da medida do rural ao rural sob medida_ representações sociais em perspectiva

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  • 7/25/2019 Da Medida Do Rural Ao Rural Sob Medida_ Representaes Sociais Em Perspectiva

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    14/02/2016 Da medida do rural ao rural sob medida: representaes sociais em perspectiva

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200385&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt&ORIGINALLANG=pt 1/13

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    Histria, Cincias, Sade-Manguinhosverso impressaISSN 0104-5970

    Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.21 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2014

    http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702014000200002

    ANLISE

    Da medida do rural ao rural sob medida:representaes sociais em perspectiva

    Flvio Sacco dos Anjos1 , Ndia Velleda Caldas2

    1Professor, Faculdade de Agronomia/Universidade Federal de Pelotas.

    Campus universitrio s/n 96010-070 Pelotas RS [email protected], Faculdade de Agronomia/Universidade Federal de Pelotas.

    Campus universitrio s/n 96010-070 Pelotas RS [email protected]

    RESUMOO mito fundador da sociologia rural estabeleceu a oposio campo/cidade,classificando tais noes como realidades espaciais e sociais descontnuas.Todavia, nas duas ltimas dcadas, constri-se uma imagem idlica edivinizada do rural, sobretudo no mbito dos pases integrantes da UnioEuropeia. Que razes conspiram para a emergncia dessas dinmicas derevalorizao do rural? H um sentido comum e recorrente entre o modo comose constri esse novo discurso sobre a ruralidade no mbito da Europa e deoutros pases? Este trabalho objetiva explorar algumas contradiesassociadas ao que os autores denominam emergnciade umrural sobmedida, num contexto marcadopelaera dops-produtivismo epelo pesocrescente dos valores ps-materialistas, elegendo as representaes sociais do rural como foco analtico.

    Palavras-Chave: rural representaes sociais nova ruralidade desenvolvimento rural

    Tornou-se uma obviedade afirmar que as reas rurais e os espaos no densamente urbanizados passaram aser objeto, desde o final do sculo XX, de crescente revalorizao. Esse fenmeno claramente difuso,adquirindo distintos matizes e significados segundo as diferentes regies do planeta. Com efeito, no casoeuropeu so evidentes os argumentos que justificam o sentido dessa redescoberta, a qual est fortementeaderida ao surgimento de um lxico que inclui termos j amplamente conhecidos no meio acadmico e poltico-institucional, como o caso da multifuncionalidade do rural, do enfoque territorial, da intersetorialidade, oumesmo do que se passou a denominar nova ruralidade, com fortes vnculos com a elaborao de propostas deinterveno para o desenvolvimento de zonas consideradas perifricas e/ou desfavorecidas. A transio operadana Poltica Agrcola Comum (PAC), desde o final dos anos 1990, e a emergncia de instrumentos de intervenonas reas no densamente urbanizadas, ou rurais, ajudam-nos a compreender, com bastante clareza, a

    natureza e o alcance desse processo.

    No caso latino-americano essa discusso cobra igual relevncia, sobretudo porque aparece associada a umredirecionamento interessante na filosofia e nas estratgias de atuao das principais agncias internacionais decooperao, que definitivamente incorporaram as novas orientaes emanadas do marco europeu, em especialno plano de um discurso inovador sobre processos de desenvolvimento. O elemento comum que unifica ambos

    mailto:[email protected]://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200385&lng=pt&nrm=iso&tlng=enhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-5970&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?lng=pthttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-597020140002&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200379&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200403&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&index=AU&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&index=KW&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-5970&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_alphabetic&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?lng=pthttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-597020140002&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200379&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200403&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&index=AU&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&index=KW&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-5970&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_alphabetic&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?lng=pthttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_alphabetic&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-5970&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&index=KW&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edhcsm&index=AU&format=iso.pft&lang=p&limit=0104-5970http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200403&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200379&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-597020140002&lng=pt&nrm=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?lng=ptmailto:[email protected]:[email protected]://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-5970&lng=pt&nrm=isohttp://www.mendeley.com/import/?url=http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext%26pid=S0104-59702014000200385%26lng=pt%26nrm=iso%26tlng=pthttp://www.altmetric.com/details.php?domain=www.scielo.br&doi=10.1590/s0104-59702014000200002http://analytics.scielo.org/w/accesses?document=S0104-59702014000200385&collection=http://www.scielo.br/scieloOrg/php/articleXML.php?pid=S0104-59702014000200385&lang=pthttp://www.scielo.br/readcube/epdf.php?doi=10.1590/S0104-59702014000200002&pid=S0104-59702014000200385&pdf_path=hcsm/v21n2/0104-5970-hcsm-21-2-0385.pdf&lang=pthttp://www.scielo.br/readcube/epdf.php?doi=10.1590/S0104-59702014000200002&pid=S0104-59702014000200385&pdf_path=hcsm/v21n2/en_0104-5970-hcsm-21-2-0385.pdf&lang=enhttp://www.scielo.br/pdf/hcsm/v21n2/0104-5970-hcsm-21-2-0385.pdfhttp://www.scielo.br/pdf/hcsm/v21n2/en_0104-5970-hcsm-21-2-0385.pdfhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200385&lng=pt&nrm=iso&tlng=enhttp://www.addthis.com/bookmark.php?v=250&username=xa-4c347ee4422c56dfhttp://www.addthis.com/bookmark.php?v=250&username=xa-4c347ee4422c56df
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    os contextos recai no fato de reconsiderar o papel passvel de ser desempenhado pelas reas rurais quandoestamos em meio crise de um padro civilizatrio (Beck, 1992) que se imps desde o final da Segunda GuerraMundial, com profundos desdobramentos de ordem social, demogrfica, econmica e, principalmente,ambiental. Como fruto desse espectro de mudanas tem-se a emergncia de fenmenos que alcanam osdistintos pases do mundo e que at ento eram admitidos como prprios (ou exclusivos) dos pasesindustrializados.

    Com efeito, j ao final do sculo XX, Camarano e Abramovay (1999) anunciavam a progressiva masculinizao e oenvelhecimento do espao rural brasileiro, ao passo que outros estudos (Anjos, Caldas, 2005) mostravam que nosomente essas transformaes demogrficas so mais intensas nos estados meridionais do pas, como tambm

    marcante a tendncia desagrarizao. Paralelamente, o que se constata um incremento da populao ruralocupada em atividades que pouco ou nada tm a ver com a agricultura. Analisar esses fenmenos foge aoescopo do presente trabalho. A meno que aqui fazemos serve apenas para mostrar a extenso dos desafiosque enfrentamos na contemporaneidade e que objetivamente aproximam cenrios mundiais aparentementecontrastantes.

