curso de direito fnanceiro brasileiro, 5ª edição · singularidade entre os membros do poder...

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    Capa: Stephanie Rodrigues Matos / Rodrigo Lippi

    Produo digital: Ozone

    A Editora Forense passou a publicar esta obra a partir da 3. edio.

    Fechamento desta edio: 12.03.2018

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    A139c

    Abraham, MarcusCurso de direito financeiro brasileiro / Marcus Abraham. 5. ed., rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-309-8053-5

    1. Direito financeiro. I. Ttulo.

    18-48026 CDU: 342.973.526

    mailto:[email protected]://www.grupogen.com.br

  • Leandra Felix da Cruz Bibliotecria CRB-7/6135

  • A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltar ao seu tamanho original.Albert Einstein

  • PREFCIO

    O sculo XX mostrou-se generoso com o Direito. Ao lado de tantas transformaes ocorridasem todos os ramos das cincias, o campo jurdico foi atravessado por uma devastadora produoterica que tentou, pouco a pouco, transformar a solidez dos institutos sociais tradicionais ao carterfluido apresentado por estes mesmos institutos na presente poca.

    Essa mesma evoluo atinge o ofcio judicante, sendo que a pretensa passividade domagistrado, em face da atividade mecnica de simples revelao da vontade objetiva da lei, foipaulatinamente desmistificada pelas modernas concepes da dogmtica hermenutica. Passou a serreconhecido o essencial papel construtivo do intrprete na definio dos horizontes de sentido dostextos normativos. Nesse novo cenrio, surge o desafio do jurista contemporneo: interpretar osenunciados legais e racionalizar os entendimentos jurisprudenciais, guiando seus destinatrios porcaminhos slidos, do ponto de vista terico, e efetivos, sob a perspectiva prtica.

    A presente obra do Dr. Marcus Abraham supera, com felicidade invulgar, esse desafio. O livro singular na sua abordagem, pois parte da combinao nica entre, de um lado, o tom sempreconstrutivo e bastante realista, aliado ao rigor dogmtico que se espera da academia jurdica muitobem representada pela funo que exerce como renomado professor adjunto de Direito Financeiro damajestosa Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, de outro lado, a viso pragmticarequerida pela experincia dos problemas concretos no desempenho do honroso mnus pblico deDesembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2 Regio, trazendo na bagagem, ainda, oexerccio da consultoria jurdica do Ministrio da Fazenda ao ter se dedicado, em tempos pretritos,ao louvvel mister de Procurador da Fazenda Nacional.

    Sobre o tema de fundo, desnecessrio ressaltar a importncia do Direito Financeiro nos diasatuais, pois cuida de cincia jurdica que permite ao Estado brasileiro realizar a rdua misso dedesenvolver a economia e tentar ao mximo extirpar a pobreza e as desigualdades. Nesse contexto, aobra nos prepara para desvendar como se arrecada com obedincia aos princpios constitucionais ecomo se gasta com decncia e em cumprimento aos princpios polticos e no atendimento dosinteresses pblicos.

    Paralelamente, o Direito Financeiro um domnio especialmente dinmico do direito. Tem decompreender os novos desafios poltico-econmicos e as necessidades prticas da economia atual, opresente estgio dos conhecimentos cientficos e a mais recente evoluo da matria.

    Esta obra representa um lmpido retrato desse panorama. Alm de desenvolver e sistematizarideias sobre a atividade financeira competncias financeiras, receitas e despesas pblicas, tcnicasde contabilidade, normas oramentrias e de responsabilidade fiscal , procura introduzir novasreflexes sobre o sistema. A constatao e a forte crena do autor de que arrecadar com justia,

  • administrar com zelo e gastar com sabedoria, so os comandos que subjazem s normas do DireitoFinanceiro brasileiro, parece de grande relevo para essa nova abordagem proposta.

    O autor no se descura da importantssima abordagem histrica do tema, rememorando aevoluo do Estado, das finanas pblicas e da atividade financeira, alm de todos os diplomas queregularam as matrias tratadas, permitindo ao leitor e ao aplicador da norma uma viso da prpriamens legislatoris ao longo do tempo.

    Simultaneamente, prope, nesta obra, metodologia e sistemtica mpares por ser conhecedor deentendimentos jurisprudenciais j consolidados e outros ainda recentes e difusos, que podero dar atnica da matria em um futuro prximo. Outrossim, a pesquisa ostenta a virtude de apontar osfundamentos (ratio decidendi) das decises mencionadas, no se contentando em registrar apenas suaconcluso, o que facilita sobremaneira a compreenso da racionalidade que as inspirou. Trata-se depesquisa singular e verdadeiramente inspiradora para novos trabalhos acadmicos na rea.

    Vale meno, ainda, o fato de que, no decorrer do trabalho, o autor traz situaes extremamentecomplexas, as quais Ronald Dworkin1 qualificaria como hard cases. Nessas ocasies, para se chegara uma resposta clara e eficiente, sem violar os direitos dos indivduos e sem abrir mo dos valoressociais, acertadamente nos traz a hodierna soluo de termos de perpassar todo o tecidoprincipiolgico constitucional, para s ento descobrirmos qual o desfecho mais correto e justo.Consectariamente, Marcus Abraham nos brinda com uma brilhante anlise dos temas mais densosdessa seara jurdica, dando-lhes a roupagem que o contexto financeiro atual exige.

    foroso, assim, concluir que quem quer que se dedique ao ramo do Direito Financeiro passa ater como imperiosa necessidade de composio de sua biblioteca o Curso de Direito FinanceiroBrasileiro de Marcus Abraham. Tal destaque no novidade, pois as reconhecidas obras do autor:(i) As Emendas Constitucionais Tributrias e os 20 Anos da Constituio Federal de 1988; (ii)Manual de Auditoria Jurdica: Legal Due Diligence (Org.); e (iii) O Planejamento Tributrio e oDireito Privado, so de consulta obrigatria por juzes, advogados e demais operadores do Direito.

    Obra de densidade temtica que o autor no permitiu que fosse apenas repetio argumentativa,que tanto vemos em vrios manuais atualmente publicados, como permitir, certamente, que seformem novas reflexes a partir de um ponto de referncia seguro e muito bem embasado.

    Ao tratar sobre a vida do Direito, Cruex, em bela sede doutrinria, pontificou, em uma frase quehoje me guia na laboriosa e sagrada funo de julgar os semelhantes: O Direito vive para o homeme no o homem para o Direito. nesse rumo que o autor almeja, com sua obra, servir de instrumentode transformao social, por oferecer ao cidado os mecanismos necessrios para a criao de umasociedade mais justa e digna, estimulando, com louvor, a incansvel busca pela efetivao da justiafiscal.

    Enfim, motivo de efusiva saudao a atualizao de mais um trabalho elaborado pela acuidadeintelectual de Marcus Abraham, que desde muito jovem apesar de atualmente j contar com uma

  • 2

    1

    formao acadmica exemplar, sendo Doutor em Direito Pblico pela Universidade do Estado doRio de Janeiro (UERJ) e Mestre em Direito Tributrio pela Universidade Candido Mendes (UCAM), destaca-se nesse campo rido do direito financeiro, sendo merecidamente respeitado comsingularidade entre os membros do Poder Judicirio e os integrantes do mundo acadmico.

    Integra, pelo notvel mrito e constante aprofundamento e aperfeioamento, o time dos grandesmestres expoentes do Direito Financeiro, dos quais destaco Heleno Taveira Torres, Regis Fernandesde Oliveira e Ricardo Lobo Torres, cada qual com contribuio imensurvel para a comunidadejurdica do pas.

    Honra-me prefaciar este livro, de tal sorte que convido ao pblico especializado a utilssimaobra, que servir de roteiro e de guia permanente a tantos quantos se iniciam nas sendas prprias deramo to sensvel do ordenamento jurdico brasileiro.2

    Luiz FuxMinistro do Supremo Tribunal Federal

    DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Srio. 5. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 81-83.Prefcio elaborado e assinado em 18 de dezembro de 2014, para integrar a presente obra a partir desua 3 edio.

  • APRESENTAO

    Em um pas de tantas diferenas sociais, econmicas e culturais como o Brasil, oconhecimento do Direito Financeiro se faz extremamente relevante. Mais do que um conjunto denormas sobre o ingresso, a gesto e a aplicao dos recursos financeiros do Estado, uma ferramentade mudana social.

    Isso ocorre porque essa cincia trata, alm de tudo, da redistribuio de riquezas, do equilbriofinanceiro entre os entes federativos, da participao direta e indireta da coletividade na elaboraodo oramento, do controle da arrecadao e dos gastos pblicos e da preocupao dos seusprincpios com o bem-estar da comunidade. Enfim, versa sobre tudo o mais que se faz necessriopara que a justia fiscal se traduza em justia social.

    A Constituio brasileira de 1988 estabelece no seu art. 3 os objetivos da RepblicaFederativa do Brasil. Construir uma sociedade livre, justa e solidria, desenvolver o pas, acabarcom a pobreza e a marginalizao e minimizar as desigualdades sociais e regionais, promovendo obem de todos, so os nobres intentos a serem atingidos, segundo prev a nossa Carta Maior. Essesdesgnios tm como fundamentos, consignados no art. 1, a soberania, a cidadania, a dignidade dapessoa humana e a valorizao do trabalho e da livre-iniciativa.

    Os Direitos Humanos Fundamentais so previstos e garantidos na nossa Constituio, assimcomo os Direitos Sociais esto arrolados como deveres do Estado brasileiro.

    Mas de nada adiantam exaustivos debates sobre a efetividade e o alcance dessas normas, arespeito da possibilidade de judicializar esses direitos ou das atribuies mnimas e mximas doEstado perante a coletividade se no houver dinheiro para financiar os anseios de uma sociedademais consciente e ativa.

    inegvel que, diante de tantas pretenses, recursos financeiros se fazem mais do queimprescindveis para atingir tais objetivos.

    E, no atual contexto de globalizao, de avano tecnolgico e de amplo acesso s informaes,as sociedades contemporneas e os seus cidados, inclusive o brasileiro, conscientes dos seusdireitos e deveres, passam a demandar cada vez mais eficincia na administrao dos recursosfinanceiros estatais e transparncia na gesto pblica.

    Como ensina a economia poltica, os desejos humanos so ilimitados, mas a possibilidadematerial de atend-los restrita. Assim, no Brasil, como em todas as demais naes do mundocontemporneo, os recursos pblicos so limitados e seu governante no pode gast-los de formadescontrolada e desarrazoada. A responsabilidade fiscal imperativa.

    Portanto, no basta arrecadar o necessrio de forma equitativa e equilibrada. A administrao

  • de tais recursos deve ser feita de forma eficiente. E, na mesma linha, sua aplicao precisa serrealizada criteriosamente para que se possa atender s necessidades pblicas da maneira mais amplae satisfatria possvel. Sendo assim, no podemos descuidar do tratamento das fontes e mecanismosde arrecadao, nem das formas e escolhas para sua justa e devida gesto e aplicao.

    nesse ponto que vemos o Direito Financeiro brasileiro se destacar como sendo um complexo,porm avanado, sistema jurdico. Se bem observado, capaz de direcionar positivamente os atosdos governantes e influenciar para melhor a vida em sociedade.

