da escola pÚblica paranaense 2009 · em grande parte das regiões brasileiras, entre os espaços...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
O PARANÁ DO ENCONTRO DAS FRENTES MIGRATÓRIAS: o caso do Oeste do Paraná
Autor: Laércio Pereira de Andrade1 Orientador: Tarcisio Vanderlinde2
Resumo O presente artigo resulta da experiência da implementação pedagógica prevista no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Paraná realizado na área de abrangência do Núcleo Regional de Educação do município de Assis Chateaubriand. A pesquisa que motivou a inserção pedagógica teve como finalidade discutir as correntes migratórias que se dirigiram para a região Oeste do Paraná no decorrer do século XX, bem como suas origens e contribuições culturais. O trabalho teve como recorte espacial o município de Assis Chateaubriand, no extremo Oeste paranaense, região considerada como tendo sido a última fronteira agrícola que foi explorada no Estado do Paraná, o que ocorreu no início da década de 1960. As discussões se focaram nas correntes migratórias identificadas em duas frentes pioneiras, uma constituída por paulistas e mineiros e a outra, composta por gaúchos e catarinenses, conhecida como frente migratória sulista. O estudo procurou abordar temas relacionados ao processo de ocupação do espaço geográfico local, focalizando a análise nos aspectos culturais e demográficos relacionados à temática.
Palavras-chave: Migração; Origem; Colonização; Amálgama; Oeste do Paraná
1 Introdução
“A população brasileira migra”, dizia, sem ter dúvidas, o antropólogo
brasileiro Darci Ribeiro (1993). Assim podemos dizer também sobre a população
chateaubriandense, população de um município jovem, emancipado em 1966,
também idealizado e com suas bases construídas nessa década.
Os alunos que hoje frequentam as escolas da educação básica no
município de Assis Chateaubriand podem ser considerados fruto do movimento
migratório brasileiro e, especificamente, de um movimento interestadual que teve
origem no Sul (SC e RS), no Sudeste (principalmente em São Paulo e em Minas
Gerais) e no Nordeste, dando à região onde se localiza o município o caráter de
1 Graduado em Geografia professor da rede estadual de ensino do Estado do Paraná, lotado no
Ceebja-Assis Chateaubriand, e-mail: [email protected] 2 Doutor em História, graduado em Geografia, UNIOESTE – M.C.Rondon – PR. Ministra as
disciplinas de Regionalizão do Espaço Mundial e Tópicos Especiais em Geografia: Messianismo, Territorialidade e História. [email protected]
“divisor cultural”, já que essa região do Estado foi a última área a ser ocupada nos
idos das décadas de 1960/1970 e se delineia no encontro das frentes migratórias
citadas.
Considerando tal contexto, percebeu-se a necessidade da proposição de
encaminhamentos metodológicos no âmbito do ensino de Geografia que possibilitem
aos professores e educandos compreenderem a dinâmica dos movimentos
migratórios brasileiros a partir da trajetória de sua própria família.
Foi o deslocamento de milhares de brasileiros que, espontaneamente ou
forçosamente, migraram em busca de melhores condições de vida que deu origem à
configuração demográfica contemporânea no Brasil.
Entender para além do movimento da população brasileira e compreender
como cada cidadão, principalmente a própria família, faz parte desse fenômeno, este
é um desafio que diz respeito à escola ou, mais precisamente, diz respeito ao
processo de ensino-aprendizagem da disciplina de Geografia.
Nessa perspectiva, busca-se assegurar o proposto pelas Diretrizes
Curriculares de Geografia (2008), em preocupar-se: “[...] com os estudos da
constituição demográfica das diferentes sociedades; as migrações que imprimem
novas marcas nos territórios e produzem novas territorialidades, e com as relações
político-econômicas que influenciam essa dinâmica” (PARANÁ, 2008, p. 75).
Nesse sentido, este trabalho tem como proposta analisar a composição
demográfica do espaço geográfico do município de Assis Chateaubriand, verificando
os pressupostos que estão nas origens dos grupos migratórios, especialmente os
referentes aos aspectos culturais e sua influência na construção e organização do
espaço local.
Em cumprimento às diretrizes do PDE, os resultados da investigação foram
socializados com alunos de educação de jovens e adultos (EJA) do ensino médio do
município de Assis Chateaubriand.