    Que o rural no se pode reduzir ao agrcola ou que existe um rural para alm da produo (Maluf, Carneiro,2003) tornou-se a tnica de uma intensa atividade intelectual capitaneada, no Brasil, pelas pesquisas do grupoliderado por Graziano da Silva (2001) no marco do Projeto rurbano. As implicaes dessas pesquisas so bastanteconhecidas. Elas serviram para ampliar o reconhecimento acerca da ruptura quanto ao mito fundador da

    sociologia rural, que estabeleceu a oposio campo/cidade,1 classificando tais noes como realidades espaciais

    e sociais descontnuas. Do ponto de vista poltico e institucional, os estudos foram decisivos para renovar a

    retrica da atuao do Estado brasileiro na esfera do desenvolvimento e da gesto das polticas pblicas. Osrecentes discursos que sustentam a criao da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, dos Territrios dacidadania, dos Consrcios de segurana alimentar e desenvolvimento local, e de outras estratgias, servemapenas como exemplos para ilustrar uma tendncia visvel, ainda que no consolidada de atuaogovernamental.

    Mas h outros aspectos a destacar no contexto das novas abordagens que convergem para a retomada dorural como questo. Referimo-nos, sobretudo, influncia exercida pelos gegrafos, durante a dcada de1990, que, para alm do reconhecimento de que a sociedade industrial no havia eliminado totalmente osatributos essenciais da ruralidade, assumem a misso de propor novos instrumentos e critrios para delimit-la, mensur-la, aferi-la. Os diversos critrios de definio propostos para dimensionar a ruralidade expressam anfase em adotar novos sistemas classificatrios.

    O Brasil menos urbano do que se calcula. Esse o ttulo de um dos trabalhos de Jos Eli da Veiga (2002),

    centrado em sua crtica ao vis normativo dominante nessas abordagens. H, por certo, incontveis exemplosde aproximaes de contedo claramente classificatrio, como no caso de trabalhos que apontam saldosmigratrios positivos ou negativos, que descrevem mudanas e descontinuidades nos fluxos migratrios etc.

    As diversas adjetivaes (rural isolado, rural profundo) presentes em estudos como os de Kayser (1990, 2000)atestam os termos de um debate inacabado. Com efeito, a tipologia adotada pela Organizao para aCooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) estabelece trs categorias de regies (essencialmenterurais, relativamente rurais e essencialmente urbanizadas), cuja natureza exercer influncia na evoluodo repensar em torno dos destinos da ruralidade. Mas h ainda outras adjetivaes (rural agrcola, no agrcola,essencialmente agrcola, exclusivamente agrcola, rural metropolitano etc.) prprias dessas novas aberturas dasestatsticas oficiais brasileiras que tentam ultrapassar as restries impostas pelos esquemas dicotmicos. Essadiscusso, ainda que relevante, escapa igualmente ao recorte de realidade que elegemos nessa exposio.

    Importa aqui sublinhar o fato de que nos encontramos hoje diante de uma dupla transformao. De um lado,tem-se a mutao no prprio objeto o rural como questo e, de outro, na forma como ns o enxergamos.Nesse sentido, so cada vez mais eloquentes os sinais que atestam a emergncia de uma ruralidade em buscade se descolar da monocromia do agrrio, do tradicional e que era supostamente alheia s mudanas emanadasdo marco global (Aguilar Criado, 2007, p.147).

    no curso desse processo que emerge o que podemos chamar de reinveno e de idealizao do rural comoconstruo social prpria do momento histrico vivido pela sociedade contempornea. Um momento queconverge para o surgimento de uma ruralidade desenhada como uma espcie de idlio rural (Hervieu, 1995),reproduzindo a imagem melanclica de um passado que sucumbiu no curso das grandes transformaessocioculturais. Um rural que se veste diante dos olhos dos de fora como guardio essencial da biodiversidadee dos encantos das paisagens naturais. Um rural que no somente busca se projetar ao exterior, mas queanseia aguar o desejo dos que querem consumir mais alm de produtos, generalidades e alguns bens

    tangveis.Esse quadro deveras marcante, como veremos, no caso dos pases integrantes da Unio Europeia (UE), mastambm certo que, em maior ou menor medida, atinge outras latitudes, como o caso do Brasil e demaispases latino-americanos. Que razes conspiram para a emergncia dessas dinmicas de revalorizao do rural?H um sentido comum e recorrente entre o modo como se constri esse novo discurso sobre a ruralidade nombito da Europa e de outros pases? Que implicaes se podem esperar dessa orientao? Como possvel

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    falar de uma nova ruralidade sem evocar os traos que sustentam as representaes sociais construdas pelosconsumidores, supostamente vidos por absorver a tradio e o singular, em detrimento do padronizado, doconvencional?

    Em linhas gerais, so essas as questes norteadoras de uma reflexo que parte de trs grandes premissas. Aprimeira delas recai no entendimento de que as duas ltimas dcadas refletem uma mudana importanteoperada no plano das representaes sociais sobre o rural nos pases desenvolvidos, sobretudo entre os queintegram a UE, a qual se manifesta numa reformulao igualmente decisiva nos instrumentos de intervenopara o desenvolvimento dos territrios.

    A segunda premissa no sentido de reconhecer a existncia de uma dualidade imanente entre o rural como umtipo especfico de espao geogrfico e enquanto representao social ou idealizao, parafraseando Halfacree(1993). nesse sentido que justificamos o sugestivo ttulo Da medida do rural ao rural sob medida destetrabalho. O momento presente, como na continuao se busca evidenciar, reflete as contradies em torno domodo como a sociedade atual reelabora uma imagem do rural e constri um novo discurso sobre a ruralidade.

    A terceira premissa no sentido do entendimento de que o rural sob medida emerge como desdobramento deum conjunto de transformaes que atravessam a sociedade contempornea e devem ser sublinhadas nestaaproximao.

    A seguir, anlisamos o tema das representaes sociais e a importncia heurstica dessa noo para acompreenso dos processos que sero abordados posteriormente, mormente os que afetam as mudanasoperadas nas representaes sociais sobre o rural propriamente ditas. Em seguida sero expostos os contornosda construo que aqui denominamos rural sob medida.

    As representaes sociais

    O tema das representaes vasto e demasiado complexo para ser analisado nos limites desta seo. Nossainteno to somente desvelar alguns dos aspectos que nos parecem cruciais para avanar na tentativa deelucidar as questes formuladas sobre o rural enquanto representao social e as principais implicaessurgidas no curso desse debate.

    Nesse contexto, na obra fundacional da sociologia moderna, de mile Durkheim (1968),As regras do mtodosociolgico, de 1895, que vamos encontrar as primeiras aluses questo das representaes na distinoestabelecida entre o que sejam representaes individuais e coletivas. Todavia, como adverte Duveen (2010,p.13), o esforo para erigir a sociologia como uma cincia autnoma fez com que Durkheim propusesse uma

    separao radical entre essas duas modalidades de representaes, assumindo que as primeiras deveriam ser ocampo da psicologia, ao passo que as ltimas conformariam o objeto de sociologia.

