da população urbana de países em desenvolvimento...

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56 CAPÍTULO 5: URBANIZAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO SÉCULO XXI da população urbana de países em desenvolvimento numa era de globalização econômica. As estratégias locais terão que ser integradas a um marco temporal e espacial mais inclusivo para tratar problemas mais amplos e assegurar a sustentabilidade a longo prazo. O conceito de mudanças ambientais globais (sigla em inglês GEC – Global Environmental Change) fornece tal marco. As mudanças ambientais globais são a soma de uma diversidade de desafios ambientais locais, nacionais ou regionais. 4 Denotam também os impactos desses desafios, como por exemplo, mudanças na temperatura e nos regimes de precipitação, que poderiam aumentar a freqüência de inundações e secas, aumentar o nível do mar, ou influenciar a propagação de doenças e espécies invasivas. As áreas urbanas tanto contribuem para as mudanças ambientais globais, por meio do consumo de recursos, do uso da terra e da produção de resíduos, quanto sofrem seus impactos. As conseqüências plenas das mudanças ambientais globais só serão sentidas a médio e longo prazo. Por causa dessa defasagem, as áreas urbanas são freqüentemente ignoradas e problemas ambientais mais prementes, como o abastecimento de água, o saneamento e o descarte de resíduos, acabam por tomar precedência. Contudo, os formuladores de políticas devem estar cientes de que suas decisões locais têm efeitos abrangentes e que as mudanças climáticas ou de ecossistemas podem ter um impacto local. Ambos os aspectos requerem mais informação e uma visão de mais longo prazo. As decisões tomadas hoje sobre fontes de energia, sistemas de transporte e planejamento espacial terão um impacto, a longo prazo, sobre os processos biofísicos regionais e globais que contribuem para as mudanças ambientais globais. A solução dos problemas atuais pode ajudar a mitigar os impactos das mudanças ambientais globais mas somente se as interações entre problemas urbanos locais e processos regionais e globais forem explicitamente consideradas. Essa abordagem e esse planejamento integrados podem aumentar a resiliência de áreas urbanas aos choques derivados das mudanças ambientais globais. Por exemplo, pode ajudar a preservar ecossistemas saudáveis ou assegurar que novos sistemas de transporte, suprimento de água e de energia sejam construídos de forma compatível com os riscos relacionados ao clima. De forma inversa, as ações voltadas para questões globais de longo prazo podem contribuir para a resolução de problemas ambientais mais imediatos e mais locais. Uma Visão Além do Nível Local As áreas urbanas dependem de recursos naturais para o abastecimento de água, alimentos, materiais de construção, energia e descarte de resíduos. Por sua vez, a urbanização transforma paisagens e ecossistemas tanto locais quanto distantes. As megacidades atraem a atenção por seu tamanho e dominação econômica. Entretanto, cidades pequenas e médias, que atualmente abrigam mais da metade da população urbana do mundo, e que vão continuar a ocupar um papel predominante, enfrentam desafios e pressões similares. 5 Duas questões em particular ilustram a interação entre a urbanização e os recursos naturais, e sua interação com as mudanças ambientais globais. A primeira, a mudança no uso da terra e na cobertura vegetal, já foi discutida em algum detalhe no Capítulo 4. O presente capítulo investiga mais a fundo o impacto da mudança e da variabilidade climáticas. Mudanças na Cobertura Vegetal A rápida expansão de áreas urbanas provoca mudanças na cobertura vegetal e causa a perda de habitat. O Capítulo 4 analisou como a combinação de crescimento da população urbana, redução das densidades demográficas e periurbanização poderia converter grandes áreas de terra valiosa para usos urbanos em décadas futuras. Os desafios ambientais derivados da conversão de ecossistemas naturais e agrícolas em áreas de uso urbano têm implicações importantes para o funcionamento de sistemas globais. O grau de seriedade desses desafios depende de como e em que direção as localidades urbanas irão se expandir. Depende ainda mais dos padrões de consumo impostos pelas populações urbanas. As "pegadas ecológicas das cidades espalham-se para muito além da vizinhança imediata das cidades, particularmente em países desenvolvidos. O aumento das rendas e do consumo em áreas urbanas conduz a uma crescente pressão sobre os recursos naturais, provocando mudanças no uso do solo e na cobertura vegetal em suas Os formuladores de políticas devem estar cientes de que suas decis es locais têm efeitos abrangentes e que as mudanças climáticas ou de ecossistemas podem ter um impacto local. Ambos os aspectos requerem mais informação e uma visão de mais longo prazo.

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56 C A P Í T U LO 5 : URBANIZAÇÃO E SUSTENTABIL IDADE NO SÉCULO XXI

da população urbana de países em desenvolvimento numaera de globalização econômica. As estratégias locais terãoque ser integradas a um marco temporal e espacial maisinclusivo para tratar problemas mais amplos e assegurar asustentabilidade a longo prazo.

O conceito de mudanças ambientais globais (sigla eminglês GEC – Global Environmental Change) fornece talmarco. As mudanças ambientais globais são a soma deuma diversidade de desafios ambientais locais, nacionaisou regionais.4 Denotam também os impactos dessesdesafios, como por exemplo, mudanças na temperatura enos regimes de precipitação,que poderiam aumentar afreqüência de inundações esecas, aumentar o nível do mar,ou influenciar a propagação dedoenças e espécies invasivas.

As áreas urbanas tantocontribuem para as mudançasambientais globais, por meiodo consumo de recursos, douso da terra e da produção deresíduos, quanto sofrem seusimpactos. As conseqüências plenas das mudançasambientais globais só serão sentidas a médio e longoprazo. Por causa dessa defasagem, as áreas urbanas sãofreqüentemente ignoradas e problemas ambientais maisprementes, como o abastecimento de água, o saneamentoe o descarte de resíduos, acabam por tomar precedência.

Contudo, os formuladores de políticas devem estarcientes de que suas decisões locais têm efeitos abrangentes eque as mudanças climáticas ou de ecossistemas podem terum impacto local. Ambos os aspectos requerem maisinformação e uma visão de mais longo prazo. As decisõestomadas hoje sobre fontes de energia, sistemas detransporte e planejamento espacial terão um impacto, alongo prazo, sobre os processos biofísicos regionais e globaisque contribuem para as mudanças ambientais globais. Asolução dos problemas atuais pode ajudar a mitigar osimpactos das mudanças ambientais globais mas somentese as interações entre problemas urbanos locais e processosregionais e globais forem explicitamente consideradas.

Essa abordagem e esse planejamento integradospodem aumentar a resiliência de áreas urbanas aoschoques derivados das mudanças ambientais globais. Porexemplo, pode ajudar a preservar ecossistemas saudáveisou assegurar que novos sistemas de transporte,suprimento de água e de energia sejam construídos de

forma compatível com os riscos relacionados ao clima. Deforma inversa, as ações voltadas para questões globais delongo prazo podem contribuir para a resolução deproblemas ambientais mais imediatos e mais locais.

Uma Visão Além do Nível Local As áreas urbanas dependem de recursos naturais para oabastecimento de água, alimentos, materiais deconstrução, energia e descarte de resíduos. Por sua vez, aurbanização transforma paisagens e ecossistemas tantolocais quanto distantes.

As megacidades atraem a atenção porseu tamanho e dominação econômica.Entretanto, cidades pequenas e médias,que atualmente abrigam mais da metadeda população urbana do mundo, e quevão continuar a ocupar um papelpredominante, enfrentam desafios epressões similares.5

Duas questões em particular ilustrama interação entre a urbanização e osrecursos naturais, e sua interação com asmudanças ambientais globais. A primeira,

a mudança no uso da terra e na cobertura vegetal, já foidiscutida em algum detalhe no Capítulo 4. O presentecapítulo investiga mais a fundo o impacto da mudança eda variabilidade climáticas.

Mudanças na Cobertura Vegetal A rápida expansão de áreas urbanas provoca mudanças nacobertura vegetal e causa a perda de habitat. O Capítulo 4analisou como a combinação de crescimento da populaçãourbana, redução das densidades demográficas eperiurbanização poderia converter grandes áreas de terravaliosa para usos urbanos em décadas futuras.

Os desafios ambientais derivados da conversão deecossistemas naturais e agrícolas em áreas de uso urbanotêm implicações importantes para o funcionamento desistemas globais. O grau de seriedade desses desafiosdepende de como e em que direção as localidades urbanasirão se expandir. Depende ainda mais dos padrões deconsumo impostos pelas populações urbanas.

