criminologia crítica e crítica do direito penal - baratta, alessandro

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I  S  ( ,0  _ I lV ' RTUA I Coleçã o Pensa mento Crimin ológi co Alessandro Baratta CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL

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I   S  (,0 _ I

lV 'RTUAI

Coleção Pensamento Criminológico

Alessandro Baratta

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E

CRÍTICA DO DIREITO PENAL

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"",

~Pensarnento

Cril11ino/ógicoDireção

Pro! Dl: Nilo Batista

1999 Instituto Carioca de CriminologiaAv. Beira Mar, 216 3Q andar 

Tel.: 0(xx)21 263 2069 Fax: 532 3435

20021-060 Riode Janeiro - RJ- Brasil

e-mail:   [email protected] 

Projeto GráficoLuiz Fernando Gerhardt

Edição e DistribuiçãoEditora Revan Ltda.

Av.Paulo de Frontin, 163 - Rio Comprido

20260-010 - Rio de Janeiro - RJTel: 0(XX)21 25027495 - fax: 0(X.X)21 22736873

B22Gc

Baralta,AlessandroCriminologiaCritica e Critica do Direito Penal:

introdução  à sociologiado direito penal / Alessandro

Baratta; tradução) uarez Cirino dos Santos. -3ü ed.-

Riode)aneiro: EditoraRevan: Instituto Carioca de

Criminologia,2002.

25GP.

ISBN85-353-0188-7

Tradução de: Criminologiacritica c critica dei

diritlopenale.

Incluibibliografia.1.Direitopenal- Filosofia.2.   Sociologia jurídica;

I. InstitutoCariocade Criminologia.1 1 .  TituloCDD345

AL~SANDRO BARA1TA

 APRESENTAÇÃO

Com a publicação, em esmerada tradução do Prof. Dr.Juarez

Cirino dos Santos, deste já clássico Criminologia Crítica e Crítica

do Direito Penal - uma das mais notáveis e densas recensões do

 pensamento criminológico, escrita pelo mais brasileiro de todos os

 professores europeus, Alessandro Baratta - o Instituto Carioca de

criminologia inaugura uma coleção que objetiva suprir o históri:..

co  deficit   editorial que a literatura criminológica registra em nos-

so país.A coleção Pensamento Criminológico incluirá, alterna-

damente, obras gerais e investigações monográficas; ainda que

compreensivelmente concentrada na extraordinária produção

latino-americana (já previstos Lolita Aniyar de Castro, Rosa deI

Olmo e Raúl Zaffaroni), procuraremos trazer à luz certos textos

fundamentais pouco difundidos entre nós, como por exemplo o

trabalho pioneiro de Rusche e Kirchheimer, até hoje jamais verti-

do ao português.Sem embargo da utilidade da coleção para muitos campos

d:ls ciências sociais, e especialmente para os historiadores do con-

trole social penal - que, afinal de contas, fazem a própria história

da criminologia - pretendemos atingir o público de formação ju-

rídica, rompendo os preconceitos metodológicos que interpuse-

ram um fosso entre juristas e criminólogos.Efetivamente, constitui um fenômeno recente o diálogo entre

os saberes criminológicos e os saberes jurídico-penais. Desde sua

fundação positivista, na segunda metade do século XIX, a

criminologia buscou obter uma duvidosa autonomia acadêmica ao

 preço de não questionar a legitimidade do sistema penal, os motivos

 profundos da produção legislativa penal e o desempenho real das

agências administrativas ou judiciais encarregadas de sua aplicação.

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••

C R IMINOLOGIA C R íTICA E C R iTICA DO DIREITO PENAL

Reduzind0   seu   horizonte a uma inofensiva explicação causal do

delito e do delinqüente, a criminologia positivista não apenas

relegitimava o sistema penal, mas também criava o impasse, tão

celebrado, da dependência que seu objeto guardava do direito vi-

gente. A fantástica recepção que na América Latina teve a antropo-

logia criminal, com seu método "clínico", vincula-se a sua utilida-

de, num continente marcado desde sua descoberta por conflitos

étnicos freqüentemente convertidos em genocídios, para a dissimu-lação ideológica do controle social penal que a's oligarquias exter-

minadoras deviam exercer. Por seu turno, os,jJ'ristas viam com des-

confiança esses saberes "profanos"; o mais relJomado dos penalistas

 brasileiros, Nélson Hungria, chegou em certo momento a preconi-

zar uma "doutrina de Monroe: o direito penal   é para os juristas,exclusivamente para os juristas".

Ficara em aberto saber se os juristas eram exclusivamente

 para o direito penal. A superação das criminologias funcionalistas

que haviam sucedido ao positivismo, através de um vigoroso

 pensamento crítico que   inverteu a equação legitimante, outorgando

ao próprio sistema penal - aí compreendida a produção legislativa

 penal - a condição de objeto qo afazer criminológico, responderianegativamente a essa questão. Exceção feita ao jurista imobilizado

 pelas teias da tradição escolástica, que sacraliza o texto legal e

empareda as possibilidades hermenêuticas na ortodoxia da lectura" ."   '..   ,

algumas das crIses do dIreIto penal - pense-se na própria crise

da pena - sinalizavam a insuficiência do método dogmático para

a reflexão jurídica, especialmente no campo angustiante dos

operadores do sistema penal. Dentro do próprio âmbito da

dogmática juridico-penal muitos avanços s~ deviam a partir de

contribuições externas, provindos ora da filosofia. (como as

transformações que o conceito de ação final imprimiu em toda a

teoria do delito), ora da sociologia (como as recentes e polêmicas

contribuições do funcionalismo sistêmico   à   imputação objetiva)

ora da psicologia (por exemplo, nas áreas da imputabilidade e d~

erro).' etc. O conjunto das reflexões teóricas e dos dados empíricos

~umdos por uma criminologia nova, que reinventara o próprio

SIstema penal como seu objeto por excelência e  que   se concebia

como vértice interdisciplinar, metodologicamente pluralista, do

encontro daquelas reflexões e daqueles dados, necessariamente

2

ALESSANDRO I3ARATTA

 passaria a oxigenar a elaboração jurídica: ou bem o jurista pensa

o sistema penal do qual participa, ou bem se converte num jurista-

objeto, reprodutor mecânico das funções concretas de controle

social penal numa sociedade determinada.

 Na atual conjuntura brasileira, em que o conhecimento e o

debate dos problemas associados ao controle social penal- violência

urbana, drogas, violações de direitos humanos, a instituição policial,

Ministério Público, Poder Judiciário, a questão penitenciária,violência no campo, etc. - integram a agenda política   dos   partidos

e alimentam cotidianamente os meios de comunicação de massa,

a conveniência de   que   a formação criminológica se inscreva na

formação jurídica básica dispensa maiores considerações. Isso deve

ser feito sem perda   dos   conteúdos especificamente jurídicos, que

só avançarão ao influxo dessa tardia "ciência geral do direito

 penal" que desabrocha num quadro planetário no qual o discurso

 penal já desloca o foco perigosista do   proletariado,   onde estava

 por ocasião do Programa de Marburgo, para o conjunto de grupos

sociais cotidianamente marginalizados pelo empreendimento

neoliberal que, para usar os termos lisztianos, "costumamos

reagrupar sob a compreensiva denominação" de   excluídos.

Com essas esperanças, a coleção Pensamento Criminológico

 pretende constituir-se no grande repositório de estudos

multidisciplinares sobre crime, direito e sociedade no Brasil.

Prof. Dr. Nilo Batista

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/ 25

Sumário

~

~:~~p..   UI:: I..'E "-v.'~~ c S   C < ., : ; "

~.:J \. )::>!E   8/~1 •....C

(I)   '-4(./0 -C€'N   .,.~C   =a

Prefácio: Anatomia de uma cr iminologi a crí tica / 9 .,.~( ~ ~ ..•

lnlmdução, Sociologia ju"dica c ,ociologia jU"dicO~pcnalI'JnBA   '< ••~

I. Objelodtl socioIOSi.7juridic.7   /21 ~

2. Objelodtl sociolOSitljlllidico-pelUiI /23

3. MicrossociolOSitl e IIUlCIVSSOCioIOSitl. Fussibilid;ldee lill/çlio de SUtlJillegmçlio

I

I. A escola liberal clássica do direito penal e a criminologia positivista

I. A cJÍmiJlolositl posiliYisl:t e:t escoltl libcntl c1:íssictI do dJi'eilo pelUlI /29

2. DtI filosofi.7 do dJi"eilo JX'IUlI:t IIl/UI fUJld:UlleJlI:tç;lo filosófic:1 dtl ciéJlcitl peJI:IL CeS:/J"e

IJccc:uia. /323. O JX'Jls.7mcJllode GimldomcJlico ROI/I:'SJlosÍ. A pelW COl/loCOJllm-csllÍllulo:lo impulso

cnillliloso /344. O IUlscimcJllo d:1 mOOenl:1 ciênci:t do direilo pelwllw ll:íIi:t.   O sislcJlw jurídico   d<!

lhll/cesco Carnml   /35

5. A escol:t posiliY:t C:I explic:lç:io p:tlolóSictl d:rcnillilUllk/:tde.   OcrimiJloso como "dlfe-

rcnlc": CCS:lrc J.,omblvso /38

11.A ideologia da defesa social

I. A ideolositl d:t defeS:1socitil como kleolOSitl comum:i esco1:Jc1:íssic:t e:i escol:t posiliYtI.

Os plÍJlcipios c;lI'dc:Jis d:t id,x)k:gitl d:t defeS:1 socitil   /4 1

2. J1ll/ç:io legilJiWll/le dcseJlyolYidtl pel:1 idcolOSitl d" defCS:1socitll em filce do sislel/w pe-

IUII /443. Neccssid:tdede silutlrosclel//{:Jllosde 1IJ1W!Colia dodcsvio, IIOS"comporllJmeJllossoci'

"Imel/lc JI<-"S't1ivvs'~cdtl clÍmlÍwliz;lÇóio, deJllrode 1IJ1/l1esptx:ific" eSlrllll1r:t ecol/ômico-

socitil /47

m.   As teorias psicanalíticas da criminalidade e da sociedade punitiva.

 Negação do princípio de legitimidade

I. A 1"'"VIi,,fll:udi:um do "delilo por SCJllimeJllo de culptl" e "s /e-'OlÍ:ISpsic:uwIítictls dtl

socícdtlde pUJliliYtI   /49

2.  771cOOorReík e" SIUI cxplic"ç:io psic:uwlilic" d:ts 1,,'ol1:lsn:llÍblllíWI e pICYCJlliY:t d"

pelUl.   A   Y:II1:ll/lede lhll/zAlcxl/lldere HI'S0.Swllb:t l:tlhipólese   /51

3.Ocl/lÍqllccJillel/lo poslclÍord:t Icol1;' psic:uwlílíc:t d" socícd:tde plIJliliY:t e.7 clÍlic:t d:t

 jllslíÇ:l peJl:t1 IUI obnt de Alex:ll/der e SI:tub   /53

4. A obm de 1~1l/1Reíwald, Hel1I1ul Oslcl1llcycr c Edw:u-d N/lese/i   /55

5. J.,jmiles d:ts IcolÍ:tS psíCl/lwlilíC;IS d:t clÍmilUtlid:tde c d:t socied;ldc pUl/ílíY:t.   A

n:produçúo d" cOJlcepç:io 11I/iYCrS:llísl:t de delíto   /57 

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IV. A teoria estrufural-funcionalista do desvio e da anomia. Negaçãodo princípio do bem e do mal

I. A vimd:1 sociológic/llI/1 cninillolqgi.7 cOlllcmpor:/ne,7: linile Dllr1.'heim /59

2. Á'obcrl Afelton: A suPCr:lç:7ododu:tli~'lIlO Jildivlduo-socied'lde. })ilSClIllllJ~/i~ /ICCS~'O:IOS//Ieios lilslitucion/lis c '~7noll/à"   /62

3. A n..'l:lç~"7vell(re Ijilsculll/l~lise //Ieios úls(i(ucioll//l~:' clilco modc'/os de '':ldtYjll:lç//o lildi-vidl"7/"   163

4. Afelton e/I cnillliwltd:ldc do "col:millto bmllco"   165

V.A teoria das subculluras criminais. Negação do princípio de culpa-

 bilidade

I. CO//lP/llibilid7de e Jillegnlç:7o das leon/Is fUlIciolllllislas e d,7s leon:7s das subculluras cnilllimls   /69   I

2. £dwlil H. SUlherlmld: cn~ic,7 das feontls gemú- sobre cnillill.7lid7de; Alberf Cohell: a/1Jl,ilised7 sulxulfum dos bmldosjuvellis.   /71

3. Eslrolitic/lçãoe plumrúmoculluml dosgrupos soci:lú. Rel.7livld.7dedo~'l~-fenm de valo-res penolmenle fulel/ldos: lIegaç:7o do "principio de cIIJp/lbilid/lde"   /73

VI. Uma correção da teoria das subculturas criminais: a teoria das   téc-

nicas de neutralização

I. GreslulJll M. Sy1.'ese D//Vid M.7/Z:1: "/ISlécnicas de neUlmliz,7ç//o" /  7 7

2. A lean:7 d7S "lécnic,7s de neulmliz,7ç:70" CO/110lillegmç//o e correç:io dtl leon:7 d7SSUlxillluros   179

3.Observaçôcs clific,7S sobre a fcoda dlls sulxullums cnilllimis. A feoda das sulxullilmscomolcoda "dcll/édioalcancc"   /81

VI L   O novo paradigma criminológico: "Labeling Approach", ou enfoque

da reação social. Negação do princípio do fim ou da prevenção

J.  "1':lbelh{g Appro,7ch": 11111.7rcvoluçtiocienfific,7not7mbifod7 sociologit/ cniwil.71 /85

2. A oricnlaç:lo sociológica cm quc se Sl~U/Io ''l':lbelil{g Approach"   /87

3. O cOll/polt.7Jllenfo desvl:71lfe como comporl.7Jllenlo lVlul/ldo como f.71   /89

4. As dhllçôcS lroncas quc COlllriblllimll pam o desenvolvhllclIfo d/Is duas dtillcnsôcs dop.7rod{gnl.7 dl1 rcaç,io social   /92

5.   Os processos de dcf1iliç.io do" sénso comull/ na tlll,ilise dos inlemcionÚ'ltls e dosfcllomenólogos /94

6. O PlvceSSO dc lipificaçEio dtl SÜU/fÇ//O.A lllltílú-e dos proccssos de dcfiiliçEio do ~-eIlSO

COl1lUl1Inos hlfcracionisf,7S c nos féllol1lellólogos  /96 

VIII. A recepção Alemã do "Labeling Approach". Negação do princí- pio de. igualdade

J. A cnil1liwlid/ldc de "colminl1o bmnco';   ,7   ucifm lIcgm" d/I cnil1lim!Jd/ldl1 c ,7  clüic.7 d/IsCSf,7fislklls cnimimis olicitlÚ'   /10 I

2. A reccpçdo/tle//l// do ''l~/bt:lúL<;Appro/lcli'~ Deskx:.7//1Clllod/1 /lJliÍlised"ls '~lIcl:l-rcgms':do pl:tllO lilClodológico:/imdico p/lm o sociológico   1104

3. AjJCJ:\PCCliv/I//I/lcrossociológic/1 1/[1:lJliÍlúc do proce~:,'O de selcç/h) ,1."1POplIl/lr"do cnilli-nos/I   1106

4. Oproblc//l/I d/I dCI/niç/70d:1 cniJlJiwltd/lde. ''l~/bcltirs Appro/lclt"lIJIW "revoIIlÇ:7ociclI_ litic/I" ClI/ cnillinologi:1   1109

5. Irrcvcrsibilid/lde do "1_'lbelti!S APP1'O/lcli" lwlcOIi:t c 110mélodo d/I sociologi/I cnilli-lwl   /112

6. Observ/lçócs cJilic/ls sobre   .7:;   leod:ls do "ülbchirs" /   1 14

IX. A sociologia do conflito e a sua aplicação criminológica. Negaçãodo princípio do interesse social e do delito natural

I. A cOllcepçdo lWlumlisl/1 c ullivers,7Iisl/1 d/I cni1lliwhd/lde. Os lJilliles dtl cJilicalil!emci01lJ~'/a (lIlJóvssociológic/1) e as Icontls lIWClvssociológic,7S   /1 17

2. A negaçiiodo "pnilclpiodo lilleres.sesoci:tI edodeJitoll/lluml". A sociologJ':i docollflitoe /1polêmica anfifunciolmlú'I,7 /   I 19

3. R/llf D,7hrelldorf e o lI/odelo sociológico do conflito: lI/Ud7nça soeia/, conflito soá'l! edOll/lnio polltico   /122

4. Lewis A. Coser e GeOJ;gSlillll/el:   ,7 funciolmhdade do cOllflilo /   124

5.  Georg D. Vold: o poder de definiçiio, os grupos e/ll conflifo,   o direifo, a poli-lic,7   /126

X. As teorias conflituais da criminalidade e do direito penal. Elemen-tos para sua crítica

I. Ausflil T.Turk: A cnillJimhd//de CO/110'',slalus'' Socl:7/afribuido lI/edi.7l1lc.oexcrcicio dopodcrdcdef1iliçiio   /131

2. CO/rifeI' univer"~7Iisl,7 e dicofômico d7lcon/1 fornwlisla de Tur1.'   /133

3. A c.\'fcnstio do P,7rt1d(gma "poll1ico" do conOl1o a loda dre.7 do processo dc cniwil.7li-Z,7ÇtiO /   134

4. A leori,7 da cdnllill1liZ:IÇlio de Tur1.': vadáveis geraú do conflifo c vmitívc[J' cspccl1ic/ls dopllxessodecliminoliz,7çt7o   /135

5.  llilliles dtl lconil de ll11'1.'   /1 37

6. O lilsuficicnfe nivel dc abslmção d7SIconils confliluois   /139

7. A lilSlitucioll.7liz/IÇdo do conflilo, /lm.7J;glil.7lizoç:7o d/Is lIeces~'ldtldes e dos comporla-

mcnfos esfranhos ti Z011:1lilledil1lmllenfe prodll!iva d/I '~ildLÍsflÜ"   /14   1

8. A cOllldbuiçliod7S feon;7sconflüutlis p/Im /1cn~ica dtl idealogil1.da dcleStI SOCl:7l'de Ul1l.7persjJCcfiv/ll1Iicrossoeiológic,7 p.7m um/I perspeclivam/lcrossociológica /143

XI. Os limites ideológicos da criminologia "liberal" contemporãnea.Sua superação em um novo modelo integrado de ciência jurídica

J. As feodas cnillillológk/Is libemis COlllel1lponine,7s   1147 

2. A "cnillillologü lilxr:1! COlllcllljJÔrtl1lCII" como COlljillllO de leon':is helerogêllc.7S c 11//0lillegl.ivcis Cl1lsislema   IJ  50

3. O ,7fmsod7 ciêllciajundico-I'c:Jlo7l' a sua cscaSS.7penlleabiha,7de tis aquisiçõcs d.7sciên-á7S SOCi.71S /153

4. For ul1lnovo lI/odelo hlfegmdo de ciêllCl':i pellfll' ciênci.7 soeitll e lécl1lCtljilndktl   /155

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Au:sSANDRo llARA1TA

XII.   Do "L,7befing Appro:lc!J" :I lInw criminologüt crílic<7

I.   O movimclllo d:1 "cr imil lo1osi:J cálic: l" /   I 59

2. D:I cnimilo1q:;i:1 cnlicil   Ú cl7iiC:1 dodJiâlo IXlwl, comodJir:tio {sUitl porexcck'lIciiI /   1 G 1

3. IslliI/dildc forllw/~' d~'sislwJd:l(tc subslimeiitlllo direilo INllitl   /164

4. }}/IIÇÕCS d.'S<.'lwo1vidils pclo sislclIW PCllitlllil cOlIscrv:lçilo e rcpratuç:io dil n'illtdi/{tc

sociil!   /166 '.

5. A idcv!OSi:1 do Imlilmclllo C:lrceJÚrioc il Sllil rccepç:iocm Jt'cClllcs leis dc rcforllw IXlli.

IClleiiíriil il.1liiuliI c iJkm:i   /167

G.  O sislcllw jXlliI! como elemclllo do sislclIUI de sociitliZ:lç:io /   I 69

PREFÁCIO

XIII. Sislema penal e reprodução da realidade social1

ANATOMIA DE UMA CRIMINOLOGIA CRÍTICA

XIV. Cárcere e marginalidade social

XV.Criminologia crítica e polílica criminal a1lernativa

Apêndice:Enfoquecrílicodo sislemapenal e a criminolcgiana Europa /209

9

171'0£Dr.juü1'ez Cirino dos Santos

O Prof,  Dl'.   Alessandro Baratta, diretor do   Institut   {ür ReclIts-

und SoZÜtJp/llJosoplIie   da Universidade do Saarland, Alemanha, umdos mais brilhantes criminólogos da atualidade, respeitado pela co-munidade científica internacional, admirado por discípulos europeuse latino-americanos e estimado por todos que têm o privilégio deconhecê-lo pessoalmente - como nós, que realizamos um programa

de pós-doutorado com esse grande professor, na Alemanha -, tornasupérflua qualquer apresentação, Por essa razão, preferimos usar esteespaço para apresentar um panorama da temática deste livro - umdos momentos de maior lucidez e criatividade da criminologia con-temporânea -, oferecendo ao leitor uma breve amostra de sua rique-za científica, filosófica e política,

1, O livro apresenta a teoria criminológica moderna de modosistemático e original: confronta as aquisições das teorias sociológi-cas sobre crime e controle social com os princípios da ideologia dadefesa social - um conjunto de postulados que não deve ser con-fundido com as posições de Gramatica ou de Marc Ancel -, queconstituiria a base do discurso repressivo dos sistemas penais, comoos princípios ~e igualdade, de legitimidade, do bem e do mal, de cul- pabilidade, da prevenção e do interesse social. Um confrontodesmitificador, desde o velho discurso da Sociologia Criminal, queainda estuda o crime como realídade ontológica preconstituída, atéo novo discurso da Sociologia do Direito Penal, que estuda as defini-ções e o processo de criminalização do sistema penal como elemen-tos constitutivos do crime e do   stütus  social de criminoso.

/ 223

/ 239

J. A .1doç:io do ponlode visla d:ls c1ilsscs sub:J!lcnlils como g.1ronll:1 de unl:l pníxis IcónC:1

epo!ilic;1 iJ!lenlillivil   /197

2. QIJ.1/ro indicaçõcs "cslnllégic:ls" p:lmumil "polílic,1 criminal" d.1s c1:ISSCSsub.1!-

lenlOs   /200

3. A perspcctiV.1 dil cOJl/mçiio e da "sujXr:Jçiio" do direilo JXJIiI!   /205

I.   osistemil eSCO!ilr como primeiro segmelllo do ilpiU:110 d~' sekçiio e de m:u;.;illiIIiZiIÇ:io

JUIsociedilde   /171   I

2. }}mç:io idcolÓ$icil do pJillcipio mcJilocr:ílico JIo1cscolil   /174

3. As fllllções se!eliv:lse cJ.1ssist:lsdiljilsliç.1 pen:tI   /175

4. A illnuêllciil dos eslercólipo~; dos pJr?CollceiIO.'; dils IcoJi:IS de SC:lsocomumllil :Ip!icil-

ç;io jud'pmdcllcüt! dillcijXllitl   /177

5. Est(.;miltiZiIÇ:io jXJwl e Ir:msli:JJ7l1iIÇ:iod:1 idclltid:ldc social d:1POPUlilç:iocnJIIJJltJSil   /178

G.NexoJilJleioll.1!CIlIIt: siSICII!il discJ7mJiI:llóJ70cscoliJresislcllm discnJllin:lláJio pcn:tI   /181

I. As CiU1lcledstJC;IS constilntes do "modelo" ciu-cenírio JUISsocied:ldes cilpilillistils con-

lemponinc.1s /183

2.  A rr:!:Jç:io cnlre pn.'so e socied.1de   /186

3. As leis de rcfOrJIl.1 pcnilenci:ín:1 iliJ!i:1JI3 e iJlcm:i   /187

4. A pcrspecliVil de Xusche e Kirchhcimer: ;ISrc!iIÇÕCS enlre mcrc.1dode /rob:J!ho, sislema

punilivo e c:írccre   /189

5. Os êxilos in'cvcrsíveis d:ls pesquisils de Xusche e KJi-chhcimcrc de FOUCiIUII: do "en/iJque

 jd~v!Ó$ico" ilO "polilico-ccoJlómico" /   190

 Nolas

Referências Bibliográficas

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CRIMINOLOGIA CRITICA I: CRiTICA 00 DIREITO PENAL

2. Assim, mostra como teorias psicanalíticas do criminoso por 

sentimento de culpa, desenvolvidas por Reik, negariam o princípio

de culpabilidade: instintos criminosos reprimidos pelo superego

não   seriam   destruídos, permanecendo no   lde pressionando o   ego

sob   a forma de sentimento de culpa e exigência de confissão, so-

mente aliviados pelo comportamento criminoso. Outras formula-

ções psicanalíticas, como a teoria da sociedade punitiva, de

Alexander e Staub, estariam em conflito com o princípio da legiti-midade: por um lado, a punição corresponderia a mecanismos

 psicossociais inconscientes ligados ao compartilhamento social dos

impulsos proibidos do criminoso; por outro Jado, a identificação

com os órgãos repressivos reforçaria o  superego   contra exigências

instintuais do   jdsobre   o   ego,   permindo descarregar, sobre o crimi-noso, impulsos agressivos inconscientes.

3. A teoria estrutural-funcionalista de Durkheim e, depois,

de Merton, rejeitaria o princípio do bem e do mal: o desvio seria

fenômeno normal em determinados limites, funcional para o equi-

líbrio social e reforço do sentimento coletivo, anormal apenas na

hipótese de expansão excessiva em situações de anomia, caracte-

rizadas por desequilíbrios na distribuição de meios legítimos pararealizar metas culturais de sucesso e bem-estar. A teoria das

subculturas criminais de Cloward-Ohlin e Sutherland, por sua

vez, mostraria de que modo a desigual distribuição estrutural do

acesso a meios legítimos para realizar metas culturais compele

minorias desfavorecidas para modelos de comportamento

desviantes, difundidos por aprendizagem através da comunica-

ção e associação subcultural: a existência estratificada dos gru-

 pos sociais, com valores e normas específicos interiorizados por 

aprendizagem, permitiria contextualizar o comportamento em

sistemas   valorativos e normativos concorrentes (o oficial e o

subcuItural) e, assim, explicar o crime como atitude conforme a

valores e normas subculturais - e não, propriamente, como ati-

tude contrária aos valores e normas sociais. A estratificação dos

grupos sociais conduziria à relativização de valores e normas,

volatilizando noções de crime como lesão do "mínimo ético" ou

como rebeldia contra valores comuns. Mais: se a escolha do sis-

tema de valores e de normas não é   livre,   mas determinada por 

condições sociais e por mecanismos de aprendizagem e de comu-

Ia

AU:SSANDRO I3ARA"-''A

nicação subcultural, poderia parecer inconsistente uma concep-

ção ética da culpabilidade, que reprova pela atitude interior como

expressão de livre determinação contra valores institucionalizados.

4. Esses conceitos de anomia e de subcultura criminal, enri-

quecidos pela pesquisa fenomenológica sobre petcepções e atitu-

des de Matza, entre outros, teriam levado à identificação das cha-

madas "técnicas de neutralização", racionalizações válidas para ocriminoso (mas não para o sistema jurídico) como justificações

 pessoais do comportamento: uma extensão das descriminantes ofi-

ciais para resolver conflitos com normas ou valores sociais e prote-

ger contra a reprovação própria ou alheia e, desse modo, anular o

controle social. Assim, por exemplo, se o'sujeito não se julga culpa-

do ou não considera criminosa a ação, ou acha a lesão da vítima,

merecida, ou define as instituições de controle como corruptas e

hipócritas, ou, enfim, sente-se preso a outros deveres de lealdade,

estaria ativando "técnicas de neutralização" dos vínculos normativos

oficiais e liberando a conduta para valores alternativos aprendidosna interação subcuIturaI.

5. A análise   dolabeljng approachconstitui   um momento de gran-

de lucidez do texto: a criminalidade não seria um dado ontológico

 preconstituído, mas realidade social construída pelo sistema de justiça

criminal através de definições e da reação social; o criminoso não seria

um indivíduo ontolozicamente diferente, mas um   status   social atribu-

ído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal. Os conceitos des-

se paradigma marcam a linguagem da criminolozia contemporânea: o

comportamento criminoso como comportamento rotulado como cri-

minoso; o papel da estigmatização penal na produção do   status   social

de criminoso ou seja, a relação do desvio primário, que produz mu-'   .   .   .

danças na identidade social do sujeito, com o desvio secundano, com-

 preendido como efeito do  desvio

  primário; a rejeição da funçãoreeducativa da pena criminal, que consolida a identidade criminosa e

introduz o condenado em uma carreira desviante etc. O deslocamento

do objeto da pesquisa, dos fatores ?a criminalidade (etiolozia) para a

reação social   UabeJjng ~1pproach) -   definida como mudança de

 paradigma da ciência -' projetaria luz sobre a criminalidade de cola-

rinho branco, como conivência entre empresários e políticos, expres-

são   do prestígio social do autor e da ausência de estereótipo para ori-

entar a repressão, e sobre a cifra negra da criminalidade, como distri-

II

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,'.'

,.

C R IMINOLOGIA C R iTICA E C R iTICA 00 lJ lR EITO J 't:NAL

 buição social desigual da criminal idade pela se-letividadedos órgãos

oficiais e da opinião pública.G.Segundo o autor, a contribuição germânica ao   lc1beJjng

t7ppro.7ch   teria acentuado o papel das   met:l-regl"'7s   na interpreta-

ção das regras jurídicas: leis e'mecanismos psíquicos atuantes na

 pessoa do intérprete ou aplicador do direito, aparecem como a

"questão científica decisiva" no processo de filtragem da popula-ção críminosa e responsável, em última instânçia, pela distorção

na distribuição social da criminal idade. Assim, a criminal idade não

seria simples comportamento violador da norma, mas "realidade

social" construída por juízos atributivos, detetminados, primaria-

mente, pelas   met.7-regrüs   e, apenas secundariamente, pelos tipos

 penais: juízes e tribunais seriam instituições determinantes da "re-

alidade", mediante sentenças atributivas de qualidades aos impu-

tados, com estigmatização, mudança de st.7tuse   de identidade soci-

al do condenado. Desse.modo, a criminalidade seria um "bem ne-

gativo" distribuído socialmente em processos protagonizados por 

sujeitos-autores de comportamentos definidos como desviantes e

sujeitos-detentores do poder de definir tais comportamentos comodesviantes - uma categoria de funcionários especializados recru-

tados de determinados estratos sociais e representando, preponde-

rantemente, determinadas constelações de interesses e valores.

7. O autor mostra a natureza irreversível da crítica   dolabelJiIg

approüchà   ideologia tradicional: a criminalidade como  statusatri-

 buido a alguns sujeitos pelo poder de outros sujeitos sobre a cria-

ção e aplicação da lei penal, através de mecanismos seletivos

estruturados sobre a estratificação social e o antagonismo de clas-

ses, refutaria o princípio de igualdade; a relação variável do pro-

cesso de criminalização com a posicão social do acusado indicaria

a relatividade da proteção penal a bens jurídicos, atingindo o prin-

cípio de legitimidade; enfim, a diferenciação entre desvio primário

e desvio secundário acabaria por desmoralizar a idéia de

ressocialização e, portanto, o princípio de pre,-enção: o desvio se-

cundário, definido como efeito do desvio primário, indicaria a na-

tureza criminogênica do tratamento penitenciário e a distância entre

a ideologia da ressocializacão e a realidade da prisionalizacão.

Mas as críticas ao próprio   1,,7beJjngapproacJl   fomuladas pelo

autor também não seriam desprezíveis: se criminalidade é

1 Z

AU:SSANDR O I3AR ATTA

criminalização mediante definições legais e rotulação oficial, desa-

 pareceria o comportamento reál como ação socialmente negativa-

um conceito nuclear para a questão criminal, que permItiria

aprofundar o estudo dos fenõmenos até  à  lógica 1llaterial que os pro-

duz, ou seja, do crime para a estrutura social subjacente; se a reação

social tem origem em comportamentos concretos que perturbariam

a normalidade da vida, a constituição da qualidade criminosa de

ações ou de indivíduos por regras (jurídicas) e meta-regras (psíqui-

cas) pareceria excluir precisamente as condições determinantes da-

queles conteúdos, que explicariam por que certas ações são

criminalizadas e outras não; enfim, a teoria descreveria os mecanis-

mos de criminalização e de estigmatização, mas não explicaria a

realidade social nem o significado do desvio, dos comportamentos

socialmente negativos e da criminalização - justificando, portanto,

a crítica de parecer a   Dutm C.7l71da ideologia oficial.

8. As teorias conflituais pretenderiam mostrar a relação do di-

reito penal com interesses de grupos de poder: no processo de confli-

to, grupos sociais procuram a cooperação do Estado, através de leis

incriminadoras, para proteger valores ameaçados por outros gru- pos, cujas sanções seriam uma espécie de ampliação e continuação

do conflito. A luta por valores como poder,  stütus,   recursos distingui-

ria os conflitos em realísticos e não-realisticos: aqueles seriam meios

 para certos fins, como poder e posse de bens, estes seriam fins em si

mesmos, como a satisfação de emoções. O crime seria fenõmeno

 político, e o criminoso, um membro de grupos minoritários induzido

a agir contra a lei, porque grupos majoritários instrumentalizariam

o Direito e o Estado para criminalizar comportamentos contrários. O

 processo de criminalização representaria um conflito entre detento-

res do poder e submetidos ao poder, pelo qual as instâncias oficiais

atribuem o status  de criminoso a estes. O paradigma do conflito, fas-

cinado com fenõmenos de aparente separação entre propriedade e poder, e de burocratização da indústria e do Estado, situaria o con-

flito nas relações de poder, e não nas relações de propriedade: na

empresa industrial moderna o conflito se teria deslocado da relação

capital/trabalho assalariado para a relação de poder/submissão en-

tre gerentes e trabalhadores. Aqui, Alessandro llaratta indica uma

confusão entre atores do processo econômico e sujeitos reais desse

 processo, que ainda seriam o capital, na fase de internacionalização

1 3

e

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CRIMINOLOGIA CRil1CA r. cRincA DO DIREITO rENAL

da acumulação, e o trabalho assalariado, ao lado das massas urbanas

e rurais deserdadas e marginalizadas. Não obstante as críticas, a pers-

 pectiva macrossociológica do conflito social representaria um avan-

ço da criminologia liberal, aplicando o enfoque da reação social às

estruturas da sociedade, aos conflitos de interesse e às relações de poder entre grupos.

A hipótese de integracão dos sistemas penal e de controle

social em um modelo racional de controle do crime, sob a égideda chamada "criminologia liberal", funciona;-ia como ideologia

substitutiva, adequada à mediação das contradições sociais no pe-

ríodo monopolista do capitalismo, reproduzi-ndo as relações de

desigualdade existentes em duas direções: maior efetividade de

controle do desvio disfuncional   à   valorização do c;,pital, como os

crimes contra a propriedade, e maior imunidade do desvio funci-

onaI ao sistema, como crimes ecológicos, de colarinho branco etc.

O autor conclui que um novo modelo integrado de ciência penal

e ciência social não seria viável - talvez somente entre ciência

social e técnica jurídica -, pela defasagem do direito penal em

face da ciência social. A assertiva de que o jurista deveria adotar 

nova atitude científica, iluminando a técnica do direito com a

teoria social, parece indicar o caminho de eventual recuperaçãodessa defasagem.

9. O texto revela como o salto qualitativo do  Jabeling approach

 para a criminologia crítica passaria pela construção de uma teoria

materialista do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e

da criminalização, com uma metodologia capaz de dar conta do mo-

vimento social - uma razão crítica que pudesse apreender a socie-

dade na lógica de suas contradições e adotar essa lógica como méto-

do de pensamento: a dialética como ratio essendi e çognoscendi da

realidade. O desenho dessa criminologia crítica mostra o contraste

com a criminologia tradicional: primeiro, desloca o enfoque teóricodo autor para as condições objetivas, estruturais e institucionais, do

desvio; segundo, muda o interesse cognoscitivo das causas (etiologia)

 para os mecanismos de construção da "realidade social" do desvio

especialmente para a criação e aplicação das definições de desvio e ~

 processo de criminalização; terceiro, define criminalidade como status

atribuído a detemúnados sujeitos através de dupla seleção: dos bens

 protegidos penalmente nos tipos penais e dos indivíduos estigmatiza-.

14

: j...~

I

ALESSANDRO BARi\TrA

dos no processo de criminalização. O direito penal seria objeto privi-

legiado de estudo como sistema dinâmico de funções (compreen-

dendo os mecanismos de produção, aplicação e execução das nor-

mas penais), e como direito desigual por natureza: o direito da desi-

gual proteção de bens jurídicos e da desigual distribuição social da

criminalização. A questão geral do direito desigual, extraída da con-

tradição entre igualdade formal do sujeito jurídico na venda da força

de trabalho e desigualdade real dos indivíduos concretos no consu-

mo da força de trabalho, apareceria no direito penal de outro modo:

a igualdade formal do sujeito jurídico ocultaria a desigualdt>de real

de indivíduos concretos, em chances de criminalização. O progresso

da criminologia crítica estaria na passagem da   descrição   para a   in-

terpretação   dessa desigualdade, mostrando a relação dos mecanis-

mos seletivos do processo de criminalização com a estrutura e as leis

de desenvolvimento da formação econõmico-social. Assim, a seleção

legal de bens e comportamentos lesivos instituiria desigualdades si-

métricas: de um lado, garante privilégios das classes superiores com

a proteção de seus interesses e imunização de seus comportamentos

lesivos, ligados   à   acumulação capitalista; de outro, promove acriminalização das classes inferiores, selecionando comportamen-

tos próprios desses segmentos sociais em tipos penais. O processo de

criminalização, condicionado pela posição de classe do autor e influ-

enciado pela situação deste no mercado de trabalho (desocupação,

subocupação) e por defeitos de socialização (família, escola), con-

centraria as chances de criminalização no subproletariado e nos mar-

ginalizados sociais, em geral. Desse modo, o processo de

criminalização cumpriria função de conservação e de reprodução

social: a punição de determinados comportamentos e sujeitos contri-

 buiria para manter a escala social vertical e serviria de cobertura

ideológica a comportamentos e sujeitos socialmente imunizados. O

cárcere, finalmente, nascido da necessidade de disciplina da força detrabalho para consumo da fábrica, seria o momento culminante de

 processos de marg:nalização, discriminação e estigmatização, fechan-

do um   continuul11   que abrange ~ família, a escola e a assistênciasocial.

10. Ao mostrar a relação entre sistema penal e formação eco-

nômico-social, o texto revela, também, a integração dos sistemas penal

e escolar no processo mais geral de conservação e reprodução da

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. .',.

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I  CRIMINOLOGIA CRÍTICAE CRiTICA DO DIREITOI'ENAL

realidade social. O sistema escola!; primeiro segmento do aparelho

de seleção, discriminação e marginalização, reproduziria a estrutura

social pelos critérios de avaliação do mérito individual, com efeitos

discriminatórios sobre crianças e jovens de estratos sociais inferiores:

diferenças em desenvolvimen{o mental e linguagem, originárias da

classe social, seriam interpretadas como defeitos pessoais; estereóti-

 pos e preconceitos informariam a "injustiça institucionalizada" do

sistema de notas, através das percepções e atitudes dos mestres: os

 juízos negativos do mestre afetariam o rendimr i1to escolar, conforme

a teoria do   self fullfilling profecy   sobre a natureza constituinte da

atitude dos outros; os efeitos estigmatizantes da rejeição e isolamento

seriam ampliados pela distância social, desadaptando o "mau" alu-

no cada vez mais, até  à   exclusão do sistema. O significado das puni-

ções e recompensas do sistema escolar seria semelhante ao de outros

sistemas sociais: recompensas convalidariam modelos de comporta-

mento da maioria não-estigmatizada; punições transfeririam culpas

 para minorias estigmatizadas, reprimindo o medo do insucesso e de

redução de status. No outro lado do   continuulll,   o sistema penal cum-

 priria funções de constituição, garantia e legitimação da realidade

social, ao separar o joio do trigo. Os conteúdos dos tipos penais coin-

cidiriam com os valores do universo moral burguês, e os não-con-

teúdos de sua natureza "fragmentária" exprimiriam menos a

inidoneidade técnica da matéria e mais a tendência não-

criminalizadora de ações anti-sociais das classes hegemõnicas; o pro-

cesso de criminalização, ativado por estereótipos e preconceitos da

 policia e da justiça, dirigiria "normalmente" a investigação e repres-

são criminal para os estratos inferiores, ampliando a discriminação

seletiva. Seria a lógica de uma justiça de classe, denunciada por 

Liebknecht: juízes extraídos dos segmentos médio e superior; acusa-

dos, dos segmentos inferiores, separados daqueles por distânciasso-

ciais e lingüísticas; jurisprudência feita de estereótipos, preconceitose teorias de senso comum, distribuindo desigualmente definições de

criminalidade e estigmatização penal, com mudança de identidade

social do condenado, consolidação de carreiras criminosas, constru-

ção social da população carcerária - e a expectativa de novos com-

 portamentos criminosos intensificando a ação das instâncias oficiais

sobre zonas marginalizadas etc. Aligação funcional entre aparelhos

de reprodução social seria formada por cadeias de transmissão su-

1 G

 Al.l:SSANLJRO BARATI"A

cessiva da população, do sistema escolar para o sistema penal, com

 passagens pelos sistemas produtivo e de assistência social, cuja lógi-

ca parece promover a exclusão, a marginalização e a criminalização.

11. Na análise do capitalismo contemporâneo Baratta indi-

ca o caráter nodal da relação cárcere/marginalização social: o

cárcere seria o momento culminante de mecanismos de

criminalização, inteiramente inútil para reeducação do condena-

do - porque a educação deve promover a liberdade e o autc-respeito, e o cárcere produz degradação e repressão, desde a ceri-

mõnia inicial de despersona-lização; portanto, se a pena não pode

transformar homens violentos em indivíduos sociáveis, institutos

 penais não podem ser institutos de educação. A prisão se caracte-

rizaria por dois processos complementares: um processo de

desculturação em face da sociedade, com redução da vontade,

 perda do senso de responsabilidade, formação de imagens ilusó-

rias da realidade e distanciamento progressivo dos valores soci-

ais; e um processo de aculturação em face da prisão, com absor-

ção de valores e adoção de modelos de comportamento próprios

da subcultura carcerária: o condenado ou assume o papel de "bom

 preso", com atitudes de conformismo e oportunismo, ou assume

o papel de criminoso, compondo a minoria dominante na organi-

zação informal da comunidade carcerária, com poder sobre "re-

cursos" e culto   à  violência ilegal.

A base sociológica dessa teoria é a relação mais geral entre

mercado de trabalho e sistema punitivo, de Rusche-Kirchheimer e

de Foucault. Em Rusche-Kirchheimer, o mercado de trabalho não

seria uma instituição meramente econômica, mas política e econô-

mica ao mesmo tempo, que produz a marginalização social sob a

cobertura ideológica do "pleno emprego": a acumulação capitalis-

ta, com seus mecanismos de renda e parasitismo, necessita de seto-

res marginais ao sistema, alimentando permanentemente o "saco

da exclusão". Em Foucault, o sistema punitivo realizaria uma fun-

ção indireta de punir uma ilegalidade visível para permitir uma

ilegalidade invisível; e uma função direta de produzir uma zona de

criminosos marginalizados, que alimentam mecanismos econômi-

cos da "indústria" do crime, como o ciclo econômico da droga, a

máfia etc., ou mecanismos políticos de subversão e de repressão

ilegais, como o terrorismo fascista.

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r - -   12. O e : : : : : ' : ~ : : : : ~ ' I ~ : : a : : ' : : i : : O D : ~ : i ~ ~ ~ :a r e l a ç ã oe n .: J   tre sistemas de punição e sistemas de produção, ou a relação disci-w

I   plinar entre cárcere e fábrica, que o enfoque idealista dos fins da

) pena, com a velha teoria da retribuição, intimidação e reeducação,

não pode alcançar. O texto mostra que as políticas de "ordem pú-

 blica" na Alemanha e Itália, que revigoram o cárcere de segurança

máxima, com funções de mera custódia e intimidação, invertendo

a tendência do capitalismo avançado de reduzir o controlecarcerário por mecanismos substitutivos, c9mo   probation,   livra-

mento condicional e regimes abertos, encontrariam explicação no

aumento da desocupação e subocupação, agravada pela lógica ca-

 pitalista de "racionalização" dos processos produtivos, em que a

elevação da produtividade por novas tecnologias significa elevação

da exploração, do desemprego e da marginalização; além disso,

tensões das massas marginalizadas aumentariam exigências de dis-

ciplina e repressão, criando um clima favorável a críticas contra o

Estado de Direito e abrindo caminho a formas de gestão autoritária

dos processos produtivos e da sociedade. A crise da ideologia penal

de reeducação/reinserção e o abandono do míto do "pleno empre-

go" não seria mera coincidência, mas indício de arregimentação

das elites conservadoras por uma "democracia autoritária".

Apesar do estado embrionário da teoria materialista do des-

vio,dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização,

Baratta afirma que as teses da criminologia crítica podem funda-

mentar um programa de política criminal alternativa - que não se

confunde com  paI/fica penal   alternativa. E ainda: se o processo de

criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das

relações de desigualdade do capitalismo, a luta por uma sociedade

democrática e igualitária seria inseparável da luta pela superação

do sistema penal- mas, paradoxalmente, também seria inseparável

da defesa do direito penal: contra os ataques às garantias legais e

 processuais; contra o próprio direito penal, para conter e reduzir a

área de penalização e os efeitos de marginalização e divisão social;

e através do direito penal, ainda uma resposta legítima para solu-

ção de determinados problemas. A capacidade de superar o direito

 penal seria o critério de avaliação das reformas penais - embora a

melhor reforma do direito penal não seja substituí-lo por outro

direito penal melhor, mas por qualquer coisa melhor do que o di-

18

AI.ESSANDRO BARATI"A

reito penal, segundo a fórmula de Radbruch, transpondo a linha

que separa "sistemas penais alternativos e alternativas ao sistema

 penal".

13. A linha principal de uma politica criminal alternativa se

 basearia na diferenciação da criminalidade pela posição social do

autor: ações criminosas das classes subalternas, como os crimes

 patrimoniais, por exemplo, expressariam contradições das relações

de produção e distribuição, como respostas individuais inadequa-

das de sujeitos em condições sociais adversas; ações criminosas das

classes superiores, como criminalidade econômica, dos detentores

do poder, ou crime organizado, exprimiriam a relação funcional

entre processos políticos e mecanismos legais e ilegais de acumula-

ção do capital. Essa diferenciação fund~mentaria orientações di-

vergentes: por um lado, redução do sistema punitivo mediante

despenalização da criminalidade comum e substituição de sanções

 penais por controles sociais não-estigmatizantes; por outro lado,

ampliação do sistema punitivo para proteger interesses individuais

e comunitários em áreas de saúde, ecologia e segurança do traba-

lho, revigorando a repressão da criminalidade econômica, do po-

der político e do crime organizado.O objetivo estratégico indicado pelo autor seria a abolição do

cárcere por sua inutilidade para controle da criminalidade ou ree-

ducaçã~/reinserção do condenado, e pelos efeitos de marginalização

e esmagamento dos segmentos inferiorizados. Fases preliminares se-

riam a ampliação das medidas alternativas, dos regimes de liberdade

e semiliberdade e a abertura do cárcere para a sociedade, com coo-

 peração de entidades de presos e da sociedade civil para reduzir efei-

tos sobre a divisão da classe trabalhadora e reinserir o condenado na

sociedade através da sua classe e das lutas de classe. Sea criminalidade

do marginalizado constitui resposta individual irracional a cond~-

çôes sociais adversas, então a reeducação do criminalizado devena

transformar reações individuais egoístas em consciência e ação polí-

tica coletiva: o desenvolvimento da consciência política do criminoso

seria a alternativa racional   iconcepção ético-religiosa da culpa, com

sua exigência de punição e de ar~ependimento.

Uma política criminal alternativa deveria, segundo Baratta,

levar em conta a opinião pública, portadora da ideologia domi-

nante, com imagens da criminalidade fundadas em estereótipos e

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I

CRIMINOI.OGIA CRÍTICA [ CRiTICA DO DIREITO "[NA I.

teorias de senso comum, que legitimam ideológica e psicologica-mente o sistema penal; nesse nível, processos psicossociais de !Jro-

 jeção da culpa explicariam como a pena engendra sentimentos deunidade e consolida relações de poder, assim como campanhasde "lei e ordem" obscurecem a consciência de classe sob a ilusãode solidariedade na luta contra o crime, o "inimigo comum". Umameta procedimental proposta pelo autor seria reverter a relaçãode hezemonia cultural mediante crítica ideológica, produção ci-

entífica e informação, com uma discussão d~ massa da questão

criminal.   1

A conclusão final possui o significado de um manifesto: numasociedade livre e igualitária, o controle social não-autoritário dodesvio abriria espaço   à  diversidade, precisamente aquilo "que égarantido pela igualdade" e expressão da individualidade do ho-mem, como portador de capacidades e de necessidades positivas. Asuperação do direito desigual seria conduzida pela idéia central dautopia libertadora: de cada um segundo suas capacidades; a cadaum sezundo suas necessidades.

20

, -

l\I.ESSANDRO lMKAITI\

B IB L IO T E C A D E C IÊ N C i A S   J U R I D t C A S

INTRODUÇÃO*

SOCIOLOGIA JURÍDICA E SOCIOLOGIA JURÍDICO-PENAL

1. ODjl:-7V DA SOCIOLOGIAjURiDICA

Partindo-se da distinção entre a comunidade, como organiza-ção compreensiva da vida humana em comum, e o direito comouma parte dela, pode-se dizer que o objeto da sociologia jurídica é, por um lado, a relação entre mecanismos de ordenação do direito e ~da comunidade, e por outro lado, a relação entre o direito e outros   iif setores da ordem social. Portanto, a sociologia jurídica tem a ver ,P:tanto com as estruturas nonnativas da comunidade, em geral, como   !r

também com as condições e efeitos das normas jurídicas, em especi- ~.• ,aI. Elase ocupa com modos de ação e de comportamento (a) que têm ~.

'~como conseqüências normas jurídicas (o costume como fonte do ~direito, os modos de ação e de comportamento normativos do legis-   ; r - "lador e as instâncias institucionais de aplicação do direito), ou (b) ~.que serão percebidos como efeitos das normas jurídicas (o problema   t..do controle social através do direito, o problema da efetividade, do ~

I

conhecimento e da aceitação do direito), ou (c) que serão postos emrelação com modelos de ação e de comportamento, que têm comoconseqüências normas jurídicas ou são efeitos de nonnas jurídicasno sentido de (a) e (b). Sob este terceiro ponto de vista entram, por exemplo, no campo da sociologia jurídica, o estudo da ação direta e

indireta de grupos de interesse na formação e aplicação do direito,como também a reação social ao comportamento desviante, en-quanto precede e integra, como controle social não-institucional, o

• (NOTA DO TRADLTrOR): A introdução foi trnd~zida conforme modificaçõcs realizadas pelo aulor 

 para a lradução alemã deste livro. (N. do 1'.)

21

~QU~   I t.ÍJh   LI~jil~{W.\JhW_ 

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AJ.ESSANDRO BARAlIA

direito tem por objeto a estrutura ló:~ico-semântica das normas, en-tendidas como proposiçôes, e os problemas específicos das relaçôesformais entre normas (validade das normas; unidade, coerência, ple-nitude do ordenamento) e entre ordenamentos. A teoria do direito sedistingue, por outro lado, da teoria geral do direito, se se indica comeste termo o extremo nível de abstração da ciência dogmática do direi-to, que parte do conteúdo de um sistema normativo dado e procede

elevando o próprio nível de abstração, ou seja, construindo conceitosmuito gerais também no sentido histórico e comparativo.

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2.   OBJETO DA SOCIOLOGIA JURÍDICO-PENAL

O objeto da sociologia jurídico-penal corresponde às três cate-gorias de comportamentos objeto da sociologia jurídica em geral. AsOciologia jurídico-penal estudará, pois, em primeiro lugar, as açôese os comportamentos normativos que consistem na formação e naaplicação de um sistema penal dado; em segundo lugar, estudará osefeitos do sistema entendido como aspecto "institucional" da reaçãoao comportamento desviante e do correspondente controle social. Aterceira categoria de açôes e comportamentos abrangidos pela soci-ologiajurídico-penal compreenderá, ao contrário (a) as reaçôes não-institucionais   ElO   comportamento desviante, entendidas como umaspecto integrante do controle social do desvio, em concorrência comas reaçôes institucionais estudadas nos dois primeiros aspectos   Ie (b)em nível de abstração mais elevado, as conexôes entre um sistema

 penal dado e a correspondente estrutura econômico-social.Os problemas que se colocam com relação a esta proposta de

definição se referem: (a)  à relação da sociologia jurídico-penal coma sociologia criminal, e (b)   à relação entre sociologia jurídico-pe-

nal e sociologia geral.Quantoà primeira relação, observa-se hoje uma certa c'Jnver-

gência de estudiosos de sociologia jttrídica e de criminologia (em particular, de sociologia criminal) sobre temas comuns. Este fato nãodeixou de despertar certa preocupação, especialmente nos que seinclinam a supervalorizar os limites acadêmicos entre as disciplinas,mesmo partindo de exigências não infundadas de caráter institucionale de organização científica. Mas esta compenetração entre grupos

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DlRJ:ITO rENAL

controle social do desvio, por meio do direito e   dos  órgãos oficiaisde sua aplicação.

Os comportamentos   dos   tipos agora indicados são ~enômenosestudados pela sociologia jurídica empírica que, como tal, não podese projetar, com o   método   de observação, para além   deles.   É a soci-ologia teórica que, alcançando um nível mais alto de abstração,chega da descrição   dos   fenômenos (os comportamentos) às estrutu-ras e às leis sociais que não são empiricamente observáveis, mas que

são necessárias para interpretar os fenômenos., Que as estruturas eas leis sociais não sejam observáveis empiricamente não significa,de modo algum, que os conceitos e as construçôes teóricas que aelas se referem não sejam controláveis. Um éontrole já decorre desua maior ou menor idoneidade para explicar os fenômenos.

Bastará agora refletir um momento sobre os campos de inda-gação que entram em seu objeto, tal como   este   foi aqui definidoaproximadamente, para se dar conta de quão vasto pode ser, enão só para as pesquisas empíricas, o concurso interdisciplinar demétodos e de aportes de disciplinas diversas no estudo de muitosdos   principais problemas da sociologia jurídica contemporânea.

Podemos determinar a relação da sociologia jurídica com aciência do direito, tendo em vista o objeto, dizendo que o objeto daciência do direito são normas e estruturas normativas, enquanto asociologia jurídica tem a ver com modos de ação e estruturas soci-ais.   É mais difícil precisar a relação com a filosofia do direito e coma teoria do direito. Na verdade, trata-se aqui, principalmente, de

 problemas de terminologia: "filosofia do direito" e "teoria do direi-to" são usadas pelos interlocutores para denotar conceitos diversos.

Estabelecer as relaçôes entre sociologia, teoria e filosofia do di-reito significa, pois, adota~uma convenção sobre o uso   destes   trêstermos em relação com o universo de discurso por   eles denotado. Um

 possível modelo, bastante difundido na Itália e na Alemanha, e sobre

o qual, contudo, não nos propomos tomar posição na brevidade desteensaio, é o seguinte: a sociologia do direito, como se viu, tem por objetoaçôes e comportamentos, e precisamente as três categorias de açôese comportamentos acima indicadas. A filosofia do direito tem por obje-to os valores conexos aos sistemas n011l1ativos(e os problemas especí-ficos do conhecimento dos valores juridicos e da relação entre juíws devalor e juiws de fato no interior da experiência jurídica). A teoria do

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1

II

CRIMINOI.OGIA CRÍTICA I: CRÍTICA DO DIREITO l'ENA1.

de estudiosos outrora delimitados mais rigidamente entre si, é umfato positivo que não deve preocupar, antes deve ser visto como excm- pIo de fecunda colaboração inter-disciplinar. A presença ativa decriminólogos no campo de trabalho da sociologia jurídico-penal e desociólogos do direito no da crin"4nologia é um fenômeno irreversivel,destinado, talvez, a ampliar-se, também por causa de alguns recentese fundamentais desenvolvimentos ocorridos na perspectiva

criminológica, a que se aludirá em seguidaz .   Todavia é útil manter firme, em linha de princípio, uma distinção entre' as duas disciplinas.Essa distinção, em nossO modo de ver, deve se fundar, também aqui,sobre diferente objeto, ou seja, sobre compor~amentos, sobre rela-ções, sobre estruturas comportamentais, sobre estruturas e leis soci-ais correspondentes, de cujo estudo partem as duas disciplinas. Asociologia criminal estuda o comportamento desviante com relevãn-cia penal, a sua gênese, a sua função no interior da estrutura socialdada. A sociologia jurídico-penal, ao contrário, estuda propriamenteos comportamentos que representam uma reação ante o comporta-mento desviante, os fatores condicionantes e os efeitos desta reação,assim como as implicações funcionais dessa reação com a estrutura

social global. A sociologia jurídico-penal estuda, pois, como se viu,tanto as reações institucionais dos órgãos oficiais de controle socialdo desvio (consideradas, também, nos seus fatores condicionantes enos seus efeitos) quanto as reações não-institucionais. Conforme esteúltimo ponto de vista, uma parte não desdenhável das investigaçõesKOL   (Knowledge and OpiJ1iOJlabout LaJ-0,  enquanto têm por objetoaspectos conexos com a reação social ao comportamento desviante,

entra na sociologia jurídico-penal.Além desta delimitação que, em princípio, deve ser feita, se não

se quer confundir completamente as duas disciplinas em exame, um ponto de encontro e de superposição logicamente necessário cntre

sociologia criminal e sociologia jurídico-penal deriva, hoje, particu-larmente, do caráter problemático que, no âmbito da mais reccntecriminologia:\, adquiriram o conceito de desvio e suas tradicionaisdefinições.   F!':l especial, a nova perspectiva criminológica conhecidasob o nome de   Iabeling approacb   (enf0que do etiquetamento) e, naAlemanha, como Reaktionsansatz (enfoque da reação social) (Becker,Fritz Sack e outros) acentuou, a partir de uma atitude cética em faceda tradicional definição de desvio   (:>cepticaI approach),   o cal"áter 

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'.

ALESSANDRO UARA'n"A

 parcialmente constitutivo que toda reação social contra o desviotem para a qualidade de desviante do comportamento e, mais ain-da, para o  StlltllS de desviante assumido por determinados sujeitos.Segundo os representantes deste enfoque, o fato de que os autoresde cert~s comportamentos tornem-se objeto da ação dos órgãos darepressao penal, não é sem influência, especialmente por causa deseu efeito estigmatizante, sobre a realidade social do desvio e sobrea co~solidação do   st~tus social do delinqüente. Em outras palavras, odeSVIOe o   SttltuSSOCIaldo delinqüente não são uma realidade intei-ramente. preconstituída em relação às reações institucionais que de-s~ncadelam, numa dada sociedade, ou uma realidade que pode-na, portanto, ser estudada de modo totalmente independente destas:'ea~ões: Se i.stoé verdade, o mesmo deve valer para as reações não-m,Stlt.uclOnalS,porque o efeito estigmatizante da reação da opinião pubhca sobre o  StlltllS social do delinqüente talvez não seja nlenosrelev~nte do que o da ação dos órgãos da repressão penal. Por isso,este e o as~unto. de ~m.a pesquisa empírica de sociología jurídíco-

 penal e soclOlogm crumnal, realizada na Universidade de SaarlandSarbrucken (A. 13aratta, F. Sack, G. Smaus)4. '

. Deste ponto de vista, como se vê, o campo da sociologia cri-n~l~al e o d~ s~ciologia penal, mesmo permanecendo firme o prin-ClplOde dehmltação acima indicado, se sobrepõem necessariamente   ,

ao men~s no que se refere aos aspectos da noção, da constituição eda funçao do desvio, que podem ser colocados em conexão estreitacom a função e os efeitos estigmatizantes da reação socialinstitucional e não-institucional. '

3.  MICROSSOCIOLOGIA   EMACROSSOCIOLOGIA. POSSII3ILIDADE   E FUN-

çÃO   DE  SUA INTEGRAÇÃO

A sociologia jurídica e, em seu âmbito, a sociologia jurídico- penal, se desenvolveram nas últimas décadas em diversos países, eem particular na Itália, em uma direção empírica e analítica que parece bastante unívoca e que, em boa parte, constitui a rede decone~ão das diversas instituições e associações que agrupam osestudl~SOS da sociologia jurídica. Esta foi, pois, se liberando pro-greSSIVamente das atitudes apriorísticas, universalistas e

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CtUMINOLOCIA CRiTICA E CRÍTICA DO DIREITO "ENAL

lat,'vas próprias de um certo modo de fazer sociologia e,especu . . . _. . .mais ainda, filosofia social, caractensttco da trad'çao ldealtsta Ita-

liana procurando construir um discurso baseado em dados

empil~icamente controláveis, em pesquisas .bem localizadas, em

metodolcgias previamente declaradas e experImentadas, e acompa-

nhado, freqüentemente, da consciência de sua função crítica em face

das ideolcgias e, em geral, da realidade social dos fatos estudados.