    Todavia, a grande contribuio ao estudo das representaes sociais dar-se- a partir do surgimento da obraseminal de Serge Moscovici. O uso de seu instrumental terico e epistemolgico transcende as fronteiras dapsicologia social, sendo hoje incorporado rbita de outras cincias humanas e campos do conhecimento. Oreconhecimento dos vncu- los dessa noo com a sociologia de Durkheim no pode ocultar o fato de que

    Moscovici diverge2 da viso original do socilogo francs por entender que ele concebeu as representaes

    como formas estveis de compreenso coletiva. Moscovici, ao contrrio, vislumbra as representaes sociaiscomo um tipo de criao coletiva, em condies de modernidade, uma formao implicando que, sob outrascondies de vida social, a forma de criao coletiva pode ser tambm diferente (Duveen, 2010, p.16).

    A complexidade comumente atribuda ao duplo estatuto desse conceito, que tanto assumido como umfenmeno em si mesmo quanto um referencial terico singular cujo potencial heurstico indiscutvel para oestudo do mundo das ideias e dos processos sociais contemporneos. Para os objetivos deste artigo, importadestacar que Moscovici se interessou pelo estudo de como e por que as pessoas partilham o conhecimento,constituem uma realidade comum e o modo atravs do qual transformam ideias em prticas. Nesse sentido,cumpre destacar que as representaes sociais atendem precisamente a duas funes:

    a) Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos queencontram. Elas lhes do uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria egradualmente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupode pessoas ... b) Em segundo lugar, representaes so prescritivas, isto , elas se impem sobrens com uma fora irresistvel. Essa fora uma combinao de uma estrutura que est presenteantes mesmo que ns comecemos a pensar e de uma tradio que decreta o que deve ser pensado(Moscovici, 2010, p.34-36 destaques no original).

    Destarte, so as pessoas e os grupos os responsveis por criar representaes no contexto dos processos decomunicao, no sendo forjadas, portanto, por indivduos isoladamente. Entrementes,

    Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida prpria, circulam, se encontram, se atraem e serepelem e do oportunidade ao nascimento de novas representaes, enquanto velhasrepresentaes morrem. Como consequncia disso, para se compreender e explicar uma

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    representao, necessrio comear com aquela, ou aquelas, das quais ela nasceu (Moscovici, 2010,p.41).

    Moscovici (1961, 2010) refere em sua obra a proximidade entre linguagem e representao social quando ponderaque conhecer uma coisa falar a respeito dela. Falar de um novo rural muito mais que predicar um novodiscurso que legitime o papel das agncias de fomento no mbito dos territrios. Outras linguagens soacionadas para veicular os contornos dessa ideia, desde um simples folder que evoca a beleza e o bucolismo delugares remotos, at um rtulo aderido a uma iguaria que busca mostrar ser possvel conciliar o gostotradicional com os requisitos da modernidade.

    So bastante eloquentes as aluses feitas a um feixe de transformaes que supostamente ilustram oentendimento de que estamos hoje diante da morte de antigas representaes e do nascimento de novasrepresentaes sociais sobre o rural. Isso parece claro na ideia de um suposto renascimento rural (Kayser,1990), da reinveno do rural (Gray, 2000) do nascimento de outra ruralidade (Veiga, 2006), ou do surgimentode uma nova ruralidade (Eikeland, 1999), citando apenas alguns exemplos que servem para ilustrar essamudana. Mas que fatores e circunstncias convergiram para o surgimento dessas novas representaes sociaissobre o rural? Essa a tarefa a que nos dedicaremos a seguir.

    O rural como representao social

    Quem matou a sociologia rural? o ttulo de um provocativo trabalho apresentado por Friedland, em 1978, noCongresso de Sociologia Rural dos EUA, o qual, s muito tempo depois (2010) foi publicado como artigo. Fato

    que esse e outros trabalhos exploram os meandros de um debate que permanece inacabado e que nem de longese busca aqui retomar. Ainda assim, sabe-se que desde ento a posio assumida por Newby (1980)exprime commuita clareza o entendimento de grande parte dos cientistas sociais no sentido de que o rural no possui umsignificado sociolgico e de que nenhuma definio sociolgica do rural pode ser vista como aceitvel (Rye, 2006,p.420).

    Por outro lado, como afirmou Gray (2000, p.30), se o rural no representa um tipo peculiar de espaogeossocial, uma manobra heurstica alternativa consider-lo uma forma de linguagem prtica sobre um tipode espao-discurso (Pratt, 1996), uma representao social (Halfacree, 1993) ou mesmo uma metforafundamentada (Creed, Ching, 1997). Com efeito, coincidimos com Rye (2006, p.409) quando ele assevera que adiscusso sobre o modo como concebida a ruralidade reflete um novo momento, iniciado desde os anos 1990,no qual h uma verdadeira virada cultural no mbito das cincias humanas. No curso dessa mudana, aruralidade vista como um fenmeno social subjetivamente construdo, situado muito mais na mente daspessoas do que propriamente enquanto realidade material e objetiva.

    O estudo de Gray (2000) traduz, com muita clareza, a transio operada na PAC que, indiscutivelmente, a maisimportante poltica da atual UE desde a criao dessa entidade supranacional, em 1957. Esse interessantetrabalho analisa as reiteradas invenes do rural atravs de quatro grandes fases que merecem ser aquisublinhadas, sobretudo porque refletem circunstncias histricas distintas experimentadas pelo mundo rural dovelho continente.

    A primeira fase, como recorda Gray, se inicia entre o final da dcada de 1950 e comeo dos anos 1960, econsiste numa etapa em que a agricultura se converte no principal instrumento para a construo do espaocomunitrio europeu. Tratava-se de erigir uma imagem do rural que renunciava a uma concepo vaga,indeterminada e nacional para outra representao de um rural ampliado, formalizado e publicamente visvel,construdo atravs do que o autor denomina prtica sociolingustica improvisada. Discurso e representaes

    sociais conformam, em ltima instncia, as duas faces de uma mesma moeda.

    A PAC surge suportada por determinados princpios (mercado nico, livre circulao de capital, trabalho emercadorias, preferncia comunitria para os produtos agrcolas, solidariedade financeira e oramentria) querefletem uma orientao francamente protecionista do setor agrcola dos pases-membros. Apesar da grandediversidade existente entre as naes em termos de dotao oramentria para a agricultura, tamanho mdiodas exploraes agrrias, nvel de autossuficincia alimentar e importncia da agricultura nas contas nacionais,havia duas grandes similitudes entre os Estados-membros que conformavam o centro de gravidade da Europaunificada do ponto de vista do grau de interveno no setor agrrio.