O texto que resultou da atividade tem como finalidade discutir a mobilidade
humana no espaço geográfico tomando como base a influência da migração na
construção de novas identidades culturais através de trocas de saberes, de
comportamentos e de valores. Os elementos culturais transmitidos de uma geração
a outra, modificados pelo contato entre diferentes culturas, mesmo conflitantes em
alguns casos, constituem um processo importante de enriquecimento cultural dos
grupos.
Todo sujeito, ao migrar de um lugar a outro, estabelece, dentro de si,
sentimentos e, ao mesmo tempo, perspectivas. Dentre os sentimentos sobressai o
de estar trocando um lugar de origem, onde se sente “seguro” e até protegido, por
outro que apenas expressa esperança de um futuro melhor. Jones Dari (2009, p.
53), em seu trabalho intitulado “Gente, Migração e Transitividade Migratória”,
baseado em relatos de migrantes trabalhadores dos Estados do Paraná, Mato
Grosso, Acre e Mato Grosso do Sul, ao fazer uma análise da migração do sujeito
pautada na transitividade migratória, deixa claro que o deslocamento do sujeito pelo
espaço não se resume apenas em deixar um lugar para morar em outro, pois, mais
do que isso, esse ato sempre é carregado de complexidade que exige um diálogo
quase permanente do sujeito com seus sentimentos e com suas perspectivas em
transformação. Para Jones Dari, a transitividade migratória se caracteriza
justamente pela indefinição do migrante para o migrante, sobre a quais relações
pertence ou não pertence ou sobre de que relações mais se aproxima ou mais se
distancia. Essa afirmação nos leva a considerar que o migrante fortalece vínculos
culturais com o antigo lugar (para não perdê-los)e, ao mesmo tempo, reproduz seus
hábitos e costumes em seu novo lugar de morada, assim constituindo novas
representações na paisagem e na organização do espaço, diferentes daquelas do
espaço da sua origem.
Uma das evidências da origem cultural do migrante pode ser percebida no
seu jeito de falar, no gosto pela música e nos seus hábitos alimentares, bem como
nos modelos de arquitetura. Esses são elementos que denunciam a origem do
migrante, rotulando sua cultura, e que evidenciam o fato de que o migrante nunca
desgarra da sua origem totalmente.
Nessa perspectiva, para a análise da ocupação da região do Oeste do
Paraná, consideramos que a sua constituição demográfica ocorreu
predominantemente com migrantes de duas correntes de origem e cultura
diferentes. Essa população que ocupou a região, constituída basicamente por
agricultores e pequenos comerciantes, em grande parte acorreu para a nova região
por motivo de repulsão em áreas antigas, principalmente áreas dos Estados de
Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Eram famílias que viam nas terras
paranaenses as oportunidades de trabalho que já não existiam nos locais de origem
e que, ao mesmo tempo, pretendiam reproduzir, aqui, no Paraná, um novo espaço
de convivência cultural sem perder as origens e as tradições do grupo. Em se
tratando de um movimento migratório constituído, em grande parte, por grupos de
famílias, somos levados a crer que esse aspecto foi essencial para a preservação de
laços culturais, o que, no entanto, não impediu a absorção de novos elementos
simbólicos.
Culturalmente falando, a ocupação do território da região Oeste do Paraná
pelas correntes migratórias proporcionou, uma espécie de territorialismo híbrido
cultural, que, na concepção de Samuel Huntington, “[...] pode ser visto como um
espaço transterritorial de entrecruzamento cultural entre múltiplas identidades"
(HAESBAERT, 2006. p. 89). Como aqui não se trata de fronteira cultural, a
transterritorialidade tem sentido de convivência e de troca entre os grupos
migratórios colonizadores da região. Assim, o pertencimento do sujeito a essa ou
àquela cultura se acomoda e, ao mesmo tempo, se integra a partir da construção do
território como forma de novas identidades culturais.
2 A ocupação e a colonização do Oeste do Paraná pelas frentes
paulista/nortista e sulista
Os movimentos migratórios em território brasileiro deflagrados no final da
década de 1930 têm uma histórica ligação com o setor primário, ligado diretamente
com a exploração da terra.
