da escola pÚblica paranaense 2009 · centralizado na pessoa do/a professor/a e a ação deles...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
REMANESCENTES DE QUILOMBO NO PARANÁ:
Comunidade de Apepu, São Miguel do Iguaçu
Autor: Norberto Fabrício dos Santos1
Orientador: Carla Cristina Nacke Conradi2
Resumo
A presente pesquisa tem a intenção de analisar a presença do negro na ocupação do Paraná, tendo como referência principal os remanescentes de quilombos da Comunidade de Apepu, situada no município de São Miguel do Iguaçu. Pretendemos refletir sobre a importância da abordagem da cultura africana e afro-brasileira junto a professores e alunos, com o objetivo de desconstruir a visão de senso comum sobre quilombo e, também, nesse contexto, proporcionar uma abordagem de maneira positiva da presença do negro no conjunto com as demais etnias na construção da história do Paraná. O que fundamentou a nossa pesquisa foram as narrativas dos membros da Comunidade de Apepu e o resultado das experiências que tivemos realizando atividades com alunos e professores.
Palavras-chave: Lei Federal nº 10.639/2003. Quilombo. Relações raciais. Comunidade de Apepu.
Abstract
This research intends to analyze the presence of blacks in Paraná’s occupation, with principal reference the remaining of quilombos of community Apepu, located in São Miguel do Iguaçu. We intend to reflect about the importance of the approach to African culture and African-Brazilian with teachers and students, to deconstruct the common-sense view of quilombo, and in this context, provide a positive way to approach the presence of blacks in conjunction with other ethnicities in the construction of the Paraná’s history. The bases of our study were the narratives of Apepu’s community members and result of experiences of activities with teachers and students, which we were able to accomplish.
Keywords: Federal Law nº 10.639/2003. Quilombo. Race relations. Community of Apepu.
1 Professor de História da Rede Pública Estadual/Toledo/PR, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. Graduado em Filosofia.
2 Doutoranda em História pela UFPR, professora do Curso de História da UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon.
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Introdução
O presente artigo faz parte de um trabalho de pesquisa desenvolvido durante o
Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria da Educação do Estado do
Paraná (SEED), e assinala para uma reflexão a respeito da temática “Remanescentes de
Quilombo no Paraná, Comunidade de Apepu em São Miguel do Iguaçu”.
A opção em trabalhar essa temática está ligada à necessidade de dar visibilidade aos
valores básicos de composição pluriétnica da sociedade brasileira, tendo como ponto de partida
a realidade vivenciada pela comunidade escolar. Essa necessidade se apresenta diante da
tradicional abordagem monocultural, através de um modelo ocidental branco, abordagem que
faz com que as outras etnias, como a indígena e as africanas, fiquem mantidas afastadas das
discussões, relegadas à inferioridade. Isso influencia, de maneira negativa, a autoestima dos
jovens estudantes descendentes das minorias étnicas, que se veem excluídos do contexto e,
consequentemente, acabam tendo uma vida escolar condenada ao fracasso.
Inicialmente fazemos uma breve análise de fatores que contribuíram para que a
abordagem monocultural se cristalizasse no sistema de ensino no Brasil, isso ocorrendo em
detrimento da manifestação cultural dos outros povos que também contribuíram para a
formação da nossa cultura. O que, em verdade, ocorre é que estamos num sistema de ensino
centralizado na pessoa do/a professor/a e a ação deles está ligada, primeiramente, à formação
que receberam, e que, gradativamente, pode sofrer mudanças de acordo com a capacitação que
eventualmente recebem.
Os/as professores/as de História, bem como os das demais áreas do conhecimento, a
cada dia sentem a necessidade de abordar, em sua prática pedagógica, assuntos referentes à
diversidade étnico-racial, pois estamos inseridos num mundo multicultural e pluriétnico. Todas
as informações passadas pelos meios de comunicação pressionam os professores a estarem em
constante estado de alerta, recorrendo a diferentes maneiras na transmissão do conhecimento,
pois os conteúdos inerentes à disciplina de História estão diretamente ligados a povos de
culturas diferenciadas.
Além deste aspecto, os/as professores/as, principalmente os de História, vivenciam
momentos de certa inquietação pelo surgimento da Lei Federal nº 10.639/2003,lei que aumenta
o número de conteúdos histórico-culturais a serem estudados. Isso é reforçado pelo fato de
estarmos ligados a um sistema de ensino que sempre se manifestou divorciado da manifestação
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cultural e que, agora, através de leis surgidas meteoricamente, tornaram obrigatório o ensino das
culturas indígenas e das culturas africanas e afro-brasileiras.
O estranhamento dos/as professores/as não significa uma resistência pura e simples,
mas o reconhecimento de uma limitação diante da abrangência dos assuntos inerentes à cultura
afro-brasileira e africana, juntamente com a indígena. O fato de esses professores não terem
estudado esses conteúdos quando assentados nos bancos escolares contribui para essa limitação,
pois tiveram um ensino de História que os manteve afastados das discussões da temática e,
consequentemente, fez com que fortificassem em si uma visão do senso comum, que impede
uma análise mais aprofundada da temática na prática pedagógica. Isso é visível no cotidiano das
escolas, pois somente após quase oito anos do surgimento da dessa lei de 2003 é que pode ser
notada, ainda que timidamente, a presença da discussão sobre a diversidade étnico-racial nas
escolas.
A lei em questão foi sancionada pelo Presidente da República e tornou obrigatório o
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em todos os estabelecimentos de educacionais
do país. Ela determina que os conteúdos programáticos referentes à História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana deverão ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, com ênfase
nas áreas de Artes, Literatura e História Brasileiras. Além disso, essa legislação estabelece,
ainda, que o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da
Consciência Negra”.
As historiadoras Martha Abreu e Hebe Mattos (2008, p. 6) entendem que o
cumprimento da Lei Federal nº 10639/2003 está ligado à ação dos professores:
Como reza o velho ditado, não é bom perguntar como são feitas as leis e as salsichas. Determinações legais são fruto do encontro de múltiplas intenções e vontades. Os documentos finais nesse tipo de processo são, antes de tudo, o resultado de muita negociação. Uma maneira comum de os especialistas fazerem uma leitura crítica desses documentos, especialmente aqueles que não se envolveram com o processo de sua preparação, é procurar destacar as falhas, simplificações e possíveis contradições. Não é o que faremos aqui. Tanto os Parâmetros curriculares nacionais (PCNs), como as Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, tem hoje força de lei e representam uma vontade de democratização e correção de desigualdades históricas na sociedade brasileira. Na prática, eles serão o que as escolas e os professores que os implementarem fizerem. O que é possível fazer a partir deles?
O posicionamento das historiadoras está ancorado na realidade vivenciada, na
experiência de pesquisa e de ensino. A causticidade em se indagar como são feitas as leis, a
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realidade dos interesses internacionais, as negociações, tudo isso nos faz identificar os
interesses ideológicos dentro da realidade escolar.
