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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DANILO LUCCA NETO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SEUS EFEITOS CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

DANILO LUCCA NETO

DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR E SEUS EFEITOS

CURITIBA

2014

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DANILO LUCCA NETO

DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR E SEUS EFEITOS

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel.

Orientadora Profª. Vanessa Simionato Gomes

CURITIBA

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

DANILO LUCCA NETO

DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR E SEUS EFEITOS

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção de do título de Bacharel em

Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

Curitiba ____, ____________ de 2014

__________________________

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: Profª. Vanessa Simionato Gomes

Universidade Tuiuti do Paraná

Membros:

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

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Dedico este trabalho de conclusão da

graduação à minha mãe Jussara Tulio

Lucca, pai Gilmar Luiz Lucca, demais fa-

miliares, à minha orientadora, Vanessa

Simionato e amigos que de muitas formas

me incentivaram, acreditaram e contribuí-

ram, mesmo que indiretamente, não só

para minha formação acadêmica, mais

sim para minha formação em vida e aju-

daram para que fosse possível a concreti-

zação deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Foi uma jornada cansativa em que muitas vezes foi preciso parar e respirar

para colocar tudo no lugar. Contudo, é sabido que ninguém vai a lugar algum sozi-

nho, faz-se necessário o apoio, orientação e paciência. Está sendo um ano de con-

quistas, como por exemplo a eminente aprovação no Exame da ordem, término da

graduação, mas necessário olhar para trás e agradecer todos aqueles que contribuí-

ram para essa conquista em especial, minha família , principalmente a mulher da

minha vida: Jussara Tulio Lucca, que com sábias palavras me mostrou o melhor ca-

minho e me ensinou a ter paciência , pois os frutos aos poucos estão sendo colhi-

dos. A todos os amigos, que não só contribuíram para minha formação acadêmica,

mas principalmente aqueles que me ajudaram a me formar como pessoa, me ensi-

nando os preceitos básicos da vida, em especial a Grabiella Machado Kupicki a qual

nestes anos se tornou irmã por afetividade, companheira e amiga e Diego Boscardin

Zen, amigos estes que se mostraram imprescindíveis para efetivação do sonho que

esta se realizando. Além disso, agradeço a ilustre orientadora Vanessa Simionato

Gomes, que com sábias indicações e muita dedicação contribuiu e muito para este

feito.

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RESUMO

O presente trabalho tem por intuito o estudo da inversão do ônus da prova no Códi-go de Defesa do Consumidor e seus efeitos. Uma das mais importantes inovações processuais do Código em comento está regulada em seu artigo 6º, VIII, o qual pos-sibilita ao juiz determinar, no processo civil, a inversão do ônus da prova, a favor do destinatário final de bens e serviços, quando for verossímil a alegação ou quando se tratar de consumidor hipossuficiente. O instituto da inversão do ônus da prova modi-ficou a linha da responsabilidade objetiva no direito brasileiro. A inversão do ônus da prova em favor do consumidor tem por intento a facilitação da defesa do seu direito em juízo, sendo este o objetivo da referida inversão e não conferir-lhe vantagem pa-ra vencer mais facilmente uma demanda, em razão das garantias processuais em face do fornecedor. Busca-se entender sobre o momento ideal para o magistrado conceder a inversão do ônus da prova, bem como, quando cabível ou necessária a aplicação de tal instituto.

Palavras-chave: inversão do ônus da prova, Código de Defesa do Consumidor, CDC, Lei nº 8.078/1990.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR ........................................................................................................ 11

3 DAS RELAÇÕES DE CONSUMO ......................................................................... 18

3.1 CONCEITO ...................................................................................................... 18

3.2 AVERIGUAÇÃO PRAGMÁTICA DA RELAÇÃO DE CONSUMO.................... 19

3.3 RELAÇÃO DE CONSUMO COMO MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA ............ 20

3.4 O CONSUMIDOR ............................................................................................ 21

3.5 O FORNECEDOR ............................................................................................ 29

4 DAS PROVAS ........................................................................................................ 32

4.1 CONCEITO ...................................................................................................... 32

4.2 PROVA OBJETIVA E PROVA SUBJETIVA ..................................................... 33

4.3 ÔNUS DA PROVA E SUA REGRA GERAL .................................................... 34

4.4 FATOS SUJEITOS A PROVA ......................................................................... 36

5 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA............... 38

5.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE REAL ................................................................. 38

5.2 PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE ............................................................... 39

5.3 PRINCÍPIO DA HIPOSSUFICIÊNCIA .............................................................. 40

5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO A JUSTIÇA ............................................................. 41

5.5 PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR ................... 41

6 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR .............. 43

6.1 ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES

CONSUMERISTAS ................................................................................................ 43

6.2 APLICABILIDADE DA INVERSÃO ................................................................... 44

6.3 REQUISITOS NECESSARIOS ........................................................................ 46

6.3.1 VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES ................................................ 46

6.3.2 HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR ................................................ 47

7 MOMENTO DA DEFINIÇÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ................. 51

7.1 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DESPACHO INICIAL ........................ 52

7.2 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DESPACHO SANEADOR ................ 53

7.3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA SENTENÇA ................................... 54

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7.4 MELHOR MOMENTO PARA SE OPERAR A INVERSÃO DO ÔNUS DA

PROVA .............................................................................................................. 55

8 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 57

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59

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1 INTRODUÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor é uma legislação bastante recente no

Brasil se comparado a outras legislações, tratando-se de um projeto que antecede a

Constituição Federal de 1988, tendo como principal finalidade a proteção e defesa

do consumidor nas relações de consumo, ou sob uma nova ótica visa proteger as

relações de consumo num sentido coletivo.

Com outras palavras, a legislação consumerista não tem somente como

objetivo a proteção do consumidor, mas regulamentar a relação entre consumidores

e fornecedores, buscando um equilíbrio destas relações jurídicas que não podem ser

comparadas, haja vista as disparidades de cunho jurídico, econômico e técnico.

A Constituição Federal de 1988 tratou do direito do consumidor em vários

dispositivos, todavia, apenas com o advento da Lei 8.078/1990, ou seja, a partir do

Código de Defesa do Consumidor Brasileiro é que se concretizou uma efetiva

proteção. Considerada uma das leis mais modernas e democráticas do país, o

respectivo diploma legal veio a causar diversas mudanças na civilização brasileira.

O desenvolvimento econômico e as transformações sociais aliadas a

expansão da produção em massa vieram a provocar conflitos nas relações de

consumo. Esses conflitos próprios da sociedade de massa passaram a ser melhor

observados e resolvidos com a tutela coletiva dos interesses e direitos do

consumidor.

Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor, provocou um evidente

equilíbrio nas relações jurídicas travadas entre consumidores e fornecedores, seja

na prestação de um serviços ou no consumo de produtos.

Para que se possa garantir e assegurar o equilíbrio nas relações de

consumo e assim buscar uma tutela jurisdicional mais justa, a codificação em

questão trouxe princípios especiais para regular as relações de consumo, pois tais

regramentos são imprescindíveis para a sociedade contemporânea, mostrando-se

imperiosa a correta aplicação de tais institutos, de forma que se atinja plenamente os

seus objetivos.

De forma geral o CDC trouxe uma melhor proteção à educação, à saúde, à

proteção contra a publicidade enganosa e abusiva e também a proteção contratual,

substitui a igualdade formal pelo princípio da vulnerabilidade do consumidor, o

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acesso à justiça, a facilitação da defesa dos direitos do consumidor dentre outros

direitos.

O referido diploma legal possui diversos institutos que ajustam as relações

de consumo. Tais institutos são necessários devido ao grande desenvolvimento

econômico do país e os consequentes conflitos na relação de consumo. A inversão

do ônus da prova é um dos mais importantes institutos criados pelo Código de

Defesa do Consumidor, vez que facilita a construção probatória e a defesa do

consumidor em juízo.

Tal instituto busca a facilitação dos direitos do consumidor e se justifica

como uma norma dentre tantas outras previstas no CDC para garantir o equilíbrio da

relação de consumo, em virtude da conhecida vulnerabilidade do consumidor.

Neste passo, o CDC trouxe um dispositivo legal específico para este

instituto, o art. 6º, inciso VIII, que basicamente trata do direito básico do consumidor

a respeito da facilitação da defesa dos seus direitos em juízo, inclusive com a

inversão do ônus da prova, a seu favor no processo civil, desde que presentes

determinadas condições, ou seja, pode se inverter o ônus da prova, a critério do juiz,

quando se observa a verossimilhança das alegações, ou quando for ele

hipossuficiente, seguindo as regras ordinárias de experiência.

O instituto da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do

Consumidor é de suma importância nos tempos atuais, eis que a questão tem

mobilizado a doutrina e a jurisprudência pátria em relação ao momento em que deve

o juiz se pronunciar sobre o assunto.

Vozes respeitáveis na doutrina tem defendido que o ônus da prova constitui

regra de instrução, porque cabe ao juiz indicar no processo seu entendimento em

prol da inversão do ônus da prova para possibilitar ao fornecedor de produtos ou

serviços a oportunidade de se desincumbir do ônus que então lhe está sendo

entregue. Todavia, podemos observar que a jurisprudência nem sempre está

seguindo este alvitre, pois não são poucos os julgados, principalmente dos Juizados

Especiais Cíveis, que tem se operado a inversão do ônus da prova na própria

sentença.

Essa e outras questões relacionadas com o art. 6º, inciso VIII, do CDC serão

objeto de exame da presente monografia, não se propondo a esgotar-se o tema do

onus probandi, mas somente tratar da matéria revendo na doutrina e jurisprudência

posições referentes ao tema, com o intuito de colaborar para melhor compreensão,

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tendo em vista que a matéria em tela é pouco observada pela doutrina, o que leva a

equívocos na aplicação do Código de Defesa do consumidor, principalmente no que

tange a inversão do ônus da prova.

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2 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

O movimento de defesa dos consumidores no Brasil iniciou-se na década de

70, quando foram apresentados ao Legislativo os primeiros projetos de criação de

um órgão de defesa do consumidor, como bem lembra João Batista de Almeida:�

Como tema inespecífico, no entanto, constata-se a existência de legislação que indiretamente protegia o consumidor, embora não fosse esse o objetivo principal do legislador. A primeira manifestação que se tem notícia, nessa área, é o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, editado com o intuito de reprimir a usura. De lá pra cá, passando pela Constituição de 1934, surgem as primeiras normas constitucionais de proteção à economia popular (arts. 115 e 117). O Decreto-Lei n. 869, de 18 de novembro de 1938, e depois o de n. 9.840,de 11 de setembro de 1946, cuidaram dos crimes contra a economia popular, sobrevindo, em 1951, a chamada Lei de Economia Popular, até hoje vigente. É de 1962 a Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico (n. 4.137), que reflexamente beneficia o consumidor, além de haver criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, na estrutura do Ministério da Justiça, ainda existe, subordinação, porém, à Secretaria Nacional de Direito Econômico. Em 1984 foi editada a Lei n. 7.244, que autorizou aos Estados instituírem Juizados de Pequenas Causas, revogada pela Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Com a Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986, passaram a ser punidos os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, denominados “crimes do colarinho branco.”

1

Ainda neste sentido completa Maria Stella Gregori:

Em 1974, o Governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins com base em levantamentos socioeconômicos, designou um grupo de trabalho para estudar qual a efetiva cobertura da legislação brasileira e qual a efetiva cobertura da legislação brasileira e qual a fiscalização adotada contra fraudes nas áreas de alimentação, saúde, publicidade, contratos e sistema de vendas. A partir dos resultados desse estudo foi promulgado, dois anos após, o Dec. 7.890, de 06.05.1976, criando o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, vinculado à Secretaria de Economia e Planejamento.

2

Posto isto, nota-se que começaram a surgir às primeiras entidades de

defesa do consumidor, como a Adoc – Associação de Defesa e Orientação do

Consumidor e a APC – Associação de Proteção ao Consumidor. Em 1978, o

Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor foi regulamentado pela Lei Estadual

1.903, de 20.12.1978 e a partir de 1983, começando a surgir o Programa de

���������������������������������������� �������������������1 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2006, p.10. 2 GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p.84.

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Proteção e Defesa do Consumidor – Procon em vários Estados e Municípios do

país.

Com a democratização do país, em 1985, por intermédio do Dec. 91.469 de

24.07.1985, foi constituído o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, ligado ao

Ministério da Justiça, assessorando o Presidente da República na defesa do

consumidor. Esse conselho era formado por associações de consumidores, a Ordem

dos Advogados do Brasil, Confederações da Indústria, Comércio e Agricultura,

Ministério Público, Conselho de Autorregulamentação Publicitária – Conar, e

integrantes de vários Ministérios. Como bem leciona Marcelo Sodré:

A edição desse decreto é um marco histórico da defesa do consumidor: pela primeira vez surge a ideia da existência de um espaço político, sob a coordenação do governo federal, para a formulação da política nacional de defesa do consumidor. Além disto, resta óbvia a preocupação de garantir representatividade a este espaço público, na exata medida que os principais atores sociais (consumidores, fornecedores, e órgãos públicos) tinham assento neste Conselho. Se outros resultados não foram obtidos nos anos de existência do Conselho, para confirmar sua importância, basta a lembrança de que foi deste fórum que nasceu a proposta legislativa que se tornou o Código de Defesa do Consumidor.