As "pegadas ecológicas das cidades espalham-se paramuito além da vizinhança imediata das cidades,particularmente em países desenvolvidos. O aumento dasrendas e do consumo em áreas urbanas conduz a umacrescente pressão sobre os recursos naturais, provocandomudanças no uso do solo e na cobertura vegetal em suas

Os formuladores de políticas devem

estar cientes de que suas decis es locais

têm efeitos abrangentes e que as

mudanças climáticas ou de ecossistemas

podem ter um impacto local. Ambos os

aspectos requerem mais informação e

uma visão de mais longo prazo.

zonas de influência, às vezes sobre vastas áreas. Issogeralmente causa perdas muito maiores de habitat e deserviços de ecossistemas do que a própria expansão urbana.

Por exemplo, as florestas tropicais em Tabasco foramdestruídas para dar lugar à criação de gado, em resposta àcrescente demanda por carne na Cidade do México, a 400quilômetros de distância. O aumento de demanda de sojae carne em áreas urbanas na China, acrescida à demandado Japão, dos Estados Unidos e da Europa, estáacelerando o desmatamento na Amazônia brasileira.6

O conceito da "pegada ecológica", usado paradescrever essa expansão do perímetro do consumourbano, é agora bastante familiar.7 Mas muitos deduzemdaí que a concentração urbana em si é o problema, e nãoo consumo por um grande número de pessoas mais ricasou menos ricas. Isso é incorreto. Evidentemente, oscentros urbanos de países pobres não têm a mesmapegada que os dos países desenvolvidos.

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O conceito de transição ambiental expõe as diferençasentre cidades de países de renda alta e baixa.8 Nas cidadesdos países mais pobres, os problemas ambientais sãolocais e afetam, em sua maior parte, a saúde, por causada água e do saneamento inadequados, da baixaqualidade do ar (dentro e fora de domicílios) e dolimitado ou inexistente descarte de resíduos. À medidaque as rendas médias aumentam, esses problemasimediatos deixam de ser tão prementes, mas as mudançasnas atividades produtivas e nos padrões de consumoaumentam o impacto em áreas rurais circunvizinhas. Emcidades mais ricas, os impactos locais e regionais têmgeralmente decrescido em função da ampliação daregulamentação ambiental, de investimentos notratamento de resíduos e controle da poluição, e demudanças na base econômica, de atividades industriaispara serviços. Mas, a riqueza aumenta o impacto sobre oônus ambiental global, como a mudança climática.

Crianças afegãs refugiadas oferecem mão-de-obra barata em depósito de pneus usados em Peshawar, Paquistão.

© Thomas Dworzak/Magnum Photos

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A questão da água é particularmente relevante nestadiscussão. As cidades dependem de uma fonte garantidade água, o que gera uma demanda significativa por fontesglobais de água potável. As cidades já competem comdemandas muito maiores, vindas da agricultura, porescassos recursos hídricos em algumas regiões, como osudoeste dos Estados Unidos, o Oriente Médio, a Áfricado Sul, partes da Ásia Central e do Sahel. Em casosextremos por exemplo, o sistema de Cutzmala queabastece a Cidade do México , comunidades inteirassão inundadas ou relocadas para dar lugar à criação deinfra-estrutura de abastecimento de água. Essa situaçãoserá vista em escala monumental se a China completar oDesvio Sul-Norte de Águas.9 Em última instância, ademanda das cidades pelas fontes de água disponíveisainda ultrapassa a dos usuários rurais e agrícolas.1 0

As áreas urbanas podem afetar os recursos hídricos e ociclo hidrológico de duas outras maneiras significativas:primeiramente, com a expansão das estradas,estacionamentos e outras superfícies impermeáveis, quepoluem o escoamento superficial (runoff) e reduzem aabsorção de águas pluviais e o reabastecimento dosaqüíferos; e, segundo, através das usinas hidroelétricas degrande porte usadas no abastecimento urbano de energia.1 1

Esses exemplos ilustram as complexidades na abordagemdos impactos das cidades no sistema biofísico e destacam anecessidade de uma perspectiva ampla e integrada.

Cidades e Mudança Climática A mudança climática e suas ramificações em processosurbanos cobrem um amplo leque de questões. Osdesastres naturais relacionados ao clima estão aumentandoem freqüência e magnitude. Suas conseqüênciasdependerão de diversos fatores, incluindo a resiliência e avulnerabilidade das populações e dos lugares.

As condições climáticas sempre deram forma ao meioambiente construído. Desde os anos 50, entretanto, ospadrões tradicionais adaptados às condições climáticas locaisestão sendo cada vez mais abandonados. A globalização e orápido desenvolvimento tecnológico tendem a promoverum desenho arquitetônico e urbano homogeneizado,independentemente das condições naturais. Essa arquiteturapadronizada é acompanhada por um aumento no consumo

de energia advindo do transporte de materiais exógenos edo aproveitamento de um único projeto de construção emuma variedade de ambientes e condições climáticas, semconsideração à sua eficiência energética. Em alguns lugares,a energia é muito barata para motivar projetos eficientesem termos de aproveitamento desse recurso; em outroscasos, os construtores ignoram os custos, uma vez que ospreços de venda não refletem as futuras economias geradaspor uma maior eficiência energética.

O uso de novas formas arquitetônicas e urbanas,novos materiais e inovações, como o ar condicionado,aumentou os custos de energia e a contribuição dascidades para as emissões de gás de efeito estufa. Osavanços tecnológicos permitiram, ainda, o rápidocrescimento das cidades em lugares antes consideradosinabitáveis. Por exemplo, a cidade norte-americana de

Mãe carrega criança por ruas imundas em Porto Príncipe, Haiti.Um dos lugares mais pobres do Hemisfério Ocidental,

não dispõe de serviço de coleta de lixo.

© Melanie Stetson Freeman/Getty Images

C A P Í T U LO 5 : URBANIZAÇÃO E SUSTENTABIL IDADE NO SÉCULO XXI

Phoenix cresceu graças à projetos de engenharia quedesviaram água do rio Colorado; a água da cidade deRiyadh, na Arábia Saudita, vem em sua maior parte deusinas de dessalinização.

A forma e a função urbanas também ajudam a definira natureza das interações entre as cidades e a mudançaclimática local. Por exemplo, o "efeito da ilha de calorurbano" resulta dos impactos de diferentes usos da terraem áreas urbanas, criando microclimas e conseqüênciaspara a saúde.

O efeito da ilha de calor é definido como umaumento das temperaturas do núcleo urbano em relaçãoàs áreas circunvizinhas. O tamanho do centro urbano, otipo de urbanização, a forma, função e uso da terraurbana, todos contribuem paratal efeito. À medida que vilarejoscrescem e se tornam pequenascidades, e depois cidades maiores,sua temperatura média aumentaentre 2 C e 6 C em relação à daárea rural circunvizinha.1 2

As formas e os projetosurbanos que negligenciam ascondições climáticas locais eperdem os efeitos de refrigeraçãodas áreas verdes tendem a agravaro efeito da ilha de calor. Ascidades de países pobres nostrópicos são particularmente afetadas.

O acelerado crescimento urbano, combinado aospotentes impactos da variabilidade climática e mudançaclimática, provavelmente terá graves conseqüências sobrea saúde ambiental nos trópicos (causando, por exemplo, oestresse térmico e o acúmulo de ozônio troposférico), oque pode afetar a economia urbana (por exemplo, aprodutividade da força de trabalho e de atividadeseconômicas) e a organização social.

Em um círculo vicioso, a mudança climática aumentaráa demanda de energia para o condicionamento de ar emáreas urbanas e contribuirá para o efeito da ilha de calorpor meio da poluição térmica do ar. A poluição térmica doar, o smog e o ozônio superficial não são fenômenos apenasurbanos; afetam também áreas rurais circunvizinhas,reduzindo a produtividade agrícola,1 3 aumentando os riscospara a saúde1 4 e gerando furacões e tempestades.

A saúde humana nas áreas urbanas também podesofrer em conseqüência da mudança climática,especialmente nas áreas urbanas pobres, cujos habitantes

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têm menos possibilidade de se adaptar. Eles já sofremcom uma variedade de problemas associados à pobreza e àdesigualdade. A mudança climática irá agravá-los. Porexemplo, nas áreas pobres, a ausência de serviços de saúdee outros serviços, combinada a superlotação,abastecimento insuficiente de água e saneamentoinadequado geram condições ideais para a proliferação dedoenças respiratórias e intestinais, e para a multiplicaçãode mosquitos e outros vetores de doenças tropicais, comomalária, dengue e febre amarela. As mudanças natemperatura e na precipitação podem facilitar adisseminação de doenças em áreas previamente nãoafetadas e aumentar sua disseminação em áreas já afetadas.As mudanças climáticas e nos ciclos da água poderiam

afetar o abastecimento, a distribuição ea qualidade da água em áreas urbanas,com conseqüências significativas para apropagação de doenças transmitidasatravés da água.