O Sistema de Ensino e a Diversidade
Quanto a esses interesses ideológicos dentro da realidade escolar, se formos investigar
as causas, iremos observar que isso não é apanágio dos dias atuais. O sistema de ensino sempre
esteve atrelado a interesses políticos, interesses esses que remontam, principalmente, ao final da
segunda metade da Revolução Industrial, época na qual a educação da escola pública foi usada
pelas elites dominantes republicanas na construção, em solo brasileiro, de uma nação moderna e
civilizada, segundo os padrões europeus. Então, todo o acervo cultural que foi construído
através de séculos foi desconsiderado, não ocupando o espaço devido no novo modelo europeu
que se prescrevia.
Um fato que ilustra, com muita clareza, esse aspecto é a origem do futebol. De acordo
com o relato inicial do documentário “História do Futebol na África” (FLASHSTAR, 2001),
podemos saber o seguinte: As origens do futebol na África podem ser traçadas até a longínqua
costa da Grã Bretanha do século XIX, onde, durante um longo período de expansão econômica,
foi criado um extenso império. Foi uma época em que as escolas públicas estavam em ascensão.
Uma época em que os esportes e a religião forneciam a essência de um novo código moral,
pois, nos duros combates esportivos é que se cultivavam valores tão importantes para a elite
colonialista, a resistência física, o trabalho de equipe e disciplina. Era uma doutrina que se
disseminaria por todo o mundo, na medida em que os alunos dessas escolas se formavam,
deixavam a escola e partiam rumo à conquista do Novo Mundo.
A prática dos esportes, o culto ao esporte, seus valores ou o atletismo tornaram-se
parte do currículo escolar e daí espalhou-se por todo o império à medida que missionários e
professores, administradores e soldados se espalhavam pelo império, difundindo o evangelho
dos esportes. Com a Bíblia e o bastão de críquete ou com a Bíblia e o futebol, eles iam a esses
lugares pagãos e tentavam ensinar os meninos a tornarem-se cavalheiros cristãos. A partir da
década de 1870 começou o que foi chamado avanço rumo à África, levando as maiores
potências europeias a um conflito por causa da expansão colonial. A invasão europeia trouxe
mudanças profundas, pois gerou miséria para a vida dos dez milhões de africanos espalhados
por todo o continente, no entanto a chegada dos colonizadores trouxe também um agente de
socialização bem menos assustador e muito mais desejável.
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Através dessas declarações se tornam visíveis as quatro colunas que sustentaram a
ideologia da elite colonialista: missionários, professores, administradores e soldados. E tudo
leva a concluir que o Brasil foi o “pupilo” que mais correspondeu às expectativas da Inglaterra,
se transformando no “país do futebol”. Aliás, é cognominado de “país do carnaval e do
futebol”, mas, de acordo com a realidade da escola pública, essa aclamação é contraditória, pois
o carnaval ainda não chegou às escolas, senão somente os jogos. Sempre se investiu em jogos
escolares e a parte cultural esteve ligada ao culto da pátria. Somente nos últimos anos, aqui no
Paraná, é que se valorizou a arte através do Projeto Fera Consciência.
Esses fatos nos levam a entender que o culto ao esporte surgiu como um dos fatores
que substituiria a manifestação cultural dos povos dominados, para que as novas nações
tivessem uma identidade de acordo com padrões europeus e, por isso, teriam que renunciar a
suas raízes culturais, pois essas raízes colocavam em ameaça a unidade nacional arquitetada
pelo império inglês. No Brasil o jogo da capoeira, as danças e o maculelê poderiam ser usados
como esporte, mas foram reprimidos, valorizando o jogo competitivo, reforçando uma prática
pedagógica engessada e que investe na rivalidade e na disputa entre os alunos.
O historiador Sergio Buarque de Holanda faz uma análise sobre o impacto da
implantação da cultura europeia no território brasileiro:
A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em conseqüências. [...] Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. [...] Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevarem à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. (HOLANDA, 1978, p. 31).
A entronização da cultura europeia causou nos brasileiros uma sensação de sempre se
sentir num estado de eterna submissão ao modelo europeu sem ter condições de efetivamente
ter uma cultura nacional, pois, de acordo com a mentalidade da época e que perdura até hoje, o
que tem origem no exterior sempre é visto como o melhor.
Stuart Hall nos faz entender a maneira como a cultura nacional é construída:
Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos [...]. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. (HALL, 2000, p. 50).
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A nova nação formada sob os moldes europeus não era alicerçada numa cultura
nacional, pois ela ainda estava em crise e em formação. A vastidão do território brasileiro, onde
conviviam os mais variados povos indígenas e africanos, fazia com que tudo acontecesse de
maneira isolada e fossem vistos com inferioridade.
Nesse aspecto é muito pertinente a contribuição de Peter Burke:
Talvez seja por essa razão que os estereótipos muitas vezes tomam a forma de inversão da auto-imagem do espectador. Os estereótipos mais grosseiros estão baseados na simples pressuposição de que “nós” somos humanos ou civilizados, ao passo que “eles” [os outros] são pouco diferentes de animais como cães e porcos, aos quais eles são frequentemente comparados, [...]. Dessa forma, os outros são transformados no “Outro”. Eles são transformados em exóticos e distanciados do eu. E podem mesmo ser transformados em monstros. (BURKE, 2004, p. 157).
Através do que autor expressa podemos também observar que os povos indígenas e
africanos, que contribuíram para a nossa formação cultural, mesmo após de passados 511 anos,
ainda figuram como sendo “os outros”, concebidos como objeto de pesquisa e não se encontram
devidamente incorporados dentro do contexto cultural.
O sentimento de se sentir um estrangeiro dentro da própria terra, como nos informou
Sergio Buarque de Holanda, faz com que as minorias sempre figurem no contexto social como
se estivessem numa UTI crônica. E daí podemos observar expressões como “o problema do
índio”, “o problema do negro”, o que é uma visão focalizadora de forma negativa e que reforça
o preconceito e a discriminação, colocando-os como causadores de problemas.
A partir desse princípio é possível perceber o resultado de um passado histórico
segregacionista, ou seja, o duradouro preconceito de que as minorias são um eterno obstáculo a
ser removido. Esse desprezo para com a cultura africana é, até hoje, reconhecido na África, pois
o escritor angolano Agualusa afirma que:
O Brasil vive uma contradição cultural fundamentada num inconsciente preconceito social. Ao mesmo tempo em que despreza a arte africana por considerá-la um produto da pobreza, o brasileiro tem seu cotidiano permeado por manifestações com raízes na África, como o samba, o carnaval e a feijoada. Já as criações norte-americanas, vistas aqui como sinônimo de status, são bem aceitas pelas pessoas, principalmente pelas elites (INFANTE, 2005 p. 01).