3

Em 1988, a nova Constituição Federal Brasileira, determinou em seu artigo

484, das Disposições Transitórias, que o Congresso Nacional elaborasse o Código

de Defesa do Consumidor. Assim, em 1990 foi aprovado e sancionado pelo

Presidente Collor, a Lei 8.078 de 11.09.1990, dispondo da proteção dos

consumidores, entrando a referida lei em vigência seis meses depois.

Como bem assevera Antônio Carlos Efing:

Não resta dúvida de que a proteção do consumidor somente adquiriu aspecto relevante com a promulgação da Carta Magna de 1988, assumindo, neste momento, status de garantia constitucional e princípio norteador da atividade econômica.

5

Completa este entendimento Maria Stella Gregori, senão vejamos:

���������������������������������������� �������������������3 SODRÉ, Marcelo. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007, p. 15-126. 4 Art. 48 - O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição,

elaborará código de defesa do consumidor. 5 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2008,

p.23.

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A edição do CDC marca uma nova era nas políticas governamentais de proteção e defesa do consumidor ao instituir o SNDC, que integra os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor. É coordenado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça.

6

A defesa do consumidor aparece na Constituição Federal, entre os direitos e

deveres individuais e coletivos, em seu art. 5º, inciso XXXII7, e em seu artigo 170,

inciso V8, os quais estabelecem a defesa do consumidor como princípio da ordem

econômica, autorizando a intervenção do Estado nas relações privadas.

Como bem leciona o mestre Antônio Carlos Efing:

Com a edição do Código de Defesa do Consumidor, todas as questões que dizem respeito a relações de consumo receberam tratamento inovador. Aliás, as normas do CDC, de interesse social, afetam de modo direto e positivo, todos os membros da sociedade consumidora, protegendo-os, ou, o que é o mesmo, defendendo-os contra o produto ou serviço que lhes causem danos.

9

Ainda, a partir da Constituição Federal de 1988, a defesa do consumidor foi

reconhecida como uma garantia consagrada no ordenamento. Depois da aprovação

do Código de Defesa do Consumidor, a população brasileira ficou muito mais

consciente, lutando pelos seus direitos e o movimento de defesa do consumidor

cresceu juntamente com as entidades civis e os órgãos públicos de defesa do

consumidor.

Para Leonardo de Medeiros Garcia:

A Constituição Federal de 1988, incorporando uma tendência mundial de influência do direito público sobre o direito privado, chamada pela doutrina de “constitucionalização do Direito Civil” ou de “Direito Civil Constitucional”,adotou como principio fundamental, estampado no art. 5º, XXXII, “a defesa do consumidor.

���������������������������������������� �������������������6 GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010, p.86. 7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

8 Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V - defesa do consumidor 9 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2008,

p.24.

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A inclusão da defesa do consumidor como direito fundamental na CF vincula o Estado e todos os demais operadores a aplicar e efetivar a defesa deste ente vulnerável, considerado mais fraco na sociedade. É o que chamamos de “força normativa da Constituição”, na expressão de Konrad Hesse, em que a Constituição, ou os direitos nela assegurados, em especial os direitos fundamentais, não são meros programas ou discursos a serem seguidos, mas apresentam força de norma (norma jurídica), passível de ser executada e exigível.

10

É possível afirmar que o Código de Defesa do Consumidor é uma das leis

mais modernas e democráticas do país, pois quando da sua elaboração, houve uma

expressiva participação da população brasileira.

Nas palavra de João Batista de Almeida11:

“Pode-se adiantar que hoje o consumidor brasileiro está legislativamente bem equiparado, mas ainda se ressente de proteção efetiva, por falta de vontade política e de recursos técnicos e materiais. Mesmo assim, há que ser festejado o grande avanço experimentado nos últimos anos, que alçou o País, nessa área, e em termos legislativos pelo menos, ao nível das nações mais avançadas do Planeta.”

Complementado por Antônio Carlos Efing:

Não é demais destacar que o Código de Defesa do Consumidor, de inegável vanguarda e técnica legislativa comparável às legislações mais avançadas do cenário mundial, seja própria expressão concreta da evolução dos direitos angariados pelos consumidores até o momento. Justamente na sociedade atual, marcada pelas constantes e radicais mudanças cotidianas e pela inconteste submissão cada vez maior ao pujante sistema consumerista, o CDC pode ser positivamente considerado a resposta protetiva e reparatória inversamente proporcional aos prejuízos e frustações que assolam os cidadões participantes do mercado de consumo – vale dizer, potencialmente todos os cidadãos.

12

Desde a sua vigência, em 1991, o Código de Defesa do Consumidor foi

alterado por cinco leis e várias medidas provisórias, além de decretos que

ocasionaram mudanças em prol dos consumidores, ampliando as suas garantias.

Com efeito, a legislação consumerista trata de relação de consumo (entre o

consumidor e o fornecedor) em aspectos civis (artigos 1º ao 54), administrativos

���������������������������������������� �������������������10 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado, jurisprudência,

doutrina, Decreto nº 12.291/2010, pela MP nº 518/2010, que trata sobre o Cadastro Positivo, e pelas novas Súmulas do STF e do STJ. Niterói: Impetus, 2012, p.1.

11 ALMEIDA, João Batista de. Manual do Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2006, p.10. 12 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2008,

p.31.

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(artigos 55 ao 60/105 e 106), penais (artigos 61 a 80) e processuais (artigos 81 a

104), conforme bem demonstrado por José Geraldo Brito Filomeno:

Pode-se concluir neste passo, por conseguinte, que o Código de Defesa do Consumidor, ao par de ser considerado um conjunto de normas específicas do chamado “direito consumerista”, aborda temas bastante variados, constituindo-se num verdadeiro “microssistema jurídico”, já que aproveita preceitos de todos os demais ramos do direito – sem ser iconoclasta, ou modernizando institutos considerados obsoletos em face de suas diretrizes -, tais como o próprio direito constitucional, os direitos internacionais público e privado, os direitos civis, comercial, penal, processuais civil e penal, o direito administrativo etc.

13

Desta feita, podemos observar que o Código de Defesa do Consumidor é

uma lei principiológica, ou seja, não trata de nenhuma relação de consumo especial,

e sim todas as relações de consumo, cabendo as leis específicas, quando tratarem

de determinada relação de consumo se subordinar ao mesmo.

Nas palavra de Claudia Lima Marques:

As leis de função social caracterizam-se por impor as novas noções valorativas que devem orientar a sociedade e por isso optam, geralmente, em positivar uma série de direitos assegurados ao grupo tutelado e impõem uma série de deveres imputados a outros agentes da sociedade, os quais por sua profissão ou pelas benesses que recebem, consideram o legislador, que possam e devem suportar estes riscos. São leis, portanto, que nascem com árdua tarefa de transformar uma realidade social, de conduzir a sociedade a um novo patamar de harmonia e respeito nas relações jurídicas. Para que possam cumprir sua função, o legislador costuma conceder a essas novas leis um abrangente e interdisciplinar campo de aplicação.

14

O Código de Defesa do Consumidor criou mecanismos que vieram

regulamentar e equilibrar a relação de consumo. Nelson Nery Junior15 destaca, em

relação ao artigo 1º do CDC:

As normas do CDC são de ordem pública e interesse social. Isto quer dizer, do ponto de vista prático, que o juiz deve apreciar ex officio qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide nesta matéria o princípio dispositivo. Sobre elas não se opera a preclusão e as questões que delas surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jusrisdição. O tribunal pode, inclusive, decidir contra o único recorrente,

���������������������������������������� �������������������13 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2007, p.58. 14 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais. Revista dos Tribunais, 2002, p. 222. 15 NERY JR.,Nelson. Os princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do

Consumidor, n.3, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p.51-52.

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reformando decisão recorrida para pior, ocorrendo assim o que denominamos de reformatio in pejus permitida, já que se trata de matéria de ordem pública a cujo respeito a lei não exige a iniciativa da parte, mas, ao contrário, determina que o juiz examine de ofício. Se de interesse social significa, em termos práticos, que o Ministério Público tem participação obrigatória em todas as ações sobre lides do consumidor [...]

16

Em relação aos artigos 1º ao 7º do Código de Defesa do Consumidor estão

dispostos os princípios gerais das relação de consumo. O artigo 1º diz a respeito de

normas de proteção e defesa do consumidor em relação à ordem pública e interesse

social; os artigos 2º e 3º conceituam o consumidor e fornecedor; o artigo 4º e 5º

apresentaram a Política Nacional das Relações de Consumo; no artigo 6º versa-se

sobre os direitos básicos do consumidor e, por fim, no artigo 7º expõe-se sobre a

convivência das suas normas em relação às decorrentes de tratados ou convenções

internacionais ou relativas à legislação interna e também se instituiu a

responsabilidade solidária dos fornecedores. Na Política Nacional de Relações de

Consumo, apresentado nos artigos 4º e 5º do CDC, estão presentes os princípios da

vulnerabilidade do consumidor, a presença do Estado, harmonização de interesses,

coibição de abusos, incentivo ao autocontrole, conscientização do consumidor e do

fornecedor e melhoria dos serviços públicos.

O princípio da vulnerabilidade do consumidor consiste em asseverar que o

consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo, pois apresenta sinais de

fragilidade e impotência diante do seu poder econômico.

Para Maria Stella Gregori17, o princípio da vulnerabilidade do consumidor

encerra a aplicação do princípio constitucional da isonomia tratado no Código de

Defesa do Consumidor, quando o legislador determinou que, no mercado de

consumo, o consumidor é sempre a parte mais fraca da relação.

Consequência do princípio da vulnerabilidade do consumidor, o princípio da

Presença do Estado, versa que o Estado deve ser chamado para proteger a parte

mais fraca e garantir seus direitos.

O princípio da harmonização de interesses mostra que o objetivo da Política

Nacional de Relações de Consumo deve ser a harmonização dos interesses

envolvidos, pretendendo, então, o equilíbrio entre as partes.

���������������������������������������� �������������������16 Art. 1º - O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem

pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal, e artigo 48 de suas disposições transitórias.

17 GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.101.

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���

No que tange ao princípio de coibição de abusos, mostra que a Política de

Relações de Consumo não se completa se não coibir os abusos praticados no

mercado de consumo.

O princípio do incentivo ao autocontrole refere-se a incentivar que os

fornecedores evitem conflitos de consumo, utilizando mecanismos alternativos por

eles próprios criados e custeados.

No princípio da conscientização do consumidor e do fornecedor, apenas

busca o equilíbrio nas relações de consumo, com o escopo de se chegar a uma

harmonização entre as partes e racionalização.

Por fim, o princípio de melhoria dos serviços públicos, consiste que não é

apenas o setor privado que deve prestar serviços eficientes aos usuários, o setor

público também deve prestar serviços nas mesmas condições.

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���

3 DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 CONCEITO

As relações consumeristas ou relações de consumo são relações jurídicas

que envolvem duas partes, de um lado temos o consumidor ou adquirente de um

produto ou serviço, e de outro lado temos o fornecedor, o qual os cede.

Essas relações jurídicas tem por intento a satisfação de uma necessidade

íntima de quem está adquirindo tal produto ou serviço, e como não tem o controle

sobre a produção dos mesmos, este acaba se submetendo as condições impostas

pelo fornecedor.

Assim a relação de consumo é definida como toda relação jurídica contratual

que abranja compra e venda de produtos, bens móveis e imóveis, mercadorias, bens

consumíveis e inconsumíveis, fungíveis e infungíveis, os quais são adquiridos por

destinatários finais ou como prestação de serviços, excluindo-se os de caráter

trabalhista.

Observa-se que a relação consumerista é marcada pela qualidade de uma

das partes, o consumidor que é parte mais fraca na relação, pressupondo-se sempre

três elementos (consumidor, fornecedor e objeto)18.

Nas relações contratuais comuns se pressupõe que as partes sejam iguais,

enquanto nas relações de consumo as partes são desiguais, tendo-se em vista que

o fornecedor possui um maior poder se comparado ao consumidor. Caracteriza-se

assim pela presunção legal de superioridade do fornecedor, mesmo que o

consumidor seja uma pessoa de bom poder aquisitivo, já que em princípio, pouco

conhece ou desconhece da maioria das características dos produtos ou serviços que

adquire ou irá adquirir.

Denota-se que é precisamente nesse ponto que o Código de Defesa do

Consumidor se diferencia da antiga legislação contratual, civil e comercial, na qual a

autonomia de vontade sempre prevalecia, desde que observados um mínimo de

pressupostos legais19.

���������������������������������������� �������������������18 FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado

pelos autores do anteprojeto. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p.31. 19 FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado

pelos autores do anteprojeto. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p.32.

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���

Assim, temos que o direito do consumidor é composto de normas públicas e

tem nele o interesse social, sendo intervencionista, ou seja, quando identificada à

relação de consumo, o Código Civil, Processual Civil e Comercial, terão aplicação

subsidiária ao Código de Defesa do Consumidor.