Os impactos da mudança climáticano abastecimento urbano de água serãoprovavelmente dramáticos. Muitospaíses pobres já enfrentam deficiênciasacumuladas de abastecimento,distribuição e qualidade da água, mas amudança climática provavelmenteagravará essas dificuldades. O recenterelatório do Painel Intergovernamental

sobre Mudança Climática destaca que as cidades emregiões mais secas, como arachi no Paquistão e NovaDeli na Índia, serão particularmente afetadas.1 5

Pobreza e Vulnerabilidade a Desastres NaturaisAs cidades são altamente vulneráveis a crises e desastresnaturais: desabastecimento repentino, sérios problemasambientais ou grandes catástrofes podem levarrapidamente a sérias emergências. As conseqüências detais crises são multiplicadas por administração eplanejamento mal coordenados.

Os desastres naturais tornaram-se mais freqüentes emais severos durante as duas últimas décadas, afetandovárias cidades grandes (ver Figura 7). O Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) relataque, entre 1980 e 2000, 75% da população total domundo vivia em áreas afetadas por algum desastrenatural.1 6 Em 1999, houve mais de 700 grandes desastresnaturais, causando mais de US 100 bilhões em perdaseconômicas e milhares de vítimas. Mais de 90% dos

Os impactos da mudança climática no

abastecimento urbano de água serão

provavelmente dramáticos. Muitos

países pobres já enfrentam deficiências

acumuladas de abastecimento,

distribuição e qualidade da água, mas

a mudança climática provavelmente

agravará essas dificuldades.

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óbitos decorrentes de desastres naturais em todo omundo ocorreram em países pobres.

Os impactos das mudanças ambientais globais,particularmente os riscos relacionados ao clima, afetamdesproporcionalmente as populações pobres evulneráveis moradores de favelas e de invasões nasencostas, em áreas mal drenadas ou baixadas litorâneas.1 7

Por exemplo, décadas de assentamentos informaisnas encostas em torno de Caracas, Venezuela,contribuíram para o impacto devastador das repentinasinundações e deslizamentos de terra em dezembro de1999, que mataram 30 mil pessoas e afetaram quasemeio milhão de pessoas.1 8 O impacto do furacão atrinaem Nova Orleans, Estados Unidos (Caixa 23), mostra

que os países desenvolvidos tampouco estão imunes atais desastres.

A seca, as inundações e outras conseqüências damudança climática podem também modificar padrões demigração entre áreas rurais e urbanas, ou dentro de áreasurbanas. Por exemplo, as severas inundações na bacia de

angtze, China, em 1998 e 2002, deflagradas por umacombinação de variabilidade climática e mudanças nacobertura vegetal causadas pelo homem, deslocaram milhõesde pessoas, principalmente agricultores de subsistência ehabitantes de vilarejos. Exemplos similares podem ser vistosna Índia, no México e em outros países em desenvolvimento.Muitos dos chamados "refugiados ambientais" nunca voltamàs áreas rurais de onde foram deslocados.

Figura 7: As Grandes Cidades e os Atuais Perigos Relacionados ao Clima

Fonte: de Sherbinin, A., A. Schiller, e A. Pulsipher. A ser publicado. "The Vulnerability of Global Cities toClimate Hazards.” Environment and Urbanization.

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A linha pontilhada representa aproximadamente a Linha de Controle em Jammue Caxemira, acordada entre a Índia e o Paquistão. Não há consenso entre as partesa respeito do status final de Jammu e Caxemira. As fronteiras mostradas neste mapanão implicam endosso ou aceitação oficial das Nações Unidas.

Elevação do Nível do Mar: Uma Questão deQuando e Quanto?1 9

Um dos alarmantes cenários da mudança climática é seuimpacto na elevação do nível do mar e suas potenciaisconseqüências para áreas urbanas litorâneas. As zonascosteiras sempre concentraram populações e atividadeseconômicas devido a seus recursos naturais eoportunidades de negócios. Muitas das maiores cidadesdo mundo situam-se em zonas costeiras ou próximas à fozde grandes rios. As áreas urbanas e rurais de ecossistemascosteiros são as mais densamente povoadas do mundo.

Essas populações, especialmente quando concentradasem grandes áreas urbanas dentro de ricas zonas ecológicas,podem representar uma pressão sobre os ecossistemas

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litorâneos, muitos dos quais já estão sob estresse. Tais áreascorrem um risco cada vez maior de serem afetadas porperigos como a elevação do nível do mar e tempestadesmais severas induzidas pela mudança climática.

A elevação do nível do mar, especialmente secombinada com eventos climáticos extremos, inundariagrande parte dessas áreas. Também introduziria águasalgada na água potável da superfície e dos aqüíferos,afetando o abastecimento de água das cidades,modificando ecossistemas críticos que fornecem serviçosecológicos e recursos naturais às áreas urbanas.Provocaria, ainda, inevitável migração para outras áreasurbanas. Os assentamentos litorâneos em países de baixarenda seriam mais vulneráveis, e os grupos de baixa renda

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que vivem em áreas de planícies aluviais seriam os maisvulneráveis de todos.

A primeira avaliação sistemática dessas questõesmostra que as zonas costeiras de baixa altitude (sigla eminglês LEC – Lo Elevation Coastal ones) atualmenterepresentam somente 2% da área de terra do planeta, masabrigam 13% de sua população urbana.2 0 Apesar dosníveis mais baixos de urbanização, a África e a Ásia têmproporções muito maiores de suas populações urbanas emzonas litorâneas do que a América do Norte ou a Europa(ver Tabela 1).

Tais diferenças refletem a herança colonial da África eda Ásia, onde as principais cidades cresceram como portose pólos de exportação de matérias-primas.2 1 A Ásia sedestaca, uma vez que contém aproximadamente trêsquartos da população global e dois terços de suapopulação urbana em zonas costeiras de baixa altitude.

A concentração de grandes assentamentos em zonascosteiras de baixa altitude é impressionante: 65% dascidades com mais de 5 milhões de habitantes seencontram nessas zonas, e apenas 13% delas têm menosde 100 mil habitantes.

Dadas as ameaças reais e crescentes da mudançaambiental global em zonas costeiras de baixa altitude, acontinuação dos padrões atuais de crescimento urbano épreocupante. A partir de uma perspectiva ambiental, o

desenvolvimento costeiro descontrolado provavelmentedanificará ecossistemas frágeis e importantes, assim comooutros recursos. Ao mesmo tempo, o assentamento costeiro,particularmente nas baixadas, provavelmente exporá oshabitantes aos perigos relacionados ao mar, os quais tendema se tornar mais sérios com as mudanças climáticas.

A persistência dos atuais padrões de urbanização atrairáainda mais pessoas para as zonas costeiras de baixa altitude.Em particular, o crescimento econômico voltado para aexportação na China tem sido associado à intensa migraçãopara o litoral (ver Figura 8). Bangladesh, apesar de suas taxasmais baixas de crescimento econômico e de urbanização,também está experimentando um marcado deslocamento dapopulação para zonas costeiras de baixa altitude.

A proteção dos residentes de áreas litorâneas contra osriscos relacionados à mudança climática requereria planosde mitigação e a emigração das zonas costeiras de baixaaltitude. Exigiria também a modificação das formasprevalecentes de assentamento costeiro.

Tais intervenções seriam evidentemente mais fáceis emnovas áreas urbanas. Seria crucial evitar políticas quevenham a favorecer o desenvolvimento costeiro e imporuma gestão mais efetiva da zona costeira. Entretanto, taismedidas requerem visão, compromisso e um longo tempode preparação.

23 O DESASTRE DO KATRINA EM NOVA ORLEANS1

O furacão Katrina passou pela Costa do Golfo dos EstadosUnidos em 29 de agosto de 2005. Matou mais de 2.800pessoas, destruindo vidas, casas e deixando centenas demilhares de sobreviventes desabrigados. Cerca de 9,7 mi-lhões de pessoas no Alabama, em Louisiana e no Mississipivivenciaram a força do furacão. O Katrina teve seus maioresefeitos na cidade de Nova Orleans e no litoral do Estado deMississipi, mas causou devastação em um raio de 160quilômetros do centro da tempestade, ao longo de grandeparte das áreas norte e central da Costa do Golfo.

Nos três estados mais fortemente atingidos pela tem-pestade, aproximadamente 4,9 milhões de pessoas vivemem áreas costeiras, o equivalente a 41% da população.Aproximadamente 3,2 milhões de pessoas vivem emáreas de inundação efetiva ou iminente. As populaçõespobres foram as mais afetadas pelo furacão. Os afrodes-cendentes e os idosos eram os que t inham maiorprobabilidade de residirem nas áreas inundadas e de mor-rer em conseqüência da inundação, se comparados combrancos não idosos.