    Inegvel reconhecer que sempre houve maior preocupao com a arrecadao das receitaspblicas, especialmente a tributria, do que com a gesto e a aplicao de tais recursos. Os gastospblicos acabavam sempre por ficar em segundo plano de importncia se comparados com atributao e o Direito Tributrio. Tanto assim que esse ramo do Direito ganhou destaque e autonomiaprpria. Hoje, porm, preciso redirecionar o foco e dar a devida relevncia e efetividade aoDireito Financeiro, a suas normas e a seus objetivos.

    Um aspecto dessa cincia jurdica ganha grande relevncia no cenrio contemporneo: apreocupao com a administrao da coisa pblica. A responsabilidade na atividade financeira requerida em todas as etapas do processo fiscal, desde a arrecadao, passando pela gesto, at aaplicao dos recursos na sociedade de maneira responsvel, tica, transparente e eficiente.

    E, neste momento, nos deparamos com a necessidade do profundo conhecimento do DireitoFinanceiro, cincia jurdica que permite ao Estado brasileiro realizar a difcil tarefa de desenvolvera economia, extirpar a pobreza e as desigualdades, fomentando a livre-iniciativa, tudo de forma justae solidria, sem violar os direitos dos indivduos e sem abrir mo dos valores sociais.

    No mundo moderno, o Direito Financeiro acumula funes de estatuto protetivo do cidado-contribuinte, de ferramenta do administrador pblico e de instrumento indispensvel ao EstadoDemocrtico de Direito para fazer frente a suas necessidades financeiras. Sem ele, no seria possvelao Estado oferecer os servios pblicos, exercer seu poder de polcia e intervir na sociedade,colaborando na redistribuio de riquezas e na realizao da justia social, com respeito dignidadeda pessoa humana e manuteno do equilbrio econmico e da prosperidade.

    O conhecimento de todos os elementos jurdicos que envolvem a atividade financeira competncias financeiras, receitas e despesas pblicas, tcnicas de contabilidade pblica, normasoramentrias e de responsabilidade fiscal passa a ser de suma importncia para qualquer aluno,seja de graduao ou de ps-graduao, nas reas das cincias sociais, seja em Direito,Administrao, Economia, ou nas demais disciplinas conexas. Mas, sobretudo, o Direito Financeiro uma cincia indispensvel ao operador do Direito ou de Finanas Pblicas, responsvel por darefetividade s atividades e s polticas pblicas sociais. Portanto, arrecadar com justia, administrarcom zelo e gastar com sabedoria so os comandos que subjazem s normas do Direito Financeirobrasileiro.

  • A educao fiscal deve estimular o cidado a compreender os seus direitos e deveres cvicos,concorrendo para o fortalecimento do ambiente republicano e democrtico. A implementao depolticas pblicas voltadas ao desenvolvimento da conscientizao fiscal imprescindvel paraqualquer nao que pretenda o bem-estar dos seus integrantes.

    Acredito no Direito como fundamental instrumento de transformao social, por oferecer aocidado os mecanismos necessrios para a criao de uma sociedade mais justa e digna. Contudo,para isso ocorrer, no basta conhec-lo. imperioso exerc-lo com sabedoria, aproximando seusideais utpicos da nossa realidade ftica e telrica.

    com esse esprito que escrevi esta obra, na esperana de oferecer ao leitor um modestoreferencial sobre o tema, mas com um pretensioso objetivo: o de estimular a busca pela efetivao dajustia fiscal.

    Marcus Abraham

  • 1.1.1.2.1.3.1.4.1.5.1.6.1.7.1.8.1.9.1.10.1.11.1.12.

    2.1.2.2.2.3.2.4.2.5.2.6.2.7.

    3.1.3.2.3.3.3.4.

    SUMRIO

    INTRODUO

    PARTE I Noes Gerais

    Captulo 1 Estado, finanas pblicas e atividade financeiraIntroduo atividade financeiraEvoluo do Estado, das finanas pblicas e da atividade financeiraConceito de atividade financeiraNatureza e funes da atividade financeiraCincia das FinanasDireito Financeiro como ordenamento jurdico e como cinciaAutonomia do Direito Financeiro e sua relao com outras disciplinasDireito Financeiro e Direito TributrioPoder financeiro do EstadoFederalismo Fiscal BrasileiroCidadania FiscalEducao Fiscal

    Captulo 2 Constituio financeira e sistemas tributrio e oramentrioNoes gerais sobre a Constituio FinanceiraDireito Constitucional FinanceiroCompetncia normativa financeira na ConstituioHipteses de interveno financeira na ConstituioFiscalizao financeira na ConstituioConstituio tributria e oramentriaConstituies financeiras estaduais e Leis Orgnicas Municipais

    Captulo 3 Fontes do Direito FinanceiroFontes materiais e formaisNormas gerais em matria financeiraNormas especficas em matria financeiraControle de constitucionalidade e de legalidade das normas financeiras

  • 4.1.4.2.4.3.4.4.4.5.4.6.4.7.4.8.4.9.4.10.4.11.4.12.4.13.4.14.4.15.4.16.4.17.

    5.1.5.2.5.3.5.4.5.5.5.6.5.7.5.8.

    6.1.6.2.

    PARTE II Receita Pblica, Crdito Pblico e Despesa Pblica

    Captulo 4 Receita pblicaEntradas e receitas pblicasEspcies de receitas pblicasReceitas pblicas ordinrias e extraordinriasReceitas pblicas fiscais e extrafiscaisReceitas pblicas originrias e derivadasReceitas pblicas oramentrias e extraoramentriasReceitas pblicas efetivas e no efetivasReceitas pblicas por transferncias intergovernamentaisReceitas pblicas tributrias transferidasReceitas dos preos pblicosReceitas pblicas na Lei n 4.320/1964Estgios da receita pblicaInstituio, cobrana e renncia das receitas pblicasFundos especiais e receitas pblicasReceita pblica e dvida ativaOutras classificaes das receitas pblicasDesvinculao das Receitas da Unio (DRU), dos Estados e Distrito Federal (DRE) e dosMunicpios (DRM)

    Captulo 5 Receitas tributrias e direitos fundamentaisDireitos humanos fundamentais e tributaoJustia TributriaO dever fundamental de pagar tributosSistema Tributrio NacionalImpostosTaxasEmprstimos compulsriosContribuies

    Captulo 6 Crdito pblicoConceito de crdito pblicoEvoluo histrica e econmica do crdito pblico

  • 6.3.6.4.6.5.6.6.6.7.6.8.6.9.

    7.1.7.2.7.3.7.4.7.5.7.6.7.7.7.8.7.9.7.10.7.11.7.12.

    8.1.8.2.8.3.8.4.8.5.8.6.8.7.8.8.

    Crdito pblico como instrumento de intervenoCrdito pblico como fonte de receitas pblicasEfeitos econmicos do crdito pblicoClassificao do crdito pblicoCrdito pblico na legislao brasileiraTtulos de crdito pblicosDvida pblica

    Captulo 7 Despesa pblicaConceito de despesa pblicaCaractersticas das despesas pblicasEfeitos na economia das despesas pblicasNatureza da determinao das despesas pblicasClassificao das despesas pblicasDespesas pblicas constitucionalmente previstasA judicializao das despesas pblicasO procedimento para a realizao das despesas pblicasDespesas pblicas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n 101/2000)Pagamento de despesas pblicas de origem judicial: o PrecatrioCorrupo com efeito de despesa pblicaO novo regime fiscal do teto dos gastos pblicos

    PARTE III Contabilidade Pblica e Direito Financeiro

    Captulo 8 Contabilidade pblicaConceito, objeto e finalidade da contabilidade pblicaDistines entre a contabilidade pblica e a contabilidade empresarialNormas da contabilidade pblicaUsurios da contabilidade pblicaSistema contbil e estrutura da contabilidade pblicaPrincipais conceitos contbeis da contabilidade pblicaRegistros contbeis na contabilidade pblicaPlano de contas na contabilidade pblica

    PARTE IV Oramento Pblico

  • 9.1.9.2.9.3.9.4.9.5.9.6.9.7.9.8.9.9.

    10.1.10.2.10.3.10.4.10.5.10.6.10.7.

    11.1.11.2.11.3.11.4.11.5.

    12.1.12.2.12.3.12.4.

    Captulo 9 Noes gerais do oramento pblicoHistria do oramento pblicoOramento pblico no Brasil aps a Constituio Federal de 1988Conceito de oramento pblicoAspectos do oramento pblicoEspcies de oramento pblicoNatureza jurdica do oramento pblicoOramento pblico no direito comparadoO Pacto Oramental EuropeuRecomendaes de boas prticas oramentais da OCDE

    Captulo 10 Elaborao e execuo do oramento pblicoPrincpios oramentriosAs leis oramentriasProcesso legislativo das leis oramentriasCrditos oramentriosOramento participativoOramento impositivo e autorizativoCiclo oramentrio

    Captulo 11 Controle do oramento pblicoAcompanhamento, fiscalizao e controle do oramento pblicoPrincpios da atividade de controleAspectos e modalidades de fiscalizao do oramento pblico.Espcies de controle do oramento pblicoTribunal de Contas e Conselho de Contas

    PARTE V Responsabilidade Fiscal

    Captulo 12 Desenvolvimento da Responsabilidade Fiscal no BrasilA Lei de Responsabilidade Fiscal: Lei Complementar n 101/2000Influncias externas na elaborao da Lei de Responsabilidade FiscalInfluncias internas na elaborao da Lei de Responsabilidade FiscalImplementao da Lei de Responsabilidade Fiscal

  • 12.5.

    13.1.13.2.13.3.13.4.13.5.13.6.13.7.13.8.13.9.13.10.13.11.13.12.13.13.

    14.1.14.2.14.3.14.4.14.5.14.6.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei n 4.320/1964

    Captulo 13 Lei de Responsabilidade FiscalObjetivos e caractersticas da Lei de Responsabilidade FiscalDestinatrios da Lei de Responsabilidade FiscalCidadania e transparnciaEquilbrio fiscalPlanejamento OramentrioExecuo OramentriaDas receitas e despesas em geralDas renncias de receitas e os incentivos fiscaisDas despesas de pessoalDas despesas com a seguridade socialTransferncias voluntrias e destinao de recursos para o setor privadoDvida pblica, endividamento e operaes de crditoRegime de recuperao fiscal

    Captulo 14 Sanes de responsabilidade fiscalSanes institucionais na Lei de Responsabilidade FiscalSanes pessoais de natureza poltica, administrativa ou penalCrimes contra as Finanas PblicasDos crimes de responsabilidadeDos atos de improbidade administrativaDas infraes administrativas

    BIBLIOGRAFIA

  • INTRODUO

    O Direito Financeiro evoluiu. J no aquela cincia jurdica que estudava apenas as finanasdo Estado para a realizao de suas funes perante a coletividade e, especificamente, em relao asuas receitas e a suas despesas, bem assim, a formas de controle pautadas no ramo do DireitoOramentrio.

