da guerra santa à cruzada

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Da Guerra Santa à Cruzada p. 305 As relações entre o mundo muçulmano e o mundo cristão não eram pacíficas tanto no Oriente quanto no Ocidente. Foi a situação do império bizantino diante dos avanços dos turnos que levou Aleixo à iniciativa de apelar para guerreiros ocidentais. Um aspecto muito enfatizado, que contém poucos aspectos de verdade, é o fato de que a cruzada foi uma escapatória necessária, uma espécie de válvula de espace para os cavaleiros que foram proibidos de lutar em guerras privadas pela Paz de Deus e foram desviados a lutar contra os inimigos. É como se o Ocidente tivesse resolvido seus problemas internos exportando a violência, mandando seus piores perturbadores combater longe de suas fronteiras. Aleixo fez um pedido de recrutamento de mercenários para Bizâncio. O Papa Urbano II ampliou o pedido incorporando a ajuda militar. Deus realizaria a liberação da Igreja. O papa (deixando de agir como vigário de São Pedro, mas em nome de Cristo) atribuiu à expedição um objetivo moralizador: Jerusalém, Sepulcro de Cristo. A empreitada bélica é sacralizada (arrancar dos infiéis a herança de Cristo, berço do cristianismo, coração da cristandade) e ganha uma nova dimensão ligada à peregrinação, acompanhada de privilégios espirituais. Por fim, ganhava conotações escatológicas: Jerusalém é o lugar onde Cristo subiu aos céus e para onde ele voltará no fim dos tempos. Todos esses fatores faziam da cruzada uma guerra santa (por excelência).

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Nesse texto trabalho como se deu a passagem do ideário de Guerra Santa à Cruzada. A partir de Le Goff.

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Page 1: Da Guerra Santa à Cruzada

Da Guerra Santa à Cruzada

p. 305

As relações entre o mundo muçulmano e o mundo cristão não eram

pacíficas tanto no Oriente quanto no Ocidente. Foi a situação do

império bizantino diante dos avanços dos turnos que levou Aleixo à

iniciativa de apelar para guerreiros ocidentais. Um aspecto muito

enfatizado, que contém poucos aspectos de verdade, é o fato de que

a cruzada foi uma escapatória necessária, uma espécie de válvula

de espace para os cavaleiros que foram proibidos de lutar em guerras

privadas pela Paz de Deus e foram desviados a lutar contra os

inimigos. É como se o Ocidente tivesse resolvido seus problemas

internos exportando a violência, mandando seus piores

perturbadores combater longe de suas fronteiras.

Aleixo fez um pedido de recrutamento de mercenários para Bizâncio.

O Papa Urbano II ampliou o pedido incorporando a ajuda militar.

Deus realizaria a liberação da Igreja. O papa (deixando de agir como

vigário de São Pedro, mas em nome de Cristo) atribuiu à expedição

um objetivo moralizador: Jerusalém, Sepulcro de Cristo. A

empreitada bélica é sacralizada (arrancar dos infiéis a herança de

Cristo, berço do cristianismo, coração da cristandade) e ganha uma

nova dimensão ligada à peregrinação, acompanhada de privilégios

espirituais. Por fim, ganhava conotações escatológicas: Jerusalém é

o lugar onde Cristo subiu aos céus e para onde ele voltará no fim dos

tempos. Todos esses fatores faziam da cruzada uma guerra santa

(por excelência).

Page 2: Da Guerra Santa à Cruzada

Projetos de cruzada antes de 1095

Não era a primeira vez que se pensava numa expedição armada para

socorrer Jerusalém e os cristãos do Eriente. Desde a destruição da

igreja do Santo Sepulcro pelo sultão al-Hakim em 1009, a ideia de

uma possível ação militar ocidental no Oriente estava no ar e não

parecia absurda. Os argumentos: Cristo deixou aos cristãos seu

túmulo para que, por meio dele, os penitentes ganhassem o céu; o

Santo Sepulcro acabava de ser destruído (sem nenhuma previsão na

bíblia); o papa anunciou sua intenção pessoal de comandar uma

campanha militar, com todos os cristãos que quisessem segui-lo,

tendo estes o perdão de seus pecados e o acesso ao reino de Deus.

As noções frequentemente vistas são de vingança de Deus, guerra

meritória, operação militar prescrita como remissão dos pecados. O

exemplo de nosso Redentor nos obrigam a pôr nossa vida em perigo

para livrar nossos irmãos. Assim como ele deu a vida por nós, nós

também devemos dar nossa vida por nossos irmãos.

A razão que fazia o papa agir era a busca pela unidade da fé e da

Igreja que era preciso restabelecer a cristandade oriental, para que a

religião cristã não desaparecesse totalmente daquelas regiões.

Gregório VII é precursor por projetar a operação militar que 20 anos

depois Urbano II vai organizar e dirigir. A grande diferença entre

Gregório VII e Urbano II é que aquele falava apenas a seus fideles e

em nome de São Pedro, enquanto este falava a todos os cristãos e

em nome de Cristo.

Page 3: Da Guerra Santa à Cruzada

Urbano II e a mensagem de cruzada

“Deus o quer”, gritava a população em 1095 quando Urbano II lançou

em Clermont sua convocação para a cruzada. O papa empreendeu

uma grande viagem de propaganda.