Tabela 1: Percentagem de população e de área de terra emzonas costeiras de baixa altitude, por Região, 2000

População e área de terra em zonas costeiras de baixa altitude, por Região, 2000

RegiãoPopulação

Total(%)

PopulaçãoUrbana (%)

TerraTotal(%)

TerraUrbana

(%)

África 7 12 1 7

Ásia 13 18 3 12

Europa 7 8 2 7

América Latina 6 7 2 7

Austrália eNova Zelândia 13 13 2 13

América do Norte 8 8 3 6

Pequenos EstadosInsulares 13 13 16 13

Mundo 10 13 2 8

Fonte: McGranahan, G., D. Balk e B. Anderson. A ser publicado. “The Rising Risks ofClimate Change: Urban Population Distribution and Characteristics in Low ElevationCoastal Zones”. Environment and Urbanization.

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Assim, é de considerável importância planejar o futurocom base em informações e análises de qualidade.Infelizmente, as considerações ambientais ainda não têmtido muita influência na orientação dos padrões deassentamento. Alterar esses padrões exigiria umaabordagem proativa, que é raramente encontrada dada aprioridade conferida ao crescimento econômico. Isso, porsua vez, requererá conscientização e advocacy.

Adaptação à mudança climática Outras interações com o clima podem até não ter asdramáticas conseqüências dos desastres naturais; noentanto, têm conseqüências significativas para a vida e asfunções urbanas. Por exemplo, as mudanças nastemperaturas médias e extremas, ou na intensidade e naduração das estações, podem ter influência significativasobre outros aspectos, como atividades econômicas (porexemplo, o turismo); produtividade dos trabalhadores;uso do espaço urbano para a interação social; índice de

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conforto; abastecimento, distribuição e qualidade da água;além de demanda de energia.

A ampla gama de tais impactos em áreas urbanas devegerar respostas de adaptação que sejam apropriadas àscondições e aos recursos locais. A adaptação à geografiafísica local e às condições climáticas tem impactosignificativo nos tipos de construção e sobre a maneiracomo as áreas urbanas são construídas. A adaptação aosciclos biofísicos também modifica o uso da terra em áreasurbanas e define a maneira como uma cidade cresce.

Apesar do crescente conhecimento sobre essas questões,ainda nos falta uma perspectiva detalhada sobre como amudança climática contribui para dar forma ao meioambiente construído, ou sobre como o meio ambienteconstruído deve se adaptar às prováveis mudanças nosregimes de temperatura e precipitação existentes.

As instituições desempenham um papel significativo deapoio a sistemas urbanos para que possam adaptar-se àsconseqüências negativas das mudanças ambientais globais

Vítimas do Furacão Katrina em Nova Orleans, Estados Unidos, tentam salvar alguns de seus pertences mais valiosos.

© Jez Coulson/Panos Pictures

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Figura 8: China: Região Costeira do Mar Amarelo

Extensões Urbanas, porTamanho da População, 2000

5 - 100 Mil

100 - 500 Mil

500 Mil - 1 Milhão

1 Milhão - 5 Milhões

+5 Milhões

Zona Costeirade Baixa Altitude

Nota: a camada de zonas costeiras debaixa altitude está semitransparente paraexibir as camadas subjacentes. Por isso, acor azul não está uniforme

BEIJING

TIANJIN

SHANGHAI

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e lidar com tais questões. Por exemplo, a criação de redesinternacionais de cidades é uma nova e promissoratendência em relação às questões ambientais urbanas.2 2

Essas redes procuram facilitar a troca de informação e detreinamento em nível local no que diz respeito a questõesurbanas e ambientais, e podem também tornar-sepoliticamente relevantes em momentos críticos.

Ações Locais, Conseqüências Globais:Mudança Global, Impacto Local Este capítulo propõe que a sustentabilidade urbana delongo prazo depende da capacidade dos formuladores depolíticas para adotar uma visão mais ampla da utilizaçãodo espaço e associar os desenvolvimentos locais a suasconseqüências globais.

Uma perspectiva mais ampla favorece a eficácia dasações locais e promove a sustentabilidade a mais longoprazo. Por exemplo, o planejamento local para odesenvolvimento costeiro requer, no mínimo, uma visãomais ampla que conecte os planos econômicospropostos a temas como os aspectos espaciais, o uso daterra, taxas e características do crescimentodemográfico, necessidade de habitação e serviços daspessoas pobres, infra-estrutura, eficiência energética edescarte de resíduos.

Precisamos, também, de uma visão que seja inspiradapelas preocupações ambientais globais, a fim de evitardanos a ecossistemas frágeis e outros recursos. Asperspectivas locais e globais, assim como a informaçãode qualidade, devem determinar a direção docrescimento futuro das cidades.

As questões urbanas oferecem oportunidades únicasde se traduzir a pesquisa científica em políticasconcretas. Envolvem um grande número de interessadosem vários níveis – nacional, municipal, de bairro e dedomicílio –, incluindo governos, o setor privado e asociedade civil. Dada a crescente atenção por parte dediversas organizações internacionais e governos nacionaise locais, aumentar a conscientização global a partir docontexto urbano local deve se tornar mais fácil.

As áreas urbanas são também tipicamente mais ricasdo que as áreas rurais e, conseqüentemente, têm maisfacilidade de conseguir financiamento local para grandesprojetos. A efetividade dessas iniciativas dependerá daadoção de uma postura mais proativa, inspirada pelavisão das ações necessárias no presente, para garantir asustentabilidade a longo prazo.

Fonte: McGranahan, G., D. Balk, e B. Anderson. A ser publicado. “The Rising Tide:Assessing the Risks of Climate Change and Human Settlements in Low ElevationCoastal Zones”. Environment and Urbanization 19 (1).

Nota: Os riscos representam uma classificação cumulativa baseada nos riscos deciclones, enchentes, deslizamentos de terra e secas.

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A gestão do crescimento urbano tem se tornado um dos mais importantes desafios

do século I.1

A urbanização oferece oportunidades significativas para a redução da pobreza eda desigualdade de gênero, assim como para a promoção do desenvolvimentosustentável. No entanto, sem uma preparação efetiva para o enorme aumento nonúmero de pessoas pobres, as favelas se multiplicarão e as condições de vidacontinuarão a se deteriorar. Da mesma forma, se as cidades persistirem na expansãodescontrolada de perímetros urbanos, no uso indiscriminado dos recursos e noconsumo irracional, sem consideração aos danos ecológicos, os problemasambientais associados às cidades continuarão a piorar.

Como as cidades podem evitar a calamidade e fazer bom uso de suas oportunidadesCada vez mais, espera-se que a resposta seja a melhor governança urbana.

O termo "governança urbana", anteriormente igualado a gestão urbana, veio aser compreendido englobando tanto a responsabilidade do governo como oengajamento da sociedade civil.2 Geralmente, se refere a processos por meio dosquais os governos locais urbanos em parceria com outros órgãos públicos ediferentes segmentos da sociedade civil respondem eficazmente às necessidadeslocais de maneira participativa, transparente e responsável.

A boa governança certamente será essencial para nosso futuro urbano,entretanto, suas preocupações e horizontes de planejamento devem estender-se alémdas necessidades atuais. Em muitas nações em desenvolvimento, os problemasurbanos atuais são apenas o começo. Com a continuação da globalização, o imensocrescimento urbano futuro é inevitável e necessário, mas a maneira como se daráesse crescimento fará toda a diferença. As cidades precisam de uma estratégia delongo prazo para a mudança prevista na distribuição espacial da população.

Este relatório tem insistido que respostas eficazes ao desafio urbano devemtambém incluir uma dimensão espacial nessa visão de mais longo prazo. Portanto,integrar as questões sociais e ambientais do crescimento urbano a uma visão maisampla de tempo e espaço é fundamental para a sustentabilidade.

Diversos processos afetarão o exercício da governança urbana. Todos ressaltam aresponsabilidade de governos locais, tradicionalmente o elo mais fraco do setor público.3

Primeiramente, a natureza cada vez mais globalizada das relações econômicasestá deslocando parte do comércio e da produção, e, assim, do crescimento

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Uma Visão para um FuturoUrbano Sustentável: Políticas,Informação e Governança

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Esta rua em Beirute, Líbano, com vista para o Mediterrâneo, oferece comércio,lazer, e, neste dia, momentos de serenidade ao entardecer.

© Paolo Pellegrin/Magnum Photos

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econômico, para fora das grandes cidades. Os governoslocais empreendedores têm a opção de potencializar suasvantagens comparativas e de localização e, dessa forma,ajudar empresas locais a atrair investimento estrangeirodireto para suas cidades.

