da escola pÚblica paranaense 2009 - … · na madeira que geme, estÃo na Água que flui, na Água...
TRANSCRIPT
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
FOLHAS
REMANESCENTES DE QUILOMBO NO PARANÁ, COMUNIDADE DE APEPU EM SÃO MIGUEL DO IGUAÇU
TOLEDO
2010
2
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Núcleo Regional de Ensino: Toledo PR.
Nome da Orientadora: Prof. Ms. Carla Cristina Nacke Conradi
Nome do Professor: Norberto Fabrício dos Santos
Email: [email protected]
Nível de Ensino: Ensino Fundamental
Disciplina: História
Título: Remanescentes de Quilombo no Paraná, Comunidade de Apepu em São Miguel do
Iguaçu
Relação Interdisciplinar 1: Português
Relação Interdisciplinar 2: Educação Artística
Conteúdo Estruturante: Relações de Poder
Conteúdo Básico: Os sujeitos e suas relações sociais no tempo
Conteúdo Específico: Cultura Africana e AfroBrasileira
3
SUGESTÕES DE ATIVIDADES
Hoje em dia no Brasil muito se fala em cultura africana e afrobrasileira e,
consequentemente, quilombos, remanescentes de quilombos, quilombola etc. Mas será que as
pessoas sabem realmente a origem e o significado desta palavra e sabem identificar estas
comunidades no Brasil, Paraná, ou na região onde vivem?
O Brasil é o segundo país de população negra no mundo, mas como os brasileiros
imaginam a África? Faça um desenho em seu caderno com a seguinte indagação: Qual é a
imagem que você tem da África?
FIGURA 01: Imagem da África
4
Fonte: Montagem do autor (2010).
TEXTO 01
O litoral norte africano foi chamado, primeiramente, de Lybia pelos gregos ou país dos
Lebu. Os romanos passaram a chamar o local de África, nome que veio a designar
posteriormente, o conjunto do continente. Mas qual a origem desse nome?
QUADRO 01: Texto sobre a África
“A palavra África, assim como os povos africanos, tem muitas histórias para contar. Aqui estão sete versões diferentes para explicála:
•a palavra África teria derivado do nome de um povo que vivia ao sul de Cartago: os afrig: daí os termos Afriga ou África para designar a região dos afrig.
•a palavra é retirada do termo fenício Pharikia, que significa “região das frutas”.
•o vocábulo provém do latim aprica, que quer dizer “ensolarado” ou do grego apriké, “sem frio”, pelo fato de ser quente o vento que soprava na Grécia e em Roma quando vinha do lado desse continente.
•em sânscrito e híndi, a raiz apara ou áfrica quer dizer o que está situado “depois”, ou seja, o Ocidente.
•dizse também de um chefe árabe chamado Africus teria invadido o norte do continente no ano 2000 a.C. e fundado uma cidade chamada Afrikyah.
• o termo vem de Afer, neto de Abraão.
•deriva da raiz fenícia faraga, que quer dizer separação, diáspora.”
Fonte: Campos (2002).
Atividades:
01) Como vimos, a origem da palavra África tem pelo menos sete versões diferentes. Pesquise
também qual a origem do nome dos outros continentes.
5
02) Como é a África? Elabore uma lista de informações que você possui sobre esse
continente. Enquanto você estiver pensando sobre isto, você pode fazer um desenho em forma
de grafite com as palavras África e Brasil. Use a criatividade.
FIGURA 02: África e Brasil
Fonte: Elaborado pelo autor (2010).
03) Como o Brasil era chamado antes da chegada de Cabral? E qual a origem desse nome?
04) Você pode também fazer uma apresentação teatral sobre os antigos reinos africanos. É
só dividir os alunos da sala em equipes, e cada equipe representar um reino. Ao entrar no
palco os alunos falam: “Estamos vindo do reino do ......, onde existem riquezas,
comércio, ...........”(e permanecem no palco).Quando todos os reinos se apresentarem,
podem falar todos juntos: “Estamos saindo de um sistema de ensino montado sob os
6
auspícios do positivismo, que sempre manteve afastado das discussões as minorias étnicas.