Apreende-se, pelo menos em parte, esta atitude geral da soci-ologia jurídica, dizendo que ela é, também, s~ 'nã~ somente,. uma

atitude   microssocioJógica.   Pois bem, enquanto tal,   ISSO   podena ser 

 posto, e, de fato, não raramente se põe, em antítese com uma atitude

que se poderia denominar    macrossocioJógica.   Se esta antítese é um

dado de fato, que pode ser encontrado nos modos assumidos por 

uma parte da recente literatura sociológico-jurídica, seria um peri-

goso equívoco considerá-la como um princípio metodológico reco-

mendável para nossa disciplina. O equívoco depende, substancial-

mente, de uma falta de distinção entre o objeto específico da pes-

quisa sociológico-jurídica e o horizonte explicativo e interpretativo

dentro do qual os fenõmenos setoriais analisados podem e devem

ser inseridos. Este horizonte coincide com toda a estrutura socio-econõmica e, portanto, com o objeto da sociologia geral, entendida

em toda sua dimensão cognoscitiva e crítica. Por isso, uma atitude

microssociológica quanto ao objeto, como se encontra hoje na soci-

ologia jurídica, é compatível com uma atitude macrossociológica

quanto ao horizonte explicativo e interpretativo adotado em face

dos fenõmenos setoriais estudados por nossa disciplina.

 Não só: uma atitude analítica e micros sociológica que, para real-

çar oportunamente o caráter específico e delimitado dos fenõmenos

objeto da pesquisa, deixe de considerar a perspectiva sociológica geral

na qual os dados obtidos podem ser interpretados em seu significado

 para a teoria e a prática, cai em defeitos iguais e contrários àqueles

 próprios da atitude apriorística e especulativa que a moderna sociolo-

giajurídica quis abandonar, como se poderia demonstrar com muitos

exemplos. De fato, estamos igualmente distantes do conceito moderno

de ciência, tanto se nos permitimos fáceis sínteses universalistas não

apoiadas em dados empíricos, quanto se caímos na hipóstase acrítica

destes dados, fora de todo esforço interpretativo. Se hoj~ é possível

cnco. traI' uma tendência de desenvolvimento positivo na pesquisa

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 AL~SANDRO BARA'ITA

sociológico-jurídica, esta consiste precisamente na tentativa de unir 

uma perspectiva microssociológica, adotada para delimitar objetos

específicos de indagação, com uma perspectiva macrossociológica,

adotada para definir um horizonte explicativo e interpretativo dentro

do qual são considerados os fenõmenos singulares.

Assim, não se trata, apenas, de determinar a área de pesqui-

sa de uma sociologia especial, mas também, e talvez ainda mais, o

 problema da relação funcional, e portanto explicativa, dos fenô-

menos estudados na área assim circunscrita, com a estrutura socio-

econômica global de que fazem parte. Só enfatizando este aspecto

da unidade da sociologia jurídica, a nossa matéria pode realizar a

função de teoria crítica da realidade social do direito, que conside-

ramos sua tarefa fundamental. Por outro lado, só com esta condi-

ção se pode realizar a função prática da sociologia jurídica, em sua

mais vasta dimensão política,   sem   cair em um mero instrumen-

talismo tecnocrático, como aconteceria se esta função, por exem-

 plo, se circunscrevesse a fornecer dados ao "político" para suasdecisões legislativas e administrativas.

 No interior da sociologia jurídica contemporânea, o setor que procuramos definir como sociologia do direito penal se apresenta,

no que é dado encontrar nos mais recentes desenvolvimentos, em

diversos países, e não por último na Itália, como um dos pontos mais

avançados de toda nossa matéria, neste processo de recuperação da

dimensão macros sociológica para a interpretação crítica dos fenô-

menos estudados. Isto decorre, em boa parte, é um dever afirmá-lo,

 por atração dos mais recentes e mais positivos desenvolvimentos da

sociologia criminal: tão estreitas são hoje, conforme se observou, as

relações da sociologia jurídico-penal com esta disciplina.

Especialmente naquela orientação que agora aparece sob o

nome, não desprovido de uma consciente carga polêmica em face

d a tr ad içã o c ri min ol óg ic a, d e "no va cr im in ol og ia "5 o u d e"criminologia crítica", o uso da perspectiva macrossociológica,

em função teórica e prática no estudo e na in:erpretação do fenô-

meno do desvio, é o fato centtal e programático. Ademais, isto

não deve surpreender se observamos que alguns dos impulsos mais

decisivos para a "nova criminologia" provieram, antes que do seio

mesmo   dos  estudos criminológicos, dos estudos de sociologia ge-

raI, e -que a "nova criminologia" é, em boa parte, tributária de

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."

,'"

. .  '

CI'IMINO!.OGIA Cl'iTlCA   t :   C l'iTIC A DO DlRt:lTO I'ENA!.

uma tradição clássica do pensamento sociolóSico, tornada hoje

 particularmente atual (pense-se em Durkheim e em Merton, dos

quais loso nos ocuparemos), em cujo âmbito o problema do des-

vio (e para Durkheim se pode acrescentar, como testemunho da

atualidade de seu pensamento, o fenômeno da reação social ao

desvio) é tratado como um aspecto funcional de uma determina-

da estrutura sócio-econômica.A situação da sociolosia juridico-penal, c<;:msideradaem sua

tendência de desenvolvimento comum com a ~ociolosia criminal,

é, pois, em certo sentido, exemplar para toda a sociolosia jurídi-

..:a.A sociolosia jurídico-penal mostra   comolo   prosresso de todo

setor especifico da sociolosia está lisado ao desenvolvimento de

instrumentos de indasação particulares e a uma oportuna deli-

mitação dos objetos especificos de indasação, mas também, ao

mesmo tempo, ao desenvolvimento de um modelo crítico de in-

terpretação macrossociolósica de toda a estrutura sócio-econô-

mica. A situação da sociolosiajurídico-penal mostra, mesmo, que

os impulsos de renovação e de aprofundamento crítico de nossa

disciplina não devam ser buscados só no seio da mesma, mas tam- bém e sobretudo na sociolosia seral e nos outros setores especifi-

cos da sociolosia com os quais nossa disciplina se relaciona, na

teoria do Estado, na economia política, na história social, assim

como, enfim, nas tendências e nos aportes específicos das outras

disciplinas jurídicas com as quais tem estreitas relações.

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A!.ESSANDRO I3AR A'I-rA

I. A ESCOLA LffiERAL ClÁSSICA DO DIREITO   PE-

 NAL E A CRIMINOLOGIA POSITIVISTA

1. A   CR.UvIlNOLOGIA POSITIVISTA E A ESCOLA LIBERAL CL;ÍSSICA   DO

DIR.EITO PENAL

A criminolosia contemporânea, dos anos 30 em diante, se

carecteriza pela tendência a superar as teorias patolósicas da '

criminalidade, ou seja, as teorias baseadas sobre as características

 biolósicas e psicolósicas que diferenciariam os sujeitos "crimino-

sos" dos indivíduos "normais", e sobre a nesação do livre arbítrio

mediante um ríSido determinismo. Estas teorias eram próprias da

criminologia positivista   que, inspirada na filosofia e na psicolosiado positivismo naturalista, predominou entre o final do século pas-

sado e principios deste.

A novidade de sua maneira de enfrentar o problema da

criminalidade e da resposta penal a esta era constituída pela

 pretensa possibilidade de individualizar "sinais" antropológicos

da criminalidade e de observar os indivíduos assim "assinala-

dos" em zonas rigidamente circunscritas dentro do ârr..bito do

universo social (as instituições totais, ou seja, o cárcere e o ma-

nicômio judiciário).   1 Aeste fato novo na história da ciência pode-

se associar o início de uma nova disciplina científica. Por isso,

tende-se a ver nas escolas positivistas o começo da criminologia

como uma nova disciplina, isto é, um universo de discurso au-

tônomo. Este tem por objeto não propriamente o delito, conside-

rado como conceito jurídico, mas o homem delinqüente, consi-

derado como um indivíduo   diferente   e, como tal, clinicamente

observável.Emsua orisem, pois, a criminologia tem como específica fun-

ção cosnoscitiva e prática, individualizar as causas desta diversí-

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CRIMINOI.OGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

dade, os fatores que determinam o comportamento criminoso, para

combatê-los com uma série de práticas que tendem, sobretudo, a

modificar o delinqüente. A concepção positivista da ciência como

estudo das causas batizou a criminologia.

Como se poderá verificar pela exposição nos capítulos seguin-

tes' não obstante a reação que, dos anos 30 em diante, se se.':,üiuà

concepção patológica da criminalidade (reação, como se verá, já

antecipada por Durkheim nos tempos de predomínio de tal con-cepção), a matriz positivista continua fundam~~tal na história da

disciplina, até nossos dias. Não só porque a orientação patológica e

clínica continua representada na criminologia/oficial, mas também

 porque as escolas sociológicas que se desenvolveram, dos anos 30

em diante, especialmente nos Estados Unidos, contrapondo-se como

"sociologia criminal"   à   "antropologia criminal", continuaram por 

muito tempo e ainda em parte continuam a considerar a

criminolc.sia   sobretudo como estudo das causas da criminalidade.

Ainda que estas orientações tenham, geralmente, deslocado a aten-

ção dos fatores biológicos e psicológicos para os sociais, dando o

 predomínio a estes últimos, o modelo positivista da criminologia

como estudo das causas ou dos fatores da criminalidade   (par~7d.igmaetiológico)   para individualizar as medidas adequadas para removê-

los, intervindo sobretudo no sujeito criminoso   (corredonalismo),

 permanece dominante dentro da sociologia criminal contemporâ-

nea. Isto, pelo menos, como se indicou na introdução, enquanto

este modelo não foi posto em dúvida e substituído, parcial ou total-

mente, por um novo paradigma científico, o do   labeJjng approach

(parad.igma da reação soda!).   O conhecimento de que não é possí-

vel considerar a criminalidade como um dado préconstituído às

definições legais de certos comportamentos e de certos sujeitos é

característica, como veremos mais detalhadamente adiante, das

diversas tendências da nova criminologia inspirada neste paradigma.

A consideração do crime como um comportamento definido pelo

direito, e o repúdio do determinismo e da consideração do delin-

qüente como um indivíduo   diferente,   são aspectos essenciais danova criminologia.

 Não surpreende, pois, que na reconstrução histórica dos ante-

cedentes desta disciplina, a atenção dos representantes da nova

criminologia, e não só deles, tenha sido chamada para as idéias que,

30

II

I

ALESSANDRO BARATIA

acerca do crime e do direito penal, tinham sido desenvolvidas no

âmbito da filosofia política liberal clássica na Europa, no século XVIII

e primeira metade do século XIX. Não obstante os pressupostos da

escola liberal clássica fossem muito diferentes dos que caracterizam

a nova criminologia, alguns princípios fundamentais em que aquela

se inspirava receberam um novo significado de atualidade, no âmbi-

to da reação polêmica em face da criminologia de orientação

 positivista e do paradigma etiológico.2

De fato, a escola liberal clássica não considerava o delinqüen-

te como um ser diferente dos outros, não partia da hipótese de um

rígido determinismo, sobre a base do qual a ciência tivesse por ta-

refa uma pesquisa etiológica sobre a criminalidade, c se detinha

 principalmente sobre o delito, entendido como conceito jurídico,

isto é, como violação do direito e, também, daquele pacto social

que estava, segundo a filosofia política do liberalismo clássico, na

 base do Estado e do direito. Como comportamento, o delito surgia

da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas, e por isso,

do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas

 próprias ações, o delinqüente não era diferente, segundo a Escola

clássica, do indivíduo normal. Em conseqüência, o direito penal e a

 pena eram considerados pela Escola clássica não tanto como meio

 para intervir sobre o sujeito delinqüente, modificando-o, mas so-

 bretudo como instrumento legal para defendera sociedade do cri-

me, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma.

contramotivação em face do crime. Os limites da cominação e da

aplicação da sanção penal, assim como as modalidades de exercí-

cío do poder punitivo do Estado, eram assinalados pela   necessid.7de

ou   ufiJjdade   da pena e pelo princípio de legalidade.

 Neste último aspecto, as escolas liberais clássicas se situavam

como uma instância crítica em face da prática penal e penitenciá-

ria do   ancien regime,   e objetivavam substituí-la por uma políticacriminal inspirada em princípios radicalmen te diferentes (princí-

 pio de humanidade, princípio de legalidade, princípio de utilida-

de). E também neste sentido, como exemplo de um discurso crítico

sobre o sistema penal e de uma alternativa radical ante o mesmo, as

escolas liberais clássicas adquiriram um novo interesse   à   luz das

tendências criminológicas que, contestando o modelo da

criminologia positivista, deslocaram sua atenção da criminalidade

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CKJMIl\:OLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIRrITO rENAL

 para o direito penal, fazendo de ambos o objeto de uma críticaradical do ponto de vista sociológico e político.

Quando se fala da escola liberal clássica como um antecedenteou como a "época dos pioneiros" da moderna criminologia, se fazreferência a teorias sobre o Crime, sobre o direito penal e sobre a

 pena, desenvolvidas em diversos países europeus no século XVIIIe princípios do século XIX,no âmbito da filosofia política liberal clás-sica. Faz-se referência, particularmente,   à   obra de Jeremy Benthamna In:slaterra , de Anselm von Feuerbach na, Alemanha, de CesareBeccaria e da escola clássica de direito penal na Itália. Quando sefala da criminologia positivista como a priméira fase de desenvolvi-mento da criminologia, entendida como disciplina autõnoma, se fazreferência a teOlias desenvolvidas na Europa entre o final do séculoXIXe o começo do século XX,no âmbito da filosofia e da sociologiado positivismo naturalista. Com isso se alude, em particular,   à escolasocioló8Íca francesa (Gabriel Tarde) e   à   "Escola social" na Alema-nha (Franz von Liszt), mas especialmente   à  "Escola positiva" na Itá-lia (Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Raffaele Garofalo). No presente

volume tomaremos em consideração principalmente as tendênciasda sociologia criminal que se desenvolveram, dos anos   30 em diante,depois do predomínio das escolas positivas e, em parte, emcontraposição a elas. Afinalidade específica desta reconstrução his-tórica consiste em mostrar em que sentido e até que ponto o desen-volvimento do pensamente criminoló:sico posterior aos anos   30 co-locou em dúvida a ideologia penal tradicional, sobre a qual repousaainda hoje a ciência do direito penal, e em face da qual, como severá, a criminologia positivista pode se considerar subalterna.:!

2.   DA FILOSOFIA lX) OlREITO PENAL A UMA FUNDAMENTAÇÃO FILO-

SÓFICA DA CIÊNCIA I>ENAL. C£~"'A/{E BECCAIVA

Os plimeiros ímpulsos fundamentais aos quais se deve a forma-ção da h"adição italiana de direito penal, tal como esta se consolidouna Escolaclássica, sobretudo através da obra de Carrara, provieram defilósofos como Beccaria, Filangieti e Roma:snosi, ou bem de juristasque partiam de uma li8orosa fundamentação filosófica racionalista e.   'Jusnaturalista, como Cannignani e, precisamente, seu :srande discípu-

32

 ALESSANDRO BARATTA

10Francesco Carrara. Fodemos melhor dizer que, neste primeiro perí-odo do desenvolvimento do pensamento penal italiano, assistimos aum processo que vai da filosofiado direito penal a uma fundamenta-ção filosófica da ciência do direito penal; ou seja, de uma concepçãofilosófica para uma concepção jurídica, mas filosoficamente fundada,dos conceitos de delito, de respon~abilidade penal, de pena.

Esta fase deliciosamente filosófica do pensamento penal itali-

ano se abre com o pequeno e afortunadíssimo tratado   Dá de/itti e

delle pene,   escrito por Cesare Beccaria em 1764. Este tratado é,como há muito a crítica amplamente demonstrou, menos a obraori:sinal de uma genial personalidade do que a expressão de todoum movimento de pensamento, em que conflui toda a filosofia po-lítica do Iluminismo europeu e, especialmente, o francês. A conse-qüência resultante para a história da ciência penal, não só italianamas européia, é a formulação pragmática dos pressupostos parauma teoria jurídica do delito e da pena, assim como do processo,no quadro de uma concepção liberal do estado de direito, baseadano princípio utilitarista da maior felicidade para o maior número, esobre as idéias do contrato social e da divisão dos poderes.

Abase da justiça humana é, para Beccaria, a utilidade comum;mas a idéia da utilidade comum emer:se da necessidade de manter unidos os interesses pmiiculares, superando a colisão e oposição en-tre eles, que caracteriza o hipotético estado de natureza. O contratosocial está na base da autoridade do Estadoe das leis;sua função, quederiva da necessidade de defender a coexistência dos interesses indi-vidualizados no estado civil,constitui também o limite ló:sicode todole:sítimosacrifício da liberdade individual mediante a ação do Estadoe, em particular, do exercício do poder punitivo pelo próprio Estado.

F01~poi:,~a necessIdflde que constnlJweu a ceder pürte d!l próprÍa

 Jjberd!lde;   é   certo que nin<'{uém quer colocar sendo !l menor por-çdo possivel deltl em depósito públicO; só  o suficiente p"nl induzir os denwis li defendê-lo. A sonw destas mJÍ1Ímas porções possiveis

 fornw   o direito de punir; tudo   o llWis   é  abuso e não justiça)   é  fatoe ndo direito. As peIWS que ultn/passam a neceSSIdade de conser-VElr o depósito dli slllíde piÍblÍCli silo injuslElSpor sua Iwtureza; etlinto llwis injustllS siío liSpeJ7E1SqWllltO mais sE{gradlle inviolável   é

/

a segUrEmçli e maior li liberdade que   o sobenmo dá   li seus súditos.

33

 ALESSANDRO BARA1TA

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CRIMINOLOGIA CRiTICA £ CRiTICA DO DIR£ITO r£NAL

Do princípio utilitarista da máxima felicidade do maior nú-

mero e da idéia do contrato social segue-se que o critério da medi-

da da pena é o mínimo sacrifício necessário da liberdade individual

que ela implica; enquanto a exclusão da pena de morte é derivada

 por Beccariada função mesma do contrato social,coma qual aquela

contrastaria lozicamente, já que é impensável que os indivíduos

espontaneamente coloquem no depósito público não só uma parte

da própria liberdade, mas sua própria existência. Da idéia da divi-

são de poderes e dos princípios humanitárl~s iluministas, de que é

expressão o livro de Beccaria, derivam, pois, a negação da justiça

de gabinete, própria do processo inquisitório, da prática da tortura,

assim como a afirmação da exigência de salvaguardar os direitos

do imputado por meio da atuação de um juiz obediente, não ao

executivo, mas à lei.A essência e a medida do delito estão, no siste-

ma conceitual do livro de Beccaria, no dano social. O dano social e

a defesa social constituem, assim, neste sistema, os elementos fun-

damentais, respectivamente, da teoria do delito e da teoria da pena.

3. OPEN\"AMENTO DE GIANJ)OMENICO   ROMA(,'NOSI.   A   PENA

COMO CONTR.A-E\'TíMULO AO IMPULSO CR.IMINOSO

Partindo de um fundamento' filosóficodistinto e mais pessoal,

Romagnosichegaa afirmaçõesnão distantes dasde Beccaria,nagran-

de sistematizaçãoracionalista do direito penal apresentada na GeJ1esi

deI diritto pelUlle  (1791) e na filosofia deI diritto   (1825). UgoSpirit05

atribui a Romagnosi,cremos que com razão, a consciência da "ne-

cessidade de fazer surgir o sistema de direito penal de uma verdadei-

ra e própria   filosofia do direitd'.   Esta filosofiado direito e da socie-

dade, que se acha na base do sistema penal de Romagnosi,afirma a

natureza originariamente socialdo homem e negao conceito abstra-

to de uma independência natural, à qual o indivíduo renunciaria por 

, meio do contrato para entrar no estado social:a verdadeira indepen-

dência natural do homem pode-se entender somente como supera-

ção da natural dependência humana da natureza através do estado

social, que permite aos homens conservar mais adequadamente a

 própria existência e realizar a própria racionalidade. As leis desta

ordem social são leis da natureza que o homem pode reconhecer 

mediante a razão. O princípio essencial do direito natural é, para

34

Romagnosi,a conservação da espécie humana e a obtenção da má-

xima utilidade. Desteprincípio derivam as três relações ético-jurídi-

cas fundamentais: o direito e dever de cada um de conservar a pró-

 pria existência, o dever recíproco dos homens de não atentar contra

sua exitência, o direito de cada um de não ser ofendido por outro.

Como para Beccaria, assim também para RomagnosiG,  mas através

de uma muito diferente e mais complexa demonstração, que parte

da existência e da exigênciaoriginária da sociedade, e não da hipóte-

se utilitarista do pacto social, o fim da pena é a defesa social. Esta~iferença se realiza pelo fato de que a pena constitui, em relação ao

Impulso criminoso, um contra-estímulo. E assim o limite lógico da

 pena é assinalado por esta sua função de contra-impulso, que não

deve ser superada jamais. Por isso, escreve Romagnosiem um pará-

grafo famoso da  GeJ1esi,"se depois do primeiro delito existisse uma

certeza moral de que não ocorreria nenhum outro, a sociedade nãoteria direito algum de puni-lo [odelinqüente]".;

Contudo, segundo Romagnosi, a pena não é o único meio de

defesa social; antes, o maior esforço da sociedade deve ser colocado

na prevenção do delito,através do melhoramento e desenvolvimento

das condições de vida social. E aqui se pode ver uma importanteantecipação da teoria dos "substitutivos penais", elaborada por Ferri

no âmbito da Escolapositiva.

4. O NASCIMENTO DA MOIJER.N1 CIÊNCIA IX) J)!I{EITO PENAL NA

IT./ÍUA.   O.\Z\'TEMA jUR.íIJlCO DE F/{ANCE\U) CAI<J<AI{A

Toda a elaboração da filosofia do direito penal italiano do

Iluminismo, nas diversas expressões que nela tomam corpo, dos

 princípios iluministas, racionalistas e jusnaturalistas, de Beccaria a

Filangieri, a Romagnosi, a Pellegrino Rossi,a Mamiani, a Mancini,

encontra uma síntese lozicamente harmônica na clássica constru-ção de Francesco Carrara, nos densos volumes do   Programm8 dei

corso di diritto cri/11Jimle,dos quais o primeiro (parte geral) teve a

 primeira edição em 1859. Mas a importância histórica da obra do

grande mestre de Pisanão reside tanto em haver realizado e reco-

lhido a tradição precedente da filosofia do direito penal, quanto,

melhor, em haver posto a base lógica para uma construção jurídica

CRIMINOLOCIA CRiTICA ~ CRiTICA DO DIREITO r~NAL  AL~SANDRO ~ARA'ITA

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t   do   sl"stema penal Com Carrara nasce, já antecipada pelocoeren e . .'

. t'   '0de Cannio-nani seu predecessor na catedra plsana, amagls en   C > '.... .moderna ciência do direito penal ltahano. E a fJlosofla, contudo,

que a apadrinha. . .' . , ,A visão rigorosamente)undlca do dehto, que esta no centro da

construção carrariana, tem, contudo, uma validade formal que é, de

algum modo, independente do conteúdo que a filosofia de Can:ara

dá ao conceito de direito. Mas também é verdade que, sem denvar 

seu impulso teórico de uma visão jusnaturaJista e racionali~ta do

universo social e moral, a construção jurídica da teoria do dehto, tal

como se contém no programa de Carrara, não teria sido possível.

Escreve Carrara: "Toda a imensa traní.a de regras que, ao de-

finir a suprema razão de  prOlbir; reprimir   e  julgar   as ações dos

homens circunscreve, dentro de limites devidos, o poder legislativo,   .   .

e judicial, deve (no meu modo de entender) remontar, como a :'alz

mestra da árvore, a uma verdade fundamental." Esta verdade e -

continua Carrara - que "o delito   niio  é  um ente de fatq mas um

ente juridicd'.   "O  delito é um ente jurídico porque sua essência

deve consistir, indeclinavelmente, na violação de um direito."8 Mas

quando Carrara fala de direito, não se refere às mutáveis legisla-

ções positivas, senão a "uma lei que é absoluta, porque constituída pela única ordem possível para a humanidade, segundo as previ-

sões e a vontade do Criador",ll Estesignificado absoluto que Carrara

dá ao direito lhe permite distinguir, no programa da própria cáte-

dra, a parte   teórica   da parte   pníticll   do direito penal: para a pri-

meira o fundamento lógico é dado pela verdade, pela natureza das,

coisas, da qual, segundo Carrara, deriva a própria ordem, imutá-

vel da matéria tratada; para a segunda, em troca, tal fundamento é,

dado pela autoridade da lei positiva.

É   a primeira, afirma Carrara, "a ciência que devemos estu-

dar' abstraindo sempre do que se pode ter querido ditar nos vários,

códigos humanos, e redescobrindo a verdade no código imutável

da razão. A comparação dos c.ireitos constitutivos não é senão um

complemento de nossa ciência".lO

Certo, hoje não mais compartilhamos a fé racionalista com

que CaI'rara acreditava poder apreender os princípios imutáveis da

razão que presidem a teoria do delito, e deixar-nos-ia perplexos

quem quisesse repropor a rígida contraposição feita por Carrara

entre a autoridade da lei e a verdade que descende da natureza das

coisas, e à qual deve se dirigir o tratamento teórico do direito penal.

 Não obstante, além desta contraposição abstrata, neste dualismo se

contém um profundo ensinamento, que hoje deve de novo nos fa-

zer refletir, se queremos repropor, contra a estreita perspectiva do

 positivismo legalista, um modelo integrado de ciência penal. E de-

vemos constatar, também, que o edifício teórico construído por 

Carrara com esta pretensão filosófica de apreender uma verdade

superior e independente da contingente autoridade da lei positiva,

foi o primeiro grande edificio científico do direito penal na Itália,

no qual toda a teoria do delito deriva de uma consideração jurídica

rigorosa do mesmo, entendido não como mero fato danoso para a

sociedade, mas como fato juridicamente qualificado, ou seja como

violação do direito.

Disso, e não em último lugar da rigorosa delimitação entre

esfera jurídica e esfera moral, decorre que a consideração objetiva

do delito predomine, no sistema de Carrara, sobre a consideração

subjetiva do réu.

A distinção entre consideração jurídica do delito e considera-

ção ética do indivíduo torna-se, pois, a base da qual parte Càrrara

 para proceder a uma nova afirmação da tese de que a função da pena é, essencialmente, a defesa social.  Ofim da pena não é a retri-

 buição - afirma Carrara - nem a emenda, mas a eliminação do

 perigo social que sobreviria da impunidade do delito. A emenda, a

reeducação do condenado, pode ser um resultado acessório e dese-

 jável da pena, mas não sua função essencial, nem o critério para

sua medida.

A atitude racionalista de Carrara, a distinção por ele feita en-

tre teoria e prática, encontraram amplo eco na ciência italiana,

determinando uma orientação de pensamento, a Escola clássica,

que tem nele seu ponto de partida. No âmbito dessa escola volta-

mos a encontrar, em Pessina 11,  a distinção entre a idéia e o fato no

direito penal, ou seja, entre um sistema de direito penal absoluto e

um sistema de direito penal positivo, e em Buccellati a distinção

entre razão e fato, a propósito da qual se vislumbra já, todavia, a

direção de uma possível superação da antinomia, onde sustenta

Buccellati que o estudioso deve fazer progredir hannonicamente o

fato e  a  razão12•

37

CRIMINOLOGIA CRíTICA E CRiTICA DO DIREITOPENAL  Al~SANDRO BARATTA

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5. A   ESCOLA IJOSITIVA E A EXPLICAÇÃO PATOL()(;ICA DA

ClUMINALIIJAIJE.   O CRIMINOSO COMO "OIFEH.ENTE": CE.~ARE

L(   )MIJI{( )S()

A atitude filosófica racionalista e jusnaturalista da Escola clás-

sica havia conduzido a um sistema de direito penal no qual, como

vimos, o delito encontra sua expressão propriamente como ente jurí-

dico. Isto significa abstrair o fato do delito, na consideração jurídica,

do contexto ontológico que o liga, por um lado, à toda a personalida-1

de do delinqüente e a sua história biológica e psicológica, e por outo

lado, à totalidade natural e social em que se, insere sua existência.

Esta dúplice abstração se explica com a característica intelectual de

uma filosofia baseada na individualização metafísica dos entes.

O delito, como ação, é para Carrara e para a Escola clássica um

ente juridicamente qualificado, possuidor de uma estrutura real e

um significado jurídico autônomo, que surge de um princípio por 

sua vez autônomo, metafisicamente hipostasiado: o ato da livre von-

tade de um sujeito. A hipóstase deste ato em face do microcosmo

constituído pela história biopsicológica do sujeito, e a hipóstase deste

sujeito, o indivíduo, dentro do macrocosmo da realidade natural esocial, havia permitido a formação de um sistema penal baseado so-

 bre a "objetividade" do delito. A metafísica naturalista, positivista da

qual, ao contrário, partia a Escola positiva, no final do século passa-

do, com a obra de Lombroso, Ferri e Garófalo, levava a uma nova

maneira de considerar o delito; a uma reação contra as hipóstases

racionalistas de entidades abstratas: o ato, o indivíduo, sobre os quais

se baseava a filosofia da Escola clássica, e que agora perdiam sua

consistência em face de uma visão filosófica baseada sobre o concei-

to naturalista de totalidade. O delito é, também para a Escola positi-

va, um ente jurídico, mas o direito que qualifica este fato humano

não deve isolar a ação do indivíduo da totalidade natural e social.A reação ao conceito abstrato de indivíduo leva a Escola positi-

va a afinLlar a exigência de uma compreensão do delito que não se

 prenda à tese indemonstrável de uma causação espontânea median-

te um ato de livre vontade, mas p~'ocure encontrar todo o complexo

das causas na totaliade biológica e psicológica do indivíduo, e na

totalidade social que determina a vida do indivíduo. Lombroso, em

seu livro   LJU01110deiJi1quente,   cuja primeira edição é de 1876, consi-

38

derava   O   delito como um ente natural, "um fenômeno necessário,

ccmo o nascimento, a morte, a concepção", determinado por causas

 biológicas de natureza sobretudo hereditária.

 À tese propugnada pela Escolaclássica, da responsabilidade moral,

da absoluta imputabilidade do delinqüente, Lombroso contrapunha,

 pais, um rígido determinismo biológico. A visão predominantemente

a~ltropológica de Lombroso (que, contudo, não negligenciava, como

erroneamente cedos críticos sustentam, os fatores psicológicos e soci-

ais) seria depois ampliada por Garófalo, com a acentuação dos fatores

 psicológicos (a sua  Cni1l1i1OJegiaé   de 1905) e por Ferri, com a acentu-

ação dos fatores sociológicos. Na   Sociologia cni1l1Í1ale   (I900), Ferri

ampliava, em uma completa e equilibrada síntese, o quadro dos fato-

res do delito, dispondo-os em três classes: fatores antropológicos, fato-

res físicos e fatores sociais. O delito era reconduzido assim, pela Escola

 positiva, a uma concepção determinista da realidade em que o homem

está inserido, e da qual todo o seu comportamento é, no fim das contas,

expressão. O sistema penal se fundamenta, pois, na concepção da Es-

cola positiva, não tanto sobre o delito e sobre a classificação das açôes

delituosas, consideradas abstratamente e independentes da personali-

dade do delinqüente, quanto sobre o autor do delito, e sobre a classifi-cação tipológka dos autores1

:\

Esta orientação de pensamento buscava, de fato, a explicação

da criminalidade na "diversidade" ou anomalia dos autores de com-

 portamentos criminalizados.

O desenvolvimento da Escola positiva levará, portanto, através

de Grispigni, a acentuar as características do delito como elemento

sintomático da personalidade do autor, dirigindo sobre tal elemento

a pesquisa para o tratamento adequado. A responsabilidade moral é

substituída,   110   sistema de Ferri, pela responsabilidade "social". Se

não é possível imputar o delito ao ato livre e não-condicionado de

uma vontade, contudo é possível referi-lo ao comportamento de umsujeito: isto explica a necessidade de reação da sociedade em face de

quem cometeti. um delito. Mas a afirmação da necessidade da ação

delituosa faz desaparecer todo caráter de retribuição jurídica ou de

retribuição éti:;a da pena. Agora novamente, mesmo na profunda

diversidade de pressupostos, e também de conseqüências práticas,

vemos reafirmada, na história do pensamento penalístico italiano, a

concepção da ~ena como meio de defesa social. Ferri agrega à pena

39

CRIMINOLOGIA cRÍ'ncA r. CRÍllCA DO DIREITO rENAL

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todo   O  sistema de meios preventivos de defesa social contra o crime,

que assumem a forma e a denominação de "substitutivos penais"14.

Mas como meio de defesa social a pena não age de modo exclusiva-

mente repressivo, segregando o delinqüente e dissuadindo com sua

ameaça os possíveis autores de delitos; mas, também e sobretudo, de

modo curativo e reeducativo15•   A tipologia de autores que Ferri pro-

 põe deve auxiliar esta função curativa e reeducativa. A conseqüên-

cia politicamente tão discutível e discutida desta colocação é a dura-

ção tendencialmente indeterminada da pena, já que o critério demedição não está ligado abstratamente ao fato1delituoso singular, ou

seja, à violação do direito ou ao dano social produzido, mas às con-I

dições do sujeito tratado; e só em relação aos efeitos atribuídos à

 pena, melhoria e reeducação do delinqüente, pode ser medida sua

duração.

De qualquer modo, os autores da Escola positiva, seja privilegi-

ando um enfoque bioantropológico, seja acentuando a importância

dos fatores sociológicos, partiam de uma concepção do fenômeno

criminal segundo a qual este se colocava como um dado ontológico

 preconstituído à reação social e ao direito penal' a criminalidade,   , portanto, podia tornar-se objeto de estudo nas suas "causas", inde-

 pendentemente do estudo das reações sociais e do direito penal.

Em ambos os casos a velha criminologia era subordinada ao

direito penal positivo.   É   verdade que se deve reconhecer à Escola

 positiva italiana a tentativa de resgatar - mediante a elaboração do

conceito de "delito natural"lG- a criminologia de tal subordinação.

Deve-se recordar, não obstante, que precisamente do direito penal

 positivo a velha criminologia emprestava, seja como for, as defini-

ções da realidade que pretendia estudar, depois, com o método cien-

tífico-naturalístico. Os sujeitos que observava clinicamente para cons-

truir a teoria das causas da criminaliade eram indivíduos caídos na

engrenagem judiciária e administrativa da justiça penal, sobretudo

os clientes do cárcere e do manicômio judiciário, indivíduos selecio-nados daquele complexo sistema de filtros sucessivos que é o sistema

 penal. Os mecanismos seletivos que funcionam nesse sistema, da

criação das normas   à   sua aplicação, cumprem processos de seleção

que se desenvolvem na sociedade, e para os quais, como se verá logo,

o pertencimento aos diversos estratos sociais é decisivo.

40

lI. A   IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL

1. A   IJ)EOLO(,'IA J)A IJEFE'>'ASOCIAL COMO IJ)EOLO(,'IA COMUM A

E,>COLA CLA."SICA E A E,>"(:OLA POSITIVA. OS PRINeil'los CARIJEAIS

DA IDEOLO(,'/A J)A J)EFE'>'ASOCIAL

Uma das questões relativas ao significado histórico e teórico do

 pensamento expresso pela escola liberal clássica foi colocada em re-

cente debate historiográfico sobre a posição que tal escola ocupa no

contexto do pensamento criminológico. Trata-se de saber se, na his-

tória desse pensamento, a escola liberal clássica representa somente

a época dos pioneiros ou, melhor, constitui seu primeiro capítulo,

não menos essencial do que os subseqüentes. David Matza e, após

seu exemplo, Fritz Sack 1

quiseram reavaliar, como se indicou no ca- pítulo precedente, a importância da Escola clássica não só para o

desenvolvimento histórico da criminologia, mas também para a fase

atual de revisão crítica de seus fundamentos. Seja qual for a tese

aceita, um fato é certo: tanto a Escola clássica quanto as escolas

 positivistas realizam um modelo de ciência penal integrada, ou seja,

um modelo no qual ciência jurídica e concepção geral do homem e

da sociedade estão estreitamente ligadas. Ainda que suas respectivas

concepções do homem e da sociedade sejam profundamente dife-

rentes, em ambos os casos nos encontramos, salvo exceções, em pre-

sença da afirmação de uma ideologia da defesa sociaF, como nó

teórico e político fundamental do sistema científico.

A ideologia da defesa sociaJ3 (ou do "fim") nasceu contempora-

neamente   à revolução burguesa, e, enquanto a ciência e a codificação

 penal se impunham como elemento essencial do sistema jurídico bur-

guês, aquela assumia o predomínio ideológico dentro do específico

setor penal. As escolas positivistas herdaram-na da Escola clássica ,

transformando-a em algumas de suas premissas, em conformidade

41

CRlMINOlOCIA CRiTICA E CRiTICA 00 DlRJ:ITO rENAlALESSANDRO I3ARATrA

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às exigências políticas que assinalam, no interior da evolução da

sociedade burguesa, a passagem do estado liberal clássico ao estado

social. O conteúdo dessa ideologia, assim como passou a fazer parte

 _ embora filtrado através do debate entre as duas escolas - da

filosofia dominante na ciência jurídica e das opiniões comuns, não

só dos representantes do aparato penal penitenciário, mas também

do homem de rua (ou seja, das   every day theories),   é sumariamente

reconstruívelna seguinte série de princípios.

a)   Princípio de legitimidade.   O .Estado, como expressão da so-ciedade, está legitimado para reprimir a crimínalidade, da qual são

responsáveis determinados indivíduos, por lpeio de instâncias ofi-

ciais de controle social (legislação, polícia, magistratura, institui-

ções penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da socie-

dade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condena-

ção do comportamento desviante individual e à reafirmação dos

valores e das normas sociais.

 b)  Princípio do bein e do mal. O delito é um dano para a socieda-

de. O delinqüente é um elemento n~ativo e disfuncional do sistema

social. O desvio criminal é, pois, o mal; a sociedade constituída, o bem.

c)   Princípio de culpabilidade.   O delito   é   expressão de uma

atitude interior reprovável, porque contrária aos valores e às nor-

mas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas

 pelo legislador.

d)  Princípio da finalidade ou da prevenção.   A pena não tem,

ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de prevenir o

crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função

de criar uma justa e adequada contra motivação ao comportamen-

to criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de resso-

cializar o delinqüente.

, e)   Princípio de igualdade.   A criminalidade   é  violação da lei

. 1   penal e, como tal, é o comportamento de uma minoria desviante. A

., lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica de modo igual

Iaos autores de delitos.   <

i m   f)   Princípio do interesse socíal   e  do delito natural.   O núcleo

I. .'....central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civiliza-

'. das representa ofensa de interesses fudamentais, de condições es-

~. senciais à existência de toda sociedade. Os interesses protegidos

" pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Ape-

~;1 ,

tJM   42

f~.~l

.I

nas uma pequena parte dos delitos representa violação de deter-

minados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da

consolidação destes (delitos artificiais).

As diferenças entre as escolas positivistas e a teoria sobre

criminalidade da escola liberal clássica não residem, por isso, tanto

no conteúdo da ideologia da defesa social e dos valores fundamentais

considerados dignos de tutela, quanto na atitude metodológica geral

com relação à explicação da criminalidade. Matza4 colocou em evi-

dência esta diferença de modo particularmente claro: seguindo o mo-

delo da Escola positiva e da criminologia positivista ainda hoje am-

 p~amente difundida, a tarefa da criminologia é reduzida   à explica-

çao causal do comportamento criminoso, baseada na dupla hipótese

do caráter complementar determinado do comportamento crimino-

so, e da diferença fundamental entre indivíduos criminosos e não-

criminosos. A tal modelo vem contraposto o da Escola clássica, que

!el~ por ~bjeto, mais que o criminoso, o próprio crime, ligando-se   à

ldela do lIvre arbítrio, do mérito e do demérito individual e da igual-

dade substancial entre criminosos e não-criminosos. Estas diferen-

ças não incidem em mais do que um dos princípios acima individu-

alizados: o relativo   à atitude interior do delinqüente (culpabilidade).

Este adquire um significado moral-normativo (desvalor, condenação

moral) ou simplesmente sócio-psicológico (revelador de periculosi-

dade social), conforme se parta da premissa da Escola clássica ou da

Escola positiva. Mas se, por um lado, só o primeiro significado será

idôneo para sustentar a ideologia de um sistema penal baseado na

retribuição (ideologia que, de resto, como se viu, não é, absoluta-

mente a mais difundida no seio da orientação liberal clássica), por 

outro, ambas as impostações, se bem que de maneira diferente, são

aptas a sustentar a ideologia de um sistema penal baseado na defesa

social.

O conceito de defesa social parece ser, assim, na ciência pe-nal, a condensação dos maiores progressos realizados pelo direi to

 penal moderno. Mais que um elemento técnico do sistema legislativo

ou do dogmático, este conceito tem uma função justificante e

racíonalizante com relação àqueles. Na consciência dos estudiosos

e dos operadores jurídiccs que se consideram   progressistas,   isso

tem um conteúdo emocional polêmico e, ao mesmo tempo, reas-

segurador. De fato, por ser muito raramente objeto de análise, ou

43

r C '''NO< W I " ' i" DODI" "N"

ALr.SSANORO BARATI'A •

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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r    C,,'''NO<.oW   c,I."c,' ni"c,   DODI",m   "N".

~ ' .tllde dest'l sua aceitação acrítica, o seu uso é acom-~ nleSlllO elll VIL' , . .

 panhado de uma irretletida sensação de nuhtar do lado Justo, con-

h'a mitos e concepções mistificantes e superados, a favor de uma

ciência e de uma práxis penal racional. . ,

Aliás, como se disse, o conceito de defesa socIal e o pO,nto~e

chegada de uma longa evolução do pensamento pena~ e p~l1ltencI-

',' e como tall'epresenta realmente um progresso no mterior deste.auo, , . .   'd 'd d

E todavia, do ponto de vista da Critlca da IdeologIa e a ~apacI ~ ede analisar realisticamente, e portanto tambem de proJ.etar r~cI~-

nahnente as instituições penais e penitenciárjas, a ciênCIa do dIreI-

to penal apresenta um notável atraso com r~lação à .i_nte~'preta?ã.o

que desta mesma matéria se faz hoje no âmbIto das cIe~cI~s SOCIaIS

(sociologia criminal, sociologia jurídico-penal).   O  o?Jetlvo deste

ensaio é, por isso, mostrar o quanto algumas perspechva_s das.c.on-

temporâneas teorias sociológicas da crimin~~ida.de estao cntlc.a.-

mente mais avançadas em confronto com a CIenCIapenal, e ~~ele-

cem, em particular, importantes pon:os de vista para uma ~,ntlc,~e

superação do conceito de defesa SOCIal.Naturalmente, as teorIas

sociológicas" contemporâneas apresentam uma vasta gan:a ~e po-

sições que se podem diferenciar entre si, sobretudo pela ~Isao glo-

 bal da realidade social em que se inscrevem, e portanto nao podem

ser utilizadas na sua totalidade, sem exceções, como se se tratas~e

de um   corpus   homogêneo de dados adquiridos e de teses compatl-

veis e integráveis entre si.

2.   FUN(.'ÀO LE(;ITlMANTE IJE\£NVOL VIIJA IJELAIIJEOLOClA DA DEFE-

.\A .W)CIAL EM FACE IX) SISTEMA IJENAL

A capacidade de incidir criticamente sobre mitos e ideologias

de que os juristas são portadores, favorecendo a aná.lise rea.lista e acritica do sistema social que aqueles mitos e aquelas IdeologIas con-

tribuem para idealizar e estabilizar, varia entre as diversas teorias.

Para a maior parte delas se pode dizer que os elementos que ofere-

cem para uma superação das ideologias jurídicas são compensa-

dos, por sua vez, pela produção de novas ideologias. Trata-se de

ideologias que fundam suas raízes não no terreno da ciênciajurídi-

ca, mas no da sociologia, e que podem desenvolver por sobre este

44

 plano diverso, por sua vez, uma análoga função idealizante e

estabilizante em face do sistema social e das correspondentes insti-

tuições penais e penitenciárias.

Seria certamente muito ambicioso querer fornecer uma com-

 pleta análise crítica do desenvolvimento da sociologia criminal con-

temporânea. Propomo-nos aqui, sobretudo, realizar um confronto

entre a teoria jurídica e a teoria sociológica da criminalidade; par-

ticular atenção é, pois, dirigida a indicações teóricas e hipóteses de

 pesquisa que possam concorrer para a fundação de uma   economia política   da pena e da "criminalidade".   O   confronto entre ciência

do direito penal e teoria sociológica, acreditamos, não é destituído

de utilidade para o processo da primeira, especialmente em rela-

ção à superação dos elementos míticos e ideológicos que nela ainda

 pesam, como mal digerida herança do passado.

Por isso, a referência às teorias sociológicas da criminali-

dade será feita de modo seletivo no presente contexto, escolhen-

do alguns modelos no seio daquelas e os correspondentes aspec-

tos relevantes para os fins de uma crítica da ideologia penal da

defesa social.   O  método seguido aqui é o de uma crítica externa

do pensamento penalístico, que parte de resultados e de argu-mentos extraídos do desenvolvimento da sociologia criminal

norte-americana e européia dos últimos cinqüenta anos.   O atraso

da ciência jurídica em face do pensamento criminológico con-

temporâneo mais avançado é tal que, de fato, obriga a pen-

sar que o mesmo não pode ser hoje recuperado através de uma

crítica imanente, ou de uma autocrítica situada no interior da

ciência jurídica.

Isto significa somente fazer um acerto de contas com a situa-

ção atual da ciência penal, e não - apenas para confirmá-lo - de

fazer desta situação um modelo para a ciência penal. Como mode-

lo, continuará válido aquele da  integraçiio   entre dogmática do de-

lito e ciência social da criminalidade. Mas o modelo de umagesamte

Strafrechtswissenschaft,   sugerido e realizado pela Escola positiva

na Itália (Lombroso, Ferri) e pela Escola sociológica na Alemanha

(von Liszt), dominante até os anos 30, foi colocado em crise pelo

 predomínio exercido até hoje pela orientação técnico-jurídica na

Itália (Rocco) e na Alemanha (Beling), orientação que ainda domi-

na amplamente a ciência penal da Europa continental.   O contraste,

45

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CI'iTICA DO DIREITO rENAL

 AU:SSANDRO   1 1 AI'ATrA

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desde então acentuado entre dO$mática jurídica, por um lado, e

ciências sociais e criminológicas,   :101'   outro, favorecido particular-

mente pela hostilidade que a política cultural do fascismo, na Itália

e na Alemanha, reservou aos estudos sociais e criminológicos, não

foi superado.O encontro com a mais avançada criminolO$ia e teoria social

da criminalidade teria conduzido o pensamento penalista, se não a

uma superação, pelo menos a uma atitude crítica em face do concei-

to de defesa social. Mas esse encontro não se/realizou ainda. Por isso,

 podemos dizer que um   novo   modelo de ciência penal integrada ain-

da não surgiu, depois da crise da Escolá positiva e da   gesamte

Slrafrechlswissenschaft,   nem existe, ainda, em realidade, uma ver-

dadeira interação entre expoentes da dO$mática do delito e da teoria

sociológica da criminalidade, ainda que se assinalem, sempre

crescentemente, em quase todos os países europeus, esforços volta-

dos a suscitar esta interação, a reconstruir um novo modelo de ciên-

cia penal integrada.Mas a afirmação deste modelo exi$e um longo tempo. Se não

se quer diferir, ulteriormente, um discurso críticc sobre a ideolO$ia

do sistema penal, é mister começar, pensamos, com um confrontoexterno da ciência penal com a teoria sociológica da criminalid~,de.

Por outro lado, este mesmo confronto mostra que não seria possí-

vel, hoje, simplesmente retornar às realizações do modelo integra-

do de ciência penal que conhecemos, seja do passado ou do pre-

sente, tal como representado pela  geSEilllte Slnifrech/swissenschaft

de von Liszt, pela Escola positiva clássica e contemporãnea, pela

Escola da "defesa social" (Gramatica) e por aquela da "nova defesa

social" (Ancel). De fato, em todas estas edições do modelo integra-o

do de ciência penal não se encontra uma alternativa crítica, mas

somente uma modificação e um aperfeiçoamento da ideolO$ia da

defesa social. Esta não só não resulta prejudicada mas, acima detudo, vem reafirmada nestas escolas, em todo seu alcance, tanto no

sentido da' ideolO$ia positiva (prO$rama de ação) quanto, e princi-

 palmente, no sentido da ideologia negativa (falsa consciência,

idealizações mistificantes das funções reais dos institutos penais).

Tanto é verdade, que estamos habituados a associar com estas es-

colas, eminente ou exclusivamente, a idéia de defesa social, ainda

que sob a denominação alternativa de "teoria do fim", como se

46

todos os movimentos anteriores à orientação sociológica excluís-

sem o conceito de defesa social e de fim.

3.   NEC£~SIJ)Ao'E DE SITUAR OS ELEMENTOS IJE UMA TEORIA DU

D£~V/(  > .   DOS "COMPOR TAMENT<)S S()UALMENTE NE(,'ATIV( )S", E DA

(.'f{/MINALlZAÇÂO, DENTRO DE UMA £,)PEciFICA £~T/{UTURA EC'O-

M')MICO-.W. )C1AL

 Nas páginas seguintes se mostrará como os princípios que in-

tegram a ideolO$ia da defesa social encontram uma direta confron-

tação crítica nas teorias sociológicas contemporãneas sobre a

criminalidade. A análise destas teorias, pois, seria distribuída le-

vando em conta, sobretudo, os elementos críticos que contenham

em face de cada um dos princípios que fazem parte da ideolO$ia

 penal da defesa social. Trata-se, principalmente, de teorias inseridas

no campo da sociolO$ia criminal burguesa e que, para distingui-las

das mais recentes teorias inseridas na assim chamada criminolO$ia

"crítica" (em parte, de inspiração marxista), se denominam, fre-

qüentemente, como teorias "liberais", segundo uma particular acepção que, no mundo anglo-saxão, adquiriu o termo "liberal",

Com estes termos se denotam teorias que, diferenciando-se ainda

que cronolO$icamen'te das teorias liberais clássicas dos séculos pre-

cedentes, se caracterizam, no interior do pensamento burguês con-

temporâneo, por uma atitude racionalista, reformista e, geralmen-

te, prO$ressista.

A apresentação das teses alternativas que resultam de um exa-

me sem preconceitos das diversas teorias sociológicas sobre a

criminalidade e sobre o direito penal não implica a aceitação glo-

 bal delas, o que seria, de resto, impossível, dada a relativa incom-

 patibilidade que subsiste entre as mesmas. Por outro lado, oesquematismo que domina a distribuiçâo da matéria comporta uma

neutralidade apenas aparente em relação a ela.   O  fio condutor da

análise é dado por uma assunção fundamental: o conceito de defe-

sa social corresponde a uma ideolO$ia caracterizada por uma con-

cepção abstrata e aistórica de   SOCIedade,   entendida como uma to-

talidade de valores e interesses. Uma teoria adequada da criminali-

d:lde, sobre ~ qual se pretende hoje basear um novo lllodelo inte-

47

CRIMINOLOCIA CRiTICA t :   CRiTICA DO DIREITO rENAL  ALESSANDRO BARATTA

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, grado de ciência do direito penal, é caracterizada por elementosan.titéticos   à   ideologia da defesa social: em primeiro lugar, essa te-Oria trabalha com um conceito   Si/lU/do,   ou seja, com uma   llbstnt-

çiio  de/ermJÍwd/i   correspondente a específicas fonnações econô-mico-sociais e aos problemas e contradições que lhe são inerentes.Deste ponto de vista, o horizonte macrossociológico de uma talteoria. não é .dado por um conceito ideal de sociedade, mas por conceitos maiS determinados, como os de "sociedade feudal" "so-cíedade capitalista", "de transição" etc. , '

Esta teoria trabalha, além disso, sobre a base de uma análisedos conflitos de classe e das contradições específicas que caracteri-zam a ~strutura econômico-social das r'elações de produção dedetern~ll1ada fase do desenvolvimento de uma formação econômi-co-social.

48

lII.  As   TEORIAS PSICANALÍTICAS DA

CRIMINALIDADE E DA SOCIEDADE PUNITIVA.

 NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DE LEGITIMIDADE

1.A   TEOI{fA FREUDIANA IX) "DELITO I'OR SENTIMEN/D DE CULPA"

E AS TEORIASPSICANALÍTICASDA SOCIEDADEPUNITIVA

Examinaremos sumariamente nos próximos capítulos as teori-as sociológicas que, progressivamente, destroçaram os princípios sin-gulares integrantes da ideologia da defesa social, até atingir, utilizan-do um novo enfoque, o assim chamado enfoque do etiquetamento ouda "reação social"   (lllbelíng   approach),  a completa inversão da pers- pectiva da investigação criminológica. De fato, as teorias crimino-

lógicas da reação social e as compreendidas no movimento da"criminologia crítica" - como se verá - deslocaram o foco de aná-lise do fenômeno criminal, do sujeito criminalizado para o sistema penal e os processos de criminalização que dele fazem parte e, maisem geral, para todo o sistema da reação social ao desvio.

Mas, antes mesmo de examinar estas diversas etapas da re-flexão propriamente sociológica, deve-se levar em consideraçãouma orientação de pesquisa sobre crime e pena que, já em tornodos anos 20 e 30, e sob um ângulo visual inteiramente diferente,incluía a sociedade (mesmo considerada aistoricamente) no inte-rior do objeto do esforço explicativo. Referimo-nos às teorias psi-

canalíticas da criminalidade, no âmbito das quais pode-se distin-guir pelo menos dois grandes filões de pensamento, embora es-

treitamente ligadosentre si. O primeiro e o mais importante des-tes dois filões se refere   à explicação do comportamento crimino-so, e teve um riquíssimo desenvolvimento, a partir de Freud, parachegar - na literatura de língua alemã - até os recentes traba-

lhos de -Tihnan Moser 1•

49

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

 AL~SANDRO   OARA1TA

B I B L IO T E C A D E C i Ê i .•{ ; i A S J U R íD I C A S

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Estas teorias têm as suas raízes na doutrina freudiana da neu-

rose e na aplicação dela que o próprio Freud fez para explicar cer-

tas formas de comportamento delituoso. Segundo Freud, a repres-

são de instintos delituosos pela ação do superego, não destrói estes

instintos, mas deixa que estes se sedimentem no inconsciente. Esses

instintos são acompanhados, no inconsciente, por um sentimento

de culpa, uma tendência a confessar. Precisamente com o compor-

tamento delituoso, o indivíduo supera o sentimento de culpa e rea-

liza a tendência a confessar. Deste ponto de vista, a teoria psicana-;

lítica do comportamento criminoso representa uma radical nega-

ção do tradicional conceito de culpabiliç1ade e, portanto, também

de todo direito penal baseado no princípio de culpabilidade.

Por outro lado, as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva,

que constituem o segundo dos dois filões de pensamento acima iden-

tificados, colocam em dúvida também o princípio de   legilJillidade

e, com isto, a legitimação mesma do direito penal. A função psicos-

social que atribuem à reação punitiva permite interpretar como

mistificação racionalizante as pretensas funções preventivas, de-

fensivas e éticas sobre as quais se baseia a ideologia da defesa

social (princípio de legitimidade) e em geral toda ideologia penal.Segundo as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva, a reação

 penal ao comportamento delituoso não tem a função de eliminar 

ou circunscrever a criminalidade, mas corresponde a mecanismos

 psicológicos em face dos quais o desvio criminalizado aparece como

necessário e ineliminável da sociedade.

Em um importante capítulo de   Tolem UJ1d Ttibu2,   Freud _ 

depois de ter desenvolvido a analogia -mostra a diferença entre a

neurose e o tabu. A primeira é uma doença individual, a segunda é

uma formação social. O primitivo teme atrair sobre si, violando o

tabu, uma grave pena, uma séria doença ou a morte. O doente, ao

contrário, vincula à proibição o temor de uma pena, não para si,

mas para um parente ou uma pessoa próxima. No caso da violação

de um tabu, a punição ocorre de modo espontâneo; é somente uma

forma   seclIl1dtiJiEi   de pena a que se realiza com a intervenção do

grupo social. A intervenção punitiva do grupo se verifica somente

em função subsidiária   à   punição espontânea, posto que todos os

componentes do grupo se sentem ameaçados pela violação do tabu

e por isso se antecipam na punição do violador.

50

B I B L IO T E C A   D E   C i Ê i . { ; i A S   J U R íD I C A SEste mecanismo primitivo de solidariedade é explicado por 

Freud pela tentação de imitar aquele que violou o tabu, liberando,

assim, como aquele o fez, instintos de outro modo reprimidos. Esta

tentação mimética cor responde   à   representação da capacidade

contaminadorn do tabu, representação que explica as formas de

isolamento e de quarentena a que se submete quem tenha violado

um tabu. A reação punitiva pressupõe, portanto, a presença, nos

membros do grupo, de impulsos idênticos aos proibidos.

2.   THEODOR REIK    E  A SUA EXPLICAÇÃO PSICANALÍTICA DAS 1'E01<I-

 AS RETRIBUTIVA E PREVENTIVA DA PENA. A VARIANTE DE FRANZ 

 ALEXANDER   E HUGO STAUI3 A TAL HIPÓTESE 

Sobre a mencionada teoria freudiana do "delito por sentimento

de culpa", Theodor ReiJ.<3funda uma teoria psicanalítica do direit~

 penal, baseada sobre a dupla função da pena: a) a pena serve a

satisfação da necessidade inconsciente de punição que impele a

uma ação proibida; b) a pena satisfaz também a necessidade de

 punição da sociedade, através de sua inconsciente identificação com

o delinqüente. O efeito catártico da pena e o processo de identifica-ção da sociedade com o delinqüente, são os dois aspectos de uma

teoria psicológica do direito penal segundo a qual as duas concep-

ções fundamentais da pena, a concepção retributiva e a concepção

Preventiva não são mais que racionalizações de fenõmenos que,   ~ .

fundam suas raízes no inconsciente da psique humana. Com eleIto:

1.   A teoria retributiva encontra sua correspondência nas

autopunições inconscientes que encontramos nos neuróticos, e que

são reguladas pelo princípio do talião: "deste ponto de vista, a teo-

ria da retribuição tem uma conseqüencialidade psicológica, mas

contradiz os progressos da cultura e da humanidade. A retribuição,

como finalidade da pena, é simplesmente a representação de umimpulso, transformada em teoria"   4

:2.   As teorias da retribuição enfatizam a função da pena em

face da sociedade (prevenção geral) e em face do autor de um de-

lito (prevenção especial).

Ambas transferem a função da pena para um resultado futu-

ro, que consiste em influenciar a coletividade ou o autor do delito.

5)   I

B i B L I O T E C A   D E C IE N C !A S   J U R ID 1 C A S

c

Õ.r-

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1

CRIN\lNOLOCIA CI\.ITICA   lo L.KIIIL.I\ LJU L/I"LoI' •.•....I &"IH"'U

Como tais elas são estritamente complementares e fundam suas e (orçlls reprimidlls. A exigêncJ11de punir o delinqüente é, simulfll-•

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Como tais, elas são estritamente complementares e fundam suasraízes psicológicas na natureza bifronte que tem a pena, na suaindissolúvel função dupla, dirigida, simultaneamente, ao delinqüentee à sociedade. Ambas estas funções somente podem ser compreen-didas através de uma fundação psicológica da finalidade da pena,que parta da investigação psicológica que Freud fez do sentimentode culpa, anterior ao deIito e que, como se disse, aparece não comouma conseqüência da ação delituosa, mas como a sua mais pro-

funda motivação.