Segundo, na maioria dos países em desenvolvimento,os governos nacionais estão delegando alguns de seuspoderes e autoridade de levantamento de receitas aosgovernos locais. Isso abre novas oportunidades paragovernos locais desempenharem um papel mais ativo nodesenvolvimento social e econômico.

Em terceiro lugar, fatores como a maior atenção aosdireitos humanos e a ascensão da sociedade civil, junto

com movimentos de democratização e o pluralismopolítico, concederam mais responsabilidade a instituiçõesde nível local em muitos países.4 Essa tendência dedemocratização ajuda a fortalecer a governança urbana, aoaumentar a participação popular e responsabilizar aadministração local.

Finalmente, essas tendências de localização edescentralização tornam-se mais importantes uma vez quemetade de todo o crescimento demográfico urbano estáocorrendo em localidades menores. Elas têm a vantagemde maior flexibilidade na hora da tomada de decisõessobre questões críticas, como o uso da terra, infra-estrutura e serviços, e são mais propícias à participação

popular e à supervisão política. Por outro lado,tendem a uma escassez de recursos e fundos.Também faltam a essas localidades informaçõesessenciais e a capacidade técnica para utilizá-las.

A dimensão do desafio gerado por essastendências convergentes está clara: há muito aser feito a fim de transformar o potencial daurbanização em realidade. Para se fazer isso épreciso uma visão mais ampla. As localidadesmenores, em particular, precisam de ajuda. Essasquestões serão o assunto da próxima seção.

O Que Podemos Fazer? As organizações internacionais, incluindo oUNFPA e a UN-Habitat, podem fazer pelomenos três coisas para ajudar os governosnacionais e locais, assim como os movimentosda sociedade civil, a promover um futuromelhor para as cidades e seus habitantes nomundo em desenvolvimento.

Primeiramente, podem ajudar a produzirmudanças necessárias na visão relativa àspolíticas, influenciando planejadores eformuladores de políticas nos países emdesenvolvimento a aceitar o crescimentourbano como inevitável e a adotar abordagensmais proativas e criativas. Essas abordagensdevem potencializar, e não desestimular, osesforços de indivíduos e grupos pobres quebuscam moradia e meios de vida mais seguros,saudáveis e rentáveis em centros urbanos.

Monge Budista usa um caixa eletrônicoem Chiang Mai, Tailândia.

© Martin Roemers/Panos Pictures

C A P Í T U LO 6 : UMA VISÃO PARA UM FUTURO URBANO SUSTENTÁVEL : POL ÍT ICAS , INFORMAÇÃO E GOVERNANÇA

Segundo, podem ajudar a indicar um caminhomelhor rumo à redução das taxas de crescimentourbano, proporcionando, assim, mais espaço demanobra aos formuladores de políticas para tratar dosproblemas urbanos. O principal componente dessecrescimento nos países em desenvolvimento atualmente

o crescimento vegetativo pode ser enfrentado demaneira mais efetiva por meio da redução da pobreza,promoção dos direitos das mulheres e melhoria dosserviços de saúde reprodutiva.

Em terceiro lugar, as organizações internacionaispodem ajudar formuladores de políticas e diferentessegmentos da sociedade civil a tomar decisões maisacertadas a respeito do futuro urbano, incentivando-os agerar e usar informações sociodemográficas de qualidade.

Uma Visão para o Futuro UrbanoAbordar eficazmente o crescimento urbano previstorequererá mentes abertas. As evidências apontamclaramente para a necessidade de formuladores depolíticas, em todos os níveis, nos países emdesenvolvimento, aceitarem a urbanização como potencialaliada nos esforços para o desenvolvimento. O diálogopolítico baseado em evidências é necessário para ajudar aconvencê-los de que a urbanização não apenas éinevitável, mas pode representar uma força positiva. Osargumentos-chave incluem:

As cidades têm vantagens importantes:Embora a concentração urbana aumente a visibilidadee a volatilidade política da pobreza, ela tem vantagensdefinitivas sobre a dispersão. Essas vantagens sãoeconômicas, sociais e ambientais, bem comodemográficas.

A competição econômica é cada vez mais globalizada;as cidades têm mais possibilidade de aproveitar asoportunidades da globalização e de gerar emprego erenda para um número maior de pessoas.

A cidades estão em melhor posição para prover serviçosde saúde e educação e outros serviços e benefícios simplesmente devido a suas vantagens de escala eproximidade. A fraca governança, assim como as decisõesinfluenciadas por uma atitude negativa em relação àurbanização e ao crescimento urbano, explicam por queessas vantagens nem sempre se materializam.

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A urbanização ajuda a deter a degradação ambientaloferecendo um canal para o crescimento da populaçãorural que, de outra maneira, invadiria os habitatsnaturais e áreas de biodiversidade. As cidades poluemmais que as áreas rurais simplesmente porque geram amaior parte do crescimento econômico de um país econcentram seus consumidores mais ricos. Mas muitosproblemas ambientais poderiam ser minimizados comuma melhor gestão urbana.

A urbanização, sob o ponto de vista demográfico,acelera o declínio da fecundidade ao facilitar oexercício dos direitos de saúde reprodutiva. Em áreasurbanas, novas aspirações sociais, o empoderamentodas mulheres, mudanças nas relações de gênero,melhorias das condições sociais, serviços de saúdereprodutiva de melhor qualidade e maior acesso aesses serviços, todos favorecem a rápida redução dafecundidade.

Acertar as políticas para enfrentar o crescimento urbano:

A maior parte do crescimento urbano está ocorrendoem pequenas e médias cidades. Essa tendênciacontinuará no futuro próximo. Conforme observadoacima, as questões de governança são críticas nessascidades. As pequenas e médias cidades têm maiorflexibilidade para enfrentar o rápido crescimento, maspoucos recursos. Assim, ajudar essas cidades a crescersustentavelmente deve ser uma prioridade.

Geralmente, o principal componente do crescimentourbano não é a migração, mas o crescimento vegetativonas cidades. A maneira mais eficaz de se reduzir as taxasde crescimento urbano é a redução da fecundidade nãodesejada em áreas urbanas e rurais. A pobreza,combinada à discriminação de gênero e restriçõessocioculturais, dá forma às preferências de fecundidadeda população urbana pobre e limita seu acesso aserviços de saúde reprodutiva de qualidade.

Nem a história nem a experiência recente apóiam anoção de que a migração urbana pode ser detida oumesmo significativamente retardada. Opor-se àmigração e recusar ajuda à população urbana pobre porreceio de atrair mais migrantes somente aumenta apobreza e a degradação ambiental.

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Grande parte do crescimento urbano, seja através damigração ou do crescimento vegetativo, é compostopor pobres. Mas as pessoas pobres têm o direito deestar nas cidades e têm uma importante contribuição adar. Essa idéia precisa ser um ponto de referência claropara os formuladores de políticas urbanas.

É fundamental apoiar os esforços individuais e coletivosde residentes de baixa renda no sentido de assegurar-lhesmelhores moradias e meios de vida em áreas urbanas,fornecer-lhes a oportunidade de participar dos processospolíticos e de negociar soluções para seus problemas.

Pobreza, sustentabilidade e uso da terra:

Muitas cidades poderiam reduzir seus problemas sociaisplanejando com antecedência o atendimento àsnecessidades dos pobres. Em particular, as populaçõespobres precisam de um lote com acesso a serviços paraconstruir e melhorar suas próprias moradias. Nesseponto, mais atenção deve ser dedicada a assegurar osdireitos de propriedade das mulheres. Ter uma moradiasegura e um endereço jurídico é essencial para que aspopulações aproveitem aquilo que a cidade tem aoferecer. A maneira mais eficaz de se conseguir isso épreparar terra e serviços para os pobres antes dademanda efetiva, antes do fato. Para tal, é necessárioaprender a lidar com o crescimento inevitável eplanejar com antecedência.

O planejamento para o atendimento às necessidadesde terra dos pobres é somente um aspecto da questãomais ampla do uso da terra, que se tornará maisurgente à medida que cresce a população urbana. Oobjetivo deve ser minimizar a pegada ecológica urbanapor meio da regulamentação e orientação da expansãoantes que ela ocorra.

As interações entre a sustentabilidade e o crescimentourbanos serão particularmente críticas para o futuro dahumanidade. As cidades influenciam as mudançasambientais globais e serão cada vez mais afetadas porelas. Isso demanda uma abordagem proativa, visandoimpedir a degradação ambiental e reduzir avulnerabilidade ambiental dos pobres. Isso éparticularmente importante nos países emdesenvolvimento, cuja população urbana se duplicaráem breve, e em zonas costeiras de baixa altitude.5

A importância fundamental de uma abordagem proativa

Dadas as expectativas, somente abordagens proativaspoderão ser eficazes em relação ao inevitávelcrescimento urbano. Minimizar os aspectos negativos emaximixar os aspectos positivos da urbanização requervisão e preocupação permanentes em relação à reduçãoda pobreza, promoção da igualdade e eqüidade degênero, e sustentabilidade ambiental. Requer tambéminformações e análises de boa qualidade, conformemostra a última seção deste capítulo.