    O estudo do Direito Financeiro engloba, hoje, questes relacionadas efetivao da justiafiscal. Preocupa-se com a maneira mais equitativa de arrecadao, especialmente na sua fontetributria. Desenvolve os mecanismos de gesto do Errio, que passam a se pautar em normas degovernana pblica, direcionando sua atuao por medidas que se parametrizam pela moralidade,tica, transparncia, eficincia e responsabilidade. Impe aos gastos pblicos novas formas decontrole, a fim de observar o melhor interesse da coletividade, atribuindo ao gestor da coisa pblicaa responsabilizao pelos seus atos e decises na sua administrao. Hoje em dia, as finanaspblicas so regidas por normas que prezam a justia na arrecadao, eficincia na aplicao,transparncia nas informaes e rigor no controle das contas pblicas.

    Assim, reduzir o Direito Financeiro apenas quelas normas que regulam as polticas e asoperaes direcionadas arrecadao, administrao e aplicao de recursos financeiros parasatisfazer as necessidades da coletividade uma forma simplista de estudar essa cincia. inegvelreconhecer sua preocupao com a tica, com a moral e com o debate dos direitos humanosfundamentais, sobretudo pela efetivao da sua funo social. Servir de instrumento de mudanaspositivas para a sociedade, reduzindo as desigualdades sociais, extirpando a misria da realidadebrasileira e alavancando o desenvolvimento da economia, como mola propulsora de um crculovirtuoso, o objetivo imanente s normas do Direito Financeiro brasileiro moderno.

    Nesse contexto, a atividade do operador do Direito Financeiro mudou. Mas reconhecemos queno Brasil nem sempre foi assim. H no muito tempo o que vamos era a ausncia de uma efetivaformao cvica em matria fiscal, especialmente no ensino bsico, ponto de partida para aconsolidao do carter do cidado. No se quer, aqui, apagar ou esquecer toda aquela espoliaofiscal que assolou o Brasil Colnia pela voracidade da metrpole portuguesa, desde a descoberta ata independncia. Igualmente, no se nega que as revoltas e revolues originadas daquele cenriomudaram os rumos histricos desta nao. Porm, deve-se reconhecer que o ensino da histriabrasileira no colaborou positivamente para a criao de uma mentalidade pautada na cidadaniafiscal. Os livros e manuais que relatam os feitos do Brasil Imperial no economizam palavras paradescrever a malversao do dinheiro pblico pelos monarcas e ainda do nfase s histrias desonegao e descaminho, como aquelas que narram os eventos ocorridos pela utilizao de outrasvias que no a Estrada Real (caminho oficial para circulao de mercadorias e pessoas), ou mesmo

  • s histrias que deram ensejo ao surgimento de expresses populares como santo de pau oco (paraesconder o desvio do minrio que deveria ser tributado), como se fossem exemplos a seremseguidos, sem traar uma linha sequer sobre os direitos de cidadania e os deveres necessrios paragaranti-los e exercit-los.

    De qualquer forma, o tempo passou e a mentalidade do brasileiro vem mudando para melhor. OBrasil se tornou independente e, aps vivenciarmos ao longo do sculo XX uma alternncia entregovernos democrticos e autoritrios, em 1988 foi promulgada uma Constituio Federal repleta dedireitos sociais e humanos fundamentais.

    De nada, porm, adiantar a previso de tantas garantias e direitos se o Estado no possuirrecursos, especialmente financeiros, para execut-los e oferec-los aos cidados brasileiros.

    A familiaridade com os elementos jurdicos que envolvem a atividade financeira passa a ser degrande importncia para o exerccio da cidadania. Normas sobre justia fiscal, competnciasfinanceiras, receitas e despesas pblicas, contabilidade pblica, oramento e responsabilidade soos pilares do Direito Financeiro brasileiro de hoje. E aplic-las corretamente passa a ser o incio docaminho para escrever um futuro promissor.

    Para tanto, dividimos a presente obra em cinco partes.A primeira parte deste livro tem por escopo oferecer ao leitor noes gerais sobre o Direito

    Financeiro, destacando os valores que influenciam essa cincia jurdica e os mecanismos que soutilizados para se chegar justia fiscal. Analisamos o objeto da atividade financeira, sua evoluo,suas caractersticas e funes. Identificamos o papel da Cincia das Finanas, o relacionamento doDireito Financeiro com as demais disciplinas jurdicas e compreendemos a origem, o fundamento eas formas de exerccio do poder financeiro. Contextualizamos o Direito Financeiro no ordenamentojurdico brasileiro, especialmente suas disposies constitucionais, estudando a distribuio decompetncias, os mecanismos de interveno e de fiscalizao financeira, o sistema de repartio dereceitas tributrias e o direito oramentrio. Discorremos sobre as fontes do Direito Financeiro, suasnormas gerais e especficas, e sobre o controle de constitucionalidade e de legalidade.

    A segunda parte trata das receitas e das despesas pblicas, inclusive do crdito pblico. Nosseus captulos, analisamos com detalhes os diversos instrumentos de financiamento do Estadobrasileiro, desde aqueles originados do prprio patrimnio estatal at os arrecadados do cidado,com destaque para a receita tributria, suas espcies e disposies constitucionais. Apresentamos ascaractersticas do novo modelo de desvinculaes de receitas estatais que, alm da tradicional DRU(Unio), passam a incluir a DRE (Estados/DF) e DRM (Municpios). Dedicamos especial atenopara a questo do relacionamento entre os direitos humanos fundamentais e a tributao, alm deabordar o tema da judicializao desses direitos. Compreendemos as finalidades do crdito pblico,tanto como mecanismo de interveno na sociedade, quanto como instrumento de financiamentopblico, ao pesquisar suas espcies, caractersticas e formas de materializao. Tratamos, ainda, das

  • despesas pblicas como concretizao das polticas pblicas, suas caractersticas, classificao,espcies e os procedimentos para sua realizao, alm da questo da corrupo sistmica comodespesa pblica. Por fim, analisamos o novo regime fiscal do teto de gastos pblicos.

    A terceira parte analisa a contabilidade pblica. Buscamos compreender a conexo e ainterao entre as regras da Contabilidade Pblica e as normas do Direito Financeiro. Procuramosdemonstrar os benefcios de se conhecer e aplicar a tcnica da Contabilidade Pblica como relevanteinstrumento de gesto para o administrador pblico, assim como de eficaz sistema de informaespara o cidado. Destacamos e avaliamos seus principais conceitos, mecanismos e institutos.

    A quarta parte discorre sobre o oramento pblico. Estudamos esse relevante instrumento deplanejamento do Estado Democrtico de Direito, onde so previstas as receitas e fixadas asdespesas. Aqui, compreenderemos que, mais do que um documento tcnico, o oramento pblicorevela as polticas pblicas do Estado ao procurar atender s necessidades e aos interesses dasociedade, conjugando-as com as possibilidades e pretenses de realizao do governante.Analisaremos as normas que orientam sua criao, interpretao, execuo, avaliao e controle.

    A quinta e ltima parte explora as caractersticas da responsabilidade fiscal, nova cultura degesto na Administrao Pblica brasileira, a partir da edio da Lei Complementar n 101/2000.Identificamos as circunstncias polticas e econmicas que demandaram a nova legislao, bemcomo as origens e os modelos normativos que influenciaram a edio da lei. Analisamos osprincipais elementos e aspectos da legislao de responsabilidade fiscal brasileira, tais como asregras para o equilbrio e a transparncia fiscal, a limitao de despesas e do endividamento, e assanes aplicveis em caso de infrao a suas normas.

    Cada uma dessas cinco partes em que est dividido o presente livro representa uma frao deuma importante rea do conhecimento humano, desenvolvida e consolidada pelo Direito Financeiro,cincia jurdica responsvel por disciplinar os meios e as formas de o Estado brasileiro realizar suafuno: oferecer uma vida digna e prspera a todos seus cidados.

    E conhecer suas normas o primeiro passo para sua concretizao.

  • PARTE INoes Gerais

    O Estado de Direito uma criao do homem moderno, institudo e organizado para oferecer coletividade as condies necessrias realizao do bem comum, da paz e da ordem social. Suafuno, portanto, servir de instrumento para atender s necessidades individuais e coletivas, que seidentificam e se definem atravs dos contornos polticos, jurdicos, sociais e constitucionais de cadanao.

    Para tanto, o Estado depende de recursos financeiros, que advm do seu prprio patrimnio edo patrimnio dos cidados que o integram. Arrecad-los, geri-los e aplic-los funo da atividadefinanceira, que se beneficia dos estudos feitos pela Cincia das Finanas, tendo no DireitoFinanceiro o ramo do Direito Pblico destinado a disciplinar essa atividade.

    Entender os fatores que influenciaram o desenvolvimento da atividade financeira, conhecer suascaractersticas, natureza e funes, identificando os valores e normas que a disciplinam, so nossosobjetivos iniciais.

  • Captulo 1ESTADO, FINANAS PBLICAS E ATIVIDADE

    FINANCEIRA

    Imagine-se uma comunidade, independentemente do local ou da poca, cujos integrantes vivemcom base na solidariedade e ajuda mtua, em que cada um colabora da sua maneira e conforme suasaptides para que o grupo coexista harmonicamente. Dependem, basicamente, do que a natureza lhesdisponibiliza ou do que dela extraem ou do que produzem. Nela no existem escolas, hospitais,estradas etc. O ensinamento transmitido dos mais velhos para os mais novos. As doenas eenfermidades so tratadas de maneira caseira e natural. A propriedade coletiva e disponvel paratodos. Os idosos subsistem graas aos mais jovens. Vive-se essencialmente em paz, interna eexternamente.

    O cenrio ora descrito, apesar de possuir traos de romantismo e at mesmo um lado buclico,contempla uma srie de dificuldades para os indivduos que integram essa sociedade. Como aconvivncia pautada na solidariedade e na ajuda mtua, se estas faltarem, o egosmo e oindividualismo prevalecero e os conflitos se multiplicaro. Por sua vez, a soluo desses conflitospassar a ser resolvida direta e individualmente pelos interessados e ser dada por aquele quedetiver maior fora ou poder de convencimento. J que dependem dos recursos da natureza, se estesminguarem ou se esgotarem, a busca pela subsistncia ser feita sem qualquer limitao ou ordem.Os idosos, que esto sujeitos compaixo dos demais, perecero sem a ajuda dos mais novos. Se ogrupo for atacado por agressores externos, lutaro enquanto puderem, com uma defesa incipiente edesorganizada, e certamente se subjugaro no final aos mais fortes.

    Diante desses problemas, o homem buscou uma soluo e a encontrou pela criao do Estado,1

    forma de associao coletiva, capaz de proporcionar os meios necessrios para sua existncia dignae satisfatria. Sua concepo contempla diversas teorias, as quais foram objeto de estudos deinmeros pensadores e filsofos, desde Aristteles e Plato, at Hugo Grotius, Immanuel Kant,Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e tantos outros.