Neste passo, faz-se mister trazer o posicionamento de Tizzoni Nogueira:

A relação de consumo ocorre, portanto, entre essas duas partes, o consumidor e o fornecedor, que estão definidos legalmente. Sendo que o primeiro visa a aquisição ou utilização de produtos ou serviços, e o segundo o fornecimento destes.20

Nota-se portanto, que a relação de consumo abrange o vínculo jurídico entre

consumidor e fornecedor, sendo assim definido pelo mestre Nelson Nery: “O objeto

de regulamentação pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação de consumo,

assim entendida a relação jurídica existente entre fornecedor e consumidor, tendo

como objeto a aquisição de produtos ou utilização de serviços pelo consumidor.”21

3.2 AVERIGUAÇÃO PRAGMÁTICA DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Diante da conceituação da relação de consumo, a qual ocorre entre as duas

partes, fornecedor e consumidor, necessário que haja sua observação no universo

real pragmático. Conclui-se que a demarcação da relação consumerista é

indispensável para a aplicação dos dispositivos e princípios provindos do Código de

Defesa do Consumidor, inclusive no que atinja à inversão do ônus da prova.

É incontestável que o Código de Defesa do Consumidor, como instrumento

de extrema importância para a defesa dos interesses dos consumidores, apenas

poderá ser utilizado quando a situação posta em exame submete-se a relação de

consumo, coadunando-se com o conceito supra-analisado. Se não ocorrer tal

subsunção, deverá ser aplicado outros textos legais, que na maioria das vezes

acabam sendo menos protetivos.

Tal averiguação pragmática é muito bem lecionada por Antônio Carlos Efing,

senão vejamos:

���������������������������������������� �������������������20 NOGUEIRA, Tania Liz Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor. 1ª Ed. Curitiba: Juruá, 1999, p.39 21 NERY JUNIOR, Nelson et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.40, p.270/271.

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���

A importância do reconhecimento da existência ou não de uma relação de consumo reside na possibilidade de serem aplicadas as normas previstas pelo CDC; caso contrário – não sendo detectada a relação de consumo -, estaremos diante de uma relação comercial, civil, etc, passível de regramento por outros textos legais que não o CDC.

22

Diante disto, não se pode esquecer que a relação consumerista possui

extrema importância no decorrer da vida humana em sociedade, sendo que tal

relação pode ser observada no dia a dia dos indivíduos, sendo comum a qualquer

cidadão em seus tratos, notadamente ser cada vez mais forte e protegida com a

aplicação das regras advindas do Código de Defesa do Consumidor, já que com tais

regras, os consumidores passaram a ter um vasto apoio jurídico que os auxilia no

dia a dia, tendo-se em vista que a relação de consumo se dá frequentemente no

decorrer da vida em sociedade.

3.3 RELAÇÃO DE CONSUMO COMO MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA

A relação consumerista, conjuntamente com os preceitos e princípios que a

norteiam, se constitui matéria de ordem pública, reconhecida de ofício pelo judiciário.

A afirmativa acima possui amparo legal expresso, advindo do art. 1º do

CDC, que explicita: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do

consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, inciso XXXII,

170, inciso V, da Constituição Federal, e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”

Sendo matéria de ordem pública, deverá o juiz apreciar de ofício qualquer

questão nele prescrita, sobre as quais não se opera à preclusão e

consequentemente as questões que dela surgem poderão ser decididas e revistas a

qualquer momento no processo.

Destarte, faz-se salutar trazer a lume o posicionamento de Nelson Nery:

1. Ordem pública. As normas do CDC são ex vi legis de ordem pública, de sorte que o juiz deve apreciar de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide nesta matéria o princípio dispositivo. Sobre elas não se opera a preclusão e as questões que dela surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição.

23

���������������������������������������� �������������������22 EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos à luz do Código de Defesa do Consumidor. São

Paulo: RT, 1999, p.26. 23 NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 3º ed. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1997, p.1348.

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���

Desta feita, denota-se que a inversão do ônus da prova poderá ser

reconhecida sem nenhum pedido nesse sentido, pois esta condicionada como

norma imperativa e de interesse social, questão esta muito bem analisada por

Carlos Roberto Barbosa Moreira:

Por não ser consumidor um litigante habitual e por não poder em muitos casos contratar um profissional altamente qualificado, não raro, poderá escolher que o profissional escolhido, desconhecendo ou não conhecendo adequadamente as disposições e interpretações do Código de Defesa do Consumidor, se esqueça de requerer a inversão do ônus da prova. Tendo em vista o direito tutelado, bem como os interesses envolvidos, é evidente que o juiz pode inverter, de oficio, o ônus da prova em favor do consumidor, que é presumida, bem como a natureza das normas do Código de Defesa do Consumidor, cogentes e de interesse social.

24

Assim, como bem analisado podemos concluir que a inversão do ônus da

prova será presumida, sendo que o juiz de ofício poderá inverter o onus probandi,

bem como que as normas do CDC são cogentes e de interesse social.

3.4 O CONSUMIDOR

Conforme anteriormente analisado, o consumidor é parte da relação jurídica

de consumo, de maneira que se faz mister sua conceituação, a fim de que se

possibilite sua identificação correta nas situações fáticas da observação da cadeia

consumerista.

Não se pode olvidar que o ato do consumo tem sido entendido pela doutrina

majoritária como aquele no qual o consumidor é o destinatário final da relação de

consumo, ressaltando que o conceito básico de consumidor está explicito no Código

de Defesa do Consumidor em seu artigo 2º, caput, in verbis: “(...) consumidor é toda

pessoa físico ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final.”

Porém antes de adentrar às questões relativas ao conceito de consumidor,

faz-se mister destacar três correntes doutrinárias – ainda que de forma sucinta - que

levam a entendimentos divergentes. São elas a corrente finalista, a corrente

maximalista e a finalista mitigada. Da primeira resultará um conceito estrito de

���������������������������������������� �������������������24 MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do

consumidor. IN Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n.22, 1997, p. 135-149.

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���

consumidor e da segunda resultará um conceito lato, como bem esclarece Efing,

enquanto da terceira uma variação de acordo com o caso concreto em observância

às questões de vertente econômica, jurídica e técnica (conhecimento):

Em um sentido lato, consumidor é aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional. O que importa é que alguém seja o “consumador” do bem, isto é, que consume, complete, termine o processo econômico , dando satisfação as necessidades pessoais, familiares e/ou profissionais. Em sentido estrito, consumidor é apenas aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço para uso privado (pessoal, familiar ou doméstico), de modo a satisfazer às necessidades pessoais e familiares, mas não os que obtêm ou utilizam bens e serviços para a satisfação das necessidades de sua profissão ou empresa.

25

Posto isto, nota-se que a corrente maximalista, analisa o CDC como

regulador das relações consumeristas em geral, independentemente se o

consumidor da relação seja efetivamente destinatário final do produto ou se esteja

adquirindo o bem para depois revendê-lo a titulo de exemplo.

De outra vértice, temos que a corrente identificada como finalista, que

entende que apenas se manifestaria como relação de consumo e portanto estaria

protegida pelo CDC, aquela na qual o consumidor acaba-se com o ciclo; ou seja,

que o consumidor esteja no final da relação de consumo, no final do ciclo da cadeia

de produção, encontrando a finalista mitigada, em meio a essas outras duas

correntes.

Dessa forma, na visão de Pasqualloto:

A expressão destinatário fático é usada como oponente de destinatário econômico. O primeiro seria o adquirente ou o usuário que retira o bem de circulação, independente da finalidade que particularmente vai atribuir-lhe. Realiza, portanto, o fato da retirada do bem de circulação. Para a teoria maximalista, esse ato é de consumo, mesmo que o praticante seja uma empresa que venha a utilizar o produto como insumo de sua produção. Já na expressão destinatário econômico só é compreendido como consumidor quem se encontra na etapa derradeira da atividade econômica. Esta corrente aproveita conceitos da teoria da circulação, distribuição e consumo. Portanto, só seria protegido pelo CDC o destinatário final da produção, um consumidor stricto sensu. Os seguidores desse pensamento são identificados na doutrina do direito do consumidor como finalistas.

26

���������������������������������������� �������������������25 EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do

consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.44. 26 PASQUALLOTO, Adalberto. A inversão do ônus da prova. In: Revista de Direito do Consumidor, nº

43, jul-set., 2002.

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���

Feitos os apontamentos sobre a polêmica doutrinária que norteia o tema,

penetra-se ao estudo efetivo dos conceitos de consumidor elaborados pelo

legislador.

Conforme acima analisado, segundo o art. 2º do CDC, o “consumidor é toda

pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final” ainda acrescentado pelo seu parágrafo único que assim menciona “equipara-

se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja

intervindo nas relações de consumo”.

De início, cabe ressaltar que é de suma importância perceber o significado

do termo “destinatário final”.

Por destinatário final deve-se compreender aquele que verdadeiramente

bota fim ao ciclo comercial, fazendo a retirada do bem do mercado de consumo, ou

consumindo de fato o serviço. Tal conceituação se filia à corrente finalística.

Nesse viés, o ato de consumo deve ser final, conforme leciona Nascimento:

O que se quer deixar evidenciado é que, enquanto ocorrem relações jurídicas que importem em aquisição de produtos, mas sem a presença de um adquirente, ou utente, como destinatário final, tais relações ainda não ingressam nas relações de consumo tratadas e tuteladas pelo Código de Proteção ao Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11.09.90). As relações negociais que possam se realizar entre produtor e comerciante, ou entre fabricante e comerciante, com a finalidade de ser o produto posteriormente comercializado com um adquirente, não são ainda relações de consumo. São relações jurídicas estranhas ao Código do Consumidor, enquanto vistas autonomamente, mesmo porque nenhum deles é destinatário final: são relações que não envolvem qualquer consumidor.

27

Compreende-se a primeira questão apresentada pelo legislador na

demarcação do conceito de consumidor, qual seja o conceito de destinatário final do

produto. Resta claro que o consumo deverá destinar-se a satisfação de uma

necessidade íntima do consumidor, como bem leciona José Geraldo Brito Filomeno,

senão vejamos:

Pode-se dessarte inferir que toda relação de consumo: a)envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço (“consumidor”), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço(“produtor/fornecedor”); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo

���������������������������������������� �������������������27 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio

de Janeiro: Aide, 1991. p.12.

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���

ou prestação de serviço que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços.

28

Entretanto, o artigo 2º de referido codex ainda trata de outros conceitos, que

devem ser esclarecidos para melhor compreensão, tornando-se indispensável ao

estudo verificar que o consumidor pode ser pessoa física ou jurídica sendo

equiparados no parágrafo único de referido artigo.

Desta maneira, o caput do artigo 2º do CDC conceitua como consumidor

“toda pessoa física ou jurídica”, não conferindo qualquer diferenciação entre ambas,

desde que cumpridos os requisitos trazidos pelo artigo.

Vejamos as palavras de Luiz Antônio Rizzatto, ao tratar do tema:

Consumidor é a pessoa física, a natural e também a pessoa jurídica. Quanto a esta última, como a norma não faz distinção, trata-se de toda e qualquer pessoa jurídica, quer seja uma microempresa, quer seja uma multinacional, pessoa jurídica civil ou comercial, associação, fundação, etc.

29

Desta forma, entende a corrente majoritária, que a pessoa jurídica quando

adquire bens para insumos de sua produção (para fins profissionais) ou com a

intenção de repassá-los, mediante pagamento, não poderá configurar no pólo como

consumidor, pois este não atenderá ao requisito legal de ser destinatário final do

produto ou serviço, havendo algumas flexibilizações pelos tribunais pátrios, por meio

da teoria finalista mitigada.

Em sua segunda parte do artigo, qual seja, - “[...] que adquire ou utiliza

produto ou serviço como destinatário final.” - faz uma delimitação ao objeto da

relação de consumo. Não dando-se importância se o ato de consumir acarretará em

destruição imediata o bem, ou se este se deteriorará com o passar do tempo, pelo

uso.

Vejamos a lição de Nascimento, que assim explica:

[...] o ato de consumir pode significar consumo absoluto, quando há destruição da coisa pelo primeiro uso, ou consumo paulatino, quando a coisa se deteriora pelo uso continuado. Desta forma, tanto é consumidor o que compra uma maça para comer – há o uso que resulta de seu perecimento absoluto – como o que compra um imóvel - há o consumo resultante do desgaste sucessivo ou paulatino.

���������������������������������������� �������������������28 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 5ª ed., São Paulo, 2001. p.38. 29 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 72.

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Na hipótese da maça, o consumo se subsume na definição dada pelo artigo 51 do Código Civil: “São consumíveis os bens móveis, cujo uso importa na destruição imediata da própria substância...”. A coisa perde a substância como consequência do primeiro uso. É desgaste abrupto, repentino, consumo absoluto. É ato de consumir no sentido físico ou material e é ato de consumir no conceito jurídico.

30

[...] Na hipótese de imóvel comprado, o consumo é paulatino, porque, além da lei do consumidor incluir, entre os produtos o bem imóvel, o uso pelo seu consumidor, como destinatário final, é ato de consumir. Com efeito, há o desgaste da coisa, de modo continuado. O uso constante somado à passagem do tempo provoca o desgaste, parte por força da natureza e parte pela utilização realizada sucessivamente.