Quais foram os temas desenvolvidos por Urbano I para incitar os

cavaleiros do Ocidente a participar daquela operação? Deus instituiu

guerras santas para que a ordem dos cavaleiros pudessem encontrar

um novo meio de obter a salvação, mas sem serem obrigados a

abandonar a vida secular, optando pela conversão ou por qualquer

profissão religiosa, o que era de rigor até então; e que assim possam,

obter a graça de Deus no próprio exercício de sua função. Os

cavaleiros saqueadores do castelo de Mezenc prometeram renunciar

a todos os seus maus costumes impostos aos camponeses das

terradas da abadia.

“A quem tomar o caminho de Jerusalém com a intenção de liberar a

Igreja de Deus, desde que por piedade (espírito de renúncia e não

com espírito “mundano”), e não para ganhar honras ou dinheiro, essa

viagem será contada como penitência (portanto, substituindo todas

as outras penitências prescritas por outros motivos)”.

Jerusalém e os lugares santos

Ir para Jerusalém tinha características de reconquista e

peregrinação. Jerusalém outrora conquistada pelo povo de Deus,

agora invadida pelos pagãos que destruíam, profanavam e

transformavam os templos em estábulos.

A cruzada era uma operação militar destinada a reconquistar para a

cristandade, com a ajuda das forças do imperador, os territórios

outrora cristãos.

Page 4: Da Guerra Santa à Cruzada

Jerusalém, meta da peregrinação ou objetivo militar?

Uns tendem a enfatizar a noção de peregrinação em detrimento de

uma guerra de reconquista dos territórios orientais em primeiro lugar.

Na mente de Urbano II, assim como na de Gregório VII, a ideia

fundamental era realmente uma operação militar. Portanto, essas

duas dimensões estavam necessariamente ligadas em caso de

sucesso: a reconquista cristã de Jerusalém na esteira da guerra

santa e a peregrinação àqueles mesmos lugares santos. Foi essa

conjunção perfeitamente idealizada que garantiu o incomparável

sucesso da pregação de Urbano II, superior a todos os projetos

anteriores de guerra santa.

Cruzada, paz de Deus e motivações materiais

Outros temas recorrentes: socorrer os cristãos oprimidos (pelos

muçulmanos que foram demonizados. O papa divulgava cartas com

descrições dos malfeitos por eles cometidos para provocar a

indignação) e libertar as igrejas do Oriente da “tirania dos pagãos”.

Em relação a paz de Deus: intimar os cavaleiros a se colocarem a

serviço da igreja. O papa desviaria essa força incontrolável para o

Oriente.

As motivações dos cavaleiros teriam sido principalmente profanas:

desejo de glória, expectativa de ganhos materiais.

Nenhuma guerra santa jamais excluiu a presença de outras

motivações, inclusive materiais. Uma alusão a recompensas mais

terrenas.

Page 5: Da Guerra Santa à Cruzada

Indulgência, penitência e remissão dos pecados

Nem todos os cruzados seriam penitentes, muitas outra razões ou

expectativas levaram os guerreiros a participar de tal expedição. As

esperanças escatológicas são exemplo disso. Indulgência: remissão

dos pecados, substituição das penas que deveriam ser cumpridas

depois da morte, como resgate dos pecados antigos que não

tivessem sido totalmente expiados na terra. Pro remissione

peccatorum: a expedição era frequentemente prescrita como

remissão dos pecados em ligação direta com a guerra santa, onde

mostrava-se o homem de partida como alguém que tomara

consciência de suas faltas, fora tocado pelo graça da conversão e

estava desejoso e ir a Jerusalém. Alguns cruzados empreenderam a

viagem a título de penitência, mas seria errôneo generalizar.

Existiram outras motivações, materiais, por exemplo. Nem todos

estavam arrependidos e queriam a remissão dos seus pecados.

Esses viam em sua decisão de ir combater por Deus em Jerusalém

uma espécie de “contradoação”, um ato de amor correspondente ao

de Cristo. Ás vezes, as duas noções, associavam-se nos motivs da

partida.

Milites Christi e guerra santa

Agora milites Christi, amigos do Senhor; antes bandidos que

combatiam contra seus irmãos e seus pais, inimigos do Senhor. (A

paz de Deus contribuiu para forjar a concepção de que duas formas

de ação guerreira estavam e oposição. A guerra deles deixava de ser

Page 6: Da Guerra Santa à Cruzada

delituosa e tornava-se meritória. Urbano II teria transformado uma

ação guerreira destinada a matar os sarracenos inimigos em ato de

amor pelos irmãos cristãos do Oriente)

Há guerras e guerras. Existem aquelas guerras que tem sede de

riqueza e buscam o lucro. Essas são combates funestos para as

almas. Havia também guerras justas, onde as armas são usadas

para a defesa da liberdade do Estado ou da Santa Igreja. Por fim,

havia as guerras santas

Outras características da guerra santa

Além da remissão dos pecados, os cruzados teriam uma gloriosa e

inefável recompensa no céu. Nem todos os cruzados se sentiam

penitentes, mas todos se consideravam milites Christi, obedecendo

assim a motivações mais espirituais do que propriamente religiosas

(combater mais por Cristo do que por São Pedro ou pelo papado).

Palmas do martírio: Aqueles que deram a vida em defesa da fé,

venceram as ameaças contra a fé e o seu grande amor ao Salvador

e sua Igreja. Cruzados, santos e mártires: Os cruzados estavam

sustentados pelas legiões celestes naquele combate de Deus. Na

Cruzada os santos se revelavam aos cruzados e os ajudavam. Os

cruzados mortos também logo se tornaram santos e foram socorrer

seus antigos companheiros.