Onde o índio e o negro sempre foram relegados a segundo plano figurando como um
eterno obstáculo a ser removido.” No final da apresentação vocês podem fazer uma
coreografia de dança ao som de tambores.
TEXTO 02
QUADRO 02: Texto sobre Ancestralidade
A N C E S T R A L I D A D E
BIRAGO DIOP (Poeta Africano)
OUÇA NO VENTO
O SOLUÇO DO ARBUSTO:
É O SOPRO DOS ANTEPASSADOS.
NOSSOS MORTOS NÃO PARTIRAM.
ESTÃO NA DENSA SOMBRA.
OS MORTOS NÃO ESTÃO SOBRE A TERRA.
ESTÃO NA ÁRVORE QUE SE AGITA,
NA MADEIRA QUE GEME,
ESTÃO NA ÁGUA QUE FLUI,
NA ÁGUA QUE DORME,
ESTÃO NA CABANA, NA MULTIDÃO;
OS MORTOS NÃO MORRERAM...
OS NOSSOS MORTOS NÃO PARTIRAM:
ESTÃO NO VENTRE DA MULHER
NO VAGIDO DO BEBÊ
E NO TRONCO QUE QUEIMA.
7
OS MORTOS NÃO ESTÃO SOBRE A TERRA:
ESTÃO NO FOGO QUE SE APAGA,
NAS PLANTAS QUE CHORAM,
NA ROCHA QUE GEME,
ESTÃO NA CASA.
NOSSOS MORTOS NÃO MORRERAM.
Fonte: <ociosdooficio.blogspot.com/.../ancestralidade.html>
Atividades:
01) Na cultura de diversos povos indígenas e africanos, a história foi transmitida oralmente,
pois eles não faziam uso da escrita. Mas isto não significa que perderam a ligação com o
passado. Eles acreditam que os ancestrais nunca morrem, pois valorizam as palavras de
sabedoria que uma pessoa fala. O corpo pode desaparecer na terra, mas as palavras continuam
vivas na mente das pessoas. No entender deles, a maneira de perpetuar o passado é sempre
falar nos fatos que aconteceram e as lições deixadas pelos mais velhos. Esses conhecimentos
do passado foram se juntando com outros e isto formou a cultura, fundamentada na chamada
sabedoria ancestral. Na cultura judaicocristã, de que forma o Cristianismo valoriza a
sabedoria dos antepassados e onde ela está escrita?
02) Em nossa cultura, a pessoa, quando falece, é sepultada num cemitério. Lá existem
inúmeras sepulturas, mas a maioria só tem uma cruz e um número. Você não acha que é muito
pouco para um ser humano que passou por esta terra? Como nós, que temos tanta sabedoria
(quando vivos), podemos ficar tão pobres (quando mortos)?
03) Será que este silenciamento poderia mudar se no cemitério existisse uma biblioteca com o
biografia das pessoas falecidas? Como isto poderia ser feito? O que você pensa sobre esta
hipótese?
8
04) Faça uma pesquisa na cidade em que você mora, ou também em outras vizinhas, para
saber qual o valor dado as pessoas das camadas populares, na preservação da memória
cultural local, principalmente nos monumentos públicos.
TEXTO 03: ÁFRICA E AMÉRICA
QUADRO 03: Texto sobre África e América
A África e a América estavam ligadas em um só continente, mas foram
separadas pelo Oceano Atlântico. O encontro destes dois mundos foi muito doloroso. Os
africanos escravizados que aqui chegaram, tiveram que construir um novo estilo de vida,
pois tinham que aprender a sobreviver numa realidade diferente da que viviam em solo
africano. Para isto eles usaram todo o conhecimento da sabedoria indígena, pois eles
sabiam o segredo das plantas que curavam, e eram comestíveis etc.
Uma pessoa que é tirada do país de origem e obrigatoriamente tem que viver num
país estranho, sem poder mais falar a língua de sua pátria, sem poder ter a mesma religião,
sem poder comer as mesmas comidas, sem poder vestir as mesmas roupas e viver num
ambiente de crueldade e violência deve se sentir muito mal.