Desenvolvimento Social e Crescimento UrbanoEste Relatório descreveu, repetidamente, o imensocrescimento urbano nas regiões em desenvolvimento como"inevitável". A confluência e a inércia de pelo menos doisprocessos dominantes a globalização com suas diversasramificações econômicas e sociais, e o crescimento dapopulação em áreas rurais e urbanas tornam inevitávelo crescimento urbano durante as próximas décadas,particularmente na África e na Ásia.

Entretanto, a velocidade e a dimensão dessecrescimento urbano inevitável não são fixas. Se osformuladores de políticas pudessem reduzir a intensidadedo crescimento da população, teriam mais tempo paraabordar as necessidades existentes, enquanto se preparampara lidar com futuros aumentos da população urbana.

Até agora, as tentativas de se retardar o crescimentourbano concentraram-se quase exclusivamente naredução da migração rural-urbana, mas essas iniciativasraramente foram bem sucedidas. Os migrantescontinuam a chegar às cidades porque percebem,corretamente, que, apesar de todos os inconvenientes, ohabitat urbano oferece mais opções.

As tentativas de retardar a migração não conseguiramtratar o principal componente demográfico do crescimentourbano, que é o crescimento vegetativo em áreas urbanas(e, indiretamente, em áreas rurais). À medida que os níveisde urbanização se ampliam, o crescimento vegetativotorna-se responsável por uma proporção cada vez maior docrescimento urbano total. Esse padrão apresenta aformuladores de políticas uma oportunidade nãoexplorada: a de reduzir a taxa de crescimento vegetativopor meio de melhorias nas condições sociais dos pobres ede avanços nos direitos das mulheres.

Reduzir o crescimento vegetativo significa melhorar ostatus social e econômico dos pobres, assegurar adisponibilidade de serviços de saúde reprodutiva de

C A P Í T U LO 6 : UMA VISÃO PARA UM FUTURO URBANO SUSTENTÁVEL : POL ÍT ICAS , INFORMAÇÃO E GOVERNANÇA

qualidade e a preços accessíveis, e empoderar as mulheres.Juntas, essas intervenções influenciam as preferências defecundidade desses indivíduos e sua capacidade de alcançá-las. O desenvolvimento empodera para o exercício dosdireitos humanos e porporciona às pessoas maior controlesobre suas vidas.

Há também uma clara ligação positiva entredesenvolvimento, empoderamento das mulheres e apossibilidade de planejamento familiar eficiente. Asmulheres que podem decidir o número de filhos que terãoe o espaçamento entre eles têm mais liberdade paraprocurar trabalho, educação e atividades comunitárias, epara gerar renda fora de seus lares.6

A redução da lacuna de gênero na educação e nasaúde e a ampliação das oportunidades de trabalho maisvariado e bem remunerado para as mulheresincentivariam o crescimento econômico. Rendas maisaltas, por sua vez, reduzem a desigualdade de gênero, masnão superam todas as barreiras à participação e aodesenvolvimento das mulheres.

Os avanços nessa questão têm sido freqüentementedecepcionantes. As mulheres continuam a ser mais

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numerosas entre os pobres. Além disso, o processo deliberalização econômica pode ter tido um efeito negativosobre a redução da pobreza em geral e sobre as mulheresem particular.7 A evolução do setor da saúde éparticularmente decepcionante.8 Um estudo do BancoMundial revelou que os serviços relacionados à saúdereprodutiva são mais desiguais do que qualquer outroconjunto de serviços.9 Os setores da saúde públicadesenhados para proteger as mulheres pobres estãofalhando em muitas partes do mundo emdesenvolvimento.1 0 Então, não é surpreendente que a taxade fecundidade entre mulheres urbanas pobres sejasignificativamente mais elevada do que entre as outrasmulheres urbanas. Além disso, no domicílio, a pobrezainibe o poder de negociação das mulheres, que podem nãoconseguir materializar suas preferências em detrimentodaquelas de seus parceiros. Isso também envolve o acesso àinformação e a serviços de saúde reprodutiva.1 1

Os formuladores de políticas têm reconhecido asvantagens de se retardar o crescimento urbano, mas nãocompreenderam os custos e as limitações dos esforços paraimpedir a migração rural-urbana. O êxito na redução do

24 SAÚDE REPRODUTIVA, NECESSIDADES NÃO ATENDIDAS E CRESCIMENTO VEGETATIVO

Quase um quinto das mulheres casadasnos países em desenvolvimento nãotem suas necessidades de serviços deplanejamento familiar atendidas. Essedéficit é mais de duas vezes maior entreadolescentes do que na populaçãogeral. Permanece muito elevado namaioria das regiões de baixa prevalên-cia de uso ant iconceptivo. Esseselevados níveis de necessidades deserviços de planejamento familiar nãosatisfeitas têm causado entre 70 e 80milhões de gestações indesejadas acada ano nos países em desenvolvi-mento. A atenção a essas necessidadespoderia reduzir a exposição a riscos li-gados à saúde reprodutiva e abririapossibilidades para mulheres jovens naeducação, no emprego e na partici-pação social.1

Tais dados são de considerávelrelevância para o crescimento urbano. Oque aconteceria, por exemplo, se a po-pulação urbana pobre pudesse alcançarseu nível desejado de fecundidade? Um

exercício ilustrativo sugere que isso fariauma diferença significativa na taxa decrescimento de populações urbanas nospaíses em desenvolvimento.2 Dados daPesquisa Demográfica e de Saúde dedois países (Bangladesh, 2004, eColômbia, 2005) foram utilizados paraestimar o que aconteceria na fecundi-dade se as mulheres tivessem acessoperfeito a serviços de saúde reprodutivae alcançassem o seu número desejadode filhos.

Sob estas circunstâncias, o cresci-mento urbano projetado da populaçãoda Colômbia durante o período 2005-2025 seria reduzido de uma média de1,66% ao ano, para 1,21% ao ano, e ocrescimento rural da população seriareduzido de -0,20% para -0,83%.

Em Bangladesh, a taxa projetada decrescimento urbano seria reduzida de3,38% para 3,05%, e a taxa de cresci-mento rural seria ainda mais reduzida,de 0,80% para 0,39% no mesmoperíodo. Uma taxa mais baixa de cresci-

mento vegetativo rural evidentementecontribuiria para reduzir a migraçãorural-urbana. Essa simulação não é deforma alguma uma representação per-feita da realidade, contudo, ainda assimé sugestiva.

Um aumento na idade em que ocor-rem os casamentos também teria umimpacto no crescimento vegetativo. Namaioria dos países em desenvolvimen-to, a reprodução ocorre dentro docasamento, o que torna a idade aocasar um indicador pr imár io daexposição ao risco de gravidez. Emgeral, é entre 20 e 24 anos que 90%das mulheres jovens têm seusprimeiros filhos após o casamento. Nospaíses em desenvolvimento, entre ametade e três quartos dos primeiros fi-lhos de mulheres casadas nascemdurante os dois primeiros anos docasamento.3 Seria possível esperar queum aumento na média de idade em queas pessoas se casam tivesse um efeitoimportante na redução da fecundidade.

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crescimento urbano não depende de se restringirem osdireitos de migração das pessoas, mas de empoderá-las efacilitar o exercício de seus direitos humanos básicos,incluindo o direito à saúde reprodutiva.

Uma Base Melhor de Informação paraa Tomada de Decisão12

A governança e gestão eficazes para a mudança docontexto social e ambiental de áreas urbanas em expansãorequerem informações e análises confiáveis e atualizadas.Os insumos da análise demográfica podem desempenharum papel-chave nisso.

As informações sociodemográficas podem ser usadaspara lidar com duas agendas complementares: a) a melhoriadas políticas sociais voltadas para a redução da pobreza; e b)a geração de uma visão mais ampla sobre o uso sustentáveldo espaço e a provisão de terra para atender às necessidadesde moradia dos pobres. Nas mãos das pessoas certas queem muitos casos serão os próprios grupos de moradoresurbanos pobres a informação de qualidade pode ajudarem ambas as agendas.

INFORMAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS HUMANOS

Falta às populações pobres poder para se fazerem ouvidaspelos formuladores de políticas. Muitas são praticamenteinvisíveis para eles: os sistemas de informação oficiais nãoregistram de forma precisa sua existência ou onde vivem,e muitos governos municipais não têm informação sobreáreas irregulares de assentamento. A invisibilidadesignifica menos investimento, escolas e postos de saúde dedifícil acesso, taxas elevadas de não comparecimento demédicos e professores designados para distritos pobres, euma distância social significativa entre os prestadores deserviço e seus clientes.1 3

Os dados sociodemográficos devem ser desagregadosespacialmente (organizados por distrito) a fim de terimpacto real. Os dados desagregados por sexo, a análisede gênero e o orçamento sensível a questões de gênerotambém são fundamentais para atender às necessidadesdas mulheres e para permitir que todos os membros dasociedade realizem seu potencial. As restrições baseadasno gênero, assim como as oportunidades, influenciam oacesso a bens e renda, moradia, transporte e serviços

25 PESQUISAS NA COMUNIDADE E MAPEAMENTO DAS MELHORIAS

Comunidades urbanas pobres e organi-zações não governamentais (ONGs) deapoio a essas comunidades estão do-cumentando suas próprias condiçõesde vida, necessidades e recursos. Noprocesso, estão desenvolvendo conhe-cimento sobre si e fortalecendo gruposcomunitários. Também estão constru-indo re lac ionamentos entre oshabitantes e estabelecendo as comu-nidades como stakeholders formais nosprocessos políticos e de planejamentodas cidades.1

Phnom Penh, CambojaIniciado como um grupo de poupançaem 1994, o Solidarity and Urban PoorFederation, em Phnom Penh, realizoudiversas pesquisas para coletar e analisardados sobre a comunidade, incluindotamanho e densidade populacionais;ocupações e rendas; localização demoradias e risco; posse e ocupação daterra; disponibilidade e método para

assegurar serviços de abastecimento deágua, energia e saneamento.2

Nairobi, QuêniaUma federação composta por moradoresurbanos pobres no Kenya, Muungano waWanvijiji trabalha em cooperação comuma ONG, Pamoja Trust, no desenvolvi-mento de seus próprios planos para obterserviços básicos e posse segura da terra.No assentamento de Huruma, a Pamoja eos membros da federação dos vilarejos deKambi Moto, Mahiira, Redeemed, Ghettoe Gitathuru realizaram uma pesquisa eum exercício de mapeamento na comu-nidade junto com a prefeitura da cidadede Nairobi. Os próprios residentes deHuruma coletaram os dados, queincluíram informações sobre os númerosda população e tamanho dos domicílios;posse e ocupação da terra; estratégias degeração de renda e despesas domici-liares, assim como acesso a água esaneamento e uso desses serviços. A

pesquisa e o mapeamento representarama primeira etapa no processo de regula-rização desses assentamentos.3

Dar es Salaam, República Unidada TanzâniaA Manzese Ward e o Programa CidadesMais Seguras da UN-Habitat traba-lharam junto com mulheres paraidentificar quais elementos da cidade atornavam hostil em relação à segurançae ao livre movimento. Depois de umaconsulta de dois dias e de uma caminha-da exploratória, foi desenhado ummapa da violência e recomendaçõesespecíficas foram feitas para melhoriasem todo o assentamento, desde melhoriluminação e acesso a calçadas, até omonitoramento de bares locais, pen-sões e outros pequenos negócios.Identificaram também a necessidade deuma alternativa em nível local para lidarcom a violência doméstica e crimesmenores.4

C A P Í T U LO 6 : UMA VISÃO PARA UM FUTURO URBANO SUSTENTÁVEL : POL ÍT ICAS , INFORMAÇÃO E GOVERNANÇA

básicos; contudo, o planejamento urbanofreqüentemente ignora essa diferenciação, reduzindo osbenefícios sociais e econômicos que as cidades poderiamoferecer a homens e mulheres.

Os funcionários do governo precisam de informaçãode boa qualidade, claramente apresentada e desagregadapara preencher as lacunas de serviços, especialmente nosbairros em processo de rápido crescimento. A sociedadecivil, a mídia e o público em geral precisam das mesmasinformações para compreender seus direitos, formularsuas demandas, exercer pressão sobre planejadores epolíticos e monitorar suas respostas.

As abordagens participativas são desenhadas para geraro envolvimento da comunidade no desenvolvimento e daràs pessoas algum controle sobre diferentes tipos deprojetos de desenvolvimento. Felizmente, vemaumentando o reconhecimento, especialmente em áreasurbanas pobres, de que aparticipação de mulheres ehomens pobres nas decisões queos afetam é fundamental.1 4 Entreos pobres urbanos,freqüentemente as mulheres têmsido pioneiras de organizaçõescomunitárias que cuidam dasnecessidades da comunidade epressionam por mudanças; essasorganizações transformaram-se, muitas vezes, em eficazesmovimentos sociais.1 5

O conhecimento empodera populações e temimplicações de longo prazo para o planejamento. Oorçamento participativo e o "mapeamento participativo"podem melhorar o nível de conscientização, mostrar àscomunidades quais serviços públicos estão disponíveis equem os utiliza, e melhorar o controle local.1 6 A pesquisa eo mapeamento comunitários são extremamente importantespara organizações de pobres urbanos (ver Caixa 25).

Os formuladores de políticas também necessitam deinformações intra-urbanas desagregadas para atender àsnecessidades dos pobres de forma mais eficiente. Isso podeajudar a assegurar uma distribuição equilibrada e equitativados recursos; desenhar indicadores de controle de qualidade;selecionar quem incluir ou excluir de um programa; epermitir ajustes na localização das agências, na distribuiçãode funcionários e nas estratégias de comunicação.

A dinâmica demográfica, os padrões de crescimento ea estrutura etária, variam bastante no interior das cidadese isso pode representar um desafio para a gestão da

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política social. Se corretamente identificadas, essasvariações podem melhorar a tomada de decisão no quediz respeito a políticas de saúde e educação e podetambém ajudar a desenvolver iniciativas mais gerais deintervenção urbana. Entretanto, há diversos obstáculosque requerem novas abordagens.

Os altos índices de irregularidade na ocupação da terralimitam a capacidade de governos locais para obter dadosde qualidade. As favelas e assentamentos informaisfreqüentemente mudam de forma como resultado deinvasões e despejos. Os registros são incompletosexatamente por causa dos serviços públicos inadequados.

Muitos dos planejadores e gestores de países emdesenvolvimento ainda não têm acesso a dados intra-urbanos e a indicadores detalhados, embora tenha havidoalgum progresso com a utilização de técnicas sistemas deinformação geográfica (SIG ) para o mapeamento de

setores censitários. A informação espacialmente

desagregada permite aosformuladores de políticas tratar deuma das questões mais complexas daadministração urbana onde atuar:áreas com maiores distorções entreoferta e demanda, e as queapresentam indicadores sociaisnegativos cumulativos. Esse tipo de

análise torna-se ainda mais necessário à medida que adescentralização avança.

Todos os stakeholders reconhecem a importância dainformação para a tomada de decisão. No entanto, paísesdoadores, organizações internacionais e organizações nãogovernamentais (ONGs) ainda não conferiram prioridadeaos aspectos práticos da compreensão real e potencial dademanda por informação, ou à organização de sistemas deinformação que possam responder a essas demandas, ou àformação de grupos para gerir esses sistemas de informação.1 7

Os formuladores de políticas sociais em paíseslimitados pela falta de recursos às vezes percebem comoum luxo a tomada de decisão racional baseada eminformação de boa qualidade. As instituiçõesinternacionais podem ajudar a convencê-los de que não éesse o caso; podem também apoiar a produção de dados,ferramentas e análises para esclarecer necessidades esugerir escolhas. A Caixa 26 mostra um bom exemplodesse tipo de contribuição.

O argumento de que a informação é essencial paramelhorar serviços sociais apóia uma tendência mundial de

As administraç es urbanas

freq entemente tomam decis es muito em

cima da hora, sem tempo para desenvolver

análises sofisticadas. A instabilidade

institucional freq entemente mina

projetos de informação ou de pesquisa.

S ITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007

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formulação de políticas baseadas em evidências. Entretanto,muito esforço ainda é necessário para compreender acrescente complexidade da arena urbana nos países emdesenvolvimento e dos sistemas de informação necessáriospara apoiar políticas sociais descentralizadas.

Os desafios são consideráveis. As administrações urbanasnos países em desenvolvimento freqüentemente tomamdecisões muito em cima da hora, sem tempo paradesenvolver análises sofisticadas. A instabilidadeinstitucional freqüentemente mina projetos de informaçãoou de pesquisa.1 8 Há problemas técnicos, comoinconsistências entre as unidades de análise utilizadas naspesquisas ou nos censos demográficos e aquelas solicitadaspor usuários potenciais. Os quadros profissionais técnicostendem a ser pequenos, mal treinados e mal equipados. Poroutro lado, as equipes bem equipadas freqüentemente criamsistemas de informação para os quais não há demanda.