    O primeiro aspecto que tais pases j haviam estabelecido mecanismos prprios de proteo das rendas dosagricultores, em que pese o fato de permanecer ainda viva a lembrana das privaes sofridas durante e aps aSegunda Guerra Mundial, assim como o af de manter uma estratgia de autossuficincia no suprimentoalimentar. A segunda razo para a forte interveno era a necessidade de fomentar uma imagem da sociedaderural que retratasse as pessoas e seu modo de vida no campo, com seus valores culturais, reconhecendo que osinteresses rurais eram politicamente importantes para os pases-membros. Nos documentos da entoComunidade Econmica Europeia (CEE) a ruralidade representada como uma configurao que abarca aagricultura e o espao rural, sendo primeira vista como um conceito sntese que inclui a natureza e os valoresque permeiam o espao rural. Famlia, agricultura e sociedade rural conformam as unidades constitutivas daimagem edificada no marco da PAC e que foi incorporada, simultaneamente, pelos pases-membros (Gray, 2000,

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    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702014000200385&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt&ORIGINALLANG=pt 5/13

    p.35).

    A segunda fase enunciada por Gray quando o rural projetado, enquanto representao social, comolocalidade, mediante determinadas prticas discursivas. Com o fito de implementar mecanismos quepreservassem a configurao fundamentalista de um rural centrado na agricultura, na produo familiar e nasociedade rural como seus elementos constitutivos, deveria haver lugares tangveis dentro dos limites doespao europeu que refletissem os atributos geogrficos da paisagem, das relaes sociais e do carter familiarali presente. O objetivo de conciliar equidade social e eficincia econmica representa a fonte de grandesconflitos existentes no seio da PAC no perodo compreendido entre 1970 e 1980, cujos programas, deladerivados, agravam ainda mais a situao. Essas dificuldades se dividiam entre o problema agrcola (Bowler,

    1985, p.46-48) e o problema rural (Kearney, 1991, p.126).

    O problema agrcola refere-se ao efeito geral da economia sobre o setor agrrio, particularmente a relaoinversa entre o incremento da produo e a demanda declinante de alimentos pelos consumidores. Com avulgarizao das tecnologias da revoluo verde, cresce vertiginosamente a produo agropecuria, muito maisrapidamente do que a demanda dos mercados consumidores. Instaura-se, assim, uma crise sem precedentesentre os pases vinculados PAC, num continente no qual se passa rapidamente da escassez superproduode alimentos. Como bem definiu Hervieu (1996, p.8), a PAC tornou-se vtima do seu prprio xito. Destarte,havia ainda outros desafios a serem superados:

    a opo pela venda dos excedentes nos mercados mundiais parece cada vez mais difcil e onerosa3

    para a CEE, haja vista que implicam fortes subvenes por parte do FEOGA que assegura aosagricultores o pagamento da diferena surgida entre os baixos preos internacionais e os preos

    internos, normalmente mais elevados. A perspectiva de ingresso de novos pases-membros naComunidade Europeia (Espanha e Portugal em 1986) trouxe preocupaes adicionais, tendo em vistaa possibilidade concreta de que o tema dos excedentes agrcolas pudesse agravar-se ainda mais(Anjos, 2003, p.66-67).

    A crise dos excedentes e o declnio das rendas agrcolas so fenmenos relacionados. nesse sentido que seampliam os mecanismos de proteo, criando artificialmente um espao em que a agricultura familiar e asociedade rural europeia pudessem florescer, ao menos em termos econmicos (Gray, 2000, p.37). Mas asoluo ao problema dos excedentes havia que ser buscada numa mudana estrutural via reduo da reaplantada, retirando da atividade os agricultores considerados ineficientes, leia-se os de carter familiar, quese deveriam empregar em outros setores.

    O problema rural reflete as ameaas mtua dependncia entre as pequenas exploraes de carter familiar

    e a sociedade rural, em face dos ajustes estruturais promovidos sobre o setor agrcola. Todavia, o resultadodessas medidas, especialmente as relacionadas com a poltica de subsdios, foi no sentido de agravar adisparidade entre as grandes exploraes modernizadas e as pequenas exploraes familiares que lutavamcontra a prpria desapario, e que at ento representavam a imagem icnica da sociedade rural europeia.

    Se a PAC definiu o mbito comunitrio como um nico espao, as polticas de desenvolvimento rural buscavamamenizar os problemas derivados dos ajustes estruturais, subdividindo o territrio em 166 regies. Nessesentido, as reas desfavorecidas eram admitidas como preferenciais para o recebimento de pagamentosdenominados ajudas diretas (desvinculados da produo obtida) como forma de compensar sua incapacidadede enfrentar um ambiente hostil, em boa medida causado pelos prprios instrumentos da PAC. Tanto naprimeira quanto na segunda fase da PAC, tratava-se de erigir uma imagem que refletisse as profundas ligaesentre agricultura e espao rural, em que a primeira era o elemento aglutinador por antonomsia.

    A terceira fase revela uma mudana substancial na representao social, sendo que a ruralidade se torna

    autnoma frente agricultura. No curso dessa transformao no seria um exagero afirmar que o rural seconverte muito mais num local para o consumo do que propriamente para a produo agrcola. pocaelaboraram-se documentos que exprimem claramente essa mudana de percepo:

    Surgido em 1988, o importante estudo intitulado O futuro do mundo ruralmarca um giro decisivo,enquanto marco conceitual, que repercutir decisivamente nos rumos da PAC. O essencial repousana efetiva opo que defende em favor do desenvolvimento do meio rural em lugar da reiteradainsistncia no contedo eminentemente agrarista que at ento pautava a atuao eurocomunitria(Anjos, 2003, p.69 destaque no original).

    H um verdadeiro despertar em termos do reconhecimento da riqueza e diversidade do espao rural, momentoem que se passa a perceber a existncia de um amplo conjunto de atividades (comrcio, pequenas e mdiasfbricas, prestao de servios etc.) levadas a cabo num amplo territrio que abarca 80% do territrio

    comunitrio e onde habita quase a metade da populao europeia. a agricultura que se desenvolve dentro doespao e da sociedade rural e no o contrrio, fato que supe uma inverso radical em relao representaosocial construda nas etapas precedentes. Admite-se, outrossim, que a PAC foi responsvel no s pelo ocaso demuitas localidades rurais, mas pela degradao ambiental decorrente do produtivismo alimentado pelos fartossubsdios concedidos aos agricultores desde sua criao no auge dos anos 1960.

    A nova representao social do rural inclui lazer e preservao ambiental como aspectos fundamentais, muito

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    14/02/2016 Da medida do rural ao rural sob medida: representaes sociais em perspectiva

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    embora permanea ainda viva a imagem do fundamentalismo agrrio (Hervieu, 1996, p.105), que marcou atrajetria da PAC. Mas se, no primeiro caso, o espao rural visto como destinado ao lazer e recreaonecessrios para regenerar o esprito da populao em geral, no segundo caso, trata-se de envidar esforos nosentido de restabelecer o equilbrio ecolgico do espao rural europeu. Cresce o entendimento de que aslocalidades rurais devem ser preservadas, no somente para os agricultores, mas tambm para o deleite dasociedade como um todo.