Desde o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro até o ciclo do café
no Estado de São Paulo e Paraná passaram-se quase dois séculos de “vazio
demográfico” na região Oeste do Paraná.
Em grande parte das regiões brasileiras, entre os espaços demográficos
não ocupados, estavam as terras paranaenses, com destaque para as das regiões
Norte, Noroeste e Oeste do Estado. As terras da região Oeste estavam entre as
últimas áreas do Estado a serem ocupadas e colonizadas de forma planejada, com
critérios e objetivos definidos pelas companhias para a introdução de novos
habitantes, destinados aos novos estabelecimentos agrícolas do país. O processo
de ocupação do Oeste do Paraná está ligado ao movimento político-econômico
denominado “Marcha para o Oeste”, deflagrado durante a década de 1930, pelo
governo Getúlio Vargas.
Como área interiorana, essa região permaneceu por séculos à margem da
economia brasileira, recebendo atenção somente em ocasiões quando a integração
territorial sofria ameaças (GREGORY, 2002, p. 88).
Assim, reportando-nos ao processo de ocupação das terras interioranas
paranaenses, duas frentes mereceram destaque na colonização da área: 1) a frente
oriunda do Sudeste brasileiro, constituída por mineiros e paulistas, e 2) a frente
sulista, constituída por gaúchos e catarinenses.
A primeira ocupou as terras paranaenses a partir da região Norte do
Paraná, enquanto a sulista penetrava pela região Sudoeste paranaense, estendendo
a ocupação até a região Oeste do Estado.
Sobre a ocupação das regiões pelas frentes, Gregory (2002) destaca:
A marcha sulista encontrava incentivos maiores no poder central e na articulação com o poder regional, ao passo que a marcha nortista, como também é denominada, era vista como uma forma de manifestação de vigor econômico e de força política de São Paulo contra os quais a Revolução de 30 conseguiu aglutinar descontentamentos regionais. (GREGORY, 2002, p. 71).
Segundo Gregory (2002), essa dinâmica diferenciada tem a ver, dentre
outros fatores, com aspectos geopolíticos regionais da era getulista. A política de
ocupação desenvolvida pelo governo Getúlio Vargas teve como destaque a “Marcha
para Oeste”, cujo objetivo era contemplar a ocupação das terras através do
processo de colonização, conforme destaca Serra, registrado por Gregory (2002, p.
69):
O Programa Rumo ao Oeste é o reatamento da campanha dos construtores da nacionalidade, dos bandeirantes e dos sertanistas, com a integração dos modernos processos de cultura. Precisamos promover essa arrancada, sob todos os aspectos e com todos os seus métodos, a fim de suprimirmos os vácuos demográficos do nosso território e fazermos com que as fronteiras econômicas coincidam com as fronteiras políticas. (GREGORY, 2002, p. 69 apud SERRA, 1991, p. 39).
Os discursos não só despertavam os interesses econômicos das empresas
colonizadoras, como também promoviam a ocupação das terras do Oeste,
culminando com a política integradora do governo federal, através da colonização.
3 A participação do capital privado na colonização das terras do Oeste do
Paraná
O incremento da ocupação das terras foi fundamentado em critérios
políticos e econômicos, pautado na intenção política de governo, que viabilizava a
colonização das terras devolutas firmando acordo como o capital privado, o que
incluía a venda das terras às companhias a preços simbólicos.
Em contrapartida, as colonizadoras ficavam com o ônus de toda a
infraestrutura, providenciando estradas e caminhos, ligando as áreas rurais aos
núcleos urbanos, assim como armazéns, créditos e comercialização de safras, além
de outras obrigações sociais.
Em troca de favorecimento na cessão de grandes áreas de terras
devolutas, mediante pagamentos apenas simbólicos, o Estado obtém das
empresas a aplicação do seu capital financeiro e de sua experiência na
estruturação dos espaços urbano e rural do território.
Em consequência se estabelece perfeita sintonia entre os interesses
políticos do Estado e os interesses econômicos dos grupos empresariais
(GREGORY, 2002, p. 67). Percebem-se, no processo implementado na
colonização dos “espaços vazios”, os interesses políticos do Estado e os interesses
econômicos das empresas colonizadoras.
