cultura de massa ideologia imagianrio e super heroi - rizoma

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Cultura de Massa, Ideologia, Imaginario e Super-Herói Carlos Augusto Serbena RESUMO Este trabalho analisa a presença da ideologia na industria cultural através da figura do super-herói das histórias em quadrinhos. Isto é realizado através da análise qualitativa de da história Batman Ano I publicada em 1986 que é representativa do personagem Batman e marca seu retorno as bancas de jornal. Utilizando o conceito de ideologia de Gramsci e da metodologia de Dorfman para análise dos personagens de Walt Disney e do Zorro, este trabalho chega as mesmas conclusões. Nas histórias Batman coloca-se como substituto das funções do Estado, mas sem sua impessoalidade e opressão burocrática, luta pela manutenção da ordem social atual, sua ação é paternalista e acima dos conflitos existentes, sendo a responsabilidade por tanto por eles quanto pela sua solução como ação individual e não coletiva. Deste modo ele encarna e transmite os valores hegemônicos e dominantes na sociedade. É realizada também uma breve discussão onde a cultura de massa e seus produtos transformaram-se em uma mitologia moderna e sobre a necessidade complementar a análise ideológica com a abordagem do aspecto simbólico ou mitopóetico destes produtos para uma maior compreensão do imaginário da industria cultural contemporânea. Palavras chave: mito, herói, símbolo, ideologia, comunicação de massa ABSTRACT This work analyzes the presence of ideology in the cultural industry (or mass culture) across of the figure of super-hero at comics. This is accomplished across of qualitative analysis of the history “Batman Year I” published in 1986 that is representative of character Batman and mark your comeback the news-stands. Utilizing the concept of ideology of Gramsci and of methodology of Dorfman for analysis of the personages of Walt Disney and of Zorro, this work arrives the same conclusions. In the histories Batman appear as substitute of the functions of State, but without her impersonality and bureaucratic oppression, fight by maintenance of social order actual, hers reboring is paternalist and above of the conflicts existent, and his solution is individual and not collective. In this way, this character represents and transmits the dominant and hegemonic values in the society. Is accomplished also a short- lived discussion how the culture mass and your products transformed at an modern mythology and about the necessity of the complete the ideologic analysis with the f symbolic or mythpoetic aspect of theses products for a better comprehension of imaginary in modern society. Words key: myth, hero, symbol, ideology, mass culture. INTRODUÇÃO Durante a década de 1960, nos anos dourados do capitalismo e da guerra fria completou- se um processo de expansão da civilização industrial e urbana nos padrões ocidental e europeu por todo o globo (Hobsbwam, 1995 e Morin, 1977). Consolidada a expansão horizontal e geográfica do capitalismo com a industrialização das sociedades, inicia-se ao

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Articulação da psicologai analítica e a teoria do imaginário

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  • Cultura de Massa, Ideologia, Imaginario e Super-Heri

    Carlos Augusto Serbena

    RESUMO

    Este trabalho analisa a presena da ideologia na industria cultural atravs da figura do super-heri das histrias em quadrinhos. Isto realizado atravs da anlise qualitativa de da histria Batman Ano I publicada em 1986 que representativa do personagem Batman e marca seu retorno as bancas de jornal. Utilizando o conceito de ideologia de Gramsci e da metodologia de Dorfman para anlise dos personagens de Walt Disney e do Zorro, este trabalho chega as mesmas concluses. Nas histrias Batman coloca-se como substituto das funes do Estado, mas sem sua impessoalidade e opresso burocrtica, luta pela manuteno da ordem social atual, sua ao paternalista e acima dos conflitos existentes, sendo a responsabilidade por tanto por eles quanto pela sua soluo como ao individual e no coletiva. Deste modo ele encarna e transmite os valores hegemnicos e dominantes na sociedade. realizada tambm uma breve discusso onde a cultura de massa e seus produtos transformaram-se em uma mitologia moderna e sobre a necessidade complementar a anlise ideolgica com a abordagem do aspecto simblico ou mitopetico destes produtos para uma maior compreenso do imaginrio da industria cultural contempornea. Palavras chave: mito, heri, smbolo, ideologia, comunicao de massa