    Destarte, h um novo discurso que se articula em torno da representao social do rural ora construda. Em vezde os agricultores insistirem nos mecanismos de apoio da PAC produo de commodities agrcolas, admite-seagora que as localidades rurais so lugares para onde convergem pessoas de fora, interessadas em consumir a

    diversidade ali presente, que inclui o ambiente natural, as belas paisagens, o patrimnio cultural, os costumes eo artesanato local. E para aplacar o declnio das reas rurais necessrio um aporte financeiro para fomentar aheterogeneidade de atividades e dos espaos que emolduram a ruralidade. Essa fase delimita claramente atransio operada entre o enfoque setorial e a chamada abordagem territorial do desenvolvimento (Anjos,2003, p.85-86).

    A quarta e ltima fase delineada por Gray coincide com o momento em que a Comisso Europeia apresentauma srie de documentos que propugnam a imagem de uma ruralidade diversificada, inserida no marco de umaampla agenda de desenvolvimento rural, da qual fazem parte a reforma MacSharry (em 1992), a iniciativaLeader I (Ligao entre Aes de Desenvolvimento e Economia Rural, em 1991), a Declarao de Cork (em1996), o relatrio Buckwell (em 1997) e a prpria Agenda 2000 (em 1997). As regies so agora definidas emtrs grandes grupos (essencialmente rurais relativamente rurais e essencialmente urbanizadas), com base nametodologia adotada pela OCDE, centrada, fundamentalmente, na proporo da populao que vive em

    localidades consideradas rurais, ou que possuem densidade inferior a 150 habitantes por km2. O afclassificatrio que sintetiza a medida do rural se impe sobre essas bases nas novas diretrizes que emanamdo marco europeu de desenvolvimento.

    A iniciativa Leader tem por objetivo precpuo o enfrentamento dos problemas que afetam as reas ruraismediante o apoio aos grupos locais para que assumam papel ativo na definio de programas dedesenvolvimento para suas prprias localidades.

    Forjar um novo espao poltico local resume a orientao que predica o incentivo ao protagonismo dos atoresno desenvolvimento de iniciativas articuladas histria e cultura em torno de projetos que potencializem osrecursos locais. Nesse sentido, fazer emergir a conscincia da prpria identidade tornou-se no um fim em simesmo ou uma simples estratgia de marketing, mas um quadro de referncia mais amplo e profundo quepermita fazer aflorarem outras identidades locais.

    O percurso que aqui fizemos cumpriu o propsito de expor um marco geral das grandes transformaes a partirdessa perspectiva que elegeu o mbito das representaes sociais do rural e suas metamorfoses atravs dotempo. Servimo-nos da transio operada no mbito das polticas de desenvolvimento agrcola e rural da UEporque efetivamente consiste num marco referencial extremamente rico para compreender os processossubjacentes, sobretudo pela influncia que esse debate exerce sobre os demais pases, especialmente nocontexto latino-americano.

    Ainda que bastante limitado, este pequeno recorrido serviu para mostrar uma mudana visvel e profundaoperada nas representaes sociais sobre o rural construdas ao sabor das circunstncias que culminaram nosurgimento da sociedade ps-industrial. E na esteira dessas transformaes que se passa a projetar umaimagem construda ou reinventada, parafraseando o estudo de Gray (2000), que reiteradamente evocamosnesta abordagem.

    Mas tambm certo que essa transio oculta um feixe de contradies que devem ser trazidas a lume. Nessesentido, chama-se aqui a ateno para o fato de que as representaes sociais so tambm um campo deconflitos ou de tenses, no sentido atribudo por Moscovici, particularmente entre universos reificados euniversos consensuais, criando uma ruptura entre a linguagem dos conceitos e a das representaes (Moscovici,2010, p.91). Os universos reificados so aqueles nos quais se produzem e circulam o conhecimento cientfico, atecnologia, as atividades especializadas, sendo, portanto, um mbito restrito. Os universos consensuais, por seuturno, correspondem s atividades intelectuais da interao social cotidiana, em que o novo incorporado e

    ressignificado pelo senso comum.

    Uma nova imagem do rural foi erigida, criando quadros de referncia e impondo uma forma inovadora derecriar a realidade, com suas implicaes e interfaces, que merecem ser analisadas. esse o objetivo que sebusca desenvolver a seguir.

    O rural sob medida: as interfaces da idealizao

    A concepo do rural sob medida suporta o argumento central deste artigo, ao qual esto aderidos os traosemoldurados por uma nova representao social do rural que leva implcito o entendimento de que outrasfunes devem ser incorporadas pela ruralidade para alm da produo agropecuria stricto sensu. Para osobjetivos do presente artigo importa destacar duas grandes ideias-fora que convencionalizam objetos ligados

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    14/02/2016 Da medida do rural ao rural sob medida: representaes sociais em perspectiva

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    a esse rural ressignificado e que a ele conferem um carter prescritivo. Analisemos, separadamente, cadauma delas.

    O idlio rural

    O idlio rural (rural idyll) , indubitavelmente, uma das imagens que mais sobressaem numa representaosocial que emerge no mago de uma sociedade marcada pelo que se convencionou chamar de ps-produtivismo (Wilson, 2007 Wilson, Rigg, 2003) e pelo peso crescente assumido pelos valores ps-materialistas(Inglehart, Welzel, 2005). Nesse contexto, o rural hodiernamente retratado dentro de uma viso romntica, como

    um retiro idlico (Creed, Ching, 1997

    , p.19), exprimindo a densidade dos valores simblicos que leva implcita essanoo. o lugar refgio da modernidade (Short, 1991) e manifestao explcita de atavismos despertados emamplos setores de uma sociedade que anseia o (re)encontro com o tradicional, o autntico, o extico, o

    singular. Cumpre destacar que a emergncia do idlio rural foi magistralmente retratada nas clssicas obrasde Keith Thomas (1996) e Raymond Williams (1989) como pertencente a uma concepo que remonta, mais

    precisamente, ao sculo XVIII. Ela surge, segundo Thomas,4no contexto de uma mudana de atitude dos

    homens em relao conservao do mundo natural e no guarda uma relao estritamente ideolgica com aconfigurao das sociedades industrializadas do Ocidente.

    Por outro lado, a romantizao do rural e sua associao com a natureza tm uma longa histria e no seoriginam da agenda europeia para o desenvolvimento rural de fins do sculo XX. No desconhecemos, portanto,esses remotos vnculos. No obstante, tambm certo que s muito recentemente vemos explicitado um marcode interveno poltica e institucional que admite, de forma clara e inequvoca, a natureza e o sentido desse

    (re)despertar sobre o qual nos debruamos a estudar neste trabalho.