31

Analisado e entendido o caput do artigo, não se pode olvidar da equiparação

feita no parágrafo único de referido artigo, qual seja: “Equipara-se a consumidor a

coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas

relações de consumo.”

Desde logo, percebe-se a característica originária da lei, qual seja, a

proteção ao consumidor, vista aqui pela equiparação que foi dado pelo legislador a

aqueles que, por qualquer meio, venham a interferir na relação consumerista.

Denota-se que a lei protegeu os interesses coletivos das pessoas.

Com propriedade José Brito Filomeno, discorre:

O parágrafo único do comentado artigo 2, porém, trata não mais daquele determinado e individualmente considerado consumidor, mas sim de uma coletividade de consumidores, sobretudo quando indeterminados e que tenham intervindo em dada relação de consumo.

32

E ainda acrescenta:

[...] o que se tem em mira no parágrafo único do artigo 2 do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna,por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se assim abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores.33

���������������������������������������� �������������������30 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio

de Janeiro: Aide, 1991. p.19. 31. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio

de Janeiro: Aide, 1991. p.20. 32 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 5ª ed., São Paulo, 2001. p.31. 33 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 5ª ed., São Paulo, 2001. p.32.

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Observa-se que o legislador não diferenciou a natureza dessa coletividade

de pessoas, podendo estas serem físicas ou jurídicas, ou ainda entes

despersonalizados, desde que abranja à relação de consumo.

Desta feita, tem-se quatro especificações a serem observadas com o objeto

de conceituar o consumidor descrito no artigo 2º do CDC, senão percorramos: a)

pessoa física ou jurídica (partes); b) que adquire ou utiliza produto ou serviço

(objeto); c) como destinatário final (caráter finalístico); d) a coletividade de pessoas.

Assim sendo, o ideal é que se avalie caso a caso, sempre observando os

requisitos do artigo 2º e parágrafo único do CDC, para se definir quando a pessoa

jurídica será ou não parte em um relação consumerista, e consequentemente gozar

dos privilégios e protecionismo procedentes do CDC.

A par disto, observa-se que no artigo 17 do CDC aduz o seguinte: “Para

efeitos desta Seção, são equiparadas a consumidores todas as vítimas do evento”.

Nota-se, a preocupação do legislador da década de 90 em ampliar a relação de

consumo, para não apenas a quem tenha participado diretamente, mas também a

quem de forma indireta tenha, em decorrência dela, sofrido algum dano.

Com maestria, Pasquallotto34 discorre sobre o referido artigo, mencionando

que visando resguardar aqueles que circunstancialmente possam suportar danos em

decorrência de fatalidades que possam acontecer nas imediações de um lugar onde

ocorra um acidente, advindo da falha de um produto ou de um serviço, determina

que, para os efeitos da responsabilidade do fornecedor pelo fato assim rotulado,

todas as vítimas do evento, serão equiparadas a consumidores.

Também coaduna com este pensamento Antônio Carlos Efing:

Trata-se de novo âmbito de tutela do consumidor: a vítima do acidente de consumo que, em virtude do disposto no artigo 17, passa a ser equiparada ao consumidor. Desconsidera-se, a partir deste momento, se o tutelado, ora consumidor, qualifica-se como destinatário final do produto ou serviço; se houve a sua participação na relação de consumo ou não. Mostra-se suficiente que a vítima, para que seja equiparada a consumidor, tenha sido atingida em sua esfera jurídica pelos efeitos do acidente de consumo, interessando a perquirição que ora se almeja, o conhecimento de que a pessoa foi atingida em sua incolumidade físico-psíquica ou econômica.

35

���������������������������������������� �������������������34 PASQUALLOTO, Adalberto. A inversão do ônus da prova. In: Revista de Direito do Consumidor, nº

43, jul-set., 2002. 35 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2008,

p.43.

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���

A par disto, verifica-se que novamente o diploma legal deixa evidenciado o

seu caráter protecionista, no qual faz-se mister o destaque do artigo 17 estar

inserido na seção que trata da responsabilidade pelo fato do produto e serviço,

demonstrando o cuidado que teve o legislador ao amparar no diploma legal a quem

seja atingido por acidente de consumo.

Para tanto, não exigiu o legislador que o consumidor equiparado do artigo

17, necessite cumprir o requisito do artigo 2º de ser destinatário final. No caso, basta

que tenha sofrido dano decorrente do evento, para usufruir das condições da

legislação consumerista.

De mais a mais, para José Geraldo Brito Filomeno:

É bom notar que o artigo 17 não repete o requisito da destinação final, informador do conceito geral de consumidor (artigo 2). Fala-se somente em “vítimas do evento”, noção esta que inclui qualquer pessoa, até mesmo o profissional que, ao adquirir um produto para revenda, veio a sofrer um acidente de consumo.

36

Assim continua:

Na responsabilidade pelo fato do produto, no artigo 17 encontramos o segundo conceito de consumidor. No citado artigo o conceito é alargado para acolher todas as vítimas do evento. Justifica-se tal alargamento pela gravidade dos acidentes de consumo, que acarretam riscos à saúde e à integridade física de consumidores e terceiros. Protege-se a figura do terceiro, conhecida nos países common Law, como bystander, Istoé, aquele que não participou da circulação jurídica do bem nem do seu uso. O bystander, via de regra, não se encontra em melhor posição daquela ocupado pelo consumidor. Ele não pode escolher o produto mais seguro ou exercer a devida diligência no uso do produto, como pode fazer o consumidor. Por essa razão é que se costuma afirmar que a lei deve assegurar ao bystander uma tutela objetiva. Assim, o Código de Defesa do Consumidor acertou ao proteger ao bystander contra os chamados acidente de consumo.37

No comentário acima transcrito, ao referir-se a terceiros utiliza-se o termo

bystanders, no qual se entende que alguém estranha a relação de consumo,

presencia um acontecimento (fato) sem participar diretamente, ou seja, terceiros que

não participaram do evento, de alguma forma se torna vítima dele.

���������������������������������������� �������������������36 FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado

pelos autores do anteprojeto. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997,p.56. 37 FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado

pelos autores do anteprojeto. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997,p.56.

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���

A inserção do bystander a conceituação de consumidor garante a reparação

de danos que estes vieram a experimentar, com guarida na legislação consumerista.

Desta feita, cabe por fim trazer o conceito de consumidor do artigo 29 do

Código de Defesa do Consumidor, qual seja: todas as pessoas expostas às praticas

comerciais.

Denota-se que o Código de Defesa do Consumidor disponibiliza ampla

proteção aos participantes da relação consumerista, mirando diminuir as chances de

que o consumidor seja lesado.

Luiz Antonio Rizzatto Nunes, ilumina a este respeito que trata de “uma

espécie de direito difuso de consumidor”, já que qualquer pessoa que esta exposta à

prática comercial é um consumidor. A propósito:

A leitura adequada do artigo 29 permite, inclusive, uma afirmação muito simples e clara: não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas que foram expostas às praticas. É mais do que isso. O que a lei diz é que, uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática. Trata-se, portanto, praticamente de uma espécie de conceito difuso de consumidor, tendo em vista que desde já e sempre todas as pessoas são consumidoras por estarem potencialmente expostas a toda e qualquer prática comercial. É, como dissemos de início, o aspecto mais abstrato da definição, que, partindo do elemento mais concreto - daquele que adquire ou utiliza o produto ou o serviço como destinatário final -, acaba fixando de forma objetiva que se respeite o consumidor potencial. Daí ter-se de dizer que o consumidor protegido pela norma do artigo 29 é uma potencialidade. Nem sequer precisa existir.

38

Ressalta-se aqui a característica do Código de conferir ampla defesa mesmo

ao consumidor indeterminável, se exposto as práticas comercias, como bem aborda

Cláudia Lima Marques:

O artigo 29 supera, portanto, os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política-legislativa! Parece-nos que, para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para proteger os interesses econômicos daquelas pessoas (mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo “consumidores strictu sensu”, poderão utilizar das normas do CDC, de seus princípios, de sua ética de responsabilidade social no mercado, de sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas.

39

���������������������������������������� �������������������38 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 85. 39 MARQUES, Cláudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2005.

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���

Conclui-se, portanto, que o artigo 29 do CDC garante a efetiva proteção aos

interesses difusos da sociedade, equiparando a consumidores todas as pessoas

expostas as práticas comerciais.

3.5 O FORNECEDOR

O fornecedor, como parte na relação consumerista, tem sua importância

precípua para verificação pragmática da relação de consumo, sendo necessária sua

conceituação como forma de delineação da figura (fornecedor) dentro da relação de

consumo.

O artigo 3º do diploma consumerista assim define fornecedor: “fornecedor é

toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem

como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição

ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Assim sendo, denota-se que o legislador ao contrário do que fez ao definir

consumidor, não estipulou parâmetros específicos, deixando vasto campo em que o

fornecedor pode se encaixar. Neste diapasão João Batista de Almeida, aponta que

será mais fácil definir quem não pode ser considerado fornecedor, conforme

explanado abaixo:

Em princípio, portanto, só estariam excluídos do conceito de fornecedor aqueles que exerçam ou pratiquem transações típicas de direito privado e sem o caráter de profissão ou atividade, como a compra e venda de imóvel entre pessoas físicas particulares, por acerto direto e sem qualquer influência de publicidade.

40

Ao avaliar referido artigo, Efing ressalta que “a lei só contemplou no conceito

de fornecedor aqueles que participam do fornecimento de produtos ou serviços no

mercado de consumo com caráter de profissionalidade (exercício habitual do

comércio)”, e assim segue: “tal profissionalidade pode existir, todavia, ainda que de

forma irregular, como ocorre, por exemplo, com os vendedores ambulantes que

praticam em sua maioria, atividade ilegal, mas sujeita as normas de consumo”.41

���������������������������������������� �������������������40 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. 41 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2008,

p.54.

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���

Por mais que a atividade comercial não seja desenvolvida com

habitualidade, nota-se que o CDC não abordou nem a exigiu, então igualmente será

considerado a fornecedor aquele que, ainda que eventualmente, desenvolva suas

atividades comerciais.

Neste sentido Luiz Antonio Rizzato Nunes, discorre:

O uso de termo atividade esta ligado a seu sentido tradicional. Têm-se, então, atividade típica e atividade eventual. Assim, o comerciante estabelecido regularmente exerce a atividade descrita em seu estatuto. Mas é possível que o mesmo comerciante exerça uma atividade atípica, quando, por exemplo, age, de fato, em situação diversa da prevista, o que pode dar-se de maneira rotineira ou eventual. E a pessoa física vai exercer atividade atípica ou eventual quando praticar atos do comércio ou indústria.

42

Em outra vértice temos o posicionamento de Tizonni Nogueira, quando

comenta o posicionamento do mestre José Geraldo Brito Filomeno, no sentido de

que será necessário o requisito da habitualidade para a configuração de fornecedor,

senão vejamos:

O Professor JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO alerta para o fator “habitualidade”, que apesar de não estar expressado no texto legal, entende ser precisamente nesse ponto que reside a linha divisória para enquadrar ou não alguém no tipo legal de fornecedor. Prelecionando que o fator habitualidade deve ser entendido como a constância na prestação de determinado serviço ou no exercício do comércio. Sob esse enfoque, se um cidadão vende de forma não habitual (vende seu veículo) ele não é fornecedor e, portanto não haverá relação de consumo propriamente dita, poderá haver, sim, uma compra e venda, relação jurídica essa regida pelas normas do Código Civil, e dependendo do caso, pelo Código Comercial e que então, não será relação de consumo.

43

Nesse mesmo sentido, temos o posicionamento dos autores do anteprojeto

do Código de Defesa do Consumidor, na qual “fornecedor é qualquer pessoa física,

ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade

mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a

jurídica da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma

habitual”.44

Assim, existindo posicionamentos distintos para se enquadrar o fornecedor

na relação de consumo, em específico a utilização ou não de habitualidade como um

���������������������������������������� �������������������42 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 86. 43 NOGUEIRA, Tania Liz Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 1999, p.36 44 GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.40.

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requisito para o conceito de fornecedor, o importante é que os conceitos trazidos

sejam aplicados de forma mais equilibrada possível, sempre fazendo jus ao bom

senso, e trazer o equilíbrio e a forma mais justa ao caso concreto.

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4 DAS PROVAS

4.1 CONCEITO

Para que se possa entender o instituto do ônus da prova na relação

consumerista, é essencial fazer uma análise do conceito de “provas”. Sendo

originaria do latim, prova significa comprovação, a demonstração verídica de um

fato. Conforme a prova faz parte do processo, essa é elemento essencial para a

resolução de conflitos judiciais.

A todos é assegurado exercer o direito constitucional de ação, o qual se

forma através de um processo intentado, fundamentado em fatos, os quais podem

ser contestados pelo réu do processo, o qual também poderá arguir a existência de

outros fatos nos quais se fundam suas conclusões. Observa-se que a prova nada

mais é do que o meio de comprovar a existência dos fatos alegados na petição do

autor, ou ainda, na contestação do réu, possibilitando assim ao julgador da causa

construir sua convicção com fundamento nos fatos elencados45.