Os sistemas de informação variam bastantedependendo do projeto. Não há um padrão comum e asagências nacionais e internacionais às vezes não trocamrecursos e informações umas com as outras. Os pacotesdos doadores às vezes não atendem às necessidades locaisou problemas específicos de gestão, o que leva à duplicaçãoe à má utilização da informação. Em conseqüência, o

impacto de longo prazo e a sustentabilidade do projetopodem ser um grande problema.

A fim de alcançar um desempenho eficaz, os gestoresde políticas sociais precisam ter acesso a sistemas deinformação demográfica que incluam não somente dadossobre a distribuição da oferta como equipamento,profissionais e serviços existentes , mas permitamtambém a comparação de tais estruturas de distribuiçãocom as necessidades de homens e mulheres dacomunidade local.

Atender às necessidades derivadas da descentralizaçãoexigirá também treinamento em nível local. Osprofissionais que trabalham no planejamentodescentralizado agora têm que ser preparados para analisarfenômenos demográficos (composição da fecundidade,mortalidade, migração, idade e sexo) em termos espaciais,usando ferramentas como SIG e imagens de satélite. Alémdisso, precisam ser preparados para se engajar nasociedade civil e ajudar grupos locais a ganhar acesso àinformação e a sistemas de informação.

Ao longo dos anos, o UNFPA tem apoiadoconsistentemente a coleta de dados. O Fundo dePopulação das Nações Unidas poderia fortalecer aindamais o planejamento descentralizado, reforçando a

26 ENFRENTANDO OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO EM HONDURAS

Em 1990, o Governo Municipal de SanPedro Sula, em Honduras, enfrentandoa descentralização, solicitou a ajuda doUNFPA para estabelecer uma unidadede pesquisa e estatística. Na ocasião,as autoridades sabiam muito poucosobre a dinâmica populacional dacidade, mas sabiam que a populaçãocrescia rapidamente.

O UNFPA apoiou o treinamento daequipe local de funcionários e os aju-dou a compreender o pape l dadinâmica populacional no desenvolvi-mento local e regional. Foi preparadoum mapa base que mostrava o uso daterra até a unidade de moradia indivi-dual; este foi utilizado como base paraum censo domiciliar de baixo custo epara uma pesquisa detalhada sobrepopulação e indicadores sociais. Foiestabelecido um sistema para moni-torar a fecundidade, a mortalidade

infanti l e os r iscos relacionados àsaúde reprodutiva. Foi criada uma basede dados multidisciplinar, que foi com-par t i lhada com d iversos gruposmunicipais, nacionais e internacionais,incluindo o Banco Interamericano deDesenvolvimento.

A gigante das telecomunicaçõesAT&T cooperou com o projeto naexpansão de serviços de telefonia para32 cidades. Em troca, pela utilização dedados do projeto, a AT&T custeou doisprofissionais internacionais da área deHIV/AIDS e saúde reprodutiva e con-cordou que toda a informação geradapor meio de seu apoio permanecessede domínio público.

Esse tipo de colaboração permitiuao projeto a melhoraria da qualidade deseus mapas básicos, a digitalização demapas "ilhas" e finalmente a criação deum único mapa base georeferenciado

para a cidade inteira. Os departamen-tos municipais responsáveis pelagestão da terra, da água e do sanea-mento usaram esses mapas para suaspróprias operações.

O sucesso do projeto atraiu outrasmunicipalidades que enfrentavam adescentralização para replicá-lo. O pro-jeto cooperou de forma exitosa comuma variedade de órgãos dos governoscentral e local, do setor privado, ONGs,academia, doadores bilaterais e agên-cias internacionais. As atividades foramestendidas em nível local para a pre-venção do HIV/AIDS, assim comoatenção a outros aspectos da saúdereprodutiva, de gênero e meio ambi-ente. Mais importante, a informação foicompartilhada com as comunidadeslocais, permitindo que participassemem processos políticos mais ativamentee com mais informação.

C A P Í T U LO 6 : UMA VISÃO PARA UM FUTURO URBANO SUSTENTÁVEL : POL ÍT ICAS , INFORMAÇÃO E GOVERNANÇA

capacidade local de gerar, analisar e usar dadospopulacionais para o desenvolvimento local. Essetreinamento deve ir além da mera manipulação de dadose deve abordar a compreensão e a capacidade técnicaspara o desenvolvimento de propostas de políticas queenvolvam as principais questões locais de planejamento,como o uso da terra e planejamento territorial, habitação,transporte e provisão de serviços sociais básicos.

PLANEJAMENTO PARA O USO SOCIAL E SUSTENTÁVEL

DO ESPAÇO

O campo populacional pode desempenhar um papel-chave, chamando a atenção para o cenário mais amplo demudanças demográficas a longo prazo e também ajudandonos preparativos para o considerável crescimento urbanoesperado nos países em desenvolvimento. Os passos daspolíticas para ajudar a reduzir os custos sociais eambientais da expansão urbana incluem:

. A utilização dedados demográficos, imagens de satélite e outros dadosespaciais em um SIG pode ajudar a orientar aexpansão urbana de uma localidade ou grupo delocalidades de forma mais favorável. As projeções detendências de crescimento demográfico, usadas juntocom outros dados por exemplo, altitude,inclinação, solos, cobertura vegetal, ecossistemascríticos e ameaçados podem ajudar formuladores depolíticas a identificar as áreas em que assentamentosfuturos devem ser promovidos ou evitados. Para seremúteis em um SIG, os dados de um censo devem estardisponíveis na menor escala de unidade espacialpossível (em muitos casos, o setor censitário).

. Osindicadores de alerta antecipado podem ser usados paraprevenir os planejadores sobre expansões urbanasinesperadas. Informações atualizadas sobre a dinâmicamais ampla da expansão urbana e das necessidades deproteção ambiental são essenciais para a governançaurbana responsável. Os assentamentos precários einformais devem ser identificados à medida quesurgem. Fotos aéreas e imagens de satélite são cada vezmais utilizadas para complementar estimativaspopulacionais entre censos.

- . Apresença de estradas, transporte público, energia e

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27 ESPAÇO PÚBLICO: O GRANDE EQUALIZADOR1

A duplicação da população urbana de países em desen-volvimento que ocorrerá nas próximas décadas pode seruma oportunidade de se imaginar novos projetos eesquemas organizacionais para tornar as cidades maishumanas e mais eqüitativas. Quando eleito prefeito deBogotá, Enrique Peñalosa, em 1998, reconheceu que adesigualdade de renda é endêmica às economias de mer-cado. Entretanto, acreditava que a " igualdade naqualidade de vida" poderia ser melhorada ao se fazerprevalecer os interesses públicos sobre os interesses pri-vados em áreas urbanas.

Peñalosa sustentava que o sistema de transporte deuma cidade é crítico para a igualdade. O transporte públicodeve ter prioridade sobre veículos privados para que ademocracia e o bem público prevaleçam. Considerava queas estradas eram monumentos à desigualdade, construídascom recursos desviados das mais importantes necessi-dades dos pobres, para servir a uma pequena minoria rica.Assim, a cidade rejeitou um projeto para um sistema devias expressas em favor do transporte de massa, acessopara pedestres e ciclovias. Um caótico sistema de ônibusprivados foi substituído por um sistema de redes, no qualônibus locais servem uma linha expressa específica e trans-portam passageiros rapidamente. As barreiras ao longo dasruas devolveram as calçadas para os pedestres e asrestrições ao tráfego removeram 40% dos carros das ruasdurante as horas de pico. Centenas de quilômetros deciclovias também foram construídos.

O prefeito também observou que as diferenças derenda são sentidas mais intensamente durante o lazer:enquanto os cidadãos de alta renda têm acesso a grandescasas, jardins e clubes, as populações de baixa renda eseus filhos vivem em moradias apertadas e têm nosespaços públicos sua única opção de lazer. Acreditandoque a criação de espaço público de qualidade parapedestres representa pelo menos o início da diminuiçãona desigualdade, Peñalosa melhorou o acesso a áreasverdes, orlas e espaços de passeio público.

Como era de se esperar, essas e outras iniciativas quegeram a eqüidade produziram intensa oposição. Mas, nofim, Bogotá mostrou que muito pode ser feito para a pro-moção da eqüidade por meio do uso estratégico doespaço público. Com a duplicação de sua populaçãourbana, os formuladores de políticas nos países emdesenvolvimento têm também uma janela de oportu-nidade para usar o espaço público como o grandeequalizador. É o único lugar nas cidades onde todos oscidadãos se encontram como iguais.

S ITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007