Foi nesta época inicial que os africanos escravizados demonstraram resistência à
escravidão, o que foi chamado de cenário quilombola. Eles usando o que era possível na
época, embrenharamse nas matas formando os quilombos como uma forma de resistência à
opressão dos colonizadores. O mais famoso deles foi o Quilombo dos Palmares, na serra da
Barrica em Alagoas.
Fonte: Campos (2002).
9
TEXTO 04: BRASIL 500 ANOS
QUADRO 04: Brasil 500 anos
O que era um quilombo, para um branco? Segundo um decreto aprovado pela Câmara
da Capitania de São Paulo, em 1733, quilombo era “um ajuntamento de mais de quatro
escravos vindos em matos para viver nele, e fazerem roubos e homicídios”.
A Constituição Federal Brasileira, de 1988, incluiu em sua redação dois artigos nos
quais se lê o termo quilombo. No parágrafo 5° do artigo 216 determinase que “ficam
tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos
quilombos.” Já no artigo 68 está escrito: “Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitirlhes os títulos respectivos”.
A partir desses artigos, o conceito de quilombo adquiriu uma nova interpretação, mais
ampla, associada à idéia de resistência no presente: o de campesinato negro, comunidade
negra tradicional ou comunidade étnica, capaz de se organizar e se reproduzir em
determinado espaço físico, ao longo do tempo, resistindo até mesmo em condições adversas
para manter sua forma de vida.
No entanto, nem todas as comunidades se encaixam no modelo de “remanescentes”,
já que, ao longo da história, houve diferentes formas de ocupação da terra por grupos de
escravos ou exescravos, como herança, doação ou negociação com fazendeiros. E muitas
não têm como provar sua origem histórica.
Fonte: Campos (2002).
Atividades:
1) Como as autoridades do século XVIII definiram quilombo? Você concorda com esta
definição? Justifique.
10
2) O que a Constituição de 1988 determinou sobre as terras ocupadas por descendentes dos
antigos quilombolas?
3) A partir das reivindicações das comunidades rurais e urbanas negras e do movimento
negro, a Constituição Federal de 1988, assegurou a esse segmento da sociedade brasileira,
o direito a propriedade de suas terras, mas na realidade ainda há muito que avançar na
conquista dos seus direitos. Isto porque a a situação das comunidades quilombolas no
Brasil se caracteriza pela vulnerabilidade, isto é, se encontra fragilizada por várias ações
que promovem a expulsão da população do meio rural, particularmente dos povos e
comunidades tradicionais, numa escala que vira a ser contabilizada na casa dos milhões de
pessoas.
Faça um relato dos problemas enfrentados pelas comunidades remanescentes de
quilombo, na conquista do espaço, levando em consideração que essas comunidades a terra
não figura apenas como uma fonte de lucro., mas sobretudo, um patrimônio cultural. A terra,
para eles, é a sua casa, o lugar onde nascem, crescem e desenvolvem suas diferentes formas
de vida.
11
TEXTO 05: OS AFRODESCENDENTES NO PARANÁ
QUADRO 05: Os afrodescendentes no Paraná
Em 1853, quando ocorreu a emancipação política do Paraná 40% da população do
estado era composta por negros. Atualmente, segundo dados do IBGE eles representam
28,5%, o que confere ao Paraná a maior população negra no sul do país. (PARANÁ, 2008, p.
01)
A história das comunidades negras no Paraná, foi sempre silenciada, e mantida
afastada das discussões. Isto veio contribuir para que estes povos tenham um modo de vida
com muitas dificuldades, sem acesso a políticas públicas, como saúde, educação, transporte
e saneamento básico.
O município de Adrianópolis, situado no Vale do Ribeira, divisa com o estado de São
Paulo, e pertence a região metropolitana de Curitiba, distante 130 Km da capital, ilustra
muito bem esta realidade. O referido município possui 13 comunidades quilombolas, sendo 8
reconhecidas e nenhuma titulada, e está entre os municípios de menor IDH (Indice de
Desenvolvimento Humano) do país.