O estudo dos povos africanos não ocupou espaço no sistema de ensino vigente no Brasil
e o negro sempre foi visto como escravo e tudo o que de ruim isso representa. O escritor
Alberto da Costa e Silva, em seu depoimento na videoconferência “A África em nós e na sala de
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aula”, realizada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, informa-nos que a África
sempre esteve afastada dos estudos e das discussões no Brasil:
Posteriormente, eu fui para Lisboa e de repente abriu-se um mundo, que eu comecei a descobrir que a bibliografia sobre a África era enorme, que se escrevia extraordinariamente sobre a África, que a África estava nas universidades, que a África estava nas coleções das grandes editoras, que havia revistas dedicadas à história da África, e nada disso sabíamos no Brasil. Quer dizer, o Brasil, que era impregnado de África, não dava a menor importância à África. Existem países que não tinham a menor conexão com a África com estudos africanos desenvolvidos e nós não tínhamos. (ÁFRICA EM MIM, 2011).
Então, em verdade, esse sistema brasileiro de ensino foi usado como aparelho ideológico
do poder dominante no Brasil, no “culto à pátria”, e isso veio a contribuir para que não se
questionasse mais a presença das minorias, pois tudo era rigidamente controlado, e
violentamente reprimido pelos detentores do poder, visto que minoria sempre combinava com
rebeldia. Nesse sentido, a historiadora Marilena Chauí descreve a maneira como foram
transmitidos ensinamentos voltados ao “culto à pátria”:
Na escola, todos nós aprendemos o significado da bandeira brasileira: o retângulo verde simboliza nossas matas e riquezas florestais, o losango amarelo simboliza nosso ouro e nossas riquezas minerais, o círculo azul estrelado simboliza nosso céu, onde brilha o Cruzeiro do Sul, indicando que nascemos abençoados por Deus, e a faixa branca simboliza o que somos: um povo ordeiro em progresso. Sabemos por isso que o Brasil é um “gigante pela própria natureza”, que nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores e nossos mares são mais verdes. Aprendemos que por nossa terra passa o maior rio do mundo e existe a maior floresta tropical do planeta, que somos um país continental cortado pela linha do Equador e pelo trópico de Capricórnio, o que nos faz um país de contrastes regionais cuja riqueza natural e cultural é inigualável. Aprendemos que somos “um dom de Deus e da Natureza” porque nossa terra desconhece catástrofes naturais (ciclones, furacões, vulcões, desertos, nevascas, terremotos) e que aqui, “em se plantando, tudo dá” (CHAUÍ, 2000, p. 05).
Diante do que foi dito pela historiadora, podemos observar que o culto e o respeito à
pátria eram somente saber o significado das cores, cantar os hinos pátrios, desfilar no dia 7 de
setembro. Esses desfiles sempre contavam com a presença de alunos representando escravos
acorrentados, geralmente eles eram brancos e se pintavam com carvão. A princesa Isabel era
representada por uma menina branca, muito bem vestida. Às vezes, para dar mais dramaticidade
ao desfile, desfilava junto um feitor com o chicote em punho que entrava em ação em direção
aos indefesos escravos acorrentados que gemiam de dor.
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Essas encenações efetivamente não contribuíam de maneira positiva para a autoestima
de uma criança negra que observava essas cenas, tão comuns nas manifestações em
comemoração à Semana da Pátria. Aliás, essas encenações não eram obra da ficção, mas o que
tinha realmente acontecido com as minorias étnicas.
Segundo depoimentos de professores/as negros/as, o dia 13 de maio era uma tortura para
eles/as, pois sempre tinham que ouvir todas as crueldades feitas aos escravos, o que,
indiretamente, os atingia por causa do fator cor. A mensagem passada era a de que deveriam
estar sempre agradecidos/as à princesa que assinou a Lei Áurea, mas sem questionar a situação
do negro no período pós-abolição.
Enfim, exigia-se dos afro-brasileiros que sempre cultivassem o espírito de gratidão para
com o Brasil, pois, na ideologia da época, esse nosso paraíso tropical só foi possível graças aos
heróis, aos grandes vultos e aos governantes que governavam com “mãos de ferro” e com poder
militar às suas ordens. Era para amar o Brasil ou deixar o Brasil, dando origem à escrita de uma
História oficial, pois, se fosse escrita a historia real, os historiadores eram seriamente
perseguidos, tendo que pagar, muitas vezes, com a própria vida.
Segundo o historiador Alberto Lins Caldas (2011, p. 03), o ensino de História sempre
esteve atrelado a vários fatores:
O ensino de História sempre esteve ligado ao estado (aristocrata, democrático, ditatorial, eclesiástico, escravocrata, liberal, republicano, revolucionário), ao ensino daquele espírito de ‘moral e civismo’ que confirma a nação, suas políticas, territórios, línguas e povos, normalmente para confirmar a unicidade. É, antes de tudo, o ensino de um discurso legitimador, aquele que antes de tudo contribui para reforçar e tornar narrativo o ‘mito fundador’, sem precisar dizê-lo abertamente: a História é sempre em-nome (do rei, do estado, do povo, da nação, da política, da mídia). E a História, para a grande maioria dos professores, é uma fieira de ‘fatos’ objetivos ‘que realmente aconteceram’. E não pode ser diferente.
Todas as pessoas que estudaram nessa época do militarismo, e até recentemente, podem
relembrar que o ensino de História era de maneira parcializada e seguia o modelo acima
descrito. Quando eu estudava na 5ª série, gostava de folhear o livro de História, no tempo em
que ele não era dado pelo governo. Minha mãe, que era zeladora da escola, havia comprado o
livro para mim e para meu irmão, que estudávamos na mesma série, para que fizéssemos uso
dele. Muito me chamava a atenção de uma página inteira com uma pintura grande de Domingos
Jorge Velho acompanhado de capangas. O texto dizia que ele destruiu o quilombo dos Palmares,
mas nenhuma imagem constava do quilombo, muito menos de Zumbi.
Muitas informações sobre a História eu obtive com o meu avô. Ele sabia contar sobre
Arthur Bernardes, Getúlio Vargas e Isidoro Dias Lopes, e contava sobre a revolução de que ele
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tinha participado por volta da década de 1930. Meu avô – Francisco Fabrício dos Santos – era
um homem franzino, que nunca frequentou escola, mas aprendeu a ler com a vida e comprava
jornais para se manter informado. Ele nasceu no ano de 1905 e faleceu com 91 anos. Ele me
contava que a mãe dele, minha bisavó, tinha se casado aos doze anos, aos l4, ela que já era mãe
do filho mais velho e, depois, aos 15 anos ela deu a luz ao meu avô. Ele narrava em detalhes
como era o cotidiano da época, época em que as pessoas compravam só o sal, pois o resto dos
mantimentos tinha origem na localidade onde moravam. Ele também frisava que, na época das
guerras, tudo ficava muito difícil.
Eu sempre me interessava pela história dos escravos e sempre perguntei a ele sobre isso.