    As concepes acerca do Estado e tentativas de explicao desse fenmeno perpassam as maisdiversas correntes do pensamento, na busca da traduo do modelo que melhor possa atender ao serhumano em suas vicissitudes. Por bvio, impossvel chegar a uma formulao unitria do conceitode Estado, dependendo sua conceituao dos diversos pontos de vista e ideologias que informamcada autor que se prope a estud-lo e sobre ele teorizar, como recorda Sahid Maluf: umesclarecimento se impe antes de tudo: no h nem pode haver uma definio de Estado que sejageralmente aceita. As definies so pontos de vista de cada doutrina, de cada autor. Em cada

  • 1.1.

    definio se espelha uma doutrina.2

    Assim, ao longo dos tempos, o Estado teve inmeras formas e caractersticas. Hoje, podemosdizer que sua estrutura ideal a de Estado de Direito, institudo pela vontade de todos os seusintegrantes, atravs de um pacto social, submetido a um ordenamento jurdico, com a finalidade depromover o bem de todos.

    Mas h um custo para atender s necessidades individuais e coletivas, e ser atravs daatividade financeira que o Estado ir desenvolver e realizar essa tarefa.

    INTRODUO ATIVIDADE FINANCEIRAO Estado de Direito contemporneo uma organizao que tem por objetivo oferecer

    coletividade, atravs do respeito aplicao de um ordenamento jurdico, as condies necessrias realizao do bem comum,3 da paz e da ordem social. Existe, portanto, para atender snecessidades pblicas4 de uma sociedade, assim compreendidas as necessidades individuais dosseus integrantes, tais como alimentao, habitao, vesturio; as necessidades coletivas, como opoliciamento, o transporte coletivo, a rede de hospitais ou de escolas, o sistema judicirio; e asnecessidades transindividuais, que vo desde a manuteno da ordem interna defesa nacional, ofomento e o desenvolvimento econmico, social e regional, a tutela dos direitos fundamentais e aproteo do meio ambiente. Para realizar essa tarefa, o Estado depende de recursos financeiros, queadvm tanto do seu prprio patrimnio como do patrimnio dos cidados que o integram, nasdiversas modalidades de receitas pblicas.

    Sabemos, entretanto, que tais recursos so limitados e escassos, e que por isso devem sercuidadosamente geridos. Essa questo, alis, objeto de estudos realizados pela Anlise Econmicado Direito e tratada na Teoria dos Custos dos Direitos (Cost of Rights Theory).5

    Ao exercer essa funo, o Estado deve atender s polticas e diretrizes impostas na realizaodas despesas pblicas, estabelecidas pelos respectivos governantes, conforme as limitaes e osparmetros constitucionalmente previstos.

    Assim, para regular esse relacionamento entre Estado e Cidado, temos o Direito Financeiro,que ir fixar os princpios e as regras para a arrecadao, a gesto e a aplicao dos recursospblicos. Afinal, como j ensinava, h mais de 50 anos, Ernst Blumenstein,6 rege a atividadefinanceira o princpio fundamental do moderno Estado de Direito, pelo qual toda manifestao dopoder pblico se submete a um ordenamento jurdico.

    Como bem sintetizou Plato: O Estado nasce das necessidades humanas.7 Portanto, o Estadosimboliza o agrupamento de indivduos que o integram, representando o produto do desenvolvimentonatural de uma determinada comunidade que se estabelece em um territrio, com caractersticas epretenses comuns. Quando essa determinada comunidade social alcana certo grau dedesenvolvimento, a organizao estatal surge por um imperativo indeclinvel da natureza humana e

  • se desenvolve demandando seu aperfeioamento em consonncia com os fatores telricos e sociaisque determinam fatalmente a evoluo das leis.8

    Na sntese de Joo Ricardo Catarino,9 se o fim da sociedade o bem comum, este torna-se ofim de todos e de cada um dos seus membros. Ele se distingue do bem particular e do bemgovernamental. Portanto, o Estado10 que conhecemos hoje no tem um fim em si mesmo. um meroinstrumento da prpria sociedade, para possibilitar sua existncia. Sua finalidade , portanto, amanuteno da ordem social e o desenvolvimento da comunidade em que est inserido, utilizando,para tanto, o Direito.11 E quanto mais complexa for essa sociedade, maior ser a dependncia a suasnormas jurdicas, face diversidade de relaes que se instauram e os possveis conflitos que, pordecorrncia, surgem.

    Nesse sentido, segundo o italiano Ezio Vanoni, 12 o Estado no oferece apenas segurana internae externa, proteo indstria, ao comrcio, agricultura, mas tende ainda, pela sua atividade, apromover obras culturais, a socorrer indigentes e os doentes, a favorecer a elevao moral eintelectual das classes menos privilegiadas etc.; em todas estas atividades, fcil enxergar umafuno distributiva do Estado. O Estado apresenta-se, assim, como um conjunto de indivduos queprocuram, em cooperao, a satisfao das necessidades por eles experimentadas em sua qualidadede membros do grupo poltico. Em sua atividade orientada para a consecuo daquele fim, osindivduos atuam ajudando-se mutuamente, enfeixando as vrias energias individuais, colocando-se,no um diante do outro, mas lado a lado, para unir o seu esforo ao dos outros membros dacomunidade. Fica clara aqui a funo instrumental do Estado contemporneo, como adverte GiorgioDel Vecchio: 13 O Estado, no sendo um fim em si mesmo, tem por finalidade precpua atender razo natural da vida em sociedade e promover a realizao das expectativas do homem em busca dafelicidade comum, ou seja, na realizao do bem comum.

    Assim, essa organizao formal, criada pela prpria coletividade para represent-la e paraprover a seus integrantes um conjunto de bens e servios que garantam seu bem-estar, irdesenvolver, atravs de seus rgos e agentes, atividades de natureza poltica, social, administrativa,econmica, financeira e jurdica. Essas atividades, em cada nao, dependem do modelo jurdico-constitucional adotado e do ambiente jusfilosfico em que se inserem. Seja na democracia, noautoritarismo, no presidencialismo, no parlamentarismo, no liberalismo ou no Intervencionismo,todos esses modelos polticos, regimes de governos e doutrinas econmicas so variantes existentesde acordo com o tempo e com o lugar, e determinaro a relao do Estado com seus integrantes e suaforma de atuao.

    Explica Aliomar Baleeiro14 que

    determinadas necessidades coletivas so consideradas pblicas em determinada poca, ou em certopas, e no se revestem desse aspecto em outra poca ou noutro pas. que a medida das

  • intervenes do Estado, na vida humana, varia de pas para pas, e at mesmo no mesmo pas,conforme a poca, as tradies, as instituies polticas, menor nos pases de inclinaesindividualistas ou de fortes iniciativas individuais.

    Aqueles que detm o poder do momento estabelecem as regras do Direito que lhes melhorconvier.15 Em todos os lugares e em todos os momentos da histria isso se percebe claramente. NoBrasil, assim ocorreu durante a transio entre o Imprio e a Repblica, nas alternncias de regimesdemocrticos e autoritrios do sculo XX e, igualmente, na passagem do regime militar para a NovaRepblica, com a promulgao da Constituio Federal de 1988.

    A Constituio Federal de 1988, que consolidou a redemocratizao do Estado brasileiro apsvinte anos de ditadura militar, possui nitidamente um hibridismo em seu perfil, originrio damultiplicidade de interesses presentes na Assembleia Constituinte instalada em 1 de fevereiro de1987, j que demonstra uma constante tenso entre os valores sociais e os liberais, influenciando,portanto, sobremaneira a forma de atuao do Estado brasileiro, especialmente atravs da sua funofinanceira.

    Na concepo jurdica moderna, a Carta Constitucional brasileira de 1988 deixa de ser um textoformal, meramente programtico e passa a ser considerada um sistema normativo aberto deprincpios e regras, permevel a valores jurdicos suprapositivos, no qual as ideias de justia e derealizao dos direitos fundamentais desempenham um papel central.16 Ao conceder maiorefetividade aos valores sociais constitucionalmente previstos, permite-se exercer a funo estatal demaneira mais equilibrada, balanceando e ponderando seus princpios e regras, com aqueles denatureza liberal. Esse fenmeno explicado por Lus Roberto Barroso,17 para quem a superaodo legalismo, no de forma abstrata ou metafsica, mas pelo reconhecimento de valores fundamentais,quer positivados ou no, expressos por princpios dando ao ordenamento unicidade e condicionandoa atividade do intrprete.

    Afinal, estabelece o art. 1 da Constituio de 1988 que a Repblica Federativa do Brasil temcomo fundamentos: I a soberania; II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV osvalores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; V o pluralismo poltico. Na lio de RicardoLobo Torres,18

    tais princpios fundantes, que so princpios de legitimidade do Estado Democrtico de Direito,abrem-se para a ponderao e o balanceamento frente aos interesses em jogo em cada situaoespecfica. Legitimam-se por princpios formais que se irradiam por todo o sistema normativo, ticoe jurdico.

    A soberania passa a ser ponderada com os direitos humanos e com a dignidade da pessoahumana, voltando a encontrar seu fundamento na liberdade do homem e no contrato social. A

  • 1.2.

    cidadania volta a fundamentar o status jurdico do cidado e transforma-se em cidadaniamultidimensional, a compreender a dignidade da pessoa humana e simultaneamente os valoressociais do trabalho e da livre-iniciativa. A dignidade humana deixa de ser dominante no elenco dosprincpios fundamentais, como acontecia ao tempo do fastgio do Estado de Bem-Estar Social, parase colocar tambm no jogo da ponderao com os outros princpios, mxime o da soberania. Osvalores sociais do trabalho e da livre-iniciativa so intercambiveis, pois a noo de trabalhoprescinde de vnculo empregatcio. O pluralismo poltico e a democracia, finalmente, permitem oequilbrio e a afirmao de todos os outros princpios fundantes, com a intermediao da ponderaoe da razoabilidade.

    Esto fixados no art. 3 da Constituio brasileira de 1988 os objetivos a serem realizados pelaRepblica Federativa do Brasil. Construir uma sociedade livre, justa e solidria, desenvolver o pas,acabar com a pobreza e a marginalizao e minimizar as desigualdades sociais e regionais,promovendo o bem de todos. So nobres intentos a serem efetivamente atingidos e no merassugestes, recomendaes ou expectativas.

    Perante tantas pretenses, imprescindvel obter e manter recursos financeiros de todas asordens disposio do Estado, possibilitando atingir tais objetivos. E, neste momento, deparamo-noscom a difcil tarefa de equalizar as limitaes financeiras do Estado brasileiro de hoje e asdificuldades de gesto pblica com a necessidade de desenvolver a economia, extirpar a pobreza eas desigualdades e fomentar a livre-iniciativa, tudo de forma justa e solidria, sem violar os direitosdos indivduos e sem abrir mo dos valores sociais.

    Diante desse cenrio, percebe-se que, hoje, a Fazenda Pblica no se confunde mais, comooutrora, com a Fazenda do Governante, do Prncipe ou da Coroa. Assim, o Estado Absolutista ouPatrimonialista, como muitos o denominaram, acaba por ser substitudo, aps longa evoluo eeventos histricos relevantes, marcadamente pelo surgimento e consolidao do Constitucionalismo,pelo atual Estado Democrtico de Direito, em que as regras para a realizao da atividade financeiradecorrem, principalmente, dos parmetros estabelecidos na Constituio e nas respectivas normasinfraconstitucionais.