    Alguns exemplos so deveras ilustrativos para mostrar a fora dessas imagens que se projetam, de formadifusa, na contemporaneidade. Nesse sentido, fazemos uso do estudo de Woortmann (2004), que demonstra ter odesenvolvimento de atividades tursticas no Sul do Brasil conduzido a uma ressignificao dos hbitos

    alimentares tradicionais. As festas e os restaurantes ditos coloniais5 ensejam a revalorizao de hbitos

    alimentares tnicos dos teuto-brasileiros. O sistema antigo (comidas fortes, base de manteiga, carne e banhade porco) serve, segundo Woortmann, para satisfazer a memria gastronmica de turistas e ex-colonosurbanizados. Assim, se comida identidade, ela se reconstri sob novas bases que necessariamente apontampara o gradual distanciamento de um sistema de valores que no se sustenta, a no ser de forma idealizada ediferida, no cotidiano das famlias rurais de comunidades coloniais do extremo sul do Rio Grande do Sul, hojeresidentes em centros urbanos.

    O interessante estudo realizado por Rye (2006) analisa as imagens do rural que habitam o imaginrio deadolescentes de comunidades rurais da Noruega. Os resultados de sua pesquisa mostram a predominncia deuma representao social que vincula duas fortes imagens do rural: a ideia do idlio e a do tdio. Na visodesse autor tais imagens no so propriamente contraditrias entre si, mas reciprocamente complementares.

    Associa-se-lhes a ideia de lugar para uma vida boa (Jones, 1995 Halfacree, 1993), mas tambm o tdio, ou ruraldull, (Haugen, Villa, 2005 Berg, Lysgard, 2004 Lgran, 2002). Mas, como adverte Rye (2006, p.416), taisrepresentaes no podem ser tomadas como mutuamente excludentes, seno como dimenses que conformamum mesmo contexto. A dimenso do idlio rural uma imagem mais forte que a do tdio e prepondera entre os

    jovens rurais noruegueses, reproduzindo a ideia de lugar caracterizado por ser um ambiente natural, pelaexistncia de uma densa estrutura social em que todos conhecem todos, de um sentimento de vizinhana ou depertencimento e de um forte esprito de cooperao. Mas a imagem idlica coexiste com uma imagem negativa,no to expressiva, e que associa o rural ao tdio, ao no moderno, deficincia de oportunidades e a um

    lugar em que as pessoas trabalham muito e ganham pouco (os rednecks).

    A representao social do rural ligada tradio um atributo exaustivamente evocado na retrica oficial queacompanha as polticas de desenvolvimento tanto no mbito europeu quanto no resto do mundo. H, por certo,uma demanda crescente dos consumidores interessados em desfrutar o sabor da tradio, que em maior oumenor medida explica o crescimento vigoroso na demanda dos produtos agroalimentares portadores doschamados sinais distintivos de mercado. Referimo-nos, sobretudo, aos artigos com indicaes geogrficas(vinhos, azeites de oliva, queijos) e uma pliade de produtos agroalimentares que aludem singularidade e tradio. Esse tipo de iniciativa vem sendo incentivada, desde as ltimas reformas da PAC, como vimosanteriormente, atravs do advento das polticas de desenvolvimento rural. E foi a necessidade de pr emprtica programas como Leader e Programa de Desenvolvimento Rural que motivou a criao dos chamadosGrupos de Desenvolvimento Rural (GDR) em pases como Espanha.

    O caso da Andaluzia emblemtico para mostrar a evoluo vertiginosa no nmero dessas agncias dedesenvolvimento, se temos em mente que em 1994 essa comunidade autnoma espanhola contava com apenasnove GDR para operar a primeira edio do programa Leader, sendo que atualmente seu nmero totaliza 52.

    Resgatar saberes tradicionais, criar rotas tursticas, museus temticos, artigos artesanais, organizar festasculturais e jornadas gastronmicas so algumas das atribuies precpuas dessas agncias de fomento, cujamisso primordial se encaixa perfeitamente dentro do novo discurso da UE, que financeiramente lastreado

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    14/02/2016 Da medida do rural ao rural sob medida: representaes sociais em perspectiva

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    pelo chamado segundo pilar da PAC e pelos programas j mencionados.

    A representao social que se impe a partir dos marcos aqui expostos oculta em seu interior um campo deconflitos, sobretudo entre os fundamentalistas agrrios, aproveitando a clebre expresso de Hervieu (1996,p.105) e os grupos ligados aos novos enfoques do desenvolvimento rural em torno do uso dos recursos dosfundos europeus. Mas tal discusso foge ao escopo deste trabalho. Entretanto, busca-se aqui refletir sobre duasquestes que nos parecem centrais analisar acerca dessa viso idlica erigida em torno da representao socialdo rural.

    A primeira delas refere-se ao fato de que essa imagem idealizada do rural no raras vezes artificialmente

    fabricada ao sabor de interesses corporativos e de grupos articulados em torno desse novo discurso sobre aruralidade, que, como afirmamos, se impe tambm sobre o contexto dos pases latino-americanos como ummodelo a ser seguido. Todavia, o tema suscita certos desdobramentos, como referem Arias e Blanco em seuestudo:

    Apesar das mudanas quantitativas e qualitativas ocorridas durante as ltimas dcadas nassociedades rurais latino-americanas, a viso dominante de idlio rural se manteve atravs do tempodo ponto de vista urbano. Essa imagem seletiva do rural foi depurada e mercantilizada medidaque a base econmica se deslocou do setor agrcola para o setor turstico. Essa imagem deruralidade est agora disponvel, a um preo determinado para os visitantes procedentes das zonasurbanas. Povoados recriados da dcada de 1930, bem como povoados reais chamados de capitaisculturais so vendidos na forma de pacotes tursticos. Tal como destaca Price (1996), agregandoruas de pedra que em muitos casos nunca existiram e convertendo praas em centros culturais, taisatraes retratam um passado rural improvvel e glorificado na paisagem atual (Arias, Blanco, 2010,p.185 destaque nosso).

    No estudo etnogrfico realizado por Maria Jos Carneiro em comunidades rurais dos Alpes franceses, taisaspectos tambm foram exaltados, sobretudo quando a autora coteja as festas na aldeia e as festas daaldeia, cujas diferenas so marcantes:

    festa na aldeia transforma-se em espao e tempo privilegiados para reforar a nova identidadealde que resulta da articulao entre culturas distintas. Os personagens principais deste ritual soos filhos emigrados que vm ao reencontro nostlgico de traos de sua cultura de origem, osturistas que vm em busca de excentricidade de uma aldeia camponesa idealizada e certosmoradores que, no esforo de demonstrar a proximidade entre o rural e o urbano, fazem opossvel para mostrar que compartilham dos mesmos hbitos modernos to idealizados quanto asrepresentaes sociais que os citadinos fazem do mundo rural (Carneiro, 1998, p.201-202 destaques

    no original).