Da hipótese segundo a qual o efeito di~suasivo da pena se fun-da sobre a identidade dos impulsos proibidos, no delinqüente e nasociedade punitiva, finalmente, Reik extrai a conclusão de que atendência de desenvolvimento do direito penal é a da superação da pena: "talvez virá um tempo em que a necessidade de punição serámenor do que na atualidade, e em que os meios de que se dispõe

 para evitar o delito estarão para a pena assim como o arco-Íris está para o tremendo temporal que o precedeu"5,

Ateoria psicanalítica da finalidade da pena   é desenvolvida pos-teriormente por Franz Alexander e Hugo Staub. Eles põem em relevoo mecanismo sociopsicológico através do qual a pena infligida a quemdelinqüe vem contrabalançar a pressão dos impulsos reprimidos, queo exemplo de sua liberação no delinqüente torna mais fortes, Apuni-ção representa, de tal modo, uma defesa e um reforço do superego.

oe.gopretende expJÍlção toda vez que se verifjcll uma violação dodireito, para 'Iumentar, no momento em que ele  é  pressionado pe-los impulsos, a força do próprio superego.   Omau exemplo do de-linqüente age de modo sedutor sobre os próprios Jinpulsos repri-midos e Iwmenta SUlIpressão. For isso, o e.gotem necessidade dereforÇliro próprio superego, e somente pode obter este reforço das

 pessoas rellÍs que incorporam I' autoridade, lISquais são o modelodo superego. Se o e.gopode demonstrar llOSimpulsos que também'ISautoridades milJ1dwws dão ntziio   '10supere.go..entüo ele pode sedefender do lIss/dto dos impulsos. Mas se as autoridades mundamisdesautorizllm o superego, deix,mdo fu..a,iro delinqüente, então nãoexiste mais nen1TUl1Uiajudll contra o assalto d/iS tendências an/i-sociais.  Oimpulso p"rll a puniçiio   é, pois, uma reação defensiva doe,gocontnl os próprios impulsos, com li linalidllde dll sua repres-stio,puni conserVIJr o eqUlJibrio espiritual entre forças repressivas

52

e (orçlls reprimidlls. A exigêncJ11de punir o delinqüente   é, simulfllnellmente, umll demonstniçiío diri$ida pllnl dentro, pllnldesencomjllr os impulsos::? que nós prOibimos   110 delinqüente, vóstliJllbém podeis renuncillr .

3. OENlVQUEOMENTO IJOSTEIVOR IJA TEOIVA lJ!>iCANALÍTICA DA   SO-

OEIJAIJE PUNITIVA E A CRÍTICA IJA jUSTlÇ-"A PENAL NA OlJRA DE

 ALEXANIJEJ< E STAUIJ

Staub e Alexander enriqueceram a teoria psicanalitica da socie-dade punitiva com dois motivos que, ao lado daquele~ ~xaminad~s atéagora, permaneceram cenh'ais na literatura psicanallhca postenOl:

O primeiro destes motivos é uma variante do fundamen~al ~.nn-cípio freudiano da identidade dos impulsos que movem o delmquen-te e a sociedade na sua reação punitiva. Este princípio é transporta-do, agora, para as características psicológicas gerais do 1~1Undodosdelinqüentes e das pessoas que incorporam os órgãos do sIstema p~-nal. Existe entre estas pessoas uma afinidade que, em geral, se expll-ca com a presença de fortes tendências anti-sociais não suficiente-mente reprimidas, as quais impelem as pessoas pertencentes ao se-

gundo grupo a um zeloso exercício da função puniti~a, .Com este motivo, o ãmbito de aplicação da teona da socIeda~e

Punitiva se desloca em certo sentido, da sociedade em geral, ou seja,, I'

da reação não-institucional para a institucional, e se individua lzanas pessoas que estão a seu serviço (juízes, polícia, carrascos, agen-

tes de segurança),Osegundo motivo   é complementar ao motivo reikiano da fun-

damentação psicológica da finalidade da pena em face da socieda-de, e consiste em ver a pena não tanto do ponto de vista da identi-ficação da sociedade com o delinqüente, e do correspondente re-forço do superego, mas do ponto de vista da identificação de um

sujeito individual com a sociedade punitiva e com os órgã~s dareação penal. Esta identificação leva, de um lado - como se VIU   nofinal do parágrafo precedente - ao reforço do superego, de outro,e  é   este o motivo que aqui interessa, a um desvio da agressão emuma forma legítima; agressões, cuja eliminação em forma de com- portamento anti-social é impedida por inibições, e que por isso per-

CRIMINOLOGIA cRincA I: cRincA DO DlR£ITO rl:NAL

l11 i i l id ã d d t é d id tifi

A.u:s3ANDRO BARATIA

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l11aneceriam irresolvidas, são descarregadas através da identifica-ção do sujeito com os atos da sociedade punitiva.

A pena adquire assim também um significado de recompensa pela renúncia ao sadismo; este mecanismo de identificação com asociedade punitiva conduz à diminuição da quantidade de agressões para inibir e, portanto, a um alívio do trabalho de inibição. A identi-ficação   é favorecida pelo caráter ritual e espetacular dos procedi-mentos judiciários e, em particular, da execução da pena capital.

Alexander e Staub, assim como Reik, aprofundam esta análise

 psicológica da função punitiva, para realizM uma crítica de fundoda justiça penal, sobre a qual pesa e pesará ainda por muito tempoo sedimento irracional das fontes afetivas dá função punitiva, que aanálíse psicanalítica põe a nu. Eles partem da representação idealde uma justiça racional, que atua sem os conceitos de expiação, deretribuição e que não serve, como ocorre na realidade, à satisfaçãodissimulada de agressões das massas. Para que semelhante resulta-do seja possível é necessário não só que os homens alcancem ummaior controle do   ego   sobre a vida afetiva, mas também que astendências agressivas das massas encontrem mais ampla elimina-ção através de sublimações. E o discurso de Alexander e Staub não

finaliza com a imagem utópica e risonha do arco-Íris reikiano, mascom uma previsão sombria e pessimista, que adquire uma luz si-nistra, se pensarmos que ela se fazia presente precisamente na Ale-manha, nos anos imediatamente anteriores ao advento do nacio-nal-socialismo, e não distantes da segunda guerra mundial.

A possibilidade de eliminar as agressões diminuiu, de fato, aosolhos de Alexander e Staub, de um lado, por causa do pacifismo queimpunha uma renúncia à eliminação de agressões bélicas, de outro,

 por causa de modificações da vida econômica, com o advento de for-mas de concentração e de organização da economia, próprias do ca-

 pitalismo tardío. Estascomportam uma diminuição das empresas pri-

vadase da livre concorrência: "a luta individualista de cada um contratodos perde, assim, sempre mais terreno, e às agressões,são subtraídastambém estas formas sublimadas de satisfação na luta econômica"1.Certo, causa perplexidade afinllar que a efêmera paz entre as duasguerras mundiais, e a diminuição "meramente quantitativa" do cho-que entre as forças econômicas, no interior da sociedade, apareciamcomo fatores frenantes de um lento processo de racionalização da

54

 justiça penal. A experiência mosh'a.ria prontamente que as novas gran-des possibilidades de descarga de agressões, que tinham sido ofereci-das às massas, tanto no plano internacional quanto no nacional, esta-riam muito distantes de serem compensadas por uma justiça penal"purificada" das fontes afetivas inconscientes da pena.

Sobreo caminho aberto por Reik,Alexander e Staub e,pouco maistarde, por Erich Fromm, a teoria psicanalítica da sociedade punitiva élevada aposteriores desenvolvimentos por Paul Reiwalds.

 Na obra de Reiwald, como em ouh'as representativas expres-sões da temia psicanalítica da sociedade plmitiva, um momento cen-tral da análise do mecanismo psicológico inconsciente, que é suben-tendido na reação punitiva, aparece nos conceitos   deprojeção   e debode expiatório.   Momento central da interpretação psicanalítica dareação punitiva é, portanto, a teoria do delinqüente como bodeexpiatório: também esta teoria encontra sua raiz texhlal na análisefreudiana do mecanismo   deprojeção9

4. A   OBRA   DE   PAUL REIWALD, HEL1I1UT OSTERMEYER   E  EDWARD

 NA ECELI 

Um mecanismo de projeção semelhante ao que se verifica namentalidade primitiva, e que conduz à representação das forçasdemoníacas hostis, nas quais estão transferidas as próprias agres-sões, explica como a sociedade punitiva, separando-se, como o bemdo mal, do sujeito delinqüente, transfere para ele as próprias agres-sões. A pena não basta, observa Helmut Ostermeyer 10,   para descar-regar toda a agressão reprimida. Uma parte dela é transferida parao exterior, para outros indivíduos, ah'avés do mecanismo de proje-ção. Reiwaldll coloca este mecanismo de projeção em relação, tam-

 bém, com a nmção da literarura e dos filmE'ssobre crimes.   Éo mes-mo mecanismo de alarme social suscitado pelas representações dos

crimes, através dos  mass media,   que por meio da fantasia, leva osmembros da sociedade a projetar as próprias tendências anti-soci-ais em figuras de delinqüentes particularmente temíveis, ou em ti-

 pos de sujeitos desviantes. Fenômenos similares são esrudados pelaliteratura anglo-saxônica, em referência às representações que osmass media   têm dado de grupos marginais, por exemplo, dos  rockerse de sua periculosidade social12

55

CRIMINOl.OCIA CRiTICAE CRiTICADO DIREITOrENAl.

de legitimação da pena. E não raro, em relação a idéias e elementos

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,

J. {i ,!

o fenômeno da projeção da agressividade e do correspon-

dente sentimento de culpa sobre o delinqüente é analisado, na lite-

ratura psicanalítica, através da mítica figura do bode expiatório,

carregado dos nossos sentimentos de culpa e enviado ao deserto13

Edward Naegeli relaciona a mórbida necessidade de sensacionais

descrições de delitos com esta necessidade de um bode expiatório,

que é encontrado no delinqüente, sobre o qual são projetadas as

nossas mais ou menos inconscientes tendências criminosas.

onossO nestllivo, ti llssim clwmodtl   sombra;   produz, como   C011-

teúdo consciencilil inibido /ltrtlVésd/l insttincitl do superego, senti-

mentos de culpa inconscientes que procur~m ser descarregados.

 Em todo 110mem existe   /I    tendência ti tnmsferir esltl sombnl sobre

unUl terceirtl peSSOtl,objeto dtl projeçüo, ou seja, a transportá-ftl

 para o exterior e, com isso, a concebê-lli como alguma coisa de

externo, que pertence li um terceiro. Emlugtlr de voltar-se contra

si prápIio, insulta-se e pune-se o objeto destll trtlnsferêncitl, o bode

expiatário, ptlra o qual é sobretudo cllracteristico o filto de que se

encontra em condiçüo indefestl14

 Naegeli insiste sobre o caráter particularmente perigoso queas formas de "projeção da sombra" têm, quando provêm da parte

de toda uma comunidade e se voltam sobre minorias e grupos mar-

ginais, em todo caso, sempre sobre aqueles que parecem diferentes

da maioria. No pós-escrito   à  citada edição da clássica obra de Reik 

e de Alexander e Staub15,   Moser sublinha a terrível atualidade deste

fenômeno: "o mecanismo da projeção sobre o bode expiatório en-

trou dolorosamente na consciência pública através dos aconteci-

mentos políticos dos últimos decênios".O modelo de explicação psicanalítica da reação punitiva, ain-

da que mediatizada por formas freqüentemente mais populares que

cientificas, parece hoje, novamente como na época em que Reik eAlexander e Staub escreviam suas obras decisivas, ter entrado como

um aguilhão crítico na consciência dos juristas e operadores soci-

ais. Em tal modelo certamente estão contidos alguns dos elementos

teóricos mais geradores de inquietação na consciência, geralmente

muito tranqüila, dos juristas, pois que, como se viu, atacam a ideo-

logia da defesa social precisamente no seu fundamental momento

g ç p ç

críti~os extraídos ?o repertório da literatura psicanalítica, vemos

mamfestar-se, aSSl111,em encontros científicos ou nas páginas das

revistas jurídicas mais difundidas, aquela "má-consciência" sem a

qual, escrevia Radbruch1G,   não se pode mais ser um bom jurista.

5.   LIMITE •.•.IJIlS TEUIVIlS 1~\JCIlNIlLíTlCIlS JJIl C/VMJNIlLlOIlOE E DIl

S(X.1EJ)IlJ)E PUNITIVA.   A   I{EIJ/{( )J)U(.'À() J)1lO.)NCEP(.'À() UNlVERSIlLlSTIl

DE J)£LITO

 Não obstante a importante função crítica exercida pelas teorias

 psicanalíticas da criminalid.ade em face da ideologia da defesa social

é necessário dizer que aquelas não conseguiram superar os limite~

fundamentais da criminologia tradicional. De fato, tais teorias geral-

mente se apresentam, à semelhança das teorias de orientação

 positivista - das sociológicas não menos que das biológicas - como

a etiologia de um comportamento, cuja qualidade   cnil1inostl   é'aceita

sem análise das relações sociais que explicam a lei e os mecanismos

de criminalização. Além disso, a teoria psicanalítica da sociedade

 punitiva apresenta a mesma insuficiência dos mais avançados pon-

tos teóricos da crítica sociológica (teoria do  labelJilg),   que examina-

remos mais adiante. Eisto porque as teorias psicanalíticas orientam a

 própria análise sobre as funções punitivas sem mediar esta análise

com aquela do conteúdo específico do comportamento desviante do

seu significado dentro da histórica determinabilídade das rela~ões

sócio-econômicas.

De resto, e é isto que mais conta, ainda quando as duas linhas

da criminologia psicanalítica aparecem reunidas em um mesmo

contexto teórico, esses dois momentos, o da explicação etiológica

do comportamento criminoso e o da interpretação funcional da

reação punitiva, na realidade, não são mediata, mas imediatamen-

te identificados entre si.Esta identificação tem o mesmo efeito que teria uma justa-

 posição extrínseca dos dois momentos. A ausência de uma me-

diação entre eles é a conseqüência da visão aistórica e

universalizante com a qual, na perspectiva psicanalítica são.   'mtepretados, através de estruturas conceituais meramente sub-

57

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

 ALESSANDRO BARArrA

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 jetivas e psicológicas, tanto o compol'tamento cl'iminoso como al'eação punitiva. Em uma tal pel'spectiva, nem a análise do com-

 pOl'tamento cl'iminoso pode encontral' o seu elemento integl'ativona análise histol'icamente situada das l'elaçôes sociais, que ex-

 plicam a lei e as instituiçôes penais, nem, ao contl'ário, a análiseda l'eação punitiva pode encontral' o seu elemento integrativona análise do conteúdo do desvio, como expressão de determi-nadas l'elações sócio-econômicas e de suas contradiçôes mate-riais. As l'elações sócio-econômicas, como necessário contextohistoricizante da análise, ficam substanci;almente estranhas   à

teol'ia psicanalítica. Comportamento criminoso e reação puniti-va são expl'essôes da mesma realidade psicológica, aistoricamentecentl'adas em um fundamental, natural e ineliminável antago-nismo entl'e indivíduo e sociedadel7

•   À   dimensão histórica daquestlio   cni71ÍJuil,   a teoria psicanalítica substitui uma aistóricadimensão antl'opológica, na qual se insere logicamente a tese dauniversaJidllde   do delito e da reação punitiva.

Estavisão universalizante do delito e da reação punitiva   é umelemento constante de toda a criminologia   liberal contemporãnea.Os fenômenos, historicamente condicionados, do desvio e do con-

trole penal deste, antes de sel'em interpretados, no seu real conteú-do, à   luz de determinadas relaçôes sócio-econômicas em que seinscrevem, são hispostatizados como elementos de uma concepçãogenérica e formal,;da sociedade. Assim como as teorias psicanalíti-cas reconduzem a concepção da universalidade do delito ao natu-l'al antagonismo entre indivíduo e sociedade, a teoria funcionalista,como se verá no próximo capítulo, reconduz a universalidade dodelito   à   sua relação normal com a estrutura social, ao seu papel,dentro de cel'tos limites, positivo, para a consolidação e o desenvol-vimento daquela.

58

IV. A   TEORIA ESTRUTURAL-FUNCIONALISTA DO

DESVIO E DA ANOMIA. NEGAÇÃO DO PRINCíPIO

DO BEM E DO MAL

1. A   VIN.AJ)ASOC/OUÍ(;ICA NA C/VMINOUJ(;IA CONTEMPORÂNEA:

EMILE DURKHElM

. . No âmbito das teorias mais propriamente sociológicas, o prin-Clpl0 do bem e do mal foi posto er,l dúvida pela teoria estrutural-func£onalista da   lll10mÍli e da criminalidade. Estateoria, introduzida

 pelas obras clássicas de Emile Durkheim e desenvolvida por RobertM~r~n, re~resenta a virada em direção sociológica efetuada pela

crl11llnologla contemporânea. Constitui a primeira alternativa clás-sica   à   concepção dos caracteres diferenciais biopsicológicos dodelinqüente e, por conseqüência,   à variante positivista do prinCÍpiodo bem e do mal. Neste sentido, a teoria funcionalista da anomia sesitua na origem de uma profunda revisão crítica da criminologiade orientação biológica e caracterológica, na origem de uma dire-ção alternativa que caracteriza todas as teorias criminológicas dasquais se tratará mais adiante, ainda que a maioria dessas compar-tilhe com a criminologia positivista a concepção da criminologiacomo pesquisa das causas da criminalidade.

Ateoria estrutural-funcionalista da anomia e da criminalidadeafirma:

1)  As causas do desvio não devem ser pesquisadas nem emfatores bioantropológicos e naturais (clima, raça), nem em umasituação patológica da estrutura social.

2) O desvio é um fenômeno normal de toda estrutura social.3) Somente quando são ultrapassados determinados limites o

fenômeno do desvio é negativo para a existência e o desenvol~i-n-:.entoda estl'utura social, seguindo-se um estado de desorganiza-

S9

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIRLlTO rENAL

 ALESSANl1RO BARAlTA

garantida uma condição essencial da transformação e da evolução

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ção, no qual todo o sistema de regras de conduta perde valor, en-quanto um novOsistema ainda não se afirmou (esta é a situação de"anomia"). Ao contrário, dentro de seus limites funcionais, o com- portamento desviante   é  um fator necessário e útil para o equilíbrio

e o desenvolvimento sócio-cultural.Precisamente na abertura de sua célebre exposição sobre

criminalidade, em  Les reg/es de   !fi   mé/hode socio/ogique (1895),

Durkheim critica a então incontroversa representação do crime como

fenômeno patológico: "Se existe um fato cujo,caráter patológico pa-rece incontestável, é o crime. Todos os criminólogos estão de acordosobre este ponto."l Por outro lado, observa Durkheim, encontramoso fenômeno criminal em todo tipo de sociedade: "não existe nenhu-ma na qual não exista uma criminalidade"2. Ainda que suas caracte-rísticas qualitativas variem, o delito "aparece estreitamente ligado àscondiçôes de toda vida coletiva"3. Por tal razão, considerar o crimecomo uma doença social "significaria admitir que a doença não éalgo acidental, mas, ao contrário, deriva, em certos casos, da consti-tuição fundamental do ser vivente". Mas isto reconduziria a confun-dir a fisiologia da vida social com a sua patologia. O delito faz parte,enquanto elemento funcional, da fisiologia e não da patologia da vidasocial. somenté as suas formas anormais, por exemplo, no caso decrescimento excessivo, podem ser consideradas como patológicas.Portanto, nos limites qualitativos e quantitativos da sua função

 psicossocial, o delito é não só "um fenômeno inevitável, embora re- pugnante, devido à irredutível maldade humana", mas também "uma parte integrante de toda sociedade sã"4.

Este aparente paradoxo se explica tendo em vista aquilo emque consiste a normalidade e a funcionalidade do delito para ogrupo social: em primeiro lugar, o delito, provocando e estimulan-do a reação social, estabiliza e mantém vivo o sentimento coletivoque sustenta, na generalidade dos consócios, a conformidade às

normas. Mas o delito é também um fenômeno de entidade particu-lar, sancionado pelo direito penal. O fato de que a autoridade pú- blica, sustentada pelo sentimento coletivo, descarregue a própriareação reguladora sobre fenômenos de desvio que atingem a inten-sidade do crime, permite uma maior elasticidade em relação a ou-tros setores normativos, e torna possível, desse modo, mediante odesvio individual, a transformação e a renovação social. Assim é

GO

garantida uma condição essencial da transformação e da evoluçãode toda sociedade. "Para que a originalidade moral do idealistaque ~o.nha transcender o próprio tempo, possa manifestar-se, é ne~ce~sano ~ue aquela do criminoso, dominada pelo próprio tempo,seja posslvel. Uma não ocorre sem a outra."5 Além disso o delito

 pode ter t~mbém, além desta função indireta, um papel direto nodesenvolvllnento moral de uma sociedade. Não somente deixa oca.minho livre para as transformaçôes necessárias, mas em deter-nuna~os casos as prepara diretamente. Ou seja, o criminoso não só

 pel~nute a manutenção do sentimento coletivo em uma situação sus-cehvel de mudança, mas antecipa o conteúdo mesmo da futuratransformação. De fato, freqüentemente o delito é a antecipação damoral futura, como demonstra, por exemplo, o processo de Sócrates.

Estas considerações conduzem Durkheim a ver o fenõmeno deque se ocupa a criminologia sob uma nova luz. Contrariamente aoque ocorria na criminologia precedente e coútemporânea, e partin-d? do q~e ele mesmo havia anterionnente sustentado, Durkheim nãoVIa maIS o delinqüente como "ser radicalmente anti-social como~ma es~ie de elemento parasitário, de corpo estranho e inassil~1ÍlávelmtroduZldo no seio da sociedade", mas, principalmente como "un~

age.nte ,regulador da vida social". Esta visão geral funcionalista dodeh.t~ e acompanhada, em Durkheim, por uma teoria dos fatoresSOCl~lS~ anomia. Já anteriormenté a  Les regles de la méthode

~oclOloglque,conh"a as concepções naturalistas e positivistas que iden-tIficavam.a~ causas ~a c.riminalidade nas forças naturais (clima, raça),n~_scondlçoes ~cononucas, na densidade da população de certas re-g.Ioes etc.~~le tinha colocado o acento sobre fatores intrínsecos aosIst~ma soclo-econômico do capitalismo, baseado sobre uma divisãos~clal do trabalho muito mais deferenciada e coercitiva com ol1lvelame~lto dos indivíduos e as crises econômicas e sociais ~ue issotraz consl$o. Em uma monografia sobre suicídio, de   1897   Durkheim

aprofun~a a t~ori~ d?~ fatores estruturais da anomia. Juntamentecom as tlpologlas mdlVlduais do suicídio, coloca em evidência o fe-nômeno do suicídio em situações de anomia, que caracterizam atransformação da estrutura econômico-social. Durkheim demons-tra que a quota de suicídios não aumenta somente nos momentos de

d:pr~ssão econômica, porque os esforços dedicados ao sucesso eco-nomlCO.são frustrados, mas também nos momentos de expansão

Gl

C~IMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL AU:SSANDRO BARATIA

d i i i d di

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~)

imprevista, porque a rapidez com que o sucesso eonõmico pode ser 

conseguido coloca em crise o equilíbrio entre o fim e os modelos de

comportamento adequados àquele.

2.   RUlJEI{ T MEl{ TUN: A SUP£I{A(:ÃO 1)0 J)UALlSMO INJ)JvíJ)uo-

SOCJEJ)AIJE.FIN\' (.'ULTUI{AI.\ ACE\:W) AOSMEIOSINSTITUCIONAl', E

{(AN()MIA".

,

Partindo, principalmente, deste último elemento da teoria

de Durkheim, Merton desenvolveu a .teoria funcionalista da

anomia. Em um ensaio de 1938, que representa uma etapa es-

sencial no caminho percorrido pela sociologia críminal contem-

 porânea, Merton se opõe, como Durkheim, à concepção patoló-

gica do desvio e àquelas visões do mundo que define como "anár-

quicas", às quais se chega, como no caso das teorias freudianas

e hobbesianas, partindo do pressuposto de uma contraposição

de fundo entre indivíduo e sociedade, e considerando a socieda-

de como uma força que repdme o livre desenvolvimento dos

recursos vitais individuais e que gera, por reação, a tendência a

revoltar-se contra a sua ação repressiva. A revolta individual,

 por seu lado, é repelida e sancionada pela sociedade como pato-

lógica, perigosa e criminal.

Diferentemente destas concepções, a teoria sociológica

funcionalista que Merton aplica ao estudo da anomia permite, ao

contrário, interpretar o desvio como um produto da estrutura soci-

al, absolutamente   norma/como   o comportamento conforme às re-

gras. Isto significa que a estrutura social não tem somente um efeito

repressivo, mas também, e sobretudo, um efeito estimulante sobre o

comportamento individual. A estrutura social "produz novas moti-

vaçôes, que não se deixam reconduzir a tendências inatas". Os me-

canismos de transmissão entre a estrutura social e as motivações

do comportamento conforme e do comportamento desviante são

da mesma natureza. Observando a situação em que se encontram

os indivíduos no contexto da estrutura social, se verifica que seus

comportamentos singulares são tanto conformistas como desviantes.

Deste ponto de vista, a teoria funcionalista repele as concepções

individualistas, segundo as qmtis a importância que o comporta-

62

mento desviante tem, no interior dos diversos grupos e estratos   so-

ciais, varia em função do número de personalidades patológicas.

O model~ de explicação funcionalista proposto por Merton,

 p~rtanto, consiste em reportar o desvio a uma possível contradi-

çao entre   esfrufUrtl SOCÜi/ e   CU/fUrEi:   a cultura, em determinado

n~omento do ~esenvolvimento de uma sociedade, propõe ao indi-

vIduo deternllnadas metas, as quais constituem motívações fun-

damentais do seu comportamento (por exemplo, um certo nível

de bem~estar e de sucesso econõmico). Proporciona, também,modelos ~e comportamentos institucionalizados, que resguardam

as modahdades e os meios legítimos para alcançar aquelas metas.

Por outro lado, todavia, a estrutura econômico-social oferece aos

indivíduos, em graus diversos, especialmente com base em sua

 posição nos diversos estratos sociais, a possibilidade de acesso às

modalidades e aos meios legítimos para alcançar as metas.

A desproporção que pode existir entre os fins culturalmente

r~c~nhecidos como válidos e os meios legítimos, à disposição do in-

dIVI~UOpara alcançá-los, está na origem dos comportamentos

des\"lantes. Esta desproporção, contudo, não é um fenõmeno anor-

mal ou patológico, mas, dentro de celios limites quantitativos em

que não atinze o nível crítico da anomia, um elemento funci~nal

ineliminável da estrutura social. A cultura, ou "estrutura cultural" é

 para Merton   7,   "o conjunto de representações axiológicas comuns:

que regulam o comportamento dos membros de uma sociedade ou

de um grupo". A estrutura social é, ao contrário, "o conjunto das

relações sociais, nas quais os membros de uma sociedade ou de um

grupo estão diferentemente inseridos". Anomia   é, enfim, "aquela crise

da estrutura cultural, que se verifica especialmente quando ocorre

uma fOlie discrepância entre normas e fins culturais, por um lado e

as possibilidades socialmente estruturadas de agir em conformidade

com aquelas, por outro lado.

3. A  RELAÇÃO ENTRE FINS (.vi... TURAIS E MEIOS IN\TITUClONAIS:

CINCO MODELOS DE {(ADEqUA(.'ÀO INJ)JVI/JUAL1J

A estrutura social não permite, pois, na mesma medida, a

todos os membros da sociedade, um comportamento ao mesmo

tempo conforme aos valores e às normas. Esta possibilidade varia.   ,

6g

C"IMINOLO(~IA CRiTICAE CRiTICADO DIREITOrENAL

d f t d í i á i d t ditdiversas pesquisas demonstraram, determínadas infrações e deter-

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de fato, de um mínimo a um máximo, segundo - tem-se dito-

a posição que os indivíduos ocupam na sociedade. Isto cria uma

tensão entre a estrutura social e os valores culturais e, conseqüente-

mente, díversos tipos fundamentais de respostas individuais -

conformistas ou desviantes - às solicitações resultantes do con-

curso combinado dos valores e das normas sociais, ou seja, dos

"fins culturais" e dos "meios institucionais". Estes tipos de res-

 postas se distinguem por sua aderência ou por sua separação em

relação a uns ou a outros, simultânea ou separadamente. Daí de-

rivam cinco modelos de "adequação ind(vidual".

1.Conformidade - cOlTesponde à rpsposta positiva, tanto aos

fins como aos meios institucionais e, portanto, ao típico comporta-

mento conformista. Uma massa de indivíduos constitui uma socie-

dade somente se a conformidade   é   a atitude típica que nela se en-

contra.Z. Inovação - cOl"responde   à  adesão aos fins culturais, sem o

respeito aos meios institucionais.3. Ritualismo - corresponde ao respeito somente formal aos

meios institucionais, sem a persecução dos fins culturais.

4. Apatia - cOl"responde à negação tanto dos fins culturais

como dos meios institucionais.5. Rebelião - corresponde, não   à   simples negação dos fins e

dos meios institucionais, mas à afirmação substitutiva de fins alter-

nativos, mediante meios alternativos.

A estratificação social, observa Merton, realiza um papel de

 primária importãncia para a pertinência das reações individuais

a um ou a outro tipu: "Se se quer pesquisar como a estrutura

social exerce uma pressão para uma ou para outra destas manei-

ras alternativas de comportamento, se deve observar, preliminar-

mente, que os indivíduos podem passar de uma a outra destas

 possibilidades em conformidade com o setor social em que se en-

contranl."sO comportamento criminoso típico corresponde ao segundo

modelo, o da  Ínovaçiio.   Partindo do princípio segundo o qual o im-

 pulso para um comportamento desviante deriva da discrepãncia

entre fins culturais e meios institucionais, Merton mostra como os

estratos sociais inferiores estão submetidos, na sociedade norte-

americana analisada por.ele, à máxima pressão neste sentido. "Como

64

minados delitos são uma reação inteíramente "normal" a uma si-

tuação na qual existe uma acentuação cultural do sucesso econõ-

mico e que, contudo, oferece em escassa medida o acesso aos meíos

convencionais e legítimos de sucesso."~

Tanto para a maior quanto para a menor possíbilidade de

tornar-se criminoso, como para atingir os graus mais elevados da

"pirâmide de instrução", não são decisivas as características bio-

 psicológicas dos indivíduos, mas sim a pertinência a um ou a outro

setor da sociedade.

ollcesso aos cliJwis legitimas plinl enriquecer-se tornou-se estrei-to por uma estrutUrll estrlltiflálda que mio   é  inteirllmente llbertll,em todos os niveú~ llOSindividuas clIplizes [..,/, A cultum   COIOCII 

.   'POIS,lias membros dos estmtos inferiorej~ eXJ~,?ênci.Elsinconciliú veisentre si. Por um1lidq aqueles sdo solicitados li orient:lr:1 sua con-duta plml a perjpectiv:l de um a/to bem-esfllr [.../; por outro, as

 possibilidlldes de fazê-lo, com meios institucionais /eoitimos lhes_ h'   < : . > '   7

Sllq em liJnp/lImedidll, neglldas .

4.   MEl< TON E A O{fM/NAUf)Af)E   /X)   ((COLA/UNHO /JRANCO"

Se, nas diversas elaborações de sua teoria Merton continua a.   .   .   'll1S1stIrsobre a particular exposição dos estratos sociais inferiores à

delinq~ência inovadora, ele adverte, no curso de sua obra, cada

vez maIS,a ~ugestão proveniente de duas perspectivas criminológicas

c.ontemporaneas, adequadas para integrar ou corrigir a sua primi-

tiva construção e das quais, para os fins do nosso discurso nos

ocuparemos mais adiante. Trata-se, de um lado, das pesquis;s so-

 bre criminalidade do colarinho bnmco,   e das teorias respectivas de

E.H. Sutherland e, por outro lado, das pesquisas e teorias de A.K.

Cohen, e de outros, sobre subculturas criminosasll.

Asprimeiras mostravam quão grande era a discrepância en-

tre as estatísticas oficiais da criminalidade e a criminalidade oculta

especialmente no caso da criminalidade, predominantemente eco~

nõn~ica, de p~ssoas ocupantes de posições sociais de prestígio.

Por   ISSO,ateona da maior exposição dos estratos sociais inferiores

CRIMINOLOCIA CRITICA E CRiTICA (lO DIREITO rENAL

à   delinqüência era integrada com estes dados, e o princípio da

 ALESSANORO BARATTA

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q g , p p

específica exposição das classes pobres ao desvio inovador en-

contrava um terreno fecundo de controle, devendo-se verificar 

até que ponto a criminalidade de   colarinho branco   podia expli-

Cal'-se com a discrepãncia entre fins culturais e acesso aos meios

institucionais. Sutherland, no seu fundamental ensaio de 1940 se,

servia precisamente dos dados por ele analisados sobre a cifra

negra da criminalidade de   colarinho branco,   para projetar, em

alternativa à teoria funcionalista, a sua teoria da "associação di-

ferencial". Segundo esta teoria, como será exposto em seguida, a

criminalidade, como qualquer outro modelo de comportamento,

se aprende (aprendizagem de fins e de técnicas) conforme conta-

tos   específicos aos quais está exposto o sujeito, no seu ambiente

social e profissional.

Para Merton, a análise da criminalidade de   colarinho bran-

coconstituía, ao contrário, principalmente um reforço da sua tese

sobre o desvio inovador: a classe dos homens de negócio, da qual

se recruta grande parte desta população amplamente desviante

mas escassamente perseguida, cOl'responde, de fato~ ao tipo ca-

racterizado pela proposta inovadora. Estes sujeitos - observa

Merton12

-   aderem e personificam decididamente o fim socialdominante na sociedade norte-americana (o sucesso econômico)

sem ter interiorizado as normas institucionais, através das quais

são determinadas as modalidades e os meios para a obtenção dos

fins culturais.

Uma crítica da teoria estrutural-fullcionalista de Merton será

desenvolvida, mais adiante, em conexão com as teorias das

subculturas criminais, apresentadas nos capítulos subseqüentes.

Aqui, limitamo-nos a duas observaçôes. Em primeiro lugar, não

será negligenciado o fato de que, na tentativa de integrar a

criminalidade de   colarinho branco   no esquema do desvio inova-

dor, Merton foi constrangido a acentuar a consideração de umelemento subjetivo-individual (a falta de interiorização das nor-

mas institucionais), em relação a de um elemento estrutural-ob-

 jetivo (a limitada possibilidade de acesso aos meios legítimos para

a obtenção do fim cultural, o sucesso econômico). Parece eviden-

te que este último elemento, que constitui a variável principal do

desvio inovador das classes mais desfavorecidas, na teoria de

66

Merton, desde sua formulação originári::l1\   não pode ter a mesma

função explicativa em relação   à  criminalidade de colarinho branco

especialmente quando se trata de indivíduos pertencentes aos gru~

 pos economicamente mais avantajados e poderosos. Limitando a

sua análise, como   é   característica da sociologia tradicional ao

fenômeno da distribuição de recursos, Merton não vê o nexo fun-

cional objetivo, que reconduz a criminalidade de   colarinho bran-

co (e também a grande criminalidade organizada)   à estrutura do

 processo de produção e do processo de circulação do capital: ouseja, o fato posto em evidência por não poucos estudos sobre a

g~'ande criminalidade organizada, que entre circulação legal e

Circulação ilegal, entre processos legais e processos ilegais de acu-

mulação, existe, na sociedade capitalista, uma relação funcional

objetiva. Assim, por exemplo, uma parte do sistema produtivo le-

gal se alimenta de lucros de atividades delituosas em grande esti-

lo. E,For isto, é fruto de uma visão superficial fazer da criminali-

dade das camadas privilegiadas um mero problema de socializa-

ção e de interiorização de normas.

Por isso - e esta é a segunda consideração -, a criminali-

dade de   colarinho branco permanece substancialmente um cor-.

  ,   ,

 po estranho na cOllstrução original de Merton. Esta é adequada

somente para explicar, naquele nível superficial de análise ao

qual chega, a criminalidade das camadas mais baixas. Por outro

lado, só aparentemente se pode relacionar tal explicação a um

 princípio de crítica social, não obstante algumas expressões de

Merton (como também de autores que desenvolveram, partindo

.da teoria estrutural-funcionalista, a teoria das subculturas cri-

minais) pareceriam sugerir uma crítica da sociedade capitalis-

ta. Em realidade, estas teorias têm uma função ideológica

estabilizadora, no sentido que possuem, sobretudo, o efeito de

legitimar cientificamente e, dessa maneira, de consolidar a ima-

gem tradicional da criminal idade, como própria do comporta-

mento e do   S!,7!US    típico das classes pol~res na nossa sociedade, e

o correspondente recrutamento efetivo da "população crimino-

sa" destas classes.

67

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V. A TEORIA DAS SUBCULTURAS CRIMINAIS.

 NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DE CULPABILIDADE

1.   COMI'ATIIJIUOAOE E INTEUJ<A(:ÃO OAS TEOI{fAS FUNClONALlSTAS

E DA.'," TEORIAS I)A.'" SUIJCUL TUI{AS CI{fMINAIS

A relação entre a teoria funcionalista e a teoria das subcul-

turas criminais não   é   uma relação de exclusão recíproca, mas

 pode ser considerada, melhor, como uma relação de compatibili-

dade. De fato, as duas teorias se desenvolvem, em parte, sobre

dois planos diferentes: a primeira, pretende estudar o vínculo fun-

cional do comportamento desviante com a estrutura social; a se-

gunda, assim como se apresenta em suas primeiras formulações

na obra de Clifford R. Schaw1 e de Frederic M. Trascher 2,   até

Sutherland3, se preocupa principalmente em estudar como a

subcultura delinqüencial se comunica aos jovens delinqüentes e,

 portanto, deixa em aberto o problema estrutural da origem dos

modelos subculturais de comportamento que são comunicados. A

compatibilidade das duas teorias resulta, pois, da própria diversi-

dade de nível de discurso e dos conjuntos de fenõmenos de que se

ocu pam, respectivamente.Mas, desde o momento em que, com a obra de Albert K.Cohen

4,

o alcance da teoria das subculturas criminais se amplia, do plano

dos fenõmenos de aprendizagem para o da explicação mesma dos

modelos de comportamento, subsiste entre as duas teorias um ter-

reno de encontro, que tem levado mais geralmente a uma integraçãoque a uma mera compatibilidade. Realmente, a explicação funcio-

nalista do desvio tem sido, habitualmente, considerada como uma

hipótese geral, utilizável para a análise da origem e da funçào das

subculturas criminais em uma dada sociedade, ainda que não pos-

sa fornecer todos os elementos para uma análise do conteúdo das

G9

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

subcuIturas criminais, em face dos valores sociais illstitucio-

 ALESSANDRO RARATTA

umLI nova cultura Por outro lLldq t: pelLI 11lt:smLlJ"Llziiq os mel11-

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nalizados, nem de seu específico funcionamento (mecanismos de

transmissão, modelos de aprendizagem, técnicas de neutralização

dos valores e das normas institucionais). A teoria funcionalista,

 portanto, se apresenta como suscetível de ser integrada com a in-

trodução do conceito de subcultura.

A partir deste último ponto de vista, a teoria funcionalista da

anomia tem sido desenvolvida por Richard. A. Cloward e L.E.Ohlin5,

como teoria das subculturas criminais, baseada na diversidade   es-trutural das  chances   de que dispõem os in'divíduos de servir-se de

meios legítimos para alcançar fins culturais. Segundo estes autores, aI

distribuição das chances de acesso aos meios legítimos, com base na

estratificação social, está na origem das subculturas criminais na so-

ciedade industrializada, especialmente daquelas que assumem a for-

ma de bandos juvenis. No âmbito destas se desenvolvem normas e

modelos de comportamento desviantes daqueles característicos dos

estratos médios. A constituição de subculturas criminais representa;

 portanto, a reação de minorias desfavorecidas e a tentativa, por parte

delas, de se orientarem dentro da sociedade, não obstante as reduzi-

das possibilidades legítimas de agir, de que dispõem.

Em um artigo de 1959, Cloward expõe a teoria melioniana daanomia, e as de Sutherland e de Cohen sobre subculturas criminais,

 propondo uma síntese. Obtém esta síntese estendendo o conceito de

distribuição social das oportunidades de acesso aos meios legítimos,

 já utilizado por Merton, também ao acesso aos meios ilegítimos. Isto

 permite aperfeiçoar a explicação estruturalista da criminalidade de

colc1rÍnhobranco,  sem permanecer unicamente ao nível das técnicas

de aprendizagem e da associação diferencial.

Entre os diversos critérios que determJÍwm   oacesso aos meios ile-gítJÍllO~ EiSdiferenças de nivel soci.1l silo, certamente, EISmais   ün -

 port:mtes (.../. Também 110CLiSOem que membros dos estratos JÍl-termedidrios e superiores estivessem interessEidos em empreender as cLlrreims cnillinosas do estrato soci:J1infen"or, encontrariam di-

 ficllldLldes P:irLI reLilizEir esta ambiçofio, por caUSEide sua prepara-çiio JÍlsuficiente, enqllEmto os membros d:i classe lÍlfen"or podem

:Jdquini; llwis f:lcilmente, LiLltitude e LIdestreztlnecessán:IJ:   A maÍor 

 pLlrte dos pertencentes lis cltlsses médi:i e superior mio SEiocapazes

de ab:mdonar lLlcilmente SllElcultur:l de cltlsse, parti adapt:ir-se a

70

umLI nova cultura. Por outro lLldq t: pelLI 11lt:smLlJ Llziiq os mel11bros dLi clLisse infen"or siio exlll/dos do lIcesso lIOSpapéis crimino-sos CLlrtlcteristicos do colanilho bwnco';.

Partindo desta extensào da concepção mertoniana da relação

entre os fins sociais e os meios ilegítimos, Cloward e Ohlin fornece-

ram contribuições consideráveis à teoria das subculturas crimi-

nais, examinando, além do modelo mertoniano do desvio por ino-

vação, também o da apatia, que se acha no limite da criminalidade propriamente dita, interessando uma vasta gama de comportamen-

tos desviantes de grupos mais ou menos fortemente marginaliza-

dos: pense-se nos vagabundos, nos  cJochards,   nos alcoólicos, nosdrogados etc.7

O conceito de subcultura criminal, podanto, não funda somente

um grupo autônomo de teoria, mas enconh"a aplicação, combinado

com outros elementos, no interior de UPl quadro de teorias complexas.

2.   EDWIN    H   SUTHERLANJ): (.'JÚTIC'A I)AS TEORIAS (;ERAIS SOI3RE 

CRIMINALIIJAJ)E; AUJER T COHEN: A ANÁLISE DA SUIJCULTURA DOS 

lJANDOSjUVENIS 

Edwin H. Sutherland contribuiu para a teoria das subculturas

criminais, principalmente com a análise das formas de aprendiza-

gem do comportamento criminoso, e da dependência desta apren-

dizagem das várias associações diferenciais que. o indivíduo tem

com outros indivíduos ou grupos. Por tal razão, a sua teoria   é co-

nhecida como "teoria das associações diferenciais". Aplicou esta

teoria, em particular,   à   delinqüência de   colarinho branco,   em umensaio já citadoS.

 Na conclusão deste trabalho, Sutherland desenvolveu uma crí-

tica radical daquelas teorias gerais do compOliamento criminoso, baseadas sobre condições econômicas (a pobreza), psicopatológicas

ou sociopatológicas. Estas generalizações, afirma Sutherland, são er-

rôneas por três razões. Em primeiro lugal~ porque se baseiam sobre

uma falsa amostra de criminalidade, a criminalidade oficial e tradi-

donal, onde a criminalidade de col!zrinho bnmcoé    quase que intei-

ramente descuidada (embora Sutherland demonstre, por meio de

71

CRJ."IINOLOCIA CRíTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

dados empíricos, a enorme proporção deste fenômeno na sociedadesionou a teoria da criminalidade para modelos explicativos que

não se limitam à simples análise das associações diferenciais e dos

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americana). Em segundo lugar, as teorias gerais do comportamento

criminoso não explicam corretamente a criminalidade de   colt/rinho

branco,   cujos autores, salvo raras exceções, não são pobres, não cres-

ceram em s/ums,  não provêm de famílias desunidas, e não são débeis

mentais ou psicopatas. Enfim, aquelas teorias não explicam nem

mesmo a criminalidade dos estratos inferiores. De fato, se os fatores

sociológicos e psicopatológicos aos quais estas generalizações têm

recorrido, estão, indubitavelmente, em relação com a aparição da

criminalidade, somente podem explica   e   as características da

criminalidade dos que pertencem aos estratos inferiores (por exel11-I

 pIo, porque estes se dedicam ao furto com arrombamento, ou ao

roubo à mão armada, mais que a delitos conexos com falsas declara-

çôes), mas estes fatores específicos não se enquadram em uma teoria

geral que esteja em condição de explicar tanto a criminalidade dos

estratos "inferiores" quanto a criminalidade de colarinho branco.

Estas não podem, além disso, serem consideradas como os elementos

sobre os quais repousa uma teoria geral, uma explicação unitária da

criminalidade. Uma tal teoria geral deve ter em conta, em alternativa

às teorias convencionais, segundo Sutherland, um elemento que ocorre

em todas as formas de crime.

 A  hipótese IIqui sugeridü em substituiç.'úo dlls teorÍl/s conveJlcioJUllS,

é que   lidelinqüênciü de co!:lrinho bmnco, propriamente como qwl!-

quer outm forml/ de delinqüêncÍl/ sisten/líticl/,   é üprendidl/;   é I/pren-

didl/ em I/ssocÍllçiio diretl/ ou indiretll com os que  já   pmticIll"1ll11 um

comportlll11ento criminoso, e I/que/es que l/prendem este comportl/-

mento clinlJilOSO m/o têm contatos freqüentes e estreitos com o com-

portlll11enlo conforme 11lá   O fI/lo de que uml/ pe.ssoa torne-se ou

m/o um criminoso   é determÍlwdo, em   /:u~'S,/ medidl/, pelo grllll re!l/-

tivo de keqüência e de intensidade de Sl/1/Sreltições com os dois

tipos de comportl/Jilento. Isto pode ser d/lll1i1/do de processo de

1/SSOCÍ lIÇtlOd/fere ncÍld'.

Colocando o acento, em primeiro lugar, sobre a importãncia

dos mecanismos de aprendizagem e de diferenciação dos contatos,

mas, em segundo lugar, também sobre a relação desta diferencia-

ção com as diferenciações dos grupos sociais, Sutherlalld impul-

72

não se limitam à simples análise das associações diferenciais e dos

mecanismos de aprendizagem, mas enfrentam diretamente o pro-

 blema das causas sociais das diversas associaçõcs diferenciais e de

sua qualidade. E é Cohen quem desenvolve completamente este

aspecto problemático da teoria das subculturas. Em um famoso

livro1o ,   analisa a subcultura dos bandos juvenis. Esta é descrita

como um sistema de crenças e de valores, cuja origem   é   extraída

de um processo de interação entre rapazes que, no interior da

estrutura social, ocupam posições semelhantes. Esta subculturarepresenta a solução de problemas de adaptação, para os quais a

cultura dominante não oferece soluções satisfatórias.

A questão fundamental posta por Cohen refere-se às razões

de existência da subcultura e do seu conteúdo específico. Estas ra-

zões são individualizadas (de maneira diferente, mas complemen-

tar em relação à teoria de Merton) reportando a atenção às carac-

terísticas da estrutura social. Esta última induz, nos adolecentes da

classe operária, a incapacidade de se adaptar aos   standards   da cul-

tura oficial, e além disso faz surgir neles problemas de   status   e de

autoconsideração. Daí, deriva uma subcultura caracterizada por 

elementos de "não-utilitarismo", de "malvadeza" e de "negativismo"

que permite, aos que dela fazem parte, exprimir e justificar a hos-

tilidade e a agressão contra as causas da própria frustração social.

3.  ESTRATIFICAÇÃO   E PLURALISMO CULTIlRAL DOS GRUPOS SOCIAIS.

RELATIVIDADE   DO   SISTEMA   DE   VALORES PENALMENTE TIlTELADOS:

NEGAÇÃO   DO   "PRINCÍPIO   DE  CULPABILIDADE"

oquadro de teorias das subculturas criminais aqui apresen-

tado não pode ser senão sumário. Contudo, interessa sublinhar o

núcleo teórico contido nessas teorias, que se opõe ao princípio da

ideologia da defesa social acima denominado   princípio da culpabi-lidade.   Sob este ponto de vista, a teoria das subculturas criminais

nega que o delito possa ser considerado como expressão de uma

atitude contrária aos valores e às normas sociais gerais, e afirma

que existem valores e normas específicos dos diversos grupos soci-

ais (s\Jbcultura). Estes, através de mecanismos de interação e de

73

r    CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

;~

1   aprendizagem no interior dos grupos, são i~lteriorizados pelos in-

, -  ALESSANORO HARATrA

VerStilllente, por critérios e modelos que não teriam natureza éti.ca,

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p g g p , pdivíduos pertencentes aos mesmos e deternunam, portanto, o com-

 portamento, em concurso com os valores e as normas instituc:ona-lizadas pelo direito ou pela moral "oficial", Não existe, pois,   umsistema de valores, ou   o sistema de valores, em face dos quais oindivíduo é Jjvrede  determinar-se, sendo   culpávela   atitude daque-les que,   podendo,   não se deixam "determinar pelo   miOl)',  comoquer uma concepção antropológica da culpabilidade, cara princi-

 palmente para a doutrina penal alemã (concfpção normativa, con-cepção finalista)   11,   Ao contrário, não só a estratificação e o pluralismo dos grupos sociais, mas tambélill as reàções típicas degrupos socialmente impedidos do pleno acesso aos meios legítimos para a consecução dos fins institucionais, dão lugar a um pluralismode subgrupos culturais, alguns dos quais rigidamente fechados emface do sistema institucional de valores e de normas, e caracteriza-dos por valores; normas e modelos de comportamento alternativosàquele.

Sóaparentemente está à disposição do sujeito escolher o siste-ma de valores ao qual adere. Em realidade, condições sociais, es-truturas e mecanismos de comunicação e de aprendizagem deter-

minam a pertença de indivíduos a subgrupos ou subculturas, e atransmissão aos indivíduos de valores, normas, modelos de com-

 portamento e técnicas, mesmo ilegítimos.

A visão relativizante da sociologia coloca em crise, assim, alinha artificial de discriminação que o direito assinala entre atitudeinterior conformista (positiva) e atitude desviante (reprováveD,   so-

 bre a base da assunção acrítica de uma responsabilidade do indiví-duo, localizada em um ato espontâneo de determinação   pejo  oucontra o sistema institucional de valores. Esta distinção entre atitu-de interior positiva e atitude interior reprovável, que remete aindaao fundamental princípio do bem e do mal que caracteriza a ideo-

logia penal, é feita também sobre a base de uma assunção acríticado conjunto de valores e dos modelos de comportamento protegi-dos pelo sistema penal, como o conjunto dos critérios positivcs deconduta social compartilhados pela comunidade ou pela gre.nde

maioria dos consócios. Uma minoria desviante representaria, aocontrário, a culpável e reprovável rebelião a respeito destes valores,orientando o próprio comportamento, mesmo   podendo fazer di-

74

mas ao invés, seriam a negação culpável do minimo ético protegido pelo sistema penal (ideologia da maioria conformista e da minoriadesviante, ideologia da culpabilidade, ideologia do sistema de valo-res dominante).

 Não pretendemos nos rtprofundar, aqui, na questão espinh?sae difícil da relatividade do sistema de normas e de valores recebIdo

 pelo sistema penal, da sua relação com a "consciência social", d~ssuas prerrogativas positivas (o bem) em face dos sitemas alternatl-vos de valores e regras, presentes e aplicados no âmbito de gruposrestritos (subculturas criminais). Contudo, bastará citar alguns da-dos relativos   à perspectiva sociológica sobre esta ordem de proble-mas. Eles são, em geral, enfrentados pelos juristas partindo de umasérie de pressupostos não refletidos criticamente e não confirma-dos por análises empíricas. Estes pressupostos são os seguÍl~tes: a) osistema de valores e de modelos de comportamento recebIdo pelosistema penal corresponde aos valores e normas sociais que ? l~-gislador encontra preconstituídos, e que são aceito~ pela maI.OrIados consócios; b) o sistema penal varia em conformIdade ao SIste-ma de valores e de regras sociais.

A investigação sociológica mostra, ao contrário, que: a) nointerior de uma sociedade moderna existem, em correspondência   àsua estrutura' pluralista e conflitual, em conjunto com valores eregras sociais comuns, também valores e regras específicas de gr~-

 pos diversos ou antagônicos; b) o direito penal não ext:'rime, pOIS,somente regras e valores aceitos unanimemente pela SOCIedade,masseleciona entre valores e modelos alternativos, de acordo com gru-

 pos sociais que, na sua construção (legislador) e na sua aplicação(magistratura, polícia, instituições penitenciárias), têm um peso

 prevalente; c) o sistema penal conhece não só valorações e normasconformes às vigentes na sociedade, mas também defasamentos em

relação a elas; freqüentemente acolhe valores presentes somenteem certos grupos ou em certas áreas e negados por ?utros gru?~s eem outras áreas (pense-se no tratamento privilegiado, no codlgoitaliano do homicídio por motivo de honra) e antecipações em facedas rea~ões da sociedade (pense-se na perseguição de delitos   q~enão suscitam, ou ainda não suscitam, uma apreciável reação SOCI-al: delitos econômicos, delitos de poluição ambiental) ou retarda-

7S

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

mentos (pense-se na perseguição de delitos em face dos quais aã i l ã é i iá l d t i d d lit

I\LESSANDRO L~ARAITA

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reação social não é mais apreciável, como determinados delitossexuais, o aborto etc.); d) enfim, uma sociologia historicista e críti-ca mostra a relatividade de todo sistema de valores e de regras so-ciais, em uma dada fase do desenvolvimento da estrutura social,das relações sociais de produção e do antagonismo entre grupossociais, e por isso, também a relatividade do sistema de valores quesão tutelados pelas normas do direito penal.

Tanto a teoria funcionalista da anomia, quanto a teoria das

subculturas criminais contribuíram, de modo particular, para estarelativização do sistema de valores e de repras sancionadas pelodireito penal, em oposição à ideologia jurídica tradicional, quetende a reconhecer nele uma espécie de   mÍmino ético,  ligado àsexigências fundamentais da vida da sociedade e, freqüentemente,aos princípios de toda convivência humana. A teoria da anomia põe em relevo o caráter   norllwl,   não patológico, do desvio, e a suafunção em face da estrutura social.   A teoria das subculturas cri-minais mostra que os mecanismos de aprendizagem e de interio-rização de regras e modelos de comportamento, que estão na baseda delinqüência, e em particular, das carreiras criminosas, não

diferem dos mecanismos de socialização através dos quais se ex- plica o comportamento normal. Mostra, também, que diante dainfluência destes mecanismos de socialização, o peso específicoda escolha individual ou da determinação da vontade, como tam- bém o dos caracteres (naturais) da personalidade, é muito relati-vo. Deste último ponto de vista, a teoria das subculturas constituinão só uma negação de toda teoria normativa e ética da culpabi-lidade, mas uma negação do próprio princípio de  culpabJ1idLlde,ou responsabilidade ética individual, como base do sistema penal.

7G

VI.   UMA CORREÇÃO DA TEORIA DAS

SUBCULTURAS CIUMINAlS: A TEOlUA DAS TÉCNICAS

DE NEUTRALIZAÇÃO

1.   GJ<E~HAM M.   SYKH    E DA VIU MATZA: "AS TÉCNICAS UE NEU-

TJ<ALlZAÇÀ() " 

Uma importante correção da teoria das subculturas criminaisé devida a Gresham M. Sykes e David Matza. A correção foi obtida pela  análise das técnic,7sde neutraliZLlção, ou seja, daquelas formasde racionalização do comportamento desviante que são aprendi-das e utilizadas ao lado dos modelos de comportamento e valoresalternativos, de modo a neutralizar a eficácia dos valores e das nor-mas sociais aos quais, apesar de tudo, em realidade, o delinqüente

geralmente adere.À   primeira vista a teoria de Sykes e Matza se apresenta como

uma teoria da delinqüência, alternativa à teoria das subculturas.De fato I,observam os autores, o elemento característico de umasubcultura criminal não é, como afirma uma teoria largamenteaceita, um sistema de valores que representa uma reviravolta dosvalores difusos na sociedade respeitosa da lei, e por isso "respei-tável". Aplicada à delinqüência de menores, esta teoria leva aconsiderá-la como forma de comportamento baseado sobre nor-mas e valores diversos dos que caracterizam a ordem constituídae, especialmente, a classe média, em oposição a tais valores, do

mesmo modo que o comportamento conformista se baseia sobrea ades,io a estes valores e normas. Mas esta oposição de sistemasde valores e de normas não ocorre sempre, porque o mundo dosdelinqüentes não é nitidamente separado, mas inserido, também,na sociedade, e porque os delinqüentes estão, normalmente, sub-metidos a mecanismos de socialização que não são tão específi-

77

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

cos e exclusivos de modo a não lhes permitir interiorizar valores e

normas colocados na base do comportamento conformista

 AU:SSANDRO BARATTA

duelos entre consencientes sem impoliância para a comunidade); c)

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normas colocados na base do comportamento conformista.

A análise dos grupos de jovens delinqüentes demonstraria,

segundo os autores, que o jovem delinqüente "reconhece", pelo

menos em parte, a ordem social dominante, na medida em que

manifesta sentimento de culpa ou de vergonha quando viola as

normas de tal ordem, mostra freqüentemente adnútação por pes-

soas respeitosas da lei e distingue entre fins adequados e inadequa-

dos para o próprio comportamento desviante.

Aexplicação deste "paradoxo" acha -se, segundo Sykes e Matza,

em uma extensão do sistema de "descriminantes" oficiais. "sob for-I •

ma de justificação para o comportamento desviante, considerada

válida pelo delinqüente, mas não pelo sistema jurídico ou por todaa sociedade"2.

Através destas formas específicas de justificação ou de raciona-

lização do próprio comportamento o delinqüente resolve, em sel:tido

favorável ao comportamento desviante, o conflito entre as normas e

os valores sociais, por ele aceitas pelo menos parcialmente, e as pró-

 prias motivações para um comportamento desconforme com aque-

las. Desse modo se realiza não só uma defesa do indivíduo delin-

qüente, posto diante das reprovações provenientes da própria cons-ciência e dos demais, uma vez cumpridtl   a ação, como geralmente se

admite (ou seja, uma neutralização de certos aspectos punitivos do

controle sociaD, mas também uma neutralização da eficácia do con-

trole social sobre a própria motivação do comportamento.

Estas "técnicas de neutralização" são desclitas pelos autores se-

gundo alguns tipos fundamentais: a)  exclusão da própria responsabÍ-

Ikfade,   com a qual o delinqüente interpreta a si mesmo mais como

arrastado pelas circunstâncias do que ativo e, desse mcdo, "prepara o

caminho para o desvio do sistema ilormativo dominante sem a neces-

sidade de um ataque frontal às normas":i; b) negação de J1jcÍfude:qua-

se reproduzindo uma distinção tradicional, presente no pensamento penalistico, entre delitos que são  mala Ín see   delitos qt:.e são somente

mala proIllbÍf[l,   o delinqüente interpreta as suas ações como somente

 proibidas, mas não imorais ou danosas, e aplica uma série de

redefÍJIÍçães   (por exemplo, um ato de vandalismo é defilúdo como sim-

 ples "pelturbação da ordem", um fulio de automóvel como "tomar 

 por empréstimo", as batalhas entre gangs   como conflitos privados ou

78

negação de vifÍmÍzação:   a vítima é interpretada como um indivíduo

que merece o tratamento sofrido, que não representa uma injustiça,

mas uma punição justa; d)  condeJUlção dos que condenam,   ou seja, a

atenção negativa dirigida aos fatos e às motivações dos cidadãos obe-

dientes da lei, que desaprovam o compoliamento do delinqüente, e

que são "hipócritas", assim como as instâncias de controle social: a

 polícia (que é corrupta), os mesh-es (que não são imparciais), os pais

(que sempre desabafam sobre os filhos) etc.; e) apelo a ÍnstllJ7CÍas su-penores:com   esta técnica, as normas, as expectativas e os deveres que

derivam da sociedade em geral, ainda que aceitos, são sacrificados em

favor de nonnas, expectativas e deveres de fidelidade e de solidarieda-

de, que derivam de pequenos grupos sociais aos quais o delinqüente

 pertence: os irmãos, a gang,   o círculo de amigos.

2. A   TEOR./A DAS "TÉCNICAS DE NEUTRALIZAÇÃO" COMO /NTE-

(,'RAÇÃO E CO/W.. E(:ÃO DA TEOR/A DAS SUlJCULTURAS 

A descrição das técnicas de neutralização, entendidas como

componente essencial do comportamento desviante, não represen-

ta, em nossa opinião, uma verdadeira e própria alternativa teórica

à teOlia das subculturas, mas, antes, uma correção e uma integração

dela. Tanto em SutherIand como em A. Cohen, como se verá, o

elemento de justificação e de racionalização do comportamento

desviante estava presente, ainda que nem Sutherland nem Cohen o

tenham desenvolvido analiticamente. As técnicas de neutralização

descl~itas por Sykes e Matza, de fato constituem uma parte essenci-

al daquelas "definições favoráveis à violação da lei"4, cuja apren-

dizagem, através da diferenciação dos contatos sociais, é objeto da

teoria de SutherIand. Adiferença reside no fato de que Sykes e Matza

consideram que, "precisamente através da aprendizagem destas téc-nicas o menor se torna delinqüente, e não tanto mediante a apren-

dizagem de imperativos morais, valores ou atitudes que estão em

oposição direta com os da sociedade dominante"5.