    Portanto, no h dificuldades em compreender e identificar a forma como o Estado Democrticobrasileiro ir realizar sua atividade financeira. A aquisio de receitas, sua gesto e a respectivaaplicao de tais recursos estaro definidos a partir dos propsitos estabelecidos pelos governos decada momento, caracterizados, sempre, numa atuao pautada nos valores previstos na ConstituioFederal de 1988, a saber: a soberania da nao, o incentivo ao exerccio da cidadania, a realizaoda dignidade da pessoa humana, das necessidades sociais e a valorizao do trabalho e da livre-iniciativa, ideais que devemos perscrutar como cidados e exigir como operadores do Direito.

    EVOLUO DO ESTADO, DAS FINANAS PBLICAS E DA

  • ATIVIDADE FINANCEIRAA origem da palavra finanas controvertida. Para alguns autores, vem da palavra inglesa

    fine, que se refere ao pagamento de multas. Outros a relacionam ao termo alemo finden,relativo a encontrar.19 Para Benvenuto Griziotti,20 o substantivo finanas provm do latim medievalfinancia e indica os diferentes meios necessrios para os gastos pblicos e a realizao dos finsdo Estado. Esclarece Hctor Villegas que o vocbulo finanas deriva da palavra latina finis e doverbo latino finire,21 que gerou posteriormente, em latim medieval, o verbo finare e o termofinatio. Este ltimo teve seu significado mudado atravs dos tempos.

    Na Idade Mdia, em um primeiro momento, designava deciso judicial, depois passou a indicara multa fixada em juzo e, finalmente, os pagamentos e prestaes em geral. Em um segundo perodo,por volta do sculo XIV, os negcios financeiros eram identificados com os negcios monetrios emgeral, e, ao mesmo tempo, dava-se palavra finanz o significado negativo de intriga, usura e fraude.Em um terceiro perodo, primeiro na Frana e depois em outros pases, a palavra finanas passou aser empregada unicamente em relao aos recursos e despesas do Estado e das comunas.22

    No Brasil colonial, a palavra finanas era utilizada para fazer referncia fazenda real, queconstitua a parte dos bens do Estado qual o Rei tinha direito para satisfazer suas necessidades,passando, depois, a ser empregada para designar a administrao do dinheiro pblico. Finalmente,agregou-se o adjetivo pblico palavra finanas, para distinguir as finanas estatais das finanasprivadas.

    Podemos dizer, hoje, que as finanas pblicas tratam dos instrumentos polticos, econmicos ejurdicos referentes captao de recursos financeiros (receitas pblicas) para o Estado, a suaadministrao (gesto e controle) e, finalmente, a respectiva aplicao (despesas pblicas) nasnecessidades pblicas, assim as identificadas como de interesse coletivo.

    Segundo Edilberto Carlos Pontes Lima23

    as finanas pblicas so um daqueles assuntos que ficam na fronteira entre a poltica e a economia. Amatria lida com decises que tm impactos significativos sobre a renda disponvel das pessoas edas empresas, como a tributao, o acesso maior ou menor a bens e servios, por meio dos gastospblicos, e a distribuio da arrecadao e dos gastos entre pessoas, grupos e regies do pas.

    Para J. Albano Santos,24 entende-se por finanas pblicas o estudo da atividade econmica dosentes pblicos destinada a obter, utilizar ou controlar os seus recursos econmicos.

    Portanto, nas finanas pblicas esto inseridas a atividade financeira, a cincia das finanas e odireito financeiro.

    At fins do sculo XVIII e incio do sculo XIX, no se podia falar em finanas pblicas e,muito menos, em uma atividade financeira estatal destinada s necessidades coletivas. Certo,

  • tambm, que no podemos comparar os modelos estatais do sculo XX e do incio do sculo XXIcom a estrutura e finalidade estatal da Antiguidade ou mesmo da Idade Mdia. Muito pelo contrrio,a concepo de Estado que temos hodiernamente que teve suas primeiras linhas rascunhadas naAntiguidade Clssica, pelas estruturas da cidade-estado grega e pelo Imprio Romano foi deixadacompletamente de lado durante a Idade Mdia. E, com o declnio do regime feudal, a unificao dereinos e a ascenso da burguesia consolidaram uma nova realidade, caracterizada pelo surgimentodas pequenas cidades e centros urbanos, com concentraes populacionais que demandavaminmeros servios pblicos e a atuao de um poder central. Nessa linha que surge a estrutura doEstado Moderno, com a necessidade de uma organizao estatal para a administrao e a execuode suas atividades.25

    Porm, at ento, os governantes, para fazer face s despesas necessrias sua existncia e aocumprimento de suas propostas e ideias, valiam-se de vrios meios universalmente conhecidos, taiscomo as guerras de conquistas, as extorses de outros povos e colnias, as doaes voluntrias, afabricao de moedas metlicas ou de papel-moeda, a exigncia de emprstimos ou mesmo deconfiscos, pelas rendas produzidas por seus bens e suas empresas, pela imposio de penalidades e,especialmente, pelo tributo (desprovido, inicialmente, das caractersticas de justia que temos hoje).

    Registre-se que, quando tratamos das finanas pblicas e da atividade financeira nos dias dehoje, referimo-nos aos seus trs componentes arrecadao, gesto e aplicao estudados pelacincia das finanas e disciplinados pelo Direito Financeiro. Mas, historicamente falando, odesenvolvimento das finanas pblicas estava essencialmente focado no seu brao arrecadatrio, ouseja, na receita pblica de natureza tributria, no havendo preocupao com a administrao dessesrecursos nem com sua destinao. Por isso, o estudo do desenvolvimento histrico dessa cincia sefaz a partir da anlise da evoluo da tributao.26

    Historicamente, com um vis meramente arrecadatrio-tributrio, j que no se podia identificaro seu brao oramentrio, a atividade financeira j podia ser encontrada na Antiguidade Clssica,essencialmente, para fazer face aos gastos militares com guerras de conquistas. Assim, na Grcia,identificava-se uma contribuio para sustentar o exrcito que defendia a cidade-estado, denominadaeisphora, incidente sobre o patrimnio do cidado. Em Atenas havia tambm uma contribuio paracustear a marinha nacional, devida por todo cidado cuja fortuna atingia 10 talentos (os quepossuam menos de 10 talentos se associavam para o fornecimento de uma galera).27 Roma, alm daextorso sobre os povos conquistados, igualmente possua um tributo que recaa sobre a fortuna doscidados. Registros histricos apresentam a centesima rerum venalium, criada pelo imperadorromano Augusto, que incidia com uma alquota de 1% sobre o valor das mercadorias vendidas,28 e acollatio lustralis, tributo institudo por Constantino Magno, tambm incidindo sobre os comerciantesno Imprio Romano. Posteriormente, criaram-se os impostos aduaneiros (portorium), de mercado(macelum), taxas judiciais e assim por diante. proveniente daquela poca a origem da palavrafisco, relativo ao fiscum, nome do cesto que o coletor usava para colocar o dinheiro arrecadado

  • dos impostos, e a procedncia da palavra tributo, do latim tributum, que significava conceder,fazer elogios ou presentear, designando, naquele tempo, as exigncias em bens e servios que osconquistadores faziam aos povos conquistados, como um tributo em favor do seu dominante.29

    N a Idade Mdia (476 a 1453), com uma estrutura poltico-administrativa descentralizada,baseada no feudalismo e localizada inicialmente nos campos, muitos tributos cobrados pelossenhores feudais incidiam sobre os camponeses, recaindo em at 50% sobre sua produo (censo,quando valor fixo, ou meeiro, quando por produo obtida), alm das taxas de comercializao,cobrana sobre produo especfica (talhas) e taxas para utilizao de moinhos ou fornos(banalidades). Porm, as cobranas mais extorsivas incidiam sobre os servos, impondo-se desde otrabalho forado dos mesmos nas terras senhoriais, para a construo e manuteno de seus imveise estradas (corveia), at a cobrana de uma taxa de casamento quando um servo se casava com umapessoa livre (formariage), alm da cobrana em decorrncia de herana (main-morte). Ademaisdestes, era comum encontrarmos a cobrana genrica da taxa sobre o sal (gabela), o dzimo pago Igreja (originalmente introduzido pelos Carolngios, no sculo VIII, como indenizao Igreja pelaperda de terras entregues a vassalos militares, mas que acabou se estendendo por toda a Europaocidental como um tributo comum de 10% sobre toda a renda) e o pedgio cobrado pela passagemnas terras particulares (pe age).30

    Esse sistema de tributao se estendeu at a formao dos Estados Nacionais, na denominadaIdade Moderna (1453 a 1789), com a decadncia da ordem feudal, dando incio ao perodocaracterizado pelo absolutismo monrquico. A partir da transformao dos feudos em reinos e estesem cidades, em nome de uma necessria centralizao poltico-administrativa, a tributao passa a sedar em favor do Rei, representante do Estado, e cobrada desregrada e pesadamente dostrabalhadores, camponeses, artesos e comerciantes (burguesia), mas no da nobreza e clero, classessociais que nada pagavam, consideradas parasitrias. O exemplo histrico mais notrio darealidade econmica e social dessa era foi o Estado Nacional na Frana, sob o reinado de Lus XIV,conhecido pela mxima LEtat cest moi (O Estado sou eu), e cujo lema era: Quero que o cleroreze, que o nobre morra pela ptria e que o povo pague. Nesse perodo, com a expanso martima, omercantilismo e o incio da industrializao, consolida-se a cobrana regular de tributos em moeda eno mais em mercadorias ou servios, como ocorrera ao longo de toda a Idade Mdia, e surgem asespcies tributrias que deram origem aos impostos que temos hoje, tais como o imposto de renda, osimpostos sobre a produo e sobre o comrcio e os impostos aduaneiros.