Rindo, me dizia o seguinte: A sua tataravó foi do tempo do cativeiro. Ela morava numa fazenda
no interior de São Paulo, num lugar chamado de São Manoel. Ela não era dona da fazenda, mas
trabalhava prestando serviços ao fazendeiro, cultivando terra, cuidando de animais, etc. E o seu
tataravô e a sua tataravó levantavam muito cedo. Iam se preparar para a dura tarefa diária de
trabalho. Então, eles faziam comida nas grandes panelas de ferro no fogão à lenha, cozinhavam
arroz, feijão com toucinho, carne seca. Deixavam tudo preparado, pois, quando os escravos e as
escravas passavam, tinham que, num “piscar de olhos”, jogar fora o angu que eles carregavam
nas caixas de comida, que muitas vezes cheirava mal, lavar as caixas, e substituir com a comida
feita. Nesse tempo eles ganhavam uma canequinha de café, outros preferiam uma “pinguinha” e
saiam contentes, mas, antes de sair, os escravos ajoelhavam no chão e agradeciam por tudo o
que eles faziam. Isso obrigatoriamente era feito às escondidas, pois, se eles fossem denunciados
aos fazendeiros, seriam severamente punidos.
Hoje eu me sinto feliz em poder ter acesso a essas informações, de ouvir esse fato e
também outros, que eram história de pessoas comuns, como nós próprios. Era uma forma de
compensar o saber que eu não tinha através do livro didático. E também me sinto gratificado de
ter sido iniciado na temática da cultura africana e afro-brasileira pelo que recebi de herança de
meus antepassados, e não por força de lei. Naquela época eu estava tendo lições sobre a
diversidade fundamentadas na micro-história.
Nas últimas décadas, a visão macro da História, fundamentada em entender os fatos
históricos a partir dos campos político, econômico e social, foi repensada e surgiram novas
formas de abordagem da História, com objetivo de se ter um entendimento mais global das
sociedades humanas. Essas novas abordagens se fizeram necessárias porque, num mundo de
rápidas e espantosas mudanças, onde as liberdades individuais foram gradativamente
garantidas, após lutas e reivindicações dos movimentos organizados, não era mais possível
conviver com um modelo de História ultrapassado e contraditório.
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Os questionamentos no campo da História contribuíram para mais uma modificação, que
foi o surgimento da História Cultural, a qual se caracterizou pela superação das fronteiras e das
limitações.
A História Cultural faz uso de diversas fontes históricas ligadas à manifestação cultural,
e estabelece parceria com a Antropologia, com a Literatura e com a Arte, e analisa a cultura de
determinada época e lugar. Nesse sentido, a História Cultural contribui com a História,
oferecendo possibilidades em forma de pesquisa e na construção da própria historiografia.
Sandra Jatahy Pesavento (2003, p. 07) nos informa:
A História Cultural corresponde, hoje, a cerca de 80% da produção historiográfica nacional, expressa não só nas publicações especializadas, sob a forma de livros e artigos científicos, como nas apresentações de trabalhos, em congressos e simpósios ou ainda nas dissertações e teses, defendidas e em andamento, nas universidades brasileiras.
A História Cultural, na visão da micro-história, permite que o historiador revele (no
sentido da palavra, de tirar o véu) a História, pois, quando os problemas sociais são ocultados,
eles sempre continuam sem solução.
A espontaneidade é traço essencial de cultura. Os homens de cada nação escolhem
livremente como querem viver. Por isso mesmo, colonizar significa causar uma ruptura ao
preestabelecido impondo um sistema de vida alheio ao vivenciado até o momento. Assim
aconteceu com os povos indígenas no Brasil, que tiveram suas culturas sentenciadas de morte
pelos colonizadores.
Com base nesses pressupostos, a História alicerçada num modelo eurocêntrico precisa
ser revista, pois o território brasileiro se caracteriza pela diversidade cultural. Ainda existem
234 povos indígenas falantes de mais de 180 línguas diferentes, realidade essa ignorada pela
grande maioria dos brasileiros. Também há de se considerar o fato de existirem, vivendo no
território brasileiro, mais de 40 povos indígenas considerados como isolados e que não têm
contato com as comunidades não indígenas que os cercam.
Além da diversidade de povos indígenas que vivem no território nacional, contamos
com presença dos povos africanos escravizados no Brasil. O Brasil é considerado o segundo
país de população negra no mundo, atrás da Nigéria. Nesse sentido, o historiador Wilson do
Nascimento Barbosa (2006, p. 05) nos informa que,
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Das cento e sessenta e quatro nações de negros africanos e índicos hoje conhecidas, mais de duzentas ao início da colonização européia, vieram os imigrantes que deram origem ao negro brasileiro. Aqui eles se constituíram não mais como mouros, haussás, bambaras ou sombas; não mais como damaras, kikuyos ou xongas. Suas nações originais foram dissolvidas numa comunidade de despossuídos. Esta comunidade, por sua vez, em diferentes quadros geo-econômicos, caldeou sua própria etnia, cultura e civilização, com base na experiência de milênios de África, nas novas condições do escravismo luso-americano.
Todos os brasileiros são herdeiros de tradições africanas, pois a sociedade brasileira não
foi só indígena, não foi só branca, ela também é africana porque aqui chegaram da África etnias
que foram se adaptando através do mundo adverso que encontraram no território brasileiro.
Através deste encontro cultural, os povos africanos foram se reinventando e construindo sua
nova identidade. Essa aculturação, imposta a preço de sangue, não pode ser retratada como se
fosse um encontro harmonioso, noção desenvolvida no senso comum, como o que preconiza o
mito das três raças de Darcy Ribeiro, em que a cultura e sociedade brasileira é fruto da mistura
das raças europeia (portuguesa), africana e indígena.
A historiadora Marilena Chauí esclarece que o mito se desenvolve-se no sentido
antropológico ao dizer que houve uma “[...] solução imaginária para tensões, conflitos e
contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade”
(CHAUÍ, 2000, p. 05).
O enfoque mitificado simplifica e também silencia toda uma discussão sobre as etnias
que contribuíram para a formação de nossa cultura. Continuar ignorando essa realidade é deixar
que a realidade de preconceito e de discriminação continue a predominar e a escola, como
espaço de produção do conhecimento, não pode repassar os estereótipos cristalizados sobre
índio e negro idealizados e romantizados.
Considerando os aspectos culturais dos povos, faz-se necessária uma abordagem
histórica de acordo com a História Cultural que, segundo Sandra Pesavento,
Em termos gerais pode-se dizer que a proposta de História Cultural seria pois, decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas imagéticas pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo. Torna-se claro que este é um processo complexo, pois o historiador vai tentar a leitura dos códigos de outros tempos, que podem se mostrar por vezes incompreensíveis para ele, dados os filtros que o passado interpõe. Este seria o grande desafio da História Cultural que implica chegar a um reduto de sensibilidades e de um investimento de construção real que não são os seus do presente. A rigor o historiador lida com uma temporalidade escoada, com o não visto, o não vivido que só se torna possível acessar através de registros e de sinais do passado que chegam até ele. (2005, p. 42).