    ABSTRACT

    This work analyzes the presence of ideology in the cultural industry (or mass culture) across of the figure of super-hero at comics. This is accomplished across of qualitative analysis of the history Batman Year I published in 1986 that is representative of character Batman and mark your comeback the news-stands. Utilizing the concept of ideology of Gramsci and of methodology of Dorfman for analysis of the personages of Walt Disney and of Zorro, this work arrives the same conclusions. In the histories Batman appear as substitute of the functions of State, but without her impersonality and bureaucratic oppression, fight by maintenance of social order actual, hers reboring is paternalist and above of the conflicts existent, and his solution is individual and not collective. In this way, this character represents and transmits the dominant and hegemonic values in the society. Is accomplished also a short-lived discussion how the culture mass and your products transformed at an modern mythology and about the necessity of the complete the ideologic analysis with the f symbolic or mythpoetic aspect of theses products for a better comprehension of imaginary in modern society. Words key: myth, hero, symbol, ideology, mass culture.

    INTRODUO

    Durante a dcada de 1960, nos anos dourados do capitalismo e da guerra fria completou-

    se um processo de expanso da civilizao industrial e urbana nos padres ocidental e

    europeu por todo o globo (Hobsbwam, 1995 e Morin, 1977). Consolidada a expanso

    horizontal e geogrfica do capitalismo com a industrializao das sociedades, inicia-se ao

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    mesmo tempo um avano vertical, sobre a cultura e a subjetividade do homem. Seu alvo o

    domnio interior do homem, o terreno a cultura, suas mercadorias no so mais materiais,

    mas culturais (Morin, 1977). Seu principal instrumento o que podemos denominar de

    cultura de massas (CM) e seu embrio est no surgimento de uma imprensa de rdio e papel,

    que se procura dirigir ao maior pblico possvel. Ela possui um papel integrador, realizando

    uma homogeneizao das diferenas culturais atravs de um sincretismo das mesmas (Morin,

    1977) e substituindo deste modo os produtos culturais tradicionais, tais como o folclore e as

    mtiologias tradicionais.

    1 INDUSTRIA CULTURAL E CULTURA DE MASSA

    Os produtos da industria cultural e da CM so concebidos como mercadoria e no como

    produtos artsticos, esto submetidos a lgica da indstria e da massificao. Isto e a

    produo em srie dos bens culturais s foram possveis eliminando deles seu carter

    artstico, sacrificando aquilo pelo qual a lgica da obra se distinguia da lgica do sistema

    social (Adorno e Horkheimer, 1978: 161) acarretando um empobrecimento artstico da obra

    produzida e enfatizando seu carter ideolgico.

    A indstria cultural, segundo Adorno e Horkheimer (1978), cria uma linguagem prpria

    e coloca como valor supremo o entretenimento em que cada produto dela reproduz apenas o

    seu prprio pensamento. Ela depende do mercado e intensifica suas tendncias. Seu

    significado a apologia da sociedade, sendo isto possvel apenas isolando-se do processo

    social. A idia de esforo e trabalho substituda pela idia de prmio. Ela obediente

    estrutura social, cria o mito do sucesso individual que seguido mais pelas massas do que

    pelos dirigentes. Ela tambm pode, segundo Merton e Lazarsfeld (1978: 115s) atribuir

    relevncia social a causas pblicas, pessoas, organizaes e movimentos sociais conferindo

    prestgio e a aumentando a sua autoridade, legitimando assim o seu papel social; realizar o

    reforo das normas sociais atravs da exposio do desvio delas ao pblico levando-o a

    posicionar-se de acordo com a norma dominante e reforar a passividade social ao dar

    conhecimento dos problemas sociais ao pblico, mas confundindo isto com o fato de atuar

    sobre eles. Deste modo, pode-se considerar seus produtos e seu prprio funcionamento

    possuem carter ideolgico, sendo um dos principais meios de difuso da ideologia

    dominante.

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    2 IDEOLOGIA E HISTRIAS EM QUADRINHOS (HQ)

    A ideologia em Marx e Engels entendida basicamente uma falsa conscincia que se

    contrape ao verdadeiro conhecimento da realidade mantendo e justificando certa estrutura

    poltica e scia e sendo determinada pelo modo de produo e pela diviso do trabalho.