Frise-se que a prova é meio para se buscar a verdade, exprimindo o

resultado da revelação do fato, resultando no conhecimento contraído a partir da

alegação e do procedimento utilizado. Desta feita, temos que a prova poderá ser

portando, entendida tanto como meio, tanto quanto resultado da própria ação de se

evidenciar os fatos que foram alegados.

Nesta esteira João Monteiro, nos ensina que prova é “a soma dos meios

produtores da certeza”. Já Amaral dos Santos46, entende que o juiz deve apreciar o

conjunto probatório provido pelas partes, destacando que “prova é a soma dos fatos

produtores da convicção, apurados no processo”47.

Ainda, sobre o estudo da prova, João de Castro Mendes, a conceitua como

sendo “o pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na formação, através do

julgador, da convicção de que certa alegação singular de fato é justificavelmente

aceitável como fundamento da mesma decisão”.48

���������������������������������������� �������������������45 MONTEIRO, João. Teoria do Processo Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1956, p.350. 46 SANTOS, Moacir Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial. São Paulo: Max Limonad, 1952,

vol. I. p.21. 47 MONTEIRO, João. Teoria do Processo Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1956, p.355. 48 MENDES, João de Castro. Do conceito de prova em processo civil. Lisboa: Ática, 1961, p.741.

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4.2 PROVA OBJETIVA E PROVA SUBJETIVA

Para análise do tema principal do presente trabalho, mister fazer

considerações sobre a diferença de prova subjetiva e prova objetiva.

Em seu aspecto objeto, a prova significa a demonstração de veracidade dos

fatos elencados pelas partes envolvidas. Já no seu âmbito subjetivo, a prova se

exprime na convicção da certeza do que se está sendo alegado. Após a instrução

probatória, pode – se observar duas espécies de elementos distintos, sendo eles os

positivos e os negativos.

Havendo a dominação dos elementos positivos sob os negativos, constata-

se que haverá a condução de certeza sobre determinado fato, não sendo esta

absoluta. A certeza absoluta, em que pese seja o fim almejado pelo direito, jamais

poderá se ver garantida pelos meios de prova utilizados, já que estás são facilmente

falíveis.

Assim, havendo a preponderância dos elementos negativos sob os positivos,

faz-se surgir o estado de ignorância, sendo afastados da verdade real. Poderá

ocorrer de não ser passado ao destinatário da prova, que é o juiz, nem a certeza e

nem a ignorância, se construindo um estado de dúvida, que deverá ser conduzida a

reflexão dos meios que deverão ser utilizados para afastar tais dúvidas, exercendo

assim o melhor direito.49

Destarte, imprescindível o emprego das regras do ônus da prova, instituto

este que traz a melhor forma de fornecer os elementos necessários para que os

julgadores possam decidir as causas.

Conforme ensina Amaral Santos, tem se que a dúvida, ao lado da certeza e

da ignorância, se caracteriza em um estado intermediário, podendo se conduzir a

confiabilidade, quando os motivos negativos e positivos levados ao destinatário das

provas se igualarem.50

Com toda certeza, se restar dúvida ao julgador após a instrução probatória,

não poderá o mesmo deixar de julgar a causa, afirmando a sua falta de convicção,

sendo indispensável a utilização das regras do ônus da prova. Afirmação esta em

total acordo com os ensinamentos de Cecília Matos, conforme abaixo transcrito:

���������������������������������������� �������������������49 SANTOS, Moacir Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial. São Paulo: Max Limonad, 1952,

vol. I. p.18. 50 SANTOS, Moacir Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial. São Paulo: Max Limonad, 1952,

vol. I. p.20.

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[...] finda a instrução probatória e ainda que utilizados os poderes instrutórios do juiz e apreciada a prova segundo o sistema da persuasão racional, a certeza poderá não se firmar e o juiz permanecer na dúvida.

51

O juiz não poderá anunciar o non liquet, ou seja, quando não resta claro,

deixando de julgar com o fundamento de que está em dúvida sob sua convicção.

Deverá, este então, se apoiar nas regras do ônus da prova, conforme explanado

acima, para poder determinar qual parte suportará a desvantagem por estar em

estado de dúvida, julgando-se assim, procedentes ou improcedentes os pedidos

formulados.52

Diante da existência de dúvida advinda da incerteza sobre os fatos

elencados, o julgador deverá utilizar das regras do ônus da prova para saná-las,

sendo que havendo dúvida sobre direitos, este deverá buscar nas interpretações

doutrinárias e jurisprudenciais, trazendo a melhor aplicação do direito ao caso real.

4.3 ÔNUS DA PROVA E SUA REGRA GERAL

É cediço, que a regra geral do Código de Processo Civil a respeito do ônus

da prova é a de que, quem alega tem que provar. Regra geral que esta insculpida no

artigo 333 do CPC, in verbis:

Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Quando as partes ingressam com uma demanda estas alegam fatos para

que se possa fundamentar a questão levantada. A simples alegação não será

suficiente para constituir a convicção do julgador, evidenciando-se a necessidade da

prova de existência das circunstâncias e dos fatos narrados.

���������������������������������������� �������������������51 MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. IN Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, nº. 11, 1994, p.164. 52 MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. IN Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, nº. 11, 1994, p.162.

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Assim, afirma-se que havendo fatos a serem provados, tem-se a

necessidade de saber a quem cabe prová-los.

Com efeito, para se definir o que é ônus da prova e entrar em suas

particularidades, é necessário trazer a lume o significado de ônus, o qual muitas

vezes é confundido com uma sanção a parte.

Destaca-se, desde logo, que o ônus da prova não é uma sanção, pois

sanção é uma pena aplicada a determinada parte, sendo o ônus da prova a

necessidade de se alcançar determinado objetivo, não tendo por objeto penalizar a

quem couber o ônus.

Outrossim, o ônus é diferente de dever. Segundo Carnelluti, a diferenciação

entre os dois institutos é na consequência que irá acarretar para quem não cumprir

um ou outro, ou seja, se irá haver a sanção jurídica ou simplesmente perderá uma

faculdade jurídica ao seu favor53.

Deve-se ter em vista, que o dever traduz-se na idéia de necessidade jurídica

que conduzirá a determinado comportamento, e sendo infringida acarretara em

sanção jurídica, enquanto no ônus se forma a partir da necessidade da parte titular

do direito em obter um efeito positivo.

O ônus da prova é uma faculdade, já que a parte não é obrigada a produzir

provas. Não a produzindo, maior a chance de ser perdedor em uma demanda

judicial. Para Chiovenda, o ônus da prova é “a posição da parte vinculada a um

interesse próprio, que age de certo modo, evitando uma omissão desfavorável, com

o intuito de afastar uma consequência danosa” 54. Almeida Costa, afirma que ônus

“se entende como a necessidade de adaptar certa conduta para a obtenção ou

conservação de uma vantagem própria” 55

Diante da definição de ônus, facilmente se compreende as questões

atinentes ao tema de ônus da prova. Logo, ônus da prova não é nada mais que a

definição de quem deverá ter o dever de provar os fatos trazidos a demanda, em

outras palavras, sobre quem deverá cair o ônus de mostrar a veracidade da situação

posta em análise.

���������������������������������������� �������������������53 CARNELLUTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Pandova, Cedam, 1936, p.p 44-55. 54 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. As relações processuais. A relação

processual de cognição. Tradução de J. Guimarães Menegale. Vol II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1943.

55 COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das obrigações. 4ª ed. São Paulo: Coimbra Editora, 1984, p.40.

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Observa-se que tal instituto é imprescindível para o andamento de qualquer

demanda, uma vez que a definição do ônus da prova poderá modificar por inteiro um

julgamento, quando a dúvida recair sobre a aplicação das regras de repartição do

ônus da prova.

Posto isto, podemos observar que uma pessoa que intenta a proteção

jurisdicional para obter determinado direito, mas que não consegue demonstrar os

fatos que constituem o seu direito, mesmo que tais fatos tenham efetivamente

existido, este será perdedor na demanda judicial, o que afirma que nem sempre as

regras de repartição do ônus da prova atuam a favor da verdade real. Esta situação

demonstra a importância do instituto analisado.

No dizer de Echandia, o ônus da prova é o poder ou faculdade de se

executar de forma livre certos atos, ou ainda adotar certa conduta prevista na norma,

para beneficiar a si próprio e seus interesses, sem que ocorra sujeição, coerção e

ainda sem que exista outro sujeito que detenha o direito de exigir seu cumprimento,

mas que se não observado poderá acarretar em consequências desfavoráveis56. Em

outro vértice Carnelutti, pondera que o critério para se determinar o ônus da prova,

está no interesse na afirmação, o que se harmoniza com o teor da demanda e

decorre da regra de experiência, na qual as partes tentam a prova dos fatos que são

favoráveis57.

Feitas estas considerações, evidente que as partes têm a faculdade de

produzir as provas ou não, nunca tendo o dever de produzi-las, porém correndo por

sua conta e risco de não se provando os fatos alegados na lide, possa a vir ser

sucumbente na demanda judicial.

4.4 FATOS SUJEITOS A PROVA

Com o ingresso da demanda, alegam-se diversos fatos, que em regra

devem ser provados. Entretanto, com a contestação da ré, a qual se oportuniza a

possibilidade de contradizer as alegações realizadas pelo autor, tem-se a

delimitação do que foi questionado, ou seja, ficará reluzente o que foi questionado e

o que deverá ser apurado em instrução probatória.

���������������������������������������� �������������������56 ECHANDIA, Hermano Devis. Teoria general de la prueba judicial. 6ª ed. Buenos Aires: Zavalia,

1988. 57 CARNELLUTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Pandova, Cedam, 1936, p.55.

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Tendo-se a delimitação do tema a se provar, torna-se imprescindível a

aferição dos pontos controversos, os quais nada mais são do que a fixação do fatos

que deverão ser provados pelas partes. Observa-se que com a negação dos fatos

elencados na exordial, esta acarretara a controvérsia da demanda, a qual poderá ser

resolvida na instrução probatória.

Unindo a causa de pedir a contestação, temos visualizadas as regras de

distribuição do ônus da prova. Em seguida, com a marcação das questões

controversas, passa-se a contemplar as regras do ônus da prova, estando baseadas

em fatos modificativos, extintivos, impeditivos e constitutivos do direito do autor.

Sendo assim, observa-se que como regra geral, a prova de fatos

constitutivos, que se mostra como pilar do direito do autor, deve por ele suportada,

incumbindo a parte demandada comprovar que aconteceram fatos que impeçam a

produção do efeito almejado.

Podemos entender por fato impeditivo aquele que impede ou susta o

exercício de um direito, mas não o faz parecer. Por fato extintivo é aquele fato

jurídico capaz de extinguir, transferir, modificar ou que geram direitos. Os fatos

extintivos se concretiza na defesa, sendo sempre utilizada para que se anule a

eficácia do fato constitutivo ou de direito pretendido pelo autor.

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5 PRINCÍPIOS NORTEDEADORES DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

5.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE REAL

De início, destaca-se que a doutrina de igualdade de todos perante a lei fora

atribuída com o fito de proteger o vulnerável, o hipossuficiente, o economicamente

mais fraco perante os mais fortes e o carente.

Isto se deve ao Código de Defesa do Consumidor, que revolucionou

afastando o princípio da igualdade, na qual o Estado deve aplicar a todos que estão

sob a mesma jurisdição os mesmos preceitos jurídicos. Já no CDC a desigualdade é

reconhecida pela própria lei, que reconhece ser os consumidores a parte mais fraca

na relação de consumo.

Na relação consumerista, as partes não podem ser vistas com os mesmos

olhos, ou seja com a mesma igualdade, fazendo com que o CDC ampare os

consumidores, principalmente os vulneráveis, em face do fornecedor que dispõe de

um maior poder econômico e com maior poderio de comandar a relação de

consumo.

No que se refere ao princípio da igualdade real e inversão do ônus da prova

assim nos ensina Nelson Nery Júnior:

[...] a norma decorre da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa (CF 5º, LV). Deve ser facilitada a defesa do consumidor em juízo, de sorte a proporcionar a inversão do ônus da prova. O Código de Defesa do Consumidor permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor sempre que verossímil sua alegação. Trata-se de aplicação do princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor como parte reconhecidamente mais fraca na relação de consumo, tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdade real entre os partícipes da relação de consumo. Almoldando-se perfeitamente ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que trata desigualmente os desiguais, desigualdade essa reconhecida pela própria lei.

58

Em resumo, podemos concluir que o princípio da igualdade real, intenta

botar as partes mais fracas na relação de consumo em pé de igualdade com os

fornecedores, já que como já mencionado acima, o consumidor é reconhecidamente

parte mais fraca na relação de consumo.

���������������������������������������� �������������������58 NERY JR.,Nelson. Os princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor. IN: Revista de Direito

do Consumidor, nº 3, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p 51.