    O debate sobre a tradio inventada no representa nenhuma novidade no terreno das cincias humanas,

    sobretudo no mbito da histria,6 haja vista o clssico estudo de Hobsbawm e Ranger (2008). Mas, para os efeitos

    do presente artigo, importa destacar as articulaes em torno da representao social do rural que evoca aoidlio. Essa tradio recuperada ou preservada, parafraseando Harvey (2009), assim desvelada para serliteralmente mercadificada, sendo produzida e vendida como uma imagem, um simulacro, um pastiche.Recorremos novamente ao exemplo das festas aldes do estudo de Carneiro para reforar esse entendimentoda questo:

    Desta maneira, a festa na aldeia, assim como as festas camponesas, expressam a crise dosvalores camponeses, mas revelam tambm a outra face da moeda. A primeira, mais do que asegunda, proclama, ao mesmo tempo, o fim da cultura camponesa e a retomada de certos

    elementos desta mesma cultura, mas num outro contexto, num outro sistema de reconstruo daidentidade alde. Esta festa faz emergir a dominao da lgica capitalista sobre os valores datradicional sociedade alde. Ela nos fala da apropriao mercantil de elementos de uma cultura e doespao onde esta cultura se realiza a explorao turstica e do consumo como forma de lazer(Carneiro, 1998, p.201-202 destaques no original).

    O novo produto rural que se compra e se vende nos mercados gourmet, nas festas regionais ou em quaisqueroutros espaos muito mais amplo e diversificado do que um pacote turstico, uma iguaria gastronmica ouuma indumentria tpica que evoca o passado, pois leva implcita a marca de um ingente comrcio deidentidades. O excerto a seguir sintetiza exemplarmente esse aspecto, aludindo ao caso da indumentriaandaluza:

    o xale e a vestimenta flamenca possuem formas diferentes de elaborao segundo a natureza local

    ou global de seu consumo, porque possuem igualmente um uso e uma funcionalidade distintos paraprprios e estranhos, perfeitamente distinguvel aos olhos dos nativos entre o que constitui osespaos rituais de sua prpria cultura e o que forma parte do repertrio de objetos que recriam aimagem local, reproduzem os tpicos do espanhol e que, portanto, mercantilizam a prpriaidentidade (Aguilar Criado, 2003, p.419 destaque no original).

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    14/02/2016 Da medida do rural ao rural sob medida: representaes sociais em perspectiva

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    A propaganda e as diferentes formas de divulgao dos produtos, sejam eles quais forem, representam umterreno frtil para decifrar as representaes sociais do rural, sobretudo porque elas corporificam ideiasrelativas a um tempo histrico que aqui se busca demarcar.

    O rural como sinnimo de natureza

    A segunda ideia-fora que suporta essa nova representao social e que reproduz aes discursivas e nodiscursivas a associao ltima do rural com a natureza, a biodiversidade, com os espaos protegidos ououtras vinculaes j de per si bem conhecidas. Concretamente essa associao ntida, mesmo em pasescom forte tradio na produo agropecuria mundial, como o caso da Frana. O estudo realizado por Hervieu

    e Viard (1996) mostrou que 72% dos franceses urbanos consideram que o campo mais uma paisagem que umlocal de produo. Mas o surpreendente, como adverte Abramovay (2003, p.27) ao comentar essa pesquisa, queessa a opinio de nada menos que 61% dos que vivem no meio rural.

    A relao com a natureza vista como o trao mais proeminente da ruralidade, em que a vida que ali sedesenvolve percebida como qualitativamente superior das cidades (Rye, 2006, p.410). Mas fato que mesmoentre jovens rurais noruegueses estudados por Rye, as representaes sociais do rural no deixam dvidas comrelao a essa ntima associa-o. Quando perguntados sobre quais palavras consideram mais adequadas paradescrever o rural, sobressaiu com fora e em primeiro lugar a ideia de natureza. Com efeito, numa escala quevaria entre 1 e 5 essa vinculao alcanou um escore mdio de 4,7 num universo de quase 650 adolescentesentrevistados.

    No h o que acrescentar em relao ao contedo dessa imagem que se busca projetar no exterior e quetambm assumida pelas prprias pessoas que vivem no mbito rural. Mas tambm certo que essaassociao se tornou um argumento de peso para justificar o modelo de agricultura praticado na UE,

    7 com sua

    farta carga de subvenes j comentada.

    Em pases como a Frana criou-se a figura dos contratos territoriais de explorao (Velasco Arranz, NoyanoEstrada, Anjos, 2008) durante o mandato de Lionel Jospin, em defesa de um novo pacto social na agricultura, queno prosperou por conta dos avatares da poltica francesa. Em ltima anlise, tratava-se da explicitao de umcompromisso com a sociedade francesa e europeia, no sentido de incorporar os imperativos da sustentabilidadeambiental. Contudo, os frequentes escndalos agroalimentares (crise das dioxinas, gripe aviria e suna e, maisrecentemente, a crise dos pepinos espanhis) representam a ponta de um grande icebergde contradies queencerra o mundo da alimentao no contexto europeu e no resto do planeta.

    O resultado desse ambiente de incertezas manifesta-se numa preocupao constante dos cidados pelasegurana e qualidade dos produtos que consomem (Beck, 1998 Daz Mndez, Gmez Benito, 2001 Callejo Gallego,2005 Aguilar Criado, 2007). Fato que, dentro das grandes cadeias que configuram os sistemas agroalimentares,a crescente desvinculao entre produto agrrio e produto alimentcio (Langreo, 1988) e o deslocamento docentro de decises do mbito dos produtores para o de transformadores, e, mais recentemente, para a esferados distribuidores, produziram consequncias importantes sobre as possibilidades de desenvolvimento daszonas rurais porque restringem, sensivelmente, as oportunidades de acesso direto aos consumidores.

    Resta aqui o reconhecimento de que a representao social resumida no sugestivo slogan o rural sob medida, e que vincula o rural ao idlico e ao natural, h que ser potente o suficiente para veicular junto sociedadeem geral uma imagem que se desmarque dos recorrentes escndalos agroalimentares, da degradaoambiental e de certas prticas, que de uma ou de outra forma conformam um cenrio que suscita amplacontrovrsia, seja no mbito da Europa, seja no contexto de pases como o Brasil, com respeito ao presente e

    ao futuro das regies rurais.Quantas mais aldeias tpicas conseguimos suportar? o sugestivo ttulo do estudo de Figueiredo (2003) queaponta exatamente na direo de mostrar a necessidade de pensar acerca dos limites dessa exaltao do rurale dos custos materiais e simblicos para os atores sociais implicados nesses processos.