    Entretanto, segundo Gramsci, ela no simples reflexo dos modos de produo e da base

    scio-econmica, uma forma de conhecimento do mundo, e no tem apenas o sentido de

    encobrir a realidade, mas possibilita o surgimento de normas de conduta e comportamentos

    capazes de transformao (Raffaelli, 1994: 55). Para Gramsci ento, a ideologia possui o

    significado mais alto de uma concepo de mundo, que se manifesta implicitamente na arte,

    no direito, na atividade econmica, em todas as manifestaes da vida individuais e

    coletivas (Gramsci apud Raffaelli, 1994: 56). Uma ideologia dominante possui uma

    hegemonia e materializa-se em instituies e prticas sociais. A hegemonia unifica

    pensamento e ao, no qual o interesse de uma determinada classe passa a ser o interesse

    universal, isto , comum a todas as classes presentes em uma sociedade (Raffaelli, 1994:

    59). O Estado seria o aparelho responsvel pela hegemonia poltica e cultural das classes

    dominantes, sendo conceituado como o conjunto das organizaes e atividades de carter

    privado que constituem o aparelho responsvel pela hegemonia poltica e cultural das classes

    dominantes, dentre as quais as instituies e organizaes culturais responsveis por veicular

    a ideologia dominante na qual a indstria cultural de massa ocupa um lugar privilegiado.

    A anlise sobre um produto representativo da industria cultural como as histrias em

    quadrinhos podem mostrar a ao da ideologia e dos valores difundidos. Neste caso, ela recai

    sobra a histria e sobre o heri. Ele o papel central da trama, para a identificao do leitor

    (cf. Morin,1977 & Bettelheim, 1980) e pode representar o elemento fundador de uma

    metafsica que justifica o grupo social (Debray, 1995 :14).

    As histrias em quadrinhos caracterizam-se do fato de resultarem das artes da literatura

    e do desenho e originam uma nova forma de manifestao cultural que o retrato fiel de

    nossa poca, onde as fronteiras entre os meios artsticos se interligam (Bibe-Luyten, 1985:

    12). Nelas so criadas aventuras vividas por determinado grupo de heris em dezenas de

    ttulos e de maneira repetida. Isto acaba criando um universo imaginrio prprio, os

    personagens passam a no depender de seus criadores e podem mudar de cengrafo e

    desenhista. Desta forma uma fidelidade criada no pblico apesar do final previsvel, assim

    no tanto o fim como a maneira pela qual os heris alcanam seus objetivos o que

    interessa (Guella-Guyot, 1994:138).

  • 4

    3 OS SUPER-HERIS E SEU SIGNIFICADO

    Uma anlise dos super-heris a partir de uma crtica marxista foi realizada por Dorfman

    (1978). Ele analisa a ideologia subjacente ao personagem Zorro das HQ, mas seus resultados

    podem ser comparados para outros super-heris. Para ele, as HQ de super-heris relatam um

    fenmeno de crise, mas permanecem na aparncia escondendo a sua origem nas relaes de

    classe. O objetivo delas capacitar o leitor a interpretar os problemas reais pela ideologia da

    classe dominante, escondendo as contradies do sistema capitalista.

    A literatura de massa esconde a atuao do proletariado como agente transformador e

    sugere a idia (ideolgica) de que a crise se resolver por si mesma, de que o sistema

    sempre volta a equilibrar-se, de que existem mecanismos reguladores automticos

    (Dorfman, 1978: 50). Critica-se esta viso da CM por considerar a ideologia como

    mascaramento da realidade, o pblico leitor como passivo e receptivo e os produtos da CM

    como estticos, quando so volteis (cf. Miranda, 1978: 9-13), mas as caractersticas que so

    apontadas em relao aos super-heris definem um determinado aspecto dos produtos da CM

    que so encontrados nas HQ.

    As caractersticas dos personagens super-heris encontradas nas HQ de massa so

    resultado da relao que os indivduos da sociedade possuem com o Estado (Dorfman, 1978:

    76). Neste aspecto, eles representam o Estado em alguns aspectos e a relao do indivduo

    comum frente a ele sendo Estado concebido como uma realidade a servio de toda a

    sociedade e no apenas da classe dominante.