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5.2 PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE

O princípio da vulnerabilidade esta elencado no artigo 4º, inciso I do Código

de Defesa do Consumidor, e assim portanto, deverá prevalecer sobre quaisquer

normas que venham a ferir o equilíbrio na relação de consumo. Observando-se o

artigo 5º, XXXII, da CF podemos afirmar que atentar contra o princípio da

vulnerabilidade seria o mesmo que atentar contra a Constituição Federal. No art. 5º

ao estabelecer que o estado promova a defesa do consumidor, implicitamente,

reconheceu a vulnerabilidade dos consumidores na relação consumerista.

Assim, podemos afirmar que tal princípio considera o consumidor como

parte mais fraca na relação de consumo, pois o consumidor é submetido ao poder

do fornecedor que dispõe do controle dos bens de produção, afim de que satisfaça

suas necessidades consumeristas. Se justifica assim, pois pretende o equilíbrio

entre as partes.

Nota-se que o CDC tratando de vulnerabilidade do consumidor, busca

primeiramente o reequilíbrio nas relações consumeristas, não ferindo assim o

princípio constitucional de isonomia.

Nesta mesma linha de pensamento Luiz Antonio Rizzatto, frisa que o

reconhecimento de vulnerabilidade do consumidor, pode ser considerada como uma

primeira medida de realização do princípio da isonomia garantida pela CF. Isto

porque o consumidor é parte mais fraca na relação, fraqueza esta que provêm de

dois aspectos, o de ordem técnica e o de ordem econômica. O aspecto de ordem

técnica está conexo aos meios de produção que são monopolizados pelo

fornecedor.

O fornecedor é quem escolhe a maneira de produzir e quando produzir,

ficando o consumidor a sua mercê, somente podendo optar por aquilo que existe no

mercado e que foi oferecido. No segundo aspecto, o econômico, relaciona-se a

maior capacidade econômica, que via de regra, o fornecedor tem sob os

consumidores.59

���������������������������������������� �������������������59 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 125.

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5.3 PRINCÍPIO DA HIPOSSUFICIÊNCIA

O princípio da hipossuficiência tem por objetivo repartir o ônus da prova, de

forma que incida o ônus sobre a parte que se encontra em melhor condição de

esclarecer os fatos. Denota-se, porém, que a hipossuficiência deve ser

compreendida diante dos aspectos técnicos e econômicos.

No que tange a hipossuficiência para que haja a inversão do ônus da prova,

Luiz Antonio Rizzato Nunes entende que a mesma deva ter sentido de

desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, das propriedades do

produto, de seu funcionamento, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de

consumo e o dano, etc.60

Assim, conclui que a hipossuficiência que esta consagrada no texto

normativo do CDC, não deverá ser levada em consideração o seu aspecto

econômico, mais tão somente seu aspecto técnico, assim nos ensina:

A vulnerabilidade é o conceito que afirma a fragilidade econômica do devedor e também técnica. Mas, a hipossuficiência, para fins de possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc. Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material. Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria a determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as perícias (o que, diga-se, não é ônus para fins de aferição). (...) Não se pode olvidar que, para os pobres na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do pagamento das custas judiciais, o que não significa que ele esta isento de provar o seu direito. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência (técnica e de informação).61

Posto isto, nota-se que a mera insuficiência econômica não basta para

podermos utilizar o instituto da inversão do ônus da prova. Necessário que a haja a

hipossuficiência técnica e de informação sob o produto ou serviço.

���������������������������������������� �������������������60 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 75. 61 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 76.

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5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO A JUSTIÇA

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, destaca-se de inicio

que foram criados novos institutos na esfera da relação consumerista que facilitam o

acesso à justiça. Dentre vários desses institutos, um dos que tem maior importância

na esfera litigiosa, é a inversão do ônus da prova.

Segundo o pensamento de Alexandre Freitas Câmara, o acesso a justiça

pode ser facilmente verificado ao que se vive hoje, quando estudiosos do direito

processual de todo o mundo se preocupam em trazer e garantir uma maior

satisfação do jurisdicionado com a prestação da proteção jurisdicional, a qual deve

ser sempre adequada e efetiva, garantindo a verdadeira proteção às partes que se

encontram em posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas.62

5.5 PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR

No mais, a doutrina ressalta como uma grande inovação trazida pelo CDC, a

elencada no artigo 6º, VIII, a qual dispõe o que são os direitos básicos do

consumidor, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

De outra vértice, nota-se que no Código de Processo Civil, o ônus da prova pertence a quem alega, ou seja ao autor. Assim, se negados os fatos, ou não conseguindo provar o autor, a ação será julgada improcedente. Tal regramento se vê mudado na defesa dos interesses dos consumidores,

visto que a possibilidade de inversão do ônus da prova, diante dos fatos verossímeis

ou quando o consumidor se encontrar hipossuficiente em face ao fornecedor, facilita

a defesa de seus direitos, cabendo ao fornecedor comprovar que tal fato não

ocorrera de verdade. A inversão tem por espeque o equilíbrio das partes nas

demandas judiciais.

���������������������������������������� �������������������62 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000,

p.72.

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A igualdade formal entre as partes é regra no processo civil, assim sendo, a

facilitação da defesa não poderá ser entendida como interpretação das regras

processuais a favor do consumidor, isto porque, este princípio é de direito material63,

como bem nos ensina Francisco Cavalcanti.

Conclui-se que o fornecedor, por força de obrigações advindas das normas

protetoras do consumidor, tem o dever de manter em seu poder todos os dados,

informações, planilhas, fórmulas e etc, acerca de seus serviços e de seus produtos,

pois fica mais fácil a comprovação de fatos referentes a esses serviços e bens pelo

fornecedor que se for fornecido pelo consumidor, ainda mais quando o consumidor

for considerado hipossuficiênte64.

Assim, podemos concluir que estando presentes os requisitos do inciso VIII

do artigo 6º do CDC, deverá o julgador da causa inverter o ônus da prova ao

fornecedor.

���������������������������������������� �������������������63 CAVALCANTI, Francisco. Comentários ao Código de proteção e defesa do consumidor. Belo

Horizonte: Del Rey, 1991, p.38. 64 CAVALCANTI, Francisco. Comentários ao Código de proteção e defesa do consumidor. Belo

Horizonte: Del Rey, 1991, p.31.

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6 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR

6.1 O ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES

CONSUMERISTAS

A inversão do ônus da prova surgiu da necessidade que o consumidor

possuía para provar as suas alegações quando submetido ao Código de Processo

Civil. Em resumo, essas dificuldades tornavam quase que impossível de se fazer

provar que um certo objeto saiu da loja ou fábrica com algum tipo de defeito ou vício.

Isto se dava porque normalmente era requerida a prova pericial para poder constatar

os problemas questionados.

O consumidor submetido a situação acima descrita, acabava por desistir da

demanda judicial, pois quase não tinha como provar que o defeito questionado seria

advindo de má fabricação do produto e não por utilizar o produto de forma indevida.

Diante disto, com o intuito de diminuir tal desigualdade em juízo, entre as

partes envolvidas na relação de consumo, o artigo 6º, VIII do CDC, estabeleceu a

inversão do ônus da prova como sendo um direito básico do consumidor65.

Neste sentido, podemos observar pela redação do artigo que a inversão do

ônus da prova não é regra, sendo ela uma exceção, sendo que ela fica a critério do

magistrado. Para seu deferimento deverá estar presente a verossimilhança das

alegações, ou ainda estar o consumidor hipossuficiênte em relação ao fornecedor.

Neste ditame, podemos observar a posição de José Geraldo Brito Filomeno,

que assim nos ensina:

A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. É dispensável caso forme sua convicção, nada impedindo que o juiz alerte, na decisão saneadora que uma vez em dúvida, se utilizará das regras de experiência a favor do consumidor.66

Ainda sim, podemos observar pelos ensinamentos de Mario Aguiar Moura

que a inversão do ônus da prova poderá acontecer em qualquer posição que o

���������������������������������������� �������������������65 Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

66 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor, São Paulo: Atlas, 2007, p.21.

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consumidor se encontre na relação jurídica de consumo, ou seja, na posição de

autor, réu, reconvido ou reconvinte.67

Desta feita, poderá ocorrer de ser repassado ao fornecedor o ônus de se

produzir a prova que seria do consumidor. Entretanto, nota-se, que o consumidor na

maioria dos casos concretos, figura no pólo ativo da ação, na posição de autor,

sendo a inversão exatamente prevista para essas situações.

6.2 APLICABILIDADE DA INVERSÃO

O instituto do ônus da prova poderá ser aplicado de duas maneiras. A

primeira é dada o nome de inversão ope legis, que está prevista no artigo 38 do

CDC. Esta forma de inversão do ônus da prova se dá independente de qualquer fato

do juiz, pois decorre da lei. Versa assim o art. 38: “(...) o ônus da prova da

veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem os

patrocina”.

Desta feita, o art. 38 determina que o ônus da prova incube a quem realizou

a informação ou comunicação publicitária, que no caso será o fornecedor.

O artigo 6º, em seu inciso VIII, dispõe que é direito básico do consumidor a

facilitação de seus direitos na relação de consumo, inclusive a inversão do ônus da

prova, mas ficando a critério do juiz optar ou não pela inversão, tendo-se em vista

que é ele o destinatário das provas. Já no artigo 38 mencionado supra, o juiz ficará

obrigado a aplicar a inversão, por decorrência de expressa previsão legal, não

ficando ao seu critério como no artigo 6º do mesmo diploma legal.

Nos ensinamentos de Herman Benjamin, “a inversão da prova do artigo 38,

é ope legis, independendo de qualquer ato do juiz. Logo, não lhe cabe sobre ela se

manifestar, seja no saneador ou momento posterior”.68

Importante frisarmos aqui que as práticas abusivas de publicidade são

difíceis de serem provadas, pois existe muitas diferenças nos interesses e os bens

que são protegidos. É nisso que a inversão se justifica, tendo-se em vista que o

consumidor teria essa dificuldade de provar o desvio de publicidade ocorrido.

���������������������������������������� �������������������67 MOURA, Mario Aguiar. Ônus da prova no código do consumidor. IN: Repertório IOB de

jurisprudência. 2ª quinzena de setembro de 1991, p.393. 68 GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.733.

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Desse modo, necessário trazer a luz os ensinamentos do mestre Antonio

Herman de Vasconcelos:

O dispositivo refere-se ao princípio da inversão do ônus da prova que informa a matéria publicitária. A inversão aqui prevista, ao contrário daquela fixada no artigo 6º, VIII, não está na esfera da discricionariedade do juiz. É obrigatória. Refere-se a dois aspectos da publicidade: a veracidade e a correção. A veracidade tem a ver com a prova de adequação ao princípio da veracidade. A correção, diversamente, abrange, a um só tempo, os princípios de não-abusividade, da identificação da mensagem publicitária e da transparência da fundamentação publicitária.69

A par disto, a fim de se provar a veracidade da publicidade, quando alegada

que foi abusiva ou enganosa pelo consumidor ou por quaisquer dos legitimados que

constam no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, a inversão não mais se

dará por discricionariedade do juiz, mas irá se operar de forma ope legis, sempre

cabendo esse ônus ao fornecedor.

De outra vértice, temos a modalidade de inversão do ônus da prova ope

judicis, ocorrendo sempre que a sua admissão for arbitrada pelo juiz, ou seja,

quando o juiz entender ser o caso de inverter o ônus, este o fará.

Para Priscila David Sansone, a inversão ope judicis é aquela que sempre

depende do juiz, da sua decisão, do seu entendimento, diferenciando-se assim da

inversão ope legis, pois a primeira é ao critério do magistrado, a segunda decorrente

de lei70.

Observa-se que a inversão ope judicis, é aquela que fica a critério do

magistrado, o qual deverá estar convicto quanto a verossimilhança das alegações do

autor e sua hipossuficiência, facilitando assim a produção da prova. Denota-se, esta

modalidade, não é uma inversão legal, uma vez que não decorre expressamente da

lei, ficando submetida ao crivo do magistrado.

Esta modalidade, ope judicis, na qual inverte-se o ônus probandi

beneficiando assim o autor, está entrelaçado ao princípio constitucional de isonomia,

cujo podemos notar no artigo 4º, inciso I, do Cógido de Defesa do Consumidor.

���������������������������������������� �������������������69 GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.304. 70 SANSONE, Priscila David. A inversão do ônus da prova na responsabilidade civil. IN: Revista do

Consumidor. São Paulo, nº 211, 2002.

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6.3 REQUISITOS NECESSÁRIOS

Para que se possa ocorrer a inversão do ônus da prova, é imprescindível

que se analise a presença de dois requisitos, o qual a divergentes correntes na

doutrina a respeito do tema, segundo o qual alguns autores indicam que os

requisitos necessitam sobrevir de forma cumulativa, ou seja, que para que se opere

a inversão precisaria preencher os dois requisitos quais são, verossimilhança das

alegações ou hipossuficiência do consumidor, requisitos estes que serão analisados

individualmente conforme será exposto.

6.3.1 VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES

Constitui-se verossimilhança das alegações, quando o juiz está convencido

com relação a causa de pedir alegada, em outras palavras, existe um alto grau de se

presumir a veracidade das alegações.

