dados de copyright · história do pensamento econômico uma perspectiva crítica 3ª ediÇÃo e.k....

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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  • Histria Do Pensamento Econmico

    Uma Perspectiva Crtica

    3 EDIO

    E.K. Hunt

    Mark Lautzenheiser

    TRADUO E REVISO TCNICA

    Andr Arruda Villela

  • Sumrio

    Capa

    Folha de rosto

    Caderno zero

    Copyright

    Introduo Terceira Edio

    PrefcioCritrios De Seleo

    Traos Distintivos Deste Livro

    Nota 3 Edio

    Agradecimentos

    Agradecimentos

    Captulo 1. IntroduoUma Definio De Capitalismo

    A Economia Europeia Pr-Capitalista

    O Crescimento Do Comrcio De Longa Distncia

    O Sistema Domstico De Trabalho E O Nascimento Da Indstria Capitalista

    O Declnio Do Sistema Senhorial

    O Surgimento Da Classe Trabalhadora

    Outras Foras Na Transio Para O Capitalismo

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  • O Mercantilismo

    Notas Do Captulo 1

    Captulo 2. Ideias Econmicas Anteriores a Adam SmithPrimeiros Escritos Mercantilistas Sobre Valor E Lucro

    Escritos Mercantilistas Posteriores E A Filosofia Do Individualismo

    O Protestantismo E A tica Individualista

    As Polticas Econmicas Do Individualismo

    Os Primrdios Da Teoria Clssica De Preos E Lucros

    Os Fisiocratas Como Reformadores Sociais

    As Ideias Econmicas De Quesnay

    Concluso

    Notas Do Captulo 2

    Captulo 3. Adam SmithO Contexto Histrico Das Ideias De Smith

    As Teorias De Histria E Sociologia, De Smith

    A Teoria Do Valor, De Smith

    A Teoria Do Bem-Estar Econmico, De Smith

    Conflito De Classes E Harmonia Social

    Notas Do Captulo 3

    Captulo 4. Thomas Robert MalthusConflitos De Classes No Tempo De Malthus

    A Teoria Da Populao

    Economia De Troca E Conflito De Classes

    A Teoria Da Superproduo

    Notas Do Captulo 4

    Captulo 5. David RicardoA Teoria Da Renda Da Terra E Primeira Abordagem Dos Lucros

  • Base Econmica Do Conflito Entre Capitalistas E Proprietrios De Terras

    A Teoria Do Valor-Trabalho

    Determinao De Preos Com Diferentes Composies De Capital

    Um Exemplo Numrico De Determinao De Preos

    Distribuio De Renda E A Teoria Do Valor-Trabalho

    A Impossibilidade Da Superproduo

    A Maquinaria Como Causa De Desemprego Involuntrio

    A Teoria Das Vantagens Comparativas E Comrcio Internacional

    Harmonia Social E Conflito De Classes

    Notas Do Captulo 5

    Captulo 6. O Subjetivismo Racionalista: A Economia de Bentham, Say e SeniorOrigens Sociais Das Premissas Da Teoria Da Utilidade

    Jeremy Bentham E A Utilidade

    Bentham Como Reformador Social

    Jean-Baptiste Say E A Utilidade, A Produo E A Distribuio De Renda

    A Lei Dos Mercados, De Say

    A Orientao Social De Nassau Senior

    A Metodologia Terica De Senior

    As Quatro Proposies De Senior

    Maximizao Da Utilidade, Preos E Superproduo, Segundo Senior

    As Ideias De Senior Sobre Populao E Bem-Estar Dos Trabalhadores

    Acumulao De Capital E Abstinncia, Segundo Senior

    A Renda E A Distribuio Da Renda Entre As Classes, Segundo Senior

    Harmonia Social Versus Economia Poltica Dos Pobres

    Notas Do Captulo 6

    Captulo 7. A Economia Poltica dos Pobres: As Ideias de William Thompsone Thomas Hodgskin

    A Resistncia Dos Trabalhadores Industrializao

    O Utilitarismo E A Teoria Do Valor-Trabalho, De Thompson

    A Argumentao De Thompson Em Defesa De Um Socialismo Igualitrio De Mercado

  • A Crtica De Thompson Ao Socialismo De Mercado

    Uma Crtica Ao Utilitarismo, De Thompson

    Thomas Hodgskin E A Origem Do Lucro

    A Teoria Do Valor, De Hodgskin

    O Conceito De Capital, De Hodgskin

    O Utilitarismo, Segundo Hodgskin

    Notas Do Captulo 7

    Captulo 8. Utilitarismo Puro Versus Utilitarismo Ecltico: Os Escritos de Bastiat eMill

    A Disseminao Das Ideias Socialistas

    Fundamentos E Escopo Da Economia Utilitarista, De Bastiat

    Utilidade E Troca

    Bastiat E A Defesa Da Propriedade Privada, Capital, Lucros E Renda Da Terra

    Bastiat E A Troca, A Harmonia Social E O Papel Do Governo

    O Utilitarismo, De Mill

    A Teoria Do Valor, De Mill

    Mill E Os Salrios

    A Tendncia Decrescente Da Taxa De Lucro

    O Socialismo, Segundo Mill

    O Reformismo Intervencionista, De Mill

    Uma Crtica Ao Reformismo De Mill

    Notas Do Captulo 8

    Captulo 9. Karl MarxA Crtica De Marx Economia Clssica

    Mercadorias, Valor, Valor De Uso E Valor De Troca

    Trabalho til E Trabalho Abstrato

    A Natureza Social Da Produo De Mercadorias

    Circulao Simples De Mercadorias E Circulao Capitalista

    Mais-Valia, Troca E A Esfera Da Circulao

    Circulao Do Capital E A Importncia Da Produo

  • Trabalho, Fora De Trabalho E A Definio De Capitalismo

    O Valor Da Fora De Trabalho

    Trabalho Necessrio, Trabalho Excedente E Criao E Realizao De Mais-Valia

    Capital Constante, Capital Varivel E A Taxa De Mais-Valia

    Durao Da Jornada De Trabalho

    A Teoria Do Valor-Trabalho E O Problema Da Transformao

    Propriedade Privada, Capital E Capitalismo

    Acumulao Primitiva

    Acumulao De Capital

    Concentrao Econmica

    Tendncia Decrescente Da Taxa De Lucro

    Desequilbrios Setoriais E Crises Econmicas

    Alienao E Misria Crescente Do Proletariado

    Notas Do Captulo 9

    Captulo 10. O Triunfo do Utilitarismo: A Economia de Jevons, Menger e WalrasA Teoria Da Utilidade Marginal E Da Troca, De Jevons

    A Teoria Da Utilidade Marginal, Dos Preos E Da Distribuio Da Renda, De Menger

    Os Argumentos De Menger Sobre Metodologia

    A Teoria Do Equilbrio Econmico Geral, De Walras

    Estabilidade Do Equilbrio Geral

    A Defesa Ideolgica Do Capitalismo, Segundo Walras

    A Perspectiva Intelectual Do Marginalismo Neoclssico

    Apndice

    Notas Do Captulo 10

    Captulo 11. Teorias Neoclssicas da Firma e da Distribuio de Renda: AsObras de Marshall, Clark e Bhm-Bawerk

    A Contribuio De Marshall Teoria Da Utilidade E Teoria Da Demanda

    Simetria Entre As Teorias Neoclssicas Da Famlia E Da Firma

    A Teoria Da Firma, De Marshall

    As Curvas De Produo E De Custo Da Firma, No Curto Prazo

  • O Equilbrio No Curto Prazo

    O Longo Prazo E O Problema Da Concorrncia

    Marshall E A Defesa Ideolgica Do Capitalismo

    Clark E A Teoria Da Distribuio, Segundo A Produtividade Marginal

    A Economia Como Troca E O Papel Do Empresrio

    Clark E A Defesa Da Propriedade Privada

    A Concepo De Capital, Segundo Clark

    A Medida Do Capital, Segundo Bhm-Bawerk

    As Relaes De Classe Capitalistas, Segundo A Teoria Neoclssica Da Distribuio

    Notas Do Captulo 11

    Captulo 12. Thorstein VeblenA Filosofia Social Evolucionista Geral, De Veblen

    A Crtica De Veblen Economia Neoclssica

    A Dicotomia Antagnica Do Capitalismo

    Propriedade Privada, Sociedade De Classe E A Subjugao Da Mulher

    A Estrutura De Classes Do Capitalismo E O Domnio Da Indstria Pelos Negcios

    O Governo E A Luta De Classes

    O Imperialismo Capitalista

    Os Costumes Sociais Da Cultura Pecuniria

    Avaliao Das Ideias De Veblen

    Notas Do Captulo 12

    Captulo 13. Teorias do Imperialismo: Os Escritos de Hobson, Luxemburg e LninA Teoria Do Imperialismo Capitalista, De Hobson

    A Teoria Do Imperialismo Capitalista, De Luxemburg

    A Teoria Do Imperialismo Capitalista, De Lnin

    Comparao Das Teorias De Hobson, Luxemburg E Lnin

    Notas Do Captulo 13

    Captulo 14. Consumao, Consagrao e Destruio da Mo Invisvel: aEconomia Neoclssica do Bem-estar

  • Maximizao Da Utilidade E Maximizao Do Lucro

    A Viso Beatfica E A Felicidade Eterna

    Teoria Microeconmica, Economia Neoclssica E Economia Do Bem-Estar

    Bases Hedonistas Da Economia Do Bem-Estar

    Natureza Essencial Da Norma Do timo, De Pareto

    Valores Sociais Subjacentes Economia Do Bem-Estar

    Premissas Analticas E Empricas Da Economia Do Bem-Estar

    A Economia Neoclssica Do Bem-Estar Como Guia Para A Formulao De Polticas

    Economia Do Bem-Estar E Externalidades

    A Crtica Normativa Da Anlise De Pareto

    Notas Do Captulo 14

    Captulo 15. A Ideologia Neoclssica e o Mito do Mercado Autorregulador: OsEscritos de John Maynard Keynes

    O Contexto Terico Da Anlise De Keynes

    Keynes E A Defesa Da Teoria Da Distribuio, Segundo A Produtividade Marginal

    Keynes E A Anlise Das Depresses Capitalistas

    Eficcia Das Polticas Keynesianas

    A Economia Militar

    A Economia Da Dvida

    Fundamentos Ideolgicos Das Ideias De Keynes

    Apndice

    Notas Do Captulo 15

    Captulo 16. A Negao do Mito da Produtividade Mensurvel do Capital: OsEscritos de Sraffa

    Estado Atual Da Teoria Neoclssica Da Distribuio

    Sraffa E A Crtica Economia Neoclssica

    Apndice

    Notas Do Captulo 16

    Captulo 17. Economia Contempornea I: A Bifurcao da Ortodoxia

  • A Revoluo Bolchevique E A Industrializao Sovitica

    A Grande Depresso

    W. Arthur Lewis E As Origens Da Economia Do Desenvolvimento

    Economia Neoclssica Liberal E Conservadora

    Paul A. Samuelson Versus Milton Friedman E Os Neoclssicos Conservadores

    A Defesa Do Utilitarismo, De Samuelson

    A Escola Austraca E A Escola De Chicago

    A Batalha Continua

    Notas Do Captulo 17

    Captulo 18. Economia Contempornea II: Institucionalistas e Ps-keynesianosA Economia Institucionalista De Clarence E. Ayres

    A Economia Ps-Keynesiana

    A Teoria Dos Preos De Sraffa

    Notas Do Captulo 18

    Captulo 19. Economia Contempornea III: O Renascimento da Economia PolticaCrtica

    Renascimento E Desenvolvimento Da Teoria Do Valor-Trabalho

    Mudanas No Processo De Trabalho Sob O Capitalismo

    Desempenho Do Capitalismo No Nvel Agregado

    Dando Continuidade Tradio Heterodoxa

    Comentrios Sobre A Perspectiva Social Implcita Neste Livro

    Notas Do Captulo 19

    Sugestes para Leitura Complementar

    ndice Remissivo

  • Caderno zero

    Preencha a ficha de cadastro no final deste livro E recebagratuitamente informaes sobre os lanamentos e as promoes daElsevier.