Ambos estabelecem perfeita sintonia. O Estado abre mão das vendas das
terras diretamente aos colonos, dando às empresas o direito de explorar a
mercantilização da terra, porém, em compensação, recebe sem ônus o espaço
organizado e dotado de toda infraestrutura necessária para viabilizar o
desenvolvimento econômico e social da região.
Ao Estado interessava o desenvolvimento econômico da região, o que
resultaria, além do crescimento populacional, em aumento na arrecadação de
impostos.
As propagandas “boca a boca” realizadas pelos agentes das companhias e
também por pessoas que já conheciam a região ajudavam na divulgação das
qualidades das terras. Veículos de comunicação também eram utilizados pelo
governo e pelas companhias para destacar as vantagens em adquirir terras na
região:
A alta qualidade das terras oestinas; a abundância de rios, córregos e sangas; a ausência de morros, pedras e formigas e o fácil escoamento dos produtos eram elementos essenciais a serem ressaltados na propaganda veiculada em rádios, jornais impressos e folhetos, quer seja pelo Estado do Paraná, quer seja pelos agentes das empresas colonizadoras. (GREGORY; VANDERLINDE; MYSKIW, 2004, p. 27).
No processo de colonização tiveram destaque as seguintes companhias
colonizadoras: Indústria Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A - Maripá; Pinho e
Terras Ltda.; Indústria Agrícola Bento Gonçalves; Colonizadora Criciúma Ltda.;
Sociedade Colonizadora União D’Oeste Ltda. e a Colonizadora Norte do Paraná
(CNP). Esta última foi responsável pela colonização das terras onde está localizado
o município de Assis Chateaubriand (GREGORY; VANDERLINDE; MYSKIW, 2004, p.
27).
Tendo como esteio da ocupação o potencial dos recursos naturais,
notadamente o solo e o clima, a região atraiu migrantes de áreas de excedente
populacional do país, dando os contornos socioeconômicos atuais.
4 A extensão da colonização da região Norte no Oeste do Paraná: caso de
Assis Chateaubriand
Tendo seu processo de colonização iniciado no final de década de 1950,
pela Colonizadora Norte do Paraná, o município de Assis Chateaubriand, via de
regra, seguiu os mesmos moldes implementados pelas demais companhias, em que
o objetivo era o loteamento da área adquirida em médias e pequenas propriedades
e, posteriormente, a venda aos colonos.
Pode-se afirmar que o projeto desenvolvido pela Companhia na ocupação
da área teve resultado satisfatório, visto que a empresa era constituída por pessoas
que possuíam experiência no ramo imobiliário. Sabiam, portanto, que não bastava
apenas a venda das terras. Seria necessário também fazer o planejamento de
infraestrutura, a fim de dar aos futuros proprietários condições de transporte, de
educação e outros serviços.
No tocante à origem dos colonos, dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE (Censo Demográfico de 1970) apontam para a maioria da
população como paranaenses. Estão, no entanto, muito presentes os migrantes
mineiros e paulistas, seguidos por gaúchos e catarinenses. Considerando uma
imigração predominantemente do próprio Estado do Paraná, há que se considerar
que esses “paranaenses” constituem a geração seguinte dos primeiros imigrantes,
reforçando a ideia da continuação da frente colonizadora da região Norte no Oeste
paranaense.
Seguindo a tradição, os colonos oriundos das regiões Norte e Noroeste do
Estado reproduziram aqui as mesmas atividades agrícolas de seu lugar de origem. A
principal delas era a formação de lavouras de café, associadas a outras lavouras,
como arroz, feijão e milho, conhecidas como lavoura branca.
A cultura da hortelã também foi desenvolvida no município até início da
década de 1970. Os colonos oriundos da Região Sul (Estados do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina), também mantiveram suas atividades agrícolas tradicionais.
Diferentemente dos colonos do Norte do Paraná, eles investiram na criação de
porcos, em pequenos rebanhos leiteiros e no plantio de milho.
O contorno sociocultural das frentes teve influência na organização do
espaço agrícola do município. Sobre essa influência, o sr. João Carlos Taschetto,
técnico da EMATER, ao nos conceder uma entrevista, nos deu a seguinte
explicação:
A propriedade do sulista apresenta uma estrutura de produção mais diversificada. Além da lavoura, cultiva a criação de porcos, no sistema pocilga, a vaca de leite com ordenha em local próprio e a criação de galinhas, que, ao invés do tradicional poleiro3, tinha local fechado onde pernoitavam. A propriedade não sulista apresenta uma estrutura voltada para a monocultura. (TASCHETTO, 2010)4.