    N o Brasil, aps seu descobrimento, em 1500, permanecendo na condio de colnia dePortugal, onde inicialmente reinou Dom Manuel I, consolidaram-se as Ordenaes do Reino(Ordenaes Afonsinas e Ordenaes Manuelinas), passando o Direito portugus a vigerimediatamente no Perodo Colonial brasileiro.31 Os custos do financiamento das expediescolonizadoras e, posteriormente, de proteo da costa brasileira contra os saqueadores, tornaram-se,

  • ao longo do tempo, um elevado encargo para o errio portugus. Em decorrncia, introduziu-se aquium conjunto de tributos e normas impositivas que tinham como finalidade principal cobrir os gastosda Coroa portuguesa e, se possvel, ainda proporcionar-lhe lucros. Entretanto, no havia um sistemafinanceiro e tributrio organizado e, muito menos, pautado em razoabilidade, igualdade, capacidadecontributiva, programao oramentria ou justia fiscal.

    do perodo Pr-Colonial32 (1500-1530) a primeira forma de tributao a partir da exploraoeconmica em nossas terras, recaindo na modalidade de pagamento por arrendamento sobre aextrao do pau-brasil realizada por aqueles que recebiam essa concesso da Coroa, tendo, ademais,como espcie de tributao indireta, a obrigao de defesa das terras com a construo deedificaes no litoral. Destaca-se, na poca, a figura do mercador lisboeta Ferno de Noronha, aquem podemos atribuir ser um dos primeiros contribuintes de tributos do Brasil.33 Mas noperodo Colonial (1530-1808), a partir da instituio das Capitanias Hereditrias, com odesenvolvimento do cultivo da cana-de-acar, da criao de gado, da produo e exportao detabaco e do trfico negreiro, que temos os primeiros tributos propriamente ditos. Nesse sentido, ostributos impostos pela metrpole abrangiam, dentre outros: os direitos de entrada, imposto sobre acirculao de mercadorias incidente quando estas ingressavam nas regies da Coroa por suasfronteiras; a quinta real ou vintena34 sobre o pau-brasil, especiarias, fumo, acar e pescado; osdireitos de portagem nos rios (impostos de navegao); as quintas (20%) de ouro e diamantes (aderrama originou-se do imposto derramado sobre todos, quando a quantidade de 100 arrobasanuais de ouro no fosse remetida para a Metrpole);35 e os dzimos eclesisticos (10%) sobre todasas rendas, ganhos ou lucros dos servios e negcios;36 a finta para custear as obras; abarcagem,37 que incidia sobre a passagem nos rios e a redzima, que era a dzima sobre a dzimaj cobrada.38

    Com a transferncia da Famlia Real para o Brasil em 1808 e o aumento dos custos parasustentar a Corte no Brasil, ampliaram-se os mecanismos de arrecadao e cobrana de impostos:39 aabertura dos portos gerou a instituio do Imposto sobre Importaes, na base de 24% sobre o valordas mercadorias (Carta Rgia de 28 de janeiro de 1808); tivemos a instituio do Imposto do Selo(Alvar de 17 de junho de 1809); e a regulamentao do Imposto Predial, o qual tributava osimveis urbanos, fazendo incidir a alquota de 10% sobre o valor locativo,40 que era inicialmentedenominado dcima urbana e, posteriormente, imposto sobre prdios urbanos. Alm desses,havia ainda a Contribuio de Polcia (Decreto de 13 de maio de 1809), a Penso para a CapelaImperial (Alvar de 20 de agosto de 1808), o Imposto de Sisa, onerando em 10% toda compra,venda e arrematao de bens de raiz imvel urbano (Alvar de 3 de junho de 1809), a meia sisados escravos, tributando em 5% toda venda de escravos (Alvar de 3 de junho de 1809), a de cimasobre legados e heranas (Alvar de 17 de junho de 1809), alm de vrios outros.41 Com aIndependncia (1822), tivemos a criao do imposto de indstria e profisses, que incidia sobre aatividade industrial ou profissional, o imposto sobre os vencimentos e o imposto sobre a

  • exportao.42

    Do ponto de vista dos tributos, o Brasil independente herdou do perodo colonial uma precriaestrutura. De alguma forma, pode-se dizer que o momento da independncia do pas, em 1822,acenava para um desejado rompimento, inclusive com os excessos fiscais que vinham da Coroa. assim que, em Manifesto do Prncipe Regente do Reino do Brasil aos Governos e Naes Amigas,em 6 de agosto de 1822, D. Pedro afirma que Portugal desejava que os brasileiros pagassem at oar que respiravam e a terra que pisavam.43

    A Independncia em 1822 faria com que a receita arrecadada pela cobrana dos tributos nomais deixasse o Brasil; todavia, a injustia do sistema de cobrana pouco se alteraria. Mas no sepode desconsiderar o incio do respeito ao Princpio da Capacidade Contributiva, identificado noart. 179, XV, da Carta outorgada em 25 de maro de 1824, ao prescrever que: Ningum ser isentode contribuir para as despesas do Estado em proporo de seus haveres. Nessa fase, desde operodo regencial at a formao da Repblica, esboava-se a sistematizao tributria, com adescentralizao e a discriminao de rendas tributrias entre o Governo central, as Provncias e osMunicpios.44

    Mas somente com a Proclamao da Repblica, em 1889, o sistema financeiro e tributriobrasileiro passou a estar definido formalmente (na Constituio Federal de 1891), podendo-se, apartir dessa Carta, dizer que o Brasil ganhou um sistema tributrio, contendo inclusive limitaes aopoder de tributar. Na Constituio de 1891, firma-se a competncia tributria da Unio (art. 7)45 edos Estados (art. 9),46 ficando a dos Municpios a critrio dos Estados a que pertenciam. Muitostributos foram aproveitados dos que j eram cobrados no perodo imperial, mas agora passavam aser distribudos na estrutura republicana. Destaca-se, ento, a criao do imposto de renda (1922) e,ao longo da Repblica, a paulatina transformao do Imposto sobre o Consumo, nas primeirasdcadas do sculo XX, no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de hoje.

    Desse breve relato histrico da tributao no mundo e no Brasil, percebe-se que, somente apsuma longa evoluo, em que inicialmente o Estado no conhecia qualquer limitao atingindo seupice no Absolutismo Monrquico, onde aquele era apenas um instrumento de realizao dosprprios governantes , passou, aps vrias lutas, revoltas e revolues,47 o Estado Contemporneoa ser estruturado com base no Estado Constitucional de Direito, que busca equilibrar as liberdadesindividuais e o poder estatal, por meio da submisso lei, diviso de poderes e garantia dosdireitos individuais.

    Percebe-se pelas constituies contemporneas que concretizaram, a partir do final do sculoXVIII, o esprito de luta contra a opresso dos governantes que se encontravam no poder e oexerciam de forma absoluta a supremacia do Direito, espelhada no primado da constituio e nabusca da instituio de um governo no arbitrrio e limitado pelo respeito devido aos direitos dohomem.48

  • Sinteticamente, podemos dizer que a atividade financeira evolui no Estado Contemporneo daseguinte maneira: inicialmente, no Estado liberal, com poucos investimentos e gastos pblicos emnima interveno; em um segundo momento, no Estado intervencionista, em que aumentam asdespesas pblicas e a funo interventiva estatal exacerba-se; passa-se, ento, ao Estado social oudo Bem-estar Social, em que o atendimento dos direitos sociais para toda a sociedade torna-seprioritrio e universal; finalmente, chega-se ao Estado oramentrio, em que as limitaesoramentrias so consideradas na realizao dos deveres estatais e no atendimento dos direitosfundamentais e sociais, com uma preocupao constante com o equilbrio fiscal entre receitas edespesas.

    Nessa linha, Paulo Bonavides nos relata que, nos ltimos dois sculos, o mundo atravessoualgumas mudanas paradigmticas que marcaram sobremaneira a sociedade contempornea.Primeiro, o Estado liberal; a seguir o Estado socialista; depois, o Estado social das constituiesprogramticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo teor abstrato e bem-intencionado de suasdeclaraes de direitos; e, por ltimo, o Estado dos direitos fundamentais, capacitado dajuridicidade e da concreo de regras que garantem esses direitos.49

    A tnica das primeiras constituies modernas era a liberdade. Na virada do sculo XVIII parao sculo XIX, surgem as primeiras constituies com o objetivo de estabelecer uma esfera deliberdade privada para os indivduos, livres da interferncia do Estado absolutista. Atravs dasConstituies modernas e suas ideologias de liberdade, fundamentaram-se as ideias do liberalismoeconmico, em que o mercado possuiria leis naturais e o equilbrio seria alcanado de formaespontnea, sem nenhum tipo de interferncia estatal. Era a fase conhecida como a era doliberalismo econmico, tendo como lema o deixar fazer: Laissez-faire, laissez-passer, le mondeva de lui-mme. O perfil individualista e minimalista do Estado liberal provocou imensasinjustias, e os movimentos sociais dos sculos passado e anterior, revelando a inadequao dasexcessivas liberdades imanentes aos preceitos burgueses, permitiram que se tivesse conscincia daefetiva necessidade de criao e utilizao de instrumentos para a realizao de justia social,levando ao reexame das obrigaes estatais. Segundo as palavras do constitucionalista Jos Afonsoda Silva:

    O individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensasinjustias, e os movimentos sociais do sculo passado e deste especialmente, desvelando ainsuficincia das liberdades burguesas, permitiram que se tivesse conscincia da necessidade dajustia social.50

    A reao ausncia estatal veio na poltica do Bem-Estar Social (teoria norte-americana doWelfare State), com um Estado intervencionista e provedor de inmeros bens e servios sociedade.Ao mesmo tempo, tinha uma natureza autoritria e centralizadora. Entretanto, esse modelo tambm

  • pecou pelo excesso, mormente por tornar-se politicamente absolutista em determinados Estados.Em outras naes, o socialismo e o comunismo, igualmente, sofreram crticas, longa resistncia

    e acabaram sucumbindo pelos abusos e exageros inerentes a suas respectivas propostas.Nessa esteira evolutiva, as funes do Estado tiveram de passar por mutaes substanciais tanto

    na forma como no contedo. As necessidades de uma sociedade globalizada, altamente complexa esistematizada, passaram a requerer uma atuao efetiva, constante e dinmica, capaz de harmonizaras relaes emergentes de conflitos latentes nas sociedades massificadas. Mas, ao mesmo tempo, talatividade assume um papel menos agressivo e interventor, atuando no seio da sociedade atravs deinstituies polticas e sociais (no Brasil, por exemplo, temos o Ministrio Pblico, o PoderJudicirio e o Congresso Nacional), pautando-se em fundamentos como os de segurana social, desolidariedade e de justia, que acabam por redesenhar o relacionamento entre Estado e cidado.Surge o que se denominou Estado Democrtico Social. Esse Estado, concebido nas bases do EstadoDemocrtico de Direito, busca conciliar os interesses da sociedade contempornea, garantindo alivre-iniciativa privada e, ao mesmo tempo, cuida da manuteno de uma poltica social, visandoassegurar a igualdade de oportunidades, redistribuio de riquezas e desenvolvimento econmicoequilibrado.

    O desenvolvimento das finanas pblicas no Estado de Direito Financeiro bem relatado porRicardo Lobo Torres.51 Segundo esse autor, vai do feudalismo aos dias de hoje e exibe contornosdiferentes em suas vrias fases: Estado Patrimonial, Estado de Polcia, Estado Fiscal e EstadoSocialista.