O historiador Glauco Lobo e a professora Clemilda Santiago Neto formaram o Grupo de Trabalho Clóvis Moura, responsável pelo diagnóstico social das comunidades remanescentes de quilombos no Paraná. Segundo eles: O governo do Paraná procura apagar a nódoa que oculta as comunidades quilombolas, tradicionais comunidades negras e terra de negros no Estado do Paraná, historicamente escondidas e não reconhecidas por todos os governos que antecederam ao atual. O governo está ouvindo os quilombolas, o que é inédito na história do país, para que a partir de agora essas comunidades possam se desenvolver com mais segurança, com seus direitos de cidadania garantidos (PARANÁ, 2006).
Fonte: Paraná Agência de Notícias (2006)
Atividades:
1) Com a chegada dos portugueses, chegaram também os africanos escravizados como mão
de obra, principalmente para o cultivo da cana de açúcar, mas com o decorrer do tempo,
ela foi sendo aplicada em garimpo, criação de gado, etc. Isto evidencia que houveram
12
várias formas de escravidão. No Brasil Colônia, foi a época de adaptação, a mais difícil
de todas onde houve a formação dos primeiros quilombos. No Brasil Império, por
exemplo, com a formação das cidades houve necessidades ligadas a zona urbana com o
nascimento das cidades, onde surgiram os escravos urbanos, que executavam tarefas das
mais variadas como marceneiros, carpinteiros, vendedores ambulantes, alfaiates,
cozinheiros etc...Assim também foi mudando o tipo de quilombos, que ao contrário do
que se pensa, muitos ao invés de se isolarem, mantinham relações com populações locais,
fazendo comércio, comprando e vendendo diversos produtos. Com base nessas
informações e com a ajuda do (a) professor (a), elabore uma pesquisa sobre a trajetória
dos quilombos no Brasil Colônia, Brasil Império, e também explique como os
afrodescendentes do sul do Brasil tiveram a conquista de seus territórios, ilustre com
desenhos, e imagens, e faça um mural temático na sala para socializar o conhecimento
com os colegas.
2) O que é o Grupo de Trabalho Clóvis Moura? Pesquise sobre a atuação deste grupo, como
objetivo, e trabalho na sociedade.
3) Quilombos: passado e presente. Faça dois desenhos, um representando o Quilombo dos
Palmares e outro representando uma comunidade remanescente de quilombos no Paraná.
Você pode se inspirar no desenho da figura 03.
13
Fonte: Elaborado pelo autor (2010).
TEXTO 06: VISITAS A COMUNIDADE DE APEPU
QUADRO 06: Comunidade de APEPU
O texto abaixo descrito, é um relato feito pelo Professor Norberto Fabrício dos Santos, a partir
de visitas a Comunidade de Apepu , no Município de São Miguel do Iguaçu –PR, onde reuniu as
narrativas contadas pelos membros da comunidade, que servirá para análise com os alunos.
Quando chegamos na Comunidade de Apepu, Dona Aurora nos recebeu como sempre, da
melhor maneira possível. Ela é de personalidade forte, assemelhase a uma matriarca, seu olhar
perpassa o ambiente, mas não está desconectado do longe do horizonte, um horizonte de sonhos.
Cada vez que alguém de fora vem visitar a comunidade, parece que seus sonhos, seus projetos,
entram em ebulição. Ela não desiste da idéia de ver novamente a comunidade toda reunida, que foi
dispersa em busca da sobrevivência na área urbana. Dona Aurora toma cuidado no expressar seu
pensamento, e com prudência se policia para não falar demais.
Como sempre ela está em pé, encostada numa mesa de madeira, que se encontra na pequena
área de sua casa E já no início de nossas conversas nos serviu um delicioso café, e disse que é
costume da família sempre oferecer alguma coisa para as visitas, quando chega e quando sai. Ela
disse que nunca senta à mesa nem para comer. Isto faz parte de sua personalidade. Diante dela não
adianta ter uma postura pessimista. Eu disse para ela que estava enfrentando dificuldades em
encontrar documentos escritos sobre a comunidade, para compor meu projeto. Então, ela prontamente
me respondeu: “Ué professor! I num tá bom? Pelo menos ocê lembro da gente”. Isto, para mim, foi
um leve puxão de orelhas de D. Aurora. Ela cuida da irmã mais velha que se encontra doente e mora
não muito distante da filha com problemas de depressão, sendo que esta vive a maior parte do tempo
acamada. Está longe também de dois netos préadolescentes e da neta que já adquiriu a maioridade e
faz magistério em São Miguel do Iguaçu. Esta neta representa muito para Dona Aurora, já que ela
será sua substituta que irá influenciar nos destinos da comunidade. Possivelmente, era o que Dona
Aurora tivesse almejado com a filha com depressão. Mas Dona Aurora resiste e se considera vitoriosa
com esta probabilidade.
