-vemos nos abstrair de nossa identidade, olhar para o mundo e entender o significado de cada pequena coisa em sua plenitude, no sentido da vida universal do Espírito. Falaram sobre o di-vino, como ele está dentro de cada um de nós, como, a fim de alcançá-lo, devemos esquecer do eu, passar as barreiras do ego e entrar em contato com nosso mais profundo ser, que está ligado ao cosmo, ao tudo.

Falavam disso e sabiam do difícil camin-ho para alcançar tal fim. “Você se conhece?” ele perguntou, “cada dia um pouco mais” “acho que temos todos os deuses e demônios aqui dentro, não existe um caminho traçado para ninguém, somos únicos, e por sermos únicos somos todos diferentes” “não existe”, ela disse com animação “uma fórmula porque ela não pode ser escrita, se deixarmos de olhar o mundo por meio das experiências e começar-mos a olhar através das palavras nunca con-seguiremos entendê-lo, nunca conseguiremos coexistir…’ “, quando ela terminou de falar a mão dos dois estava entrelaçada, nenhum deles percebera como tal coisa acontecerá, ela continuou “eu tenho uma conexão com você que não consigo explicar…”, “eu sei entender, não digo que não tenho medo, ou que tenho certezas, mas sei que o amor é uma força muito poderosa, divina”. Parou, deu um longo suspiro, seu olhar tinha um quê de apreensão misturado a ternura, enquanto olhava fundo dentro daqueles olhos escuros o canto de sua boca lampejou um sorriso de coragem, “não acredito em amor instantâneo mas acho que sou capaz de…” ela não agüentou, o beijou no

meio da frase. Os lábios dela escorregaram pelos dele, se tocando com delicadeza e medo. Deva-gar teceram um ritmo gostoso que mudava de acordo às suas pulsações. Suas mãos tremiam, algo de gelado subia pela barriga e os preenchia, todos os movimentos de seus corpos eram involun-tários, inconscientes, estavam ali, mas sem ciência de seu juízo.

Sentiram uma imensa paz, de repente se livraram daquela presente frustração ansiosa e ob-sessiva ligada ao futuro, ali estavam duas almas desequilibradas procurando se contra-balancear, dois corações criados para o amor finalmente juntos. Ana ainda não sabia, mas Leo compartilhava de muitas de suas concepções, assim ambos, de alguma forma, já haviam experienciado o in-finito, porém sempre sozinhos. Juntos pareciam ter mais coragem, mais vontade, mais segurança. Falou para ele de Bruno, se sentia culpada. Ele não ligou, não queria saber do passado, deveriam se livrar daquele sentimento de culpa a ele ligado. Ela sorriu, olhou para seus olhos castanhos e enxergou dentro dele, viveu o seu ser, estava ali: inteira e entregue. A lacuna de tempo ficou ainda mais estreita: ela reconheceu o cheiro de uma casa nova, escutou as juras de amor eterno, sen-tiu um chute na barriga, reviveu o sorriso de seu pai, a infância balançando na rede, correndo no jardim, todo o tempo que esperará na janela.

Ainda não se amavam, e justamente por isso sabiam capazes de se amar para sempre.

ME CONTA. . .18

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um sábado no planeta terra

Você existe com o mundo que te cerca. Às vezes nossa coexistência com mais 7 bilhões de seres humanos e outros bilhões de seres vivos acaba passando batida.

As fotos a seguir foram tiradas ao redor do mundo no sábado dia 11 de junho de 2011. Neste dia você parou para pensar que tudo isso estava acontecendo, que tudo isso existe e que você também faz parte? Quando temos ciência de tudo o que acontece junto conosco consegui-mos vislumbrar, nem que seja por um lampejo de segundo, o infinito em que vivemos.

O mundo é seu e de todos que o habitam, este sábado foi um dia especial, como são todos os outros dias.

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EXISTINDO

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01 DIBOUTI, ÁFRICA, Pastores de cabra.

Fotografado por Leslie Pratt.

02 YUCATAN MÉXICO, Mergulho em Caverna.

Fotografado por Christian Viz.

03 MOÇAMBIQUE Minerador de Ouro.

Fotografado por Robin Hammond.

04 FRONTEIRA ENTRE CHINA E PAQUISTÃO, Lago Karakol.

Fotografado por Wagenstein.

05 HAVANA, CUBA, Ruas da Cidade.

Fotografado por R. Shortt

06 BAGAN, MYANMAR (BURMA) Sol Nascente.

Fotografado por Cyntia Dial.

07 LAGO INLE, MYANMAR, (BURMA)Menino Pescador.

Fotografado por Walter Godoy.

08 HAMELN, ALEMANHÃ Outono.

Fotografado por J. Manshack.

09 SRI LANKA, Névoa da Manhã.

Fotografado por L. Satterthwaite.

10 GUILIN, CHINA Rio Lijiang.

Fotografado por P. Adams.

LEGENDA

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