    4 BATMAN: CARACTERISTICAS E HISTRIA

    Um super-heri representativo das histrias em quadrinhos Batman. Ele surgiu em

    1939 e mantm-se at hoje, possuindo grande popularidade e originando filmes e sries de

    televiso. Sua origem traumtica e a identificao do leitor com ele facilitada pelo fato de

    ser uma pessoa normal pelo universo em que vive suas aventuras ser semelhante ao nosso.

    A histria escolhida foi Batman Ano I.. Ela relata quando Batman comea a combater

    o crime e se tornar conhecido pelos criminosos de Gotham City (cidade de Batman) e

    desenvolve o temor neles por sua figura. Seus autores so Frank Miller e David Mazuchelli,

    marca o relanamento dele como figura principal de uma revista e coloca para o pblico em

    geral o personagem reformulado.

    Esta histria foi lanada como srie e exemplifica a forma como Bruce Wayne

    construiu o personagem Batman. Ele se disps a combater o crime, preparando-se durante 18

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    anos. Desde a morte de seus pais ele pensa nisto, tornando-se uma obsesso. Isto caracteriza o

    seu combate ao crime como uma questo afetiva e emocionalmente carregada. Tambm

    mostra os conflitos, angstias e dificuldades vividos por James Gordon em Gotham City. Ele

    um policial honesto que enfrenta a corrupo na polcia de Gotham mostrado pelo seu

    companheiro corrupto o detetive Flass e o fato de Batman agir na marginalidade apesar de

    defender os mesmos valores de Gordon.

    Os temas principais so a relao entre o detetive James Gordon e Bruce Wayne, as

    dificuldades de Gordon e a maneira como Wayne se transforma em Batman. Desta forma, o

    foco principal no Batman, mas sim o processo de construo de sua figura pblica pelo

    indivduo Bruce Wayne, suas motivaes, angstias e objetivos, sua relao com as

    autoridades da lei e da ordem e as vivncias de Gordon neste processo. Ao final mostra a

    unio de Gordon e Batman no combate ao crime.

    5 IDEOLOGIA EM BATMAN

    5.1 Super heri como Estado

    Na histria analisada Batman representado como o Estado e apresenta-se a servio de

    toda a sociedade: ele atua contra pequenos ladres, contra a polcia e autoridades corruptos,

    traficantes de drogas e ricos mafiosos, salva at mesmo uma simples velhinha do

    atropelamento e um gato de ser morto por tiros de metralhadora. Estes dois ltimos episdios

    mostram o Batman como perto da populao e do indivduo comum, ao contrrio da relao

    do pblico com o Estado, onde ele sofre o afastamento do Estado, sua burocracia, sua fora

    limitante (e opressora), a incomunicabilidade e o hermetismo dos fenmenos polticos, a

    tomada de decises revelia de seus interesses e desejos (Dorfman, 1978: 63). Desta forma,

    o super-heri ou Batman representa a relao que o indivduo gostaria de possuir com o

    Estado, como uma realidade prxima e que servisse a todos, mas sem os seus defeitos de

    impessoalidade, de distanciamento e normatizao que o Estado possui.

    Assim, o super-heri encarna o Estado sem defeitos, recuperando sua funo de

    manuteno da ordem e realizao da justia ideal alm dos conflitos de interesses, mas

    mantm uma caracterstica pessoal e individual. Isto possvel pela atuao mascarada e

    uniformizada, o uniforme mostra que existe um indivduo por trs daquela atuao (cf.

    Dorfman, 1978: 63).

    A ambiguidade do indivduo frente ao Estado representada pela atuao do super-heri

    (no caso, Batman), ele

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    estruturado dessa maneira para permitir ao homem comum apropriar-se da funo estatal, exercendo ele mesmo a represso militar (interior) que aplaca dvidas e inimigos, sem renunciar desconfiana e ressentimento frente ao poder pblico (Dorfman, 1978: 67)

    A atuao do superheri tem como finalidade restaurar a ordem e a estabilidade no

    mundo. Batman define este como seu objetivo: restaurar a lei e a ordem em Gotham City.