    Consulte tambm nosso catlogo completo, ltimos lanamentos eservios exclusivos no site www.elsevier.com.br

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  • Copyright

    Do original: History of Economic ThoughtCopyright 2011 by M. E. Sharpe, Inc. 2013, Elsevier Editora Ltda.Traduo autorizada do idioma ingls da edio publicada por M. E. Sharpe

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n. 9.610 de 19/02/98.Nenhuma parte deste livro, sem autorizao prvia por escrito da Editora, poderser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados:eletrnicos, mecnicos, fotogrficos, gravao ou quaisquer outros.

    Copidesque: Letcia VendrameReviso: Carla CamargoEditorao Eletrnica: Thomson Digital

    Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem FronteirasRua Sete de Setembro, 111 16 andar20050-006 Centro Rio de Janeiro RJ Brasil

    Rua Quintana, 753 8 andar04569-011 Brooklin So Paulo SP

    Servio de Atendimento ao [email protected]

    ISBN original: 978-0-7656-2599-1ISBN (verso eletrnica): 978-85-352-5609-3

    Nota

    Muito zelo e tcnica foram empregados na edio desta obra. Noentanto, podem ocorrer erros de digitao, impresso ou dvida

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  • conceitual. Em qualquer das hipteses, solicitamos a comunicao aonosso Servio de Atendimento ao Cliente, para que possamosesclarecer ou encaminhar a questo.Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade poreventuais danos ou perdas a pessoas ou bens originados do uso destapublicao.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOSEDITORES DE LIVROS, RJ

    H921h

    Hunt, E. K. Histria do pensamento econmico / E. K. Hunt, MarkLautzenheiser ; [traduo de Andr Arruda Villela]. - Rio de Janeiro:Elsevier, 2013. 504p.: 24 cm

    Traduo de: History of economic thought, 3rd ed. Inclui ndice e bibliografia ISBN 978-85-352-5609-3

    1. Economia - Histria. I. Lautzenheiser, Mark, 1968-. II. Ttulo.12-7764. CDD: 330.09 CDU: 330(09)

    23.10.12 30.10.12 040148

  • Introduo Terceira Edio

    uma honra escrever a I ntroduo a esta nova edio de Histria do PensamentoEconmico: uma Perspectiva Crtica. Raramente lemos algo que nos pega pelosombros, nos sacode e muda a forma como enxergamos o mundo nossa volta. Noincio de minha carreira, como um jovem economista, um artigo de autoria dealgum que eu s viria a conhecer pessoalmente anos mais tarde mudou parasempre a maneira como eu penso sobre os mercados. Na esperana de que apassagem que E.K. Hunt escreveu e que mudou minha viso de mundo venha aafetar outros da mesma forma, eu a citarei longamente:

    O calcanhar de Aquiles da economia do bem-estar seu tratamento dasexternalidades Em uma economia de mercado qualquer ato de um indivduo oufirma que provoque prazer ou dor em qualquer outro indivduo ou firma e super ousubprecificado pelo mercado constitui uma externalidade. Uma vez que a esmagadoramaioria dos atos de produo ou consumo so sociais, isto , em alguma medidaenvolvem mais de uma pessoa, da segue que envolvero externalidades. Casosuponhamos o homem econmico maximizador da Economia burguesa, e sesupusermos que o governo estabelece direitos de propriedade e mercados para taisdireitos sempre que se descubra uma deseconomia externa [a soluo preferida datendncia conservadora e crescentemente dominante no campo das finanas pblicas],ento cada homem logo descobrir que, usando-se de sagacidade, poder impordeseconomias externas a outros homens, sabendo que a negociao dentro do novomercado que ser criado, certamente, o beneficiar. Quanto maior o custo socialimposto a seu vizinho, maior ser a sua recompensa no processo de negociao. Segueda hiptese ortodoxa do homem maximizador que cada homem criar o mximo decustos sociais que puder impor aos demais. Ralph dArge e eu batizamos este processode o p invisvel do mercado laissez faire. O p invisvel nos garante que emuma economia de livre-mercado cada indivduo buscando apenas o seu prprio bemir, automaticamente, e da forma mais eficiente, fazer a sua parte para maximizar amisria pblica geralParafraseando um conhecido precursor desta teoria: Cadaindivduo, necessariamente, trabalha para tornar os custos externos anuais dasociedade os mais elevados possveis. Na verdade, ele, geralmente, no pretendepromover a misria pblica, ou sabe em que medida est promovendo-a. Ele buscaapenas o seu ganho prprio e, nisto, como em vrios outros casos, ele levado por ump invisvel a promover um fim que no fazia parte de sua inteno. Tampouco sermelhor para a sociedade que no fizesse parte. Ao buscar o seu prprio interesse ele,frequentemente, promove a misria social de forma mais eficaz do que caso, de fato,

  • pretendesse promov-la.1

    Ao contrrio de muitos alunos atualmente, minha educao na ps-graduao jhavia me ensinado o quanto foras desequilibradoras podem levar os mercados agerar resultados ineficientes, e porque os mercados de capital e trabalho noconseguem distribuir a renda equitativamente. Alm disso, eu j preferia encontrarformas de fazer as pessoas cooperarem entre elas equitativamente ao invs desucumbirem economia da competio e da ganncia da qual os mercados noslevam a participar. Mas o ponto de Hunt era que, mesmo que desconsiderssemosquestes distributivas, mesmo que os mercados, miraculosamente, encontrassemseus novos equilbrios instantaneamente, mesmo que no entrassem questes demonoplio; em outras palavras, mesmo sob as melhores circunstncias possveis,se as externalidades so ubquas, no se pode depender dos mercados para fazeraquela coisa que seus defensores garantem que eles fazem bem alocar recursosde forma eficiente. S e as externalidades so a regra e no a exceo, os mercadosiro, sistematicamente, alocar de forma errada muitos recursos para a produo debens cujo consumo ou produo acarretam externalidades negativas, e poucosrecursos produo de bens cuja produo ou consumo geram externalidadespositivas. Mais ainda, a criao de novos direitos de propriedade pode at agravar,em vez de mitigar, o problema.

    Eu tambm estou feliz em escrever a I ntroduo edio de 2011 de um livroque resenha a histria do pensamento econmico com um olhar crtico. Nos diasatuais as mentes irrequietas se perguntam como que a profisso dos economistaspde estar dormindo ao volante enquanto as polticas para as quais ela sorri hdcadas estavam ocupadas fermentando a grande crise financeira de 2008. E asdezenas de milhes que esto desempregados, perderam suas casas ou saram daclasse mdia esto se perguntando por que, aps trs anos da Grande Recesso,sem que haja qualquer recuperao vista pelo menos, no para eles a profissodos economistas continua a recomendar medidas ineficazes e contraproducentes.Em parte, a resposta to simples quanto difcil de entender: Os economistas hojeem dia so tristemente ignorantes a respeito da histria da prpria profisso.I nfelizmente, a disciplina de Histria do Pensamento Econmico, na qual os novoseconomistas possam aprender importantes lies de seus antecessores, foi retiradada grade dos cursos obrigatrios dirigidos a alunos de Ph.D . nos maisprestigiosos departamentos de Economia. Como resultado, muitos da geraoatual de economistas, ainda que altamente treinados em tcnicas matemticas,portam-se como idiot savants quando chamados a darem conselhos a nossosgovernantes.

    Espera-se que ningum que leia esta histria do pensamento econmico e,portanto, venha a aprender algo sobre a vida e obra do maior economista do sculoXX, John Maynard Keynes, se torne vtima dos erros dos economistas do sculo XIXe recomende austeridade fiscal em meio a uma profunda recesso. Espera-se que

  • ningum que leia esta histria do pensamento econmico e, portanto, aprenda como maior economista americano, Thorstein Veblen, algo sobre como os interessesindustriosos e pecunirios entram em conflito deixar de compreender como adesregulamentao do setor financeiro cria um acidente prestes a acontecer, eresgates de bancos sem qualquer contrapartida so uma receita para desastresfuturos. Espera-se que ningum que tenha superado preconceitos da Guerra Friah tempo suficiente para ler algo sobre Karl Marx nesta histria do pensamentoeconmico deixar de constatar que as polticas econmicas so, frequentemente,escolhidas visando servir aos interesses de classe, e no aos interesses dasociedade. E, espera-se que aqueles que lerem esta histria do pensamentoeconmico compreendero que as virtudes do fundamentalismo do livre-mercadonunca passaram sem crticas e que muitos dos que se tornaram nossos economistasmais famosos o foram porque nos alertaram para algum novo tipo de falha demercado, a exigir alguma nova forma de interveno social.

    Robin Hahnel

    1A Radical Critique of Welfare Economics, in Growth, Profits, and Property, ed. Edward J. Nell. Nova York:Cambridge University Press, 1980, p. 245-246.

  • Prefcio

    Este livro oferece uma perspectiva nica da histria do pensamento econmico.Ns enfatizamos as diversas vises e crenas que os economistas tm quanto aofuncionamento do capitalismo, e, como resultado, os distintos arcabouos tericosque eles construram. Em nenhuma outra poca na histria recente pareceria maispremente compreender a histria do pensamento econmico a partir daperspectiva das divergncias que tm ocorrido em sua histria. Ao estudar ahistria do pensamento econmico desta forma, cremos ser possvel obter umamaior compreenso do estado atual da teoria econmica e das polticas que dadecorrem. Uma vez que apresentamos uma perspectiva crtica da histria, esteprefcio se inicia com a explicitao de trs de nossas crenas que influenciaram oscritrios de seleo dos economistas e teorias includos nos captulos seguintes.

  • Critrios de SeleoO escritor de uma histria do pensamento econmico deve, acima de tudo, teralguns princpios de seletividade. D urante os ltimos 200 anos, muitas centenas depensadores econmicos escreveram muitos milhares de livros sobre teoriaeconmica e capitalismo. O historiador contemporneo, no espao de um livro,pode, portanto, apresentar somente um limitado nmero das mais importantesideias dos mais importantes pensadores.

    Entretanto, importncia no uma categoria cientfica sobre a qual todos oshistoriadores do pensamento devem estar de acordo. Todo historiador deve teralguns critrios de seletividade. Quando se examinam todos os livros publicadossobre a histria do pensamento econmico, tem-se a impresso de que os costumese a tradio so os critrios principais. As ideias includas nas histrias dopensamento de uma gerao parecem ser repetidas, com poucas mudanas, pelamaioria dos historiados da gerao seguinte. difcil saber at que ponto asemelhana simplesmente uma questo de os historiadores reafirmarem o queencontraram em fontes secundrias anteriores ou uma consequncia de umconjunto comum de critrios de seleo.