    CONSIDERAES FINAIS

    O reconhecimento de que as reas rurais no esto condenadas inexoravelmente ao desaparecimento e amudana nos parmetros que definem a ruralidade nas sociedades contemporneas conformam um mesmocenrio que se desvela, sobretudo, em meados dos anos 1990, cujos contornos foram superficialmenteanalisados ao longo deste trabalho. Efetivamente no foi esse o objetivo que ponteou a discusso aqui

    empreendida. Nossa motivao principal recaiu no af de explorar a perspectiva das representaes sociais dorural e as mutaes que elas experimentam, tendo como pano de fundo as grandes transformaes queatravessam as sociedades contemporneas. Fazemos nossas as palavras de Redclift e Woodgate (1994, p.61-62)quando afirmam que as representaes do rural que predominam atualmente nas sociedades contemporneasse encontram intimamente associadas a um sentimento de perda que acompanhou a civilizao industrialmoderna. O campo assumiu um estatuto de herana, tal como as catedrais, porque nos mostra o nosso

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    14/02/2016 Da medida do rural ao rural sob medida: representaes sociais em perspectiva

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    passado.

    A importncia crescente assumida pelos valores ps-materialistas e a transio para a etapa do ps-produtivismo representam processos associados. Com efeito, as transformaes operadas na PAC e osurgimento da chamada abordagem territorial do desenvolvimento expressam um debate cuja influncia temsido decisiva na reformulao dos instrumentos de interveno na agricultura e no mundo rural dos paseslatino-americanos, assim como da retrica oficial subjacente atuao das agncias de fomento.

    Todavia, nossa ateno foi mais alm de mostrar essas evidncias, j por si bem conhecidas. Nosso intuito foiindicar os riscos associados a essa construo social do rural ou, mais explicitamente, dessa representaosocial forjada ao sabor de circunstncias, a qual produz uma srie de implicaes, sobretudo por fora daveiculao dessa imagem idlica, divinizada e romntica do rural. Uma viso cujos riscos de reificao deculturas e de identidades so imanentes, em especial porque a exaltao do extico, do tradicional, do singularaparece associada mercantilizao de identidades.

    A identificao implcita do rural com a natureza, a biodiversidade e com os espaos protegidos um pontofulcral dessa representao social construda na contemporaneidade, sendo reconhecida como tal pelos prprioshabitantes das reas rurais, como demonstram os estudos referidos. Todavia, ainda que seja visto como umaparente paradoxo, no certo afirmar que exista uma aceitao tcita dessa funo por parte das pessoas quevivem no campo, sobretudo porque no raras vezes a glorificao dos ambientes naturais pelos de fora, emesmo pelo Estado, pode acarretar novos esquemas de dominao.

    Converter atributos ambientais em artigos consumveis, em paisagem ou cenrio para ser reconfigurado eadornado para a apropriao esttica por parte dos turistas, e da sociedade em geral, nem sempre reflete ou

    est de acordo com as representaes, expectativas e prticas das pessoas do lugar. Esse conjunto deaspectos nos leva a pensar a importncia de compreender como se do os processos que produzem esse ruralrecodificado e as circunstncias que favorecem a sua emergncia no quadro de um discurso mais amplo sobre aruralidade, que hoje se impe, em maior ou menor medida, em nossas sociedades. A construo social do ruralna atualidade reflete o momento histrico que vivemos, mas nem de longe pode ser vista como um campo livrede tenses, conflitos e contradies como se buscou aqui realar.

    AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem os apoios recebidos da Capes (Acordo Brasil-Espanha), do CNPq e da Fapergs (Pronem),

    sem os quais este estudo no poderia ter sido realizado.

    REFERNCIAS

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    NOTAS

    1 Na evoluo do pensamento social brasileiro as relaes campo/cidade so tratadas de forma bastante

    original, sobretudo numa conjuntura histrica crucial compreendida entre as dcadas de 1920 e 1930, a qual foiresponsvel por produzir representaes de grande impacto e de larga durao, como indicam os estudos deLima e Hochman (2000), Hochman (2010) ou S (2009). Malgrado a importncia desses trabalhos, seria assazcomplicado ampliar o recorte para alm do perodo que elegemos neste trabalho e que est centrado,fundamentalmente, nas duas ltimas dcadas.

    2 Ao explicitar os contornos desse conceito e defender-se contra os que consideram tal noo demasiado vaga,Moscovici (2010, p.306 destaques no original) adverte: Gostaria de lembrar que a ideia de representaocoletiva ou social mais velha que todas estas noes e que ela parte do cdigo gentico de todas ascincias humanas.

    3Em meados dos anos 1980, como aludem Etxezarreta et al. (1995, p.57), os gastos do Fundo Europeu de

    Orientao e Garantia (Feoga) haviam ultrapassado 70% do oramento eurocomunitrio.

    4 Thomas refere que muitos escritores do sculo XVII afirmavam que, enquanto Deus fizera o campo, o homemerguera as cidades. Se a vida rural era retratada como criao divina, a cidade se lhe associava com a fumaa,a sujeira e os odores ftidos, prprios de uma poca marcada pela expanso fabril e pelo adensamentopopulacional.

    5 Na regio Sul do Brasil, o termo colnia uma expresso absolutamente polissmica. Tanto pode significaruma dimenso agrria (ao redor de trinta hectares), como toda uma regio colonizada por imigrantes europeus(Seyferth, 1974, p.54). Mais alm desses aspectos, a expresso cobra importncia no mbito das comunidadesgermnicas (kolonie), considerando que foram os primeiros imigrantes no ibricos a desembarcar no sul dopas. Neste caso h que dizer que a palavra cristaliza o sentido de autonomia que se reproduz como idealrecorrente nas prticas adotadas pelas famlias e no discurso dos agricultores.

    6 Nos sete volumes que conformam a conhecida obra de Pierre Nora (1997), Les lieux de mmoire, h um vastoinventrio dos lugares e objetos nos quais se encarna a memria nacional francesa, do qual faz parte areencenao de um passado como misso que serve a mltiplos objetivos. Nesse contexto de tradiesinventadas, a histria de festas revolucionrias desvela uma dialtica permanente de lembranas eesquecimentos, que necessariamente no pode ser vista como obra do acaso.

    7 O tema das representaes sociais sobre o rural, no mbito da UE, pode ser analisado tambm luz dadinmica dos nacionalismos, e de sua agonizante resistncia, no contexto de um mundo globalizado. Exemplodesse prisma analtico pode ser visto na obra de Jacques Cellard (1989) e Hagen Schulze (2001).

    Recebido: Maro de 2012 Aceito: Setembro de 2012

    Av. Brasil, 4365 - Prdio do Relgio21040-900 Rio de Janeiro RJ Brazil

    Tel./Fax: (55 21) 3865-2208/2195/2196

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