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A concepção positivista da historiografia brasileira sempre demonstrou especial
atenção aos chamados “heróis nacionais” e os povos indígenas e africanos, que também
contribuíram para a nossa formação cultural, foram mantidos afastados das análises e da
discussões, e são vistos como um eterno obstáculo a ser removido.. Não se trata de substituir os
heróis brancos por heróis indígenas ou negros, nem mudar o foco eurocêntrico para
afrocêntrico, mas, sim, desconstruir a abordagem romântica de um índio e de um negro que, na
mistura das raças, fez surgir o povo brasileiro. Quanto a isso, Roberto DaMatta (1991, p. 59)
expressa o seguinte:
Outra indagação freqüente pode igualmente surgir no conjunto de perguntas sobre as raças formadoras do Brasil, com todas aquelas indagações já conhecidas desde o tempo da escola primária, mas que misteriosamente persistem no nosso cenário ideológico, perguntas que fizeram respeito a uma confirmação científica da ‘preguiça do índio’, ‘melancolia do negro’ e a ‘cupidez’ e estupidez do branco lusitano, degredado e degradado.
Nesse sentido, o mais correto seria falarmos em “culturas brasileiras”, aos invés de
“cultura brasileira”, dada a pluralidade étnica que contribuiu para a nossa formação cultural. O
ensino da diversidade étnico-racial terá bons resultados se estiver ligado a elementos da
realidade vivenciada. Os alunos querem se sentir envolvidos no processo e, ao participarem,
podem ajudar a repensar os posicionamentos tradicionais que incorrem numa abordagem
parcializada, estabelecendo um protótipo de índio e de negro. Pela visão de senso comum, o
índio é aquele indígena do Xingu, que anda nu com o corpo pintado de urucum, usando penas e
lutando no quarup. O negro é aquele que luta capoeira em Salvador. A negra é aquela baiana
que vende acarajé.
Essa visão estereotipada faz com que não sejam vistos e nem considerados como índios
os guaranis ou os kaingangs (caingangues) que vendem artesanatos nas cidades da região Oeste
e que acampam nas proximidade das rodoviárias em situações de extrema pobreza.
Isto também acontece com o negro, que obrigatoriamente tem que cumprir uma imagem
preestabelecida que obrigatoriamente tem que ser de candomblé, lutar capoeira e comer acarajé,
correspondendo à imagem que a mídia passa sobre o negro baiano.
O mesmo acontece quando se discute “quilombo”, assunto que já traz à mente “Serra da
Barrica”, “Zumbi” e “Domingos Jorge Velho”.
Quando se discute a presença negra no Paraná e se constata que existem 86
comunidades remanescentes de quilombos, isso nos impulsiona a desfazer a visão palmarina e
ficarmos abertos a outras realidades. Essas comunidades são compostas de pessoas comuns,
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pessoas que resistem para conseguir o espaço e que não necessariamente ocuparam terras de
maneira aleatória, mas as receberam de herança, comprovada com documentação.
Sob esse enfoque, o ensino de História dos quilombos não se manifesta atrelado à
aristocracia, num discurso legitimador das ideologias dominantes, mas dá especial atenção à
realidade das minorias que foram ocultadas, não significando isso, contudo, a sua inexistência.
Adotamos aqui o conceito de quilombo definido pela Associação Brasileira de
Antropologia (ABA),
Quilombo tem novos significados na literatura especializada, também para grupos, indivíduos e organizações. Ainda que tenha conteúdo histórico, vem sendo ressemantizado para designar a situação presente dos segmentos negros em regiões e contextos do Brasil. Quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de população estritamente homogênea. Nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados. Sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e na reprodução de modos de vida característicos, e na consolidação de território próprio. A identidade desses grupos não se define por tamanho nem número de membros, mas por experiência vivida e versões compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade como grupo. Constituem grupos étnicos conceituados pela antropologia como tipo organizacional que confere pertencimento por normas e meios de afiliação ou exclusão. (O’DWYER apud CRUZ, 2007, p. 4).
Para a expressão remanescentes de quilombos utilizamos aqui o conceito expresso no
Decreto Federal nº 4887/2003, não apenas para afirmar sua legitimidade, mas também por levar
em consideração outro conceito importante para a compreensão dos territórios de maioria afro-
brasileira, ou seja, o conceito de ancestralidade. Assim, remanescentes de quilombos são
compreendidos como “[...] os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida” (Decreto
Federal nº 4887/2003, artigo 2°).
A história dos negros no Sul do Brasil costumava ser abordada como inexpressiva, quase
ausente, onde prevaleceu uma supervalorização da cultura europeia. No Paraná, Rocha Pombo
enfatizou que a “[...] composição étnica européia foi fator de progresso para o município”
(NASCIMENTO, 2010, p. 54). Segundo ele:
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Aos estrangeiros que tem encontrado naquela terra devemos o concurso mais esforçado e mais eficaz, que um país pode esperar da imigração. As colônias mais numerosas e importantes, são a portuguesa, a alemã e a italiana. A essas colônias cabe uma parte notável no progresso do Paraná [...] muito devemos também aos imigrantes de outras nacionalidades, menos notáveis pelo número, mas tão operosos e dignos de nossa fraternidade como aqueles (ROCHA POMBO apud NASCIMENTO, 2010, p.02).
Durante três séculos e meio a população negra não só ajudou a construir o Brasil, como
firmou os alicerces econômicos para a industrialização mas nem sempre ela recebeu o
reconhecimento,e a atenção merecida.
Antonio Braz da Silva (2010), quanto à presença negra no Paraná, reflete sobre
informações como a seguinte:
Em 1853, quando ocorreu a emancipação política do Paraná, 40% da população do Estado era composta por negros. Hoje, segundo dados do IBGE, eles representam 28,5%, o que confere ao Paraná a maior população negra do Sul do país. A visão de um Paraná sem a existência de população negra vem sendo substituída pela realidade de uma cidadania tardiamente reconhecida, para compor o território paranaense.
A citação acima nos informa que o Paraná é o maior Estado de população negra no sul
do país, e isto é um fator importante para que seja valorizada a presença negra no Paraná dentro
do ambiente escolar e na sociedade em geral.
Nada menos que 86 comunidades negras, chamadas de quilombolas, foram
identificadas no Paraná depois que a Secretaria Estadual de Educação realizou, em 2004, um
primeiro encontro de educadores negros e negras.
Muitas comunidades vivem em extrema pobreza e não têm acesso a políticas públicas,
saúde, educação, transporte, estradas ou saneamento básico.
O município de Adrianópolis, pertencente à região metropolitana de Curitiba, distante
130 km da capital, ilustra muito bem essa realidade. O referido município possui 13
comunidades quilombolas, sendo oito reconhecidas e nenhuma titulada e está entre os
municípios de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país.