    Este livro, entretanto, muito diferente de qualquer outra histria dopensamento j publicada. Assim, importante dar ao leitor alguma ideia dospressupostos intelectuais fundamentais implcitos em nossos critrios de seleo.Os critrios aqui utilizados derivam de trs crenas gerais.

    Primeiro, acreditamos que as teorias sociais e os processos scio-histricos sointerligados. Teorias so baseadas em eventos e circunstncias sociais em curso, domesmo modo que deles surgem, refletem-nos e procuram explic-los. Assim, emcerto sentido, pode-se dizer que as teorias sociais so produto das circunstnciaseconmicas e sociais em que so concebidas. igualmente verdadeiro, entretanto,que os seres humanos agem, criam, formam e mudam essas circunstnciaseconmicas e sociais com base em ideias que tm sobre essas circunstncias.Consequentemente, pde-se concluir que as circunstncias sociais e econmicasso produto de ideias e teorias sociais. Desse modo, embora o livro trate da histriado pensamento econmico, foram includas vrias descries breves de algunsaspectos de histria econmica e social que sero teis para melhor compreenderas ideias discutidas.

    Em segundo lugar, acreditamos que, enquanto as mudanas sociais e econmicasso contnuas e enquanto o capitalismo de hoje , em inmeros aspectos, diferentedo capitalismo do final do sculo XVI I I , existem importantes caractersticasinstitucionais bsicas no capitalismo que, atravs de todas essas mudanas,permaneceram to bvias e marcantes quanto as prprias mudanas. Portanto, namedida em que os economistas se preocupam com essas caractersticasfundamentais do capitalismo, as muitas diferenas entre os pontos de vista doseconomistas do final do sculo XVI I I e do sculo XI X repetem-se, hoje, nos escritos

  • dos economistas contemporneos. Consequentemente, ao escrever este livro,tentamos lanar luz sobre a natureza das controvrsias contemporneas em tornoda teoria econmica, examinando seus antecedentes histricos. I sso afetou aseleo de teoristas a examinar. Por exemplo, a maioria das histrias dopensamento econmico no discute as ideias de Thompson, Hodgskin e Bastiat.Ns as inclumos, porque acreditamos serem exposies claras e convincentes depontos de vista que, de uma forma apenas ligeiramente modificada, so muitoimportantes hoje. D a mesma forma, as ideias de Hobson, Luxemburg e Lnin tmsido, geralmente, ignoradas na histria do pensamento econmico. Contudo, parans, suas ideias representam contribuies significativas para a compreenso dosdebates contemporneos sobre as implicaes da globalizao.

    Em terceiro lugar, acreditamos que todos os economistas estejam e sempreestiveram essencialmente comprometidos com questes morais, polticas, sociais eprticas. Consequentemente, seus escritos tm tanto um elemento cognitivo,cientfico, quanto um elemento emotivo, moral ou ideolgico. Alm do mais, essesdois elementos no so inteiramente dissociveis. A investigao cognitiva,cientfica, sempre dirigida para certos problemas e questes, e o leque de soluespara essas questes e problemas que qualquer pensador considerar comolegtimas limitado. Os valores morais e a viso ideolgica do pensador daro adireo de investigao cientfica, cognitiva, e fixaro limites quanto ao queconstituir o leque de solues legtimo para esse pensador. Alm do mais, osvalores morais e a viso ideolgica do pensador baseiam-se em suas teoriascientficas, ou cognitivas, de como a sociedade funciona de fato, e por meio delasso defendidos. D a, mesmo que conceitualmente possamos, ao menos em parte,separar os elementos cientficos e ideolgicos de uma teoria social, essa separaonunca poder ser completa. J amais poderemos compreender completamente oelemento cientfico, cognitivo, na teoria de um economista, sem compreender, nemque seja em parte, os elementos valorativos e ideolgicos da teoria. Neste livro,discutimos ambos os elementos nas vrias teorias consideradas.

  • Traos Distintivos deste LivroA terceira crena , talvez, a que mais marcadamente diferencia este livro damaioria dos outros de sua espcie. Existe, nos meios acadmicos, uma opiniogeneralizada de que cincia e juzo de valor so antitticos. S egundo essa viso, namedida em que juzos de valor se insinuam em um trabalho, ele deixa de sercientfico. Consequentemente, historiadores com essa postura, em geral, veem seuprprio trabalho, na histria do pensamento econmico, como livre de juzos devalor e apresentam os escritos daqueles tericos que lhes agradam como se fossemtambm isentos de juzos de valor. Analogamente, tericos de quem no gostam,em especial Marx, so apresentados como tendo juzos de valor em seus trabalhos,o que (ao menos implicitamente) diminui o valor cientfico desses trabalhos. Nanossa opinio, todos os tericos, todos os historiadores e todos os seres humanos(inclusive ns mesmos, claro) tm valores que permeiam de modo significativotodos os esforos cognitivos. Assim, quando discutimos os valores e os aspectosideolgicos dos escritos dos vrios tericos, no h qualquer inteno de induzir noo de que o fato de ter valores, per se, sirva de base para criticar um pensador.Acredito que a tese de que alguns tericos so isentos de valor seja uma tentativade iludir os outros ou uma autoiluso. Os julgamentos no deveriam se basear nofato de um pensador ter ou no valores j que todos eles tm mas, sim, nafundamentao concreta da natureza desses valores. Por essa razo, discutimosalguns dos valores subjacentes s teorias apresentadas. Em vez de procurar tratarcada uma das teorias isoladamente, utilizamos determinados temas que perpassamtodo o livro de modo a prover uma narrativa mais coerente. Um dos temas quefrequentemente reaparece na histria do pensamento econmico e que umtema central neste livro a discusso sobre ser o capitalismo um sistema queconduz harmonia ou ao conflito. Nos escritos de Smith e Ricardo, ambos ostemas foram desenvolvidos. D epois de Ricardo, a maioria dos economistas viu ocapitalismo ou como fundamentalmente harmonioso ou conflitante. O ponto devista de cada economista sobre essa questo extremamente significativo paradeterminar o alcance do mtodo e do contedo de sua anlise. Outro temapersistente o debate sobre a estabilidade ou a instabilidade inerente aocapitalismo. Cada um desses e de outros temas amplamente debatido neste livro.

    Um dos temas que talvez merea meno especial neste prefcio a questo darelao entre a formao de preos dos bens de consumo e a formao dos preosdos fatores de produo ou a distribuio da renda. Os economistas clssicos eMarx sustentaram que a distribuio da renda era um importante determinantedos preos das mercadorias, enquanto os economistas neoclssicos, geralmente,invertiam a relao da causalidade. A maioria dos autores de livros de histria dopensamento econmico aceita a verso neoclssica sem questionamento e trata averso clssica de Marx como uma antiquada curiosidade histrica. Os progressostericos iniciados nos anos 1960 a partir da publicao de Production of Commodities

  • by Means of Commodities, de Piero S raffa, inverteram as posies. A viso clssica deMarx aparece agora calcada em uma base terica mais segura. D esde a publicaodo livro de S raffa tem havido uma revitalizao da viso clssica de Marx entre oseconomistas modernos, enquanto que os economistas neoclssicos tm procuradoignorar as implicaes para a sua prpria teoria. Este livro no apenas buscadescrever a ruptura terica trazida por S raffa, como tambm usa os insights deSraffa para reinterpretar pensadores anteriores.

  • Nota 3 EdioTnhamos dois objetivos para essa nova edio. Primeiro, queramos aumentar oacesso ao livro e flexibilizar seu uso na sala de aula. O livro sempre foi direcionadopara um vasto pblico. Por outro lado, ns esperamos que um leitor sem nenhumconhecimento de teoria econmica possa se beneficiar dele. A matemtica por trsdas teorias foi mantida em um nvel mnimo de dificuldade ao mesmo tempo emque as ideias essenciais e a lgica dessas teorias foram abordadas. Por outro lado,acreditamos que a perspectiva a partir da qual ns cobrimos as vrias teorias difereto substancialmente de outros textos sobre histria do pensamento econmicoque estudantes de graduao avanados, ps-graduandos e professoresconsideraro o livro tanto informativo quanto estimulante. Com este pblicodiversificado em mente, colocamos os materiais mais difceis em termos de tcnicanos apndices. Por exemplo, o detalhe tcnico da teoria do equilbrio geral deWalras encontra-se agora no apndice do captulo 10. A discusso dentro docaptulo ser suficiente para compreender as ideias essenciais da estrutura dateoria do equilbrio geral necessrias para entender seu significado e sua menonos captulos seguintes. D ois apndices adicionais nos captulos 15 e 16, que foramacrescentados, contm problemas tcnicos ligeiramente mais difceis. A colocaodessas questes tcnicas dentro dos apndices deve permitir maior flexibilidadepara o instrutor que adotar esse livro como parte de sua classe sobre a histria dopensamento econmico.

    O s captulos 14 e 16 constituem uma crtica do que ns chamamos de os trsprincpios das teorias econmicas neoclssicas. O captulo 14 inicia essa crticaatravs do questionamento da figura do capitalismo como um ideal deracionalidade e eficincia que culmina em preos de mercado racionais. O captulo15 conta com os escritos de Keynes para questionar a f na natureza automata eautorregularizadora do mercado. O captulo 16 se concentra na crtica iniciada porSraffa, atingindo seu pico na controvrsia do capital, na figura do capitalismo comoum ideal de justia distributiva. Os novos apndices dos captulos 15 e 16 oferecemo pano de fundo para se entender as questes envolvidas na estabilidade ouinstabilidade do capitalismo e na distribuio de renda. O apndice do captulo 15apresenta as importantes ideias de Harrod e D omar sobre a instabilidade potencialdo capitalismo. O apndice do captulo 16 demonstra como essas ideias deinstabilidade foram domadas pelo modelo de crescimento de Solow. Ao tratar dacontribuio de Solow, esperamos esclarecer a vasta extenso das implicaes dosdebates sobre o capital para o prprio conceito de capital, problemas com a teoriamarginal de produtividade e a teoria neoclssica de crescimento.

    Nosso segundo objetivo para esta edio era realizar atualizaes necessrias.Algumas dessas atualizaes dizem respeito aos dados contidos nesse livro.Leitores das edies anteriores vo lembrar que, em vrios lugares, menes sofeitas a questes contemporneas. Essa era uma das caractersticas nicas do livro

  • dentre outros sobre histria do pensamento econmico. Em vrios lugares,tentamos demonstrar como um entendimento das teorias da histria dopensamento econmico pode ser usado para cultivar uma compreenso maisprofunda sobre os debates e as questes econmicas contemporneas. D ado orecente tumulto dentro das economias capitalistas e os constantes debates sobrepoltica econmica, era especialmente importante atualizar os dados contidos nassees sobre militarizao e economias endividadas do captulo 15 sobre Keynes.Embora ns no providenciemos uma anlise detalhada do atual estado daeconomia, esperamos que o que apresentado possa comear a criar uma ligaoconceitual entre passado e presente.