    Na Idade Mdia, a atividade financeira do Estado passou por um processo evolutivo, que seiniciou a partir do fim do feudalismo com o aparecimento do Estado Patrimonial, perodo em que seconfundia o pblico e o privado, especialmente quanto aos bens e rendas do Rei e aos do Estado.Tinha, primariamente, nas rendas patrimoniais ou dominiais a fonte de financiamento das guerras e damanuteno da Corte, e, apenas secundariamente, apoiava-se nas receitas fiscais, o que demonstravaa total ausncia de regras para a cobrana e muito menos para a realizao das despesas. No haviaqualquer indcio de regras oramentrias no Estado Patrimonial.52

    Essa forma, todavia, deu lugar ao denominado Estado de Polcia, no sculo XVIII,especialmente na Alemanha, ustria, Itlia, Espanha e Portugal, caracterizado por ser paternalista,intervencionista e centralizador, no sentido de garantir o bem-estar dos sditos e do Estado.53

    At aquele momento os direitos afetos liberdade eram praticamente inexistentes. No haviadireitos subjetivos em relao ao Estado. No havia delimitao da atuao e interferncia do Estadona sociedade. Tudo que o rei fazia era considerado lcito. Postulados conhecidos como the Kingcan do no wrong e le roi ne peut mal faire refletiam a total irresponsabilidade dos monarcas egovernantes da poca. As palavras do Rei da Frana Lus XIV (intitulado Rei Sol, maior encarnaodo absolutismo) expondo sua concepo de Monarquia Absoluta, so provas disso:

  • Todo poder, toda autoridade reside na mo do Rei e no pode haver outra autoridade no Reino a noser a que o Rei a estabelece. Tudo que se encontra na extenso de nossos Estados, de qualquernatureza que seja nos pertence (...) os Reis so senhores absolutos e tm naturalmente a disposioplena e inteira de todos os bens que so possudos tanto pelas pessoas da Igreja como pelosseculares (...).54

    Foi com o surgimento e o desenvolvimento do Constitucionalismo, no final do sculo XVIII,que nasceram as normas que trazem critrios de justia na arrecadao e na aplicao dos recursosfinanceiros, tendo como marco temporal a Revoluo Francesa, em 1789 (no obstante ideiaslimitadoras ao poder fiscal do governante, j previstas na Magna Carta inglesa, de 1215). AConstituio americana de 1787 declara, na Seo 8 do seu art. 1, que

    Ser da competncia do Congresso: Lanar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagardvidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos,impostos e tributos sero uniformes em todos os Estados Unidos; Levantar emprstimos sobre ocrdito dos Estados Unidos (...);

    At mesmo a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, contm normaexpressa sobre a arrecadao para as despesas pblicas, pautada na capacidade contributiva docidado: Art. 13 Para a manuteno da fora pblica e para as despesas de administrao indispensvel uma contribuio comum que deve ser dividida entre os cidados de acordo com suaspossibilidades. Na mesma linha, a Constituio Francesa de 1791 traz no seu art. 2 do Ttulo I,sobre as garantias fundamentais, a determinao de que Todas as contribuies sero igualmenterepartidas entre todos os cidados proporcionalmente aos seus recursos. E, na mesma linha,estabelece no art. 1 do seu Captulo III, competir ao legislativo (...) 2 fixar as despesas pblicas;3 estabelecer as contribuies pblicas, determinando sua natureza, sua quota, a durao e o modode sua arrecadao.

    A partir de ento, pode-se dizer ter surgido o oramento e as limitaes tributao. Comefeito, passa-se do Estado de Polcia ou Absolutista para o Estado de Direito,55 estruturado sobre oprincpio da legalidade (em decorrncia do qual at mesmo os governantes se submetem lei, emespecial lei fundamental, que a Constituio) e sobre o princpio da separao de poderes, quetem por objetivo assegurar a proteo dos direitos individuais, no apenas nas relaes entreparticulares, mas entre estes e o Estado.56

    Nessa esteira, ainda seguindo a lio de Ricardo Lobo Torres,57 os modelos anterioresacabaram substitudos pelo Estado Fiscal, como reflexo do Estado de Direito, caracterizado por umperfil liberalista e capitalista, menos intervencionista e que se baseia nos tributos como fonte dereceitas e permite aperfeioar a estrutura do oramento pblico (receitas e despesas autorizadas e

  • garantidas pelo legislativo), substituindo a tributao dos camponeses e servos pela dos indivduoscom direitos prprios assegurados.

    Esse Estado Fiscal teve trs fases distintas: a) Estado Fiscal Minimalista, que vai do sculoXVIII ao incio do sculo XX, sendo conhecido, tambm, como Estado Guarda-Noturno ou EstadoLiberal Clssico, que se restringia ao exerccio do poder de polcia, da administrao da justia e daprestao de uns poucos servios pblicos, razo pela qual no necessitava de maior arcabouoconstitucional para a arrecadao ou um sistema oramentrio amplo, por no assumir demasiadosencargos na via das despesas pblicas. Esse modelo feneceu na medida em que no atendia sdemandas sociais da poca, especialmente as dos trabalhadores, e no era capaz de superar as crisesdo mercado, que dependiam de instrumentos reguladores para permitir o seu pleno desenvolvimento;b ) Estado Social Fiscal, que vai do final da segunda dcada do sculo XX at o final da suapenltima dcada, conhecido tambm por Estado do Bem-Estar Social, Estado Distribuidor ouEstado Providencial, influenciado pelas ideias econmicas de Keynes (de controle da economia peloEstado; de redistribuio de rendimentos; de reduo das taxas de juros; de elevao dos gastospblicos para ampliar o emprego, os investimentos e o consumo). O Estado deixa de ser um merogarantidor das liberdades individuais e passa a intervir na ordem econmica, ganhando a tributaofeio regulatria e extrafiscal, tendo a atividade financeira se deslocado para a redistribuio derendas e promoo do desenvolvimento econmico e social. Mas essa forma de atuao do Estado,alm de passar por diversos eventos histricos desestruturantes (depresso econmica na dcada de1930, duas grandes guerras mundiais, diviso poltica no mundo e crises de petrleo), excedeu-se natributao e nos gastos pblicos, para atender sua poltica intervencionista e provedora deincentivos fiscais, de subsdios, de ampliao do assistencialismo, da previdncia e da seguridadesocial, entrando em uma grave crise financeira e oramentria pelo crescimento descontrolado dadvida pblica; c) Estado Democrtico e Social de Direito, a partir da ltima dcada do sculo XX,substitui o Estado Social Fiscal que se expandiu exageradamente e entrou em crise financeira. Temcomo apangio a diminuio do seu tamanho e do intervencionismo, caracterstica distintiva domodelo anterior, utilizando principalmente a tributao como fonte de receitas, j que asprivatizaes impuseram uma reduo das receitas patrimoniais. Trabalha com a ideia daesgotabilidade de recursos na via oramentria, buscando de maneira equilibrada entre receitas edespesas oferecer prestaes pblicas na rea da sade, da educao, do fomento economia e paraa reduo das desigualdades sociais. Nele, equilibram-se a justia e a segurana jurdica, alegalidade e a capacidade contributiva, a liberdade e a responsabilidade na proteo e naimplementao dos direitos humanos.58

    Para Dejalma de Campos,59 o desenvolvimento histrico das finanas estatais poderia serdivido em quatro fases: a) Estado parasitrio em que as finanas eram exercidas de formaemprica. Quando o Estado precisava de dinheiro, em lugar de examinar suas possibilidades deriqueza, procurava atacar o vizinho rico, escravizando-o; b) Estado dominial que se constituiu com

  • 1.3.

    a queda do Imprio Romano do Ocidente em 476 d.C., surgindo um novo tipo de atividade financeira,a dominial, que durou por toda a Idade Mdia, at 1453, caracterizando-se pela cobrana sobredireitos reais e possessrios; c) Estado regalista surgido no final da Idade Mdia, com a absorodas propriedades feudais formando as monarquias. Neste, a renda dos Estados no se baseavasomente nos tributos, mas, tambm, na explorao de certas atividades comerciais, como fumo, sal eespeciarias do Oriente, cujos lucros abasteciam o tesouro. Por serem atividades dominadas pelo rei,passaram a chamar-se regalias, da a nomenclatura de Estado regalista; d) Estado tributrio desenvolveu-se a partir de 1789, com a Revoluo Francesa, quando comeavam a ser estudadoscientificamente os elementos que influam na tributao. Os Estados passam a dar importncia paraas riquezas provenientes do tributo, da a denominao de Estado tributrio.

    Diversas teorias tentaram explicar o fenmeno da atividade financeira, o que foi muito bemsintetizado por Alberto Deodato.60 No relato deste autor, Senior e Bastiat sustentaram a teoria datroca, que se d entre os indivduos que pagam tributos e as comunidades polticas que efetuam osservios. Batista Say criou a teoria do consumo, segundo a qual o Estado, quando organiza e fazfuncionar os servios pblicos, no cria riquezas, apenas consome. Gaston Je ze ofereceu a teoria dautilidade, para quem produzir criar utilidade, com a repartio dos encargos entre os indivduos.Para Stein, a atividade financeira explica-se pela teoria da produtividade, em que as finanasconsistem num complexo de meios pecunirios destinados ao exerccio de uma indstria especial,numa transformao til de riquezas materiais. Vitti di Marco compara o Estado moderno a umagrande indstria, exercida na forma cooperativista para a produo dos bens pblicos. Seligman joferece o seu estudo sob o enfoque das necessidades individuais e coletivas.

    O fato que percebemos que o Estado Financeiro de hoje, atravs de uma postura equilibradano uso das finanas pblicas, amparado por limites e com parmetros pautados na justia fiscal,aspira a harmonizar os interesses individuais com os de toda a coletividade, implementando,simultnea e equilibradamente, polticas sociais a fim de franquear igualdade de oportunidades,redistribuio de riquezas e desenvolvimento econmico sustentvel. Para tanto, o Direito demandauma maior confluncia com os planos sociais, econmicos, ticos e morais, sem descuidar de valoresfundamentais como os da democracia, da liberdade, da igualdade e da dignidade humana.

    CONCEITO DE ATIVIDADE FINANCEIRAA atividade financeira uma das diversas funes exercidas pelo Estado. Destina-se a prover

    o Estado com recursos financeiros suficientes para atender s necessidades pblicas. Assim, aatividade financeira envolve a arrecadao, a gesto e a aplicao desses recursos.

    Rubens Gomes de Sousa,61 ao caracterizar a atividade financeira dentro das funes do Estado,explica que

  • simultaneamente com as atividades polticas, sociais, econmicas, administrativas, educacionais,policiais etc. que constituem a sua finalidade prpria, o Estado exerce tambm uma atividadefinanceira, visando a obteno, a administrao e o emprego de meios patrimoniais que lhepossibilitem o desempenho daquelas outras atividades que se referem realizao dos seus fins. Aatividade financeira do Estado desenvolve-se fundamentalmente em trs campos: a receita, isto , aobteno de recursos patrimoniais; a gesto, que a administrao e conservao do patrimniopblico; e finalmente a despesa, ou seja, o emprego de recursos patrimoniais para a realizao dosfins visados pelo Estado.

    Alberto Deodato62 conceitua a atividade financeira como sendo a procura de meios parasatisfazer s necessidades pblicas. E, justifica que

    essas necessidades so infinitas. De terras, de casas, de estradas, de ruas, de pontes, de navios, dedefesa interna e externa, de justia, de funcionrios e trabalhadores. Um mundo, enfim, de bens eservios... as suas funes no so mais apenas as de assegurar a ordem e a justia, mas as deprevidncia e assistncia. O zelo pela velhice e pela doena. Pela existncia digna. Pela famlia.Tudo isso custa dinheiro.

    Para o argentino Giuliani Fonrouge,63 a atividade financeira tem por finalidade tornar possvel ocumprimento dos objetivos do Estado e se manifesta, fundamentalmente, nas receitas, nas despesas ena gesto dos bens e recursos pblicos.