Para Taschetto, o sulista trouxe do sul a tradição da diversificação da
produção nas pequenas propriedades, enquanto os migrantes da frente paulista
estão acostumados com a monocultura do café, portanto a maioria deles não tem a
tradição da diversidade produtiva campestre. Nestes últimos anos, no entanto, de
acordo com Taschetto, houve uma mistura das tradições quanto ao modo de
produzir no campo, em que a monocultura e a diversificação estão sendo praticadas
por sulistas, mineiros e paulistas.
3 Estrutura construída com varas de madeiras, que servia como local de pernoite das galinhas,
denominada pelo linguajar caipira como “puleiro”. 4 Comentário proferido por João Carlos Taschetto, em 28 de fevereiro de 2010.
Observa-se que há uma forte influência cultural no espaço geográfico de
Assis Chateaubriand, onde a diferença cultural inicial entre as correntes migratórias
que constituíram a demografia do município agora não só vai além do campo
culinário e linguajar, mas também é marcante no modo de produzir e de viver no
campo, constituindo uma transformação evolutiva e integradora dessas diferenças.
5 Hibridismo cultural no Oeste do Paraná
Laércio Souto Maior (1996, p. 55) destaca a observação do jornalista
Geraldo Mazza para quem “[...] costumávamos dizer que no Oeste estava havendo
um encontro do “Chapéu de Couro” com a “Bombacha”, isto é, do nordestino com o
gaúcho, figura praticamente onipresente no mapa nacional”.
Nas conclusões de Souto Maior, o jornalista descreve o encontro das
frentes migratórias no Oeste paranaense, tendo Assis Chateaubriand como zona de
contato entre as duas correntes migratórias, caracterizando-se assim um espaço de
encontro das tradições gaúcha, nordestina, mineira e paulista, características
marcantes desse município.
No encontro das tradições que os gaúchos e os nordestinos trouxeram e
difundiram na região cabe destaque para o chimarrão, para o churrasco, para a
rapadura, para a bombacha, para o chapéu de couro, para o vanerão5 e para o
forró6, elementos que se constituem como indicadores iniciais de identidade étnica
dos grupos migrantes, produzindo já atualmente um grande amálgama cultural.
Os costumes característicos dos grupos nos levam a uma análise da
convivência social que aponta para uma concepção de “hibridismo” na forma
destacada por Hall (2001) e por Haesbaert e Gonçalves (2006).
Para Samuel Huntington, as identidades culturais, para se firmarem,
necessitam da “invenção” do outro ou mesmo da criação de “inimigos”. Sua tese
contesta a ideia de uma mistura cultural, ou seja, o hibridismo, pois, na sua visão,
cada vez mais são emergentes as civilizações que partilham das mesmas afinidades
5 Dança característica originada no Estado do Rio Grande do Sul. 6 Festa popular brasileira de origem nordestina. A dança praticada é conhecida também como bate-
chinela e arrasta-pé.
culturais, fortalecendo as diferenças culturais e as identidades socioterritoriais
(HASBAERT; GONÇALVES, 2006, p. 87-88).
Já para Hall (2001), “[...] as identidades culturais não são fixas, pois sofrem
influência constate de outras manifestações culturais [...]; com isso novas
identidades ‘híbridas’ surgem da fusão entre diferentes tradições culturais” (HALL,
2001, p. 91-92).
Passado meio século da sua colonização, cabe indagar: – No município de
Assis Chateaubriand e região, a convivência das diferentes culturas promovidas
pelas frentes migratórias sofreu um processo “híbrido” ou se fortaleceram as
diferenciações culturais?
Em nossa opinião, o encontro das frentes de imigração no Oeste do Paraná
se deu pela ótica do hibridismo e não pela do choque de civilizações, como defende
Huntington e, posteriormente, discutido por Haesbaert e Gonçalves (2006).
A diversidade cultural está presente no município e região, podendo ser
presenciada de diversas maneiras. Algumas tradições são ressaltadas através da
música, identificando elementos que fazem parte da cultura de um grupo. Exemplo é
o poema abaixo, que expressa elementos da cultura sulista.