Carreira Alvim entende que a verossimilhança apenas será configurada

quando a prova apontar para “uma probabilidade muito grande” de que sejam

verídicas as alegações elencadas71.

O conceito de verossímil esta intrincado a aparência de verdade, mas

necessariamente não o é. Observa-se, que a verossimilhança esta ligada em uma

parte da escala de conhecimento, não exigindo-se a absoluta certeza sobre os fatos

elencados, mas comprovando-se a semelhança com a verdade, observando sempre

os casos reais. Deve o magistrado, verificando ou não a verossimilhança, valer-se

das máximas de experiência, ou seja, sempre observar o que ocorre

corriqueiramente.

Na lição de Nelson Nery Junior:

Como as regras normais de experiência nos dão conta de que a pessoa física que empresta dinheiro ou toma crédito de banco o faz para a sua utilização pessoal, como destinatário final, existe aqui a presunção hominis, júris tantum, de que se trata a relação de consumo, quer dizer, de que o dinheiro ou crédito tomado pela pessoa física não foi destinado ao uso final do devedor, é o banco, quer porque se trata de presunção a favor do

���������������������������������������� �������������������71 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Código de Processo Civil Reformando. 2ª ed., Belo Horizonte:

Del Rey, 1995, p.145.

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mutuário ou creditado, quer porque poderá incidir o artigo 6º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus da prova a favor do consumidor.72

A verossimilhança, disposta no art. 6º, inciso VIII, do CDC, abrange uma

interpretação no sentido de que existe algum indicio de aparente verdade sobre

determinada circunstância, não se requerendo a necessidade de prová-la.

Neste sentido, nos ensina Mirella D’Angelo Caldeira:

É fato que o vocábulo verossímil é indeterminado, mas isso não impede que da análise do caso concreto não se possa aferir verossimilhança. É necessário que da narrativa decorra verossimilhança, tal que, naquele momento da leitura, possa-se aferir forte conteúdo persuasivo. Não se trata de demonstração probatória.73

A alegação verossímil é direcionada a um resultado de valoração conforme

com o fato e o critério de normalidade, não podendo esta ser objeto de prova, mas

somente eventual.74

Como o artigo 6º, inciso VIII, do CDC não descreve o momento em que

deverá ser apresentada a alegação verossímil, fica a cargo do consumidor perquiri-

la na fase processual que considerar indispensável na relação processual, ou pelo

magistrado de ofício, quando este identificar existente.

6.3.2 HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR

A hipossuficiência pode ser considerada como a vulnerabilidade do

consumidor no mercado de consumo, seja ela na forma econômica, técnica ou

jurídica, majorada por uma certa inferioridade observada nos casos concretos de

acordo com a regras de experiência.

Alguns doutrinadores e julgadores creem que vulnerabilidade e

hipossuficiência são a mesma coisa, mas podemos afirmar que esta não é a

interpretação mais correta se observado a realidade fática. A vulnerabilidade é

���������������������������������������� �������������������72 NERY JR.,Nelson. Os princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor. IN: Revista de Direito

do Consumidor, nº 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p 110. 73 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. Inversão do ônus da prova. IN: Revista de Direito do Consumidor, nº

38, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.175. 74 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. Inversão do ônus da prova. IN: Revista de Direito do Consumidor, nº

38, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.175.

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própria de todo consumidor, sendo esta vulnerabilidade presumível, enquanto na

hipossuficiência para que possa existir, deverá ser averiguada nos casos concretos.

Nos ensinamentos de Judith Martins Costa, citada por Paulo Valério Dal Pai

Moraes:

Um e outro conceito denotam realidades jurídicas distintas, com consequências jurídicas também distintas. Nem todo consumidor é hipossuficiente. O preenchimento valorativo da hipossuficiência – a qual se pode medir por graus – se há de fazer, nos casos concretos, pelo juiz, com base nas “regras ordinárias de experiência” e em seu suporte fático encontra-se, comumente, elemento de natureza socioeconômica... Todo consumidor, seja considerado hipossuficiente ou não é, ao contrário vulnerável no mercado de consumo. Aqui não há valoração do grau de vulnerabilidade individual porque a lei presume que, neste mercado, qualquer consumidor, seja ele hiper ou hipossuficiente do ponto de vista sócio-econômico, é vulnerável tecnicamente: no seu suporte fático está o desequilíbrio técnico entre o consumidor e o fabricante no que diz com a informação veiculada sobre o produto ou serviço.75

Na própria Constituição Federal se reconhece da vulnerabilidade do

consumidor quando no art. 5º de referido diploma legal, dispondo que o Estado

promoverá a defesa do consumidor, nas formas da lei. Com fundamento neste

preceito constitucional, é que nasce o Código de Defesa do Consumidor, com sua

natureza de proteção, fazendo-se presumir o estado vulnerável do consumidor na

relação jurídica de consumo, evitando-se a onerosidade excessiva sobre este.

De outro lado, a hipossuficiência não é caracterizada em ser um requisito

que pode ser presumido, mas esta deverá ser observada de acordo com a realidade

que rodeia o litígio, medindo-se, até mesmo, as partes que participam da relação

processual.

Nota-se então, que a definição de hipossuficiência é ope judicis, cabendo ao

magistrado averiguar no caso concreto, tendo-se em vista a experiência que possui

como julgador, não somente isto, mas também como pessoa que é parte integrante

da sociedade, sendo que geralmente vive todas as realidades que norteiam as

demandas judiciais.

Ademais, percebe-se ainda outra diferenciação entre a hipossuficiência e

vulnerabilidade. Hipossuficiência se constitui instituto de direito processual, enquanto

vulnerabilidade faz parte do direito material. É por meio do direito material, ou seja,

���������������������������������������� �������������������75 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: o princípio da vulnerabilidade

do contrato, na publicidade e nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.100.

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pela vulnerabilidade, seja ela técnica, econômica ou jurídica, adequadamente

apreciada, que se obterá o instituto da hipossuficiência.

A questão ora em foco não é unânime, inclusive no que tange ao conceito de

hipossuficiência, sendo que a doutrina majoritária entende que a hipossuficiência é a

de ordem técnica e econômica. A falta de pensamentos comuns sobre tal matéria

fora afirmada por Nelson Nery Junior, senão vejamos: “Tanto a doutrina como a

jurisprudência ainda não chegaram a um consenso, no que tange ao conceito de

hipossuficiência do consumidor. Muitos defendem a tese de que se trata de

hipossuficiência econômica e, outros, que se trata de hipossuficiência técnica”.76

O autor supracitado entende que hipossuficiência é um critério que precisa

ser observado levando-se em consideração os sujeitos que estão envolvidos no pólo

da demanda, com o fito de que seja feita uma hierarquização de valor voltada para a

posição socioeconômica de ambas as partes, acarretando em uma distribuição mais

justa do ônus da prova.

Inúmeros são os critérios determinados pela doutrina para a subsunção ao

requisito da hipossuficiência, sendo que uns autores fazem referência à facilitação

da defesa do consumidor em juízo, como sendo um critério.

Importante salientar que não poderá se desvaler da hipossuficiência

fundamentada na vulnerabilidade jurídica como sendo meio que caracteriza a

inversão do ônus da prova, não obstante, a quem entenda diversamente deste

posicionamento. Essa espécie de hipossuficiência é constituída pela inferioridade do

consumidor no que tange a percepção e meios de se defender alusivos a justiça77.

Quando se ingressa no critério de comparar o fornecedor do consumidor, o

fornecedor, via de regra, terá facilmente meios para a busca de seus direitos, pois

na maioria das vezes, possuem pessoas qualificadas para a defesa das questões

especiais pertinentes à atividade que realiza, por conseguinte, um maior poderio de

meios de prova e material jurídico pertinentes ao caso que se discute na demanda

judicial.

Na hipossuficiência econômica, cumpre ressaltar que está é caracterizada

pelo potencial inferior de cunho econômico que possui o consumidor ante o

���������������������������������������� �������������������76 NERY JR.,Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1997, p.105. 77 NERY JR.,Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1997, p.102.

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fornecedor, via de regra. Essa espécie de hipossuficiência é acastelada por Carlos

Roberto Barbosa Moreira, como sendo satisfatório para caracterizar a inversão,

tendo como uma das consequências a imputação do ônus pecuniário da prova ao

fornecedor.78

É consenso na doutrina que a hipossuficiência técnica traz como

consequência a inversão do onus probandi, haja vista a pobreza do consumidor no

que diz respeito as prova técnicas a serem trazidas para desfecho da lide. O

fornecedor é quem detém os conhecimentos dos meios técnicos inerentes ao ramo

da atividade desenvolvida por ele, inclusive detendo todas a informações pertinentes

ao produto, poderá este com facilidade demonstrar a incongruência das alegações

do consumidor, de maneira que não acarretará prejuízo algum ao fornecedor no

caso de que seja invertido o ônus da prova quando apurada a hipossuficiência

técnica do consumidor.79

Independentemente disto, da definição que é empregada para se alcançar a

hipossuficiência no caso em concreto, é de consenso comum que a inversão do

ônus da prova nas relações consumeristas terá base nas regras ordinárias de

experiência, conforme se denota da previsão expressa em lei.

Assim, Antonio Carlos de Araújo Cintra define as regras comuns de

experiência: “A experiência comum a que se refere a lei é a experiência de vida, no

seu sentido mais amplo, ou seja, o conhecimento adquirido pela prática e pela

observação no quotidiano (...)”80

Da experiência do dia a dia que o julgador irá colher informações que serão

unidas aos requisitos legais, a fim de trazer a possibilidade de se inverter o ônus da

prova, meio este de restaurar o equilíbrio nas relações de consumo.

Assim, denota-se que o requisito hipossuficiência, caracterizador da inversão

do ônus da prova, adveio como feitio de facilitar o acesso dos consumidores aos

elementos de defesa, exigindo um maior grau de subalternidade do que a

vulnerabilidade, a qual é presumida.

���������������������������������������� �������������������78 MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do

consumidor. IN: Revista do direito do consumidor. nº 22. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.144-145.

79 MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor. IN: Revista do direito do consumidor. nº 22. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.144-146.

80 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol IV. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.31.

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7 MOMENTO DA DEFINIÇÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

A inversão do ônus da prova se concretiza no período processual no qual o

juiz a determina, excluído aqui a inversão que se opera ope legis. Este é o momento

que as partes percebem sobre a quem recaíra o ônus de se produzir as provas na

demanda.

Nesta questão, sobre em qual momento processual é que se deva operar a

inversão do ônus da prova, a doutrina é divergente.

Alguns doutrinadores entendem que deverá ocorrer no despacho inicial,

outros entendem que deverá ocorrer no despacho saneador e ainda há quem

entenda que o momento da inversão deve se dar na sentença. Todavia, possuem

entendimentos que abrangem ser a inversão determinável entre o despacho inicial e

a sentença, sendo válida a qualquer momento.

Todas as questões suscitadas acima serão analisadas individualmente

conforme será exposto.

7.1 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DESPACHO INICIAL

No despacho inicial, a inversão do ônus da prova acontece quando o

julgador registra, no despacho, de citação do réu, que a regra do ônus da prova será

invertida.

Os aderentes de tal tese, entendem que a melhor maneira de se aplicar a

inversão é quando o juiz recebe a petição inicial, ocasião em que determinará a

citação do réu, analisando também o pedido de inversão do ônus da prova por meio

de decisão interlocutória, a qual é passível de agravo de instrumento, caso alguma

das partes não se conforme com a decisão tomada pelo juiz.

Assim sendo, quando o réu é citado para ingressar a demanda, já é ao

mesmo tempo intimado da decisão que analisou o pedido de inversão. Se fazendo

deste modo, estaria atendendo a vários preceitos constitucionais, dentre eles, o de

concentração da defesa, ampla defesa e contraditório. É oportunizado para o réu,

que se agrupe sua defesa já com a informação de que será invertido o ônus da

prova, a fim de que junte aos autos todos os documentos e alegações necessárias,

até mesmo, no sentido de tentar demonstrar a não existência dos requisitos

correspondentes.

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Tizzoni Nogueira, reavaliando o seu posicionamento, passou a entender que

a inversão em comento poderá ser deferida, tanto no despacho inicial quanto no

saneador, conforme abaixo explanado:

Contudo, em monografia anterior emitimos a seguinte opinião: “...entendemos que o autor consumidor deverá já na inicial requerer a inversão do ônus, e desta forma, a fase processual em que o juiz deverá se manifestar sobre a questão será logo no ato do primeiro despacho, que não irá tratar-se de mero despacho determinando a citação, mas, de decisão interlocutória, passível portanto de recurso de agravo. Tal forma irá propiciar a defesa dos direitos do consumidor de forma ampla, de acordo com o espírito do CDC, uma vez que em, não sendo concedida a inversão, poderá o consumidor agravar a decisão interlocutória, e ser então revista a decisão.” Tal posicionamento evitaria que o fornecedor pudesse alegar cerceamento ou impossibilidade de defesa. Melhor revendo o assunto, creio que tanto no despacho inicial, quanto no despacho saneador seria o momento mais propício para tanto, pois assim procedendo, estaria de forma ampla, e para ambas as partes garantido direito de ampla defesa consagrado na Constituição Federal.81

Os autores que consideram a regra de inversão como sendo regra de

procedimento e não regra de julgamento, entendem que a determinação do ônus da

prova, deverá ser feito já no despacho inicial, assim que o juiz recebe a inicial.