Mas esta é uma diferença mais quantitativa que qualitativa.

Em segundo lugar, admitida a prevalência da aprendizagem das

técnicas. de neutralização, estas representam, freqüentemente, va-

79

Cl'IMINOLOC~A CI'iTICA E CI'iTICA DO DIREITO rENAl.

lores negativos, exceções em face do sistema de valores ~on,1Íl.lante,i li i t lt ti d l l d

ALESS:\NDRO HARATrA

do conteúdo das <;ubculturas de jovens provenientes das classes tra-balhadoras analisada em DeJinquenl boys lembram os autOl"es Por

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e implicam, por sua vez, um sistema alternativo de pnnclplos devaloração em relação ao sistema dominante, como alguns dos exem- plos lembrados aqui permitem estabelecer (pense-se nas redefiniçõesdos delitos). Um Sistema de exceções e de justificações não é, ape-nas um sistema de neutralização do sistema de normas e de valo-,res pressuposto como   l/ceilo  pelos delinqüentes, mas, de um pontode vista lógico, se poderia dizer que a presença do primeiro altera osegundo, assim que, de fato, o comportam~àto delinqüencial se apre-

senta, segu'ndo a análise de Sykes e Matza, como baseado sobre umsistema conjunto de valores e regras, que deriva da síntese dos va-lores e das regras aprendidas nos contatos com a sociedade confor-mista, e das exceções e justificações aprendidas nos contatos comindivíduos e subculturas desviantes.   O sistema resultante é, pois,

. " f' .   I"um   quid novum   em relação ao SIstema o ICla .For outro lado, no que diz respeito à relação com a teoria de

Cohen, a presença e a aprendizagem de justificações do comporta-mento desviante, sublinham Sykes e Matza, devem ser estudadascom referência aos grupos sociais, e as razões de sua aceitaçãodentro de grupos sociais determinados, também estas devem ser 

estudadas no quadro de uma teoria geral da estrutura social, pare-cem sugerir os autores. Indicando uma linha ao longo da qual ateoria deveria se desenvolver, declaram:   "É  necessário, antes de tudo,um conhecimento mais aprofundado da distribuição das técnicasde neutralização, como modelo conceitual operacional para o com- portamento desviante, variável segundo a idade, o sexo, a classesocial, o grupo étnico etc. A priori   se poderia sustentar que estas

 justificações para o COmpOl"tamentodesviante são aceitas, de pre-ferência, por segmentos da sociedade nos quais uma divergênciaentre os ideais comuns e a prática social é evidente."G

A função integrativa e não alternativa da teoria das técnicas deneutralização, em relação à teoria das subculturas, assim como ex-

 posta em  Dehilquenl boys, de A. Cohen, é reforçada por este mesmoautor, em um relatório de ampla abertura teórica e metodológicasobre a teoria das subculturas criminais, escrita em conjunto comJames F.ShOliJr í, em que estes autores tomam posição em relação àscríticas de Sykes e Matza. A reação negativa em face da classe média,e n<1osomente em face de um sistema de valores positivos, faz palie

80

 balhadoras, analisada em DeJinquenl boys,  lembram os autOl es.Por estas razões, a análise das justificações do comportamento desvianteé um elemento importante da análise de tais reações, e de seus ele-mentos constitutivos, que erroneamente eram nezlizenciados na teo-ria das subculturas criminais, mas que ocupam, ao contrário, umlugar próprio nesta teoria: "A formação de uma subcultura é, elamesma, provavelmente, a mais difusa e a mais eficaz das técnicas deneutralização, visto que nada permite uma tão grande capacidade

de atenuar os escrúpulos e de procurar proteção contra os remorsosdo superego, quanto o apoio enfático, explícito e repetido, e a apro-

vação por palie de outras pessoas."

3.  OIJ .•.•'E/{ VAÇ"(>E•.•.c:J<ÍTlCA .•.•..•.•.( )!J/{E A TE( )/<lA OA.•.•..•.•.UIJCVL TURA .•.•.CRI-

MINAIS.   A   TEOI<lA IJA.•.•.SUIJCUL TUI{AS COMO TEOI<lA "OE MÉIJIO

 ALCANCE"

Em tempos recentes e em uma perspectiva cultural e políticainteiramente diversa, as teorias das subculturas criminais torna-

ram-se objeto de uma outra crítica, de fundamental importãncia para nós, que ataca diretamente o paradigma etiológico que asteorias "subculturais" herdaram das teorias estrutural-funcionalistas. Ambos os grupos de teorias, de fato, permanecemno interior de tal modelo explicativo e, aceitando acriticamente aqualidade criminosa dos comportamentos examinados, não sedestacam das teorias positivistas, exceto pelos instrumentosexplicativos adotados; certamente não se diferenciam delas pelaestrutura metodológica. A teoria funcionalista e a teoria das sub-culturas, realmente, não se colocam o problema das relações so-ciais e econômicas sobre as quais se fundam a lei e os mecanis-mos de criminalização e de estigmatização, que definem a quali-dade criminal do,~comportamentos e dos sujeitos criminalizados8•

Efetivamente -já o vimos -, a teoria das subculturas retoma,

desenvolvendo-os posteriormente, os elementos contidos na teoriamertoniana da anomia: a correlação entre criminalidade e estratifi-

cação social e, portanto, entre criminalidade e mecanismos de distri- buição de oportunidades sociais e de riqueza, através dos processos

81

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENA:'

de socialização condicionados por aqueles mecanismos, responde

,   ..

I ALESSANDRO BARATTA

mação sócio-econômica, nem posto em uma relação teórica e práti-

di õ bj ti ã O lt d é

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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celiamente a uma linha unitária de análise. Se, por outro lado, de-

senvolvida eficazmente, poderia levar a uma individualização do sig-

nificado   das diversas formas de desvio e, ao mesmo tempo, das reais

 funções   dos processos de criminalização, na sociedade capitalista

avançada. Mas isto pressuporia que a análise, do nível supedicial da

estratificação e da pluralidade dos grupos sociais, avançasse, através

de um exame mais penetrante da   distnbuição,   até a estrutura da

 produção   e a   lógica   da valorização do caltit:al, pelas quais a distri- buição de 0pOliunidades sociais e de riqueza é, em última instância,

determinada. De fato, só a este nível, o momento   social (esh-atificação

e pluralidade dos grupos) e o momento   econômico   podem se reinte-

grar ao momento   político   das relações de hegemonia entre os grupos

sociais, e de suas mediações através do direito e do Estado, que é o

que explica a função do processo de criminalização_ 

A   teoria das subculturas, ao contrário, detém a sua análise ao

nível sócio-psicológico das aprendizagens específica~ e das reações

de grupo, e chega somente a indicar, de modo muito vago, a super-

fície fenomênica dos processos de distribuição, como momento   eco-

nômico   correlato aos mecanismos de socialização por ela postos

em evidência. Permanece, pois, limitada a um registro meramente

descritivo das   condições ecollômicas   das subculturas, que não se

liga nem a uma teoria explicativa, nem a um interesse político al-

ternativo, em face destas condições. Estas são, desse modo, acritica-

mente postuladas como quadro estrutural dentro do qual se insere

e funciona uma teoria criminológica   de médio alcance:   ou seja,

uma teoria que parte da análise de determinados setores da

fenomenologia social (como seria, no nosso caso, os fenõmenos da

criminalização e da pena) para permancer, no próprio contexto

explicativo, dentro dos limites do setor examinado.

O álibi teórico e prático em face da situação descrita tem o

mesmo efeito que teria uma sua racionalização hipostasiada, dadoque falta toJa indicação teórica e prática sobre as condições objeti-

vas para sua mudança e sobre sua correspondente eSh-atégia. Mas se

as condições da desigualdade econômica e cultural dos grupos não

são criticamente refletidas, o fenômeno correspo.ndente do desvio e

da criminalidade também não é criticamente refletido, nem seu sig-

nificado é situado historicamente dentro do desenvolvimento da for-

82

ca com as condições objetivas para sua superação.   O resultado é,

deste   POllÍO   de vista, análogo à tese da universalidade do fenômeno

criminal. Não oferecer nem uma explicação teórica, nem uma alter-

nativa prática às condiçôe sócio-econômicas indicadas como condi-

ções do fenômeno criminal significa, de fato, aceitar estas condições

como limite (mesmo que provisório) da operacionalidade teórica e

 prática da teoria criminológica, e   universalizar,   novamente, o fenô-

rneno criminal e a conseqüente reação punitiva.   É   verdade que a

teoria das subculturas tem o importante mérito de ter indicado uma

linha de análise e de ter sugerido uma posterior reflexão sobre as

condições econômicas da criminalidade; de fato, essa teoria indivi-

dualizou, nos mecanismos de socialização e de reação de grupo, os

veículos de transmissão entre fatores econômico-estruturais (distri-

 buição da riqueza e das chances sociais) e comportamento subjetivo

individual. A teoria das subcuIturas, todavia, não se lança para além

d ::>   ponto em que chegaram as   teorias dos fatores econômicos dac_'7ininalidade, no âmbito da criminologia   liberal   contemporânea9.

i\.Ll...'~ANLJKV   1-,,,N\111\ 

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VII. O   NOVO PARADIGMA CRIMINOLÓGICO:

"LABELING ApPROACH", OU ENFOQUE DA

REAÇÃO SOCIAL. NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO

FIM OU DA PREVENÇÃO

1.   "LAIJELlNG AI'PN..OACH": UMA REVOLUÇÃOCIENTÍFICANO ÂM-

IJITO DA .';oClOLO(;fA CRIMINAL

As teorias sumariamente examinadas nos últimos capítulos

apresentam, apesar das diferenças que as dividem, quatro motivos

comuns que devem ser sublinhados como alternativa crítica   à con-

cepção da relação entre delinqüência e valores, própria da ideolo-

gia penal da defesa social. Em primeiro lugar, elas colocam a ênfa-

se sobre as características particulares que distinguem a  socializa-

çãoe   os defeitos de socialização,  às quais estão expostos muitos dos

indivíduos que se tornam delinqüentes. Em segundo lugar, elas

mostram como esta exposição não depende tanto da disponibilida-

de dos indivíduos, quanto das diferenciações dos contatos sociais e

da participação na subcultura. Emterceiro lugar, estas dependem,

 por sua vez, em sua incidência sobre a socialização do indivíduo

segundo o conteúdo específico dos valores (positivo ou negativo),

das norinas e técnicas que as caracterizam, dos fenômenos de

estratificação, desorganização e conflitualidade ligados à estrutura

social. Enfim, estas teorias mostram também que, pelo menos den-

t~.ode certos limites, a adesão a valores, normas, definições e o usode técnicas que motivam e tornam possível um comportamento

"criminoso", são um fenômeno não diferente do que se encontra

no caso do comp0l1amento conforme à lei.Adistinção entre os doistipos de comp0l1amento depende me-

nos de uma atitude interior intrinsecamente boa ou má, social ou

85

ALESSANORO BARAITACRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

anti-social, valorável positiva ou negativamente pelos indivíduos, do

que da definição legal que, em UITLÇ1ad9m<?!.!len.!º-disti~e, em de-

---

sos   de interação que a caracterizam. Portanto, esta realidade deveantes de tudo, ser compreendida criticamente em sua construção '

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q ç g q , Ç ,tenninada sociedade, o cO~!!:l~nt<:J c~minoso do comportamentolícito. Por debaixo do problema da   legitimidadedosisten~ade   vãfore;recebido pelo sistema penal como critério de orientação para o com-

 portamento socialmente adequado e, portanto, de discriminação en-tre confoenidade e desvio, aparece como determinante o problemada definição do delito, com:-as inlplicações-pofítiêo-~Sõciãis-qü~-;eve~

la, quando este problema não seja tomado por dado, mas venha

tematizado como centro de uma teoria da criminalidade. Foi isto oque aconteceu com as teorias da "reação social", ou labeling approach,

hoje no centro da discussão no ãmbito da sociologia criminaP.Esta direção de pesquisa parte da consideração de que não ~~

 pode cOl!!2reender a crimiDalida~e não se estuda a ação do sis_-kIDa penal, ~ a defin~~xs;a$-e---º-ºJlt(ª-ela, começando pelas nor-mas abstratas até a ação das in~!~nct~~_oficiai~ (polícia, juízes, ins-

" - tituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso,-º   statu~

-SQcialde_ç,e1inqjj...enkp-r.e~JJp-~)-ll~c.e_s..s_ªrj-ªIDel].~.9_dejj-º-da.ativi -

~~~~ ~_~~i!:~~!~_t.!~i~~_Qº-~_tai~ __ 4~_~<:J_t.!tr:g~~_~<:J~i~ldaÊ~l!~_q~ê~~!l:t, en-Quanto não adquire   esse status   aquele que, apesar de ter realizado

I_Q)~!!:!~L~0l).1P--ºrtame!1J:2 P\l_t.!jy'~ILt.!.i'!g~ __alc_~r.t£~~gLtg9avia, pe~_ ação daquelas instãncias. Portanto, este não é considerado e trata-do pela _sociedade como "delinqüente". Neste sentido, o   labeling

approach   tem se ocupado principalmente com as reações das ins-tâncias oficiais de controle social, consideradas na sua funçãoconstitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista temestudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos

de acusação pública e dos juíze..s.O que distingue a criminologia tradicional da nova sociologia

criminal é visto, pelos representantes do   labeling approach,   princi- palmente, na consciência crítica que a nova concepção traz consigo,

em face dz.definição do próprio objeto da investigação criminológic~e em face do problema gnosiológico e de sociologia do conhecimenroque está ligado a este objeto (a "criminalidade", o "criminoso"), quan-do não o consideramos como um simples ponto de partida, umaentidade natural para explicar, mas como uma   realidade social quenão se coloca como préconstituída   à experiência cognoscitiva e prá-tica, mas é construída dentro desta experiência, mediante os proces-

86

2.A   ORIENTAÇÃO SOOOLÓC;ICA EM CIUE SE SITUA   o   "LAJ3ELlNG

 ApPROACH" .

. O h~rizvnte de pesquisa dentro do qual o   fabeling approach

se sItua e, el:l grande medida, dominado por duas correntes dasociologia americana, estreitamente ligadas entre si. Em primeiro

lug~r, realme~t~, t~l enf~q.ue remonta àquela direção da psicologiaSOCIal e da .so~lOhnguIStIca inspirada em George H. Mead2,   ecomume~~te mdlcada como "int~~~'!'?!9.11is~110simbólico". Em segundoh:-g~r, a etnometodologia", inspirada pela sociologia fenomeno-10~lca de ,A~fred Schutz3,   concorre para modelar o paradigma~plsten:ol~glco ~ara~t~rístico ~as teorias do   fabeJing,   Segundo o

mt~raclOn~s~o slmbo!~~~L~.i'_~~!~da9~_=_0~_~~_~,a realidade social- e COBStltuíd~"pº_l:~:lm~infinidªclecle interações-concretas   e n t r e

--l~divídl::l_os,-ªQ~1:!~il>_!l!:t.1P!<:)c_esso_ge _tipific~ç~~ c;;;f~r~-~~ siZ;;i~   V ftcado flue se afast d 't - --------------------

~ -------:J __ __ __ .....~ ..  as SI uaçoesc<:)l'lc:!etas e continua a estender-se ~través da linguagen!:. Também segundo ~et~~;n~t~d~l~i~ a

SOCIedade não é uma realidade que se possa conhecer sobre o pla-.no objetivo, mas o prodl}J~_~~_':l:!E~_'~g!:__~tEl}9ão~9..cial"4, obtida?ra7~s a um processo de definição e de tipificação por parte de~ndIvld~os. e de grupos diversos. E, por conseqüência, segundo omteraClomsmo e a etnometodologia, estudar a  realidade social   (por exemplo~ o desvio) significa, essencialmente, estudar    estes  proces-sos,  partmdo dos que são aplicados a simples comportamentos echegando até as construções mais complexas, como a própria con-cepção de orc.em social.

A criminologia positivista e, em boa parte, a criminologia   li~

ber~l   c~ntemporãnea tomam por empréstimo do direito penal e:dosJunstas (como se disse nocapítulo I) as suas definições de com- •

 portamertto criminoso, e estudam este comportamento como se sua

qualidade criminal existisse objetivamente. Do mesmo modo e ao

mesmo tempo, tomam por evidente que as normas e os valores   so-

cia~s que os indivíduos transgridem, ou dos quais desviam, sãou.mve~salmeme compartilhados, válidos a nível intersubjetivo, ra-clOnaIs, presentes em todos os indivíduos, imutáveis etc.

87

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

Vice-versa, segundo o interacionismo simbólico, a coordena-ção dos comportamentos em relação a certas normas não se efetua

 AlESSANDRO BARATTA

A pergunta relativa à natureza do sujeito e do objeto,na defini-ção do comportamento desviante,orientou a pesquisa dos teóricosdo

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de maneira automática, mas depende de algumas condições e, por isso, deve ser considerada como uma operação  problemática:

É útil sublinhar, a partir de agora, a importância de duas dis-tinções conceituais, fundamentais para o modo em que a teoria dodesvio tem sido desenvolvida, no quadro do interacionismo simbó-lico (como também no quadro da fenomenologia e da etnometodo-logia). A primeira distinção é a que se opera entr~

e  ação.   O comportamento encontra na estrutura material da açãoo próprio referente necessário; a ação é o conWQrtall1entQ_~.çLQ1iªlse atribui um sentido ou 1:1I}lsigpificado social, dentro  4ª  im~mç.ãQ,Esta atribuição de significado que "transforma" o comportamentoem ação se produz segundo algumas   normas.  Aqui intervém a se-gunda distinção. Existem normas sociais gerais, como por exemplo,as normas éticas ou as normas jurídicas. Mas existem, também,normas   ou práticas   interpretativas ("interpretatives procedures"),que determinam a interpretação e a aplicação das normas gerais asituações particulares. Estas normas ou práticas intepretativas eaplicativas estão na base de-quâlqü-er interação sociál e determi-

nam o "sentido d~nrtu-i:a-sõcial"5:

 Referindo--=seaunladistinçãoanáloga, introduzida no campo linguístico por Noam ChomskiG ,

Aaron V.CicoureF denomina as primeiras   surface rules   (ou gene-

ral rules),  as segundas,   basic rules.  Outros autores falam, para in-dicar esta distinção, de unlsecond code,  não-escrito, que funciona,no processo de imputaçã~.]~~_t:.~~'pons<lbll1daae-e de atribuiçã<?_deetiquetas de criminalidade, ao lado do código oficial8, e outros, en-fim - como se dirá no próximo capítulo -, de   normas   e demetanormas'J. ---------

Os criminólogos tradicionais examinam problemas do tipo"quem é criminoso?", "com) se torna desviante?", "em quais con-dições um condenado se to~'na reincidente?", "com que meios -se pode exercer controle sobre o criminoso?". Ao contrário, osinteracionistas, cC'moem geral osautores que se inspiram no  labeling

approach,   se perguntam: ~uem é definido como desviante?", "queefeito deçorre  desta definição sobre o indivíduo?", "em que condi-

. ções   este   indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?" e,.. enfim, "quem define quem?".--- ..---- ..-.--...-

88

ç p , p qlabeling approach em duas direções:uma direção conduziu ao estudõda formação da "identidade" desviante, e do que sedefinecomo "des-vio ~undário"1.~~.~~u~j-~,..<:'~feitoda aplicação d a  etiqueta de "cri~!~_ noso (ou também de doente mental") 11  sobre a pessoa em quem se

..aplica a etiqueta; a outra direção conduz ao problema da definiçã-o,-dã,constituição do desviocomo qualidade atribuída a comportamentõs e •.a indivíduos,no curso da interação e,por isto,conduz também ~~ ;-.

 problema da distribuição do poder de definição,para o estUdodõsque.detêm, em maior medida, na sociedade,o poder de definição,ou-seJi:ç- para o estudo das agências de controle social. ---.--~.~~

3. O COMPORTAMENTO DEWIANTE COMO COMPORTAMENTO RO-

TULADO COMO TAL

A primeira direção de pesquisa prevalece entre os autores queseocuparam particularmente da IdenfJdadee das.~im.s.deSY.Íantescomo Howard S.Becker,EdwinM. Lemerte EdwinM. Schur. Beck~~:'

 por exemplo, apesar de ter contribuído de modo decisivoao des~-~~volvimento da segunda direção de pesquisa, particularmente no queconcerne à definiçãoL~~~~t~.Y_~y;:i!!c::jp.<l:I}ne_~~_ sobre os efeitos daestigmatização na formaçãO do  status   S9cialde desviante12~Ãnali-'-sando a típica carreira dos fumadores de marijuana nos EstadosUnidos,B~~kermostrou que a mais importante consegü~ncia da a12li-c~.9   de sanções consiste em uma decisiva mudança   da  identi~h' ..sociaLdo..in.clMdUtr,uma mudança que ocorre l~non~;~t;~~'

.que é introduzido no  status de deJ;viau

te13, -.-- --- --

Segundo Lemert1\   central para uma teoria do'desvio baseadana perspectiva da reação social  (social reacliol1) é a distinção entre

delinqüência "primária" e delinqüência "secundária;'. Lenlert-ci"e~senvolveparticularmente esta distinção, de modo a mostrar como areação social ~~_pt:t:l1içào de _:UI!1..p'rj!!.1_e!r<.?_ comIJortame;t~desviante tem, freqüentemente, a função de um'-"Z~~I~~it~~e~t- t~ -

d.eyiance':'.gerando, através de uma mudança da identidad~wci~Tdo indiví~uo assim estign~atiza~o,u:na t~ndência a permanecer no \\ ~f 

 papel SOCIalno qual a estlgmatlzaçao o mtroduziu. .

89

•   CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

Emalternativa à teoria mertoniana, Lemertl5 sustenta que sãodois os principais problemas de uma teoria da criminalidade: o pri-

 ALESSANDRO BARATTA

Diante deste tipo de indagação, em substância, os autoresque mencionamos desenvolvem uma polêmica, mas uma polê-

*

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meira é "como surge o comportamento desviante"; o segundo,"como,os atos desviantes são ligados simbolicamente, e as consegüência_~efetivasdesta ligação para os desviossucessivospor parte da pessoa".Enquanto o desvioprimário sere~rta, ~, a um contexto de f!l.!9:.res sociais, culturais e psicológic_Q.~L9.!:!~não se centram sobre a es~trutura psíquica do indivíduo, e não conduzem, por si mesmos, ~..uma "reorganização da atitude que o individuo tem para consigo

mesmo, e do seu papel social", os desvios sucessivosà reação social(compreendida a incriminação e a pena) sãofundamentalmente de-terminados pelos efeit~"'p"sicológicosque tal reação produz no indi-víduo objeto da mesma; o comportamento desviante (e o papel socíalc.ºq~~ºndente) sucessivoà reação~~Q.D'la-se um meiode defesaLf!~_.ataque ou deadaptaçãoemrelaçãoaosproblemasmanifestoseocultos .criados pela reação social ao primeiro desvio".Também SChur lG sereporta  à  distinção entre desvioprimário e secundário, desenvolvida

 por Lemert, e considera esta distinção "central" para a construçãode uma teoria da criminalidade baseada no   labeling approach.

Paraos fins de nossodiscurso sobre a relação entre a crimino-

logia  liberal   contemporânea e a ideologia penal, destaca-se que osresultados desta primeira direção de pesquisa, na criminologia ins- pirada no  labeling approach,   sobre o desviosecundário e sobre car-reiras criminosas, põem em dúvida oprincípio do fimou da preven-ção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade,essesresultados mostram que a intervenção do sistema penal, espe-cialmente as penas detentivas,antes de terem um efeito reeducativosobre o delinqüente determinam, na maioria doscasos,uma conso-lidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso emuma veretadeirae própria carreira criminosa. ;I

 Não nos deteremos posteriormente sobre os vários desenvol-\ ';

vimentos experimentados pela perspectiva do   labeling approach,no interior da primeira pesquisa. Aqui importa, sobretudo, subli-nhar que uma teoria da criminalidade centrada sobre tal perspec-tiva, assim como está desenvolvida na literatura anglo-saxõnicaoriginária e,em boa parte, também da Europacontinental, não cons-'\titui, necessariamente, uma negação,mas pode ser um complemento ).da investigação etiológica sobre o desvio criminal. '

90

(   .

mica dirigida a superar a exclusiva acentuação da perspectiva  etiológica, não a negar sua função no ãmbito de uma teoria da ,..: ' jcriminalidade. De resto, pode-se observar, as teorias do  labeling'-']   C F ' 

 baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio se-  J " . : i   "I '

cundário, não deixaram de considerar a.~matização   OCJi.SÍQ::

nada pelo desvio .JJlt~,!!~rLº-!~unb_~D}S.Q!nouma   causa,   que temseus efeitos   ~~p.,Ç.çífiços   na identidade soci~L~}}-ª_,ªutºf.!.~i!1J.çªo

das pessqas .obj~tº..4~X~i:l,ç_~_soci~LPor isto, também na litera-tura de língua alemã, a discussão crítica seguida   à   recepção dolabeling approach   na teoria interacionista de Fritz Sack - re-cepção que examinaremos no próximo capítulo -, é caracteri-zada pela alternativa entre um emprego menos rigoroso do novo

 paradigma, ou seja, pela tendência a superar a "unilateralidade"   \ i : " " " "

da teoria interacionista, e a mostrar como a perspectiva dolabeling   é   compatível com a pesquisa etiológica sobre o com-

 portamento criminalizado - neste sentido, as contribuições deGünter Endruweit e de Karl Kunzl7 -,   e um emprego radicaldela, representado principalmente por Fritz Sack e por Wolfgang

Keckeisen. Este último - em um livro verdadeiramente dignode mençãol8

-   aplica ao deslocamento do objeto da pesquisa,do estudo dos fatores da criminalidade para o estudo da reaçãosocial, a teoria de Thomas Kuhn sobre a estrutura das revolu-ções científicas e sobre   a s   mudanças de  paradigma   na ciência.Define o paradigma etiológico e o paradigma do controle(labeling approach)   como dois paradigmas incom patíveis, con-siderados no seu   modelo Ideal,   ou seja, na sua expressão maisconseqüente e radical.

"O problema fundamental do paradigma etiológico- escreveeleH>,-, ao qual a maior parte da ciência, como também do senso

comum, permanece fiel,pode ser identificado na interrogação: quaissão as condições que podem ser atribuídas a um fato precedente-   li

mente existente, ou seja, o comportamento desviante?" As implica-ções deste paradigma são:.-&JJ11L.'i.ÍS.t~l1m..QbjeJ.i.vº_,~.ººj~ti'yª-!].J~nt~reconhecível deXlQl:Jl1aS_p-ré,Çonstituídas; b.ta.exiÂt~nciªdeduas classe.s.,distintas de__ ç91TIP-ºrt.ª-m~ntº~_~.g~.~1J.j~ij-º~;º$Ç9mP9rtm]J~tlJ()$.~-ºs..mi~iiº,$,.n2X!l1~i.$ ..e...9,$._d~$.Y.Ütn.t~s;  çl,fL gç:st jna,窺, ..:~t~çni s:: . 9 .~"  

91

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

intervel)cioni~tª-'.~.;Lt~Qria, .ou .seja,aquelatípica. da.criminulO$ia.Qositivista, de l:iJ.Ui.z..ªI ªçQJ;:lyorrênciadosJatores do .desvio para in -

É precisamente a  estilização do paradigma do controle, derivadadessa particular utilização sua, que permite a Keckeisen afirmar aexistência de incongruências internas nas teorias de Becker, Lemert e

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Qositivista, de l:iJ.Ui.z.. I_çQJ;:lyorrênciadosJatores do .desvio para in~..rvi.uQ.l?l'~_~l~.$,..mºªifiº-ªnqº~.QS.(ÇQrr~cionIDisrnº)_,

Ao contrário, o paradigma do controle parte de uma problematização da suposta validade dos juízos sobre desvio. Este paradigma se articula em duas ordens de questões:   "1)   Quais sãoas çJlndi.~da intersubje.tiYi.da.d.e...daatribuição de ~nificadosJ,em geral, e pal1iç...u.larmente..do..desy.io-(como significado atribuído

a comportamentos e a indivíduos).  2)

Q!:!.at~Q.p.94~r.m!ecQnfer e

 ac~rtas defüli.ç.Qe.UUllª.YaJiqadereal. (no caso em que, a certas defi=-J1iç.ões,sejamJjzadas ªH'=:teJªs'Hçºnseq~~nçjªs..práticas que são assanções)"zo. No paradigma do controle, a primeira pergunta forne-ce a   dimensão dEjde(ilJMqa   segunda,   a.Jiimensãº-ªº ..]2Qçf~.T.

4.As  DlREÇÔE,.j TEÓRICAS QUE CONTRIlJUÍRAM PARA   O D£<iENVOL-

VIMENTO DAS DUAS J)IMENW.'jE~' DO PARADIGMA DA R£u'Àn SOCIAL

A formulação acima sintetizada não deriva nem da soma dasdiferentes teorias que adotaram o   labeling approach,  nem de umageneralização baseada sobre elementos comuns a todas estas teori-as, mas, antes, de uma   estilizaç.lo   que objetiva acentuar a quintes-sência do paradigma do controle, consideradas, na forma mais purae rigorosa possível, a identidade e a originalidade teórica que odistinguem de outros modelos. Poder-se-ia afirmar, segundo a aná-lise que Keckeisen faz das duas dimensões do paradigma, que parao seu desenvolvimento contribuíram, de diferentes modos, autoresque podem ser classificados conforme três direções da sociologiacontemporânea: o interacionismo simbÓlicQ.(H.Becker, E.Goffman,J.   Kitsuse, E.M. Lemert, E.M. Schur, F. Sack)i a fenomenolQ$ia e aetnometodologia (P.Berger e T. Luckmann, A. Cicourel, H. Garfinke1,

P.McHugh, T.].SchefO e, enfim, a sociolO$ia do conflitQ.(G.B.Vold,A.T. Turk, R. Quinney, K.F.,Schumann). Enquanto os autores per-tencentes   à  primeira e   à   segunda direção teórica desenvolveram principalmente a dimensão da definição, os autores que utilizaramo paradigma do controle no quadro da sociologia do conflito, ela-

 borado sobretudo por Coser e Dahrendorf, desenvolveram particu-larmente a dimensão do poder.

92

Schur. Realmente, segundo Wolfgang Keckeisen, estas apresentam, nasua realização não rigorosa do paradigma, resíduos do modo como o problema do desvio era colocado pelo paradizma etiolá$iço - com asconseqüentes implicações teóricas negativas decorrentes daquele   1110-

delo de enfoque -, ou seja, a consideração do desvio como uma qua-lidade objetiva do comportamento e do sujeito e, como conseqüênciadisto, a "reificação" do conceito de desviQ.Mostremos um exemplo: o

teorema de W.I.Thomas, que pode ser considerado como um teoremafundamental para o interacionismo simbólico e para o próprio  labeling

approach, se enuncia, na sua formulação original, do seguinte modo:"se algumas situações são definidas como reais, elas são reais nas_.SlJasconseqüências". Schur modifica o teorema de Thomas sob a convic-ção, errônea segundo Keckeisen, de apresentar a quinteSSência dolabeling approach, da seguinte maneira: "se tratamos como criminosauma pessoa, é provável gue ela se torne criminosa". Em relação a talafirmação, Keckeisen observa: "a guestão de como alguém se tOIJlªcriminoso não é a formulação de algodiversodo pa~rna e.ti.Qli:~$içº".Também neste caso, continua Keckeisen21,"o que, segundo Becker e

Schur, deve produzir-se no plano da realidade da ação, consideradacomo o desenvolvimento condicionado da interação, encontra o pró- prio cOlTespondente na teoda como  reifiCaçãodo C.Qlli;eitode desvio".Estareificação do conceito de desvio seria, PQis,o "resíduo objetiyj~t£I.~,que invalida também a teoria de Becker e que desrada º-P~sso dQlabelinga  uma mera repetição do qL!~_~j~~9adº".É esta a fundamen-tal objeção levantada por Keckeisen2zà  teoria de BeckerZ3

:segundoeste último, no processo do  labeling, um "comportamento h'ansgressor da norma" (rule breakingbehavior) torna-se um "comportamentodesviante" (deviant behavior).   O "comportamento transgressor danorma" seria um comportamento já qualificado de modo valorativo e

considerado como tendo uma qualidade própria, quase como se fosse já dada, de que o processo do  labelingnão   fosse senão a simples con-firmação.

Tal crítica se volta globalmente contra toda direção de pes-quisa que, pretendendo aplicar o   labeling lipproach,   se ocupa daformação das carreiras desviantes e que, como se notou, permane-

93

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO I'ENAL

ce no exterior da formulação "rigorosa" deste paradigma, fornecida por Keckeisen. Realmente, adotando esta formulação, o modelo dacarreira se revelaria como um exemplo de "interferência" entre o

 ALE$SANDRO HARATIA

.portamento uma ação provida de significado, Por isto, em determi-nado sentido, o comportamento   éindiferente em relação às reações

 possíveis, na medida em que é a interpretação que decide o que é

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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I " L '._ .'

~o~~Ó~g_ ~~d~lo do £Qx~trol~ decorrente do abandonode um princípio fundamental do paradigma do controle, substituí-do por uma perspectiva tipicamente etiológica.

Além das considerações críticas que alguns poderiam apre-sentar diante de semelhante impostação, certamente podemos aceitar a afirmação de Keckeisen segundo a qual o problema da definição,ou seja, o problema da validade do juízo pelo qual a qualidade de

desviante é atribuída a um comportamento ou a um sujeito, é o problema centraLd.e...uma teoria do desvio e da eriminalidade ade_,:"

 _rrut~ ao  Jabe1ing!lJ?Pl~'-ºªC2h. .

5. Os PROCES,';'OS DE DEFINIÇÃO DO SENSO COMUM NA ANÁLISE. DOS 

 INTERAClONISTAS E D05; FENOMENÓLOGOS 

Os processos de definição que se tornam relevantes dentro domodelo teórico em exame não podem se limitar àqueles realizados

 pelas instâncias oficiais de controle social, mas, antes, s~ identifi-

cam, em primeiro lugar, com os processos de definição do sensocomum, os quais se produzem em situações hão-oficiais, antesmesmo que as instâncias oficiais intervenham, ou também de modointeiramente' independente de sua intervenção. Sob este ponto devista, os estudos de John L Kitsuse e os estudos de Peter McHugh-entre os fenomenólogos - têm sido muito importantes para os de-senvolvimentos do paradigma do controle.

Kitsuse24 formulou o problema nos seguintes termos: o desvio éum processo no curso do qual alguns indivíduos, pertencentes a al-

gum grupo, comunidade e sociedade a) interpr~tam tIm comp-ºr.ta.: _m_e_n_t._o_c_o_n_l_o_d_e_s_V1-.,.'a_n_t~pJ_d_efin_e_11l.!!.mª pessº~_çJJjo comportamento

corr~onda a esta irl~~etação, cQmo faz~do_~rt~_ª-~_~.m::l c.er:tacateQ'oria de desviantes c) t:>õemem açãp um_trat~mc:.~!o ap-!'~P!1~9:~ _ _ _= _ . . .. . . . . _ _   :2 ..__ .. . --   d

~ID1ª,Ç_~..d~tª..P_e-ssoª'Como Kitsuse e vários outros não se cansam erepetir, não é o comportamento, por si mesmo, que desencadeia uma

reação segundo a qual um sujeito opera a distinção entre "normal" e

"desviante", mas somente a sua  interpretação,   a qual torna este com-

94

I

I

I. 1" i: 1

p , q p ç q qqualificado   desviantee   o que não o é. E se não é possível estabelecer,de modo arbitrário, que um comportamento qualquer é um com- portamento de tipo criminoso, isto se explica pelo papel decisivo que,a tal respeito, desempenham as condições que acompanham a rea-

ção ao próprio comportamento. Por conseqüência, todas as questõessobre as condições e as causas da criminalidade se tansformám em

interrozações sobre as condiç~~~~_,Ç_ª1!~ª~_çl£LÇ_rimi.nªlizªçãQ,s.ejªna perspectiva da elaboraçã.Q .._dªs.re.gr.çtS__ (p~nªlizª-çãQe.despenª-

lização, ou seja, crll!.l.!n~U.~?.,Ção_.Prh.1J_ª_Jial,_~~jª_!lª_.P.~:m~çtiyª_ªªaplicação das regras k1,.inlÜ1~JizflÇão_~~Cl,1ncfária: _proç~SSQ_de ap1i:-cação das regras   ger~i~:   A maneira segundo a qual os membros dasociedade definem um certo comportamento como comportamentode tipo criminoso faz parte, por isso, do quadro de definição socioló-gica do comportamento desviante, e o seu estudo deve, precisamente por esta razão, preceder o exame da reação social diante do compor-tamento desviante.

O que é a criminalidade se aprende, de fato, pela observação dareação social diante de um compoliamento, no contexto da qual umato   é interpretado (de modo valorativo) como criminoso, e o seu au-tor tratado conseqüentemente. Partindo de tal obervação pode-se

facilmente compreender que, para _çi_~sel!~ª.9:c;ar_-ª_n!:~_ªçfi_º __ ~º_ciª.l,..ºcomportamento deye s~£..~ª£'.l~..9.~._P~~~!t.:t.£pa~: __ a.J?~~~<;~.l2ç~~}la.~i~~_a.I,de   routine,   ª ª - _ _':t~ªE(tªgetomada ..P()~~qélda'.'(tf!k~l!~[qF~g!.a..nt~çI realitv),  ou seia,_gl!~..~1,!~ç.ita,entre as pes~()a~ inwlicaqas,illdignaçãomoral, embaraço, irritação, sentimento de culpa e outros sentimen-tos análogos. Tal comportamento   é, antes de tudo, percebido como o

oposto do comportamento "normal", e a 119rn1fllidlliie~.J'~12rese.!1ta-

da por um COlllP.9..rIDn~lltopre.cteterJl}Ümgº_m~Iª-~._P_rQm:i.a.s-e-str!l.tli~~ segundo celios modelos de comportamento, e correspondente

ao papel e à posição de quem atua.I   Portanto, a análise do processo de etiquetamento dentro do senso

comum mostra que, para que um comportamento desviante seja im- putado a um autor, e este seja considerado como violador da norma,

 para que lhe seja atribuída uma "responsabilidade moral" pelo atoque infringiu a  rOl/tine (é neste sentido que, no senso comum, a defi-

95

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRÍTICA DO DIREITO rENAL

nição de desvio assume o caráter - poder-se-ia dizer - de umadefinição de  cdminabdade),   é neces"ário que desencadeie uma rea-ção social correspondente: o simples desvio objetivo em relação a

 AI.ESSANDRO BARATTA

analógico de tipificação. Realmente1

  o processo de definiç_~_o,assimcomo se apresenta concretamente na realidade de todos os dias ,encontra-se constantemente condicionado pelo resultado du px o -

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ção social correspondente: o simples desvio objetivo em relação aum modelo, ou a uma norma, não é suficiente. De fato, aqui existemcondições - que se referem ao elemento interior do comportamento(ã intenção e à consciência do autor) - cuja inexistência justificauma exceção; ou seja, impede a definição de desvio e a correspon-dente reação social. Estas condições, que podem se chamar condi-ções de atribuição da responsabilidade moral, no senso comum, têm

sido analisadas por Peter McHugh25

• Ele as reagrupa em duas cate-gorias: a) a  convencionaljªªd~'-ªSdUi   S_~_P~!:g!!Dta~.~Jl.sçirçUll$.tãnçjas.teriam podido permitir um cOI!!p9rtamento diferente, ou seja, se avontade e a intenção estão_==J}ºÇª~º_::=.~l}volvidas, ou se, ao con-trário, a ação foi fortuita, ou devida a um constrangiment~ ~~-;~~

evento excepcional;   bt~Je.ºrfç/çj!!ª5!,:~gJ.:ü _$~.1?~.rg1JJlm.s.ç._Q_ªYJºrti- _._!1h~_<?~.nS<j~!1<::i'!_<io_BlÀefazia,~e s<l:.1::>tagl:!eag!~cºntr~~s n()J:"lllas.

As condições gerais que determinam a aplicação "com suces-so" da definição de desvio, dentro do senso comum, isto  é,a atribui-ção de responsabilidade moral e uma reação social correspondente,são, pois: 1) um comport,!~l~~~~()._q!:!~infril}ja a rou(ine,_di_sta.ncian-

 _do-se dos mode!Q.~.gª~_!.lºr1l1~S _~ta~leçiç1-ª~   2)  um autor que.-setivesse querido, teria-p-oqid-º-ªZi~.lLS.eja, ..d.e..acordocom as normas; 3) Jilllautor qu~b~va fazendo_Comose pode ver, as categoria~LPB~~~n...t~SJJª-atribJJiçãOde   re-spo 1\s_abiU da-de moral e de desvio criminal, dentro do senso comum, correspon-dem exatamente às três categorias construidas pela ciência jurídica,que determinam a imputação de um delito a um sujeito, segundo o pensamento jurídico: violação da norma, consciência e vontade. Mas,atenção: este processo de  atribuição   não deve ser confudido com um

 processo de  descrição,   erro muito freqüente, na realidade2G

6. OfJROCESSODE TlIJIFICA('ÃO DA SITUA('ÃO.

  A ANÁLISE IX)S PRO-

CESSOSDE IJEFINlÇÃO IX) .\EMO COMUM NOS INTERACIONlSTAS E NOS<

FEM )MEN<)L( )C()S

As categorias da   convencionabdadee   da   teoricidadeconstitu-

em o fundamento da tipologia das inumeráveis novas situações per-cebidas como problemáticas e negativas, mediante um processo

96

1

encontra se constantemente condicionado pelo resultado du..px.o.cesso de definição exercido em situações precedentes, e, se realizaem função de  standards   e de referentes simbólicos. Alfred Schutz27

analisa a estrutura associativa de tal processo, e-o descreve comoum processo de   tipificação.   O tipo de pesquisa desenvolvido pelosetnometodólogos, sobre a base de tal indicação, consiste em per-guntar-se, antes de tudo, mediante_g!1.:ªj_$__ !~grª~jbasicLl!lesl, uma

nova situação, diante da qual os membros do grupo se encontramem um dado momento, é assimilada a situações precedentes. Colo-cando o acento sobre estes temas de análise, os interacionistas ~~fenomenólosos consideram que as definições jfÜ1ª-dª-$._.!1ãiLde-yemser sempre inteiramente revistas, mas illJ_e,antes,Aling!!a.$~J:l1 sim-

 bólica na qual os resultados das int~raç.9~s p'r~cedentes estã~~~i;-talizados, constitui o fundamento da intel~çi~   ªi~ªi--E~t;-~ã~-d~-

 pende, portanto, somente de situações particulares: só sobre a basedaquela realidade já preconstituída e tomada por   dada  é possível"reconhecer" uma situação e atribuir-lhe um significado desviante.Isto se produz, por outro lado, segundo o que se poderá chamar um

 processo de "negociação" (bargain), no qual, partindo de defini-ções pr~liminares ~ ~e ~onvenções provisórias   (worldng agreement),se reahzam redefuuçoes e se chega, finalmente a uma definição"definitiva".   É possível, por exemplo, que um ce:to comportamen-t.), com base em um processo de  working-agreement,   seja parcial-mente declarado "criminoso", mas que, em seguida, seja debatidoo problema da exatidão da hipótese. Assim, sob este ponto de vistao processo de definição intenlO ao senso comum corresponde a~~ue se produz no âmbito jurídico. A "espiral her1l1enêutica'~_q:u.e

hga, no pr~~esso de--ªpli~ªçfio 9º_g.ir.~tQJ2~1ª$ insj:-ª.nçil:l~91i.çiai.s~ __ novas .dcllill~Làs _<:ldiniç-º.e.$.._pxeçe.de..ntes _d.e.situações análogas- aSSIm como a presença de "negociações" e de redefinições no p~ocesso - é bem conhecida pelos estudiosos do pensamento jurí-

dlco e do direito processual.. ~ão é surpreendente, portanto, que uma boa parte - talvez a

malOna - das análises de tipo interacionista e etnometodológicados processos de definição do comportamento desviante assumamcomo objeto próprio precisamente os processos de defini~ão nas si-

97

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA 00 DIRCITO PENAL

tu ações oficiais e, particularmente, os processos realizados pelas agên-cias do sistema penal (polícia, magish<atura, órgãos de controle dadelinqüência juvenil) ou seja os processos de criminalização secun

 ALESSANDRO BARATrA

nal, é desenvolvida em um nível Í1}sufiçientwÜ~i~º--gª~J~..Qria~g~_ médio alcunce,   ou seja, das teOl:ia~~fª-~~.!-11 do~~t9.£ daxeªEetack_ 

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delinqüência juvenil), ou seja, os processos de criminalização secun-dária. Necessário sublinhar, de resto, a não desdenhável importânciaque estes últimos revestem para o desenvolvimento do estudo dos procesos de definição internos ao senso comum, para o aperfeiçoa-mento do modelo teórico utilizado na análise das definições "infor-mais". Por outro lado, o estudo destas últimas e a análise das defini-ções de senso comum têm uma outra razão, ou seja, que não só o

 pensamento jurídico se apresenta, no que se refere às categorias comas quais trabalha, como estreitamente ligado ao senso comum, masque o sistema jurídico, como tal, funciona de modo que entre os processos de definição formal e os processos de definição e de reaçãoinformal não existe, verdadeiramente, solução de continuidade. Re-almente, por umladoLas definições informais prepararl1, às vezes, asdefinicões formais ~pense-se, por exemplo, nas querelas) e, por outrolado, os resultados concretos das definições formais não são devidos,somente, à ação das instâncias oficiais que aquelas provocam. Por exemplo, a   distânciti social  e o isolamento de um indivíduo   é uma

 __Leaç-ªº __ ºfiçiill_.9.!!~__ P-Oªe_~eLde~llcad.e_ª-cl~LllãlLSmnente--p-OLde£ini-

Sº~s. informais, mas ~__ muito freqüe.ntemente um efeito indireto da_ P~l!-ª,--~~p~<:j~h~~en~~.Ji~_PEi_~~o,inflig~9~_a U].l1indi.vic!~~:_ 

- Ainda que uma crítica elos limites das teorias do  labelingdeva

ser formulada depois de se ter completado sua sumária resenha,

 pode-se, desde já, notar que est<lsteºr.iª_s.lX_~duzindo, como se viu, acriminalidade   à d~fini.ç.~gJ~~.L~ aQ_~fetivo etÍilll-etamento, exaltam

-~ -~~~;~~~~nto da criminaliz<lçãg,_~_ç!~i_~_ªg!fo}~ da--ªnálise a realidade_ 

. . d : ~ - _~~~1~P.~~~t.;_m~:ntQ;j~;iyoSde . jnteresse.s.JJleXeçegpre,s deJJJ1e.la, ou

 __ seJª_,._ªq.Y.eleS---º-()Jl1l2.ºxtªIn~11t93i JçriDÜl}illi~ÀQ~_-º!:l: l_"!..~º-Lg!leaquicl~Jlºmi!mm9S   _~:f-ºn 1P .º.rtªm ~J1 .tº~_.~ º.çiª"lm ent~ __negª. tiYQ~",em   rell!:...

 _Ç.ãQ_àsmais relev'lntes necessidades individuais e co}etivas28•   A qua-

lidade de desvio efetivo que tais comportamentos problemáticos têmem face do funcionamento do sistema sócio-econõmico, ou a suanatureza expressiva de reais contradições daquele sistema, perma-nece inteiramente obscurecida, reduzindo-se o seu significado aoefeito das definições legais e dos mecanismos de estigmatização ede controle social: a análise das relações sociais e econõmicas, quedeveria fornecer a chave das diversas dimensões da questão crimi-

98

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social examinada não só Q2º!!t<2..-ª~_Çh~.$élg.ª,--..Dlél:.?,Jª-!lÜ2~}ll,-ºpºn~to de partida da análise. Estas remetem, pois, a uma teoria global dasociedade, em que a análise do setor específico pode encontrar oseu verdadeiro quadro explicativo, mas sem oferecer uma tal teo-ria, ou simplesmente indicando-a de modo aproximativo.   O cará-ter de   médio alcance   próprio destas teorias, enquanto as torna va-gamente fungíveis a um ulterior enquadramento em teorias maiscompreensívas, não de todo identificadas, permite-lhes fornecer umasérie de elementos descritivos, indubitavelmente úteis, da superfíciefenomênica de um ou de outro aspecto da questão, mas não deapreendê-los em suas raízes, de modo contextual e orgânico. Sódescendo do nível fenomênico da   supcrficiedas   relações sociais, aonível da sua   lógica material,   é possivel uma interpretação contextuale orgânica de ambos os aspectos da questão. Mas isto ultrapassa oslimites das teorias de   médio Lilc,i17ce,e implica um deslocamentodo ponto de partida para a interpretação do fenõmeno criminal, do

 próprio fenõmeno para a estrutura social, historicamente determi-nada, em que aquele se insere.

99

f\LL:>~ANUKU DAKAI IA

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VIII.   A RECEPÇÃO ALEMÃ DO "LABELING

ApPROACH". NEGAÇÃO DO PRINCíPIO DE

IGUALDADE

1. A   CRIMINALlDADE f)E "COLARINHO BRANCO'~ A "CIFRA NE-

GRA" DA CRIMINALlDADE E A CRíTICA DA."-E"TATi"T/CAS CR.lMINAIS

OFICIAIS

Além dos problemas teóricos e metodológicos relativos à  defi-

nição de criminalidade e ao conceito de "realidade social", que

influenciaram o surgimento do labeJing approach   na sociologiacri-

minal, não só do interior da literatura especifica, mas também deoutros setores da moderna sociologia, influenciaram não pouco

sobre o deslocamento do ponto de partida, do comportamento

desviante para os mecanismos de reação e de seleção da populaçãocriminosa, as aquisições da sociologia criminal dos últimos decêni-

os, relativas a doisnovoscam~de   invest~ãQ:   a) a crimina.Hºªq~

de colarinho brancQ;   b)  a cifra negra da criminali.da~jH~riti.c-ª_ das estatísticas criminai~ ofiçiais..

a) No já mencionado artigo sobre a criminalidade de colari-

nho branco, Sutherland mostrava, com o apoio de dados extraidos

das estatísticas de vários órgãos americanos competentes em maté-ria de economia e de comércio, quão impressionantes eram as in-

frações a normas gerais realizadas neste setor por.pe$.soa_$.cotoça~

 _Q~~_~nJ.J?q~i窺çl~_pr:~_s!ígio~ºcial.

As proporções da criminalidade de colarinho branco, ilustra-das por Sutherland 1 e que remontavam aos decênios precedentes,

 provavelmente aumentaram Jesde que Sutherland escreveu seu arti-

go. Elascorrespondem a um fenõmeno criminoso característico não

só dos Estados Unidos da América, mas de todas as sociedades de

capitalismo avançado. Sobre o vastíssimo alcance deste fenõmeno

101

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

influíram, de maneira particular, as conivências entre classe políticae operadores econômicos privados, conivên~ias que tiveran: eficác~anão só sobre causas do fenômeno, mas tambem sobre a medida mUl-

III'

i

 ALESSANDRO BARA"ITA

Estas conotações da cri!.l1inaliªil_d~ inçidem nã_º-~ó s-ºbre   Q~

estereótipos da crilx.iruilid.ª-de.,.os__ 'l.JJ.éÜS,Gon1.o.inyest.iga.ções. r.ecen.-tes têm demonstrado, influenciam e orientam a ação dos órgãos

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to escassa, em relação a outras formas de criminalidade, em que acriminalidade de colarinho branco, mesmo sendo abstratamente pre-vista pela lei penal, é de fato perseguida.

A análise das causas do fenômeno ~.9~~E.f!J~9~~Jl.!!1ciona!

com a estruturà~iª( féit~.R9~~1~theaªiig-,JJ9r Au~!:t~   P9~ .º.~E-: < :> f-,assim conl~ dos fatores que explicam a escassa medida em que..<l

criminalidadede colarinho bi:anco é perseguida, ou escapa completa-mente   'i- ia ssu a sfõ i= il1 a s'in a ls   refinadas, dàsmalhas sempre muito lar-,gas da lei, é uma tarefa que não pode ser enfrentada neste lugar. Bas-tarão, por isso, breves indicações. Trata-se, como se sabe, de fatoresque são ou de natureza social (o prestígio dos autores das infrações, oescasso efeito estigmatizante das sanções aplicadas, a ausência de umestereótipo que oriente as agências oficiais na perseguição das infra-ções, como existe, ao contrário, para as infrações típicas dos estratosmais desfavorecidos), ou de natureza jurídico-formal (a competênciade comissões especiais, ao lado da competência de órgãos ordinários, para certas formas de infrações, em certas sociedades), ou, ainda, denatureza econômica (a possibilidade de recorrer:a advogados derenomado prestígio, ou de exercer pressões sobre os denunciantes etc.).

 b) As pesquisas sOQre~sta forma.de-º-riminalidade)ançaral1'L_ 

luz sobre o valor das estatísticas criminais e de sua int~et~ç-ª.Q,.

 _Ea!'.~Ji~~9_~.~DA!is~.-ª-ª_~~:trik111~º~~~t~~iminªlig-ªde_n~s_y;irios.es-tratos SOÇiª!~,_~J'Q]::>Lçªst~ori.ªsdª. crin}i}lªUd~c:lex~lªç~º.l:lªç4ls.~Qm

- ~;t~~-i~~~~12re!~ç52~:_ De fato, sendo baseadas sobre a criminaUd.ade

"'i-d~l tiJiç.ªqª.~_12e~!lidª,_ªs_.~stªtistica,s~dminaL~S.-qua1S a.-~~~'i~;~inalidadede colarinh9jJ.ranc-º_~!:~Rresentada de mQ.4º enonne-

mente inferior à sua calc~h!~L~ç.ifra...!1~Z!-~~~-,.distorceram até ago~ª._ -;-; teorias da criminali~tªª~,sl1g~i:inç!o..t!~}.quadrº-fa!~gª.~9.L.s.~X!l:>ui-

çãQ.ª~~riI;~i~;Iid;d~ no~_gm.P-ºliºçiais ..Daí deriva uma defit~iç~ocorren te da criminalidade .Ç9~}lo. _1,!l!11.~ll<?1)!~~1<?~9!!~~n.:!rado, pnncl- palmente, nos estr~t9s..inferior~s, e pouco representad~ nos estr~t~ssuperiorese~ -portanto, ligªe:tª_.ª.fatores 12essoals e socials

correlacionadQ.5..._C-.om-ª_12obreza, aí compreendidos, observa.Sutherland 3 "a enfermidade mental, o desvio Rsicopático, a moradia

. . 1 .. . .. •. .. . _ _ • .. _

em   sJlllrl_e __ª _ _~? .1 !á"  situação familia!:~.:_ 

102

,

I,

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I

I

II -r }-,

I

I

II

tes têm demonstrado, influenciam e orientam a ação dos órgãos

oficiais, tornando-a, desse modo, sQ.Ç.iillill~t.e..~s-cle.tiv..a~.,.ll1aS.tam- bém sobre a definição corrente de criminaliªgl~-'l!lLO_hº11lem_9arua, ignorante das estatísticas criminais, compartilha. Realmente,esta definição de criminalidade, e as corresRondentes reaçQ~~.não

institucionais por ela condicionadas (a reJlÇ.ãoda o12ilJ.iã.QPÚblica.eo   alarme   sociaD,   estão ligadas aO.J&.lxáter e.s.tiglllatizante que a

criminalidade leva,   l1ornwlmente,   consigo, que é escassíssimo nocaso da criminalidade de colarinho branco. Isto é devido, seja à sualimitada perseguição e   à   relativamente escassa incidência socialdas sanções correspondentes, especialmente daquelas exclusivamen-te econômicas, seja ao prestígio social de que gozam os autores das:infrações.

As pesquisas sobre a cifra negra da criminalidade, ligadas auma análise crítica do método e do valor das estatísticas crimi-

~.r-ª--QçQnl~çin1~llt-º .º1:?j~tjyº..g()_ª~syio~l)!um::l.dacia socie-dade, não se referem, con tud.9..l_~_,?_~~~~_ll.!~.~~.f_~~..<?_~l~.e_!lo.ciaIcriminalidade do colarinho !2ral!~Q1..P'ºl~é.l!~,J.!lal~.~!).l_g~E<t!, _::l.E~ªl

freqüência e  à  djstril?yj~.ªº_9..9_~º!!Wºttil.11~~1.1tºA~s'y-i-ª.~t.~'pen1:lI-1mente perseguível, em uma dada sociedade. Essas pesquisas leva-ram a uma outra fundamental correção do conceito corrente de

criminalidade: a crimjnalidade não ..tUlI!.s~-ºn~It'!.m~lJj.S? de_uma!restrita minoria, como quer uma difundida conce12ção (e:--ª-iQ~º::-t.logia da defesa social a ela vinculàda), mas, ao contrário

1  °com-;

 portamento de liu'~~_ estl~<:t!º~_~~~'ii;~.il19~'ªipiªT9iTª_"~õ:;:'.l11ê~11--" bros de nossa sociedade.--------_.-_.-.--- ,... _  ..

Os   representantes do   iLlbeJingappro8ch,   ao fazerem umacorreção do conceito corrente de criminalidade, partem

freqüentemente da consid~raçãº_cL~s_.9.~.ª.o~.~t~Sl?ºllí.\'.~.i~_~9J?l:~ª.

criminalidRde latente, que também são fornecidos por investi-gações empíricas setoriais, mas suficientemente representativos.

A diferença entre os'del~!2.s..~i.st~~~0_º~.-ºfi_(::i.ªJ!.1.1e!}.!~~_ºSªJltoresidentificados~.!:.. um laQ..~e o~A~litºsxeaJll1eJLt~ç-ºnle.tidos, por outro, c;:)llstí.!.!:lj_-=.EQ~ __ C::~~l!!I?).Q_~()ponto d~ partidaproblemá-tico das teorias de Sack. Tal autor pode ser considerado um dos

 principais representantes do que se pode definir como a  recep-

103

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL

ção alemã    do   labeJing approach,   na qual recorrem t~dos os ele-mentos examinados no capítulo precedente, especHilmente osderivantes da experiência teórica norte americana ligados a uma

 ALESSANDRO I:lARATfA

 __~ __ ~l1.£!~ncill_~~_ r:egr:'.lsJP!"il}_~í.Ri9~ _._~_ªtihl<:teL~'?!bjetivl!~~bre .0m'?_~~~l1!~~_~~c:~~~l:~!i~çãQ"do direito,p9r   -ªÇ ? g   ci9sº~mdores j urí-dicos, há muito está nocentro do interesse das correntes antiformalistas

e realis!ii J n: pro:d l ci ; m a t ori ctatràl1sfórm bilidade do

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derivantes da experiência teórica norte-americana, ligados a uma _~2licação "~~,!ical~'_~~_E~r_~díg}~1_~90 _~~~~!~<:>-l;e, po: o~tro lado,

dos resultados de pesquisas sobre a soclOlog1a do dIreito penal,

em geral.

2.  A RECEPÇÃOALEMÃ DO «LAI3ELlNGApPROACH". DE)LOCAMEN-TO f)A ANALISE DA.'" «META-REDRAS" IX) PLANO METODOLÓG/CO-

JURíDICO PARAo.<;OClOLÔ(;/cO

Para explicar o aludido fenõmeno da criminalidade latente,Fritz Sack recorre a duas perspectivas teóricas que, aliás, não sãoestranhas à mais recente teoria do direito. Uma premissa teóricafundamental da sua reflexão é, antes de tudo, a distinção entreregra   e  meta-regra,   ou seja, entre as regras gerais e as regras sobreinterpretação e aplicação das regras gerais. Assim como Cicourel4

,

Sack apresenta esta distinção, delineando uma analogia com a dis-tinção introduzida na lingüística contemporâneas, entre "langu~' _ definida por de Saussure como estrutura objetiva e geral, demodo que podemos conhecê-la por meio de um manual de gramá-tica e de um dicionário - e "parole", a língua falada em situaçõesconcretas por indivíduos determTnados, segundo de Saussure. So-

 bre a primeira se:}u~~_a_l~1.~~_rt::g_ra_sda gramáti<;a tradicion"J (a'~~$JnJtura gramatic~1.1de superfície", segundo Chomski). Sobre asegunda se apóia o que Chomski denomina "es~E_~tU!ll_g!'"I1:!~!!-c:flJ

 _profu~g.a" ou "gr~!]1?ticª_2&!:!eratÍ\:Tª~'.Esta contém o conjunto dasregras que permitem a quem fala e a quem escuta utilizar-se cor-retamente da linguagem objetiva, ou seja, de interpretar e de apli-car as regras gerais da gramática e da semântica, em uma situação

concreta. Sabemos que, segundo Cicourel, à primeira estrutura cor-respondem as "resras s!:!perficiai~~ou "r-~grª~g~rai[,.J1 e à ~zun~da, as   basic rufes,   que constituem regras (ou P!~ª-Uça,~t4~lJ.11~rpre-tação e de aplicação das regras gerais~ Na teoria do direito existe

-uma-distinção semelhante: ao lado do conjunto de regras gerais decomportamento, existe um conjunto de regras de interpretação ede aplicação das regras gerais.

104

e-realis!ii~-J.~n:~pro:d~l~ci~; m~a- t~ori~-.cta.tràl1sfórm~bilidade dodireito através da ação do intérprete conduziu à acentuação, na ciên-cia jurídica, principalmente das considerações metodológicas preceptivas (as regrasda   interpretação correta), com exceção de algu-mas correntes, de mais marcada inspiração sociológica, da jurispru-dência realista america!.1_~_:Jl:!!1~~}~lJ~_ (:-º!!}çl<2.ol:l_r:.~I,_S<lck tt~l11o.méri-

 _ ! '? _ _~ ~  te!:~~g<?tid9_~~1!_et.~~1~~me~t9c:4t:i!!!<:iU~<:ia~"l11~tª-regras" doEI~11~l?~:eceptiY'?~!1!etodo~~<ljl:l:~í9iqtp<i~ª_t.l_r:n.Rlanoobjetivo soci-

~~~i~o. E é precisamente sobre este plano que o conceito das "regrasde aplicação" não fica limitado às regras ou aos princípios1TI~tQdoJ-ºzi_ÇQH;ºn$Ç.ientemenjeaplicagº,s pelointérpr_eJe.ÚlS_1:'Jgênçiasofici~..;..osJ~ize~-,.!~ª~_.setrGi:l:!.sfQr:l11ªD9P!ª110Ó'!~leis e_dQsmecanis-mos_ql:!~~en~Ql?jç!iv:ªnleDte_pª.me~*~ciºintéIJJ..r~t~~_~_ <:m_edevem ser 

'y}'es~E.P2stosPGira_os _fil1~g~_1!mª-~~liç_ª.Ǫ-Q_~jQló$icadandivergên-cla entre a delinqüênd'l.r~çQnb~..£iqae a delÍ],}.güênçiªlªJente,  Asmeta-regras gerais, por outro lado, participam da estrutura socialmente pro-duzida pela interação e, neste sentido, do que se pode definir, nos ter-mos de Cicourel, comº __ '~ç9mmº1'1_ç!!ltllr_e",.ou   $ . C j a : ,  os significados,

 _~,!g~ª-£l:!!ty.Ilb_9.l:lÇJQt:!11ª-1~1_ª_ ..~ll/;! sfã.nc :/ac!e.__~e.J1liªQ_çt~_gLla.1qUyr  _~ituaçãoou _~~g.-As.n1eía_~regras,_pois,_sãQ.regras_objetivasdo sistema _social,qU~__ P-OO~JllQri~ntm::_:.s.e..parao..queSackchama "a questão den- _tifi.ca_de_cisiv.:a'.'_. __ que__ ele_relaciona à diferença intercorrente entre a

crinJinaliª-ªª-~Jªt.~nt~_.e_~cJjn\Ínª1!4i,Jg~t:~iªª: o problema de comodevemos representar o "processo de filtragem" da população crimi-nal, ou seja, em última análise, "daqueles contra os quais afinal se

.   '   , pr~n~ncla uma sentença em nome do povo". Os d~~os d"!.~~iologia__ cnnunal relativos à  "cifra l~ra" permitem, com ef~liº,-neZill"_ªJlipQ.::_ tese explicativa de~~_~_!~f!'utª_mento desta restrita JX)pulaçãoç}imi-

nosal delltrQ_49_g!:..ª!!.g~Jl_lÍ_!1~~rºcios~~J?~lc?_!l1e!~º_~.E.!~'.l.ve~~e um

modo o~__ 4.~_()_!:!..~:(),.yjºJª~:ª}~}_}!c:l_l:!llª~-ª-Q_dÍ1~!_tQ_~!.!.aI(Sack acr~dita~er inferir gus..e~'!.~.!-1!.'!...~iedªgeCOP10_~d<lAlemanl~aOc-id~l~t;lesta cifra representa cerc'!.E~_~º-~j}O%9a_~la_ç~0 tot~Ú--~~~~ii~~de modo casual.. -   _ _ _ _ _ _ _ L _ _ _ _

 Neste sentido, as regras sobre aplicação   (basic rufes   meta-re-gras) seguidas, conscientemente ou não, pelas instâncias ~ficiais do

lOS

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRíTICA DO DIREITO PENAL

direito, e correspondentes às regras que determinam a defini7 ão dedesvio e de criminalidade no sentito comum, estão ligadas a leIs,me-canismos e estruturas objetivas da sociedade, baseadas sobre rela-ções de poder (e de propriedade) entre grupos e sobre as relações

 AU:SSANDRO BAI'XITA

cado do fato de que i:l.popL!l~lçãocarcerária, nos.países da áre.a do.~~12itªlt~.!~!()ª\7ançª_c:l(),.~msuaenorme 1l11lioda"se.Jal:eçrutaciaen-tre a c1as~~.ºPe.rª~'iae.a,~çl~s~e.~_ econonlical1).el1temaisgébeis. Re-l ó d i i d i l i ifi d d b

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ções de poder (e de propriedade) entre grupos e sobre as relaçõessociais de produção. Deve-se a~rescentar que: à posição ~o proble-ma da  reguJandade  dos mecamsmos de seleçao em relaç~o ~ es.tru-tura macrossociológica, contribuíram, e continuam a contribUir amdahoje, além das pesquisas criminológicas sobre a cif~'an~ra, outras pesquisas intimamente conectadas cc-m a sua expllcaçao, como as pesquisas sobre os estereótipos criminais, e todo um setor .da.no~asociologia jurídica, que se ocupa da análise dos grupos prof1sslOna~sligados às instituições de controle social da,~elinqüência (s~i?l~ados juízes e dos juristas, em geral, da poliCIa, estudos SOCIO!O~cossobre processo penal etc.): pesquisas que, por outro lado, estao liga-das, na maior parte dos casos, ao quadro teórico do  Jabeling approach.