    5.2 O Processo de naturalizao

    A atuao do super-heri parece natural, decorrente de suas prprias caractersticas. O

    Batman mostra possuir bondade, pois salva um gato mesmo com risco de vida. Ele tambm

    segue sempre a lei, pois deixa dinheiro para um terno que pegou em uma loja para se disfarar

    em sua fuga da polcia, tem ajuda da sorte em sua luta pela justia como quando tenta se

    proteger das bombas em um alapo que est fechado com um cadeado: Sorte. Uma chave

    mestra na luva. / Muita sorte.. Tambm tem auxlio das foras da natureza e da tecnologia,

    exemplificado quando chama milhares de morcegos por meio de um aparelho eletrnico, o

    que provoca confuso na polcia e na multido e possibilita sua fuga.

    Estas caractersticas apontadas so aquelas que o pblico sente estarem atuando no

    cotidiano, de forma natural. O acaso, a bondade, a natureza, foras incomensurveis e

    milagrosas. uma realidade que se corrige a si prpria , que no permite que a dor e a

    desordem triunfem (Dorfman, 1978: 53). A realidade e a prpria sociedade corrigindo a si

    prpria, dependendo da ao dos indivduos mostrada no final da srie, na qual Gordon

    promovido e comea a resolver seus problemas com a esposa, o detetive corrupto Flass

    preso, o comissrio corrupto demitido e Batman atua em conjunto com a polcia para manter

    a ordem e eliminar as ameaas.

    5.3 O Individualismo

    Batman no recebe salrio ou recompensa para combater o crime, movido apenas por

    um desejo pessoal: de vingana de seus pais mortos em um assalto. Desta forma ele se coloca

    acima dos conflitos e pode afirmar-se como uma autoridade, sendo aceita pelo pblico. Alm

    de tudo, ele no necessita de dinheiro, pertencendo s classes abastadas, pois recebeu a

    fortuna do pai em herana.

    Mesmo atuando eventualmente contra a lei, ele procura agir em acordo com as

    autoridades, como com o subprocurador Harvey Dent para incriminar Flass e ao final da srie

    quando se alia com o detetive Gordon. Desta forma ele no questiona a sociedade, mas afirma

    a possibilidade de sua conservao e manuteno pelos seus mecanismos. A correo dos

    problemas devido a uma ao individual, de Batman e de Gordon, a populao no participa

  • 7

    ativamente deste processo. Ele ocorre de cima para baixo. A prpria posio de Batman

    evidencia uma superioridade: milionrio, no necessita trabalhar e possui habilidades

    especiais. Deste modo, e da mesma forma, ele reproduz ideologicamente as caractersticas do

    personagem Zorro e dos superheris evidenciadas por Dorfman: individualismo,

    paternalismo (soluo de cima para baixo, superioridade evidente, gestos de caridade)

    (1978: 53).

    Estas caractersticas podem ser observadas na histria Batman Ano I. A situao social

    de Gotham City vista como resultado da ao criminosa, no sentido de fora da lei, de

    algumas pessoas. A estrutura social no questionada, a polcia e a justia no funcionam

    bem prendendo criminosos e marginais porque existem dentro dela muitos funcionrios

    corruptos (Flass, o Comissrio Loeb e alguns juizes).

    A reforma da polcia, da justia e da prefeitura da cidade fruto da ao individual de

    indivduos dedicados a esta causa como Gordon e Wayne: a mudana social individual. Os

    valores defendidos so os valores tradicionais da moralidade burguesa, o mordomo Alfred

    segue seu patro Bruce Wayne, Gordon faz de tudo pensando em sua mulher Brbara e no

    filho que vai nascer. O trauma de Wayne a perda da famlia. Os policiais corruptos possuem

    vcios tais como o jogo e amantes, explicitado no episdio em que Gordon vai atrs de Flass

    5.4 A Harmonia Social

    A funo de Batman e Gordon restaurar a ordem e a legalidade, se todos seguissem as

    leis e a moralidade da sociedade burguesa, a realidade seria bem diferente o mundo seria

    perfeito. Neste sentido esta histria realiza uma apologia da sociedade, isto , veicula os

    contedos ideolgicos predominantes no sistema capitalista.

    Isto explicitada no incio da histria, na chegada de ambos em Gotham City. Gordon

    chega de trem, pela terra e no meio do povo e imerso na realidade vivida pela maioria da

    populao, enquanto Wayne chega de avio, pelo ar, sendo objeto de ateno e recepcionado

    por reprteres, da maneira como as pessoas desejariam chegar. Ele se tornar o heri que ir

    resgatar Gotham City, pertence ao estrato privilegiado da sociedade e identificado claramente

    com ela e com os valores burgueses milionrio.