Dona Aurora aprendeu com a mãe, que era parteira e atendia famílias da região, o segredo das
plantas, dos remédios caseiros. Entretanto, adquiriu mais conhecimentos e noções gerais de
enfermagem em Foz do Iguaçu. Ela disse que, quando era muito jovem, a sua mãe a empregou na
residência de um médico já idoso, que era solteiro, em Foz do Iguaçu. Foi ali que aprendeu a aplicar
15
injeção. Mas ela disse que só aplica em pessoas da família em caso de extrema necessidade, com a
receita médica. Em estranhos não, pois se acontecer alguma coisa a responsabilidade recai sobre ela.
Quando perguntei a ela se ela sabia medir a pressão ela disse que sabia, mas que na comunidade não
tem aparelho de medir a pressão arterial. Caso alguém necessite de atendimento médico é chamada a
ambulância da cidade de São Miguel, que não oferece opções neste sentido, pois se encontra sem um
hospital para atender as pessoas, forçando as mesmas se dirigirem até Foz o Iguaçu para ter o
atendimento necessário. Ela também faz serviços como plantar mandioca, milho, e até castrar leitões
para a engorda. Ela foi criada num ambiente hostil em que ser mulher é ser guerreira.
Nos últimos dias, Dona Aurora está muito atenta a qualquer movimento próximo a sua
humilde casa, que não oferece o mínimo de segurança e conforto. Ela viu uma onça muito grande
vinda do Parque Nacional do Iguaçu transitar no terreiro de sua casa, e também, na mesma semana, já
tinha se deparado com duas cobras venenosas, uma quase mordeu o cachorro de estimação, e a outra
vinha em direção à área para possivelmente se infiltrar dentro da casa.
Neste momento, vem chegando o “Seu” Zacarias. Ele é irmão de Dona Aurora e vem junto
com sua esposa segurando um filho de 3 anos. Esta já é sua terceira mulher. Ele disse que seus pais
vieram no início do século para construir a linha telegráfica, e ainda hoje existem postes de peroba e
cabriúva afixados, principalmente nas encostas, que resistem a ação desgastadora do tempo. Contou
que, no passado, não tinham muito diálogo com os pais, os mais velhos. Isto impediu de nos relatar
com mais profundidade mais história de seus antepassados. Mas ele nos disse que antes tinham mais
contato com o Paraguai, com a comunidade indígena, e seus pais “criaram” dois índios como se fosse
da família. Ele estava muito doente, mas agora já está bem melhor, pois foi se tratar em Londrina, e
também recebeu muitas orações na igreja evangélica que vem frequentando recentemente. Quando eu
perguntei o nome da Igreja, ele pensativo não soube definir bem o nome, se era Igreja Internacional
da Graça de Deus, ou Igreja Universal do Reino de Deus, ou Igreja Mundial da Graça. Os nomes das
Igrejas não importam para “Seu” Zacarias, são vocábulos muito abrangentes, eruditos para um
homem que mal sabe assinar o nome. O que interessa mesmo é que ele como a maioria dos
brasileiros, procura na religião uma ajuda diante de um sistema de saúde deficitário. O mesmo
aconteceu quando eu perguntei sobre o nome quilombola, ele disse que já está se acostumando com o
nome, já que é novidade só tem escutado falar de uns 3 ou 4 anos para cá, mas está sendo muito bom
ser quilombola.