O historiador Glauco Lobo e a professora Clemilda Santiago Neto formaram o Grupo
de Trabalho "Clóvis Moura", responsável pelo diagnóstico social das comunidades
remanescentes de quilombos no Paraná. Segundo eles:
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O governo do Paraná procura apagar a nódoa que oculta as comunidades quilombolas, tradicionais comunidades negras e terra de negros no Estado do Paraná, historicamente escondidas e não reconhecidas por todos os governos que antecederam ao atual. O governo está ouvindo os quilombolas, o que é inédito na história do país, para que, a partir de agora, essas comunidades possam se desenvolver com mais segurança, com seus direitos de cidadania garantidos. (PARANÁ, 2006).
Pode-se constatar que, juntamente com a vontade política do governo, está presente a
vontade popular, da escola, que está incluindo nos conteúdos a história dos grupos minoritários,
como remanescentes de quilombolas e indígenas. Essa vontade política e popular se expressa na
disponibilização dos resultados de pesquisas, com com dados e informações a que os
professores podem ter acesso e repassar para os alunos, e também têm ocorrido cursos de
formação através da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.
A partir das reivindicações das comunidades rurais e urbanas negras e do movimento
negro, a Constituição Federal de 1988 assegurou a esse segmento da sociedade brasileira o
direito à propriedade de suas terras, mas, na realidade, ainda há muito que avançar na conquista
dos seus direitos, pois a situação das comunidades quilombolas no Brasil se caracteriza pela
vulnerabilidade, isto é, se encontra fragilizada por várias ações que promovem a expulsão da
população do meio rural, particularmente dos povos e das comunidades tradicionais, numa
escala que virá a ser contabilizada na casa dos milhões de pessoas. Um aspecto importante é
saber que, para os remanescentes de quilombos, existem valores que diferem do modo de pensar
da ótica capitalista, onde terra figura apenas como uma fonte de lucro, pois, para eles, ela é um
patrimônio cultural. A terra, para eles, é a sua casa, o lugar onde nascem, crescem e
desenvolvem as suas diferentes formas de vida.
Atividade do GTR – Grupo de Trabalho em Rede
As atividades do GTR – Grupo de Trabalho em Rede – transcorreram da melhor forma
possível porque todos os inscritos demonstraram muito interesse e sensibilidade com os
assuntos relacionados à cultura africana e afro-brasileira e, já no início do curso, disseram que
gostariam de dar prosseguimento aos estudos investindo na pesquisa para ampliar os horizontes
sobre a temática.
Um curso sobre a cultura africana e afro-brasileira tem uma característica própria, pois
trabalha com várias linguagens, pois está muito ligado à arte, à expressividade, sendo que todos
os professores, de uma maneira ou de outra, já tiveram o contato com o tema participando de
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cursos, de seminários e fizeram atividades com os alunos na escola. E isso é feito com muita
luta e sacrifício, pois, apesar da obrigatoriedade da lei, dos cursos oferecidos, da influência dos
meios de comunicação social, etc., não significa que toda a comunidade escolar esteja motivada
e preparada para abordar os assuntos na prática pedagógica e isso gera, muitas vezes, conflitos e
desencontros. Esse aspecto foi uma constante durante o transcorrer do curso, no qual
professores reclamavam que tinham que realizar as atividades sozinhos e não tiveram apoio dos
colegas. Assim, não pouparam palavras para criticar e desabafar, considerando que o curso era o
único lugar onde havia alguém disponível para ouvir tudo o que tinham para dizer, e que,
muitas vezes, traziam há muito tempo guardado dentro de si. Isso foi, porém, gradativamente
desaparecendo a partir do momento em que os professores foram se sentindo mais seguros e
foram atendidos individualmente de acordo com a realidade vivenciada.
Esse aspecto foi muito útil para exemplificar e esclarecer que a cultura africana e afro-
brasileira não requer autodidatismo, mas, sim, um grande interesse em investir na pesquisa para
que o professor saiba se conduzir de maneira segura e obtenha êxito nas atividades a serem
desenvolvidas.
O Projeto de Implementação Pedagógica e o Material Didático obtiveram a aceitação de
todos e não foram poupados elogios e palavras de reconhecimento, como também de
agradecimento, pois tudo o que foi pesquisado veio ao encontro do que precisavam para
trabalhar com seus alunos nas salas de aula.
Um aspecto que muito me chamou a atenção foi o bom relacionamento entre os cursistas
e também o meu com o Tutor. Nos fóruns, ninguém citou sequer uma palavra ofensiva aos
colegas e sempre tentavam dialogar da melhor maneira possível.
Da localidade de São Miguel do Iguaçu participaram três professoras, e eu, em relação a
elas, desde o início do curso tinha muito interesse em conhecê-las para poder conversar, como
também para poder sentir como as escolas daquela localidade estavam se relacionando com a
Comunidade de Apepu.
Então, entrei em contato indagando sobre a possibilidade de poder ir até as escolas onde
elas trabalhavam para desenvolver atividades sobre a cultura africana e afro-brasileira. Elas
ficaram muito contentes com a minha intenção e me receberam da melhor maneira possível.
Assim, pude ficar dois dias trabalhando com alunos de vários cursos e de turmas diferentes.
Tudo foi favorecido pela Copa do Mundo que estava sendo realizada na África do Sul.
Após fazermos as discussões teóricas sobre vários assuntos, como a diversidade de
povos e culturas na África, o mito das três raças e a identidade cultural, passamos para a parte
prática de desfile e dança. Essas discussões foram muito úteis para que as atividades sobre a
cultura africana e afro-brasileira não figurassem de forma folclorizada. Logo após, fizemos um
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desfile com roupas inspiradas na indumentária africana. E todos os professores e alunos
dançaram e desfilaram num clima de descontração e alegria.
No sábado, nós fomos até a Comunidade de Apepu, eu, a Prof. Cíntia, a Prof. Dilma e
também um rapaz para fazer a filmagem da entrevista que iríamos fazer com os membros da
comunidade.
Todas essas atividades foram documentadas através de fotografias e de filmagem e isso
permitiu que a escola participasse de um concurso sobre a educação quilombola, onde
obtiveram uma excelente classificação.
No curso do Magistério estava presente a Sirlei, que é neta da D. Aurora, líder da
Comunidade de Apepu. Ela demonstrou interesse em utilizar as roupas das atividades para que a
Comunidade de Apepu desfilasse no dia 7 de setembro. As roupas foram doadas para a
comunidade, e eles fizeram um lindo desfile, que foi fotografado, trazendo alegria a todos os
membros da comunidade.
Projeto de Implementação Pedagógica
Logo no início do 3º bimestre, por ocasião da semana pedagógica, os professores PDE
tiveram a oportunidade de expor aos professores o projeto de implementação.
Um dos temas que chamou atenção dos professores foi “Remanescentes de Quilombo
no Paraná - Comunidade de Apepu”, pois ninguém tinha conhecimento de que, no município
situado próximo a Toledo, existia uma comunidade reconhecida como remanescentes de
quilombo. Nos dias seguintes, os professores vinham conversar comigo para que eu os
auxiliasse na execução das atividades da Semana da Consciência Negra.