Quando existe pedido de liminar, este deverá ser apreciado em conjunto do instituto

da inversão do ônus da prova, de forma que possibilite que o requisito da liminar –

fumus boni iuris – seja alcançado pela inversão, ante a presumida veracidade das

alegações feitas pelo consumidor.

7.2 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DESPACHO SANEADOR

No despacho saneador, ocorrerá a inversão do ônus da prova, quando o

magistrado sanear o feito, fixando assim os pontos controvertidos e, em seguida, irá

apreciar o pedido de inversão do ônus, oportunizando assim que a partes conheçam

sobre a quem recaíra o ônus da prova dos fatos que constam nos autos.

Observa-se, que o despacho saneador é a decisão pronunciada logo após a

fase postulatória, na qual o magistrado observando a legitimidade da relação

processual, deferindo ou não a permanência do processo, indicando, caso seja

preciso, sobre a correção de vícios que podem ser sanados ou, até mesmo, extinguir

���������������������������������������� �������������������81 NOGUEIRA, Tania Liz Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 1999,

p.128-129.

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o processo que este manchado por defeito irremediável, ou não sanado. Assim

sendo, o saneador tem por escopo desobstruir o caminho para a instrução da causa.

Os adeptos de tal posicionamento esgrimem que a obrigatoriedade

antecedente de se inverter o ônus, é que tal dever é decorrente do princípio

constitucional do contraditório e da ampla defesa, exigindo que se oportunize as

partes condições de se defender no processo, de forma a não transformar uma regra

de procedimento em uma armadilha processual.82

Desta feita, se justifica pelo fato de que, após o ajuizamento da ação, com a

apresentação da petição inicial e a contestação aos autos, o magistrado passa a ter

conhecimento sobre os fatos elencados pelas partes, devendo, nesse momento,

verificar a verossimilhança dos fatos alegados pelo consumidor na exordial e,

havendo a presença dos requisitos legais, deferir a inversão do ônus da prova em

sua fase processual e desta forma evitar o cerceamento de defesa da parte adversa.

Desta feita, os basilares argumentos para se inverter o ônus da prova nesse

momento, a fim de que se garanta o devido processo legal, são a aplicação dos

princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo, por isso, acastelado por seus

adeptos, como sendo o momento processual apto para que se opere a inversão do

ônus da prova.83

Este entendimento tem sido utilizado pelos Tribunais pátrios, senão vejamos.

“INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RELAÇÃO DE CONSUMO – OPORTUNIDADE – RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – MATÉRIA VENTILADA NAS RAZÕES RECURSAIS – IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO PELO TRIBUNAL. A inversão do ônus da prova, como exceção à regra geral do art. 333, do CPC, depende de decisão fundamentada do magistrado antes do término da instrução processual, sob pena de não poder ser adotada na sentença, o que incorreria em cerceio de defesa, devendo ser decidida, de preferência, no momento do saneador, podendo, todavia, ser decretada no despacho inicial, após especificação das provas, na audiência de conciliação ou em qualquer momento que se fizer necessária, desde que assegurados os princípios do contraditório e ampla defesa”. (TJMG – 4ª C. Cível – Acórdão 0301800-0 – Rel. Juiz Alvimar de Ávila – DJ 01-03-2000)

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.LEI 8.078/90, ART. 6º, INC. VIII. REGRA DE INSTRUÇÃO. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. 1. O cabimento dos embargos de divergência pressupõe a existência de divergência de entendimentos entre Turmas do STJ a respeito da mesma

���������������������������������������� �������������������82 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 35. 83 SANTOS, Moacir Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial. São Paulo: Max Limonad, 1952,

vol. I. p.515.

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questão de direito federal. Tratando-se de divergência a propósito de regra de direito processual (inversão do ônus da prova) não se exige que os fatos em causa no acórdão recorrido e paradigma sejam semelhantes, mas apenas que divirjam as Turmas a propósito da interpretação do dispositivo de lei federal controvertido no recurso. 2. Hipótese em que o acórdão recorrido considera a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC regra de julgamento e o acórdão paradigma trata o mesmo dispositivo legal como regra de instrução. Divergência configurada. 3. A regra de imputação do ônus da prova estabelecida no art.12 do CDC tem por pressuposto a identificação do responsável pelo produto defeituoso (fabricante, produtor, construtor e importador), encargo do autor da ação, o que não se verificou no caso em exame. 4. Não podendo ser identificado o fabricante, estende-se a responsabilidade objetiva ao comerciante (CDC, art. 13). Tendo o consumidor optado por ajuizar a ação contra suposto fabricante, sem comprovar que o réu foi realmente o fabricante do produto defeituoso, ou seja, sem prova do próprio nexo causal entre ação ou omissão do réu e o dano alegado, a inversão do ônus da prova a respeito da identidade do responsável pelo produto pode ocorrer com base no art. 6º,VIII, do CDC, regra de instrução, devendo a decisão judicial que a determinar ser proferida "preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo,a reabertura de oportunidade" (RESP 802.832, STJ 2ª Seção, DJ 21.9.2011). 5. Embargos de divergência a que se dá provimento.

7.3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA SENTENÇA

Muitos doutrinadores entendem que a inversão do ônus da prova deverá

ocorrer na sentença. Ponderam que a regra de distribuição do ônus da prova como

sendo regra de juízo, sendo o momento de sua aplicação na sentença, ou seja, após

ter o juiz apreciado satisfatoriamente as provas colhidas durante a instrução

processual. Tais admiradores, de tal corrente consideram que o magistrado só

poderia deferir ou não a inversão do ônus da prova, configurado como regra de

julgamento e não de procedimento, causa pela qual, qualquer conclusão sobre o

ônus da prova não poderá ser emitida antes de ser encerrada a fase instrutória do

processo, pois entendem que poderá existir o risco de ser feito um prejulgamento da

causa.84

Esse entendimento, tem o sentido é de que o momento processual mais

apropriado para a análise da necessidade da aplicação das regras de repartição do

ônus da prova e de sua inversão é no julgamento, e não quando do recebimento da

peça de petição inicial, no saneador, ou na instrução das provas.

���������������������������������������� �������������������84 MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. IN: Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, nº. 11, 1994, p.167.

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Os apreciadores de tal doutrina esgrimem, ainda, que o momento propício

para a inversão do ônus da prova é na fixação da sentença, não infringindo, em

tese, ao princípio da ampla defesa. Ainda sim, completam seu pensamento

argumentando que da simples observação do inciso VIII, artigo 6°, do Código de

Defesa do Consumidor, o fornecedor terá completa ciência de que, em tese, serão

aplicadas as regras de inversão do ônus da prova, caso o juiz julgue como

verossímeis as alegações feitas pelo autor ou ficando corroborada a sua

hipossuficiência, não pode a parte ré do processo alegar surpresa e perplexidade.85

Para aqueles que defendem tal corrente, cabe à parte nortear sua dilação

probatória, de acordo com o seu interesse em produzir todas as provas que bota

como base de suas pretensões, correndo o risco de que, através de se não o fazer,

poderá vir a sofrer a desvantagem de seu comportamento inerte e por esta razão

não constituir ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do

contraditório.86

Na oportunidade, vale ressaltar os argumentos de que o bom emprego do

artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, consubstancia-se ao

poder de discricionariedade do juiz, já que objetiva justamente a formação de sua

convicção, e cabendo a ele e tão somente a ele resolver o período ideal para se

determinar a inversão probatória.

7.4 MELHOR MOMENTO PARA SE OPERAR A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Ao se considerar a técnica processual da inversão do ônus da prova logo em

sede de despacho inicial, promove-se um impulso processual necessário,

demonstrando àquele que detém a responsabilidade probatória de anexar aos autos

conjuntos probatórios para melhor formação dos autos, dando-se publicidade a

sequência dos autos, mas correndo os riscos de eventuais recursos protelatórios ou

atos que freiem o andamento processual.

���������������������������������������� �������������������85 NERY JR.,Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1997, p.108. 86 GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.716.

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Caso a inversão seja realizada após o despacho inicial, ou no mais tardar no

saneador, as partes poderão ser pegas de surpresa, com decisões judiciais

desfavoráveis.

Admitindo-se que a inversão se opere apenas na prolação da sentença,

estará se definindo as regras de distribuição do ônus da prova, após a instrução

probatória, caracterizando assim afronta aos princípios constitucionais de ampla

defesa e contraditório, já que via de regra após a instrução não é oportunizado a

produção de novas provas.

Invertendo o ônus da prova na sentença, o juiz corre o risco de trazer

prejuízo ao fornecedor, o qual fundamentou toda sua defesa com base nas provas

trazidas pelo consumidor. Por outro lado, caso o juiz não entenda pela inversão

restará o consumidor prejudicado.

O posicionamento mais correto, que deverá ser aplicado ao caso concreto, é

aquele em que o juiz devera se manifestar sobre a inversão do ônus da prova no

despacho inicial até o despacho saneador,. No despacho inicial porque assim a

parte ré ou seja o fornecedor recebendo a citação irá ter conhecimento da inversão,

direcionando sua defesa e alegações no inicio do processo, sabendo do que irá

acontecer, não ficando assim surpreendido com decisões desfavoráveis.87

No despacho saneador, porque quando infrutífera a audiência de conciliação

e o juiz tiver fixado os pontos controvertidos, decidirá sobre as questões que estão

pendentes, dentre elas a inversão do ônus da prova, ficando desta forma ciente da

postura processual, e não podendo alegar terem sido pegas de surpresa,

especialmente a parte que incumbe a prova, respeitando assim o devido processo

legal, não indo contra a ampla defesa e possibilitando o contraditório.

���������������������������������������� �������������������87 CALDEIRA, Mirella D’Angelo. Inversão do ônus da prova. IN: Revista de Direito do Consumidor, nº

38, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.180.

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8 CONCLUSÃO

O presente estudo teve por escopo demonstrar o instituto da inversão do

ônus da prova, o qual é um eficaz meio de defesa do consumidor, eis que perante o

fornecedor este é mais fraco na relação jurídica.

Conforme pudemos observar o Código de Defesa do Consumidor tem o fito

de proteger o pólo mais fraco na relação de consumo, sendo este o consumidor.

A inversão do ônus da prova deve ser aplicada com reservas, tendo-se em

vista que é medida de exceção, pois está dependente dos requisitos da

verossimilhança das alegações ou hipossuficiência, e deve ser tratada como

exceção, pois se corre o risco de dar ao consumidor vantagens descomunais,

ocasionando uma enxurrada de ações, daqueles que de má fé vêem no Judiciário, a

oportunidade de enriquecimento ilícito em ações jurídicas sem embasamento algum.

Frisa-se que a tutela jurídica designada ao consumidor, principalmente em

razão de seu estado vulnerável perante o fornecedor, proporciona o acesso a

justiça, equilibrando o contraditório e a igualdade nas “armas” das partes do

processo.

Conforme se pode observar a inversão do ônus da prova somente poderá

ser aplicada desde que presentes um dos requisitos elencados no artigo 6º inciso

VIII do Código de Defesa do Consumidor, caso contrário a aplicação do ônus da

prova deve ser feita nos moldes do artigo 330 do Código de Processo Civil.

Constatando o juiz que os requisitos necessários para inversão estão

presentes, verificado após as regras de experiência, a verossimilhança das

alegações ou hipossuficiência do consumidor, o magistrado deve aplicar a inversão

em favor do consumidor.

Havendo a inversão, o consumidor não terá de comprovar o dano e o nexo

de causalidade entre o produto ou serviço, e também o evento danoso, incumbindo

ao fornecedor produzir todas as provas capaz de ilidir a presunção de

verossimilhança ou hipossuficiência que beneficia o consumidor, assim como, as

excludentes de responsabilidade do artigo 12 e 14 advindos do CDC.

O momento da inversão do ônus da prova merece destaque. Verifica-se na

doutrina que o tema em foco, ainda é palco para muitas discussões e divergências.

Todavia, no presente estudo adotou-se qual o momento mais adequado de se

operar a inversão seguindo a doutrina, é entre o despacho inicial e o saneador,

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sendo que o melhor momento ainda é o saneador, pois os pontos controversos já

estão fixados e ser antes da instrução probatória, evitando prejuízos à defesa do

réu.

O fornecedor tem o direito de ser antecipadamente informado do ônus que

irá suportar com o possível deferimento da inversão, possibilitando assim exercer o

seu direito de defesa na fase de instrução probatória, não infringindo assim o

princípio constitucional do devido processo legal.

Isto posto, evidente que o Código de Defesa do Consumidor é uma

importante ferramenta de defesa dos consumidores, não tem somente como objetivo

a proteção do consumidor, mas regulamentar a relação entre consumidores e

fornecedores, buscando um equilíbrio destas relações jurídicas que não podem ser

comparadas, haja vista as disparidades de cunho jurídico, econômico e técnico

existente entre as partes na relação de consumo.

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