3. A   fJEf{.~PECTIVA MA(.J{()S~OCl()U)(;ICA NA ANÁLl~E DO PROCES ..';O

DE SELEÇ-'ÀO IJA I}()JJULAÇ-'ÀO OUMINOSA

Os mecanismos reguladores da seleção da população crimi-

nosa são complexos, e também recondutíveis às peculiaridades dealgumas infrações penais e das reações a elas co~'respondentes: re-corde-se por exemplo, quanto aos crimes cometIdos por emprega-,   ..dos de empresa, a transferência da instãncia pumÍlva correspon-dente aos mesmos, do ãmbito de competência do Esta~o para oãmbito do direito disciplinar interno; ou lembre-se a baIxa quotade denúncias por parte das vítimas de furtos entre parentes e dedelitos sexuais: estes fenõmenos se explicam por algumas contl'amo-tivações econômicas, ou de outra natureza, naqueles que sofren~ asconseqüências do crime. Mas se partimos de um ponto de VIstamais geral, e observamos a seleção da população criminosa ~entro

da perspectiva macrossociológica da interação e das ~elaçoes ~e poder enh-e os grupos sociais, reencontramos, por. detra~ do Jeno-meno os mesmos. mecallislll()S_c:i~..intexaçã.9,d~. alltªsomsl119. ~.çle

~Pº ª~_ l :~~~e .. c 1 } i g . ~ ç º i ~ ! ~ : , ~ ' ~ - ~ ~-~!.tl!~.ºª4ª.e~~~~y'!l)!'ª~()ç~ª~,_4ªde.~igll.ª1distribuiçll-º ...d_e.J~e.nse.de oportuni4~~~~h~!1tr~_~~_I!~_ci!~~1!~~'Sop~~-

. ti-~d~-d~~teponto de vista pode-se reconhecer o verdadeiro sigmf1-

106

almente, só do interior desta perspectiva tal significado pode sub-trair-se ao álibi teórico que, ainda em nossos dias, é generosamenteoferecido pelas interpretações "patológicas" da criminalidade.

Reconstruindo o estado atual de conhecimento sobre acriminalidade latente, Fritz Sack G move_umª~xW.£ª_J:.'!.diç-ªU!.....tÚ 2.iç ...ªdefinição "lesaI" da criminalidad~}l1Uito eficazmente exemplificada

 por uma formulação de ]oachim Hellmer: "crimil1alid..~losenti:-do jurídico - escreve este a.!:ttor 7-,~.um comportamento (ação_ou. '\-omisão) que viola uma.!!.c:>n1l'!.l?~J}-ª-I".Sack observa: "sabe!}l~p~lªcriminologia e pela política criminal~ticada, gue uma simelhantedefinição da criminalidade e, çorresro;;dC;~tel~le~rt~~-d;-~;-il~ti;l~~~,deve ser considerada, do ponto de vista científico, como uma meraficção. Através de pesguisas empíricas sociológicas realizadas.. no;últimos   20 anos, se consolidou a consciência de q~.l!ln,!in!~xpreta-cão literal da definição de Hellmer condu_z i!.çº!lseg.i-~~J}s:_!,:!de.E~.t2

não a minori~ de uma2.'2.çieª~d~,_}}laS_amaioria--ªº.~_~~uslI!~mbros,deveria contar-se entre º~rimi!'1:()s<:)~"8.

Dentro da proposição de Fritz Sack, pOlianto, a_J~riminalidade, _ como   realidade social, não é uma entidade..p.n::;'con"b'hJidq em.re1açãoà atividade dos juízes, mas uma qualidade   atl1buÍda P -Q r  estes.Úl.timQ...gdeterminados indivíduos. E isto não somente conforme o compolia-mento destes últimos se deixe ou não subsumir dentro de uma figuraabstrata do direito penal, mas também, e principalmente, conforme asmeta-regras,   tomadas no seu sentido objetivo antes indicado.

De fato, Sack considera os juízos mediante os quais se atribuium fato punível a uma pesso'i.-..QQUlQ.j,lJiZOS_ftmputLI(Q.)'.qlle prpdu-zem a quali.~tl!gecrimümlg~~-ª-l2~~Sºª,ÇQDl..ª_S.ÇQ)l,5~_q!d~nçi.as juxídi:-

 _ças (responsl!biliçl-ª4~12~D~2_~_.~ºçÁfli~J.~~tiz~llªJ:i~.ªçªº,_.111lt.etél!JǪ _9 ~Hª!J!S  G_ª~jçl~lJtiçlªª~._soçial.~!ç)..Ç9Jl~}sªs.Aplica, assim, a distinçãooperada por H.L.A.Harf) entre juízos descritivos e juízos atributivos:~'Os juízes ou o tribunal - eSéreve Sack 10

-   são institJJi.Ç_<le5_qu.e. produzem e põem "realidade", A sentença cria uma nova qualidade para o imputado, coloca-o em um   status   que, sem a sentença, não possuiria. A estrutura social de uma sociedade, que distingue entrecidadãos. fiéis à lei e cidadãos violadores da lei, não   é uma ordem

107

CRIMINOLOCIA CRiTICA f. CRiTICA DO DIRf.ITO rf.NAL

dada mas uma ordem produzida continuamente de novo. Os meca-nism~s para a produção desta ordem podem ser consi~erado1' c~moanálogos aos mecanismos de recrutamen~o, tal.como sao C?n~eCI~os

Í

 ALf.SSANDRO BARATrA

teIiza a reflexão metodológica da sociologia contemporânea, dos es-tudos de Jack D. Douglas sobre suicídio e de Thomas  J .  Scheff sobredoentes mentais, aos trabalhos empíricos e metodológicos de Aaron

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 pela sociologia dos estratos e pela SOCIOlogIadas proÍlssoes.   Acriminalidade, em suma, não é considerada como um com~rta-mento mas como um "bem negativo", análO$o aos bens POSItiVOS,como ~atrimõnio, renda, privilégio. "Acriminalidade é o exa~o~po~-to de privilégio"ll. Como tal, é submetida a mec~~i~n~osde dIStribUi-ção análogos àqueles dos bens positivos, dos pnvl1eglOs.

 I)   Os mecanismos de distribuição da qualidade negativaucriminabdade" silo um produto de acomodação social, como aque-les que regulam a distribuição de bens positivos em uma socieda-de.   2) A distribuição do bem negativo criminalidade ocorre damesma maneini em que ocorre a distribuição de bens positivos.Para a análise dessEidistnbuição se utilizam conceitos que geral-mente deram certo em sociologia} como status} modelos de recru-tamento, cllrreim} critérios de distnbuição etc. 3) A crinllilalidade,e de modo nulÍs genil o comportamento desviante} deve ser com-

 preendida como um processo no qual os partners} de um lado, oque se comporta de modo desviante} e de outro,   o que define este

comjXJrtliluento como desviante, são colocados um de frente aooutro.   4) Neste sentjdC1-çQmporJamento_çk:.p.Yifjnt~..tj_Q_q{.Jeº~ºl-L-tros definem comQJ;j~yÜlJJ1ç~N#oé uma qu.alidl1geoUllLVJLC.BIEK:..-teristic-"'tlque pertençe   {LO c,cyup...ort!!J..l7entocomo tal,JJJJ:Jsql!..eé.IlJri-buída ao comportamentQ .

É   oportuno sublinhar novamente uma importante implicaç~odesta concepção interacionista, no plano da sociologia do conheCI-mento e da comunicação: esta refere-se ao conceito de criminalidade.A criminalidade não existe na natureza, mas é uma   realidade

construída socialmente através de processoJu!~A~fini£.ªº-.~_de.interação. Neste sentido, ;criminalidade é uma das "reali4ade~soci-

ais". Heinz Steinert se remete, para este conceito, à teoria de Berger eLuckmann   1:\ -   recordada no capítulo anteIior - sobre a "constru-ção social da realidade" , Como Sack enfatiza, em uma viva r~spos:aaos seus críticos14

,   a concepção interacionista da realidade socIal naorepresenta uma alternativa limitada ao setor criminológico, mas umatendência crítica reencontrável em um movimento total, que carac-

108

V .  Cicourel e de Harold Garfinkel15•O paradigma destas teorias interacionistas da realidade social

 pode-se reportar, ainda mais em geral, ao assim chamado teoremade Thomas,já enunciado no capítulo anterior, que sublinha o efeitoconstitutivo que as definições possuem em relação às conseqüênci-as sociais: "se se definem situações comg reais, elas são reais nas

suas conseqüências". O centro do problema sociológico dacriminalidade se desloca, assim, partindo de uma forte acentuaçãodestaS ..p.remissas. teóricas e metodológLca.s.,_.da.Lc.JllUaLd.a \

 __çriminªli@_fl..~U?ªPl_a.f>..c(e[ilJjçõescl~lª,ªºU2I..essupostos POlWǺ.H~_ : 1

aos efeitos sociais das definições de criminalidade, entendida como!-~--_._..-... _....-.,,--. --- --------------- I

qualidade ou statusgue   se aplica a determinados indivíduos. A per- \gunta que Sutherland havia formulado em   1945: "é criminalidade .a criminalidade de colarinho branco?"lG, revela ainda toda a suaforça.

4. O PR.OBLEMA DA DEFINIÇ'ÀO DA CR.IMINALlDADE.   "LABELING

ApPROACH"   UMA "REVOLUÇ;'ÃO CIENTíFICA" EM CRIMINOLOGIA

o problema da definição se coloca sobre três planos diferen-tes, que não devem ser confundidos nem reduzidos a um só, se sequer apreciar em todo o seu alcance a alternativa crítica do labeiJilgapproach  em relação à ideologia da defesa social (mas é necessáriodestacar que esta distinção de planos não é sempre observada por representantes do labeling approachJ.

1) O problema da-definiçãQda...criminalidade é, em primeirolugar, um problema metalinz.~ístÜ::Q,concernente:

a) à   vahdade   das definições Hyg-ªçj~_nci-ªJllri.d.k.ª_oJJ-ª-s..ç.i.ê.n-cias sociajs nos proporcion<lm dg~ç.ritne"_~_ºf...~çrjJJ1i.nosº':,quan-to à competência da ciência jurídica ou da ciência social para dar uma definição que possa servir de eventual suporte para uma teo-ria crítica do sistema penal;

 b) à   validade   da definição de criminalidade, ou seja, a atri- buição da qualidade de "criminoso" a determinados comportamen-

109

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

tos e a determinados sujeitos, dentro do senso comum e por parte

das instâncias oficiais do sistema perca!.Z) Em segundo lugar, representa um problema   teórico   que

 AlESSANDRO BARAn'A

Quan,:o à questão lingüística da letra a), Sack mostra como asdiferentes noções de crime, oferecidas pelas mais diversas disciplinasque se ocupam do comportamento criminoso, patiem sempre, demaneira acrítica do mesmo ponto de vista empírico: "as posições

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concerne à interpretação sócio-política do fenõmeno pelo qual, emuma dada sociedade, certos indivíduos, pertencentes a certos gru- pos sociais e representantes de certas instituições, são dotados do

 poder de definição, ou seja, do poder: 'a) de estabelecerguais crimes devem ser persegIDd.os.1p-'lder 

de estabelecer as normaU:?~l}ªtS);

-' b) de estabelecer guais pessoas devem ser perseguidas (poder de aplicar as normas).

Este problema conduz às leis, aos mecanismos e às estruturassociais objetivas que regulam o poder de definição, a sua distribui-ção, as modalidades de   seu   exercício em um dado contexto social,enquanto outros individuos e grupos sociais estão submetidos a este

 poder de definição.3) Enfim, é um problema fenomenológico (no sentido da

criminologia empírica tradicional), concernente aos efeitos que aillilicação de uma definição de criminoso a certos indivíduos -isto é, a atribuição a estes da gualificação de criminoso, e de um

; f t l! U s   social correspondente - tem sobre o comportamento suces-sivo do indivíduo (eventual consolidação do papel de criminoso;

desenvoivimento de uma carreira criminosa).Cada um dos h'ês níveis do problema da definição, e em particu-

lar o segundo, faz parte, no quadro das dimensões por nós distinguidas,do campo de aplicação do   labeHng approach,   na criminologia con-temporânea. De fato, freqüentemente se os encontra, com diferentes

acentuações, nas diversas teorias que têm esta perspectiva em comum _ ou que, pelo menos, pretendem aplicar a perspectiva do   labeling.

Dever-se-ia, por ouh'o lado, destacar que a terceira dimensão perma-nece fora de uma   estilizélÇão   rigorosa do paradigma do conh'ole, assim

como proposta por Keckeisen17

  Sack, em particular, cuja posição é bastante representativa - também pelo radicalismo metodológico queo caracteriza -, mas que não é, celiamente, exaustiva das variaçõesdo   lübeiJizg approach,   opera ao primeiro nível do problema, e do se-gundo nível acentua, somente, o aspecto b), enquanto parece não prestar 

atenção ao terceiro nível, que, ao contrário - como se mencionou nocapítulo   VII -,   é central para autores como Becker, Lemert e Schur.

110

(.

maneira acrítica, do mesmo ponto de vista empírico: as posiçõessobre dados empíricos, sobre constantes ou generalizações, são obti-das em relação a pessoas identificadas e condenadas como autores,segundo um ritual determinado, patiindo de normas determinadas,ou - ainda mais abstratamente - como membros da sociedade gue

devem ser responsabiliza491'-.l2QLCertas_ações proibici~~"ls.

A falta de uma consciente e crítica referência ao poder de decisãoe de seleção, que celias pessoas e celias instituições possuem em face decertas ouh'as, constitui a carência teórica que está na base das definiçõesd.ecdminalidade e das conh'ovérsias correspondentes: "a conh'ovérsia

 _sobre definições - escreve Sack, criticando os estudos h'<!diçjQl1IDS   é 'H

 _J,;-nlf.conh'cvérsia sobre a descriçãoj2Qntualda atividade dos.~telltoce.s..

"do poder de deci~ºL~nl,.9..t!~--ª!iviÓ£l_c!~g~~.t~~, últi}:t1osJorn~_:se, de

,algum m042L~£j~!.2h.~t:}:e.!l~~ã.Q,.J~~t~!lã.g.,.~ize~-ºQjeto ci~-ª!láliseempírica"l~'. Quanto ao segundo nível do problema, as indicações queSack nos fornece são de ordem geral, mas unívocas no que se refere auma linha de interpretação da relação entre os detentores do poder dedecidir e os sujeitos submetidos a tal poder, relação baseada precisa-mente sobre a esh-atificação e o antagonismo entre os grupos sociais. Por um lado, é verdade (e a mais recente sociologia jurídica h'ouxe umaconnibuição fundamental à interpretação classista deste processo), o,poder de atribuir a qualidade de criminoso é detido por um   $~"!-:1:0?~~~~:

cífico de funcionários que, pelos ciitérios ~ndo o~q!!ªis s_,'kU~cll1m:...

dos e pelo tipo dé.es~~iã!I~~çã~~~g~'ii~~~~Eàieti4~~, ..~]SQ!i1.!1~~}1c~s.tQ~..,

 _estratos sociais ~ deter~1lÍ!:l~~s co.!.~s!.e.l~<;:S>esc!~intere~ses. "Referindo-seao compor:.amento dos membros da sociedade e, pois, também à socie-dade no seu conjunto, a qualidade de cl'ÍnlÍnoso - escreve Sack - estáâdisposição de um grupo específico de funcionários, que são formadose imeridos nas próprias funções ah'avés de uma sél'Íe de complexos pro-

cedimentos de recrutamento e de socialização"zo. E, por isso, uma ciên-cia ::Juequeira estudar a manifestação   P ,   a dish"ibuição das oscilações da

crintinalidade "deve, antes de tudo, estudar o COl.!.!P.2!::!~me!.1.!.C?.ª..<:!~_P~$_~soas   à disposição das ql.!ais se enconh'a a qualidade de cl'Íminoso~'.

Por ouh'o lado, como documentam as estatisticas crinlÍnais ligadas

às pesquisas sobre a criminalidade latente, "a inserção em um papel

111

\.\."1

"- - ( "   :;;'

')

~ ~"I)

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CRlMINOWGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL

criminal depende, essencialmente, da condição social a gue ~~ence ~ ..desviante, ou da situação familiar de que provém. Mas, com isto não sequer sustentar, como pretenderia a criminologia tradicional, que~:....

Í

 ALESSANDRO L'ARA'ITA

 penal h"adicional.Desta ideologia, colocaram em discussão, principal-mente, o elemento que, no capítulo lI, denominamos   pn'ndpiode   iW aJ -

dade, posto que demonstraram que a crinúnalidade, se&Undo(Ls~ªe- ({finição legal, não é o comportamento de uma nÚl1oria,mas da maioria

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.~...

''y-

tenca a um estrato socialou a situação famWar produwm ncindiYÍduo_ uma maior motivação para o comportamento desviante, ~ que uina

 pessoa gue provém destas situações sociais deve ter consciêncilu:i~fatode que seu comportamento acarreta uma maior probabilidad~.~definido como desviante ou criminoso, por parte dos outroÁe.ª~J1JOOO

I-pJU1içJJlar:~.o...s_de.tentores_do,.cont:rPl~S9Cial_instih!çiºl1~,_dp

..9.l;leouh"apesssoa que se COJJ!P-QIÍfLd.QmeIDl-º-illQdo~as.qu.e..pertencea outra classe socialou a um..milkll1al:niliar:jn~~<i~l .

De tal modo, pode-se insistir, a questão das   condições   dacriminalidade se desloca, da pesquisa das condições que determi-nam o comportamento criminoso, o caráter ou as tendências crimi-nais de certos indivíduos, para a pesquisa das condições que deter-núnam o grau de probabilidade de que certos comportamentos ecelios indivíduos sejam definidos como criminosos. Mas tudo isto,oberva Sack, não é, de resto, um fenômeno específico da atividadedos órgãos encarregados do controle institucional da criminalidade   ,mas "uma característica geral dos processos de interação e de co-

municação entre os homens"22. Daí deriva uma dupla conotação dateoria aqui exposta, que Sack define como uma "teoria marxistainteracionista" da criminalidade, com uma formulação que não temdeixado, e não pode deixar de suscitar as mais diversas polêmicas,não só da parte dos criminólogos tradicionais e "conservadores"mas, também, da parte de autores marxistas. Os primeiros se preo~cupam em denunciar o perigo de "comprar Marx no saco" (em ale-mão, o nome do nosso autor é sinônimo do vocábulo "saco"), osoutros, ao contrário, em denunciar os equívocos que derivariam deuma contaminação do rea.!Jsl11omarxistapelo idealismo interacibnista.

5.   lJ<J<EVEf{.'>JlJILIJ)AIJEIJO ((LAlJELlN(; ApPROACH" NA TEOR/A ENO MÉTOf)O f)A SOClOLOc;'lA C/<lMINAL

Seja como for que consideremos as críticas acima enunciadas é,certo q~e as teorias da criminalidade baseadas no   labeh'ng approach

condUZIrama resultados que, em certo sentido, são irreversíveis.De fato,em certos aspectos,estas teOliassacudiram os fundamentos da ideologia

112

/.

1 - ',I.

finição legal, não é o comportamento de uma nÚl1oria,mas da maioriados cidadãos e que, além disso, segundo a sua definição sociol~~L~,   i

um   status  atribuído a determinados indivíduos p<)r~e_.9.~lwJ~~.qJ.l~ !

detêm o poder de criar e de aplicar a lei penal, me9iante mefª.!!!~rnos j  iseletivos,sobre cuja estrutura e funcionamento a estratifIcaçãQ.e..Q.anta=:igonismo dos grupos sociais têm uma influência funda!11ental23.

Se,em relação ao  princípio de igualdade,  deve-se reconhecer afunção crítica que estas teorias da críminalidade podem desempe-nhar em face da ideologia penal, tal função não deixa de interessar,também, a outros elementos que compôem esta ideologia. Isto é ver-dade no que se refere ao  princípio de legitJinidade, ao   pn'ncípio do i

interesse social e ao do  delito natural   Realmente, colocando o acento \sobre os mecanismos institucionais da reação social ao desvio, as \   A

teorias da criminalidade baseadas no  labeJingapproach  afastam nossa "atenção do desvio como fato social, preconstituído em face de su~criminalização, e a dirigem para a crimi!lali~ção mesma. Além dis-so, o  labeJing approach   lançou luz sobre o fato de que o poder decriminalização, e o exercício deste poder, estão estreitamente l~dQLà estratificação e  à   estrutura antagônica da sociedade.

A legitimação tradicional do sistema penal como sistema neces-sário à tutela das condições essenciais de vida de toda sociedade civil,além da proteção de bens jurídicos e de valores igualmente relevantes

 para todos os consócios, é fortemente problematizada no nomento emque se passa - c.Q!D-0é 19$!fO  emJ:!!llª~r~~ÇrtYªl:>ª~acl.ª na reaçãosocial - da pesquisa sobre a ªP-Jiçª-çãQ.gJ~.iYª.dasleis.penais   à pes-quisa sobre a forma窺Jnesma Jlfls 1~~J2~Il,!ÜS.~.@~jxl.sJimi.çges peni-t~Ilciárjª~. Neste sentido, o desenvolvimento de uma teoria dacriminalidade baseada nos conceitos de conflito social como se os,

encontra na passagem das teorias do"conflito"liberais" da criminalidade

 para uma teoria materialista que leva em conta o marxismo, pareceestar funcionalmente ligado a uma perspectiva teórica que reconhece,em medida adequada, a importância do estudo da reação social como,__ ~ -'-__ '__ l.__ ~

elemento indispensável de uma criminologia crítica.De resto, o sistema de bens jurídicos torna-s~, em nossos dias

objeto de uma pesquisa crítica e sem preconceitos, como se pode cons~

113

CRIMINo.Lo.t;IA CRITICA E CRITICA DO. DIREITO.rENAL

tatar na mais recente literatura penal e sociológica. Uma característicadesta literatura é a atenção dirigida sobre a especificidade dos interes-ses tutelados,-sobre a intensidade variável desta proteção, sobre as áre-as de  comportamentos socialmente negativos ou de situações de qual-

l\LESSAND"U   ,)(",1\,•.

. . desvi ªn le . , . q~te . ª s   te.oriª.s dºjnteraciofli~I}.1º ..Q.1.~9ci1,1:l!~:anl,.':1 .()   l1ivel _~mpíriçº.Celio, aprendemos alguns traços que diferenciam o COl~1- portamento criminoso em relação a outras formas   de  desvio, mas nãosabemos muito sobre o conteúdo da criminalidade. "Seguindo o fio da

t ã i t i i t G S 25 º () \

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.~,.-:'   ..

p g ç qquer mOdo problemáticas24,   que o direito penal toma em considera~ode maneira exh'emamente fragmentária. A função seletiva do sistem~' penal em face dos interesses esPecíficos-dos grupos sociais, a função desustentação que tal sistema exerce em face dos outros mecanismos derepressão e de marginalização dos grupos sociais subalternos, em be-nefício dos grupos dominantes - hipóteses sobre as quais o  Jabelingappmach  já havia chamado nossa atenção -, parece, portanto, colo-car-se como motivo central para uma crítica da ideologia penal, tam- bém no interior desta recente reflexão.

Enfim, como se viu no capítulo precedente, a teoria do  labelingal2£lpad?  se coloca criticamente em face do   princívio da vreven-ção ou do lim,   e em ~Eticular em relação   à ideolozia oficial dosistema penitenciário at~l~l: a ideologia da ressocialização~.De fato,ao recorrer à diferença entre desvio primário e desvio secundário,as teorias da criminalidade baseadas no  labelJilg approach   contri- buiram para a crítica dos sistemas de tratamento, com um princí- pio teórico fundamental para esta crítiçª,._q1J~laJ}çªJtl.?~9bre os

 _... _(;feito~Lf£Íl!!!Jlºg~!lº~.ªºtmtmn~IlJº--pçJ~ill ..~~ºº-!-:~º--prººlem~. ~ã~,J:ç$.oJy:Içlºdª.l:eil:tc.içi~!!ç!ª, Estas teorias se relacionam, assim, a todoo vasto movimento do pensamento criminológico e penalógico que,das escolas   liberais   contemporãneas até as mais recentes contri-

 buições da criminolozia crítica, mostrou a grande distãncia entre a

 jg~ jª._çiª..ressºc.ttli~ªçJl-º.~.ªJtl!:!Ção   :.r !l .£ i_ l_ ~ Q jr ~ t.ª _ n _ le _ n _ t_ o .

6.   OIJSEJ<VAçX)£~' CRÍTICAS SOIJJ{EAS TEORIAS IX) "LAlJELlN(;"

Avançando, em conclusão desta palie, algum elemento de críticaem face do enfoque interacionista e, mais em geral, do  label1Í"lgapproach,deve-se, antes de tudo, destacar que a definição dª   es.s .êJJci ªl1J.esrn~.dQ

._núcleQce.ntraLdo.de,syio_==-. º-!J_.~~jª,qa,.çriminl!llq€!..4£..=L!~~.!1H?,~Ç_:-

tiy:ª ill.t~l~ª-ciº!li~t.ª.eJ~!lºlll~llºlºgiçª,llªº.Pm;~ç~ ..~!;.y~rqª.c::t~i~~11}el:.1t~-,. . comducente , . .nã.o.obs. t ªnte .a. .extm_.oD ;ijmídª_ym::~ç1 -ª-ç!. t triglJ~~ç!~_9P,-

. s . e ryªçõ~~.çQ l .K~n1 e:n t~s.ª º cQ n t rQ k . .sQ çial ea,.Q ..çQ ml'()rtªnl~:ntQ

114

argumentação interacionista - escreve G. Smaus25 -~eaç~-º_q()~\ público influencia, de maneira determinante, a quali4ª4~.9.a \ -:-criminalidade, mas a reação, por si, é  provocada por unl.çQ!l:!PQl.j:ª- \mento concreto, este compOliamento é tal que perturba o desenY_QlYi- \

mento habitual, normal, conforme às n0!2!laS, d~~~ç~s. Se se remon-ta o fio do argumento até sua origem, percebe-se que falta resposta   à

 pergunta sobre porque este compoliamento, e ~lão ~1.!.t:t'os,t()~la-seobjeto de uma definição crimina1."   O mesmo conceito pode ser ex-

 presso do seguinte modo: ().~in~eraci(mistase os~tno!}letocf()l9$os i:n.4i- [;-cam quais são as  regrasgerais, as  regras de base, a cultura conzum  que!

--aeternlíriaiil~ nã-inte-râção'ri:âü:;:,fiCial, a ah'ibuição da qualidade cri--minãrãcertas-ã-ç6ese   a ' c e r t o ; ;   indivíduos, mas nãOpe&1uisam as con - .

CfiÇOesque-aaoã-estãs.i~i~~_~~t~_c.0.{'!.!.E!..~~!E!!!!!.L.~~~~.c()ntetído

determi~42:L~.!l~.Q..!tl.ll o!!.t:t~.É neste seu C~.l~ªt~rJQl:rnªlistªqu~ ~esicleo maior defeito da teoria da produção   da criminalidade, desenvolvida pelos interacibnistas. "Poder-se-ia dizer, antes - conclui G. Smaus-, em comparação com a sua pretensão de peneh'ar as condições que

 presidem a edificação da realidade do conh'ole social, que elas chega-ram a nuclearizar as condições formais que sustentam o edifício darealidade do controle social, vazio de conteúdo. Em nossa opinião,somente através da análise das ..;::ondições de configuração da realida-c.t~n.ºrmal, em seu conteúdo, poderia ser elaborada uma te9-l:'iaade-quada da "produção" da criminali9ac!~."

Por ouh'o lad0.1.ilteoria do   lfJl:~Jj!JS.çhegª,}.JAº-   rª!:ament~,-_ªtl!l1resultado análogo ao de uma ~r:~'::.e..;'sali:2:~ç~().ª.~~_tj!!~!1:ªli.<J~4~,.~.9tlª~,,Ç_D..movimos. chegam as teoria5._~~t:t:l::l!!1.!~l:fu_nciont!!!~a~:_~~!~~_o fa.~zel11mediante um álibi teórico e prático em face das condições eshu-tti~ãis"dacriiltinãlização'que   d e s c r e v e i l 1 o i 1 " ã s - q u a í s r e i l 1 e t e i ú : N a - t e Õ ~ "

-rli"dõ   labelJi"lgo álibi sel11ãllif~siidTante'das.reIàç&scfe-hegel110nia,as quais, como se viu2G,   estão na base da desigual distribuição do   bem

negativo da cnimnalidade.   A   insufi"ciência é oposta, mas idêntica no

seu efeito, àquela verificada na remessa   à  estrutura econõl11ica, por  palie da teoria das subculturas e da teoria l11ertoniana da anonúa . Nestas, como se notou, o privilegiamento das relações econõmicas ocor-

115

L-RIMINULUliIA   Lt\IIIl,..A   t.   lKlllLI\ UVUII'\.LIIUrLI'H'\I.•

re às expensas da consideração das relações políticas, cÇ)mplementa-

res daquelas. Na teoria do  labeling, o privileziamento das relações de

hegemonia desloca a análise para um terreno abstratoJ   em qu.e....o..mo.::

mento pol ít ico é definido de modo inde nde nt e onô"

l d d d di ib i l

 ALESSANDRO BARATrA

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nuca s relações de produção e de distribui ão. Daí, resulta uma

eona em condições de  descrever   mecanismos de criminalização e de

estigmatização, de referir estes mecanismos ao poder de definição e à

esfera política em que ele se insere, sem poder explicar, independente-

mente do exercicio deste çoder, a   realidade social  e o  significado  do

desvio, de comportamentos socialmente negativose da criminalização .

.Esta realidade e este significado, observou-se, são absorvidosidealisticamente no processo de criminalização e nas definições de

criminalidade a ele correspondentes. Contra esta absorção da realida-

de social na consciência dela tem sido oportunamente posto em relevo,

no âmbito de um enfoque materialista da teoria da crinúnalidade como.   '

tais comportamentos possuem um significado social, mesmo indepen:-.

dente da definição de criminal~dade a eles aplicável, por exemplo, en-

quanto exprimam contradições reais do sistema sócio-econômic027.. _- Valem-aqui as mesmas observações feitas para a teoria das

subculturas, como teoria de médio alcance: o álibi teórico e prático

diante da estrutura das relações de hegemonia equivale, na falta de

qualquer indicação das condições objetivas e de estratégias práticas para a transformação de tal estrutura, a uma racionalização

hipostatizante dela, e do correspondente sistema de mediação políti-

ca e institucional. Ainda com o grande mérito de ter, definitivamente,

orientado a atenção da criminologia sobre o processo de

criminalização e sobre as relações de hegemonia que o regulam na

sociedade tardo-capitalista, a teoria do   labeling   permanece, pois,

freqüentemente, tanto do ponto de vista teórico como prático, dentro

do sistema sócio-econômico de cuja superfície fenomênica parte.

Existe, sob este ponto de vista, uma linha que reconduz a teo-

ria do  labeling   às teorias da criminalidade que se desenvolvem no

âmbito da   sociologÜI do conflito,   às quais é dedicado o próximocapítulo, apesar da diversa acentuação do momento político e das

relaçôes de antagonismo e de hegemonia, e que é termo de chegada

na teoria do labeling,   mas, como veremos, ponto de partida teórico

 para a sociologia do conflito.

116

IX. A   SOCIOLOGIA DO CONFLITO E A SUA APLICA-

çÃO CRIMINOLÓGICA. NEGAÇÃO DO PRINcíPIO

DO INTERESSE SOCIAL E DO DELITO NATURAL

1.A  CONCEI'(.:40 NATUJ{AUSTA E UNIVEJ<.<,ALlSTAUA CRIMINALlDADE.

OS LIMITES IJA U<ÍTIC'A INTERACIONISTA (MICRU.<,:<,DCIOLÔGICA)E

 AS TEORIAS MACR()S.W)C1()U)(;ICAS

Entre os elementos em que se pode articular a ideologia ofi-

cial do direito penal contemporâneo, existe um que, em certo sen-

tido, reabsorve todos os outros. Denominâmo-Io, no segundo ca-

 pítulo,  princípio do in teresse social e do delito natural,   en uncian-

do-o do seguinte modo:   "Qnúcl~º_ç~ntra.LdQs._d.elitQs.co.ntidQs_no.s

códi,güs penais das nações chrllizadas representa ..o£ensa..de.inte:-

resses fundamentais, de condições es.s..enciaisà existê.nçia...de...t.oda

sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interes-

ses comuns a todos os cidadãos". Com base neste princípioJ   só

uma pequena parte dos delitos representam violação de determi;

nados arranjos políticos e econômicos, e são punidos em função

da consolidação destes.Estes delitos entrariam na delinqüênci3; que Emico Ferri havia

definido como "evolutiva"! e seriam, segundo a expressão usada

 por Eugenio Florian,..delitos "artificiais"2, os quais podem ser dis-

tinguidos da criminalidade verdadeira e própria, ou sejª-1_d.Q~ddi::

tos "naturaiL-mle são aqueles contra oS.q1J-ªis..tociªsocied_ªd~_Ciyi-

lizada se defende, porque exprimem um notável~oísm~~_al~.n-tam contra valores e i!!t~ress~~rcebido_~~mo universais na cons-

ciência de tQ.4ºs.-ºS:.çi4~ªª-º~ormais.Com o conceito de delito naturaP a ideologia penal transmite

a equívoca e acrítica concepção   naturalista   da criminal idade, pró-

 pria da- criminologia tradicional. Segundo esta concepção, a

117

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

criminalidade, assim como o desvio, em geral, é uma qualidadeobjetiva,  ontológica,  de comportamentos e de indivíduos. O princí-

 pio do interesse social e do delito natural agrega a esta concepçãoum elemento jusnaturalista, posto que pressupõe que os principais

 ALESSANDRO BARATrA

uso deste poder, na dinâmica das relações entre os grupos sociais? O   i

 problema d3s "defin iç.ões.de..senso..illlnUlrr:~.,..das.de£iniç.õesJegi.slatiYaS-e da aplic~q do direitQ.p~nªLp.QLtmJ:t~.ªflS.jnSJªndªs_ºfidªiLé--ldesse n1.odo,-ªtrajdQ..pª-rª-.ª..p.er.s.p~~liy.ade.qma análise das. diferen::-

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tipos penais são violações de interesses e necessidades próprios detoda comunidade e, desse modo, os coloca fora da história. Comisto, na concepção   universaJjsta   do desvio e da criminalidade, ain-da largamente presente na criminologia tradicional, se verifica umdeslocamento do.acentQ,da f()tma{él:uIüveX~.a1idadedo fenõmenocriminal) para   oconteúdo (a universalidade de certQs.tiposdec.onl~

.PO.l'tªlu~ntºq'Ül1.Ü1Q.$9,.queimplica aunivepsaliªªª.e   de  certo.s.ya-=lore~ ejnteres~es. sociais - ...a1ém.de sua homogeneidade, em umd~teJ=-rninado.-ººlltext.o...s.Qcial.-, dos quais são violações). Contudo,a universalidade do conteúdo (da criminalidade e dos Íllteresses

 por ela ofendidos) pressupõe a homogeneidade dos valores e dosinteresses ofendidos pela criminalidade. Os pressupostos lógicos do

 princípio do interesse social e do delito natural são, pois:   a) a con-~ção da criminalidade c<2.mo9UJ!E~ge º--1:!!olºz.i~~d~.ç~i!ºscon!.:...portamentos ou indiv:i4!!ºs;.b).ÉLb-º!!lQg~D~igª.ªedo~ valores e dos

interesses protegido.s. .pclQjjj~iiº-nenªt, -' . ----- .Vimos, nos dois capítulos precedentes, que o primeiro pressu-

 posto do princípio do interesse social e do delito natural   é negado pelas assim chamadas   teorias  d1  reação social ou do   etiquetame11to

(labe1ingapproach),  as quais, na perspectiva do interacionismo sim- bólico, mostraram- não é supérfluo repeti -lo - çomo o desvio nãQé algo  que precede as definições e as reações sociais, mas uma reali-d~~.£.9nst.rgÍd<t.me_c!tª-llte..<l.~..ª~i!Di.Ǻe.s.c::.ª~_!'~ª~º~M..fLl1~_.ªJrªv~s..delas adquire a-.9ualidad.~..de~'yian~º-~21.~!!J!l1.!ºsa.Deste ponto devista, a criminalidade não é, portanto, uma qualidade ontológica,mas um  status social atribH!!JQ_fltravé.$de processos <informais e fQr=.!11ais)de definição e mecmli$J:nQ~Jin£Qr.mªisnQrmaiS>-de..reaçãa..Sea criminalidade é um "bem negativo"5 que, como os outros bens po-

sitivos ou negativos de cujo processo dependem os diversos   statussociais, é atribuído a determinados indivíduos, o acento das teoriascriminológicas se desloca, repetimos, da criminalidade para os pro-cessos de criminalização. Um problema fundamental, de naturezamacrossociológica é, assim, implicado: com base em que leis sociaisse distribui e se concentra o poder de definição? Que função tem o

118

ças ~e.t:~d_QS_c.Qntrastes ..de interesses entre.os.grupo.ssociais.Asteorias do etiquetamento, todavia, não desenvolveram quase

nada esta perspectiva. Ao contrário, como em geral as teoriasinteracionistas, se detiveram quase exclusivamente sobre relaçõesindividuais no ãmbito dos grupos, negligenciando - C0111as exce-ções acima assinaladas, especialmente no âmbito da recepção ale-mã - as diferenças de poder e os contrastes de interesse entreindivíduos e grupos, estudando os processos de interação como seestes ocorressem somente entre indivíduos colocados sob o mesmo plano'. Com a assunção do   enfoque da reação social (Reaktion-

sansatz),   q'..1eelas têm em comum com as teorias interacionistas,um outro grupo de teorias sobre criminalidade, das quais preten-demos ocupar-nos agora, desenvolveu, em uma perspectivadeclaradamente macrossociolózica>-~kmento do conflitQ...CQlIlQ. princípio explici'ltivo f~.~c!?.!1!~!!tªLçlº.~.pl:.Qç~s.s.ºs.ª~.çrinlinª1i~ªçã.:Q,en tendidos como proc_~s.s.Qs..ª~.g~finiçªQ~_d~_ªtrib.1Üç.ª-Q..cto.stªlusde criminoso. Estas teorias são conhecidas sob o nome de teorias do

conflito, ou   teorias conflituais da criminabdade.

2.A NEDAÇ'ÃO IX) "PlvNciplO IX) INTEI{E'>SESOCIAL E IX) DELITO

NA TUiUiL".   A   SOCIOLOGiA DO CONFLITO E A POLÊMiCA

 ANTiFUNC/()NALJ.~TA.

As teorias conflituais da criminalidade...negam..D.princípin.do._4I.!~ress~.s.~çiªLedo delito llatlJ.rAl,afirmando que: a)osjnteresses

que estão na. base   ç i - ª .  fQrnlª-çªp~_ctª.~121içªçãQdo...diLeito-p-e.naLsãQ-2s intel~-ªJlÊLda.9Jle~~pº_.LqJl.e.têllLQ ..p.oder..de..influir..sobreos

 processos de criminaliz~s?..Q..=_º~jnt~r~l'_s.~~.l2.rotegjªos atr:ªy.~~UiQdireito penal   n ª - Q . . . . s . ª º ) . .PQi.s.,.ÍlJJeresses.c0D11JnsatQdQsQs.ç:jªªªã.o.s;ó) a  criminalidag~nº_s.e)J.ç.onJ1Jnto,éw.nª realidad.e .sQcialcriad.aatravé~ªQ.l2rOC~~º_ªe_krÜnina1izª.ç_ãQ.l'Qrtªnto+ ..ª ..caiminalidade..e.

fodo  o direit~ªl..tê.n~>os.enlpl":.e.,.natll.teza.poJi1ica. A referência à proteção   çJ e determinados arranjos políticos e econõmicos, ao con-

119

CRIMINOLOCIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO PENAL •

 ALESSANDRO BARATTA

flito entre grupos sociais, não é exclusiva de um pequeno número

de delitos "artificiais".Asteorias conflituais da criminalidade não são teorias  d e ... 1 1 1 i.= .

~no sentido indicado no capítulo VI.Asteorias conflituais

Coréia e da guerra fria, tem sido objeto de profundas análises 10.

Esta situação se caracteriza pela tentativa de   superar,   no planoideal, a conflitualidade social, ameaçadoramente aguçada no pe-ríodo da Grande Depressão introduzindo elementos emocionais

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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p partem, ao contrário, de uma teoria geral da sociedade, na qual omodelo de conflito é fundamental. O horizonte macro-sociológicodentro do gual estudam a criminalidade e os processos de crimina-lização lhes é proporcionado por aquela   sacio/CEiado connjtQ~

se desenvolve e se afirm~_nos EstadQsUnidos e na   E .u .r.o ..p a .,..n a ..m e .-tade dos anos  50, principalmente por obra de LewisCoser e de RalLDahrendorf. Objeto de sua polêmica era o estrutural-funcionalis-mo, então dominante na sociologia 1Jbera/, com as teorias deTalcottParsons e de Robert K.Merton8

,   centradas - como se viu - sobreo modelo da interação e do equilíbrio dos sistemas sociais.

 No capitulo IVobservamos como, remontando a premissas já presentes na obra de Durkileim9

,  as teorias estrutural-funcionalistasestudaram os sistemas sociais sob o ponto de vista de sua estabili-zação e conservação. Isto as levou a um prqzressivo deslocamentode acento. da  sukJetividade   de elementos~ares do sistema so-cial (e, portanto, dos indivíduos, dos grupos, de suas necessidades einteresses)   à sua  função  em face da existência e da estabilidade do

sistema. Este, não os individuos e os grupos, assumiu progressiva-mente a qualidade de   sujeito   dos objetivo~~!L~ÕeS sociais,.Ossistemas sociaissão, de tal modo, concebidos como organismos equi-librados, estáticos e fechados em si mesmos, baseados sobre umaharmônica convergência funcional de todas as partes, sobre a co-munidade dos interesses e sobre o consenso. Asteorias estrutural-funcionalistas - observou-se - também colocaram em relevo afunção positiva do desvio. Mas se o desvi.:>individual pode exercer uma função positiva, ao contrário, os conflitos de interesse e de

 poder entre os grupos, ou, pelo menos, uma parte deles, sãodisfuncionais para o estrutural-funcionalismo. Asua realidade, in-

conciliável com o modelo do equilíbrio do sistema social, é teorica-mente ignorada e ideologicamente exorcizada por este.

O caráter ideologicamente conservador e o nexo que líga aafirmação das teorias estrutural-funcionalistas, nos Estados Uni-dos, com a situação política e econômica daquele país, no períododa intervenção americana na   z a   Guerra Mundial, da guerra da

120

ríodo da Grande Depressão, introduzindo elementos emocionaise morais de integração onde os elementos econômicos se revela-vam insuficientes, e pela prevalência da atenção do público ame-ricano sobre o conflito externo, antes que sobre os internos.   A,.o

estas características correspondia bem, na ideologia oficial dasescolas sociológicas, o predomínio de lllllaieoria da sociedade

que negava a objetividade dos contrastes de classe e portanto a, ,

função do conflito e d~!!udança socialL~..~~-ªJtªYJl.Q.mº.çleJQteó::rico do equilíbrio e da intezraçãQ,sq!1 tr.U~],Üngº,   ª.ssim, para aestratégia da estabiliz~o   CQlJ~~I.Y-ª.dºcª.dQsistema.

A discussão e a crítica do estrutural-funcionalismo torna-seum tema central, não só no ãl~lbitode uma sociologia alternativa,de direta ou indireta inspiração marxista, mas também no da soci-010gialiberal, no nlomento em que, na metade dos anos  50, come-çam a mudar as condições-l2-Q1itico-econº!1lica~. Nas sociedadesocidentais, como também nas socialistas, os conflitos internos.as-sumem prevalêncifL~mre1fl窺ªos.externos. Isto se verifica com o

fim da guerra fria e com o surgimento, dentro do sistemaneocapitalista, de conflitos (conflitos raciais, conflitos de classes, problemas de desemprego e de marginalização) e de laceraçõesideológicas (movimento estudantil, movimentos   hippies,

intellighenziado dissenso, os novos movimentos feministas) ligadosa uma nova fase de expansão econõmica e de concentração capita-lista.  À  diferença da guerra da Coréia, a guerra do Vietnam torna-se, cada vez mais, um elemento de ruptura, na sociedade america-na, antes que de consolidação dos equilíbrios políticos e ideológi-cos:  torna-se não só um multiplicador para a consciência das con-tradições e dos conflito~]:t!~~~.!!!!?-~~l:t1:!~!l.~le}ll~n.tº propulsor para

as forças sociais e as elites i.utelf.f1!1a~-,at!.e_.ª$ememvista.deuma.!!~~~f(,'rn~açãoda.sr~lações depoder dentro da sociedade.Aexplosão das lutas raciais e do dissenso sobre o Vietnam na

sociedade americana, assim como no mundo socialista os fato~deBudapest e de Berlim (e,depois, de Praga), são os sinais dramáticosde uma realidade em movimento, que não é mais possível mistifi-car comos modelosda estabilidade, do equilíbrio,da homogeneidade

121

1",.'''.'/

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO I'ENAL

dos interesses e do consenso, com os quais as teorias estrutural-

funcionalistas descrevem e explicam os sistemas sociais.

A afirmação da alternativa conflitual, na sociologia burguesa,

ocorre paralelamente à tomada de posição do neocapitalismo so-

 ALESSANDRO BARATIA

mais como desvio de um sistema "normal" e equilibrado, mas co~:!.19_'

características normais e universais de toda sociedade.   É   preciso

reconhecer que '~.as-SQçiectª.çle,Le.ª~.ºxganizaçõessociai.s.n~Qse

mantêm unidas pelo_çor.!~~!::!~9-1.!11ª~jJ~Iª.ço.aç<1g,1!ªº-Pº~~11nlacor-

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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ocorre paralelamente   à  tomada de posição do neocapitalismo so

 bre uma nova estratégia reformista, e à   consolidação nele de equi-

líbrios sindicais mais estáveis, das novas constelações políticas de

"centro-esquerda".   É a era Kennedy,nos EstadosUnidos, das gran-

des coalizões ou dos governos social-democratas na Europa, das

"ações concertadas" entre monopólios e sindicato; a época em que

se experimenta uma maior intervenção mediadora, reguladora e planificadora do Estado na economia.

3. RALF DAHRENDORF E () MODELO SOCIOUJU!CO DO CONFLITO:

MUDANÇA SOCIAL, CONFLITO SOCIALE DOMíNIO POLÍTICO

Ateoria sociológicado conflito reflete e acompanha a evolução

ideológica acima delineada, repelindo, como um mitado   qual   é ne-

cessário libertar-se, a representação de uma sociedade fechada em si

mesma e estática, desprovida de conflito e baseada no consenso.   É

esta a "utopia" da qual Ralf Dahrendorf, em um ensaio famoso,con-vidava a sociologia a sair!1

• Neste ensaio, Dahrendorf atribui ao sis-

tema social descrito pelas teorias estrutul'al-funcionalistas os

caracteres constantes dos sitemas utópicos, de Platão em diante. Eles

são sempre sistemas isolados no tempo e no espaço, sociedades fe-

chadas e autosuficientes, nas quais não se verificam nem mudanças,

nem conflitos, mas, ao contrário, um universal consenso sobre valo-

res comuns. Emtais sociedades,o equilíbrio do sistema e a harmonia

das partes, cada uma desempenhando a função própri.."lno sistema,

representam, observa Dahrendorf recordando a clássica concepção

 platônica, a própria expressão dajustiça1z•

Os sistemas sociológicos que, como aqueles de Parsons e deMerton, se baseiam sobre tais modelos de equilíbrio e transmitemuma tal ideologia dajustiça são, segvndo Dahrendorf, sistemas utó-

 picos, inteii-amente inadequados para compreender a realidade so-

cial contemporãnea. Para compreender esta realidade é preciso pro-

ceder - .0"OCIª-!ua.J2ª-ltl'endorf - a uma revolução coperni:::ana

no pensamento sociológic<?~_~!::!t~Dª~.!'.-ª-.!.1.1~.dançae o.<;.9nf.1Uo..nãÇl.

122

p j g

..illlJIDMl:s-ª-k.mª.s-p-£:lod.Qlllínio~)Çel~ç.Lcl~p-ºJ~ill$Yl~.Sob.i~~.-ºy.t:J-~OS"!3..Mudança, conflito e domínio são os três elementos que con-

vergem para formar o  modelo sociológjçQ-fiQ..JX).11DUQ,que se con-

trapõe ao do equilíbrio ou da illtegr?.ç~º-.E aqui deve ser notado,em primeiro lugar, o caráter formal desta noção de conflito e da-

quela, que daí descende, de mudança social. Isto, segundoDahrendorf, exclui logicamente a possibilidade de distinguir entre

"mudança no sistema" e "mudança do sistema", entre mudança

."microscópica" e mudança "macroscópica". Esta noção de confli-

to e de mudança social é,em segundo lugar,   universalista,   porque,

no modo de contrapor-se   à  noção de equilíbrio, implica, não dife-

rentemente do que acontecia nas teorias estrutural-funcionalistas   ,

uma concepção indeterminada de   sociedade em geral   Enfim, ela éabstrata   porque encontra o próprio conteúdo naquela mesma rela-

ção de domínio que, por sua vez, gera o conflito. A concatenação

lógica entre os três elementos que convergem para formar o mode-

lo do conflito é invertida em relação   à   realidade. A relação de do-

mínio - afirma Dahrendorf - cria o conflito, o conflito cria a

mudança "e, em um sentido altamente formal, é sempre a base de

domínio que está em jogo no conflito social"14.

É  oportuno determo-nos desde já sobre este ponto: o objeto do

conflito, na sociedade tardo-capitalista, não são as relações  materiais ,

de propriedade, de produção e de distribuição, mas sinuu:elaç.ão.:   I,.

 política   de domínio de alguns indivíduos sobre outros. O ponto de '

 partida para a aplicação do modelo do conflito é, portanto,.1lão . ª .  iesfera social e econõmica, mas a esfera política. Antes que explicar o

conflito como conseqüência dos interesses contrastantes em manter 

ou transformar as relações materiais de propriedade, e a relação

 jJolí tiC~.,?~l_l~..~ 1~~s.l1.l_t~ªQ.9-'?_~.9..!1fl!!().1~ºS-º!.lflj!9-,ª-º.ºQ!!txª1-"!Q,.q.uedeve ser c_Çlnsid~l'ªgQ.çºmQre~y.liª.ª9_º<lrelaç~º.pºlític;ªde qQmín-:o.

 Não é difícil reconhecer que, sob este conceito d~conflito e de

mudança social, sob a tese de   SeU   caráter universal e permanente,

se esconde uma estratégia ide~!é>si~.ll_.!~~t<2rmista,tendptte a deslo-

car a atenção do conteúdo material do co~~tiit~para as formas va-

123

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

riáveis da sua mediaçã9o£()li!~ca, tornando equivalentes mudanças

de estrutura e mudanças de governo.

4 LEWIS A COSER E GEOR C SIMMEL: A FUNCIONALIDADE DO CON

cia às necessidades sentidas por seus membros individuais ou pelos

subgrupos"17.Como ponto de partida da sua construção Coser adota, tam-

 bém ele, uma definição formaJ.,....Conflito.é "yma luta que incide sQPLe

valores e sobr~.J2.r_e~nsões.ª-stat~_soç!~i~~scassos,~Qr~d~c~

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4.LEWIS  A.   COSER.E GEOR C SIMMEL: A FUNCIONALIDADE DO CON-

FLITO

Chega-se a conclusões análogas se se analisa o conceito de con-

flito e de mudança social em LevJisA. Coser. Enquanto Dahrendorf 

 põe o acento principalmente sobre a normaiJdadedo   conflito, consi-

derando sua função só em referência   à  mudança social, Coser centrasua teoria sobre a função posit~a d~ conflito.   O conflito é funcional,

segundo Coser, não só porque assegura a mudança, mas também

 pela integração e conservação do grupo social. Coser apresenta, re-

almente, a própria teoria, mediante a paráfrase e o comentário de

um famoso capítulo da Sociologia de Georg Simmeps. Simmel havia

evidenciado o papel positivo do antagonismo: antagonismo e harmo-

nia eram os dois princípios em cujo concurso ele via uma condição

essencial da integração dos grupos sociais.

 Não existiria sempre, de modo algum, uma vida comunitária tãorica e tão plena, se as energias repulsivas e, consideradas singular-mente, também as energias destrutivas desaparecessem dela - as-sim como não se obtém um patrimônio considerável se são elimina-das as vozes passivas -, mas   U111l1   imagem tão distorcida quantoirrealizável, como seria depois que desaparecessem as forças da co-./ .operação e da simpLltia, do LluxÍlio e da harmonül dos interesses.

Mas nem todos os conflitos têm, segundo Coser, esta função

 positiva par;'l a est rutura social. Não são funcionais os conflitos con-

trários aos pressupostos mesmos sobre os quais ela se baseia, ou

seja, que colocam em questão os valores fundamentais sobre os

quais se apóia a legitimidade do sistema. Enquanto conflitos coI?o

estes ameaçam quebrar a estrutura da sociedade, os que não colo-

cam em questão as bases da legitimidade do sistema podem, ao

contrário, contribuir utilmente para a conservação e a adaptação

dele, tornando possível, em particular, "uma readaptação das nor-

'__mas e das t~l~õ~ de pod~~_dent:r:.9o,gº~g!}1J2Q~~mc~respondên-

124

_ _ ç , Qsobre recursosLuma luta na gual os obj~tivos.9as-12~l1:!~.s_~mçº!:lilito

são os de neutralizar::~~,.fe:r:.!~.:.se9_l:l.~limlr!£l1'..:serecipr.QÇ.an.~nt~~'18.A diferença entre as duas definições de conflito, de Coser e de \

Dahrendorf resulta clara. Para Coser o ppder é um dos possíveis   !~ )'~, .~ _..__..__ .•.....•.... '.' .0'.. •

objetos de cOl}flito,ao lado de ol,ltros bens ,materiais ou .i111ateriais.

Para Dahrendorf o conflito é, como se viu, sempre redutível ao poder ou às  bases de domínio.

... Um capítulo importante da recordada monografia de Coser é

aquele referente à distinção entre conflitos re.'l1ísticoseconflitos não-realísticos19•   Coser retoma aqui a distinção, introduzida por Simmel,

entre conflito que é um meio para alcançar certos fins (por exemplo,

a posse de certos bens, o poder ou a aniquilação de um adversário) e

conflito que é um fim em si mesmo. Enquanto os conflitos compre-

endidos no primeiro tipo, observava Simmel, são potencialmente

substituíveis por outros meios, aqueles compreendidos no segundo

tipo não estão sujeitos a serem limitados, canalizados ou substituídos

 por outros meios. Assim como os conflitos "fins em si mesmos", queSimmel fazia derivar do merú desejo do conflito, os  não-realistasderivavam, na formulação de Coser, inspirada na psicologia profun-

da, da "necessidade de descarregar uma tensão agressiva"2O.Portan-

to, eles são ligados a uma atitude não-realista, irracionalista e têm a

sua raiz na esfera emocional. Ao contrário, os conflitos   realísticossão plenamente compatíveis com uma atitude realista e racional,

 porque a sua característica é, de fato, a presença de "alternativas

funcionais" nos meios para alcançar um determinado fim. Também

no que se refere às formas de luta, os conflitos   realísticos  permitem

alternativas cuja escolha depende de um cálculo racional.