    J para o portugus Jos Manuel Cardoso da Costa,64 com vista satisfao das necessidadescoletivas a seu cargo, tm o Estado e demais entes pblicos de desenvolver uma extensa atividadetendente obteno de receitas e realizao de despesas, que a atividade financeira. No Estadode Direito, esta atividade pblica no mais realizada de maneira desordenada e arbitrria, mas,sim, de acordo com as normas jurdicas. Nas palavras do professor da Faculdade de Direito deCoimbra, o conjunto destas normas, ou seja, das normas jurdicas que disciplinam a atividadefinanceira do Estado e entes pblicos menores, que constitui o direito financeiro.

    Na mesma linha, o Professor Catedrtico da Faculdade de Direito de Lisboa Pedro SoaresMartnez65 ensina que as exigncias da satisfao das necessidades econmicas de carter pblico ede obteno de meios indispensveis respectiva cobertura impem ao Estado e s outras entidadespblicas uma atividade com caractersticas prprias: a atividade financeira. Mas a atividade e osfenmenos que abrange no podem deixar de integrar elementos jurdicos, cujo complexo designado por direito financeiro , que pode ser entendido como definio jurdica dos poderes dasentidades pblicas na obteno e no emprego dos meios econmicos destinados realizao dosseus fins.

    Por derradeiro, segundo Jos Casalta Nabais,66 o direito financeiro segmentado por trs

  • 1.4.

    setores bem diversos, a saber: o direito das receitas, o direito das despesas e o direito daadministrao ou gesto financeira. Neste momento, trs conceitos que se influenciam mutuamentemerecem distino e destaque. A atividade financeira envolve a funo de arrecadao, de gesto ede aplicao dos recursos estatais. Por sua vez, a cincia das finanas o ramo do conhecimentoque estuda os princpios e as leis reguladoras do exerccio da atividade financeira estatal,sistematizando os fatos financeiros. E o Direito Financeiro o ordenamento jurdico que disciplina aatividade financeira do Estado.67

    NATUREZA E FUNES DA ATIVIDADE FINANCEIRAComo se sabe, o Estado de Direito existe para ser um instrumento de efetivao das

    necessidades coletivas, classicamente compreendidas na expresso bem-comum. Para atender a taisintentos, a atividade financeira ir fornecer os recursos necessrios. Portanto, as funes daatividade financeira se restringem a um papel meramente instrumental, ou seja, resumem-se a umaatividade-meio, relacionada consecuo dos objetivos estatais, a qual, por sua vez, consubstancia aatividade-fim.

    Nas palavras do argentino Horacio Garca Belsunce,68 a atividade financeira no um fim doEstado, seno um meio de que se serve para o cumprimento dos seus objetivos.

    No devemos confundir as funes do Estado com as funes da atividade financeira. Enquantoaquele realiza uma atividade voltada a um fim prprio, razo da sua existncia, qual seja, atender coletividade, esta realiza uma atividade meramente instrumental, de fornecer os meios para tanto.Registre-se, porm, que a atividade financeira no a nica atividade instrumental do Estado.Juntamente com ela podemos identificar vrias outras, como, por exemplo, a atividade regulatria.

    Nesse mesmo sentido temos o entendimento de Giannini,69 para quem a atividade financeira doEstado se distingue de outras atividades estatais, exatamente por no ser um fim em si mesma, isto ,no visa realizar, de forma direta ou indireta, a satisfao de uma necessidade coletiva, mas, sim,exerce uma funo instrumental, porm de fundamental importncia, na medida em que o seufuncionamento condio indispensvel para a realizao das demais atividades.

    Entretanto, essa natureza exclusivamente instrumental no deve ser aceita quando se distingue aatividade financeira fiscal da extrafiscal, afirma Dino Jarach.70 Isso porque, segundo o autor, asfinanas extrafiscais no se propem finalidade de cobrir financeiramente os gastos pblicos, mas,sim, atravs dos meios financeiros, teriam finalidades pblicas diretas (intervencionista ouregulatria).

    Segundo Jos Souto Maior Borges,71 entre a atividade financeira e a prestao de serviospblicos, constata-se uma relao de meios para fins. Segundo ele

    a atividade financeira consiste, em sntese, na criao, obteno, gesto e dispndio do dinheiro

  • pblico para a execuo de servios afetos ao Estado. considerada por alguns como o exerccio deuma funo meramente instrumental, ou de natureza adjetiva (atividade-meio), distinta das atividadessubstantivas do Estado, que visam diretamente a satisfao de certas necessidades sociais, tais comoeducao, sade, construo de obras pblicas, estradas etc. (atividades-fim).

    Os servios pblicos, por sua vez, so as atividades que o Estado (representado pelo governo)realiza para satisfazer as necessidades pblicas. Portanto, h uma correlao direta entre a atividadefinanceira, a prestao de servios pblicos e o atendimento das necessidades pblicas.72

    Os objetivos estatais, independentemente da poltica adotada pelos governantes, originam-se dotexto constitucional adotado. No Brasil, logo os encontramos sintetizados no prembulo73 da CartaConstitucional de 1988.74

    E, mais adiante, o art. 3 da Carta Maior estabelece expressamente como objetivos fundamentaisda Repblica Federativa do Brasil a construo de uma sociedade livre, justa e solidria; a garantiado desenvolvimento nacional; a erradicao da pobreza e da marginalizao e a reduo asdesigualdades sociais e regionais; e, por fim, a promoo do bem de todos.

    Diogo Leite de Campos75 nos lembra de que

    o Estado de hoje (ps-moderno) j no o Estado dos poderes, das sanes, das ordens a que seobedece sem se discutir. Antes de mais, assume uma funo promocional pelo instrumento dassanes positivas, dos incentivos, das recompensas que no visam (directamente) punir os actossocialmente indesejveis, mas promover os socialmente desejveis.

    Para financistas clssicos, como Richard Musgrave,76 atribuies estatais enquadram-se em trsgrandes categorias de objetivos: a) promover ajustamentos na alocao de recursos, principalmenteno que se refere satisfao das necessidades coletivas, pela participao do Governo ematividades diretamente produtivas ou estimulando o setor privado, atravs da concesso de subsdiose incentivos fiscais, visando ao desenvolvimento de determinados setores, especialmente os deinfraestrutura; b) promover ajustamentos na distribuio de renda , corrigindo-se as desigualdadesna repartio do Produto Nacional, utilizando-se principalmente a poltica fiscal; c) manter aestabilidade econmica, controlando-se no somente os investimentos e gastos pblicos, bem comoas despesas privadas, atenuando-se os impactos social e econmico de crises de inflao oudepresso, atravs do controle do crdito e da tributao.

    Complementando, Maurice Duverger afirma que, para este Estado moderno, as finanaspblicas no so apenas um meio de assegurar a cobertura de suas despesas de administrao; mastambm, e sobretudo, constituem um meio de intervir na vida social, de exercer uma presso sobre oscidados, para organizar o conjunto da nao.77

    O italiano Mario Pugliese explica com clareza a natureza poltica e o contedo econmico da

  • 1.5.

    atividade financeira. Afirma que a natureza poltica dos fins estatais confere necessariamentenatureza poltica aos procedimentos adotados para atingi-los, fazendo com que o fenmeno financeiroseja o resultado da aplicao de critrios polticos a uma determinada realidade econmica.78

    O que se percebe que a atividade financeira, apesar de ser meramente instrumental e acessriapara a realizao das atividades-fim do Estado, alm de oferecer os meios para obteno dosrecursos financeiros, a respectiva gesto patrimonial e a aplicao de tais recursos na sociedade,atua de forma poltica, no sentido de oferecer ao Estado moderno os instrumentos necessrios apossibilitar sua interveno na sociedade.

    Portanto, a atividade financeira dotada, alm da sua funo fiscal, voltada para a arrecadao,a gesto e a aplicao de recursos, de uma funo extrafiscal ou regulatria, que visa obterresultados econmicos, sociais e polticos, como controlar a inflao, fomentar a economia e aindstria nacional, redistribuir riquezas e reduzir a marginalidade e os desequilbrios regionais.

    CINCIA DAS FINANASPara atingir seus objetivos, sejam os fiscais ou os extrafiscais, a atividade financeira depender

    da identificao, anlise e compreenso de inmeras variveis, causas e efeitos. O estudo dessaatividade investigativa e de pesquisa o objeto da Cincia das Finanas, que observa e descreve osfatos relevantes e inerentes sociedade, economia e poltica, analisa abstratamente as causas e asconsequncias da sua realizao, para, finalmente, indicar os meios ideais a fim de alcanar seusdesgnios. Essa cincia vai alm de uma anlise puramente causal, pois busca identificar os efeitosda atividade financeira para, ao final, dizer como deve ser realizada.

    A Cincia das Finanas, portanto, estuda os elementos que influenciam a obteno de recursosfinanceiros, sua gesto e o emprego dos meios materiais (bens, servios e dinheiro) na realizao deuma das atividades do Estado: a atividade financeira.

    Neste sentido, Geraldo Ataliba79 esclarece que a cincia das finanas pr-legislativa, poisinforma o legislador e lhe diz como elaborar uma lei (de direito financeiro) adequada.

    De forma simples e didtica, Alberto Deodato conceitua a cincia das finanas com sendo acincia que estuda as leis que regulam a despesa, a receita, o oramento e o crdito pblico. Paraesse clssico autor

    no envelheceu essa definio. O que se transformou foram as leis que regulam despesas, receitas,oramentos e crditos pblicos. Continuou, porm, a Cincia das Finanas a estud-los, sob osnovos ngulos das modernas concepes e novas finalidades do Estado.80

    Esclarece Giuliani Fonrouge81 que a cincia das finanas necessariamente neutra, porque todacincia tem como objetivo exclusivo o conhecimento e no a realizao, a qual pertence ao poder

  • poltico. Portanto, enquanto a cincia das finanas deve ser neutra, sob pena de prejudicar a prpriainvestigao, a postura adotada pelo Estado, aps a compreenso do conhecimento fornecido pelacincia das finanas, poder ser interventiva ou no, segundo as suas convices econmicas,polticas, sociais ou jurdicas.

    Os estudos sobre a atividade financeira que influenciam a Cincia das Finanas de hoje vm delonga data, iniciando-se desde a Antiguidade Clssica, com Xenofonte, Aristteles, Ccero e outros.Na Idade Mdia tivemos as ideias de Toms de Aquino, dando grande contribuio matria. Noincio da Idade Moderna, especialmente no perodo da Renascena, Maquiavel j tratava em suaobra sobre vrios pontos a respeito das receitas financeiras. A partir do sculo XVI, identificam-seas influncias dos Mercantilistas, com William Petty, David Hume, Jean Bodin e Colbert, dosCameralistas, com Obrecht, Besold, Justi e outros e dos Fisiocratas, com Quesnay, Mirabeau,Turgot. No sculo XVIII, Adam Smith publica a clebre obra A Riqueza das Naes, em que dedica aquinta e ltima parte s finanas, estudos que lhe conferem o ttulo de pai da Cincia das Finanas.J em meados do sculo XIX, com o legado do liberalismo de Adam Smith, sobressaem-se os nomesde David Ricardo, Stuart Mill e J. B. Say. No sculo XX, de grande impacto foram as teorias deKeynes. N