Eu perguntei ao “Seu” Zacarias o que significava ser negro para ele. Ele ergueu seu olhar ao
longe e sorrindo disse: “Ser negro é ser o amor, você pode prestar bem atenção quando o marido ou
a mulher quer chamar o outro não chama de ‘meu nego’ ou ‘minha nega’”, e completou sua
expressão com um largo sorriso, que mesmo estando desprovido dos dentes incisivos era um sorriso
16
perfeito. Todos na área riram da expressão de “Seu Zacarias”, inclusive Dona Dejanira, sua irmã, que
a pouco tinha chegado.
Perguntei a Dona Dejanira qual era a sua religião e ela disse que freqüentava a Igreja
Assembléia de Deus. Continuei perguntando se o fato de haver esta diferença de opção religiosa
havia interferência no bom relacionamento entre as pessoas da comunidade. Ela disse que não, pois
cada um é livre para escolher o que quer. Quanto às religiões afro brasileiras, como umbanda e
candomblé, ela disse que não tem nada a se opor, pois Deus é um só.
Dona Aurora permanece fiel a religião dos pais o Catolicismo, e zela da Igreja construída no
tempo deles. Todos os anos é feita uma festa no local, com fogueira, mas este ano não foi possível
porque os membros mais velhos da comunidade estavam praticamente todos doentes.
Mas, para que a conversa não nos remetesse tão somente a um passado distante, mas a uma
visão de futuro, conversei então com a Sirlei, perguntando sobre quais seriam seus planos para o
futuro da comunidade, já que ela estava fazendo o curso de magistério. Ela disse que quer dar
continuidade ao legado de seus avós, e sonha muitas melhorias para a comunidade., inclusive uma
escola quilombola. Dona Aurora, interrompendo, disse que tudo poderia melhorar se a estrada em
direção ao Parque Nacional do Iguaçu fosse aberta, porque a trilha do Macuco Safari, passa bem
próximo da comunidade, como também a promessa da construção de um barracão que facilitaria
muito para reunir as pessoas, e também comercializar artesanatos.
Então passamos, todos juntos, a conversar sobre quais atividades possivelmente poderiam ser
desenvolvidas na comunidade desde o doce da laranja apepú, como variados tipos de artesanatos,
quadros pintados, colares, mudas de árvores frutíferas, e flores, máscaras de coqueiro, cartões etc.
Muito me impressionou o otimismo de todos sobre as sugestões de atividades. E, também, já fui
nomeado pela Dona Aurora e a Sirlei para ajudar neste sentido. Ela também disse que quer desfilar
dia 07 de setembro representando a comunidade de Apepu no desfile em São Miguel do Iguaçu. Eu,
em tom de brincadeira, disse para ela se ela tinha coragem de desfilar. Ela prontamente respondeu
que tinha muita coragem e queria uma saia bem rodada.
Fonte: Santos (2010).
Atividades:
1) Lei ao texto do quadro 06 e escreva os fatos referentes ao passado da comunidade que
foram narrados pelos moradores que mais lhe chamou atenção.
17
2) Quais são as perspectivas de futuro para os jovens da a comunidade de Apepu, e quais
ações devem ser desenvolvidas para que possam continuar zelando e desenvolvendo o
legado de seus antepassados.
3) Estude o texto e reflita o que seria necessário para que a comunidade tivesse autonomia
financeira e conseguisse a volta dos membros que se mudaram para as cidades da região
em busca de melhores condições de vida?
4) Elabore uma pesquisa sobre o Macuco Safari e responda. a) Qual a importância da estrada
que ligaria a trilha do Macuco Safari?
5) O que pode ser feito para que a comunidade mantenha a privacidade, sem se tornar um
objeto de pesquisa, exposto a curiosidade de turistas?
18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, Flavio et al. O jogo da história: de corpo na América e de alma na África. São Paulo: Moderna, 2002.
PARANÁ. AGÊNCIA DE NOTÍCIAS. Governo promove inclusão social de 86 comunidades negras. 31 maio 2006. Disponível em: <http://www.aen.pr.gov.br/ modules/noticias/article.php?storyid=21162&tit=Governopromoveinclusaosocialde86comunidadesnegras >. Acesso em: 14 abr 2010.
SANTOS, Norberto Fabrício dos. Visita a Comunidade de APEPU. Resultado de pesquisa de campo do autor, 2010.
19