    Atualizaes tambm foram feitas nos ltimos trs captulos do livro. A intenodesses captulos prover uma introduo para as teorias econmicascontemporneas e suas diversas escolas de pensamentos. O leitor notar um tomdesses captulos diferente dos demais, propositadamente. Em um livro como este,no podemos apresentar em detalhes o estado corrente da teoria econmica emnenhuma de suas diversas abordagens. Livros inteiros so devotados apraticamente cada uma das sees desses trs captulos finais. O propsito dessescaptulos demonstrar como a histria do pensamento econmico oferece umacompreenso das teorias econmicas contemporneas. Com isso em mente, no foinecessrio tentar prover um resumo completo dos captulos. Por exemplo, abifurcao que existe hoje entre teorias econmicas neoclssicas tem suas razeshistricas na divergncia de opinies entre Mill e Bastiat na metade do sculo XI X.Os escritos de Samuelson e Friedman no sculo XX carrega essa bifurcao adianteat o limite do estado corrente da tradio neoclssica. Os leitores que continuaremseu estudo de teoria econmica devem se encontrar em uma boa posio paraentender a histria da bifurcao que eles encontram hoje. A seo final docaptulo 17 foi adicionada a fim de ajudar nessa compreenso. Os ltimos doiscaptulos visam fazer muito do mesmo em termos de escolas contemporneas depensamento fora do mainstream. Aqui, mais uma vez, ns s podemos esperarintroduzir o leitor a essas escolas alternativas de pensamento enquantodemonstramos, ao mesmo tempo, como elas esto ligadas a teorias passadas. Ocaptulo 18 desta edio presente contm novo material sobre teorias econmicasps-keynesianas, enquanto uma nova seo do captulo 19 destaca alguns dosdesenvolvimentos recentes dentro da tradio radical.

  • AgradecimentosO presente livro , creio eu, o primeiro livro abrangente de histria do pensamentoeconmico a descrever a ruptura terica de Sraffa e a reinterpretar pensadoresanteriores luz das ideias de Sraffa, embora, de maneira mais restrita, MauriceD obb tenha trabalhado brilhantemente sobre esse tema na histria do pensamentoeconmico.

    O livro termina com uma discusso sobre as diferenas entre as teoriaseconmicas contemporneas. Espero que o livro todo contribua para uma maiorcompreenso da teoria contempornea. A Matemtica includa no texto no vaialm de uns poucos grficos e equaes simples. Uma pessoa sem formaoanterior em teoria econmica pode ler e entender o livro. Ao mesmo tempo, creioque minha perspectiva sobre as diversas teorias discutidas suficientementediferente de qualquer outra histria do pensamento econmico e que muitosprofessores e estudantes ps-graduados em Economia iro encontrar no livromuito de original, informativo e estimulante.

    Minhas dvidas intelectuais gerais so muitas. O professor que mais estimuloumeu interesse em histria do pensamento econmico foi Lawrence Nabers. D entreos autores que tiveram significativa influncia sobre mim incluem-se Karl Marx,J ohn D ewey, Thorstein Veblen, Leo Rogin e Maurice D obb. J ohn Gunman e osprofessores J ames M. Cypher, D ouglas D owd, Howard Sherman, Norris C.Clement e Warren Samuels fizeram valiosos comentrios sobre os manuscritosdeste livro. E muito obrigado a Mark Price por preparar o manuscrito para aeditora. Mais do que tudo, gostaria de agradecer a Ginger Alewine: sem sua ajuda,esta edio jamais seria concluda. Ela uma pessoa especial, pela qual tenhomuita gratido e carinho.

    D esejo agradecer aos editores de vrios textos que escrevi para outraspublicaes, por terem me permitido utilizar, neste livro, algumas das ideias oucurtos trechos desses trabalhos.*

    Finalmente, gostaramos de expressar nossa profunda gratido s nossasfamlias. E.K. Hunt gostaria de expressar seu amor e agradecimento a seus doisfilhos, J effrey e Andrew, a quem dedico este livro, com meu mais intenso eprofundo amor. Mark Lau enheiser gostaria de expressar seu amor e gratido sua esposa, Tracy, por sua pacincia e incentivo durante o processo de elaboraodesta edio. Ele tambm deseja registrar seu amor e apreo a seu filho J ohnathan,e que este livro lhe seja til na compreenso do mundo em que ele vive. A elesdedicamos esta edio.

    E.K. Hunt and Mark Lautzenheiser

    *Incluem-se: Property and Prophets, the Evolution of Economic Institutions and Ideologies. 6 ed., Nova York: Harperand Row, 1990; Marxian Labor Values, Prices, and Profits, Intermountain Economic Review (Primavera 1978);An Essay on the Criteria Defining Social Economics, Review of Social Economics (Dez. 1978); Value Theory inthe Writings of the Classical Economists, Thomas Hodfskin and Karl Marx, History of Political Economy (Outono

  • 1977); Utilitarianism and the Labor Theory of Value, History of Political Economy (Primavera 1980); permissopara usar algumas ideias ou trechos curtos dos dois artigos de History of Political Economy dada pela DukeUniversity Press; A Radical Critique of Welfare Economics. In: E. J. Nell (ed.) Value, Distribution and Growth:Essays in the Revival of Political Economy. Nova York: Cambridge University Press, 1978.

  • Agradecimentos

    Trechos de Paul A . Baran e Paul M. S weezy, Monopoly Capital, foram reproduzidoscom permisso da Monthly Review Press.

    Trechos de Harry Braverman, Labor and Monopoly Capital: The Degradation ofWork in Twentieth Century, foram reproduzidos com permisso Monthly ReviewPress.

    Trechos de Milton Friedman, Capitalism and Freedom, 1962, pela University ofChicago, foram reproduzidos com permisso da University of Chicago Press eMilton Friedman.

    Trechos de J .A . Hobson, Imperialism: A Study, foram reproduzidos compermisso da University of Michigan Press.

    Trechos de J ohn Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest andMoney, foram reproduzidos com permisso da Harcourt Brace J ovanovich e RightHonorable Lord Kahn.

    Trechos de Alfred Marshall, Principles of Economics, 8th ed., foram reproduzidoscom permisso da Mcmillan, London e Basingstoke.

    Trechos de Ronald L. Meek, Economics and Ideology and Other Essays, foramreproduzidos com permisso da Chapman and Hall; trechos de Studies in the LabourTheory of Value, rev. ed., 1976 por Ronald L. Meek, foram reproduzidos compermisso da Monthly Review Press.

    Trechos de D .M. Nuti, Vulgar Economy in the Theory of I ncome D istribution,i n A Critique of Economic Theory, ed. E.K. Hunt e J esse G. S chwar , foramreproduzidos com permisso da D.M. Nuti.

    Trechos de Paul A . Samuelson, A S umming Up, Quarterly J ournal of Economics,foram reproduzidos com permisso da J ohn Wiley; trechos de Economics, 10th. ed., 1976 McGraw-Hill, foram reproduzidos com permisso da McGraw-Hill.

    Trechos de Piero Sraffa, Production of Commodities by Means of Commodities, foramreproduzidos com permisso da Cambridge University Press.

    Trechos de Thorstein Veblen, The Place of Science in Modern Civilisation, andOther Essays, 1919, com um novo prefcio de J oseph D orfman, foram reproduzidoscom permisso de Russell and Russell; trechos de Essays in Our Changing Order,Absentee Ownership and Business Enterprise in Recent Times, The Instinct ofWorkmanship, The Engineers and the Price System, The Theory of Business Enterprise, eThe Theory of the Leisure Class foram todos reproduzidos com permisso deAugustus M. Kelley.

  • CAP T ULO 1

    Introduo

    Costuma-se dizer que a moderna teoria econmica comeou com Adam Smith(1723-1790). Este livro trata das ideias principalmente econmicas desde Smith athoje. O elemento comum s ideias aqui apresentadas a preocupao emcompreender a natureza do sistema econmico capitalista. Todos os autores quediscutiremos buscavam identificar as caractersticas que seriam mais importantespara o funcionamento do capitalismo, como o sistema funcionava, o quedeterminava o volume de produo, qual era a origem do crescimento econmico, oque determinava a distribuio da riqueza e da renda e outras questespertinentes. Tambm buscavam avaliar o capitalismo: quo adequado seria osistema para a satisfao das necessidades humanas? Como poderia ser mudadopara melhor atender a essas necessidades?

  • Uma Definio de CapitalismoA afirmao de que as tentativas de compreender o capitalismo comearam comAdam S mith , naturalmente, muito simplista. O capitalismo como sistemaeconmico, poltico e social dominante surgiu muito lentamente, em um perodode vrios sculos, primeiro na Europa Ocidental e, depois, em grande parte domundo. medida que surgia, as pessoas buscavam compreend-lo.

    Para resumir as tentativas de compreender o capitalismo, necessrio, primeiro,defini-lo e, ento, rever resumidamente as principais caractersticas histricas deseu aparecimento. D eve-se afirmar desde j que no h consenso geral entreeconomistas e historiadores econmicos quanto ao que sejam as caractersticasessenciais do capitalismo. D e fato, alguns economistas sequer acreditam que sejatil definir sistemas econmicos diferentes; eles acreditam em uma continuidadehistrica, na qual os mesmos princpios gerais so suficientes para compreendertodos os ordenamentos econmicos. Entretanto, a maioria dos economistasconcordaria que o capitalismo um sistema econmico que funciona de modo bemdiverso dos sistemas econmicos anteriores e dos sistemas econmicos nocapitalistas. Este livro baseado numa abordagem metodolgica que define umsistema econmico segundo o modo de produo no qual se baseia. O modo deproduo, por sua vez, definido pelas foras produtivas e pelas relaes sociais deproduo.

    As foras produtivas constituem o que comumente se chamaria tecnologiaprodutiva de uma sociedade. Essa tecnologia consiste no estado atual doconhecimento tcnico ou produtivo, nas especializaes, tcnicas organizacionaisetc., bem como nas ferramentas, implementos, mquinas e prdios usados naproduo. D entro de qualquer conjunto de foras produtivas, deve-se incorrer emdeterminados custos necessrios manuteno da existncia do sistema. Outrosrecursos, as matrias-primas, devem ser continuamente extrados da natureza.Maquinaria, ferramentas e outros implementos de produo desgastam-se com ouso e devem ser substitudos. Mais importante ainda que os seres humanos, quefazem o esforo necessrio para assegurar a disponibilidade das matrias-primas epara transform-las em produtos acabados, devem ter uma quantidade mnima dealimentos, roupas, moradia e outros bens necessrios vida em sociedade.

    Os modos de produo que no satisfizeram a essas necessidades mnimas deproduo contnua desapareceram. Muitos modos histricos de produoconseguiram atender a essas necessidades mnimas durante certo tempo, mas,devido mudana das circunstncias, tornaram-se incapazes de continuar a faz-loe, consequentemente, se extinguiram. A maioria dos modos de produo quecontinuaram a existir por muito tempo, de fato, tem produzido no apenas osuficiente para atender s necessidades mnimas, mas tambm um excesso, ouexcedente social, alm dos custos necessrios. O excedente social definido comoaquela parte da produo material da sociedade que sobra, aps serem deduzidos

  • os custos materiais necessrios para a produo.O desenvolvimento histrico das foras produtivas tem resultado em uma

    capacidade sempre crescente de as sociedades produzirem excedentes sociais cadavez maiores. D entro dessa evoluo histrica, cada sociedade tem sido dividida, demodo geral, em dois grupos separados. A maioria das pessoas, em cada sociedade,trabalha exaustivamente para produzir o necessrio para sustentar e perpetuar omodo de produo, bem como o excedente social, enquanto uma pequena minoriase apropria desse excedente e o controla. Neste livro, as classes sociais sodiferenciadas entre si em funo desse fato; as relaes sociais de produo sodefinidas como relaes entre essas duas classes. Um modo de produo ,portanto, o conjunto social da tecnologia de produo (as foras produtivas) e osarranjos sociais atravs dos quais uma classe une suas foras produtivas paraproduzir todos os bens, inclusive o excedente, e a outra dele se apropria (asrelaes sociais de produo).