A distinção entre   conflitos reafÍsticose não-realísticospermi-te, segundo Coser, lançar nova h.lzso}:Jr~9Rr()lJl~rnado de~vio e do

co!!!!,g.1.~,4()A~~yiº.Desse modo, o tema da função normal e positi-

va do conflito é associado com o desenvolvido no âmbito do estru-

tural-funcionalismo, da função normal e positiva do comportamento

desviante. Ao mesmo tempo, podemos notar uma importante ana-

125

CRI M IN O L O GI A CRi TI CA E CRi TI CA D O D I REI T O P E N AL

legia,   OU melhor, um ponto de convergência, entre a teoria estrutu-ral-funcionalista e a teoria conflitual do desvio: um indivíduo de

 _cQn1P.P_rtªm~ntº-c!~_s_Y~I!t.~,!!-ªºct~y'e,necessariamente, ser "irra~io~J.lªC,._Qll_Rriy.ªetQ..de _Qri~J..1.tª-<ji_().peJª.!~eªlietªet.e,como mui tas teoriasimplicitamente assumem. O comportamento desviante, tal como

A L ~S A ND R O H A RA T TA

velho escrito de Sutherland dos anos   30, do qual vale a pena repor-tar o seguinte trecho:

 /0 ,,£!,!m~/ é parte_de u1!!..l?J:Ç}Cesso..c!~.!:glJ.t!!X0_.ª~ql!...~J2.cf.irei!Qe..!!

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p p ,analisado por Merton em   Social Structure and Anomie,   seria umaya,riJlntectQC(mtlÜ.Q1el!.l.i~tjǺ,   enquanto representa tentativa de al-cançar fins indicados pela cultura, mediante meios.Úpific-ãdospela. c u l t u r ~ ~S-e;.tipo.cfesuj~ito des~ante de que se trata dispusesse demeios legítimos para alcançar o seu fim, teria menores possibilida-

des de realizar um comportamento desviante. Neste caso, o desvio _~mªi~u!!~io.99_Clue~res~ão. Outrasformàs d~desvrõ:.ao-contrá-

rio, podem bem servir para descarregar tensões que se acumula-ram durante o processo de socialização, e por causa de frustraçõese insucessos no papel de adulto. Neste caso, o que conta, para odesviante,   é o comportamento agressivo em si mesmo; o objeto temini.portância secundária.   A necessidade de resolver tensões tem pre-cedência.   É   nisto que está a satisfação, e o ato, por isso, não servecomo meio para alcançar um determinado fim. Em casos seme-lhantes,   é menos provável a consideração de meios pacíficos, comoalternativa a meios agressivos, porque a satisfação é procurada pre-

cisamente nos meios agressivos, e não no resul!ado21

É explícita, como se vê, a remissão   à teoria do desvio de Merton,e em particularL~o   c!esvio inovador,   qu~.é a mai~~f.!lpS)l:!a..!!.!.~.~~.!!:~.as quatro formas de desvio nela analisadas. O "desvio inovador" é,

...desse. modo, Íllseridori'-a.teori-ã-collfl!tual con~~.~!ilalqriji~4econ~.flÜ .õ  realístico,   uma forma de comportamento não necessariamenteirracional, antes normal - como havia ensinado Merton - emtoda situação social de discrepância entre fins culturais e meioslegítimos   à disposição dos indivíduos.

5. GEO/{G  D.   VOU);   OPODEI{ DE IJEFINIÇ.'ÃO,OSCRUIJOSEM CON-

FLITO,   O J)JI{EITO, A POLíTICA

A   primeira expressão madura de uma verdadeira e própriateoria da criminal idade na perspectiva da sociologia do conflito, é aoferecida por Georz D. Vold em um livro de particular relevo22

Encontramos, porém, uma significativa antecipação dela em um

126

 pena são as outras parteS:.Este processo começa na comunidade,antes que o direito tenha existência, e continua na comumdade e110comportamento dos delinqüentes particulares, depois que a pena

 foi JÍlfligida. Este processo parece que se desenvolve mais ou menosdo segUJi1temodo: um certo grupo de pessoas percebe que um deseus próprios valores - vida, propriedade, beleza da paisagem,

doutrJÍ1a teológica é colocado em perigo peJo comportamento deoutros,s.~QgLl!Jl.iL4..P.91iJi.çl1J}'J.~!J.!ejn..fluel1t < ; ;   ºvª"o..! !..1J1JZQr!alJ.~eeo

..p-crjgQ..S~ngpn7]J;l!Jkr~.ªºg!1!J?QJ?.rºmovem a ema11ação de um!!:. lei e, desse mo4.0 ganh!!.m .E!__E9!!P~~E!Çã.()_cl.o.Es!l:ll!Ono esforço de proteger o próprio vl:!!o..r.O direito é o instriJme~;tõ.de-um~das partes em causa, em conflito com outra das partes em causa, peJomenos nos tempos modernos. Aqueles que fazem parte do oufZo..\ grupo não consideram tão.altamente o valor.!Lueo di!:.~!!q!..o..l.Efta.~..mado. a protes..t!.r,._.~ft!..~~!.tl_l!!gQ_q!!e.an!.e.!!º!'!J!.e.I1!.é!_nãº_.e.!l:!mç..rim.e.,;mas que se tornou um crime com a cpJabqraJ-:!:..o....do Estado. Este é a,cont1Í1Uaçãodo conflito q&:..çuiireitQ t1Í1b!l_~igocha!JJJ:I..ªº l:!.e.!in.J.!-.:nar, mas o conflito se torn..ÇJ!J_1J1alQr!J.º_,s..e.!J.!LdJ2J!~.qlLC'!...!lSQ!J1.f:l1Vol-

ve o Est,!do~A pena é um novo grau no mesmo conflito. Tambémela, por sua vez, é um instrumento usado pelo primeiro grupo noC011flitocom o segundo grupo, por meio do Estado. Este conflitotem sido descrito em termos de grupos peJa razão de que quasetodos os cnines implicam ou a participação ativa ou passiva demais de uma pessoa, ou um favorecimento passivo ou ativo, demodo que o indivíduo singular que está dÍll11teda corte pode ser 

z"considerado como um mero representante do grupo' .

 Nesta concepção de Sutherland estão contidos todos os elementos principais de uma criminolggia~..Q.ç(mf1itQ.Será oportuno destacar 

h"ês:aU!.12!:~c..~çtêncial{>.$içª@dªªº12!"Q.Q.~$~º.d~.ç.riminªlizªção.sQ~..f>.re _Q..f o1lwºrtal}1e.l}.tº c.rimin9,s0;  b). - ª. .I~i~I'~.nçiª--do.pr9~~s_sº de _criminalizª,-çªQ_~.9.º£ºn."!portal!!.~i().ç..rI!!!iJ!Q..SQA_~~i.$tên_ç!.ª~ _ªºs.Ín-teresses e à atividade dos g!J!Qos sºciª!.~~nLçonflitQ;   c)   o .. f ª " .r - ª .t ~ ! :

 políticoq}le   aS~_l;!..meJS?~oºf~!:!.õm~!19ct:i!::n:!!lª!:.c...ri!lJ!!J.1lH4ªÇ_ªº,J.:om: portame!1!Q..f.rimiI!ª!~ªgº~p~nª_s.ªQuª_SP~Çíºs_çi~..Y -m   C Q n.f lH o  que se

127

resolve mediante ainstrumentalizi!ção do direito e do Estag9,g1,!sejª,ck-~~;;;;~flTt;;-~~..q~~~Zi iROmais forte cons~~.~#}}!l:'_c::_ql11g

 jkgais comp52~!am~~.~º~Q~_9.l11!:..C?_g~,c{mtráriosao próprio inte-resse.L9..ue~simL~cºnJ>t.rangidº~._a$~r_~º!"!!!a.~l_~i.

--- Reencontramos todos estes três elementos na teoria de Vold.

1r 

i

!

 ALESSANDRO BARArfA

de não ser substituído pelo grupo concorrente no próprio terrenode operações, ((dedefender-se para manter o próprio lugar e a pró- pria posição, em um mundo de arranjos em constante mudança"ZG.Uma concepção assim mecanicista da concorrência entre os gru-

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Uma vez definido o comportamento criminoso como comporta-mento normal, aprendido no processo de interação de um deter-minado ambiente ou grupo, Voldnota que, então, de fato, o proble-ma se desloca para o poder de definição,   com base no qual aquelecomportamento é definido como criminoso: se o comportamento

criminoso, em suma, é o comportamento normal de indivíduos querespondem normallnel}!~_.ª_~i!1,!ª~~~efiJ;l19.~~.E9.!1}-º_ind~sejª'y~is,

 _lJ~ais e.LEQr isso,crip.!iB9_Sª~,~!!!ªº._º.P!-º.Q!~~!l~Jtl:J;l9~!11e:!1~~lt9 daorganização social e QQ!J!tç_~Qº~_y~lº~.~~~~~~~I~c::lc:iº~.2.011d~_S_.9~fi-nições do gu~ode e do.guenãopº-g~_s~J:'_(:t.~f!~1!gº.C::º1~:!.º_2rirt:Ü!10-

~~. O c~i~e,-ne~t~-;entid~,- 6  co;nportamento   político,   e o criminosot~~ha-se, na realidade, um membro de um "grupo minoritário",sem a base pública suficiente para dominar e controlar o poder de polícia do Estad024

É   oportuno deter-se sobre as noções de grupo   e de política

 postas em jogo nesta concepção do fenõmeno criminoso. Como

ocorre, em geral, na sociologia do conflito, uma teoria pluralista emecanicista dos grupos domina a imagem da sociedade, em Vold.Os grupos se formam e se mantêm em função da sua capacidadede servir a interesses ou necessidades comuns de seus membros.

Os grupos se originam de importantes necessidades de seus mem-

bros e devem servir Lisnecessidades dos membros. de outro modo

rapidamente deterionun e desaparecem. Por isso, se formam con-

tinua.mente no vosgrupos quando surgem novos interesses. enquan-

to grupos já existentes se debilJt~m e desaparecem, quando não

têm uma finalidade a que servir .

O conflito se produz quando, ao perseguir os próprios inte-resses e fins, os grupos entram em concorrência ((nomesmo campogeral de interação". Tendem, então, a aniquilar-se e a eliminar-sereciprocamente. Aprincipal preocupação de todo grupo é, por isso,

128

!

IIi

~põ~:~9çlitlsDª_()'p:º.¥aci~i?"~!9.~.!e!'a.ra uma visão igualmente su-..p~I.'fiG.~ªl~_ e~qllelmiJic~qoprpcesso de crimil1alizaç-ãõ'e-do'seuca-

 _ rát~rpºlítico, um defeito comum, como veremos, nos criminólogosd()c:onflito.Estranhamente, autores que, como Dahrendorf e Coser,cuidadosamente tomam distância do marxismo, terminam, depois,

PQr  represe!}l~.Lº-c::li.r~i.t()~o~st::ldocgnloum instrt:lnlent()ll.'!snlãosdo grupo social Ç-ºX!!~r.!.1l.ªçl,!l}l~nt.eçlominante.Estesse tornam por-tadores, por uma ironia da história, daquela mesma representaçãogrosseira e mecanicista que, em uma tradição do marxismo vulgar,é transmitida sob ()_e.Cluívococonceito de ((direitode classe". uma

 _ .   - _  ...  _ .   ,...   ~   ... _ .   ,

~ºncepçã.9.Jão inac!.~gua.<i<!J~ararepres~ntªr ..ª~J.géias_g~.M-ª!:.xso- __ l2.r~_.-º._ª!re!!Q.~.()_~~ªc:lO_qt!.ªl~!(?parªcompreender a natureza e a

 __.f!:l.~lS~'?..c:i'?direito e do Estado nas sociedades i~ld"ustriaisavança-dasz7 •

 Nãomenossimplista é a maneira em que osteóricosdo conflitorepresentam o processo de criminalização, como um processo no

.qLl.~:Lgr!!PQ.~'pº-ª~~~o_~O~Cºl1_~~gu_~~ninfluir sobre a legislação,usandoas instit1liçãespenais como uma arma para combater e neutralizar ..ç()l}lp.º.!-1ª..m~l1t()sd~gruposcql1trários. O defeito desta representa-

ção sumária é, no caso de Vold,agravado pelo fato de que ele consi-dera somente osnlecªnismos se!etivosda criminalização que agem

 __ n()..n~()J:nentoda formação da lei penal (criminalização primária),negligenciando aqueles, não menos decisivos,que agemno momentoda aplicação da lei penal (criminalização secundária).

129

AL~SANDRO BARATTA

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x.  A~TEORIAS CONFLITUAIS DA CRIMINALIDADE

E DO DIREITO PENAL. ELEMENTOS PARA SUA

CRÍTICA

1. AUSTIN   T.   TURK: A CRIMINALIDADE COMO "STATU,)" SOCIAL

 ATRIBUÍDO MEDIANTE O EXER.CÍC10DO PODER.DE DEFINIÇÃO

 No capítulo anterior indicamos o   enfoque da reação social

como a principal premissa teórica comum a todos os criminólogosdo conflitc. Também Austin T.Turk, referindo-se ao setor específi-co analisado por ele, escreve:

Parece eVidente que a delinqüência   é, de um ponto de vista opera-cional, não propriameilte uma classe ou uma combinação de clas-

ses de comportamen to;mas principalmente uma definição dos ado-

lescentes por parte daqueles que estão em posição de aplicar as

definições legais'.

A crimil!~!IL4ª9_~_~. __ ~1:!.1 __ ~1~tJ:'-~."~~~i~L~tribuíd~~_~n~_pes.~ºª_  por quem tem poder__ 4~_ 4~fL t). içªQ . .Esta premissa pennanece firmeem toda a abra de Turk 2•  Aatribuição deste status   mediante o exer-cício do poder de definição, no âmbito de um conflito entre gruposé, como temos observado, o traço característico que o   enfoque da

reação social  afirma, na perspectiva da sociologia do conflito.O problema da delinqüência, compreendido deste modo, se

transfonna, p0l1anto,em Turk, no problema da "i1~i!!~ªçfio~~.Com _.--'-~--"-'_.'-'-~----"'--

tal termo Turk designa precisamente a atribuição a um indivíduo do~tatus de viola~()!:.<!e.!~<?rl!1.~~.E,por isso,a teoria da qual ele traça o

 programa no texto ao qual nos referimos é "uma teoria sociológicalimitada"da delinq~~.~~j~~()_1~1_()..l:lI1~f.e.ll~~~e.Ú2j~~c!i~2=~º~i~i~:3~.---

---

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

Os conceitos fundamentais que propõe para c.onstruir tal te.o-ria sã.o, além d.o de ilegitimaçã.o, .os de "posiçã.o social", de "d.omíni.o

'fl' . I 1 I" d " b'   "4e desvantagem", de' c.on lt.o SOCla e cu tura e e ur amsm.o .

~£Q~£C? s ~~~~~~ E~f~! ~~~~9!º~llçã od o indivíd~ o r:t:~~s!tU~~":

 provisória resolução de um conflito de concepções sobre o que   é

 justo e o que   é errado, e de desejos incompatíveis entre   SJ~ do que

como uma espécie de mecanísmo equilibrador ou de harmonia

espiritual entre mentes corretamente judicantes".

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~£Q~£C?_s_~~~~~~_E~f~!_~~~~9! ~llçã.od.o indivíd~.o _r:t:~~s!tU~~ :sº<?_ia.L~_~.o~p":p~isligad.o~ Aq':le~<l'Em referência a ela, a geraçã.o e, p.oliant.o, a distinçã.o entre adult.os e ad.olescentes,   é  fundamental.C.om .os c.onceit.os de desvantagem e d.omíni.o sã.o indicadas as dife-renças de acess.o a.os recurs.os e às p.ossibilidades   (opportunities),   .ouseja, as diferenças de p.oder c.orresp.ondentes às diversas p.osições

s.ociais. O c.onflit.o  cultural   é um c.onflit.o relativ.o às atitudes .ou a.ossignificad.os atribuíd.os a -coisas esit\ia~~~~Estepode. expressar-se n.o

c.onflit.o s.ocial, quand.o da simples atitude interi.or se passa a c.om- p.ortament.os que m.odificam direta .ou indiretamente a situaçã.o ex-terna. Turk tem em mira, principalmente) a..~~!~a.çª.oAe<:;.onflit.oededesvantagem em que, n.o ambiente urban.o, se enc.ontram.gera.tl.1.!ente

----osad.olescentes em relaçã.o a.os adult.os. Desse nt.od.o,centraliza a sua----te.oria da êrínl1naliciãde-juve11iI 11.0-c.onflit.o entre as gerações. Na

medida em que .oc.onflit.o cultural entre as gerações se expressa, tam- bém, c.om.o c.onflit.o s.ocial, se chega à "ilezitimaçã.o", ist.o é, àcriminalizaçã.o de membros d.ogrup.o socialmen!~ __ ~r.!lE~Svl!!lffigem

(.osad.olescel1tes)~p.or-pãrte.(ro.grupod.o~~inante (.osadult.os).-Nã.o'   t dificif p~~.éeber   o   fato   d e - q u e   á ' estrutura desta te.oria

c.onflitual da delinqüência juvenil tinha, desde .o princípi.o, um al-

cance mais geral que .o d.o set.or a.o qual se aplica~ª:, -º,c().~fli!.ointer-gerações representa, realmente, só um d.os p()ssíveis cas.os dec.o,uflit9cultural. Os primeir.os três "p.ostulad.os" da te.oria ag.oraapresentada sã.o, de fat.o, p.otencialmente aplicáveis a t.od.o.o fenõ-meno criminal. Era uma c.onseqüência lógica, p.ortant.o, .o fat.o deque Turk, n.os trab;ll~~~~s~lc~s~'iv_.os; pas's'as~~deu!TIateor'ia"EjTIità~

.qi~~tiar~.~}ú!..teor.~a._ieraJ da crinlÍ~ali<:ill<:ie, baseada, em parte,s.obre .os mesm.os p.ostulad.os. S.ob a direta influência de Dahrend.orf 

ele apresenta, na sua .obra principaL_º_n)º<:i~l.o ,deun.1a estruturasocial el11pennanel}tec.onflito.

 A ordem social   é   vista, neste livro, portanto, não como um sistema

de normllS inevitáveis e necessárias, constantemente postas   ti pro-

vapor gente indisciplinada e anti-social, mas principalmente como

uma sempre ligeira aproximllção a uma ordem, mais como uma

1~?

2.   CARATER UNIVER.""ALlSTAE DIC()TÔMICO DA TEORIA FORMALISTA

 DE TURK 

Além da c.oncepçã.o   universalista   d.o c.onflit.o, similar àquelaacima exp.osta sobre as teorias estrutural-funci.onalistas, devem.os

deter n.ossa atençã.o sobre a definiçã.o dic.otômica d.o c.onflit.o, tam- bém ela t.otalmente f.ormal, em term.os de aut.oridade e sujeiçã.o. Adefiniçã.o de Dahrend.orf da relaçã.o de aut.oridade c.om.o.oc.onteú-d.o mais geral de t.odo c.onflit.o s.ocial, é aqui imediatamente aplica-da a.o pr.ocess.o de criminalizaçã.o. Se d.ominantes e d.ominad.os, su-\

 jeit.os  dop.oder   e Sl!t~!!º~._{!QP.Q~~~~.oõjciÕ~$£.~.Pº$,~!:1!t~--º:s_q1.l,!i_s.se desenv.olveº_~ºn.m~º, ..~~t,ª-().oC.211f!itº_~,.~~I~!.Rt:<:"l,!,I~~..<?_º}:!flJt()<:l~

 p.oder. N.o âmbit.o deste c.onflit.o, as   autOrIdades   agem mediante a , . 'criaçã.o (.ou a recepçã.o), a interpretaçã.o e a aplicaçã.o c.oativa de:n.ormas. Quand.o se trata de aut.oridades c.onstituídas na c.omuni-',dade p.olítica, .ou seja, n.o Estad.o e, p.ortant.o, de normas s.ociais .ou .

 jurídicas criadas .ou recebidas pel.os órgã.os d.o Estad.o, estam.os em.'p'!~~e1'!9_a_c!~_~!'11JJ.<1rtic~!':l.1.:s~t.oI'_q~~JSP_~ri~ncian.orma tiva atinen teao ~_~!aet2,e_a()c!ireit.oestatal, que Turk, p.or iss.o,especifi~;'c~m.o .osetoX'p()!!!i£p.   Os pr.ocess.os de criminalizaçã.o, entendid.os c.om.ouma das p.ossíveis fen.omen.ologias d.o c.onflit.o entre detent.ores d.o esubmetid.os a.o p.oder, fazem parte, p.ortant.o, deste set.or da experi-ência n.ormativa e, p.or iss.o, implicam diretamente a n.oçã.o de Esta-

~ d.o. Desse m.od.oLa nq,çA!ºA~.time depencJ~_' __ lQzi<::-ª!1:1.~1}1~,,_ª_ª __ D º Ç ª _ º ' , _ . ,..,<:ieEstad.o~~~~t<:_s.~l1_ti9.(),~\Tálida"segund.o Turl<,a pr.op.osição pela _q~_a.L~~!!ª().P9eteex~stJr crime, s~ nã.o e.xiste Estad.o"G.

Entre .ospr.ocess.os de estigmatizaçã.o, .ouseja, de atribuiçã.o de

status  de desviante (que p.odem se verificar, também, dentr.o da re-ação s.ocial nã.o-instituci.ona1), .os pr.ocess.os de criminalizaçã.o se

distinguem c.omº_1?r:.oc~~sºs_9.t:_a.!,I'.!PU!Ǫ__.o_c:!~"~tf!lY?_~.!i!!1ir.!ªLs,~quese desenv.olvem através da ati';Tidade das instâncias .oficiais d.o Esta~d.o (legislador, -Juii~p~ií~i~):-S~b~~ ~~t~;-P-l;~;~~p;~t.os Turk p.ode,

CRIMINOLOGIA CRíTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

 pois, afirmar: "o estudo da criminalid.~~~tornl!:~e o.estucl.Q.._4~.srelações entre os status   e os ~éis das   autondades   legais - ..cria-dores, j.!ltéq~re~_~.~._~plicadaresde  standards   de direita e injusta

-l?.'2!'inel~~.r:Q~~~E<?!~!iy.lc;l~.9~_=~.()~..C:lg.~.~J!.I:!!!!~.tid~L~e:eepta~~~-º!! _~ositares, mas não.autares daquel.as decisõe~c:am as quais o..~~:-

i i d i d f i l i i 7

 AL~SANDRO BARATTA

-ª~e..cJiYa.sóçio.::econõmica. c::t~_c_aAf1g<:)_~!:l~!~grupassaciais écamprimida nfl_I~1~sª2 palítica entre autaridâdes.e súditas.Estamas .diante, cama se vê, do'c~stunleTro-equívoco .cfâ.saciaioiÚlda canfhta~açãa dQ.~&.~':!J2Qsde interesse é transferida imediata-me~te!:l a ~ç~ da Estada sen~ i~~ã~-en1contao'c âráter'bem maIS

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reito é criado e interpretado, ou feita valer caercitivamente7•

3. A   EXTEN\Ao iX) PARAJ)J(;MA"POLÍTICO" iX) CONFLITOA TODA

 ÁREA DO PROCE~:,)()DE CRIMINALlZAÇÃO

oesquema   político   da canflito, para o qual se transpõe assimo problema da criminalidade é, coma se vê, a esquema própria dasacialogia da canflita já empregado par Vald.Mas, diferentementedo que ocarria neste último, este é estendida a tada área da praces-sa cLç;criminalizaçãa ea todos as órgãas aficiais nela. operantes.Esteé'Unl-Ílllportãntê.pi~ogl~essoque.p-eriÍ1TtertêoriacanruiUãi-com=

 preender, de moda mais realista e articulada, a natureza seletiva do processa de criminalizaçãa. Os resultadas das pesquisas sabre acaráter seletiva da processa penal e Qª-~Jn~es!!z~~~. de""pQl!s:ia

.J)'-ª.Q2-ª"Q,..g~Jªt<:>,jg.r!:ºJ:'~4º~uPº.t:.Tur.:.Is.1!:!º_!1101}!el1taem gue ele atri:-

.121ü~~~çiahll~ntc ao.moda de 9P~r3:~c!~..I29.líci.~.~.E~Pe.LI?Ei.!!.c:::~.p~!._.Dºin.tc:.:r!Qr dºs!!1ecanis~lQsql1eca~c:i!:l:?e.~.~.c:ii.s.!!:!~E!~~~~.s.~!~!~$...(;rin}i!l~is.e à.s.ttaca!:l.c:~.f.l~t;~ç<'i~.~.f.l~_c!~~~!:.~lif.l~9?~.8!U pqs..p~~!i.uc!l-Jª.r.m~.D.t.~'~Q~$.fªYQr~çj.dº$"8.

Também a distinção, implicada na modelo de Turk, entre pra-cessas   nãa-institucionalizados e processos institucionalizadas dereação ao desvia representa um opartuno alargamento da pers-

 pectiva canflitual para toda a pracesso de estigmatização.Mas também aqui Turk, preacupado mais cam as próprios

esquemas que cam as coisas, toca uma canexãa importante semsaber aprafundá-Ia. De fato.,na sua canstrução, as dais setares da

reação.,a apiniãa pública, par um lado, e as instãncias aficiais, por outro, permanecem duas linhas paralelas que não se encantram jamais. Eescapa completamente, assim, o nexo funcional e a canti-nuidade que as liga.

 _,.1)ma.Y~:l_<:!~fi.J:!!9?~.E()_~~~..~~!:l_ta~!.<!~~~~!~S~uis"()~.s"..tJeitas que j.ê.nLQ_P-Qd~J~.ªg.ª.~ç.i.ª!J:'.~ºº~.~~.fX.i~Ç.~9~.~..ll.p!ic:~ç~ociasr1.arma1i,

134

 _ me te!:l.a_ ç da Estada, sen .i ã en1contao c.âráterbem maIS~.nm1exa da I1ledi~ç~g'palítica dos canflitos.ll~ls.oCTedade'il1dus-..1riaLMançªda. ~a. persp~cÜva.unl.tanto-rãrefeita.deTurk, a jogadas elementas laglCas prevalece, decididamente, sabre a análiseda realidade sacial. Assin:!L().s. __ l~!~~.~~!!~!!.'l..()~_específicase as diver-sas canais mediante. as ~ais determinacfõs'intéressesseinstitucianalizanL~._cJ!~gªi11._ª3D~ir~D:!e~t;-iiza~-.as.il1stâl1ciasle~:sais da pader palí!i£º-,.p~.!:!!l~rl~Ç~ll"!.çº~Í>I~'~m-~;t~'f~~~-(i~.t~a-ria. Tada esta delicada temática da sacial~i-;.p~lític~ .tã~ i~di~-

 pensável a uma tearia realista da canflita, é "super;da" cam aidentificação.   toutçourt,   par via de definição., de uma das duas~art~s ~a ca~flita cam a Estado. Parece preclusa, par autro lado.,a crImmalagia da conflito., a campreensãa das camplexas rela-ções que intercarrem entre hegemania e idealogia entre exercí-cio.e legitimação. da pader, entre campartamenta dirigida à reali-zação.de necessidades e cansciência, em última análise: entre classee cansciência de classe.

4. A   TEOR.IADA CRIMINALlZAÇÃO DE TURK: VARIÁVEIS(;ERAISDO

CONFLITO E VARiÁVEiS E~'PECiFiCASDO PROC:E~:.,nDE CRIMINA-

 LlZA('ÃO

Fiel   ao.madelo descrita, Turk pade passar a canstruir umatearia da criminalizaçãa agregando. algumas variáveis às variáveisda canflito entre grupos. As variáveis cansideradas para a canflito~ãa ~ $r!_t!..çle_ºrsª-r.Ü__ ~~ª(),ºzrª.ll de~'r~f.Í!1ªm~nt~~_~a.$X~E._4~L~tell'2!'g~£ãade~}º~~:!..a..~~~º!!~.~r1sa).O conflito.é tanta mais pra-vave1..g~~~~~.~~~is()ES<ll]-i~adaéo.St;UP9 d()s.que.~g~1!l.iJ~gallD~l}t~

.~_quan!_()..~~~l'1.c?s _'~l~e.fit.la.das"sã.o()~.9tl_e.infr.in$~~!_.'.l~.l'lºrrna~,Acambinaçãa destas duas variáveis mastra a maior prababilid~d~ decanflita no casa em que as sujeitos "que se encantram na parteerrada de uma diferença cultural definida cama ilegal pela autari-dade" são.maisarganizadas e menas refinadas (par exemplo.,um

135

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

 bando de delinqüentes). A menor probabilidade de conflito oc~rre,ao contrário, no caso de sujeitos menos organizados e u~tra-refI~a-dos (por exemplo, estelionatários p.rofissionais). Nos dOISgr:~s I~-termediários os organizados e refmados (por exemplo, o_~_~If.ldl-

extremo é aquele de uma força relativa máxima, ou seja, em que oviolador da lei é muito fraco.-tlll.~ul1bo-s os casos, nota Turk, verifi-

ca-se uma_tendênciª--.cl<l,s ill_S!.ªl!.~iasoficiaiLcJ~ __ ~9}:..9_~Jaclo" os procedimentos lezªIs, J~tº_ oCQr:re."xespe.ctivalnente, ou para com-

J2a.t~Lmª-i~L~fI£ª~_m~J.!ie_º-=~ªclver~~J.:i9.inJ_ ~ n }9 ." « ) _ ~ec.u:!"s()apr~ ti -casX~P!"~ssiy'ª ~terIorist ~sE()d~: ~~ ~~~ifica~ ! !~~!~ ~i!~~ç~~)ou en

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g (p p ,

catos" do cri:ne) apresentan~,.~!:!:!_g~ral,..!11aiºI_caPli~i~~Ae ~~.~yH~r ..situaçõ~~-d~s;àll tajo~~~ª-e ..<:()!~fl.!!C'.~J::?~!:.to,do   q\l~ O~_l1ª():ºJ:'~am-.-zadosénão~r~fúiaªQs (por exemplo, freqüentadores habItuaIS de.--bairro-s-~nal--;famados), os quais, freqüentemente, "têm problemas

com a lei11l~ E~f!~1_C'.<::()l)JW()é tanto mai~ PF_C'.y_áyel..9..tt~~j9_!!1~ngr 

 _~_.Q.zrau de int~riQrj~ªÇão4ªs __ !!º_~!!l~S_ f~l!ª~_~~!~r.pe.lli.~~.u!Ol'I~-d~~, ()l;t~~j~,<:@.a..ll_!C:>_ !~le!!.()~()_s_.~!1j_e.I_t.S'~.S.~ _!~e!l!lf~<?~!1!-c::.Q!!:!-ª~:.~~.!ºr:.I-dades mesmas e aceitam suasvaJ~!"'.liç<')~~}!1<:>!:l:l.!~2~s.!~11.9.Q4~spostos

.'..~ .p - t: e ~ 1 ª1 ,~ - ç 9 .~ ; ~ D ~ º _~ ;_ _~9.~llla_~.(~ºm 1?a.~~_~!1!.Ul~~.c<:>1'!!~~_119~_.$eralconcedida   à  autoridadel1.

---.----No-p.;oc~;;~.d~ criminalização intervêm duas variáveis poste-

d   1. "riores. Elas são: a "fºrçªxeJatiyª~~.e.9_'~Z!'ª!l--.Ç.r.~£L~DIO   _~ll~rr}_~º-. bras usadas no co;;flito12•   A diferença efetiva de força entre os órgãos

-.d~~~p~;;ã;p~~~l.e os violadores das normas diz ~espeito a to.dos ~srecursos   à disposição   dos   dois grupos, compreendIda a orgamzaçaoefetiva, o número de homens, a habilidade, os fundos e o arn:amento.,

Quanto maior a diferença, tanto maior é a exposiçã? d~s vlOlad.oresdas normas ao processo de criminalização. Isto explIcana também amaior exposição   dos  esh"atos sociais m~~~dé~is à I:lçãocl'ill~ina.lizª.t1te

.da_E<J.!jci~_~.9~~g!!!!~a.~ji~si~icl,!sofiçi!l1.s: . . _  O realismo nas manobras usadas no conflIto esta em relaçao

direta com o grau de "refinamento"   dos   violadores das normas.Quanto menos "refinado~" são eles, tanto mais facilmente realizam;11~;~bras não-realistas que têm conseqüências desvantajosas para

,   ..

eles, e tanto ~l!.li!g_~~~_a probabilidaet~--ª~_~.r!!lllnalizaç-ª-9~ ~s v~na-veis gerais do conflito e as variáveis da crimina~iz~çã~ permItem,desse modo "explicar" as diferentes taxasdeçnnllnalg:lª-ª~apr~-

••••• __ • • , ••••••• _, 0'- • • •

sentaçLªsp~los diversos grupos ou pelos diversos estratQ$$OG1a.1Se,em particula.~2 !l:.alta taxa .de criminalidade apresentadapel()s es-

t~át:Qs_;~~i~is mais débeis.Turk introduz, contudo, uma ulterior consideração a propó-

sito da "forç-ª-_relati'0~'_.~tQ$_º-rgªQi.ºfiçJ.ªi.~ Esta varia entr~.J1ois_ extremos: o primeiro   é aquele em que a f~rç<l...!:.elativaé míninla, ou

'~eja~~l~~que o adversário, Q."iQ!ªªQr <ia lei, é_!:!lUHQfº-~; o outro

1.~h

casX~P! ~ssiy -~terIorist.~sE()d~:_~~_~~~ifica~_!.!~~!~_~i!~~ç~~)ou, en-Jª-Q-J-p-araJimitar-se a pr~ceetin).e.~Jos ~lais_s~rll~r~c:>se menos custo-

sos, suficientes para enfrentaX_llm.ª-ªv~_~ªriº mtlit.o fraco. Sendo aestatística criminal ligada ao uso dos procedimentos legais, verifi-ca-se em ambos estes casos extremos uma relativa diminuição da

taxa de criminalidad~re.lªç.ii9_~l}tre   . ª_ _"fºr:çªt:'~la:!iv_a~~_ e a taxaoficial de criminal.iE~~~l_!~!l~~tpg'-'.!a.l]t(), _a._a~~_tll~~il:'y~_ll~ll..<i~l~l~ntomais cur~ilín.~º._9.Y_e. _r:etiJín~º.

5. LIMITE DA TEORIADE TURK

Do exposto pode-se facilmente notar que a própria linguagemusada por Turk reflete aquela característica de um celio sociologisl1loacadêmico, que é a fuga da realidade para um formalismo conceitual.Paradoxalmente, precisamente estes autores que negam o modelo daharmonia para afirmar o do conflito, ao fazerem do conflito a leieterna da estrutura social transformam o seu modelo no de umanova harmonia preestabelecida, mais dinâmica que estática, mas tam-

 bém de modo que cada coisa encontra   seu   lugar, como na utopiacriticada por Dahrendod. Tendo perdido de vista o problema dasrazões das diferenças de poder e-do usoc{afõi;ça, a-teoda-dasocieda-

detOrna -se uma espéciecteequaç-ãQ-selll-Tnc6gnita.s.-Ós-problemassociais que estão na origem dõ.sco-nflltos reais se desdramatizam.Antes que um drama, no qual estão em jogo necessidades e destinosde homens, a questão criminal acaba por assemelhar-se a uma par-tida de xadrez entre jogadores mais ou menos "refinados", com lan-ces mais ou menos "realistas" .

Tudo isto pão pode surpreender se refletimos sobre o modo deoperar destas teorias e sobre os resultados que elas oferecem em re-lação ao problema em exame. A teoria de Turk é exemplar neste

sentido, porque não vai um passo além de uma pura descrição dosfenômenos, em que se manifesta um fato já bastante conhecido atra-

137

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRiTICA 00 DIREITO rENAL

vés de uma série conspícua de pesquisas: o fato de que o processo decriminalização   é dirigido, de modo altamente seletivo, para os estra-tos  sociais mais débeis e marginalizados, enquanto freqüentementese traduz em um fracasso, como no "clássico fiasco do proibicio-niSmo"l3,  quando deveria dirigir-~ contra os ~eroso~.   ~s.~

! L ª º Z1 P2 t !}!1 I 9 ! d ' 1 £ l

 ALESSANDRO BARATTA

deste ponto de vista, se apresenta sob o dúplice aspecto de uma teoriada integração, em que as categorias principais são a  ordem efetiva  eos  valores, e de uma teoria da autoridade, em que as categorias prin-cipais são as  autoâdades   e os  interesses' 6 .

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q~!.Lrª~~_s __ .º_Z1:~P2._q~e __ t~~!}!1~I~~er:.~9.~!.de'~1~.£~~~lzar .prinçjpall1J.~.Ill~_ªuem_-ºte!!!.!:rJ.~~os~30 contrário, deixar_~~~!~~~~

 _"adversários" kª-~gtnt_~J~~~~)~explicado por Turk com uma série devariáveis que se resolvem, em substãncia, nas difere~ç~~_de   EQ<!~~

Com o que a explicação do fato é substituída pelo fato a explicar.

a defeito de origem das teorias aqui exanÚTIadasestá, contudo,na escassa consistência e no inadequado nível de abstração da teoriageral da sociedade, a sociologia do conflito, da qual partem. Esta secoloca como uma alternativa em relação às teorias estrutural-funcionalistas, como uma saída da   utopia que elas transmitem~l\1.~,_ 

I  _~~~_q~~~!:1!i:~~~_emque liE:!i_~~s_~_~_~~~9-~_~~~to_~!1_~tui~: alternativa ao estrutural-funcionalismo? Se nos detemos maISatenta-0_  me~t~-sob;:~-~;t~--~~to,Ch~ll~~;-i~~ a uma conclusão paradoxal-

mente em contraste com o vigor polêmico mostrado por Dahrendorf e por Coser contra o estrutural-funcionalismo. De fato, na construçãode DahrendOlf e de Coser,o modelo do conflito não exclui, em realida-

de, o do equilíbrio, mas, quando muito, representa uma  integração.Dahrendorf e Coser se ocupam, é verdade, exclusivamente defenômenos que podem ser interpretados aplicando o modelo doconflito. Contudo existe, segundo a opinião deles, uma outra sériede fenômenos interpretáveis mediante o modelo do equilíbrio.

amodelo do conflito não constitui, para Dahrendorf e paraCoser, o  pâncípio geral  de uma teoria dos fatos sociais, como ocor-ria no estrutural-funcionalismo com o modelo do equilíbrio, masserve para explicar somente uma parte dos fatos sociais.   a queDahrendorf reprova em Parsons não   é  ter aplicado um modelo   er-

rado,   mas ter examinado a estrutura social exclusivamente com omodelo do equilíbrio. Para corrigir este erro Dahrendorf anuncia"a dupl.:lfase da análise estrutural"lS, ou seja, a construção de umateoria social que considera tanto o mQ..n.l~!!todo equilíbrio e daintegração quanto o do conflito e do domínio.... .....-._- ..

---- -Estes dois asPectos da realidade social--"se entrecruzam",   se-

gundo Dahrendorf, em todos os níveis. A teoria da eshutura social,

138

Para a eXplicação dos problemas sociológicos temos necessidade

de ambos. os modelos da sociedade, o do equilíbrio e o do conDi-

to. Pode-se dizer que, em um sentido filosófico, a sociedade tem

duas faces que são igualmente reais: uma de estabilidade, har-

mom":J.econsenso, e uma de mudança, conDito e domínio. Rigo-

rOSameJlte falando, não importa se escolhemos como objeto de

 pesquisa problemas que podem ser compreendidos só em termos

do modelo do equilíbrio, ou problemas para cuja explicação se

requer o modelo do conDito. Não existe um critério intrínseco para preferir um modelo ao outro/F.

Retomando também neste ponto o pensamento de Simmel, Co-Ser   vê na realidade social integrar-se o princípio da harmonia e o

 princípio do conflito18.Em suma, embora independente de qualquer "critério intrínseco", ambos os autores tenham preferido dirigir asua atenção para fenômenos que se explicam com o modelo do con-

flito, as suas análises se inseriram, como se vê, em uma teOlia geralda sociedade que, rigorosamente falando, não mereceria nem mes-mo o nome de teoria do  conflito,  mas que, em realidade, é uma teoriada integração do princípio da harmonia com o do conflito.

6. O /N~VF/C/ENTE NÍVEL DEAll~TRAÇÀO DAS TEOR/AS CONFLlTUA/S 

Afirmou-se, no parágrafo precedente, que o defeito de origemdas teorias conflituais da criminalidade deriva do inadequado nívelde abstração teórica e, portanto, da insuficiente função explicativa,

à qual a sociologia do conflito conseguiu elevar ambos os termos.do problema: o conceito de conflito e o conceito de classe social.Porém, tal defeito deve ser reconduzido às noções estruturais den-tro das quais se situa a direção teórica em exame.

A separação entre propriedade e poder e a burocratização daindústria ~ da administração do Estado são as principais transfor-

139

CRIMINOLOGIA CRÍTICA   r .   CRÍTICA DO DIREITO PENAL

, mações nas quais se centra o modelo dahrendorfiano da sociedade

tardo-capitalista 19.Elas induzem Dahrendorf a contrapor    à análise

marxista da "esfera da produção", baseada sobre relações de pro-

..priedade, uma análise baseada sobre relações de poder, ao descre-ver a empresa industrial da sociedade tardo-capitalista como uma

 AL~SANDRO BA~TTA

considera o conflito social na sociedade tardo-capitalista só em refe-

rência   à população ocupada. Essa "deformação" teórica torna inteira-

men!~ i!:l_ªª-ffi!:!?4!..ªótiçª4~ ºa:hJ:'~}}dºrf, J$..S_ªQticanão só não podedar conta de importantíssimos proce~-ª9s~~tJ:tltur:aisda acumulaçãocapitalista (desoc pação s boc paçã ()lgr 1i2: C;: <::>?proletari ação)

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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instituição na qual o poder não tem mais, como na precedente so-

.ciedade capitalista, a sua base na propriedade privada dos meios de produção. Portanto, nesta sociedade, o conflito não é mais o confli-to entre   capital   e   trabalho assalariado,   mas um conflito que versaimediatamente sobre a relação de poder, "sobre a participação no

 poder ou sobre a exclusão dele"zo.   O conceito de conflito social nosentido da teoria das classes é, desse modo, difuso entre os sujeitose os grupos sociais entre os quais se distribui a autoridade, atomizado.na variada fenomenologia das instituições, de que a empresa   é umtip021..Q_~ºnflito~ntre.çapital e tra}:)alho assalariado é, desse modo,

substituído por.ª.nueleentreop~rários   e1l]anagç:ment   na empresa

:il}.ci:u,~tdal:2..TªLçº:nse_q:!ei~l1çiase reproduz fielmente em Coser 3• Não é possível, neste lugar, entrar na discussão detalhada da

teoria sócio-econõmica da sociedade tardo-capitalista, de queDahrendorf e Coser são portadores.   O  defeito fundamental destateoria está na incapacidade de descer da superfície empírica dos

fenômenos   à sua lógica objetiva, confundindo assim os atores dos processos econômicos (indivíduos e grupos) com os seus   sujeitos

. reais (o  capital,   como processo sempre mais internacionalizado deexploração e de acumulação, e o   trabalho assalllriado, que não são,somente, os operários sindicalizados, mas também as massas urba-

nas e rurais deserdadas e marginalizadas). A  operação ideológica de Dahrendorf de exaltar o fenõmeno da

institucionalização do conflito como forma de equilíbrio social, apóia-se sobre uma "deformação" teórica de grande relevo. Dahrendorf iden-

tifica a força de trabalho absorvida no processo produtivo com a po-

 pulação, e assim elimina, con~o insubsistente,.oproblema da produção

dellmasypqpqpu1:lçiiQ   relativa, ou sej~,. da   colocação de   ºJ~[lÍnos.e.!lLl~!J!l!.ªdA. Ele não vê a mudança qualitativa da composição orgâ-nica do capital, que ocorre por efeito da crescente acumulação capita-lista, e por conseqüência não vê   l't   lização funcional que subsiste entreo processo de acumulação e a produção de zonas de desocupação e desubocupaçãoz5. Perdendo de vista esta lização funcional, Dahrendorf 

140

capitalista (desocupação, subocupaçã~~.~_()lgr-1i2:~C;:~<::>?_  proletarização),

 _mas nem seguer:ile fenÕ!!~Bgs g~Jll~~1110 ul1~!i~()Ci~logiapouco pro-

vida do pon!º_cJ~yj~...sill eçº:nºDliª.P9líticª,l'94~!iªS<!ber, pei~ menos,descrever: a conflitualidade nova em torno da qual a classe operária seoQ?;aniza, por efeito das pressões que provêm da realidade externa à

empresa, as fonnas diversas que assume o choque com o capital forada fábrica, a defesa de interesses diversos daqueles h'adicionalmenteobjeto das reivindicações de fábrica, mas sobretudo aquela,'). formas

não instituciop.alizagas de conflt!!!ªfu:l-ªq~$QÇiªlqueJierival11 do papel

específico Ç}l1e'L.~J:P-QP-JJlª-Ǫ-º.reilltiya realiza. no. processo de valo-rização do capitaFG.

7.A   INSTITUClONALlZAÇ;ÃO IX) CONFLITO, A MARGINALIZAÇÃO DAS 

 NECESSIDADE"- E DOS COMPOR TAMENTOS E"TRANHOS    A   ZONA IME-

 DIATAMENTE PRODUTIVA DA «INDÚSTRIA" 

A   ótica deformada sobre as partes - acima ilustrada - le-vou a construir um modelo de conflito tão parcial quanto aqueleem exame. Se agora procuramos a categoria teórica que permitiu

 privilegiar determinados aspectos da fenomenologia do conflito na

sociedade industrial avançada, e negligenciar outros, encontramos,em Dahrendorf e em Coser, uma indicação unívoca.   A  característi-ca fundamental dQ_c:onflito, sobr:e ~Cl!!al eles cOI~'str;-~;;~~~~steori-

-ª.~ e~!Y.~r:.~.de,_.QL~!Q_£!~~.~,-:it:lstitl,lci~~;ü~~~d.9~.~.~~ej~,de rece-

J?er un~~~~9jª.çª-ºA~_f!trodª~st!:uJuxªj~!:ic;iiça .da i;~dústl~ia e doEstado monol::>().listl:lZ7.O conceito de   institucionalizaçãodocon/lito

abrange todos os canais capazes de absorver e disciplinar a luta: dagreve legal   à contratação .~mpresarial e sindical, até as mais vastase programáticas "ações concertadas".

. Toda aquela parte de conflitualidade social que se encontra fora

des~a área i~stitucion~lizada e, por conseqüência, aquela parte daSOCiedade cUjas neceSSidades materiais, cujas lutas surdas e violentas

não encontraram, ainda, uma mediação política, permanecem fora

141

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

desta temática neo-iluminista do conflito. O modelo weberiano daracionalização28 como tendência de desenvolvimento da sociedad;;capitalista é aplicável, nC:.!!1Ul1do burocratizado da indústni!,   sóàqL!e=-les conflitos nos quais o ~pacto das frentes se atenua29,   precisamen-te na medida em que o co!ifiito-rlTIstitUciônalizaCiê>.'Em uma visão

 AL~SANDRO BA~TTA

ccncejto d~~'?<::~~~de,as necessidades e os comportamentos que asociedade ~eoca..Pi!.~ilit.~ª~~~üCir._ª~ªi~g~~_rmediª!-ªm~!Ü~.piº_4u ~tiva e, portanto, juridicamente institucionalizada da  indústáa.' 

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qtão serenamente núope e parcial, a  indústáa   é, portanto, a zona emque se desenvolvem os conflitos "realistas", aqueles racionalizáveisem uma relação de fungibilidade entre meios e fins e, pois,

.l~sti.!Ucl~!.1:alizáveise suscetíveis de mediação jurídica. Os conflitos

que, ao contrário, têm a sua origent fora do mundo institucionalizadoda  indústria,  parecem relegados, por definição,   à zona do irracional,dos conflitos "não-realistas".

Aqui reconhecemos, pois, em todo o seu alcance ideológico, osignificado de distinções caras aos teóricos do conflito, como aque-la entre conflitos "realistas" e "não-realistas" (Coser), entre os di-versos graus de "realismo" e de "refinamento" (Turk). Nem todosos conflitos, recordava Coser, são funcionais para a sociedade. Exis-tem, também, conflitos não funcionais em relação a ela30

•   Mais ou' <   menos declaradamente, mais ou menos conscienternente, os teóri-

, cos do conflito acabam por reduzir sua teoria dos conflitos sociaisi .-.- ..-------- -- ..-

Lª.JJnlª-.1~oriª.90S conjli t-º~~~r~ªl~!~~J_fu.!!fL~!!.l!~~-ª_.~c!',?!~çltl.éJ!!J~~,i_melh9r seria dizer, à reJ2!".oduçãodas relações sociais na estruturai   econômi<2an~~s:.~!~~lis~~l:-i~~-~~iZan:ªo-ã£iueiesconflhose aqUei~sI - ---.---.-- •..----.--- •.... - ... -----

J__~1!1~.i!E~\.~!!.!assas11..1arginalizadas,desocupadas e subocupacias,\   -.--  - _  .. _ _   ._ ._ ._ --- _ ._ ._ --_ ._ --_ ._ ---- -_ .-.- _ .   _ _   . _    .. _ . _ _   .--.... _ .. _ .'   _ ..   '

l~_J}~.12~!.!~.~~i<?vens!.~~_!1..!~!l:I_~yes)q1!..~_.!i~.~$i.t_~l}~_ f()!.~~.j!l.cfzj.~t.rja.

1 _   ~~o estes..-?~_~_'2~Q~!_~~~_9_ssu~i   tos.9-~_s CO.1]:f!liº~_g¥e..JlãQ_.sªº. 1   disciplináveis, ou, pelo ~~no~'-!:!ão.~st~º_.l!~nd_ª_.gi.$ciQlinªgQ~--ªen-:'': -tro do "projeto juríd!~?.:_q~~.~~~!!!.p~!!.ha~ __ ~9.£_~~_l!g~£ªJ?ü~li~t~,'L na suaTase nascente e no seu desenvolvimento até _no~.:LQs_dia..s,Esta

remissão a uma esclarecedora reconstrução da ideologia jurídicada burguesia no Iluminismo inglês31 nos parece oportuna, porque

 permite colocar Dahrendorf e Coser no extremo atual do arco dedesenvolvimento do, "projeto jurídiço"_.p.t-!!&!lês.Assim como osiluministas burgueses, ao tempo de Hume, repeliam para fora do"projeto jurídico" da sociedade capitalista todos os sujeitos e oscomportamentos que não se deixassem disciplinar dentro dele e,assim, assimilar no seu modelo de sociedade e de fins sociais, tam-

 bém hoje os   teóricos do conflito   rechaçam para as margens do seu

142

8.A   CONTIÜBUlÇÃO DAS TEORIAS CONFLlTUAl'i PARA A CRÍTICA DA

IDEOLOGIA DA f)EFE~'ASOCIAL: DE UMA PERSPECTIVAMICROS.SOClO-

LÓDICA PARA UMA PERSPECTIVAMACP..OS~DClOLÓGICA

 Não obstante as críticas acima antecipadas, seria injusto subes-

timar a contribuição dada pelas teorias criminológicas do conflito àcritica e à superação da ideologia penal da defesa social. Com todosos limites que tivemos o cuidado de indicar, a relação por ela instau-rada entre conflito social e processos de criminalização, o desenvol-vi:nento dado ao   enfoque da rel!çã9._~qçj~l.paraexplicar a qualidadedesviante dos comportamentos, a perspectiva política na qual colo-ceoUo direito penal, todos são elementos que correspondem a umafase teoricamente mais avançada da criminologia   liberal  contempo-rânea, também em relação às teorias da reação social. Em primeirolugar, porque as teorias conflituais trouxeram uma importante cor-reção à imagem, própria das teorias funcionalistas e psicanalíticas,

do desvio como relação antagônica entre a sociedade e o indivíduo,substituindo-a pela relação entre grupos sociais. Em segundo lugar,na medida em que transportaram o   enfoque da reação social,  dasestruturas paritárias dos pequenos grupos e dos processos informaisde interações que se desenvolvem no seu interior., às estruturas geraisda sociedade e aos conflitos de interesse e de hegemonia e, portanto,às relações de poder entre os grupos; de uma perspectivallÚcrossociológica para uma perspectiva macrossociológica. Repre-sentam, por isso, também uma pontual contraposição àquele ele-mento da ideologia da defesa social que definimos como o  princípio

do interesse social e do delito natural   O efeito racionalizante destas

teorias em face do sistema repressivo, a sua ideologia universalizante .do delito e da reação punitiva, é conseqüência imediata e direta da .tese da universalidade e da positiva  função do conflito de interesses ed~ hegemonia entre grupos sociais, que os sociólogos do conflito,diretamente ou através da mediação de Coser e de Dahrendorf deri -,

vam de .Georg Simmel.

143

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

Aqui estamos em presença de um enfoque teórico à  ql!~stãocrúninal   que não pertence, propriamente,   ll: ull~a J~gljll:._9~médioajC lu lce,   rilas, ao contrário, parte de uma teoria global, aindaÇlJJe

 _.--1111sÜíicadora,da sociedade. Nesta perspectiva, o problema da dis-tribulçãoaesiguaTdo p~der de definição e do uso deste poder im

t\Lt.:>~ANUKUlH'IV" 1/\

ções estruturais da sociedade, na qual aqueles grupos interagem e-s e   confro~tal~l. Na ausência de uma tal análise, uma pretensa

 posição   revolucionária   pode facilmente transformar-se, como seobservou, em uma nova e nlais insidiosa racionalização da reali-dade social do desvio e, portanto, das contradições reais que elaexprime. Neste sentido, também valem para as teorias conflituais

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tribulçãoaesiguaTdo p~der de definição e do uso deste poder, im- plícito no   enfoque da reação social   e deixado na sombra no âmbitodo interacionismo simbólico, é considerado em sua importância

cen traI:../~~~e()!:tasc2_r!n_!!!l.~i?_p.!:~l?~r.~r-ª!.1!,--~l~mAi~~º,jD~JrJJmen-tos   úteis para o.estudo de(llgllns.set.o!'~sA~ç!:il..!1i!}-ª!~c:tªçl~~ºmº-~

'...criminalidade- econ6111icae., em geral, a "criminalidade dos pode--_~l:o~~~~:~a;g~aTs-a~~~~çã~_~~~~i_gE~p~~org~~!~~ª~~ __ ~._~~~i9:cir~-

_!<:J:'_ .?~!~i~2._~()~_p.!'2_ce~~~~ _ge.cl'i_!!l.il~~!~.~~_<?~.ão.P~~!~_ll~a!'!l1~~.!e..kyid~tÚ~~,Dando relevo ao conceito de conflito cultural e de confli-to inter-gerações, enfim, desenvolveram instrumentos eurísticos jáexperimentados também no âmbito das teorias das associações di-ferenciais e das subculturas, refletindo sugestivamente, ao mesmotempo, fenõmenos de desvio juvenil e político, cruciais nos Estados

Unidos dos anos   60.Econtudo, as falsas generalizações e o formalismo conceitual,

com que as teorias aqui examinadas acabaram por agravar os

defeitos de origem da sociologia do conflito, tornam inaceitável asua pretensão científica. Se é verdade, como parece cada vez maisclaro do desenvolvimento e da experimentação de hipóteses teó-ricas, que existe uma relação estrutural entre os processos, for-mais e informais, que fazem parte dos sistemas punitivos, e amarginalidade social; se a questão criminal lança suas raízes, como parece, precisamente naquelas contradições e naqueles conflitosque ficam fora da mediação institucional, então não se estranha-rá o decepcionante resultado destas teorias. Elas desperdiçaramum grande tema:   con/lÍto social e crimina1Jd.7de,   enfrentando-o

com um 11l0delode conflito ao qual permanecem estranhos, subs-

tancialmente, os termos mesmos da questão criminal. Sob   esteaspecto, pois, as teorias conflituais da criminalidade não conse-guiram superar os limites fundamentais dos desenvolvimentos cri-ticamente mais avançados da teoria do   labe1ing.   Estas - como serecordará -, mesmo denunciando a desigualdade e a relação deantagonismo e de hegemonia entre os grupos, carecem de um~análise que desça da esfera política   à individualização das condi-'

144

exprime. Neste sentido, também valem para as teorias conflituaisas considerações críticas apresentadas por Tamar Fitch, a propó-

sito das teorias do   labeling:

 A insistência [.../ no caráter eminentemente legal-politico dil dL>-

criminação não pode prescindir de um exame dos comportamen-tos discrimJilados, na sua heterogeneidade e lia SWI  complexa re111-ção com a estrutura social global. De outro modo, corre-se o riscode cair nas contradições de quem nega a doença mental, não sobrea base de uma efetiva não-existência de distúrbios individuais decomportamento, mas para colocar sob acusação um certo tipoconcreto de exclusão que se funda sobre um diagnóstico - umaestigmatização - mais ou menos casual. Esquivando, desse modo,a origem social de um sofrimento re.71,e mesmo negando-o comosofrimento, mas propondo, em certo sentido, como ulterior com-

 portamento diferenciado que a sociedade deveria permitir, defen-de-se simplesmente o direito   L i   sua manifestação, sem intervir, de

modo algum, sobre as condições originárias: nem tentando aliviar ou curar o sofrimento do indivíduo, nem projetando uma mudan-ça tal lIa estrutura da sociedade de modo que determinadas condi-ções não mais se verifiquem. Umilposição deste gênero   é tão falsa-mente ((revolucionária" e de vanguarda /Juanto as teorÍlis,homógenas a ela, que primeiro examinamo.5 .

145

Al ~SANDRO BARATTA

XI.   Os  LIMITES IDEOLÓGICOS DA CRIMINOLOGIA

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"LIBERAL" CONTEMPORÂNEA. SUA SUPERAÇÃO

EM UM NOVO MODELO INTEGRADO DE CIÊNCIA

JURÍDICA

1.As   TEORIAS CRIMINOLÓClCAS LIBERAIS C"ONTEMPORÂNEAS 

Asteorias que até aqui examinamos pertencem à criminologialiberal  contemporânea. Emrelaçâo às concepções patológicas dacriminalidade elas representam um decisivo progresso no âmbitodo pensamento criminológico burguês. As teorias patológicas dacriminalidade tinham, de fato,em face da ideologia penal da defesasocial, uma função essencialmente  conservadora.   Considerando os

criminosos como sujeitos possuidores de características biopsicológicas anormais em relação aos indivíduos íntegros erespeitadores da lei,justificava-se a intervenção repressiva ou   cu-

rativa   do Estado,em face de uma minoria   llflormal,   em defesa deuma maioria  normaL   Afalta de uma adequada dimensão social dainvestigação (ou a mera e acrítica justaposição dos  fatores socia.is

aos presumidos   fatores biopsicoJógicos)   tinha como conseqüênciao fato de que a criminologia positivista era constrangida a empres-tar do direito, de modo não-refletido, a definição de criminoso. Emoutras palavras, o objeto da investigação etiológica lhe era prescri-to pela lei e pela dogmática penal.

O equívoco que daí derivava era o de partir da criminalizaçãode certos comportamentos e de certos sujeitos, considerando ter,

 por isso mesmo, o que fazer com uma realidade possuidora decaracteres e causas naturais específicas, como se o mecanismo so-cial de seleção da população criminalizada devesse, por uma mis-teriosa harmonia preestabelecida, coincidir com uma seleção bio-

147

L.RIMINOLOl~lt\   LKn jL.A L   LKllIL/\ l.JV   L J 1 1 \.1 .01   I••...•••.•,••,•.•

lógica. Desse modo, as teorias patológicas exercitam a sua função

conservadora e racionalizante em face do sistema penal. A isto

correspondia perfeitamente o modelo positivista de ciência penal

integrada, no qual a criminologia tinha, diante da dogmática jurí-

dica, uma   função auxiJjar .Substituindo a pretendida dimensão biopsicológica do fenõ-

A U :S SA ND RO B AR AT fA

a teoria do   labeling   deslocou o foco da investigação criminológica

 para tal poder.   O direito penal torna-se, assim (como, por um outro

lado, ocorrera na teoria psicanalítica da sociedade punitiva), de pon-

to de partida para a definição do objeto da investigação criminológica,

no objeto mesmo da investigação.