Churrasco e bom chimarrão Fandango, trago e mulher. É disso que o velho gosta É isso que o velho quer.
(Música de: Gildo Campos/Berenice Azambuja)
O verso da música “É disso que o velho gosta”, dentre outros versos,
identifica a cultura gaúcha, falando do churrasco e do “bom chimarrão”. Difundidos
na região pelos migrantes do Sul, o churrasco e o chimarrão são apreciados por
outras culturas, que aprenderam os costumes dos sulistas. Se, através da música, a
cultura sulista é identificada na região, o amálgama de costumes do município e
região também pode ser identificado através de “gostos e sabores”, difundidos pelos
migrantes durante décadas em toda região, através do gosto culinário.
Esta diversidade étnica presente no município de Assis Chateaubriand e
região estabeleceu um amálgama cultural. Trata-se de uma diversidade rica em
gostos e sabores oriunda da união de costumes diferentes trazidos pelos antigos
colonizadores da terra.
O costelão no chão é um exemplo da tradição gaúcha bastante difundida no
município de Assis Chateaubriand, bem como em toda região Oeste do Paraná.
Constitui-se, entre outras, como uma das especialidades gatronômicas/culturais do
lugar.
Do café ao chimarrão, da tapioca7 à cuca alemã, do churrasco ao frango
afogado8 e ao virado à paulista9, a região ganha componentes culturais
indissociáveis na análise própria da Geografia cultural. Como herança que é
transmitida de uma geração a outra, as diferentes culturas estão presentes no
espaço geográfico através das manifestações singulares, e também coletivas, que
têm, em seu bojo, a complexidade cultural de cada grupo.
Para Claval, a cultura é “[...] a soma dos comportamentos, dos saberes, das
técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante
suas vidas e, em uma outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte”.
Conforme definição do autor, “[...] a cultura deve ser entendida não como um
conjunto fechado imutável de técnicas e comportamentos, pois os contatos entre
povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas constituem uma
fonte de enriquecimento mútuo” (CLAVAL, 2001, p. 63).
No caso do município de Assis Chateaubriand e região, entendemos que as
diferentes formas de manifestação desses elementos culturais, pelas frentes,
constituíram-se num processo híbrido, ocorrendo entre eles um intercâmbio de
culturas, ou seja, o “hibridismo cultural” (HASBAERT; GONÇALVES, 2006, p. 87).
Defendemos a posição de que a discussão sobre a espacialidade cultural,
antes de tudo, deve ser de escala local, descobrindo no próprio município as
potencialidades culturais manifestadas por cada grupo de diferentes culturas,
valorizando assim a espacialidade cultural do lugar.
Para isso é importante o estudo da constituição demográfica dando
importância às origens dos ocupantes do espaço estudado, bem como sua relação
com a dinâmica local ou regional, pois são “[...] as migrações que imprimem novas
marcas nos territórios e produz novas territorialidades” (PARANÁ, 2008, p. 75).
7 Comida típica nordestina feita com polvilho de mandioca. A tapioca pode ser apreciada pura ou com
recheios. 8 Termo de linguagem cabocla, utilizado no interior paulista e em algumas regiões do Paraná, que se
refere ao modo de cozinhar o frango. 9 Prato à base de feijão com farinha de milho, conhecido também como tutu de feijão.
As diferentes origens dos colonos que ocuparam a região Oeste,
especialmente no município de Assis Chateaubriand, proporcionaram uma grande
diversidade cultural, que é percebida nas diferenças notadas no modo de falar, de
vestir, de produzir e na materialização de outros costumes trazidos e conservados
pelos migrantes.
7 Sobre a implementação da pesquisa
Para a conclusão das atividades requeridas pelo PDE, desenvolveram-se
atividades relacionadas à pesquisa em tela numa turma de alunos de Jovens e
Adultos do Ensino Médio no Colégio Estadual Assis Chateaubriand, do município do
mesmo nome. As atividades envolveram leituras, debates e entrevistas com
moradores pioneiros representantes das frentes migratórias colonizadoras, além de
uma exposição culinária representando a diversidade cultural fruto da composição
demográfica no processo de ocupação pelas diferentes culturas.