    No contexto desse conjunto geral de definies, podemos definir capitalismocomo o modo particular de produo com o qual os pensadores estudados nestelivro tm se preocupado. O capitalismo caracterizado por quatro conjuntos dearranjos institucionais e comportamentais: produo de mercadorias, orientadapara o mercado; propriedade privada dos meios de produo; um grande segmentoda populao que no pode existir, a no ser que venda sua fora de trabalho nomercado; e comportamento individualista, aquisitivo, maximizador, da maioria dosindivduos dentro do sistema econmico. Cada uma dessas caractersticas serdiscutida brevemente.

    No capitalismo, o valor dos produtos do trabalho humano dado por duasrazes distintas. Primeiro, tais produtos tm caractersticas fsicas particulares, emvirtude das quais se tornam utilizveis e satisfazem s necessidades humanas.Quando uma mercadoria avaliada por seu uso na satisfao das nossasnecessidades, diz-se que tem valor de uso. Todo produto do trabalho humano, emtodas as sociedades, tem valor de uso. No capitalismo, os produtos tm valorporque podem ser vendidos no mercado, em troca de dinheiro. Esse dinheiro desejado porque pode ser trocado por produtos que tm um valor de uso desejado.Na medida em que os produtos tm valor, porque podem ser trocados por moeda,diz-se que eles tm valor de troca . Os produtos do trabalho humano tm valor detroca somente nos modos de produo caracterizados pela produo demercadorias. Para que a produo de mercadorias exista, preciso que a sociedadetenha um mercado muito desenvolvido, no qual os produtos possam ser livrementecomprados ou vendidos em troca de moeda. Existe produo de mercadoriasquando os produtos so fabricados pelos produtores sem qualquer interessepessoal imediato em seu valor de uso, mas, sim, em seu valor de troca. A produode mercadorias no um meio direto de satisfao de necessidades. um meio deadquirir moeda pela troca de produtos por moeda, que, por sua vez, pode serutilizada na compra dos produtos desejados por seu valor de uso. Sob tais

  • condies, os produtos do trabalho humano so mercadorias, e a sociedade caracterizada como voltada para a produo de mercadorias.

    Na produo de mercadorias, a atividade produtiva de uma pessoa no temqualquer ligao direta com seu consumo; ambos devem ser mediados pela troca epelo mercado. Alm disso, uma pessoa no tem qualquer ligao direta com aspessoas que produzem as mercadorias que consomem. Tal relao social tambm mediada pelo mercado. A produo de mercadorias implica um alto grau deespecializao produtiva, em que cada produtor isolado cria somente uma oupoucas mercadorias, dependendo, assim, de que outros indivduos, com quem eleno tem qualquer relao pessoal direta, comprem suas mercadorias no mercado.Uma vez que ele tenha trocado suas mercadorias por dinheiro, novamentedepender de que pessoas com as quais ele no tem relao pessoal diretaofeream, no mercado, aquelas mercadorias que ele tem de comprar para satisfazers suas necessidades pessoais.

    Nesse tipo de economia, existem inter-relaes e dependncias econmicasextremamente complexas e que no envolvem interao e associao pessoal direta.O indivduo interage somente com a instituio social impessoal do mercado, noqual o indivduo troca mercadorias por moeda e moeda por mercadorias.Consequentemente, o que, em realidade, um conjunto de complexas relaeseconmicas e sociais entre pessoas , para cada indivduo, apenas uma srie derelaes impessoais entre coisas isto , mercadorias. Cada indivduo depende dasforas impessoais do mercado, de compra e venda, ou demanda e oferta, para asatisfao de suas necessidades.

    A segunda caracterstica definidora do capitalismo a propriedade privada dosmeios de produo. I sso significa que a sociedade d a certas pessoas o direito dedeterminar como matrias-primas, ferramentas, maquinaria e prdios destinados produo podem ser usados. Tal direito necessariamente implica que outrosindivduos sejam excludos do grupo daqueles que tm algo a dizer sobre comoesses meios de produo podem ser usados. As primeiras defesas da propriedadeprivada falavam em termos de cada produtor individual possuir e, portanto,controlar os meios de sua prpria produo. No entanto, muito cedo na evoluodo capitalismo, as coisas se desenvolveram de modo diferente. D e fato, a terceiracaracterstica definidora do capitalismo que muitos produtores no soproprietrios dos meios necessrios para a execuo de sua atividade produtiva. Apropriedade se concentra nas mos de um pequeno segmento da sociedade oscapitalistas. Um capitalista proprietrio no precisava representar qualquer papeldireto no processo produtivo, de modo a control-lo; a propriedade lhe dava essecontrole. E essa propriedade foi o que permitiu ao capitalista apropriar-se doexcedente social. Assim, a propriedade dos meios de produo a caracterstica docapitalismo que confere classe capitalista o poder pelo qual controla o excedentesocial, estabelecendo-se, a partir da, como classe social dominante.

    Essa dominao, claro, implica a terceira caracterstica definidora de

  • capitalismo a existncia de uma numerosa classe trabalhadora, que no temqualquer controle sobre os meios necessrios para a execuo de suas atividadesprodutivas. No capitalismo, a maioria dos trabalhadores no possui as matrias-primas nem os implementos com os quais produz mercadorias. I sso quer dizer queas mercadorias que os trabalhadores produzem no lhes pertencem, mas sim, aoscapitalistas proprietrios dos meios de produo. O trabalhador tpico entra nomercado possuindo ou controlando somente uma coisa sua capacidade detrabalho, isto , a sua fora de trabalho. Para se dedicar atividade produtiva, temde vender sua fora de trabalho a um capitalista. Em troca, recebe um salrio eproduz mercadorias que pertencem ao capitalista. D esse modo, ao contrrio dequalquer outro modo de produo anterior, o capitalismo faz da fora produtivahumana uma mercadoria em si mesma a fora de trabalho e gera um conjuntode condies pelas quais a maioria das pessoas no pode viver, a no ser que sejamcapazes de vender a mercadoria de que so proprietrias a fora de trabalho aum capitalista, em troca de um salrio. Com esse salrio, podem comprar doscapitalistas somente uma frao das mercadorias que eles mesmos produziram. Orestante das mercadorias que produziram constitui o excedente social e retido econtrolado pelos capitalistas.

    A quarta e ltima caracterstica definidora de capitalismo a de que a maioriadas pessoas motivada por um comportamento individualista, aquisitivo emaximizador. I sso necessrio para o funcionamento adequado do capitalismo.Primeiro, para assegurar uma oferta adequada ao trabalho e facilitar o rgidocontrole dos trabalhadores, necessrio que produzam mercadorias cujo valorexceda em muito o valor das mercadorias que consomem. Nos primrdios docapitalismo, isso foi conseguido de dois modos. Primeiro, os trabalhadoresrecebiam salrios to baixos que, com suas famlias, viviam nos limites da maisextrema insegurana e pobreza materiais. O nico modo claro de reduzir ainsegurana e a pobreza era trabalhar mais horas e mais intensamente, para obterum salrio mais adequado e evitar ser forado a juntar-se ao grande exrcito detrabalhadores desempregados, que tem sido um fenmeno social sempre presenteno sistema capitalista.

    medida que o capitalismo foi evoluindo, a produtividade dos trabalhadores foicrescendo. Eles buscavam organizar-se coletivamente em sindicatos e associaesde trabalhadores, para lutar por melhores salrios. Por volta do final do sculopassado e incio do sculo XX, aps diversos avanos e inmeros retrocessos, essaluta comeou a surtir algum efeito. D esde ento, o poder de compra do salrio dotrabalhador vem crescendo lenta e firmemente. Em lugar da privao fsicageneralizada, o capitalismo tem sido obrigado a recorrer cada vez mais a novostipos de motivao, para manter a massa dos trabalhadores produzindo oexcedente social. Um novo ethos social, s vezes chamado consumismo, tornou-sedominante. Caracteriza-se pela crena de que mais renda, por si s, sempresignifica mais felicidade.

  • Os mores sociais do capitalismo tm levado as pessoas a acreditar quepraticamente toda necessidade ou infelicidade subjetiva pode ser eliminadacomprando-se mais mercadorias. O mundo competitivo e economicamenteinseguro no qual se movem os trabalhadores cria sentimentos subjetivos deansiedade, solido e alienao. A maioria dos trabalhadores v como causa dessessentimentos sua prpria incapacidade de comprar mercadorias suficientes parafaz-los felizes. Contudo, medida que recebem salrios maiores e compram maismercadorias, verificam que o sentimento geral de insatisfao e ansiedadecontinua. Assim, os trabalhadores tendem a concluir que o problema que oaumento dos salrios insuficiente. Como no identificam a verdadeira origem deseus problemas, caem em um crculo vicioso asfixiante, no qual quanto mais setem, mais necessidade se sente; quanto mais rpido se corre, mais devagar separece andar; quanto mais arduamente se trabalha, maior parece ser a necessidadede trabalhar cada vez mais arduamente.

    Em segundo lugar, os capitalistas tambm so induzidos a um comportamentocombativo e aquisitivo. A razo mais imediata disso o fato de que o capitalismosempre foi caracterizado pela luta competitiva entre capitalistas por fatias maioresdo excedente social. Nessa luta sem fim, o poder de cada capitalista depende dovolume de capital que ele controla. Se os concorrentes de um capitalista adquiremcapital e, com isso, tamanho e poder econmico mais rapidamente que ele,maior a probabilidade de ele ter de enfrentar a prpria extino. Assim, suaexistncia como capitalista depende de sua habilidade em acumular capital pelomenos no mesmo ritmo que os concorrentes. D a o capitalismo ter sido semprecaracterizado pelo esforo frentico dos capitalistas em obter mais lucro econverter seus lucros em mais capital.

    O consumismo entre capitalistas tem sido importante tambm para ofuncionamento adequado do capitalismo. No processo de produo, os capitalistasse apropriam do excedente produzido, a mais-valia, sob a forma de mercadorias.Para que essa mais-valia seja convertida em lucro monetrio, essas mercadoriasdevem ser vendidas no mercado. Pode-se esperar, de modo geral, que ostrabalhadores gastem todo o salrio em mercadorias, mas seus salrios podemcomprar s parte das mercadorias produzidas (caso contrrio, no haveria qualquerexcedente social). Os capitalistas compraro muitas mercadorias comoinvestimento a acrescentar sua acumulao de capital. Entretanto, essas duasfontes de demanda jamais foram suficientes para gerar o gasto necessrio para oscapitalistas, como classe, para venderem todas as suas mercadorias. Portanto, parahaver uma procura monetria suficiente para os capitalistas venderem todas assuas mercadorias, preciso uma terceira fonte de demanda: os gastos crescentes deconsumo dos prprios capitalistas.