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meno criminal pela dimensão sociológica, as teorias integrantes da

criminologia   liberal   contemporânea inverteram a relação da

criminologia com a ideologia e a dogmática penal. Elas sustenta-

ram o caráter normal e funcional da criminalidade (teoria funcio-

nalista), a sua dependência de mecanismos de socialização a queos indivíduos estão expostos, não em função de pretensos caracteres

 biopsicológicos, mas da estratificação social (teoria das subculturas);

deslocaram cada vez mais a atenção do comportamento criminoso

 para a função punitiva e para o direito penal (teoria psicanalítica

da sociedade punitiva), para os mecanismos seletivos que guiam a

criminalização e a estigmatização de determinados sujeitos (teoria

do labeling).   Elas mostraram como esta função e estes mecanismos,

mais que com a defesa de interesses sociais proeminentes, tinham a

ver com o conflito, que se desenvolve no inconsciente, entre impul-

sos individuais e inibições sociais (teoria psicanalítica) ou com as

relações de hegemonia entre classes (poder de definição, por um

lado, submissão   à  criminalização, por outro: teorias conflituais).

Por outro lado, o ponto de partida da investigação, a definição

do objeto dela, nas teorias liberais contemporâneas, não  é mais ex-

clusivament~   prescrito   pela lei ou pela dogmática penal, não é mais

dependente da definição legal de "criminalidade". Ela é  substituí-

da, de maneira mais ou menos conseqüente e refletida, por uma

definição sociológica de desvio, em relação   à qual o comportamen-

to criminalizado constitui uma   ~pecies   dentro de um  genus   com-

 plexo, somente perceptível no quadro de uma concepção global do

sistema social.

O   ponto mais avançado desta consciência da autonomia do

 próprio cbjeto em face das definições legais   é   alcançado na

criminologia   lIberal contemporânea, pela teoria do  labeling.   Ne~an-

~o qualq~er ~onsistência ontológica   à criminalidade,   enquanto qua-

lIdade atnbUlda a comportamentos e a pessoas por instâncias deten-

toras de um correspondente poder de definição e de estigmatização,

148

' -

j g ç

. O corte entre a impostação h"adicional e o novo enfoque socio-

lógico centrado na reação social   é   considerado por Heinz Steinert

(com uma identificação talvez um pouco forçada, mas significativa,

da sociologia criminal com  oacolhimento daquele) como o corte

entre criminologia e sociologia criminal   tout court:

o que distingue a sociologia criminal da criminologia é que esta

última sabe precisamente que coisa é a criminalidade. Ela encon-

tra a criminalidade e o criminoso preconstituídos, como espécies

 próprias, no "material" que adquire relevância junto   à polícia, aos

tribunais, ao tratamento penal.   O problema fundamental é o de

compreender, precisamente, que coisa ela é, como vem à  existên-

cia, e o que se pode fazer contra ela.  Osociólogo se encontra em

uma situação mais difícil: o seu problema é, pelo menos, também,

como ocorre que precisamente estas ações valham como crimino-

sas, qu~ em face desta gente se aja precisamente como se age, que

esta cOIsachamada direito penal funcione precisamente como fun-ciona - e, além disso,finalmente desejaria saber em detalhe como

 precisamente, funciona o direito penar". '

A conseqüência desta atitude das teorias   lIberaIS contemporâ-

neas   é  que a ideologia penal da defesa social aparece cada vez mais,   .,

como o termo de conf~on~~.J=)~.I~~~li£<:>(:Ia~<:>~_~ ( ) l g Z i~c~!l1~i~':lI,en-

._gua_~_!~J?~E..?_~ürolado, a função da ciência social emf~~e da ciência

. jurídica tor~~.~~~~se~lipre-~illôs auxiIÚr,sen~rJre l~l~iscrílica.  Toda-

via, precisamente quanto a esta relação de_~ol'-traposiçãoentre soci-

ologia criminal e ideologia penal (que demonstra em todo caso o

.

 _ _

 ._._-------....

 _  ..-   '   ,atraso da ciência jurídica em face da ciência social burguesa), de-

vem ser destacadas duas teses.

A primeira   é   que a criminologia   1Jberalcontemporânea, ain-

da que represente, tomada no seu conjunto e nas correntes singu-

l~r~s qu~ exemplificamos, um momento da ideologia burguesa de-

Cididamente mais avançado em face da ciência penal, não está, por 

ld.Q

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRíTICA DO DIREITO PENAL

seu turno, em condições de desenvolver uma crítica eficaz e orgã-

nica da ideologia da defesa social. ~~~sun~a te~~_~...9!1..e_~£!irt:Ü-nologia liberal   não est~__ e~l_c()n_~iç:~~sc:l~f()r.t1_ec;et;,~~l'lll:>$tjtuição

-" ~J~i2I~_~_!i~~ÜY~_~~_c:l~~-~ª_~~1ªL_-1!l!!ª- jdeº192;ia p o s i H Y - ª , - , _ _Q1J_ seja, uma antecipação teórica e uma estratégia prática capaz deguiar a práxis para uma posição socialmente justa realista e não

 AL~SANDRO tlARATTA

máticas muito heterogêneas entre si; Dãoé possível, ººrj~~º,-se1;':-vir-se contemporaneamente destas diversas!e()Ei~~~,()~()_~~~las'fi:m~-~'~-;--corpus   teórico homogêneo, ~~~~t1~il9-º..Qara_.!!mª_yi-

--sãO'S!~~~f~~~~~c;:c:t~d.~,~_c:t()comp~_rta-i-t1~~t()hum~~o. O resultado- ' s é r I a   extremamente eclético e teoricamente contraditório. A

'~criminolo.gialiberal contempor~neª:', pois, da qual indicamos al-d i í i é i b l

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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guiar a práxis para uma posição socialmente justa, realista e nãomeramente repressiva do problema do desvio e do controle doscomportamentos socialmente negativos,   mas, antes, fornece uma..nova ideologia negativa racionalizante de um siste1!1art:E~_~~~ivomais' atualizado   em relação ao' nível al01Eg!-~() __  p~lº des~!!yº!y!-

--í-nento'dasociedade ca p I~ T Ista~ - '----- ------------O--novo-siSte~~ade controle social do desvio, que a ideologia

das teorias liberais racionaliza, como o demonstra a experiência prática, até hoje, dos países capitalistas mais avançados, pode ser interpretado como uma racionalização e uma integração do siste..:ma penal e do sistema de controle social, em geral, com o fim detorná - 10   mais eficaz e mais econõmico em relação à sua funçª--º

..Erincipal: contribuir Eara a reprodução das relações sociais.de.pro.:-dução. Do ponto de vista da "visibilidade" sociológica, isto signifi-cá contribuir para a manutenção da escala social vertical, daestratificação e da desigualdade dos grupos sociais3• A ideologia

racionalizante se baseia, principalmente, na tese da universalidade.do fenõmeno criminoso e da função punitiva.

2. A   "CRIMINOLOGIA LIBERAL CONTEMPÓRANEA " COMO COf\{/UN-

TO DE TEORIAS HETEROGÊNEAS E NÃO INTEGRÁVEL'; EM 5'1STEMA

Como se observou, cada uma das teorias 1JberaJsex,aminadasda criminologia age de modo setorial em face da ideologia penal dadefesa social, contrapondo-se de modo pontual a aspectos singula-res desta. No ãmbito destas teorias, a teoria do  labe1ingé,   talvez, a

que desenvolve a mais vasta função crí~ica em face da ideologia penal. Todavia, nem esta, nem as outras teorias liberaúconseguem,

cada uma por si, contrapor-se de modo global a toda faixa de im- plicações desta ideologia. Somente sua lli~ta~jçªo con~~..lº!'-=-necer uma alternativa teórica global a ela. Por outro lado, cadauma desta;t~-rias corresponde a premissas metodológicas e siste-

150

guns dos aspectos mais característicos, é uma etiqueta,sob a qual sereunem diversas teorias não integráveis em sistema, cada uma dasguais, tomada em si mesma, representa uma alternativa somente'

 parcial   à ideolO$i~da de[~_~ª_~~_çiª,l.

Mas em que pode consistir a superação efetiva desta ideolo-gia? Os elementos de realidade que ela mistifica são o desvioL2~_comportamentos sq£.ial!!l.en!.~_!1~g!!.!!yº~~~ºpr(),C;~~s,,-d~. çrillli-

naliza~ (definis-ªºJegal ~~_~.!ilE!t1~lida~~_~,p.~~~~.3.!:ljgª9h~~!ivados comE()rta_mentosd~fir.!i4º~_~,,--mº_ç.rimil1-º1!ºS).Trata-se de ele-mentos da realidade social estreitamente interdependentes, porquea natureza seletiva do processo de criminalização, ligada   à situaçãoespecifica das relações de hegemonia entre os grupos sociais, emum dado país, não é compreensível sem ter em conta o grau deobjetiva funcionalidade de certos comportamentos (é o caso daimunização)4 ou de disfuncionalidade   (é ocaso da criminalização)em face do sistema de produção e de distribuição, do qual as rela-ções de hegemonia são a expressão   política,   mediatizada pelo di-reito e pelo Estado. Uma teoria do desvio, dos  comportamentos so-

cialmente negativos   e da criminalização que queira superar a ide-ologia mistificante da defesa social deve poder colher, em suas raízescomuns, estes elementos da questàocriminal,   e situá-los no quadrode uma estrutura social determinada.

Atese da universalidade do delito e do direito penal, implí-cita nas teorias   1Jberais, está no centro da crítica por parte dosautores que atuam dentro da nova   criminologia, ou criminologiacrítica.   Deste movimento, da pesquisa e do debate em curso nointerior dele, nos ocuparemos mais adiante. Aqui urge somentedestacar que a crítica da  nova   criminologia se dirige, principal-mente, para a tese da universalidade do delito. De fato, melhor que qualquer outra implicação das teorias   liberais,   ela ilustra asua efetiva colocação em face da ideologia penal. Enquanto asteorias   liberais,   por um lado, como se viu, representam uma de-

ISI

cisiva contraposição em face das teses particulares que fazem _  parte da ideologia da defesa social, por outro lado, precisamenteatravés da tese da universalidade do delito, elas oferecem a novalegitimação de um sistema penal atualizado, dentro das premis-sas do sistema político tecnocrático próprio das sociedades decapitalismo avançado, e preparam a nova ideologia dos juristas

d d t i t Ast o J ª l ikerªj ªg p ºrJª !ltº p QJ'ta

ALESSANDRO BARATIA

3. O ATRASO DA CIÊNCIAJURíDICO-PENAL: A SUA HCASSA PERMEA-

 B~L~DADE  As   A()UlSJCÔH DAS C,ÊNClA."- SOCIAIS.

A ideologia substitutiva construida pelas teorias   hberais   con..temporãneas da criminalidade é uma ideologiacomplexa, que supe-

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adequada a este sistema. Ast~.oxJ-ª~l.ikerªj~~ªg,-p-ºrJª.!ltº,_p.:QJ'ta-

doras de uma ideolºgi<!-J1eg#lly.fL~J.!lJs.tUlltivada id~ologiª-trªªi:-~i;;nal d~-def~;a social, sOlJr~__ a._q!-l:~Iº-RensamentQ.4.o~l1Jristasapa~e~~ai~d~.~9ii~ª~;~!1te allç.QIa4ü.O conteúdo desta ideol6-gi~ -sui;~titu.ti~aapresenta, obviamente, momentos e matizes di-versos conforme as diversas teorias que dela são portadoras;,

mas o seu núcleo comum foi bem individualizado do seguintemodo:

Temos dito que a canlcteristica essencial da criminologia bur-

guesa   é li assunção fundamental da criminalidade como um fe-

11õmeno social aistórico   c : ,   portanto, em linha de princípio,

ineliminável. Mas se a criminalidade é um fenõmeno social

ineliminável,   o são, também, as suas causas. A luta contra a

crimin alidad~LP'q! is~0_!!ã..q.pq.~J~l~~"s..._sj$.nifiç~!'._!!...!u..!!!l?C}n.!r.a---as c;usas   -d~-criminalidade, mas somente para tornar efetivas

as-;i7-;didas--;;i;;C ; ; ; ; ; i ; ; ; / e   so~ial, como único meio para reduzir aamplitude   da criminalidade. Como causas do delito aparecem,

em última análise, só aquelas condições que tornam mais difícil

ou impedem o efetivo controle e, portanto, não as condições

que,   por si, tornam necessário o controle social.   Corresponden-

temente, a critica dli sociedade   é   realizada, e a transformação

da sociedade   é   favorecida, somente no limite em que, através

delas, se torna possível um mais efi"cazdomínio do potencial

social de conflitualidade. Na sua conseqüêncül prática isto sig-

nili"canão tanto a eliminação   da necessidade de assistência, mas,

 principalmente, a extensão   da assistência. Na medida em que

são aqui indicadas estratégias práticas, parece que elas se redu-

 zem   li  exigência de criar as condições para uma socialização naqual seja assegurado o oferecimento de chances minimas de re-

cuperação e de compensação para meninos que não têm expe-

riência de tudo   oque..torna vantajosa a medida de confonnida-

de requt'rida pela leI.

152

ra os pressupostos éticose metafísicos que ainda se aninham na ide-ologiapenal da defesasocial (principio dobem e do mal, principio deculpabilidade etc.) para pôr o controle social do desvio na típica plataforma tecnocrática, reformista e eficientista que caracteriza a

mediação política das contradiçôes soCiais,nos sistemas de máximaconcentração capitalista. A estratégia político-criminal correspon-dente às exigências do capital monopolista é, portanto, baseada: a)sobre a máxima efetividade do controle socia1.ªª-sfQ.rnlliSdeJi.e.s.viodlsfuncloniisao sistema de valorização e de acumulação capitalista(delitos.contrn. a pr02n~4a~~ u -~ • •  desvL~nP~!í!i~92;~~~J:Úp~}lyeI~_~!!1a

-medida-[;1í~inla  d e  tra-tlsformação do próprio sistema; 1:?tsºQr~a-ITiaxínlidmiii1idâ~.~_asse~i~4~?C;lTIPºrt~~~len~~Jiº_çllilmente d a--n o s o s e  ilícitos, mas funcionais  ao sistema (poluição, criminalidade-põ1ítlca,conIuiõentre   ó f iã o s  do-Êstãdoeinieiesses-priv~d~~).ou queexpririlenl.sá contradições internas ~~~.$!~Pº~~o,?!~ishegemônicos(certasfõrmas-dedeÜtos-econôfllicos relativos à concgrrêncüLeao

~~ntagonfsnlOeiltre-iruposCãPitalistas:~~__ ~_~;?:e_~~9-u~~~teJações deforça entre eles não-2~rmitemo predQ!nínjQde.!!DJisobre.....Quíros).

O fato de que osjuristas, na atual fase de desenvolvimento daciência penal, não tenham sequer chegado - na generalidade doscasos - a pôr-se em condiçôes de receber a nova ideologiaracionalizante preparada pelas Escolas sociológicas   1Jberais   con-temporãneas, não significa tanto que tenham exercido um controlecrítico desta ideologiae, por isso,a tenham rejeitado, quanto, prin-cipalmente~J2.~!"!1l,!~.c:.~!':.am_~j:X.~.~!ll.X~JflSáo.ªg._(i.~1i~nvolvi-mento da ideologiaburguesa, continuando ainda portadores da ide-ologia de oi1tem,in-éptos'para o papel que lhes seria atribuído noãmbito de uma política criminal adequada ao nível akançado pelasociologia burguesa e, portanto, às exigências correspondentes aoatual sistema de valorização e de concentração capitalista. No ãm-

 bito da cultura burguesa, a ciência social representa o momentoracionalizador e reformista, a ciência jurídico-penal, muitofreqüentelllente, o momento conservador ou, até, reacionário; a

153

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

 primeira está voltada para o desenvolvimento futuro do sistema, asegunda parece ainda ligada a fase~já superadas dele.

A forte discrepância que se fomlou, assim, entre o nível de ra-cionalizaçâo alcançado no âmbito da ciência social burguesa e onível da ideologia penal, corresponde a condições históricas preci-sas. Não se olvide que o divórcio da ciência social e o desenvolvimen-

 AL~SANDRO BARATTA

da à obra dos juristas. Os operadores sociais que atuam no âmbitodestes outros setores do sistema de controle do desvio estão, na suaformação profissional, muito mais diretamente em contato com acultura sociológica liberal, e dela se tornam, por isso, portadores, noexercício da sua atividadade profissional. Isto em parte compensa,

._!la economia g~ral d~ sis~_l!~~ at!:~~_.~ ciê!!9~j!l..!ÍAi.çº:.-~.nal.e

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qto das correntes formalistas e técnico-jurídicas se produziram noclima cultural correspondente, na Europa continental, à involuçãoautoritária e reacionária dos regimes políticos: pondo de lado a pró-

 pria ciência social burguesa, os regimes fascistas mostraram   lam-

 bé m _p r. ei er ir .. em   um ti12Qde jurista sociologicamente desinformado e-PO..r.tadQr.JkJunªjd~Q~a atrasada, compatível, embora nem sem:- pre idêntica, com a ideoloz!a oficial do faS9isII!.<?De resto, na Itália,Arturo Rocco, o fundador da orientação técnico-jurídica na ciência penal e o inspirador do Código Penal de   1932  (infelizmente ainda ocódigo vigente na Itália republicana), era um jurista oficial do rezi- .me fascista.

Contudo, esta discrepância, em parte, responde também ao fatode que o papel das medidas penais e, portanto, dosjuristas, no desen-volvimento atual do sistema de controle social do desvio, tende a

 perder a importância proeminente que tinha anteriormente: na   ~ - = -

tratégia burguesa do controle ~cial do desvi,?, o momento 'pe~_~,-.~p.J:etudo, a pri~9J.J~nde cada vez mJ!!~-ª_tg_tn.l!r:~~:U~xnmormmtQ'~çJJnªª.riº~.~. Será útil precisar, todavia, que não se trata de umadiminuição absoluta do peso do controle penal em relação às situa-ções precedentes: na maior parte dos casos, o peso  absolulodo   siste-ma penal aumenta ..Trata -s~.d?d!1cip-ª[email protected]ª-ªimi:n.yjçãº[Yjativa   .~_nu:elaç-ªºJ!.º1Jtra.~f(lt"m J!.sj!u 'Jª iç~lS_ .m lº:: 'p -enIDsG (aclm ini ,s-

 _f:.1::~tiv~s:PQrexel!Wlº,-ª.£lSS!ªtªnç!ª~QÇif!ll-con.1ijçler..ª-dgtnª~~funç.ãQ...çte_.~_1]!!º.1.ç)_ºyn-ªº-::iutid.ica-ª.c1~.çºl}!!ºI~_@Çi,ª1{p~n~7.~~,P.9X_~~.!.n-..pJº,n£.l..º rgªnizª@ º_çie.nti .f iça4ºJn!.Qª'thº, .!Ja..p.rºP-ª8ªn~, . . .nQs  m,¥s

. . ! . ! !ed !~.J .na publicida~em todos os mecanismos que têm a função de

regulamentar e de condicionar não só os comportamentos e as atim-des, mas, também, as idéias, nas sociedades industriais avançadas).Outras formas de controle, ligadas, mais que às instituições pe-

nais, às técnicas de assistência, de socialização, de intervenção sobrematrizes comportamentais, ao uso dos meios de informação etc., in-tegram, pois, nesta estratégia global, aquela mais estreitamente liga-

154

g j çdos métodos acadêmiç_Q~ge.fº.n11a£ªº_.dQ~jyri~.ª..s,.e.mface_dº_d~s~;m-volvimento da ciência soç.ill.Lk~!"Z!!~sa.Ainda que explic.ivel com ascondições históricas às quais se aludiu e em parte cOi..lpensável nointerior do sistema complexo de controle social do u.esvio,o atraso da

ciência jurídica em face da ciência social contemporânea é enorme.É recupel"ável este atraso? A tese que queremc- aqui propor é

que não o é. Disso deriva que nâo é mais possível reconstruir ummodelo integrado de ciência penal fundado sobre o caráter auxili-ar da ciência social em face da ciência jurídica, ou, em todo caso,sobre o caráter científico dos dois discursos, tomados na sua auto-nomia: o discurso do cientista da sociedade e o discurso do jurista.

O atrasonâo é superável porque a ciência jurídica formal nãose revela em condições de refletir e de superar a própria ideologianegativa. A crítica e a superação desta não provêm do interior, masdo exterior dela, por obra de uma ciência social com a qual, de

resto, a ciência jurídica nâo conseguiu encontrar, ainda, uma novarelação Je colaboração. Com maior razão, a ciência jurídica nãoseria capaz, uma vez realizada a superação da própria ideologianegativa, de construir, a partir dela mesma, uma ideologia positiva,ou seja, uma estratégia de controle dos comportamentos social-mente nocivos ou problr--máticos, alternativa ao atual sistema re-

 pressivo. Também para a construção de uma nova estratégia polí-tico-criminal a ciência jurídica está, agora, inteiramente entregueà contribuição da ciência social.

4.   POR   UM NOVO MODELO INTEDRADO DE CIÊNCIA PENAL: CIÊNCIA

SOCIAL E TÉClv/CA jURíf)fCA.

Se o acima exposto é a relação de dependência do discurso jurídico em face da ciência social, no âmbito da práxis teórica con-temporânea, no lugar do clássico modelo integrado de ciência pe-nal pode surgir somente um novo  modelo,   em que a relação entre

155

CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

ciência social e discurso dos juristas não é mais a relação entreduas ciências, mas uma relação entre   ciênda   e  técnica.   Por   técnica

 juridica   se entende, com efeito, a preparação de   instrumentos

legislativos (técnica legislativa),   interpretativose dogmáticosem   vistade finalidades e de opções político-criminais conscientemente per-seguidas no ãmbito da correção lógico-argumentativa e da

Esta segunda questão se refere à alternativa, que caracteriza odebate das escolas na ciência social contemporânea, entre uma ci-ência social   neutra   em relação aos valores e às escolhas práticas, euma ciência social   comprometida   na transformação do próprioobjeto, ou seja, uma ciência social em que a interpretação teóricada realidade seja dialeticamente mediada com o interesse e a ação para a transformação da realidade, no sentido da resolução positi-

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seguidas no ãmbito da correção lógico argumentativa e dadiscricionariedade valorativa atribuída ao jurista, nestes diversosníveis da própria atividade, pelo sistema jurídico-político. Estedeveser considerado não somente na realidade normativa existente (e,

 portanto, nas mais ou menos vastas opções políticas   consentidas na

interpretação e na construção dogmática dele), mas também nasua ampla transformabilidade no quadro constitucional e, pois, nadinãmica das relações sociais de produção que prevê e indicai ..

A indicação do momento técnico-jurídico e da sua dependên-cia da ciência social, no âmbito de um novo modelo integrado deciência penal, pretende ser tudo menos uma   capitis diminutio   do

 jurista, tudo menos sua redução a   técnico  da sociedade. Ao contrá-rio, ela quer suscitar a consciência de uma nova dignidade científi-ca da atividade do jurista, indicando claramente a sede em que estadignidade deve poder se realizar. Ele será cientista, e não mero téc-nico, na medida em que, finalmente, se tornará um cientista social

e sustentará com a ciência a sua obra de técnico. O caminho élongo, a meta é distante, os pressupostos implicam, entre outros,uma radical revisão dos métodos de formação do jurista, da qual,

 para sermos otimístas, se vislumbra só o princípio. Mas na atualcrise da ciência jurídica e das novas relações com a ciência social,a alternativa que se coloca para o discurso técnico-jurídico é a detomar consciência da sua natureza técnica, reencontrando, em umavisão científica da realidade social e do seu movimento, do sistemade necessidades individuais e sociais, o fundamento teórico das  es-

colhas práticas de que ele é o instrumento, ou então permanecer enredado na ideologia   negativa,   perpetuando a sua função de por-

tador inconsciente de escolhas políticas que ele, continuando nolÚeS1110divórcio da ciência social, não pode controlar.,

Que características deve ter uma ciência social capaz de as-sumir o papel crítico e reconstrutivo indicado, no novo modelo in-

tegrado de ciência penal? Mas, antes de tudo, de que tipo de ciênciasocial pode se tratar?

156

va das contradições que constituem a lógica do movimento objeti-vo dela, da satisfação das necessidades individuais e sociais, no seu

conteúdo historicamente determinado, isto é, correspondente aoefetivo nível de desenvolvimento que alcançaram, em uma dada

sociedade, as forças produtivas, em relação aos bens materiais, àqualidade da vida. Somente uma ciência social comprometida, pen-samos, pode desenvolver um papel de controle e de guia em rela-ção à técnica jurídica. A natureza   dialética   da mediação entre teo-ria e práxis, que caracteriza este modelo de ciência social, é a me-dida do caráter racional do seu compromisso cognoscitivo e práti-co. A mediação é dialética quando o interesse pela transformaçãoda realidade guia a ciência na construção das próprias hipóteses edos próprios instrumentos conceituais e, por outro lado, a recons-trução científica da realidade guia a práxis transformadora, de-senvolvendo a consciência das contradições materiais e do movi-

mento objetivo da realidade, como consciência dos grupos sociaismaterialmente interessados na transformação da realidade e na re-

solução positiva das suas cont:'adições e, portanto, historicamente portadores deste movimento de transformação. Isto significa que,em uma ciência dialeticamente comprometida no movimento detransformação da realidade, o ponto de partida, o interesse prático por este movimento, e o ponto de chegada, a práxis transformadora,estão situados não só na mente   dos operadores científicos, mas prin-cipalmente nos grupos sociais portadores do interesse e da forçanecessária para a transformação emancipadora.

A tomada de consciência das contradições e do movimento

emancipador da realidade, desenvolvida e acelerada através da ela- boração científi.ca e da difusão dos seus resultados entre os gr~pos

sociais materialmente intessados na liberação de tal movimento,faz desses grupos, no sentido político, uma classe   capaz   de trans-

formar e reverter as relações de hegemonia e a sua atual mediação

157

 política. Na atual fase de desenvolvimento da sociedade capitalista,o  interesse   das cl~~~_sul;JªltçJ'nªs._.éQ_  ponto de vista  a partir do

--qyar~~c()lo~çª-¥mª teQrja~0_ci~l1çomp-I'0ll1etida,.nãona C.:lnserva-ção, mas na transforrnaç~o positj.y-~,()useja,emancipadora,ºª r~-:-alidadé social8~O jnteresse das classes subalternas e a força queelas são capazes de desenvolver são, de fato, o momento dinâmicomaterial do movimento da realidade. Uma teoria da sociedade-_ 

ALESSANDRO BARAITA

XII. Do   "LABELING ApPROACH" A UMA

CRIMINOLOGIA CRÍTICA

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dialeticamente comprometida no sentido supradito,   é  ;.tma teommaterialista (isto é,  econQ.mico-políti~_ da r~alidadlq...Q1l_e._enc.on-

i!:ª_~_s~~remissas, en).1?~rticular,_~i!-.!~gl:!~_ nãº--~çl~~!Y.ªtl}çl1-te, na obra d~MaJ.:x e_nº.Jnª.t~r!ª"lsm()_h~.tºriçº __ ql:!~_g~la..P¥te,

 No interior destas premissas está em curso, atualmente, um processo de elaboração teórica voltado para a construção de umateoria materialista do desvio, dos  comportamentos socialmente ne-

gativos   e da criminalização. Ela representa, segundo pensamos, omomento emergente e mais suscetível de desenvolvimento no âm-

 bito do movimento geral da   criminologia critica,  que representa,hoje, a alternativa teórico-ideológica   à  criminologia 1Jberal

lS8

CRIMINOLOGIA CRÍTICA

1.O MOVIMENTO DA "CR.IMINOLOClA CR.íTICA" 

Com as teorias da criminalidade e da reação penal baseadassobre o   labeling approach   e com as teorias conflituais tem lugar,no âmbito da sociologia criminal contemporânea, a passagem dacriminologia liberal   à   cnininologia critica.   Uma passagem, como

 parece evidente da exposição feita nos capítulos precedentes, queocorre lentamente e sem uma verdadeira e própria solução de con-tinuidade. A recepção alemã do   labeling approach,   em particular,é um momento importante desta passagem.

Quando falamos de "criminologia crítica" e, dentro deste movi-mento tudo menos que homogêneo do pensamento criminológico con-temporâneo, colocamos o trabalho que se está fazendo p,!ra a cons-trução de uma teoria materiali~ ou s~--,~çºnºmico- política, do des-vio, dos   comportamentos soclaJllle11.tk.11_~alivoseda-Crimjnalização,_

um trabalho que leva em conta irntrnmentosconceituais.e-hipó.teses~abora~~_!.l0 â~]::>itQ_do_ !1~~r~~!!~º,não só estamos conscientes darelação problemática que subsiste entre criminologia e marxismo, masconsideramos, também, que uma semelhante construção teórica não pode, certamente, ser derivada somente de uma interpretação dos tex-tos marxianos, por outro lado muito fragmentários sobre o argumen-to especifico, mas requer um vasULtrab..alhº--dJ;~-P.bservaçãoempírica,

-llil...quaI.já.s~_p.ode.mdiz~r--ªªq!JÜ:i--ªº1i_gªçtº$-ª.s_sª~ÜI!QQrtª--ntes,mujJ.QSdQS_q1m~.fºrªIt1.çol.hietº~-<~J~1ªººmdosem.s::ontextosteóricos diversos

-9 _ Q _ m ªr~ sr .n ().  Por outro lado, os estudos marxistas sobre o argumentose inserem em um terreno de pesquisas e de doutrinas desenvolvidasnos últimos decênios, 110ãmbito da sociologia  1Jberalcontemporânea,

que prepara~am o terreno para a criminologia critica.

159

CRIMINOLOCIA CRI'fICA L CKITILA  UUUI"LIIV r  L " " L   AL~SANDRO BARATTA •E   tudos devem levar em conta o desenvolvimento a1can-sses es . . ., 1 b

çado pelas correntes mais avança~as. da sO~IOI~.lacrul1ln,a ur-guesa, e pelas outras correntes da cnmmologIa cntIca, tambem parafazer uma rigorosa revisão crítica interna delas: um trabalho que, por muitos aspectos, bem pode tomar como modelo o q~e Marx fezem face da economia política de seu tempo. Neste sentIdo, p~~sa-mos que o emprego de algumas hipótes s e instru:nentos teoncos

tanto, principalmente, na superação do paradigma etiológico, queera o paradigma fundamental de uma ciência entendida, naturalisti-camente, como teorlªçlas ca1.!~ªsda criminali4ªçie.b superaçãodeste paradigma comporta, também, a superação de suas implica-ções ideológicas: a concepção do desvio e da criminalidade como 1realidade ontológica preexistente à reação social e institucional e a '

it ã íti d d fi i õ l i i í i d

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mos que o emprego de algumas hipótes~s e instru:nentos teoncosfundamentais, extraídos da teoria marXIsta da socIedade, pode le-var a criminologia crítica além dos limites que aquelas correntesencontraram, e permitir, em parte, reinterpretar seus resultados e

aquisições em um quadro teórico mais corret? . . , . A   plataforma teórica alcançada pela crllllln?logI~ cn:lc~, e

 preparada pelas correntes mais avançadas da socI01~I~ c~llllmalliberal, pode ser sintetizada em uma dupla co.ntra'p0s~ç~oa velhacriminologia positivista, que usava o enfoque bIOPSIcologICO.Comose recordará, esta buscava a explicação dos comportam~n~oscriminalizados partindo da..frin1inª!iciª-ª-~.como1,!mda9Q-ºXl~()J9gt..f~._  p.r.eJ:;onstilliigg_il_....r..e~àosoçial_~-º-cii!'~it~~a.l. Record~r- se-a,também, como tal criminologia - que conta alllda com nao p~u-cos epígonos - pretendia estudar nas suas ."causas" ~al.dado, lll-dependentemente do estudo da reação SOCI~~e d? .dIreItO penal.

 Nos capítulos precedentes repercorremos o Itmerano que c.ond~-ziu através do desenvolvimento de diversas escolas de SOCIOlogiacri~1inal dos anos   30em diante, ao limiar da criminologia crítica.Duas sã~ as etapas principais deste caminho. Em primei.r~ luga~, o   Ideslocamento dO~!ljoque teórico do autor para as condlçoc:s oble-   !tivas, estruturais e funcionais, que estão na origer:n dos fenomenos_{do desvi,!. Em segundo lugar~-º-çks1.QQlm~m_Q.gº_mt~resse~-1

~

GitiVOdas   causas   do desvio criminal para os mecamsmos SOCiaISe'd "   r d d . 1"institucionais através dos..ill!.ªis é construI a a rea I a ~ SOCI~

~do desvio, ou seja, 12arao~ nwcani~mQs...a.tray..é.s_.dosAuais..são....c~la-.da.s..e..atmQldasª-ut~fini_çQe.~ _4~Jie.~viº.ç.çk_çximjnaUS:ill4~~ _I~ªIXl.a-~dos os processos __de._çxim.inalização. Opondo a6 enfoque

\biop~icológico o enfoque macrossociológico, a ~rim~nol~ia crítica\ historiciza a realidade comportamental do deSVIOe Ilumma a rela-~.ção funcional ou disfuncional com as ~strutura~ so~ia~s,_como de-I   senvolvimento das relações de produçao e de dIstnbuIçao. O saltoi , !   qualitativo que separa a nova da velha criminologia consiste, por-:.-

160

I

aceitação acrítica das definições legais como princípio deindividualização daquela pretendida realidade ontológica - dua~{._._ atitudes, além de tudo, contraditórias entre si.

Na perspectiva da crilninologia crítica a  crinlin'!-J~dad<::._p..~º..~ . '-"-,/,

mais uma gualid4de ontológica de determinados COIT1.PQrtª-m~ntos\ :J> ,e de determi:t:la49~_indiy.l4~.9~_!!1--ªSsuevela, principal.!nent~,s;;()-mO   : J

um   status  atribuíçl..Q.ª_ de~~l}l1inadosindivídu~.l11edlª!!!f.. unl~uilJ-   ! pIa se~eçi.i~: __ e111_p~iIl!ei!,<:>J!lg~r.,_Hª __ .sele~º ªº l'_p~n~_pr9t~Z!.çlº-~pe-nalmente~_~.9~.£9m12ortamentos ofensivos de,')Jej~Lb.ens, __ descritQsnos tipos Eel!.~js;em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estig-matizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a nor-mas penalmente sancionadas.   A   criminalidade é - segundo uma"interessante perspectiva já indicada nas páginas anteriores1 = ..un!..,_ "bem negativo"2, distribuído desigualmente conforme ahie~_arguia   i ,   i'.'.'~,dos interesses   I f X ã ,f a - 'nosistenlã-;Ócic;=-~-;;o-;:;(;~~ko--~..c~'~f~nnea "aêsizu.a!cfade-~odai entrêos.indlvíduo;.--------- ..-------::::.   C _.::-'

2.   DA CRIMINOLOGIA CR.ÍTICA  A   CRíTICA DO DIREITO PENAL COMO

DIREITO IGUAL POR EXCELÊNCIA

O momento critico atinge a maturação na criminologia quandoo enfoque macro-sociológico se desloca do comportamento desviante para os mecanismos de controle social dele e, em particular, para o processo de criminalização.   O direito penal não é considerado, nesta ";critica, somente como sistema estático de normas.-.ma~QlllQ...Sistemª

dinâmico de funções no qual se  vvv'l

em distimmir três mecanismos----.---- • - •••••••••••• , _ -. ,. __ . _ •••••• __ •• _. ,_ ••• _~ ••_. _"' -' ••••• H •• _ ' "

  '-"0"'--- ...- .------------.-.------.,.-,-.-

.a.naJi~'1eis..sepa.ra.damente:.o.mecanismo da produção das normas(criminalização primár.ia),.Q .me.ç-ªnj~mo_gª,ªp.U,çªÇªº..9<:l-;S_D.Q.r}!lGlS,.istoLo proces~znal,S.QJ.ll.P.re_~t1.4e}}-ªº_.ª_~<lº.9Q~g.r$ªQsq~.jnyç~tisªçªºe-_culminandQ.ÇQDLQJ~i.Z(),_(çril!l.inalização"~~undária.),e, .enfim, olllecanislUo.da_~~\lçãº~çl,!.~nª_º!J_ºª~m~g,~g~_~rªnça.

161

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIJU:1TO rENAL

Para cada um destes mecanismos em particular, e para o pro-cesso de criminalização, tomado no seu conjunto, a análise teórkae uma série inumerável de pesquisas empíricas conduziram a criti-

ca do direito penal a resultados que podem ser condensados emtrês proposições. Estas constituem a negação radical do mito do

I   d"t' 1 . d   Wli~,..qu'" "'stá na base..direito pena como IreI o Igua , ou seja, _Q  MH"~"'~~"'" __    .".'hn_._

da ideologia penal da defesa sQcial b* dominant 3 O mito da

A L~ SA ND RO B AR AT T A

tos negaiÍYJlS...Realmente, são estes dois - o do contrato e o da distri- buição - os pontos de vista sob os quais os textos marxistas, e em particular a   Critica do prcgrama de Cotha, introduziram a análise do

direito desigual burguês.   O primeiro, cm"responde à contradição J~ntreisualdade formal dos indivíduos, cOI~~Q..suieitos .iurídiCO~.JIO si~te~ll

 btu:guês do direitº-ªbstratº"_~-.4es~l:!lª,ªªç2.ub~tancial nas posições

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da ideologia penal da defesa sQcial -   b   dominant~.3.   O  mito daigualdade pode ser resumido nas seguintes proposições:

a) o direito penal protege igualmente todos os cidadãos contraofensas aos bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados

todos os cidadãos (princípio do interesse social e do delito natural);b) a lei penal é igual para todos, ou seja, todos os autores de

comportamentos anti-sociais e violadores de normas penalmentesancionadas têm iguais   chances   de tornar-se sujeitos, e com asmesmas conseqüências, do processo de crimi,nalização (princípio

da igualdade).Exatamente opostas são as proposições em que se resumem os

resultados da critica:r    a)   o direito penal não defende   iodos   e somente os bens essen-

ciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidad~os, equando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensIdade

desigual e de modo fragmentário;b)   a lei penal não é igual para todos, o   status   de criminoso   é

distribuído de modo desigual entre os indivíduos;c) o grau efetivo de tutela e a distribuição dó   status   de crimi-

noso é independente da danosidade social das ações e da gravidadedas infrações   à lei, no sentido de que estas não constituem a variá-vel principal da reação criminalizante e da sua intensidade.

A crítica se dirige, llQrtant~ ao mito do direito penal cOlJ.!.º--º. _4ir~i.t~Ljg9_~l.lli?~~£.el~~ciª,-.J~la mostra que o direito penal não   é

menos desigual do que os outros ramos do direito burguês, e que,conh"ariamente a toda aparência, é o direito desigual por.e}{celência.

Já um importante filão de estudos no âmbito da teoria marxistado direito aprofundou a análise da desigualdade, partindo do ponto de

vista civilístico do contrato. E, partindo do ponto de vista da distribui-ção, tal orientação de estudo dirigiu a atenção sobre a desi$ual ~istri::- bI!ição   d as r ecu r so s   e  das gratificações   so.ciais,....a.u...seja,..dos....atributos positivos de   'lfat1l'l,  mas de.i..xando.na.so.mhra.a distribuição dos atribtL-

162

que ocupam como indiyíduos .!'~~l'..!!~...J::.~~-ªQ..~ial de-.l2!.odt!s:AQ.Àigual liberdade formal dos sujeitos no momento jurídico contratual dacompra e venda da força de trabalho se segue, no momento real da

 produção, ou seja, do consumo da força de h"abalho, a subordinação e

a exploração do homem pelo homem. Haver separado estes dois mo-mentos é, nota Marx4, a obra-prima de abstração da economia vulgar.

A crítica da ideologia do direito privado consiste, pois, em re-construir a unidade dos dois momentos, desmascarando a relaçãodesigual sob a forma jurídica do contrato entre iguais, mostrando

como o direíto igual se tansforma no direito desigual. Este é   < ? P ! : ! .: : -

meiro asp~fJQ..c!'.l_~ti.!JC'!.I!.lªr~i~.t~l.~() ..qix.~itº.:-ºª$P~ç.to relªtiYQ .a,Qcontrato. Sob o segundo aspecto, aquele relativo   à  distribuição, adesigualdade substancial é vista como o acesso desigual aos meiosde satisfação das necessidades. Na sociedade capitalista, o princí-

 pio da distribuição deriva, imediatamente, da lei do valor que pre-

side   à troca entre força de trabalho e salário. Também deste segun-do ponto de vista, a igualdade formal dos sujeitos de direito se reve-la como veículo e legitimação de desigualdade substancial.

A desigualdade real na distribuição permanece, ainda - estaé a conhecida tese da   Crítica do programa de COlha-   na primeirafase da sociedade socialista. Apesar de ser radicalmente transfor-mada a estrutura econõmíca com a instauração da propriedadesocial dos meios de produção, a herança do direito burguês comodireito da desigualdade caracteriza, ainda, llma sociedade em que

o socialismo não está perfeitamente realizado.   O direito não podeestar acima do estádio alcançado pela sociedade: isto vale, tam-

 bém, para a sociedade socialista. Nesta fase, o princípio da dü;tribuição não   é  mais o do valor 

de troca, mas o principio do trabalho izua1. A igual trabalho, igualretribuição. A desigualdade que deriva da apEcação deste princí-

 pio formal   é indicada, por Marx, no fato de que uma tal distribui-ção não -leva em conta a diversidade de capacidades e de rtecessi-

163

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

dades entre   OS  sujeitos. Também no deslocamento do princípio dovalor para o princípio do mérito, pois, o direito, na sociedade detransição, conserva a característica ideológica própria do direito

 burguês: a de abstrair a real desigualdade dos sujeitos, contribu-indo, com a igualdade formal, para reproduzir e legitimar o siste-ma de desigualdade substancial. Em ambos os casos, a abstração

r'   No que se refere à seleção dos bens protegidos e dos compor-tamentos lesivos,o "caráter fragmentário" do direito penal perde aingênua justificação baseada sobre a natureza das coisas ou sobrea idoneidade técnica de certas matérias, e não de outras, para ser objeto de controle penal. Estasjustificações são uma ideologia que"--\,cobre o fato de que o direito penal ~nde a privilegiar os inter:.e~~esdas classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização

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\1

, 1

J

consiste em prescindir das reais características sociais e antropo-lógicas-dos indivíduos, vendo neles somente o sujeito de direito.

A superação do direito desigual burguês pode ocorrer, por-tanto somente em uma fase mais avançada da sociedade socialista,,

na qual o sistema da distribuição será regulado não mais pela lei dovalor, não mais pela quantidade de trabalho prestado, mas pelanecessidade individual.

3.   k;UALDADE FORMAL E J)E~jr;UALUAUE SUBSTANCIAL NO DIREITO

PENAL

 No âmbito da teoria marxista do direito o enfoque privadocontratual se revelou particularmente fecundo para a crítica da

 justiça civil burguesa. Mas de não menor importância para a aná-

lise das relações de desigualdade capitalistas é a crítica da justiça penal burguesa. O sistema penal de controle do desvio revela, as-sim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entreigualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancialdos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação às  chancesde serem definidos e controlados como desviantes. Em relação aeste setor do direito a ideologiajurídica da igualdade é ainda maisradicada na opinião pública, e também na classe operária, do queocorre com outros setores do direito.

(lprogresso ..cuLanálised o . ~i~tema12en~S_QnlQ.~ist~J!illd~direitQ.9~~al, é constituido pela passagem da descrição da fenomenologia

da desigualdade à interpretação dela, ou seja, ao aprofundamento dalógicadesta desi$ualdade~_I~te~P!~fundamento..lanç~l~~.s.9E.reo.ne~~funcional que   liga   os m.e.c.anis.ulQS-.s.elctiY-.QS-.d..Q.lIT.QC.e.ss.u...decriminalização com a lei de_.ç!~~l1Volyjill~ntºdªfºrmªçªº~çºnQrt1içª

em que vivemose com as cQnª-k.~.H~SímW...rJ!iS.PrQl2..t:ill.s..da-fase..atualdeste desenyolvimento, em  de.terminadas_á.t:.eas...o.u.SQGi~.e$..nªçionais.

164

das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalizaçãocomportamentos socialmente danosos fíptcos-dos-individuosa'elas

 pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação. : > •

capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalizaç~o, pril}£i-."   í

 palmente, para_formas de desvio típicas das classes subalternl!~Isto ocorre não somente com a escolha dos tipos de cQmp.ortamen- ')

tos descritos na le~~...£.~E~_.~~~~~~~ai!l.t~.!:1~i~£H.!~(ta.-a.-meª?ª-p~n.al,: ..'que freqüentemente está em relação inversa con.!_ª-~anosldadesQ:: ".   r!(

daI dos comportamentos, mas com a própria formulação t.é.crucados tipos  !.çzªj~.Quando se dirigem -ª,~mportame!:!tº~jj.Qiços dQl"_'indivíduos pertencentes às classes subal~!n~s, e que contradizemàs relações de produção e de distribuição capitalistas, eles formamuma rede muito fina~ng~anto a..!:~.ge~ freqüentemente mui!~)?T-   'i

~-uuando os tipos legais têm por QQj_~º-ª-criniinallg-ª-ct~~.çºJl9!:ni-i

(d4e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos perten-   !

~tes às classes no poder.Os mecanismos da criminalização secundária acentuam ain-

da mais o caráter seletivo do direito penal. Noque se refere à sele-ção dos indivíduos, o paradigma mais eficaz para a sistematizaçãodos dados da observação é o que assume como variável indepen-dente a posição ocupada pelos indivíduos na escala social.

As maiores   chances   de ser selecionado para fazer parte d~_ \

"população criminosa" aparecem, de fato, concentradas nos ní- \veis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos mar- )ginais). A posição precária no mercado de trabalho (desocupa-

. ção, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de   Isocialização familiar e escolar, que são características dos indiví - \duos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na criminologia';   !,"

 positivista e em boa parte ª--l:!_.friI:l!inolggi.ªlJp~£~LCº-1}!.eJ.}_1l?-ºJ:ªD.ea:f 'isão !!lc!lc..~cl()s~g.~n()~scausas ~~~!'iI1)~n~!idad~L!,~vel,!!11ser, an-

.tes,.. _cg}!.º-tªçº~.s.s-ºb.r~'-~' b~~~-_-ª-asq~ai.s  9   s:f.ªfªLd~_.ç.rÜnÜ.1Osoé \atribuídoS. .- ..--... . ,/

165

CRIMINOLOGIA CRITICA   £   CRITICA DO DIREITO rENAL

4.   FUNÇÔE'; DESENVOLVIDA.'; PELO Sl,)TEMA PENAL NA CON,)ER.VA-

ç'ÃO E REPRODUÇ'ÃO DA REALIDADE .,>nCIAL

Ao aprofundamento do caráter fragmentário do direito penal edos mecanismos seletivos do sistema contribuiu, não só a investigaçãosociológica teórica e empírica, mas também uma recente historiografiasobre o sistema punitivo na sociedade capitalistaG

•  O aprofundamento

 ALESSANDRO BARATIA

carcerária, que nasce.e~l c0t1j.Y~t()com a sociedacf.e capitalü;ta eãCõinp~,!)P-!l.a.~~~ históriai.   Em uma fase mais avançada, este ele-mento não é mais suficiente para ilustrar a relação atual entre cár-cere e sociedade, mas permanece, em todo caso, a matriz históricadesta e, de tal modo, continua a condicionar sua existência.

Por isto, a.função do cárce.re._na--pro_du~.ã.o.de_jnd.~id_uQs.de.si.=:.'---i éJJ 9j ã º i l?Q tª t ! ht l t á I O O Y ?

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da relação entre direito penal e desigualdade conduz, em certo senti-do, a inverter os termos em que esta relação aparece na superfície do

 _Jenômeno descrito. Ou seja: não só as normas do direito penal se for-ímam e se aplicam seletivamente, refletindo as relações de desigualda-

de existentes, mas o direito penal exerce, também, uma função ativa,de reprodução e de produção, com resPeito às relações de desigualda-de. EI}l primeiro lugar, a aplicação seletiva das san.ç~~~nais e~

~antesp e ~cialmente o c4rcere, é..!!m.l1J.QJuentosul2e.r.~~~!!£~~Jrara a manutenção da escala ;ertical. d~ ~ieda4~. Incidindonegativamente sobretudo no  status SOCIaldos mdIV1duospertencentesaos estratos sociais mais baixos, ela age de modo a impedir sua ascen-são social. Em segundo lugar, e esta é uma das fu~imbólicas da

\:~till,_-ª..l2!i!.liçãode certos compOliamentos ~leza:~s_.~rve para cobrir \~l   nún~ro mais amplo d.ec.on1J?.2rt~!.~tosl1~~'hq1!~~~~~ecem\ il11tln~~_ªº.PL~essoçi~_çnn!1Aªh~-ª.Q.Desse modo, a aphcaçao sele-tiva do direito penal tem como resultado colateral a cobertura ideoló-gica desta mesma seletividade. \

Contudo, ainda mais essencial parece a função realizada pelocárcere, ao produzir, não só a relação de desigualdade, mas os pró-

 prios sujeitos passivos desta relação. Isto parece claro se se consi-dera a relação capitalista de desigualdade, também e sobretudo comorelação de subordinação, ligada estruturalmente à separação entre

 propriedade da força de trabalho e dos meios de produção e, por outro lado, à  disciplina,   ao controle total do indivíduo, requerido

 pelo regime de trabalho na fábrica e, mais em geral, pela estruturade poder em uma sociedade que assumiu o modelo da fábrica. O

nexo histórico entre cárcere e fábrj-ºª,_~lJJr~j.nj:rºª-RÇ~Odo sistemacarcerário e transfo~nlaçã~ -cie'¥~'!mª~~ajt!4~~_£i.Plil1ªda de cam-P_Q.D~~~_~_~~p~ls()~9.9._C~lnp_~~'i'~eparado~9()~_P!:º1?!_!ºs.p1.~!os __ 4~1?!'o:dJJção,elllinqiy!4~º~ªAªp.tª4~~~c!i~cipl!rlªAa..f~prica m()der~a, e11.111el~l:!l~ntoe~S~l1ciaJpªrª.çºmp'r~~n.4erª {upção da.~r,.st~tUJǪ9

166

"

~ais éJJ~.9j~,_nã-ºm~nos iml?Q.rtªn.t~!.htualmente o cárç~I:__ ~ p .rO O .Y .: ? :,..

.r~g!}lt~~ÊQ-:g.1?!g,.cipªJmentedas zonas mais dep~p~mq-ª~ç!~L~º-)   f ciedade, Ul!l_~~.!.Q.Lçi~.111.ªr.g!Ilal!~ª-d..9..~.l?9_çiª~~.pª-tj~c:ul!H~m~!lt~qua -   A  I . - '

lii!~,9Pp~r;~ ..ª  !n!~!:yen.çffi..9_ estjz!!1_ª-ti~<t!!J.~..ªº~~te.~11ª _P~__ D.Wy-º_.do   i

-~j-ªgº~_Qª_r.ª . ª ..r.~ª,U.2:ªçãQ-ga.Hl.!.~.k~pr..º£~~~_g!!<;- '_<tQ..nj .Y.~Lc:lª t I , .interaçãº_soçilll~ d_ª-ºPÜJiªº,p'glJ..1icª,.s~.Q.ª.t jvadQs   pela pena,~ çon - ,tribuem .P.M-ªX~ªliz.ªr9.seHçf~itQ._m_ªrgil1,ª!i2:ªc.iore at0rtlizante8• ". C"J l..:,

Este setor qualificado do "exército industrial de reserva" cumpre------4 ) .1 \ "

não só funções.~speçifjças4el1tro da. dinâmiç.a __ .dQ.l1Jer.cactodbtm -   ci. balho (pense-se na superexploração dos ex-condenados e no cor-respondente efeito de concorrência em relação aos outros traba-lhadores), mas também fora daquela dinâmica: pense-se nO..em=:

~,.c!l!J?~l!!~ç!o ..cr!!!!!!!~_!.J_~~S_!:l].~.~~l!.~~lg~--9~_~.i.r~1:!!~çdo capital, como J?_~_ão..nªJ.l}g.!Í.striª_qº çrjIlle, no ciclo da droga etc..Pense-se, além disso, no recrutamento de...e.s.qll.a.m:õe..s£asçj,s.tas_en-

tre a população criminosa. _  O cárcere representa, em suma, a ponta do   iceberg   que é 0-',

sistema penal burguês, o momento culminante de um processo deseleção que começa ainda antes da intervenção do sistema penal,com a discriminação social e escolar, com a intervenção dos insti-tutos de controle do desvio de menores, da assistência social etc. Ocárcere representa, geralmente, a consolidação definitiva de umacarreira criminosa.

5.A   1.'.JEOLO(;fAIX) TRATAMENTO CARCERARIO E A SUA RECEPÇÃO

EM RECENTE') LEIS DE RER)RMA j)ENITENCIARIA ITALIANA E ALEMÃ

Antes de S~LfLr~osta d~~Q.çi~qª4~..h9_ne~tªªul1}ª.mi.D.º-riª_ criminosa.Jrepresentação cara às maiorias silenciosas de todos os

 países, e facilmente instrumentalizada nas campanhas de "lei e or-dem"), o cárcere é,_12riIl,Çip---ªlrn.ellt~+-º-in,str.1Jm.eJJ.to_e.ssenciaLpar.a..a.criação de uma l2Ql2J!la_Ç.~..Q. ctinlinQsa,.xeçrntaªa _qJJa..s.e.ue~.Glusiyª-:.

167

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

mente nas fileiras do 12roletariado,separada da sociedade e, com con- _S~Sljj~I.1Giª$.nãº.JTI~J;1-º-~$(ay~s.,A A .ft'!S~. Na demonstração dos efei-

tos marginalizadores do cárcere, da impossibilidade estrutural dainstituição carcerária cumprir a função de reeducação e de reinserçãosocial que a ideologia penal lhe atribui, concorrem a observação his-tórica, que demonstra o substancial fracasso de toda obra de refor-

 ALESSANDRO BARATIA

antes, a representação realista de que a população ç"arceráxia_pro.-=vém,J1ª.IDl'!-i,qf..parte,de ~ºnas _4~mª.r$in-ªUl;-ªç-ª0~ºçial, ç.ll.r.açled-zada~,.E?: c.Ie.fe.!!5?.s._g~~_i.r.rc:id_enlJ ~ _~9J:?.r.:~.~_~ocializ~ão..p-xiJuária.naidade pré-~scol~f. Observando-se bem, o que parecia um simplesmatiz filológico na definição do fim do tratamento ("socialização"ou "ressocialização") revela ser uma mudança decisiva do seu con-ceito10•   Isto muda a relação entre a instituição carcerária e o com-

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ma desta instituição, em relação ao atingimento do objetivo declara-do, e uma vastíssima literatura sociológica, baseada amplamente   so-

 bre pesquisa empírica9,  Nªo-o-º_$tªn~ isso-L.kgi.!!1.!~9Q~1~.ic:ie<?logiada defesª,-2.Qçj-ª1,Q_.ç:HLeit9 __.p-e.n-ªLçQJlÍ_emporâneQ.,c.ontin~a aautodeiinir=-~_ç2!~9_<1!reHop~l!?lLdotr~!aIlJ~níp.A legislação maisrecente atribui ao tratamento a finalidade de reeducar ou reinserir odelinqüente na socie9!l:9~.A nova lei penitenciári;i-italiafiade-1976 prevê que t'em relação aos condenados e aos internados deve ser realizado um h'atamento reeducativo que tenda, também através decontatos com o ambiente externo, à reinserção social dos mesmos"(ali. 1°).A nova lei penitenciária alemã de 1976 assinala à execuçãoda pena detentiva e das medidas de segurança privativas de liberda-de, o fim de tornar o detido capaz "de conduzir no futuro, comresponsabilidade social, uma vida sem delitos" (parágrafo   2).

Entre as linhas destas "novas" enunciações de princípio,

transparecem, contudo, dois elementos de preocupação, que limi-tam o otimismo do legislador.:...ºJJrt!ll~i!'9..p.9.deria~e!,chamado o

 J!!tl .JI1ent o c1 !J.á?: O legislador sabe que as inovações introduzidasno sistema carcerário não podem fazer desaparecer de um golpe osefeitos negativos do cárcere sobre a vida futura do condenado e

,   'que são opostos à sua reinserção. O projeto governamental para anova lei alemã não considera supérfluo acompanhar as inovaçõesde uma c1ásula geral dirigida a controlar os efeitos nocivos do cár-cere que, desse modo, são dados como um pressuposto, requeren-:do-se às autoridades competentes "conter o mais possível aquelas

(

.~.~r.t.'!C::.~l..~rLd.._~..<!.~.s. __ 

?a ..v.id.a dO.in.sÚtU.'to;-.Ct.-.u.e. .".-.P.-O.d.'.el..l1... tol.,n.al.'o...detido

mçªpÇl~ pª.ra,a Viela,de,modo que adifer~nçaentre uma vida noi~~~~_uto~_ a.vida e.x.!~rnanão seja maior do que é inevitáveP'

O   elemento realista   é dado pela consciência de qu~, na maior  parte dos cas~.r.:9121~~J~Bt!~.~.e_çs?.l,,"~a.-.~n!.r.~I~.çãoao detido não..é.,.PLQPr.!ªmen.t~ -,qde. umª re!,soci<:tli~.aç.ão,()l\,deumareed~~açãº, Na base do atual movimento de reforma penitenciária se encontra   ,

\ 1 ()8 '

ç ç plexo de instituições, privadas e públicas, prepostas para realizar asocialização e a instrução. O cárcere vem a faz~J;' __ .p~rt~ª~   l,lf!l

con~JÍ1Uum  que com~p_r_ee_n_d_e_f,a_mília, _~~£ol~~Lassl_'s_tê_n_c_ia_s_o_C;~).LQ.!::-

..z.amzB:S:~9_.~.L!J_!.t!_raldo temp~l!yre1. preparaçãQ_pr:'Qfiss.iQ.nal,universidad~~jIl..sJ£1J..Ção..çlo.:?adllJtº~, O tratamento penitenciário ea assistência pós-penitenciária prevista pelas novas legislações sãoum setor altamente especializado deste   continuum,   dirigido a re-cuperar atrasos de socialização que prejudicam indivíduos margi ..nalizados, assim como as escolas especiais tendem a recuperar osmenores que se revelaram inadaptados à escola normal. Ambassão instituições especializadas para a integração de uma minoriade sujeitos desviantes.

Isto permite a um inspirado representante da nova ideologia penitenciária escrever:

Certamente hoje, em uma sociedade na qual o problemll da edu-

cação tornou-se o problema social por excelência, a  política socialnão pode ser feita sem política educacional,   e isto significa que as

sanções penais devem sempre vir considerad,1s também como uma

 p.1rte da política da educação. Os processos reguladores do direito

 pemil não podem ser compreendidos fora dos outros processos

sociais da socialização e da educação".

6.OSISTEMA IJENAL COMO ELEMENTO DO SISTEMADE SOCIALIZAÇÃO

Por atração do que se verifica no momento penitenciáriocomo se vê, todo o sistema penal tende a intervir como subsistel1l~específico no universo dos processos de ~ocializaç~o e ed~;;;~_Q,

 _Q.1!eo .E._slª.d.Q_~QS,otJJ.r.Q~,.ªpar.dhºsjd.e.ºJó$Ícos.~~.institudQnalizam jWl,1.!.,lJ).ar~de _ca.Ç!a_y.~.?d!ill.i.:?',Ç_ª.P-.U-ªr.Esta tem a função de atribuir 

a cada um os modelos de comportamento e os conhecimentos

169

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

relativos aos diversos   status   sociais e, com isto, de distribuir osstatus   mesmos. Estefenômeno é complementar àquele pelo qual o

/' sistema de cont.r.olesocia1-nas sociedades pós-industriais, tende a\ deslocar o seu campo de gravitacão, das técnicas repressivas para

~t   as não-repressiyas da sOfLalização,da propaganda, da assistênciasocial. O direito penal tende, assim, á  ser reabsorvido neste p-ro-

- cesso difuso de controlesocjª-I..,-9.uePºill?ll.....9..£Q!P.Q..P-ª"ra.~ir.jjir.e-

XIII.   SISTEMA PENAL E REPRODUÇÃO DA

REALIDADE SOCIAL

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j Q Q jj--tanl~nte sob;~'~~ªj1i~~elhQ.r.1..m~e~~çriJ!.'~.Jla,!mll..,como mostrou

recentemente Foucault!3,descrevendo uma evolução que come-çou a  200 anos, com o início do sistema carcerário.

O que descrevemos até agora é, naturalmente, o esquemaideológico, não o esquema real do processo de transformação dosistema punitivo. Ou seja, representa o modo como este tende aser concebido da parte dos indivíduos a quem cabe a tarefa de

 prepará-lo, administrá-lo, controlá-lo e dele transmitir uma ima-gem útil ao seu funcionamento. Mas este esquema ideológico nãoé um esquema somente imaginário, privado de contato com a re-alidade do sistema punitivo. De fato, antes de tudo~travé~4ªideologia dos próprios órgãos oficiais, se realiza aquela função d~_ 

 _autõ)iZi!I!iiiÇAQ.~dosis~en~_L9.1:l~~~Eer A~!.!.~inª-.~Qrete~fto delegitimid~de"!4.