Como pano de fundo nas discussões, em primeiro momento, foi levantada,
informalmente, com os alunos, a origem de suas famílias. Apurou-se que eles, em
grande maioria, constituem uma segunda geração da frente paulista, pois são filhos
de paranaenses que nasceram na região Norte do Paraná como primeira geração da
frente paulista. Essa constatação reforça a ideia de que a colonização e ocupação
do município de Assis Chateaubriand é uma extensão da colonização da região
Norte na região Oeste, resultado do processo de colonização das terras
implementado pela colonizadora cuja sua origem estava no Norte do Paraná.
Sobre a questão da forma de organização da ocupação das terras, um dos
colonos pioneiros do município, o sr. Ferdinando Ferneda Neto (2010)10, numa fala
com os alunos sobre a colonização e sua trajetória de migrante, relatou que algumas
áreas do município foram ocupadas de acordo com a origem dos migrantes
colonizadores. Segundo Ferdinando, as terras da região do Distrito de Bragantina,
município de Assis Chateaubriand e Tupãssi que antes também fazia parte do
município de Assis Chateaubriand, foram adquiridas boa parte da área pelos
migrantes sulistas. Essa escolha é explicada pela proximidade com o município de
Toledo, cuja colonização tem como base a migração do sul. Nas demais áreas do 10 Palestra proferida por Ferdinando Ferneda Neto, aos alunos do CEEBJA Assis Chateaubriand, no
dia 10 de novembro de 2010, durante a implementação do Projeto.
município, fixaram moradas famílias oriundas da região Norte do Paraná e de outras
regiões.
A origem dos migrantes, contudo, pode ser percebida na própria forma de
produção no campo. Nas áreas ocupadas por migrantes ligados à frente
paulista/nortista praticava-se plantio da lavoura branca (milho, feijão) consorciada
com a lavoura do café. Diferentemente, os migrantes da frente sulista se dedicavam
mais à criação de porcos, à produção do leite e ao cultivo de lavoura solteira11,
principalmente o cultivo do milho.
Outro fato importante analisado por Ferdinando foi em ralação à convivência
entre as diferentes culturas presentes no município: a cultura sulista e a cultura
nortista. Segundo ele, embora as diferenças culturais fossem claras entre os colonos
que se estabeleceram no município, a convivência sempre foi harmoniosa entre as
famílias.
Dona Angeli Schreiber, moradora no município de Assis Chateaubriand, nos
concedeu uma entrevista contando um pouco da sua cultura, seus hábitos e como
foi no início viver no meio da maioria de cultura diferente. Angeli relata:
Meus pais nasceram e cresceram no Rio Grande do Sul. São de origem alemã. Vieram para o Oeste do Paraná na década de 60, fixando morada na localidade de Maripá. No ano de 1980, venderam a pequena propriedade de terra, adquirindo outra área no município de Assis Chateaubriand, onde moram até hoje. Em Maripá, antiga morada da família a maioria do colonos eram de origem sulista, isso facilitavam a convivência pois partilhavam da mesma cultura. Quando cheguei aqui, estranhei os costumes do povo daqui. O modo de falar, a alimentação e ate mesmo o modo de trabalhar. O comércio aqui não fechava ao meio dia pra almoço. (SCHREIBER, 2010).12
O “choque”, contudo, não chegou a ser motivo de não integração com o
novo ambiente cultural. Angeli falou que uma das coisas que aprendeu com os
vizinhos nortista/paulista foi tomar café. Entre os sulistas não era habitual o consumo
do café, e sim o chimarrão. Seu depoimento sustenta a ideia de que tenha ocorrido o
hibridismo cultural no município e região.
11 Lavoura cultivada em áreas isoladas conhecida como palhada, sem consorciar com o café. 12 Entrevista concedida por Angeli Schreiber, moradora do município de Assis Chateaubriand, a
Laércio Pereira de Andrade, no dia 28 de janeiro de 2010.
O convívio entre os colonos de diferentes origens fez emergir a cooperação
entre os grupos, partilhando das mesmas afinidades culturais. O caso do Oeste do
Paraná contempla um espaço cultural “híbrido” e que se integra na contribuição de
elementos culturais diversos. Esse fato nos leva a concluir que não houve um
choque entre as culturas, e sim um intercâmbio que caracteriza o “hibridismo
cultural”.
Referências
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