    Quando tal procura no se concretiza, o capitalismo sofre depresses; quando asmercadorias no podem ser vendidas, os trabalhadores so despedidos, os lucroscaem, gerando uma crise econmica geral. O capitalismo, atravs de sua histria,

  • tem sofrido crescentes crises dessa espcie. Uma grande preocupao da maioriados pensadores econmicos discutida neste livro tem sido compreender a naturezae as causas dessas crises e descobrir remdios para elimin-las ou, ao menos,aliviar seus efeitos.

  • A Economia Europeia Pr-capitalistaPara esboar a evoluo histrica do capitalismo, primeiro necessrio dizeralgumas palavras sobre o feudalismo o sistema socioeconmico que precedeu ocapitalismo na Europa Ocidental. O declnio da parte ocidental do velho I mprioRomano deixou a Europa sem as leis e a proteo que o I mprio oferecia. O vcuofoi preenchido pela criao de uma hierarquia feudal na qual o servo ou camponsera protegido pelos senhores feudais, que, por sua vez, deviam fidelidade e eramprotegidos por senhores mais poderosos. Assim se estruturava o sistema, indo ato rei. Os fortes protegiam os fracos, mas a um alto preo. Em troca de pagamentoem moeda, alimentos, trabalho ou fidelidade militar, os senhores concediam ofeudo um direito hereditrio ao uso da terra a seus vassalos. Na base estava oservo, que cultivava a terra. A grande maioria da populao cultivava, visando alimentao e ao vesturio, ou criava ovelhas, para obter a l e o vesturio.1

    Os costumes e a tradio so a chave para a compreenso das relaes medievais.Em lugar de leis, tal qual as conhecemos hoje, o que governava eram os costumesvigentes no feudo. Na I dade Mdia, no havia autoridade central forte que pudesseimpor o cumprimento de um sistema de leis. Toda a organizao medievalbaseava-se em um sistema de servios e obrigaes mtuas, envolvendo toda ahierarquia feudal. A posse ou o uso da terra obrigava a certos servios oupagamentos costumeiros, em troca de proteo. O senhor estava to obrigado aproteger o servo quanto este estava obrigado a pagar, em troca, uma parte de suacolheita ou trabalhar para o senhor.

    claro que os costumes eram quebrados; nenhum sistema opera, de fato, talcomo a teoria determina. No se deve, porm, subestimar a fora dos costumes eda tradio que determinou a vida e as ideias do povo medieval. As disputas entreservos eram resolvidas na corte do senhor, segundo no s as circunstnciasespeciais de cada caso, como tambm o costume do feudo para tais casos. claroque, em geral, um senhor decidia a seu favor, em uma disputa entre ele prprio eseu servo. Entretanto, mesmo nessas circunstncias, especialmente na I nglaterra,um senhor mais poderoso impunha sanes ou punies a um outro que, como seuvassalo, persistentemente violasse os costumes no tratamento dos servos. Asregras segundo os costumes do feudo aparecem em profundo contraste,comparadas com o sistema legal e jurdico do capitalismo. O sistema capitalistabaseia-se no cumprimento de leis de carter universalista e contratos,cumprimento esse que s raramente relaxado por circunstncias atenuantes oupor costumes que, nos tempos medievais, influenciavam com muito maisfrequncia o julgamento do senhor feudal.

    At que ponto o senhor feudal podia fazer cumprir seus direitos variavamuito, de acordo com a poca e o lugar. Foi o fortalecimento dessas obrigaes e dacapacidade dos nobres de faz-las serem cumpridas por uma extensa hierarquia devassalos numa regio muito grande que acabou levando ao aparecimento dos

  • modernos Estados-nao. Esse processo ocorreu durante o perodo de transio dofeudalismo para o capitalismo. Entretanto, ao longo da maior parte da I dadeMdia, muitos dos direitos do senhor feudal eram fracos ou incertos, j que ocontrole poltico estava fragmentado.

    A instituio econmica bsica da vida rural medieval era o feudo, no qual haviaduas classes distintas: os nobres, ou senhores, e os servos (do latim servens, ouescravo). Os servos no eram de fato escravos. Ao contrrio do escravo, que erauma simples propriedade a ser comprada ou vendida vontade, o servo no podiaser separado de sua famlia nem de sua terra. S e seu senhor transferisse a posse dofeudo a outro nobre, o servo simplesmente teria outro senhor. Em graus variveis,no entanto, os servos tinham obrigaes que, s vezes, se tornavam pesadas, e dasquais, frequentemente, no havia como escapar. Normalmente, o servo estavalonge de ser livre.

    O senhor vivia do trabalho dos servos que cultivavam seus campos e pagavamimpostos em espcie e em moeda, de acordo com o costume do feudo. D e formaanloga, o senhor dava proteo, supervisionava e administrava a J ustia, deacordo com o costume do feudo. D eve-se acrescentar que, embora o sistemarepousasse na reciprocidade das obrigaes, a concentrao do poder poltico eeconmico nas mos do senhor conduzia a um sistema no qual, por qualquercritrio, o servo era explorado ao extremo.

    D urante a I dade Mdia, a I greja Catlica era, de longe, o maior proprietrio deterras. Embora bispos e abades ocupassem posies semelhantes s de condes eduques, na hierarquia feudal, havia uma importante diferena. Os senhores feudaisseculares podiam mudar a sua lealdade de um chefe supremo (overlord, nooriginal) para outro, dependendo das circunstncias e do equilbrio de poder emquesto, mas os senhores religiosos deviam sempre (em princpio, ao menos), emprimeiro lugar, uma lealdade I greja de Roma. Essa foi tambm uma poca emque o ensino religioso ministrado pela I greja teve uma influncia forte e profundaem toda a Europa Ocidental. Esses fatores combinados fizeram da I greja ainstituio mais prxima de um governo forte e centralizado durante todo esseperodo.

    Assim, o feudo podia ser secular ou religioso (muitos senhores eram vassalos desenhores religiosos e vice-versa), mas as relaes bsicas entre senhores e servosno eram significativamente afetadas por essa distino. Existe pouca evidncia deque o servo seria tratado menos severamente por senhores religiosos do que porsenhores seculares. Os senhores religiosos e a nobreza feudal formavam asclasses dominantes; controlavam a terra e o poder dela decorrente. Em troca deapropriaes muito pesadas do trabalho, da produo e do dinheiro do servo, anobreza dava proteo militar e a Igreja, ajuda espiritual.

    Alm dos feudos, a Europa medieval tinha muitas cidades, que eramimportantes centros manufatureiros. Os bens manufaturados eram vendidos aosfeudos e, algumas vezes, comercializados no comrcio de longa distncia. As

  • instituies econmicas dominantes nas cidades eram as guildas associaesartesanais, profissionais e de ofcio que existiam desde o I mprio Romano. Quemquisesse produzir ou vender qualquer bem ou servio teria de entrar para umaguilda.

    As guildas se envolviam tambm em questes sociais e religiosas, tanto quantonas econmicas. Controlavam a vida de seus membros em todas as atividades:pessoais, sociais, religiosas e econmicas. Embora regulassem cuidadosamente aproduo e a venda de mercadorias, as guildas se mostravam mais voltadas para asalvao espiritual de seus membros do que para a obteno de lucros. A salvaoexigia que o indivduo vivesse uma vida ordenada, baseada nos costumes eensinamentos da I greja. Assim, as guildas exerciam uma poderosa influncia comosustentadores do status quo nas cidades medievais.

    Contudo, a sociedade medieval era predominantemente agrria. A hierarquiasocial era baseada nos laos do indivduo com a terra, e o sistema social por inteirorepousava sobre uma base agrcola. No entanto, ironicamente, os aumentos daprodutividade agrcola constituram o mpeto original para uma srie de mudanasprofundas, ocorridas ao longo de vrios sculos, e que resultaram na dissoluo dofeudalismo medieval e no incio do capitalismo. O mais importante avanotecnolgico da Idade Mdia foi a substituio do sistema de plantio de dois campospara o sistema de trs campos. Embora haja evidncia de que o sistema de trscampos tenha sido introduzido na Europa j no sculo VI I I , seu uso no segeneralizou antes do sculo XI.

    O plantio anual da mesma rea esgotava a terra e acabava por torn-la intil.Assim, no sistema de dois campos, metade da terra era sempre deixada ociosa, demodo que se recuperasse do plantio do ano anterior. Com o sistema de trscampos, a terra arvel era dividida em trs partes iguais. No outono, no primeirocampo, cultivava-se centeio ou trigo de inverno. Plantava-se aveia, feijo ou ervilha,na primavera, no segundo campo, deixando-se o terceiro campo em repouso. Todoano, havia uma rotao dessas posies. Assim, um dado trecho da terra teria umacultura de outono em um ano, de primavera no ano seguinte e descansaria noterceiro ano. D essa mudana aparentemente simples na tecnologia agrcolaresultou um dramtico aumento do produto agrcola. Com a mesma quantidade deterra arvel, o sistema de trs campos aumentou a rea cultivada, em qualquerpoca, em at 50%.2

    O sistema de trs campos induziu a outras mudanas importantes. Plantaes deaveia e forragem, na primavera, permitiam a criao de mais cavalos, quecomearam a substituir o boi como a principal fonte de energia, na agricultura. Oscavalos eram muito mais rpidos do que os bois e, assim, a rea cultivvel pde serestendida. Maiores reas cultivadas permitiram que o campo alimentasse centrosurbanos mais populosos. Com o cavalo, o transporte de homens, mercadorias eequipamentos tornou-se muito mais eficiente. O prprio ato de arar tornou-se maiseficiente: um arado puxado por uma parelha de bois exigia trs homens para

  • control-lo, ao passo que um arado puxado por cavalos poderia ser operado por umhomem s. Alm disso, no sculo XI I I , o custo do transporte de produtos agrcolasfoi substancialmente reduzido, quando a carroa de duas rodas foi substituda pelade quatro rodas, com eixo dianteiro mvel. Esses melhoramentos na agricultura eno transporte contriburam para duas mudanas importantes e de longo alcance.Primeiro, tornaram possvel um rpido aumento do crescimento da populao. Asmelhores estimativas mostram que a populao da Europa dobrou entre 1000 e1300.3 S egundo, houve um rpido aumento de concentrao urbana, estreitamenteligado expanso da populao. Antes do ano 1000, a Europa era essencialmenteconstituda de feudos, vilas e algumas poucas cidades pequenas, alm de algunspoucos centros comerciais, no Mediterrneo. Por volta de 1300, j havia cidadesgrandes e prsperas.

    O crescimento das vilas e cidades conduziu ao crescimento da especializaorural-urbana. A produo de bens manufaturados cresceu enormemente, com ostrabalhadores urbanos rompendo todos os laos com a terra. J unto com essacrescente produo manufatureira e crescente especializao econmica vierammuitos ganhos adicionais de produtividade. Outro importante resultado daespecializao crescente foi o desenvolvimento do comrcio inter-regional e delonga distncia.