O Projeto de Implementação Pedagógica é um desafio que requer muita atenção, pois,
quando estamos pesquisando, vivenciamos a parte teórica de pesquisa, mas, quando estamos
diante dos alunos, são eles que irão nos fornecer as pistas para podermos aplicar nossa pesquisa.
Por isso, essa sintonia é de suma importância para o trabalho não figurar como mais um
conteúdo a ser estudado para valer nota.
O trabalho do professor-pesquisador torna-se importante e eficaz para vencer essa
etapa, pois é necessário transcender a erudição e comprovar, na prática, o que foi pesquisado.
Isso também acontece com o trabalho dos professores: eles querem algo prático para ser
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aplicado em sala. E foi muito gratificante poder ver que existem muitos professores interessados
em trabalhar a cultura africana e afro-brasileira.
Através da atividade prática é que se pode avaliar todo um processo de construção de
uma teoria direcionada aos alunos, mas isso não significa que eles estão preparados para aceitar
essa proposta. Quando eu voltei para a escola e fui implementar o projeto numa sala de aula de
5ª série, eu não encontrei “aluninhos quietinhos e sedentos do saber”, mas uma sala que me
desafiou e que assim se comportou talvez porque era composta de alunos de idade diferenciada,
alunos reprovados e, também, jovens em situação de risco e vulnerabilidade social, o que
dispensa maiores comentários sobre o tipo de comportamento deles em sala.
No primeiro dia de aula, a sala estava muito agitada. Eu entrei na sala e praticamente
todos os alunos estavam conversando muito alto, uns jogando bolas de papel nos outros, e assim
permaneceram alguns minutos ignorando a minha presença. Eu permaneci na frente da sala,
esperando a turma ficar calma, mas parecia que isso nunca aconteceria.
Como eu tinha entrado na sala com uma touca de listras coloridas, para me identificar
como um professor de História que trabalhava a cultura africana e afro-brasileira, um aluno
olhou e apontou para mim e disse: “- Olha o Bob Marley”. Apesar de eu não ter na aparência
física nada que lembre o Bob Marley, eu agradeci a ele por me chamar de Bob Marley, e disse
que ele foi um artista que lutou contra o preconceito e a discriminação, pois o pai dele era
branco e a mãe era negra. Dessa forma, ele recebeu resistência para aceitação de sua pessoa,
tanto pelos brancos quanto pelos negros. Eu também disse que iria trazer, na próxima aula, as
frases ditas por Bob Marley. Assim o aluno, rindo em tom de sarcasmo, disse que Bob Marley
gostava de fumar maconha. Então eu disse a ele que, além disto, Bob Marley fazia muitas
outras coisas, que cantava muito bem, que era inteligente e que, na próxima aula, eu traria uma
fotocópia da foto de Bob Marley para cada um e também várias frases dele. Após, eu perguntei
quem gostaria de receber as fotocópias e disse que, como tarefa, eles teriam que fazer um
comentário sobre as frases. Dessa forma, prontamente, todos levantaram a mão. Continuando a
minha explicação, disse que todos precisavam se informar mais a respeito do Bob Marley, disse
também que ele demonstrou resistência contra a opressão escrevendo muitas frases, como esta:
“Nós nos recusamos a ser o que você queria que nós fôssemos. Somos o que somos, é assim que
vai ser. Você não pode me educar" (MARLEY, 2011).
Quando eu escrevi no quadro a frase e li em voz alta com todos, eu fiz a seguinte
indagação: “Por que Bob Marley disse isto?” Daí surgiram várias ideias e a sala toda participou
da explanação de maneira não muito democrática, porque cada um parecia ser dono da verdade.
Esses momentos figuraram como uma oportunidade de desabafo, momentos nos quais os alunos
criticaram a estrutura da escola (estrutura que carece de reformas) e criticaram professores, mas
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não lembraram de olhar a si próprios. Isso foi o ponto de partida para que eu fizesse uma
reflexão sobre o legado africano, no qual os africanos que foram escravizados chegaram ao
Brasil e não tiveram acesso a escolas, não tinham livros, mas conseguiram transmitir para nós o
que foi possível da cultura africana.
Eu continuei explicando e, nessas alturas, a sala já tinha voltado à calma e então podia
dar continuidade à aula. Neste momento eu senti, na realidade, a necessidade de dispensar
especial atenção ao conhecimento adquirido pelo aluno. Se, no momento inicial, eu respondesse
em tom de censura que “o meu assunto não era Bob Marley”, e que obrigatoriamente eles
teriam que prestar atenção no que eu iria dizer, não teria ganhado a atenção nem a simpatia
deles. Dessa forma, certamente, a implementação do projeto estaria seriamente comprometida.
O professor deve valorizar o que os alunos já sabem. Eles podem não saber tudo ou podem não
saber o correto, mas é a única coisa que eles possuem e sentem orgulho de saber alguma coisa.
Cabe à escola, a partir desse conhecimento concreto dos alunos, efetuar a ligação ao
conhecimento universal que é veiculado pela educação.
O material didático contribuiu para tornar a aprendizagem mais dinâmica porque
possibilitou a participação dos alunos na execução das atividades propostas. Ainda, através da
interdisciplinaridade, o conteúdo não ficou isolado, mas correlacionado, o que possibilitou a
compreensão da temática. A correlação foi possível porque não houve uma ênfase nos
compêndios, mas, sim, o uso de muitos veículos de comunicação além dos compêndios. O
material didático foi elaborado como uma unidade didática, seguindo o modelo de folhas, que
se caracteriza por ser direcionado especificamente ao aluno.
O enfoque foi interdisciplinar, no qual a História trabalhou em conjunto com Língua
Portuguesa e Artes. O clima, ainda, foi propício, pois era véspera de novembro, oportunidade
em que já estavam desenvolvendo atividades para a semana da Consciência Negra, em 20 de
novembro.
Para dar início às atividades propostas no material didático, foi discutido o significado
do nome “África” e, também, teriam que responder à seguinte indagação: “Qual é a imagem
que você tem da África?”. Eles teriam que desenhar o mapa da África com uma grande
interrogação dentro, e comentar, por escrito, sobre as informações que eles tinham a respeito do
continente africano.
Muitos responderam que a África era “terra de gente macumbeira”, que lá tinha
crianças muito magras que passavam fome, que era um povo sofrido, mas que gostavam de
cantar e dançar, que lá tinha muita festa e dança e era parecido com o Brasil.
Através dessa atividade já se pôde iniciar um processo de desconstrução dos
estereótipos que os alunos possuíam sobre o continente africano e, também, a discussão sobre o
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significado de diversidade. Isso se reflete na alimentação, nos usos e costumes e permitiu
analisar a diversidade dentro da realidade da sala de aula, onde os alunos foram, um a um,
relatando as suas origens étnicas, atividade essa realmente surpreendente, pois os alunos sabem
contar sobre suas raízes. Na sala de aula havia alunos descendentes de espanhóis, de alemães,
poloneses, de italianos, de indígenas, de mexicanos, etc.
Depois que todos se apresentaram, eu disse que os alunos brancos eram diferentes
entre si e que nem todos eram descendentes do mesmo país de origem, e que o mesmo acontecia
com quem era descendente indígena ou africano.