    Ele ir combater a marginalidade e a corrupo. Os travestis, as prostitutas so

    mostradas como pertencentes ao mundo da pequena marginalidade e esto do mesmo lado que

    as autoridades corruptas e os chefes criminosos. Desta forma, o desvio das normas sociais

    explicitado e o leitor, identificado com o heri , tende a tomar o partido de Batman,

    justamente a aplicao das normas de conduta e morais dominantes. A ao do indivduo

    ressaltada como meio de resolver os problemas expostos. O leitor pode tomar conhecimento

  • 8

    dos problemas sociais, mas a histria mostra a ao para a sua resoluo como individual e

    no coletiva ou social.

    6 CONCLUSO:IDEOLOGIA E IMAGINRIO

    A anlise ideolgica da histria Batman Ano I e do seu heri mostra as mesmas

    caractersticas apontadas anteriormente por Dorfman (1978) em relao aos super-heris

    sendo presente a relao do indivduo com o Estado. As histrias do Batman fazem parte da

    industria cultural e atuam como um aparelho de manuteno e propagao da ideologia

    dominante. Isto parece ser um consenso, mas no parece o suficiente para explicar os motivos

    da popularidade do Batman, dos outros personagens e do prazer auferido pelos leitores. De

    todo modo, como os quadrinhos do Batman so um produto tpico da cultura de massa e

    refletem a sociedade que os criou e seus personagens e histrias pertencem ao imaginrio

    desta sociedade.

    A preocupao sempre presente nos estudos sobre a industria cultural determinar se

    este sistema bom ou ruim para o homem (cf. Coelho: 7 e Eco, 1970:49). A cultura de massa

    no pode ser vista apenas como mera manipulao e conformismo, efetuada pelas classes

    dominantes. Se isto fosse realidade, o estudo da indstria cultural resumir-se-ia

    caracterizao das tcnicas de marketing poltico e ideolgico e anlise de textos e materiais

    de publicidade (cf. Jameson, 1995: 25). Deste modo, "as obras de cultura de massa no

    podem ser ideolgicas sem serem, em certo ponto e ao mesmo ponto, implicitamente e

    explicitamente utpicas: no podem manipular a menos que ofeream um gro genuno de

    contedo" (1995: 30) ou correspondam a certas necessidades do publico e partilhem com ele

    de algo.

    A cultura de massa e as histrias em quadrinhos como parte dela, apiam sua tendncia

    de universalizao e padronizao no imaginrio comum da humanidade, pois um homem

    pode mais facilmente participar das lendas de outra civilizao do que se adaptar vida

    desta civilizao (Morin, 1977: 45). O imaginrio que aparecia atravs das mitologias

    tradicionais no desapareceu, mas modificou a sua forma. Estas mitologias foram substitudas

    pela idolatria dos cultos de personalidade, pelas mitologias polticas ou filosficas e pela

    iconografia publicitria (Durand, 1984) A cultura de massa absorve certos temas do folclore e

    universaliza-os e, com ou sem modificao, constri um novo folclore com fragmentos dos

    folclores regionais, tnicos e nacionais.

    Estes temas e personagens so visveis nas histrias em quadrinhos de super-heris.

    Alm do plano ideolgico e fazendo parte do campo do imaginrio, Batman aponta para uma

    utopia, talvez a iluso de harmonia social dentro do sistema social vigente representada pela

  • 9

    figura do Estado. A polissemia do smbolo de super-heri permite realizar esta funo

    ideolgica, conduzindo angstias essencialmente histricas e sociais a coisas pretensamente

    "naturais".

    7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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  • 10

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    RAFFAELLI, R. (1994) Psicanlise e casamento. Florianpolis: Ed. da UFSC.

    DADOS DO AUTOR:

    Carlos Augusto Serbena

    Professor da UTP-PR, Mestre em Psicologia UFSC - Doutorando do DICH-UFSC,

    Contato: R. Sete de Abril, 434, 80050-220 Curitiba PR

    E-mail: [email protected]

    Cultura de Massa, Ideologia, Imaginario e Super-Heri