  • O Crescimento do Comrcio de Longa DistnciaMuitos historiadores sustentam que a disseminao do comrcio foi a maisimportante fora para a desintegrao do feudalismo medieval. A importncia docomrcio no pode ser posta em dvida, mas deve-se destacar que esse comrciono surgiu por acaso ou por fatores completamente externos economia europeia,como, por exemplo, o aumento dos contatos com os rabes. Ao contrrio, vimos, naseo anterior, que esse crescimento do comrcio foi sustentado pela evoluoeconmica interna da Europa. O crescimento da produtividade agrcola significavaque o excedente de alimentos e manufaturados tornava-se disponvel tanto para osmercados locais quanto para o mercado internacional. A melhoria na energia e notransporte tornou possvel e lucrativo concentrar os indivduos nas cidades,produzir em grande escala e vender os bens produzidos nos mercados maisamplos, de longa distncia. Assim, esses desenvolvimentos bsicos na agricultura ena indstria foram pr-requisitos necessrios para a disseminao do comrcio, oque, por sua vez, estimulou mais ainda a expanso urbana e incentivou a indstria.

    Entretanto, o crescimento do comrcio no pode ser considerado a principalfora na dissoluo do feudalismo ou na criao do capitalismo. Embora a transiodo feudalismo para o capitalismo tenha coincidido com o aumento do comrcio naEuropa Ocidental, e embora o comrcio tenha sido, decididamente, importantepara a dissoluo do feudalismo e para o crescimento do capitalismo na EuropaOcidental, a intensificao da atividade comercial na Europa Oriental tendeu acontribuir para a consolidao e a perpetuao das relaes econmicas e sociaisfeudais.

    Tais efeitos diferenciados do comrcio foram devidos diferena nos estgios dedesenvolvimento do feudalismo em que se encontravam as duas regies. NaEuropa Oriental, o feudalismo era um sistema econmico relativamente novo evigoroso, com considervel potencial econmico de maior desenvolvimento. Nessecontexto, o comrcio tendia a ser estritamente mantido subordinado aos interessesda classe feudal dominante. Na Europa Ocidental, o feudalismo tinha atingido, eprovavelmente ultrapassado, seu pleno potencial econmico. Muito antes de ocomrcio comear a ser uma parte significativa da vida da Europa Ocidental, ofeudalismo j comeara a se dissolver. O impulso inicial dessa dissoluo foi o fatode que, a despeito dos aumentos de produtividade, o excedente social se tornavacada vez menor para sustentar uma classe dominante que crescia rapidamente.I sso provocou conflitos cada vez mais srios e irreconciliveis dentro da prpriaclasse dominante. No contexto desses conflitos graves entre vrios segmentos danobreza e do clero, o comrcio se tornou uma fora desestabilizante, corrosiva.4 Emnosso resumo, nos limitaremos a discutir o feudalismo na Europa Ocidental, ondeo comrcio tendeu a acelerar a dissoluo do feudalismo e a estabelecer muitas dasfundaes institucionais do capitalismo.

    A expanso do comrcio, particularmente de longa distncia, levou ao

  • estabelecimento de cidades industriais e comerciais para servir a esse comrcio. Ocrescimento dessas cidades, bem como o seu crescente controle por capitalistascomerciantes, provocou importantes mudanas, tanto na agricultura quanto naindstria. Cada uma dessas reas, particularmente a agricultura, teve seus laosenfraquecidos e, por fim, rompidos com a estrutura socioeconmica feudal.

    D esde o incio do perodo medieval, algum comrcio de longa distncia vinhasendo feito em muitas partes da Europa. Esse comrcio era muito importante nosul da Europa, nos mares Mediterrneo e Adritico, e a leste, no Mar do Norte e noMar Bltico. Entretanto, entre essas duas reas de comrcio, o sistema feudalsenhorial da maior parte da Europa permaneceu relativamente inalterado pelocomrcio at a ltima fase da Idade Mdia.

    A partir do sculo XI , as Cruzadas deram fora a uma marcante expanso docomrcio. Todavia, as Cruzadas em si no podem ser vistas como um fator externoou acidental no desenvolvimento da Europa. Elas no foram promovidas por razesreligiosas nem foram o resultado de ataques otomanos a peregrinos, j que osturcos mantiveram a poltica muulmana de tolerncia. Os acontecimentos no ladoturco, de fato, levavam a ataques cada vez mais fortes a Bizncio, mas o Ocidente,normalmente, enviava ajuda apenas simblica, j que no havia grande simpatiapor Bizncio. As razes lgicas para as Cruzadas podem ser vistas nodesenvolvimento intenso da Frana, onde tinham seu mais forte apoio. A Franatornava-se cada vez mais forte, tinha crescentes relaes comerciais com o leste enecessitava de uma vlvula de escape para a inquietao social interna. Umapropaganda adicional em prol das Cruzadas era feita pela oligarquia de Veneza,que queria expandir seu comrcio e sua influncia no leste.5

    O desenvolvimento do comrcio com os rabes e com os vikings, no norte, levouao crescimento da produo para a exportao e s grandes feiras comerciais, quefloresceram do sculo XI I ao final do sculo XI V. Realizadas anualmente nasprincipais cidades comerciais europeias, essas feiras geralmente duravam de uma avrias semanas. Os mercadores do norte da Europa trocavam cereais, peixes, l,tecidos, madeira, breu, alcatro, sal e ferro por especiarias, brocados, vinhos,frutas, ouro e prata, artigos dominantes no comrcio do sul da Europa.

    Por volta do sculo XV, as feiras j estavam sendo substitudas por cidadescomerciais, onde florescia um mercado permanente. O comrcio e o negcio nessascidades se tornaram incompatveis com os restritivos costumes e tradies feudais.Em geral, as cidades conseguiam ganhar independncia de seus senhores feudais eda I greja. S istemas complexos de cmbio, compensao e facilidades creditcias sedesenvolveram nesses centros comerciais, e instrumentos modernos, como letrasde cmbio, tornaram-se de uso corrente. Novos sistemas de leis comerciais foramcriados. Ao contrrio do sistema paternalista de execuo de dvidas, baseado noscostumes e na tradio vigentes no feudo, a lei comercial era fixada por um cdigopreciso. Assim, essa lei tornou-se a base das modernas leis capitalistas doscontratos, ttulos negociveis, representao comercial e leiles.

  • No sistema artesanal senhorial, o produtor (o mestre arteso) era tambm ovendedor. Entretanto, as indstrias que apareciam nas novas cidades erambasicamente indstrias de exportao, nas quais o produtor estava distante docomprador final. Os artesos vendiam seus produtos aos comerciantes que, por suavez, os transportavam e revendiam. Outra diferena importante era a de que oarteso feudal era tambm um fazendeiro, de modo geral. O novo arteso dascidades desistiu da terra para dedicar-se inteiramente ao trabalho com o qual elepoderia obter uma renda monetria que podia ser usada para satisfazer as suasoutras necessidades.

  • O Sistema Domstico de Trabalho e oNascimento da Indstria Capitalista medida que o comrcio prosperava e se expandia, a necessidade de maismanufaturados e maior confiabilidade na oferta levaram a um crescente controledo processo produtivo pelo capitalista comerciante. Por volta do sculo XVI , o tipode indstria artesanal, no qual o arteso era proprietrio de sua oficina, de suasferramentas e matrias-primas e funcionava como um pequeno produtorindependente, tinha sido largamente substitudo, nas indstrias de exportao,pelo sistema domstico de trabalho. No incio da utilizao desse sistema, ocapitalista comerciante fornecia a matria-prima ao arteso independente e lhepagava uma quantia para transform-la em produtos acabados. D esse modo, ocapitalista era proprietrio do produto ao longo de todo o processo de produo,embora o trabalho fosse feito em oficinas independentes. J em pocas maisavanadas de utilizao desse sistema, o capitalista comerciante era proprietriodas ferramentas e mquinas e, frequentemente, do prdio onde a produo tinhalugar. Ele contratava os trabalhadores para usar as ferramentas, fornecia-lhes amatria-prima e recebia o produto acabado.

    O trabalhador j no vendia um produto acabado ao comerciante. Vendiasomente seu prprio trabalho. As indstrias txteis estavam entre as primeiras emque o sistema domstico de trabalho se desenvolveu. Teceles, fiandeiros,pisoeiros e tintureiros se encontravam em uma situao em que sua ocupao, e,portanto, sua capacidade de sustentar a si mesmo e suas famlias, dependia doscapitalistas comerciantes, que tinham de vender o que os trabalhadores produziama um preo suficientemente alto para pagar salrios e outras contas e ainda obterlucro.

    O controle capitalista foi, ento, estendido ao processo de produo. Ao mesmotempo, foi criada uma fora de trabalho que possua pouco ou nenhum capital enada tinha a vender, a no ser sua fora de trabalho. Essas duas caractersticasmarcam o surgimento do sistema econmico do capitalismo. Alguns autores ehistoriadores tm afirmado que o capitalismo j existia, quando o comrcio e oesprito comercial se expandiram e se tornaram dominantes na Europa. Ocomrcio, entretanto, existiu ao longo de toda a era feudal. Contudo, enquanto atradio feudal permaneceu como o princpio organizador da produo, o comrciofoi, na realidade, mantido fora do sistema econmico e social. O mercado e a buscade lucro monetrio substituram os costumes e a tradio, na determinao dequem executaria certa tarefa, como seria executada essa tarefa e se os trabalhadorespoderiam ou no encontrar trabalho para o seu sustento. Quando isso ocorreu, osistema capitalista foi criado.6

    O capitalismo s se tornou dominante quando as relaes entre capitalistas etrabalhadores, existentes nas indstrias de exportao do sculo XVI , foramestendidas maioria das outras indstrias da economia. Para que tal sistema se

  • desenvolvesse, a autossuficincia econmica do feudo tinha de ser quebrada e astradies e os costumes feudais esvaziados ou destrudos. A agricultura tinha de setornar um risco capitalista, no qual os trabalhadores vendessem seu trabalho aoscapitalistas, e os capitalistas s comprassem trabalho se esperassem obter lucro noprocesso.

    Existia uma indstria txtil capitalista em Flandres, no sculo XI I I . Quando, porvrias razes, sua prosperidade comeou a declinar, a riqueza e a pobreza quetinha criado provocaram uma longa srie de violentas guerras de classes,comeando por volta de 1280, que quase destruiu completamente a indstria. Nosculo XI V, uma indstria txtil capitalista prosperou em Florena. Tal como emFlandres, as condies adversas dos negcios conduziram a tenses entre umaclasse trabalhadora miservel e seus ricos empregadores capitalistas. Essas tensesresultaram em rebelies violentas, em 1379 e 1382. A incapacidade de resolver taisantagonismos de classes agravou significativamente o rpido declnio da indstriatxtil florentina, tal como j tinha ocorrido em Flandres.

    No sculo XV, a I nglaterra dominava o mercado txtil mundial. S ua indstriatxtil capitalista tinha resolvido os problemas do conflito de classes, interiorizando-se. Enquanto as indstrias txteis capitalistas anteriores, de Flandres e Florena, selocalizavam em cidades densamente povoadas, nas quais os trabalhadores erammantidos juntos e a resistncia organizada era fcil de ser iniciada, as tecelagensinglesas estavam espalhadas pelo interior. I sso significava que os trabalhadoresestavam isolados em pequenos grupos e no havia possibilidade de desenvolveremqualquer resistncia organizada.