Na sala de aula havia dois alunos negros, mas um veio do Rio Grande do Sul e o outro
nasceu no Paraguai. Então nós passamos a analisar a diferença de origem entre os dois, já que
eles, por serem negros, não tinham a mesma identidade cultural. O aluno que veio do Rio
Grande do Sul me disse que sua mãe pertence à umbanda e faz trabalhos na casa dela. Se eu
precisasse de alguma coisa, ele me informaria o número do celular dela para que eu marcasse
“uma consulta” com ela. E eu agradeci e disse que era muito bom saber que a sua mãe era da
religião afro-brasileira e disse a ele que, quando ela tivesse tempo disponível, era para ela vir
até a escola para conversarmos sobre o assunto, para marcarmos uma entrevista com ela.
Entretanto, ela viajou para o Rio Grande e não foi possível.
Isso me fez refletir sobre a importância de demonstrar alteridade na prática
pedagógica. Se eu tivesse tecido ou permitido que os alunos fizessem algum comentário
pejorativo demonizando a religião afro-brasileira, já teria causado um grave problema.
Essas análises favoreceram as discussões sobre cultura e identidade cultural,
estendendo-se até o mito da democracia racial. Eu estava explicando sobre o mito da
democracia racial, falando dos povos indígenas e africanos e um aluno levantou o dedo e disse
que sua bisavó “era bugre e foi pega a laço no mato”. Por isso eu, imediatamente, fiz o seguinte
questionamento: “Será que o mito da democracia racial não era contraditório? Isto porque, se
sua bisavó foi pega a laço como você disse, como isto evidenciaria democracia? Porque quem é
pego a laço são só animais. Será que ela só foi pega a laço ou foram feitas mais crueldades com
ela? Quais seriam os motivos que fizeram ela fugir para o mato se esconder?”
Foi a partir desse momento que foi possível discutir conceitos que pareciam estar
longe do entendimento dos alunos, e isso oportunizou refletir sobre o que também aconteceu
com os povos africanos escravizados no Brasil, em que, segundo a História Oficial, eles, para
demonstrar resistência à escravidão, iam ficando tristinhos e ficavam doentes de uma doença
chamada “banzo” e dá por encerrado tudo o que de ruim eles padeceram. Então, foi concluído
que essas explicações mitificadas foram construídas para que se perpetuasse a exploração, pois
sempre esteve tudo muito bem para os exploradores e muito mal para os explorados.
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Essas discussões possibilitaram ir aprofundando cada vez mais dentro da temática
proposta, no sentido de desconstruir ideias já cristalizadas sobre o quilombo. Só que, quando se
fala em Zumbi, os alunos riem muito e dizem terem assistido muitos filmes de “zumbis”. Daí
volta-se novamente à árdua tarefa de fazer a releitura das mensagens dos meios de comunicação
social, que influenciam sobremaneira a mente dos alunos.
Nesse ponto eu expliquei a eles o significado do nome de Zumbi, ligado a Nzambi que
significa “Deus” e não tem nada a ver com o que passa nos filmes. Zumbi foi um líder negro do
Quilombo dos Palmares e as lideranças africanas eram ligadas à crença do poder ancestral,
como alguém que foi mandado à Terra pela vontade da força maior, traduzida como Deus ou
deuses, muito ao contrário da visão que o povo brasileiro tem hoje de certos representantes.
Foi trabalhada também a ideia da força do poder ancestral na cultura africana e foi
feita uma comparação com o Cristianismo, em que os cristãos acreditam nas palavras de
pessoas que viveram num passado distante, como, por exemplo, Jesus, com suas palavras
escritas na Bíblia. Também acreditam em Abraão, Moisés, José, que viveram há muitos anos, e
que ainda hoje são vistos como exemplos para serem imitados.
Quando passamos a estudar sobre a Comunidade de Apepu, foi feita a leitura do texto
no material didático, e os alunos ficaram muito interessados em conhecer mais sobre a realidade
das pessoas que vivem numa comunidade que está situada próxima ao Parque Nacional do
Iguaçu.
Primeiramente fizemos uma reflexão sobre os depoimentos dos membros da
comunidade e, posteriormente, assistimos à entrevista gravada em CD, com 30 minutos de
duração.Os alunos se interessaram bastante sobre a realidade da vida das pessoas da
comunidade, mas acharam que eles não falavam um português correto, e que moravam em
casas muito pobres, e, por conseguinte, não eram pessoas apropriadas para figurarem no cenário
histórico, pois isso, segundo o pensar deles, cabia somente a pessoas ricas, famosas e que
podiam ter história.
O fato de alguns alunos pensarem assim é devido ao fato de eles terem sentido uma
identificação muito grande deles próprios e dos seus próprios familiares com os membros da
comunidade, porque são pessoas comuns. Então nós passamos a discutir a realidade em que
vivemos, realidade em que as pessoas comuns permanecem afastadas da história e que, no
contexto social, não possuem destaque. Elas também não se veem representadas nos espaços
que refletem a memória das comunidades, como nos monumentos públicos, por exemplo.
Concluindo, foi chamada a atenção para o fato de que nós, da classe trabalhadora,
também podemos dedicar especial atenção à nossa história, pois, se ela é vivenciada por nós,
nós também temos o direito de escrevê-la.
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Todas as reflexões que fizemos sobre as narrativas dos membros da Comunidade de
Apepu serviram para que nós identificássemos características próprias de comunidades
remanescentes de quilombos, que não sofreram a ação desgastadora do tempo.
A vida em contato com a adversidade das florestas foi uma característica que
permanece presente até nos dias atuais. O clima de acolhimento, de carinho e atenção faz
qualquer pessoa que visite a comunidade se sentir em casa. O pensamento positivo é um outro
fator visível em todas as expressões e o fator fatalista, negativo, não se fez presente nas
narrativas.
O fato de os membros da comunidade já estarem avançados na idade e não
frequentarem a escola não impediu que eles estabelecem um diálogo e nem impediu que
fizessem o relato da história do passado, conjugando o passado com uma análise sobre a visão
do futuro, para as novas gerações. Um dos fatores que me chamou atenção foi o fato da D.
Aurora falar que seu pai dizia que a terra que eles possuíam era para criar os filhos longe das
drogas. Isso evidencia que eles tinham uma visão do futuro a respeito da comunidade e que,
apesar de tantas dificuldades, eles conseguiram resistir e vencer e conseguir o seu espaço.
As atividades desenvolvidas com os alunos transcorreram num clima de receptividade
e sob uma abordagem positiva da cultura africana e afro-brasileira. As palavras de Graça
Machel, esposa de Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, dizendo que “A África não
é mais ‘cicatriz’ do mundo!”, vêm nos impulsionar cada vez mais a ter uma abordagem
pedagógica com uma visão positiva da África e de nós próprios, porque nós também estamos
ligados culturalmente com a África (CORREIA, 2010, p. 01).
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