    Entretanto, o novo sistema, em que os ricos proprietrios do capital empregavamartesos desprovidos de bens, era, antes, um fenmeno mais urbano do que rural.D esde o comeo, essas empresas capitalistas buscavam posies monopolistas,controlando a demanda por seus produtos. O surgimento das guildas patronais, ouassociaes de comerciantes capitalistas empregadores, criou inmeras barreiraspara proteger a posio desses empregadores. D iferentes tipos de associaes, comprivilgios especiais e isenes para os filhos dos ricos, taxas elevadas pagas pelosseus membros e outras barreiras impediam os artesos ambiciosos, porm maispobres, de competir com a nova classe capitalista ou dela fazer parte. Na verdade,essas barreiras, de modo geral, resultaram na transformao dos artesos maispobres e seus filhos em uma nova classe trabalhadora urbana, que viviaexclusivamente de sua fora de trabalho.

  • O Declnio do Sistema SenhorialAntes, porm, que um sistema capitalista completo surgisse, a fora das relaesde mercado capitalistas deveria invadir a herdade senhorial, o bastio dofeudalismo. I sso aconteceu em decorrncia do enorme incremento de populaonas novas cidades comerciais. As grandes populaes urbanas dependiam daagricultura para obter alimentos e grande parte das matrias-primas para asindstrias de exportao. Essas necessidades estimulavam especializaes urbanase rurais e um grande fluxo de comrcio entre o campo e a cidade. Os senhoresfeudais comearam a depender das cidades para conseguir bens manufaturados eprocuravam cada vez mais os bens de luxo que os mercadores podiam vender.

    Os camponeses do feudo tambm descobriram que poderiam trocar excedentespor dinheiro, nos mercados locais de cereais; o dinheiro poderia ser usado parapagar taxas ao senhor feudal, em lugar do trabalho forado.7 Essa comutao,quase sempre, transformava o campons em um pequeno negocianteindependente. Ele poderia arrendar terras do senhor, vender seus produtos paracobrir o aluguel e reter a receita excedente. Esse sistema dava ao campons maiorincentivo para produzir e, portanto, aumentar seus excedentes comercializveis, oque induzia a mais comutao, maiores vendas subsequentes e assim por diante. Oefeito cumulativo foi um rompimento gradual dos laos feudais, substitudos pelomercado e pela busca do lucro como os princpios organizadores da produo. Porvolta de meados do sculo XI V, os aluguis pagos em dinheiro j excediam o valordos servios compulsrios em muitas partes da Europa.

    Outro fator que levou as foras de mercado ao setor rural, estreitamente ligado comutao, foi a alienao do domnio dos senhores feudais. Os senhores feudaisque necessitavam de dinheiro para comprar bens manufaturados e bens de luxocomearam a arrendar suas prprias terras a camponeses, em lugar de trabalh-lasdiretamente, utilizando o servio obrigatrio do servo. Esse processo induziu auma situao na qual o senhor feudal simplesmente passava a ser um proprietriorural, no moderno sentido do termo. D e fato, muito frequentemente ele se tornavaausente, na medida em que muitos senhores preferiam mudar para as cidades ouestavam longe, na guerra.

    O esfacelamento do sistema feudal, todavia, se originou mais diretamente deuma srie de catstrofes, no final do sculo XI V e no sculo XV. A Guerra dos CemAnos, entre a Frana e a I nglaterra (1337-1453), estabeleceu a inquietao e adesordem geral, nesses dois pases. A Peste Negra foi ainda mais devastadora.s vsperas da epidemia de 1348-1349, a populao inglesa atingira 4 milhes dehabitantes. No incio do sculo XV, aps os efeitos das guerras e das epidemias, apopulao da I nglaterra mal atingia 2,5 milhes de habitantes. I sso era bastanterepresentativo do que acontecia em outros pases europeus. O despovoamentoprovocou uma enorme falta de mo de obra, e os salrios de todos os tipos detrabalho se elevaram abruptamente. O aluguel da terra, agora relativamente

  • abundante, comeou a cair.Tais fatos levaram a nobreza feudal a uma tentativa de anular as comutaes que

    tinham concedido e restabelecer os servios obrigatrios dos servos e camponeses(camponeses eram antigos servos que tinham atingido certo grau deindependncia e liberdade das restries feudais). D escobriram, entretanto, queno se podia mais voltar situao anterior desejada. O mercado tinha seestendido s regies rurais e com ele aumentara a liberdade, a independncia e aprosperidade dos camponeses. Esses resistiam muito aos esforos pararestabelecer as antigas obrigaes, e essa resistncia no ficou sem resposta.

    Como resultado, houve as famosas revoltas de camponeses, que explodiram emtoda a Europa, do final do sculo XI V ao princpio do sculo XVI . Essas rebelies secaracterizavam por sua extrema crueldade e ferocidade. Um escritor francs dessapoca descreveu um bando de camponeses que mataram um cavaleiro,atravessaram seu corpo com um espeto e assaram-no vivo, diante de sua esposa efilhos. D ez ou doze deles violentaram a mulher e a obrigaram a comer da carne domarido. Ento, mataram-na e s suas crianas. Por onde essa gente desgraadapassava, destrua casas firmes e slidos castelos. 8 Ao final, os camponesesrebeldes foram dizimados com igual ou maior crueldade e ferocidade pela nobreza.

    A I nglaterra experimentou uma sucesso de tais revoltas, do final do sculo XI Vao sculo XV. No entanto, as revoltas ocorridas na Alemanha, no princpio dosculo XVI , foram provavelmente as mais sangrentas. A rebelio camponesa de1524-1525 foi esmagada pelas tropas imperiais do S acro I mperador Romano, quedizimou milhares de camponeses. Provavelmente s na Alemanha foram mortasmais de 100 mil pessoas.

    Essas revoltas foram aqui mencionadas para ilustrar o fato de que as mudanasfundamentais na estrutura poltica e econmica, frequentemente, s soconseguidas aps conflitos violentos e traumatizantes. Qualquer sistemaeconmico gera uma ou mais classes, cujos privilgios dependem da continuaodesse sistema. Essas classes fazem de tudo para resistir a mudanas e protegersuas posies, como natural. A nobreza feudal desencadeou uma reaoselvagem contra o novo sistema capitalista de mercado, mas as foras da mudanaagastaram completamente essa reao. Embora as mudanas importantes tenhamsido introduzidas pelos comerciantes em ascenso e a pequena nobreza, oscamponeses foram as tristes vtimas polticas das convulses sociais consequentes.E, ironicamente, eles estavam, na maioria das vezes, lutando para proteger o statusquo.

  • O Surgimento da Classe TrabalhadoraO incio do sculo XVI um divisor de guas na Histria da Europa. Marca a tnuelinha divisria entre a ordem feudal decadente e o sistema capitalista que surgia.Aps 1500, mudanas econmicas e sociais importantes comearam a ocorrer commaior frequncia, cada uma reforando a anterior, e todas juntas conduzindo aocapitalismo. Entre as mais importantes estavam aquelas que criavam uma classetrabalhadora sistematicamente privada do controle sobre o processo de produo eforada a uma situao em que a venda de sua fora de trabalho era a nicapossibilidade de sobrevivncia. A populao da Europa Ocidental, que tinhapermanecido relativamente estagnada durante um sculo e meio, aumentou emquase um tero, no sculo XVI, chegando a 70 milhes em 1600.

    O aumento na populao foi acompanhado pelos movimentos dos cercamentos, quecomeou na I nglaterra, j no sculo XI I I . A nobreza feudal, cada vez maisnecessitada de dinheiro, cercava ou fechava terras at ento usadas como pastocomum, utilizando-a, ento, como pasto de ovelhas, para satisfazer explosivademanda por l pela indstria txtil lanfera inglesa. As ovelhas davam bons lucrose exigiam um mnimo de trabalho nas pastagens.

    O movimento dos cercamentos atingiu seu ponto mximo nos sculos XV e XVI ,quando, em algumas reas, de 3/4 a 9/10 dos habitantes foram expulsos do campo eforados a buscar sustento nas cidades. Ondas subsequentes de cercamentocontinuaram at o sculo XI X. Os cercamentos e o crescimento populacionaldestruram os laos feudais remanescentes, criando uma grande e nova fora detrabalho uma fora de trabalho sem terra, sem quaisquer ferramentas ouinstrumentos de produo, apenas com a fora do trabalho para vender. Essamigrao para as cidades significava mais trabalho para as indstrias capitalistas,mais homens para os exrcitos e marinhas, mais homens para colonizar novasterras e mais consumidores ou compradores potenciais de produtos.

    Mas os cercamentos e o aumento populacional no foram, de modo algum, anica origem da nova classe operria. I nmeros camponeses, pequenosproprietrios de terra e membros da pequena nobreza foram falncia com osexorbitantes aumentos dos aluguis monetrios. D vidas acumuladas que nopodiam ser saldadas arruinaram muitos outros. Nas cidades maiores e menores, asguildas passaram a preocupar-se cada vez mais com os nveis de renda de seusmembros. Era bvio, para os artfices e mercadores das corporaes, que os passosdados para minimizar o nmero de seus membros serviriam para monopolizarseus ofcios e para aumentar suas rendas. Um nmero cada vez maior deprodutores urbanos passou a no ter direito a ter qualquer meio de produoindependente, medida que as guildas ficavam mais exclusivas. Assim, umaparcela considervel da nova classe trabalhadora foi criada nas cidades pequenas egrandes.

    Muitos agricultores e artesos, que tinham sido, ento, expulsos da terra e

  • impedidos de ter acesso a seus meios originais de produo, tornaram-se vadios emendigos. Um nmero ainda maior procurou garantir sua subsistncia,apossando-se ilegalmente de terras marginais e no usadas, onde podiam plantarpara seu prprio uso. Foram aprovadas leis extremamente repressivas contra essetipo de lavoura e contra a vadiagem.9 Assim, quando a fora, a fraude e a mortepela fome foram insuficientes para criar a nova classe trabalhadora, lanou-se mode estatutos criminais e represso do governo.

  • Outras Foras na Transio para o CapitalismoOutras foras de mudana tambm foram instrumentais na transio para ocapitalismo. Entre elas estava o despertar intelectual do sculo XVI , que promoveuo progresso cientfico, que logo foi aproveitado na prtica da navegao. Otelescpio e a bssola permitiram que os homens navegassem com muito maispreciso, cobrindo distncias muito maiores. I sso levou s Grandes D escobertas.Em um curto perodo, os europeus tinham mapeado rotas martimas para asndias, a frica e as Amricas. Essas descobertas tiveram uma dupla importncia:primeiro, resultaram num fluxo rpido e intenso de metais preciosos para aEuropa; em segundo lugar, anunciaram uma poca de colonizao.

    Entre 1300 e 1500, a produo de ouro e prata, na Europa, tinha estagnado. Ocomrcio capitalista, que se expandia rapidamente, e a extenso do sistema demercado para a cidade e o campo tinham provocado uma escassez aguda demoedas. Como eram basicamente de ouro e prata, a necessidade desses metais eracrtica. A partir mais ou menos de 1450, essa situao foi aliviada um pouco,quando os portugueses comearam a extrair metais da Costa do Ouro, na frica,mas a escassez geral continuou at meados do sculo XVI . D a em diante, houveuma entrada to grande de ouro e prata vindos das Amricas, que a Europaexperimentou a inflao mais rpida e duradoura de sua h