--- '-'E~~~'s'egundolugar, a ideologia da socialização substitutivareflete, efetivamente, a homogeneidade dos dois sistemas, que éo elemento de verdade, o qual, contudo, é acompanhado, no es-quema ideológico, de uma falsa consciência em relação às fu.n-çôes reais exercidas pelo sistema como um todo.  A   frase de Calhes

 perde, realmente, todo o alcance idealizante, se lhe inve~te~os.osentido   à luz do que sabemos sobre os mecanismos de dlscnml-naçi!o, seleção e marginalização, que são próprios do sistemaeducativo e, em particular, do escolar. De resto, como ve~!!1..Q_$.no capítulo seguinte, pode-se observar a continuidade   JU nC lQ D a..L

do sistema escolar e do P.~l1--ª!d!º._.9.!!.~_ser~i~~-º...pJ:.Q.G.es.sa...de--~~i~ã~-~~~-'~!?Iii~;;Ü~'~ç.~o,dentt:º-gas soçi~_4ª-de~_ ca12irnlistas__ 

~vança~~~

170

1.OSl,TEMA £\l:OLAR COMO PRIMEIRO SEGMENTO  LX)   APARATO

DE SELEÇ"ÃOE DE MARGINALlZAÇ"ÃO NA SOCIEDADE

Os resultados das pesquisas sobre o sistema escolar nos per-mitem atribuir ao novo sistema global de controle social, através dasocialização institucional, a mesma função de seleção e demarginalização que, até agora, era atribuída ao sistema penal, por quem repercorre a história sem idealizá-la:

"A  história do sistema punitivo - escreve Rusche - é maisque a história de um suposto desenvolvimento autônomo de algu-mas "instituições jurídicas".   É   a história das relações das "duasnações", como a chamava Disraeli, das quais são compostOs os

;loves: os ricos e os pobres"!.A complementaridade das funções exercidas pelo sistema esco-

lar epelo penal responde à exigência de reproduzir e de assegurar asrelações sociaisexistentes,istoé, de conservar a realidade social.Estarealidade se manifesta comuma desigual distribuição dos recursos edos benefícios, corr~spondentemente a uma estratificação em cujofundo ~ soci~da4~_capttª-!ist,!ges.~l1_~()l.~_~on~Ç9nsis~nl~s-ª-~_s!Jb.:desenvolvimento ~...ge.t::tla.!,g!l1-ª1.i~~çªg,.

- - - X    frase de Rusche mantém hoje a sua fundamental validade,também na nova perspectiva do tratamento penal como socializa-ção substitutiva. Deste ponto de vista tem-se observado que:

 A instituição do direito penal pode ser considerada, ao lado das

instituições de socialização, como a i.nstância de asseguramento da

realidade social   Odireito penal realiza, no extremo inferior do

continuum,   o que a escola realiza na zona média e superior dele: a

171

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL

separação do joio do trigo, cujo efeito   tiOmesmo tempo constitui e

legitJina a escala social existente e, desse modo. asse"ura umap'lirte;J   J   é::'

essencial da rea1Jdadesaciar.

É  na zona mais baixa da escalasocialque a funçãoselecionadorado sistema se transforma em função marginalizadora, em que a li-nha de demarcação entre osestratos maisbaixos do proletariado eas

 AL~SANDRO BARATTA

das escolas especiais provêm das camadas médias, e cerca de 80% provêm, ao contrário, dos estratos inferiores do proletariado4, en-quanto os meninos provenientes de famílias sem-teto ou que mo-ram em barracas são encaminhados às escolas especiais em um percentual de 40   a  80%5,

Aobservação do que ocorre na escola média confirma este ele-mento constante da diferenciação social no ãmbito do sistema esco-

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zonas de subdesenvolvimento e de marginalização assinala, de fato,um ponto permanentemente crítico, no qual, à ação reguladora domecanismo geral do mercado de trabalho se acrescenta, em certos

casos,a dos mecanismos reguladores e sancionadores do direito. Istose verifica precisamente na criação e na gestão daquelª-.z.:Q!J.ª,-.12£lrti-cular de marginalização pe é a população criminosa,

Sobo pesado véu de p~do~ê -d~Iãlsã-cõ;\;;iê;{~faque aqui seestende, não sem a contribuição de uma parte da sociologiaoficial,com a imagem falaz de uma "sociedade das camadas médias" a,estratificação social, isto é, a desigual repartição do acesso aos re-cursos e às chances  sociais,é drástica na sociedade capitalista avan-çada. O ascenso dos grupos provenientes dos diversos níveis daescala social permanece um fenõmeno limitado ou absolutamenteexcepcional, enquanto o auto-recrutamento dosgrupos sociais es-

 pecialmente dos inferiores e dos marginalizados3 é muito mai; re-levante do que parece à luz do mito da mobilidade social.

O sistema escolar,no conjunto que vai da instrução elementar àmédiae à superior, refletea estrutura vertical da sociedadeecontribui

 para criá-la e para conservá-la, através de mecanismos de seleçãodiscriminação e marginalização. As pesquisas na matéria mostra~qu~, nas soci~dadescapitalistas, mesmo nas mais avançada~ a distri-

 bUiçãodas sanções positivas(acessoaos níveisrelativamentemais ele-yados de instn!çiliU.é inversamente proporcional à consistência nu~méric.ados estr~tossoci~_~ue, corres.pondentel!~!lt~~..ª~~!1_ç~S~!iva~~~~~tIçãC?_~t:.1:!.t:l9~,9.~.~Iª~ifj.~açI!º,in.~!'Çãoem escolases-~ciais) ~_a_lJll..!~!ltª,111_de..mººº- .ç!~~p-rQl2orciorl1!Lgu<Üidº~;~di$Ç~_ªQ~

..Jlíyei.unf~T~ºr~$_ªa~~('\Jª_~~ªI,('Qm .~I~y.ª-cU~~inlº~ __  percentuais no

...,9so ç!~.9_V~lJ.$_Pr.ºY~IÜ(;:IJ.~s.._et.(;: _z.;oflª.~d~_mªrghlillj~.ão~Ç>Çi ª1.(s/ulllS"

 __ ~ trabªlbªª9Ies estrangeiros).Assim, por exemplo, em algumas amostras da República Fe-

deral da Alemanha se verificou que só cerca de  20%   dos meninos

172

çlar, nos países capitalistasG

,  A desmistificação que tem sido feita dastécnicas de seleção baseadas sobre "coeficiente de inteligência" eoutros testes análogos,retira à diferenciação socialno âmbito do sis-

tema escolar a aparência legitimante de uma justa promoção socialdos indivíduos, segundo o seu talento e a sua atitude'.Aoutra freqüente legitimação da diferenciação social no âm-

 bito do sistema escolar se baseia no conceito de mérito. A críticadeste conceito colocou em relevo, sobretudo, como no caso dostestes de inteligência, que as diferenças de desenvolvimento men-tal e de linguagem que os meninos apresentam no seu ingresso nosistema escolar são o resultado das diversas condições sociais deorigem. Com o sistema dos testes de inteligência e do mérito esco-lar estas diferenças são aceitas acriticamente e perpetuadas. Acrítica se dirige, em seguida, particularmente sobre as caracterís-

ticas dos critérios de juízo e do mundo dos valores, conforme aosquais o mérito escolar é avaliado, e sobre a limitada objetividadedesta avaliação. Isto levou a evidenciar os efeitos discriminatóriosdo sistema escolar sobre meninos provenientes dos estratosinferiores do proletariado e dos grupos marginais. Uma das pri-meiras razões do insucesso escolar consiste, no caso dos meninos provenientes destes grupos, na notável dificuldade de se adapta-rem a um mundo em parte estranho a eles, e a assumirem os seusmodelos comportamentais e lingüísticos. A instituição escolar re-age, geralmente, a estas dificuldades, antes que com particular compreensão e cuidado, com sanções negativas e com exclusão,como demonstra o fato de que as escolas especiais tendem a ser asnormais instituições escolares para os meninos provenientes degrupos marginais. Tem-se observado que, em relação a eles, aescola é um tal instrumento de socialização da cultura dominantedas camadas médias, que ela os pune como expressão do sistemade comportamento desvianté.

173

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITIC\ DO DIREITO PENAL

2.  FUNÇÃO IDEOLÓCICA DO PRINCÍPIO MERITOCR.ÁTICO NA ESCOLA

A atitude do professor em face do menino proveniente de gru- pos marginais é caracterizada por preconceitos e estereótipos ne-gativos, que condicionam a aplicação seletiva e desigual, em pre-

 juízo deste, dos critérios do mérito escolar."Ainjustiça institucionalizada" das notas escolares9 é, na reali-

 AlESSANDRO BARATTA

À   reação de  distância social   se agrega, na comunidade esco-lar assill1 como na sociedade em geral, o caráter simbólico da pu-nição. Est~-proàuz a transferê.ncia do mill.ga culpa s.9br~.J.llll'!minoria estigmatizada, e ag~j:omo [ªl.9...Lª~..iD~g!,~ão. da mai()!.:!,!,recompensa1!do ....QL!!ãQ-e~!!gm? ti~dos _U.2nvalidand9 __()s s~l:l_smodelos de comportam~nJº~ As pesquisas realizadas nas comuni-dades escolares, sob este ponto de vista 15 tendem a interpretar aque-

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dade da escola, um típico exemplo de percepção seletiva da realida-de. Esta faz com gue os "maus" alunos sejam, geralmente, conside-rados de modo mais desfavorável do que mereceriam, ~nquanto o

~contráriQ_~orr~ CO!!!.Q~~,-ºº!1~~~.ª!!l!lº~IO.Antigas e recentes pesqui-sas colocam em evidência que a quota de erros desconsiderados pelo professor   é  menor no caso dos "maus" alunos do que no caso dos"bons" alunos, e que, no caso dos primeiros, são destacados maisfreqüentemente erros inexistentesl1•

A análise do mecanismo discriminatório na escola não se en-cerra aqui.   O fenômeno da   self-fullfiJling profecy2,   consideradona sociologia do desvio no ãmbito do   labeling approach -   fenô-meno para o qual a expectativa do ambiente circunstante determi-na, em ~l1edidanotável, o comportamento do indivíduo -, tem sidoobservado por Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, na realidadeescolar l3.

Pesquisas ulteriores14 ~QJ1firmarama correlação do rendimentoescolar com.ªp~rç.~ª()_qt:l~.Qm~n!!}ºJ~.mào j~ím.~.@~x~.Jiv~

'.d~l~~~;t;~;l~ rel;ção a ele. No caso do menino proveniente de gruposmal:giilais, a escola  é, pÕis,não raramente, a primeira volta da espiralque o impele, cada vez mais, para o seu papel de marginalizado.

Enfim, a ação discriminante da escola, através dos própriosórgãos institucionais, é integrada e reforçada pela relação que seestabelece, no seio da comunidade da classe, entre os "maus" esco-lares e os outros. Intervém, assim, no microcosmo escolar, aquelemecanismo de ampliação dos efeitos estigmatizantes das sançõesinstitucionais, que se realiza nos outros grupos e na sociedade emgeral, com a distância social e outras reações não-institucionais. O"mau" aluno tende a ser rejeitado e isolado pelos outros meninos:

 para isto concorre, também, a influência que os genitores exercemsobre as relações entre escolares, influência que tende, geralmente,a discriminar aqueles provenientes das camadas mais débeis.

174

dades escolares, sob este ponto de vista  15, tendem a interpretar aquelas atitudes negativas como mecanismos de autodefesa, medianteos quais o insucesso dos outros reprime o medo do próprio insucessoe cria, portanto, um sentimento de satisfação em quem não é atin-

gido pela sanção negativa. Assim como, na sociedade, a estigmati-zação do  ou/rocom   a pena reprime o medo pela própria diminui-ção de  status,   e determina o que se pode definir uma "proibição decoalizão", que tende a romper a solidariedade entre a sociedade eos punidos, e aquela entre os próprios punidos, os efeitosdiscriminatórios e marginalizantes do sistema escolar institucionalsão consolidados e ampliados através de mecanismos de interaçãoentre os escolares. A situação definida dos pontos de vista acimaindicados pode-se sintetizar com a palavra de Kenneth B. Clark,referida à sociedade americana.

Existe documentação concreta que demonstra~ além de qualquer dÚVida razoável, como   o nosso sistema de escola pública se recu-sou a assumir a função de facJ1itar li mobi1Jdlide social e~em reali-dade~se tornou JÍlstrumento de diferenciaftão de classe~a nível eco-nômico e social, na sociedade americana   b.

3. As   FUNÇÔE', SELETIVAS E CLASSISTAS DA JUSTIÇA PENAL

A homogeneidade do sistema escolar e do sistema penalcorresponde ao fato de que realizam, essencialmente, a mesma fun-ção de reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutu-

ra vertical da sociedade, criando, em particular 2   e(tfaze~~().l!trª=~$ti:mulos   à'integraçãº.gº~~tºr~~J1!ªi$.p_ªt?<9$_~ 111ªrginªUz.ªªQ$ª9Pf.º=letari-ªfl.Q,.9_ U _çOloçafld().dtretamen te ..en1 ação pr.oce$s()slpargina-lizadores. Por isso, encontramos no sistema penal, em face dos indi-víduos provenientes dos estratos sociais mais fracos, os mesmos me-canismos de discrimínação presentes no sistema escolar.

175

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

 No que se refere ao   dire~tº-.-P5~.Ilaljl--º$lrPto(isto é, à

criminalização primária))_isto_te~.1_ª-_ ver cº-11!-º~sont~údos-J_m~s

também ~om os "não-C:~!:lt~~ª-()~"da lei p~.!!~LO sistema devalores que neles se expnme reflete, predominantemente, ouniverso moral próprio de uma cultura burguesa-individualis-

ta, dando a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado e

orientando se predominantemente para atingir as formas de

 ALESSANDRO BARATIA.

 procurar a verdadeira criminalidade principalmente naque-

les estratos sociais dos quais é  normal   esperá-la.O conceito de "sociedade dividida", cunhado por Dahrendorf 

 para exprimir o fatode que sómetade da sociedade(camadas médi-

as e superiores) extrai do seu seio os juízes, e que estes têmdiante de si, predominantemente, indivíduos provenientes da

outra metade (a classe proletária), fez surgir nos próprios

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orientando-se, predominantemente, para atingir as formas dedesvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e marginali-

zados. Basta pensar.:}1ª_enornle_jl1ç.i9~11~j~Lde_g~Jito_.Lcontra.º_ 

 _p--atri m.9nio na  mª~~.ª __dª ...~ximjD-ªH_gªªs:..,_.tªLçomº ...:r:::~...s.J.üt~_ªa~tatísticuudici4r!ª, ...~~p.eçi~J.l11~t~_.~~._~~.. p..ress;:indedos ..delitos

de trãnsito. Mas a seleção criminalizadora ~~o~~~iá--~~~di~nt~

a diversa fornmlaçãp téçniçª_g9_~..J.iP-QLP-enaise a espécie de

conexão que eles determinam com º-_!!l.eS:ª.Di~mº.gª~-ª$myan-tes e das atenuant~s (é difícil, como se sabe, que se realize um

furto não "agravado"). As.malhas dos tipos são, em $~ral, mais

 _sutis no caso dos delitos.próprios das classes sociais mais bai-xas do gue no caso dos delitos de "colarinh~"branco". Estesd~-litos, também do ponto d;-~;t~-d"~previ;ã;;-~bst~~ta, têm uma

maior possibilidade de permanecerem imunes. Quanto aos"não-conteúdos"17, começa-se, finalmente, a procurar a raiz do

assim chamado "caráter fragmentário" do direito penal (queos juristas freqüentemente assumem como um  dado da natu-reza),   não só na pretensa inidoneidade   técnica   de certas maté-

rias ao controle mediante o direito penal (ou na tautológica

assunção da relevância penal de certas matérias, e não de ou-

tras), mas, antes, em uma lei de tendência, que leva a preser-

var da criminalização primária as açôes anti-sociais realiza-

das por integrantes das classes sociais hegemônicas, ou que

são mais   funcionais   às exigências do processo de acumulação

do capital. Criam-se, assim, zonas de imunização para com-

 portamentos cuja danosidade se volta particularmente contra

as classes subalternas.   .

 _.9s_"pro~~.~~()~~_(;~inli.J1ali~~ç.ªº_~Çli.ndár..i_a_-ªçe.Il...tu.am.o cará.:

 __ !~:...seletiyº-~-º_ s.i$.t~mª_ps:n.al-ªº~Jr ..ªtº,-~m ..~!do_e~rnªªçl.9JLQs.. p.recQ.n-.._c::!:!.tos_~.o..~~st~r~º!!pos]8.que..g.l1iam..a,!.ç:j,9jan.to_dos.árgãQsjnyesti-

....$ªgOt~_..çQmQçlQs_-º..r$ªQsjudicantes,e que os levam, portanto, assimcomo ocorre no caso do professor e doserros nas tarefas escolares a,

176

sociólogos burgueses a questão de se não se realizaria, com

isto, o pressuposto de uma justiça de classe, segundo a clássi-ca definição de Karl Liebknecht19.Têm sido colocadas em evi-

dência as condições particularmente desfavoráveis em que seencontra, no processo, o acusado proveniente de grupos mar-

ginalizados, em face de acusados provenientes de estratos su-

 periores da sociedade. A distância lingüística que separa

 julgadores e julgados, a menor possibilidade de desenvolver 

um papel ativo no processo e de servir-se dó trabalho de ad-

vogados prestigiosos, desfavorecem os indivíduos socialmen-

te mais débeis20•

4. A  INCIDÊNCIA IK)S E';TEREÓTlPo.~; IX)S PRECONC£/To.~~ DAS TEO-

 RIAS DE SENSO COMUM NA APLlCAÇ"ÃOjURISPR UDENCIAL DA LEI PENAL

Também o insuficiente conhecimento e capacidade de pene-

tração no mundo do acusado, por parte do juiz, é desfavorável aos

indivíduos provenientes dos estratos inferiores da população. Isto

não só pela ação exercida por estereótipos e por preconceitos, mas

também pela exercida por uma série das chamadas "teorias de to-

dos os dias", que ojuiz tende a aplicar na reconstrução da verdade

 judiciaJ11.

J~~~1.:!il'?~..~n~píricastê.111<;ol()caç{o..el~lJ~1.~,,9as diferenças deJlnrnde ~l1l.oJiyª~yªlº.mhyª.çl..o~juí?oe~,el11..face..çlejn.diyi~~~spert'~~~'

centes a diy~!s.~s...cl~_ssessociais22•  Isto leva os juízes, inconsciente-

mente, a tendências dejuízos diversificadosconforme a posição so-

cial dos acusados-J~~lªçi-ºnª_ciº~JmJtº   à ..ªpreçjação   .dO ....elemento

..illQjetivº._dº-..d~litQ_JdºlQ,_ çulp-ªLÇJ:Y..ªntQ.ªocaráter. sintQmático do

delitoem faceda pe!~s_o.J:!~.li.~9~JI?!:QZnosesobrea conduta futura do

acusado) ~,-jJ2j~,-~j..l1.(hvif!ui\Jl~£ªo.'..~I~~~~~~~açãoª~pena destes

177

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

 pontos de vista. A distribuição das definições criminais se ressente, por isso,de modo particular, da diferenciação social. Em geral, pode-se afirmar que existe uma tendência por parte dos juízes de esperar um comportamento conforme   ú  lei dos indivíduos pertecentes aosestratos médios e superiores; o inverso ocorre com os indivíduos pro-venientes dos estratos inferiores.

Em referência a delitos contra .0patrimônio tem sido mostradoo predomínio destas duas tendências opostas conforme a extração

 AL~SANDRO BARATTA

vamente pelas instâncias oficiais, é uma   reabdade social   de que aação das instãncia~9f~çlª!~~~_~1~p.!~r.ii9.'.CO~_st~t.~t.-íy:~.'_~if~-sc~ii~t~t.U:-em tal realidade social através de um~'pe!"c;epção seletiva 4()s}enQ----.------. ~__ . .R.~. __ .. ... .._, ,,_,__ ... ,__.,,~ ...,.._ 

-.IDen~-:_g.!lese ttadu~.n...9_X~~.!'.1:!.tªl!lt::rltod~ .l:l1!1a.._c:.~r:ç~t]..sçt:'i~~.PºP.J..lo..lação ,£rirnin..é!l.,...$.~J~çiQl1~ªª.g.~l)t!"_º_qºurnaisan~pl_~_ çirç.llclo.dQs.quecometem açôes previstas na lei pen.ªL~uque, compreendendo todasas camadas sociais, representa não a minoria, mas a maioria da

l ã n T l di ib i ã d i l d d i di í

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o predomínio destas duas tendências opostas, conforme a extraçãosocial do acusad023

•  Atéem uma matéria socialmente tão neutra comoa dos delitos de trãnsito tem sido observada uma correlação entre avaloração da culpa e das circunstãncias atenuantes e a posição eco-nômica do acusad024

•  Também nos critérios que presidem   à aplica-ção da suspensão condicional da pena, elementos relativos   à situa-ção familiar e profissional do acusado jogam um papel decisivo. Es-tudos neste campo mostram que   estes  critérios são particularmente.fav..orá'leis_aos_acllsados..p.m~enie.nte.s-,jascamadas superiores e   d e .s .::

fuy.9..rávei~ªQ~rovenientes das camadas inferiores25. Considerando,enfim, o uso de sanções pecuniárias e sanções detentivas, nos casosem que são previstas, os critérios de escolha funcionam ;lÍtidamenteem desfavor dos marginalizados e do subproletariado, no sentido deque prevalece a tendência a considerar a pena detentiva como maisadequada, no seu caso, porque é menos comprometedora para o seu

status social já baixo, e porque entra na   imagem normaldo   ql',~fre-qüentemente acontece a indivíduos pertencentes a tais grupos soci-ais, enquanto, ao contrário, para reportar as palavras de um juiz pertencente a um grupo sobre o qual foi dirigida uma pesquisa, "umacadêmico na prisão ... é, para nós, uma realidade inimaginável"26.

~ssi_m, Eissa~çôe~_~ mais inçidem sobre o status social são usadas,\., ._£g!!).p.~~f~~_ll~ª.1contra ilquele~_cujo status  SQ£..iaCémais baixo.

5. E'iTICMA TIZA(.'ÃO PENAL E TR.AN'i'FOR.MAÇ'ÃODA IDENTIDADE SO-

CIAL IJA P(WULAÇÃO CR.IMINOSA

Temos várias vezes verificado que, no âmbito da nova socio-logia criminal inspirada no   labeling approach,   é salientado que a

._.~.!:.t!:!!inal~dac!e,mais que um dado preexistente comprovadQ..Qbjeti-

178

t.__ 

 populaçãa:n. Tal distribuição desigual, em desvantagem dos indiví-duos socialmente mais débeis, isto é, que têm uma relaçãosubprivilegiada ou precária com o mundo do trabalho e da popula-

ção, ocorre28

segundo as leis de um c~.ili~p..~ºçiªlJ~ççº.n.(L纪(!tque   i

regula a aplicação das normas aº-~mlªS_J~or part~ª-ª_s_in.st~.!1~iª~oficiais. A hipótese da existência   deste£.t;£ontj   cqde  sig!!!.nç_~_~_~fu-tação do caráter fortuito da desi$1!.ªLçl.istrib.lliçª-Q_.dªs __ çiefiniçº~scriminais, ~ forl!.ec~u.t.!l.!!!1ovCU?Ei~~.ípíS'C::9-~_~t.!~.<?!?_g_l:I:~j~_ !~!:l1_.9~d.0ótimos frutos,p-ªrª-ª-P~.ffillj~~~º.f.iº19gico-jurícl.ic:a. Esta  é chamada 'a evidenciar o papel desenvolvido pelo direito, e em particular pelodireito penal, através da norma e da sua aplicação, na reproduçãodas relações sociais, especialmente na circunscrição e margina-lização de uma população criminosa recrutada nos setores social.mente mais débeis do proletariado.

Aconstituição de uma população criminosa como minoria mar-ginalizada pressupõe a real assunção, a nível de comportamento, de papéis criminosos por parte de um certo número de indivíduos, e asua consolidação em verdadeiras e próprias carreiras criminosas. E

 já vimes que isto se verifica, sobretudo, como tem sido colocado emevidência por alguns teóricos americanos do  labeling approach,   me-diante os efeitos da estigmatização penal sobre a identi~de soci&do_ indivíduo, ou seja, sobre a definição que ele dá_.ft~si.!!1~smoe que q~outros dão dele. Adrástica mudança de identidade social como efeitodas sançôes estigmatizantes tem sido posta em evidência - como serecordará - por Lemert e por Schu~~~_~-.!~~~!~..QQ!eles construídademonstra a dependência causal da delin_qª~!!(:?iasecungAlja, ou seiª"das formas de re~'Q.~_~<:i.~_!!ciaque confjz1!Iél.!!~_l:l:~-ª-..Y~L9ª9~irª, __ ~_pr:º-

 pria carreira crimi~.Q~~~Q~fei!2~gtle:_~ol?reél.!Q~!!!ic!~c:l~s()~i.atc:l0indivíduo exerce a primeira con4~nªç-ªº; isto coloca uma dúvída decaráter fundamental sobre a possibilidade mesma de uma funçãoreeducativa da pena. A teoria das carreiras desviantes e do recruta-

179

CRIMINOLOGIA CRi'fICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL

mento dos "criminosos" nas zonas sociais mais débeis encontra umaconfirmação inequívoca na análise da população r;arcerária, quedemonstra a extração social da maioria dos detidos dos estratos soci-ais inferiores e o elevadissimo percentual que, na populaçãocarcerária, é representada pelos reincidentes.

O mecanismo da  se1f-fullfil1jng-profecy,~nál~0   ao que fUfl-

ciona na discriminação e_SQ.ºL~.L_<&I.ª.çt~r:il;ª.~sJ~-P~.SQ..d~-c.o.ns-ã i l d l ã d li !4j i A i l

 ALESSANDRO BARATTA

das teori~~__  p~ !. c: :~ !1 _~ !! !c ::~ ~_ da s()ciedad~p~~!.iYl:l:~z.A linha de de-ma~~ção e o efeito sobre a distância social, como tem sido desta-cado são tão mais drásticos quanto mais se desloca das zonas mé-dias 'da escala social para os estratos sociais mais débeis, no seiodos quais a população criminosa é recrutada. Aqui, realmente,   .0

 perigo de uma degradação do próprio   status comporta un~_,!_e_~l-

~_llç!ª_e~!~tef!g~b1}_l1.ít.º,m.aisçoncr~t(l cle..cliJ~I'~nciar-se de quem

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trução social da população delin!4j.ien.t~ A particular ex- pectativa de criminalidade que dirige a atenção e a açãodas instãncias oficiais especialmente sobre certas zonas

sociais já marginalizadils faz com que, em igualdade de percentual de comportamentos ilegais, se encontre nelasum percentual enormemente maior de comportamentos ile-gais, em relação a outras zonas sociais. Um número des- proporcionado de sanções estigmatizantes (penas detentivas), quecomportam a aplicação de definições criminais e uma drásticaredução do   status   social se concentra, assim, nos grupos maisdébeis e marginalizados da população. A espiral assim aberta ele-va afinal a taxa de criminalidade, com a consolidação de carrei-, ,

ras criminosas, devido aos efeitos da condenação sobre a identi-dade social dos desviantes. Deste ponto de vista, o sistema penalage, portanto, como a escola, em face dos grupos sociais maisdébeis e marginalizados: antes que no sentido de integração, nosentido oposto.

Enfim, como no interior do microcosmo escolar, assim nomacrocosmo social, o mecanismo de marginalização posto em ação

 pelos órgãos institucionais é integrado e reforçado por processosde reação, que intervêm ao nível informal. Estes dizem respeitosobretudo à "distãncia social", que isola a população criminosa doresto da sociedade, e à "proibição de coalizão", que desencorajatoda forma concreta de solidariedade com os condenados e entreeles30.Na reação não-institucional encontramos em ação, além disso,definições e "teorias de todos os dias" da criminalidade, que apói-

am os processos de distribuição da criminalidade postos em ação pelas instâncias oficiais31•

A separação que o p-r-º£~~$..9de .£riminalizaç.ão cria entr~_-º.s.,honestos  e os ré12robQ~soI9_Ç_ª-_~m~vid~Qçjª-ªqu.eJas.iunções.sim- bó licas da pena ,..9.ueJêrn..siQQ_e-S..t.ltdad.a.s..p.ar.tic.ularmente.no..âmbito

180

,«Ç~b.e..1LQ_e~jgn!~L4~ __ çt:'imil1ºSº33.

6.  NEXO FUNCIONAL ENTRE SI.<,TEMADISClVMINA TÓRIO ESCOLAR ESISTEMA DlSClVMINA TÓRIO PENAL

Entre o sistema discriminatÓrio escolar e o sistema discrimina-tório penal não existem somente analogias, às quais se poderia ser tentado a reduzir o significado das observações feitas até agora.   Onexo funcional entre os dois sistemas, na âmbito de um mecanismoglobal de reprodução das relações sociais e de marginalização, está provado pela existência de uma ulterior série de mecanismosinstitucionais, os quais, inseridos entre os dois sistemas, asseguram asua continuidade e transmitem, através de   fi1tros  sucessivos, uma

certa zona da população de um para outro sistema. Trata-se de me-canismos diversos, mas funcionalmente idênticos que, nas socieda-des capitalistas mais desenvolvidas, cumprem as tarefas de assistên-cia social, de prevenção e de reeducação em face do desvio de meno-

r~.:..A.P_ll.~~_a.z~~_~_r~aç~o.informal pat:a .li.il1~tjtu.c_iºl1.a.J.rOD}p~..ll~~linha de resistência de.Y1..4fl_ª-ºJªtº,Pº~!..Qreç.~Dt~m~.l"lte.~mreJ.t':Yo,de que a aplicaçã;-de-sanções ou de mecanismos de controle exerce

também, freqüentemente, a função de preservar os indivíduos sub-metidos a estas sanções de caírem sob os mecanismos e as sanções dosistema institucional. Uma recente investigação, conduzida sobre duasamostras de jovens, uma de estrato social elevado, outra de camaóas

 populares, mostrou como também esta distribuição dos menores en-tre o sistema de sanções informais (que se resolvem no âmbito dafamília e do grupo de origem) e o de sanções institucionais (que im- plicam a intervenção da polícia, dos órgãos judiciários do direito penal de menores etc.), tem um liame de dependência com a

estratificação sociaps. Emgeral, salvo infortúnios individuais, os gru-

181

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

 pos sociaismais elevados conseguem subtrair os próprios menores àação dos mecanismos institucionais de reação ao desvio e, portanto,aos efeitosda estigmatização daquela espiral sobre o seu status   soci-al, que, ao contrário, levaos menores provenientes de estratos sociaism-ª-iLc!~º~~._ª.!!!!1aassunção CJ;ldavez mais definitiva de papéis cri-

-_.mino.s.Qs"".Q~J'ªÍQ,.-ª.~aªª-sJJ...c..ess.iY£L1.'.~Qmendaç.ão-.domenor às Íns- _t!!!.çi?:~.ºiic::iai~.geª,ssistêncj-ª_~_deçontrol~.social,.a cada sucessiva

ª ~ Q 9g$tª $ 9!:2r~ ºJ11~nQI' Q Qn' espondeum a 1J l :nel1toem lugar de

 AL~SANDRO BARATTA

XI\'.   CÁRCERE E MARGINALIDADE SOCIAL

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.- .~.Q...9g$t .$.9!:2r~_ J11~nQI ,Q.Qn .espondeum a.1J..l.:nel1to,em lugar de _illJ.lª-di.minJliçã.o~s....d1ance.s...d.e_ser...seleclQnadQ para   JJJl1a.carreira

•. 36cnnunosa ..

Sobre esta espiral está baseado um modelo de explica-ção para a criminalidade do menor, proposto em um recenteestud037. ~. espiral criminológica posta em ação pelaUns:-

: tã~i.~_.~f!.<::i~i~~~t:!9.~~ __ !.lma~Lgeral do sistema penal::._º~~f~Hº$.ªª_ inter~~~.Q_d~ instãncias oficiais são tão sig~:~~fi<?~!.~YP~._J2..ara __.9__Qr,?sseguimento do processo de.ç.rimin....ªU..~.ªçãQ~.Jl1teaQ~les -'llK.furam surpre~-SJ'.eye.-

.Jamuma mªi~..-ªltª~xÜniD_aliqªçl~._s~çungáriª. dº_gue _ª~H!~-•les que Pt!c!~ram se subtrair a esta intervens.ª-()_(co!!!Jz!!al~~~ç!<::...de,çxinÜnalidade an!.~çed_~~J~_en!.reqs   dois grupos)   38.

Se os efeitos diretos ou indiretos da condenação têm, geralmente,uma função marginalizadora, ainda mais decididamente prejudi-cia~saos fins de re~nserção, que a nova legislação persegue, são osefeItos da execuçao das penas (ou das medidas de segurança)detentivas sobre a vida do condenado.

É   este o aspecto que, mais em particular, examinaremos no próximo capítulo.

/:

182

I.

1.As   CAR.ACTEiÚSTiCAS CON'iTANTE~- DO "MODELO" CARCERÁRIO

 NAS S()CIElJADB" CAPiTALISTAS C()NTEMPORÂNEAS 

Há décadas uma vastisssima literatura baseada sobre a obser-vação empíricaJ tem analisado a realidade carcerária nos seus as- pectos psicológicos, sociológicos e organizativos. A "comunidadecarcerária"2 e a "subcultura"3 dos modernos institutos de detençãose apresentam à luz destas investigações como dominadas por fato-res que, até agora, em balanço realístico, têm tornado vã toda ten-tativa de realizar tarefas de socialização e de reinserção atravésdestas instituições. Igualmente, a introdução de modernas técnicas

 psicoterapêuticas e educativas e transformações parciais na estru-tura organizativa do cárcere não mudaram, de modo decisivo, a

natureza e as funções dos institutos de detenção, na nossa socieda-de.Estes constituem o momento culminante e decisivo daquele me-canismo de marginalização que produz a população criminosa e aadministra em nível institucional, de modo a torná-la inconfundí-vel e a adaptá -la a funções própriaS"   que qualificam esta particular zona de marginalização. As inovações introduzidas na nova legis-lação penitenciária não parecem destinadas a mudar decisivamen-te a natureza das instituições carcerárias.

Acomunidade carcerária tem, nas sociedades capitalistas con-temporãneas, características constantes, predominantes em rela-ção às diferenças nacionais, e que permitiram. a construção de um

verdadeiro e próprio   modelo.   As características deste modelo, do ponto de vista que mais nos interessa, podem ser resumidas no fatode que os institutos de detenção produzem efeitos contrários à ree-ducação e à reinserção do condenado, e favoráveis à sua estávelinserção. na população criminosa. O cárcere   é   contrário a todo

183

- - - - - - - - ~ ~ ~ ~ ~ - ~ ~ ~ ~ ~ ~ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~ ~

moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o

auto-respeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educa-

dor tem dele. Ascerimônias de degradação no início da detençã05

,

com as quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exterio-

res da própria autonomia (vestuáriose objetospessoais),sãoo oposto

de tudo isso. Aeducação promove o sentimento de liberdade e de

espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo dis-

ciplinar tem um caráter repressivo e uni'formizante

cuja interio-rização é inversamente proprocional às  chances   de

reinserção na sociedade livre, têm sido examinados sob o aspec-

to das relações sociais e de poder, das normas, dos valores, das

atitudes que presidem estas relações, como também sob o ponto

de vista das relações entre os detidos e o staff   da instituição pe-lna!. Sob esta dupla ordem de relações, o efeito negativo da

"prisionalização", em face de qualquer tipo de reinserção do .

condenado te~l sido recond~z~do a dois processos característi-

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ciplinar, tem um caráter repressivo e uni formizante.Exames clínicos realizados com os clássicos testes de perso-

l nalidade mostraram os efeitos negativos do encarceramento   so-

\ bre a ~sique dos condenad~s e a correlação destes efeitos com a, duraçao daquele.   A conclusao a que chegam estudos deste gênero

\ é que "a possibilidade de transformar um delinqüente anti-social

~violento em um indivíduo adaptável, mediante uma longa pena

!carc.erária, não .par~ceexistir" e.qu~ "o instituto da pena não pode

reallzar a sua fmalidade como mstituto de educação"G.

Efeitos negativos sobre a personalidade e contrários ao fim

I~ducati:o do tratamento têm, além disso, o regime de "privações"

~(, especialmente quanto às relações heterossexuais8,   não só dire-

itamente, mas também indiretamente, através do modo em que os

\ meios de satisfação das necessidades são distribuídos na comuni-

~dade carcerária, em conformidade com as relações informais de

\poder e de prepotência que a caracterizam.1   A atenção da literatura se volta, particularmente, para o

 processo de socialização ao qual é submetido o preso. Processo

negativo, que nenhuma técnica psicoterapêutica e pedagógica

consegue equilibrar. Este é examinado sob um duplo ponto de

vista: antes de tudo, o da "desculturação"9, ou seja, a desadapta-

ção às condições necessárias para a vida em liberdade (dimi-

nuição da força de vontade, perda do senso de auto-responsabi-

lidade do ponto de vista econômico e social), a redução do senso

da realidade do mundo externo e a formação de uma imagem

ilusória deste, o distanciamento progressivo dos valores e dos

modelos de comportamento próprios da sociedade exterNa. Osegundo ponto de vista, oposto mas complementar, é o da "acultu-

ração" ou "prisionalização"lo. Trata-se da assunção das atitu-

des, dos modelos de comportamento, dos valores característicos

da subcultura carcerária. Estesaspectos da subcultura carcerária  ,

;

condenado, te~l sido recond~z~do a dois processos característi- .

cos: a   educaçao para ser cnmmoso   e a  educação para ser bom' 

 preso.   Sobre o primeiro processo influi, particularmente, o fato

de que a hierarquia e a organização informal da comunidade édominada por uma restrita minoria de criminosos com forte ori-

entação anti-social, que, pelo poder e, portanto, pelo prestígio

de que goza, assume a função de modelo para os outros sendo,   ,

ao mesmo tempo, uma autoridade com quem o  staffda   institui-

ção é constrangido a mediar o próprio poder normativo de fato.

A maneira pela qual são reguladas as relações de poder e de

distribuição de recursos (também daqueles relativos às necessi-

dades sexuais) na comunidade carcerária, favorece a formação

de hábitos mentais inspirados no cinismo, no culto e no respeito

à violência ilegal. Desta última é transmitido ao preso um mo-

delo não apenas antagônico em face do poder legal, mas tam-

 bém caracterizado pelo compromisso com este. .

A  educação para ser bom preso ocorre, em parte também no

ãmbitoda comunidade dosdetidos,dado que a assunçã~de um certo

grau de ordem, da qual oschefesdos detidos se fazemgarantes frente

ao staff(em   trocade privilégios),faz parte dosfinsreconhecidosnesta

comunidade. Estaeducação ocorre, ademais,atravésda aceitaçãodas

normas formais da instituição, e das informais postas em ação pelo

staf!. Emgeral, pode-se dizer que a adaptação a estas normas tende a

interiorizar modelosexterioresde comportamento,que servemao or-

denado desenvolvimentoda vidada instituição.Estasetorna o verda-

deiroobjetivoda instituição,enquantoa funçãopropriamenteeducativa

é amplamente excluídadoprocessodeinteriorizaçãodasnormas tam-

~m no sentido de que a participação em atividadescompree~didas

diretamente nesta função ocorre com motivaçãoestranha a ela e de

que é favorecidaa formaçãode atitudes de passivoconformism~e de

oportunismo.Arelaçãocomosrepresentantesdosórgãosinstitucionais,

184185

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

que, desse modo, se torna característica da atitude do preso, é marca-

da, ao mesmo tempo, pela hostilidade, pela desconfiança e por uma

submissão sem consentimento.

2. A   RELAÇÃO ENTRE PR.ESO E SOCIEDADE 

oque se indicou em relação aos limites e aos processos con-

trários à reeducação, que são característícos do cárcere, se integra

 AL~SANDRO BARATTA

ocuidado crescente que a sociedade punitiva dispensa ao en-

carcerado depois do fim da detenção, continuando a seguir sua exis-

tência de milmodos visíveis e invisíveis, Poderia ser interpretado como

a vontade de perpetuar, com a assistência, aquele estigma que a pena

tornou indelével no indivíduo. A hipótese de Foucault13,  da ampliação

do universo carcerário   à   assistência antes e depois da detenção, de

modo que este universo esteja constantemente sob o foco de uma sem-

pre mais científica observação que se torna por seu turno um instru-

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trários   à  reeducação, que são característícos do cárcere, se integra

com uma dupla ordem de considerações, que toca ainda mais radi-

calmente a natureza contraditória da ideologia penal da reinserção.

Estas considerações se referem  à

  relação geral entre cárcere e soci-edade. Antes de tudo, esta relação é uma relação entre quem exclui

(sociedade) e quem é excluído (preso). Toda técnica pedagógica de

reinserção do detido choca contra a natureza mesma desta relação

de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir.

Em segundo lugar, o cárcere reflete, sobretudo nas caracte-

rísticas negativas, a sociedade. As relações sociais e de poder da

subcultura carcerária têm uma série de características que a dis-

tinguem da sociedade externa, e que dependem da particular fun-

ção do universo carcerário, mas na sua estrutura mais elementar 

elas não são mais do que a ampliação, em forma menos mistifica-

da e mais "pura", das características típicas da sociedade capita-

lista: são relações sociais baseadas no egoísmo e na violência ile-

gal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais débeis

são constrangidos a papéis de submissão e de exploração. Antes

de falar de educação e de reinserção é necessário, portanto, fazer 

um exame do sistema de valores e dos modelos de comportamen-

to presentes na sociedade em que se quer reinserir o preso. Um tal

exame não pode senão levar à conclusão, pensamos, de que a ver-

dadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que

 pelo condenado12:   antes de querer modificar os excluídos, é pre-

ciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do

mecanismo de exclusão. De outro modo permanecerá, em quem

queira julgar realisticamente, a suspeita de que a verdadeira fun-

ção desta modificação dos excluídos seja a de aperfeiçoar e de

tornar pacífica a exclusão, integràndo, mais que os excluídos na

sociedade, a própria relação de exclusão na ideologia legitimantedo estado social.

186

 pre mais científica observação, que se torna, por seu turno, um instru

mento de controle e de observação de toda a sociedade, parece, na

realidade, muito próxima da linha de desenvolvinlento que o sistema

 penal tomou na sociedade contemporânea. Este novo "panopticon"tem sempre menos necessidade do sinal visível (os muros) da separa-

ção para assegurar-se o perfeito controle e a perfeita gestão desta zona

 particular de marginalização, que é a população criminosa.

3. As   LEIS DE REF( m,MA PENlTENOÁRIA ITALIANA E ALEMÃ

Emerge da análise que conduzimos até agora como o sistema

 penitenciário é contrário, no seu conjunto, à reinserção do preso, e

como a sua real função é a de constituir e manter uma determina-

da forma de marginalização. Ao fazer esta afirmação é preciso,contudo, reconhecer que, nos últimos, anos, assistiu-se   à introdu-

ção de notáveis inovações neste sistema, como, por exemplo, na

Itália e na Alemanha. As "reformas" carcerárias aprovadas nos dois

 países, ainda que não modifiquem, na substãncia,a espiral repres-

siva, introduziram dois princípios bastante novos. O primeiro   é  o

de um trabalho carcerário equiparado - pelo menos em alguns

aspectos - ao trabalho desenvolvido fora do cárcere pelo assalari-

ado14•   O segundo é uma abertura (por ora, apenas uma fresta) à

 presença "externa" no cárcere, a maiores contatos entre os presos

e a sociedade externa15•   Encontramo-nos na véspera de uma trans-

formação qualitativa e funcional do sistema? Confiamos a resposta

a dois tipos de considerações.

A primeira consideração é que a letra da norma e a sua apli-

cação, a ideologia do legislador e a eficácia da legislação, são dois

momentos distintos, mas não separáveis. A realidade do direito é

dada pela sua unidade. Por isso, a análise do sistema penal e da

187

CRI.'vIIl\'OLOGIA cRinCA E CRíTICA DO DIREITO ~ENAL

marginalização social a ele ligada não pode   ser    feita, sob o aspecto

 jundico,   se o trabalho do jurista se limita ao universo da norma,

excluindo-se o conhecimento da eficácia e da aplicação concreta

da norma. Partindo desta unidade funcional pode-se compreender 

como o insucesso que, nos últimos   150 anos, acompanha todas as

iniciativas de reformas e tentativas de fazer do sistema carcerárioum sistema de reinserção, não pode ser interpretado como o casual

e desafortunado desvio da realidade carcerária das funções a ela

ilusão de Uma socialização realizada, permitindo a "reinserção" dealguns sujeitos "criminosos" em determinados estr.'at~ssocia,is,.consi-derando os estratos como elásticos (uma hIpotese tlpIca do

marginalismo) e sem enfrentat os obstáculos que a estrutura econô-

núca opõe a este processo. Neste campo existem, todavia, alguns estu-

dos que merecem uma atenta reflexão. Conceitos marxianos como o

de exército industrial de reserva e de concorrência entre trabalhado-

res, e da superpopulação relativa, permitiram   à teoria do subdese~vol-vimento16 instituir uma ligação direta entre o atraso de algumas areas

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e desafortunado desvio da realidade carcerária das funções a elaatribuídas pelo direito, ou seja, como conseqüências não   desejadas

do direito. Deste ponto de vista, a lógica da aplicação seria uma

lógica contrária   à   da normatização. Uma visão global do direito permite, ao contrário, interpretar a lógica da normatização à luz

da realidade histórica e social em que ela é concretizada. Isto per-

mite atribuir a todo o sistema, e não somente   à  aplicação, a sua

função real,  controlável com os dados da experiência, e interpretar 

como ideologia legitimante as finalidades do legislador que, até agora,

 permaneceram um programa irrealizado.Para julgar a nova legislação carcerária dos dois países ociden-

tais é necessário, portanto, não se limitar ao texto da lei, mas examiná-

lo  à   luz de uma série de momentos sucessivos nos quais ela "vive".A  segunda consideração é que o método que tradicionalmente

tem inspirado os estudos sobre marginalização criminal não é satisfa-tório, no plano teórico. Esse método permite um levantamento apenas

 parcial da realidade, do qual não podem surgir senão propostas de

remédios parciais. As pesquisas sobre marginalização têm levado em

conta, principalmente, os mecanismos psicológicos e culturais do fe-

nômeno. O conceito de marginalidade tem sido baseado, substancial-

mente, sobre h-êselementos:   1) a participação em uma subcultura di-

ferente em relação à dos outros grupos sociais, e os correspondentes

modelos de comportamento, freqüentemente desviantes, que dela de-rivam; Z) a definição dominante desta diferença cultural na sociedade

e a correspondente reação social em relação ao grupo respectivo; 3) a

consciência do sujeito da própria posição marginal e a auto-identifi-

cação com os papéis correspondentes. Astentativas de explicação fun-

cional da marginalidade têm se detido, muito freqüentemente, no mo-

mento da distribuição de renda e da conseqüente distribuição de   status.

Permanecem fora do ãngulo visual as raízes econônúcas da distribui-

ção, a ligação entre distribuição e tipo de produção. Daqui deriva a

188

i

vimento16  instituir uma ligação direta entre o atraso de algumas areas

geográficas e a acumulação nas metrópoles capi:alistas ,e,.em se~tido

mais geral, enh-e fenômenos de desagregação SOCiale a 10$lcado ~Iste-

ma capitalista. Daquelas pesquisas veio  à luz, em suma, que fenome-nos de rebaixamento de classe social e de concorrência entre trabalha-

dores empregados e não-empregados têm um caráter essencial para a

lógica da acumulação.

4. A   PERSPECTIVA DE RU~Y~,'HEE KIR(,'HHEIMER: AS RELAÇÔES EN-

TRE MERCADO J)E TI{AJjALHO, SISTEMA PUNITIVO E CARCERE 

Desde   1939   Rusche e Kirchheimer esclareceram as relações, .' • , 17

existentes entre mercado de trabalho, SIstema pumtlvo e carcere .

Um discurso sobre as relaçôes existentes entre emprego e

criminalidade não exaure, contudo, todo o tema da marginalizaçãocriminal, sobretudo porque o "mercado de trabalho" se manifesta,

no sistema capitalista, como ',uua dimensão não só econômica, mas

 política e econômica ao mesmo tempo, sobre a qual influi o sistema

de   status  e o poder estatal.   É   claro que o processo de exclusão im-

 plicado no mercado de trabalho representa um terreno de cultura

 para a marginalização criminal. A tentativa de operar uma

ressocialização mediante o trabalho não pode, portanto, ter suces-

so, sem incidir sobre a exigência própria da acumulação capitalista

de alimentar periodicamente o saco da exclusão. O nó por desatar é o do pleno emprego; um nó que nenhuma experiência capitalista

desatou até agora (nem mesmo com o receituário de j.M.Keynes).

Outras indicações provêm de trabalhos que enfrentam a

marginalização criminal também do ponto de vista da sua gênese

através da política e da legislação. No passado, as teorias

funcionalistas (Durkheim, Merton,   supra,  capítulo IV) e psicanalí-

189

\-I\.JNlU'IULV\"'ltl\ \..KlI   J" '-i\   t.   \,..MJn...i\   uu   UI"-t .IIU   f' LNAl.

ticas (Freud,  T .   Reik, supra, capítulo   111),   evidenciaram a funçãoque, na sociedade e no Ego, desenvolvem a identificação e aestigmatização do desvio.O livro de Foucault, acima lembrado, in-tegra aquele discurso com uma série de reflexões econômicas   e

 políticas destinadas a influenciar muito a análise do sistema penalna sociedadecontemporânea. ParaFoucault,o sistema punitivo temuma função direta e indireta.   A  função indireta éa degolpear umailegalidade visívelpara encobrir uma oculta; a função direta é  a dealimentar uma zona de marginalizados criminais inseridos em um

Al ~SANDRO BARATTA

nitivos, no plano substancial - o que dificilmente ocorreria-, no plano epistemológico, ao contrário, produziu resulta-dos irreversíveis. Neste debate, de fato, se consolidaram duasteses centrais, comuns a estas duas obras: a) para que se pos-sa definir a realidade do cárcere e interpretar o seu desen-volvimento histórico, é necessário levar em conta a funçãoefetiva cumprida por esta instituição, no seio da sociedade; b)

 para o fim de individualizar esta função, é preciso levar emi d i d d i d d á

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alimentar uma zona de marginalizados criminais, inseridos em umverdadeiro e próprio mecanismo econômico ("indústria" do cri-me) e político (utilização de criminosos com fins subversivos e re-

 pressivos).,Sese pensa como a repressão, concentrada principal-\fuênt~obre determinados tipos de delitos, cobre uma mais ampla<'área de ilegalidade na nossa sociedade, sese pensa'no apel econô-

,mico e político de grandes organizações criminosas   CIC o econô-I. mico da droga, seqüestros, política econômica do terrorismo fas-'---ctsta), toma-se consciência do valor daquele discurso. Esteestá li-'\

gado a um nó, semelhante em importãncia, ao do pleno emprego.(r-Deste  ponto de vista, a marginalização criminal revela o caráter \ "impuro" da acumulação capitalista, que implica necessariamente/ os mecanismos econômicos e políticosdo parasitismo e da renda.   A'esperança de socializar, atra..\T~~_~(J.-..!!"ab_ªlhQ~~!~res   'de--

~lãriinall_~~ç~~_ê_ri-nlinaf,-se~~h~~a..._.~..<?1E_~_!~$i~flc i a .. _ _~<?~~l:!~açª-~:~.capitalista, que tem necessidade demanter em pé setores ltl~rginaisdo sistema e mecanismos dere.i1aàé-pàr-ª-'~Iff~rrlº;_Emsumã;61m~-

 possível eiifrentar"oprobIe"Í11ada' -lnarginalização criminal semincidir na estrutura da sociedade capitalista, que tem necessidadede desempregados, que tem necessidade, por motivosideológicos eeconõmicos, de uma marginalização criminal.

5. Os   ÊXITOS IRREVERSíVEIS DAS PESQUI,",AS DE RUSCHE E 

KIRCHHEIMER E J)E FOUCAUL T: DO ((ENR)QUE IDEOLÓGICO" AO

((Jl(  )LíTICO-ECONÔMICX)" 

Se é certo que a recente discussão em torno dos já clás-sicos livros de Rusche e Kirchheimer e de Foucault18,   sobre ahistória da prisão, não produziu resultados unânimes e defi-

190

conta os tipos determinados de sociedade em que o cárcereapareceu e se desenvolveu como instituição penal. Este modode colocar os problemas epistemológicos, que consideramos

correto   e  sugerimos denominar    enfoque materialista   ou poli-tico-econômico,   se opõe ao que tem sido dominante, há mui-to tempo, que continua a ser o mais difundido entre os juris-tas, e que sugerimos denominar enfoque   ideológko   ou   idea-lista.   O  núcleo central do enfoque idealista   é  representado

 pelas teorias dos fins da pena.   A  premissa fundamental destasteorias é o axioma segundo o qual a pena   é   uma resposta àcriminalidade, um meio de luta contra ela. Não obstante, asopiniões acerca da questão sobre qual deveria ser a função

 primária ou fundamental desta instituição, há dois séculosestão divididas entre os que sustentam que esta função deve-

ria ser l"etributiva, as que sustentam que tal função deveriaser intimidativa (prevenção geral) e, enfim, as que são, antes,de pare::er que esta função deveria ser reeducativa (preven-ção especial). O duvidoso êxito de tão amplo debate tem sidouma teoria "polifuncional" da pena, que, atualmente, na mai-oria dos casos, põe o acento, particularmente, na reeduca-ção. Mas, por outro lado, a sociologia e a história do sistema

 penitenciário chegaram a conclusões, a propósito da   funçãoreal da instituição carcerária na nossa sociedade, que fazemcom que o debate sobre a teoria dos objetivos da pena pareçaabsolutamente incapaz de conduzir a um conhecimento ci-

entífico desta instituição. ,Fazendo referência às teorias clássicas dos juristas, Rusche e

Kirchheimer 19sintetiZamo questionamento do enfoque jurídico, nareconstrução históricado sistemapunitivo, nosseguintestermos:  "As

teorias da pena não chegama explicar a introdução de formas espe-

191

CRIMINOLOGIA CRt'fICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

'f' de puni ~ão no conJ'untoda dinãmica social". Foucault2°seCIIcas .•. , 'dad d "d  exprime no mesmo sentido, quando sustenta a ne~essl, ~ e es-fazer-se, antes de tudo, da ilusão de que a pena seja,pnncIpalm~nte(se não exclusivamente), um modo de repres.são dos deh~~s{ ... ]. É   preciso, antes, analisar os concretos slste~as yumtl-vos estudá-los como fenômenos sociais, dos quaIs nao podedar' conta a só armadura jurídica da sociedade, nem as suas

escolhas éticas fundamentais". .

 ALESSANDRO BARATTA

Apesar das objeçôes assinaladas, as contribuições de Rusche eKirchheimer e de Foucault são essenciais para a reconstrução cien-tífica da história do cárcere e da sua reforma, na sociedade capita-lista. As funções desta instituição na  produção   e no controle daclasse operária, e na criação do universo disciplinar de que a mo-derna sociedade industrial tem necessidade, são elementosindispensáveis a uma epistemologia materialista, a uma"economia política" da pena.

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 Nesta ótica a indicação epistemológica de Rusche e Kirch-heimer1 assume 'uma importãncia decisiva: "Todo sistema de p~~-dução tem uma tendência a descobrir (e a utilizar) sistemas pumti-vos que correspondem às próprias relações d~p:oduÇã~". Atese ~eRuschee Kirchheimer é que, na sociedadecapltahsta, o sIstemapem-tenciário depende, sobretudo, do desenvolvimento do merca~o detrabalho: a medida da população carcerária e o empregodesta comomão-de-obra dependem do aumento ou da diminuição da força detrabalho disponível no mercado, e da sua utilização. Foucault, por seu lado, insiste principalmente sobre a importãncia do cár~ere naconstrução do universo disciplinar que, a partir do   panopfJsmo   docárcere se desenvolveaté compreender toda a sociedade.O recentedebate demonstrou a fecundidade, a importãncia, mas também aunilateralidade de ambos estes pontos de vista.

A correlação entre população carcerária e mercado detrabalho foi confirmada pela análise e as estatísticas recen-tes de )ankoviclZ,   sobre a evolução da socieda~e ame.ricana,de   1926 a   1974. Todavia, à tese de Rusche e KIrchheImer seopõs a observação de que não leva em conta o elemento  djs~jp'lir~Ia,

essencial para compreender a função do cárcere na sua fase ImcIal,que coincide como surgimento da sociedadecapitalista. Estafunção,realmente   educativa, foi a de transformar as massas de camponesesque, expulsos do camp?, deviamser educados para a dura disciplina

da fábrica.Poroutro lado, a crítica ao enfoque de Foucault se dirige con-

tra o caráter historicamente abstrato que, no seu discurso, assume.a exigência da disciplina. Esta, em vez de ser reconduzida. ao de~

senvolvimento das relações de produção, é diretamente hgada aestratégia de um "Poder" que, maÍs que os indivíduos, parece ser, para Foucault, o próprio   sujeito  da história.

192

Ainda que ambos os trabalhos concentrem seus recursosexplicativos sobre o nascimento e o desenvolvimento do cárcere,mais que sobre a sua decadência, a crise da instituição carcerária,e, portanto, o fim de sua parábola histórica, são hipóteses que seacham traçadas com uma evidência verdâdeiramente notável, nes-tes estudos. A diminuição relativa da população carcerária, queinicia e continua, de modo decisivo, em todos os principais paísescapitalistas, a partir da segunda metade do século  XIX,  é um temaque ocupou amplamente a atenção de Rusche e Kirchheimer. Por sua parte, Foucault, J.:1aconclusão do seu livro, deixa claramentever a transição que ocorre dos instrumentos de controle totalcarcerário para outras instituições. Tanto Rusche e Kirchheimer,quanto Foucault, estão conscientes de que nos países capitalistasmais avançados, na fase final de desenvolvimento por eles descrito

(a Europa dos anos 30, no caso de Ruschee Kirchheimer; a Europados anos 70, no caso de Foucault), o cárcere não tem mais aquelafunção   realde  reeducação e de disciplina, que possuía em sua ori-gem.Esta função educativa e disciplinar se reduz, portanto, agora,à pura ideologia. Asestatísticas das últimas décadas, nos países ca- pitalistas avançados, demonstram uma diminuição relativa da po- pulação carcerária, em relação ao impacto conjunto do sistema penal, e indicam um aumento das formas de controle diversos dareclusão, como, por exemplo, o probation   e o livramento condicio-nal. Além disso, elas indicam um notável aumento da populaçãocarcerária à espera de julgamento, em relação   à   população

carcerária em expiação de pena. Tudo isto constitui um convite atomar em consideração os estudos de Rusche e Kirchheimer e deFoucault, comotambém a discussão que estas obras suscitaram nosúltimos tempos, não sópara um mais preciso conhecimento da his-tória da~ instituições carc~r:ári~~desde sua origem, mas também

193

CRIMINOLOGIA CRITICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

 para conhecimento das razões profundas da presente crise destas

Instituições. Tal conhecimento deveria constituir a base para uma

avaliação realista das reformas penitenciárias havidas r.os últimos

tempos, em diversos países capitalistas (aqui referimo-nos, em par-

ticular,   à   Itália e  à   Alemanha), e para a compreensão do caráter 

ideológico e contraditório destas reformas. Do mesmo modo, deve-

ria permitir situar no justo contexto os elementos inquietantes da

"contra-reforma", que rapidamente se seguiu a estas reformas, nos

 AL£SSANORO BARATTA

ção e à  marginalização de setores cada vez mais vastos da popula-

ção. Os dados relativos à situação do mercado de trabalho, à emi-

gração, aos desequilíbrios entre as regiões e  à  pobreza em numero-

sas áreas do capitalismo avançado na Europa são, a tal propósito,

eloqüentes. E é sobretudo significativo o fato de que o aumento da

exploração e da marginalização parece estreitamente liga-

do ao modo injusto em que tem lugar a "racionalização" dos

 processos produtivos, na lógica do atual desenvolvimento

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 países referidos. Estacontra-reforma praticamente bloqueou os as-

 pectos positivos que a ideologia reeducativa da reforma parecia ter 

conseguido afirmar. De resto, é extremamente significativo que, emcertos paises onde o movimento de reforma atingiu níveis muito

elevados, como o Canadá, por exemplo - toma-se como ponto de

referência os documentos da   Comissão de Reforma do Direito do

Canadá -,   não se considera mais o cárcere como instrumento de

reeducação.Em muitos países capitalistas, e especialmente na Europa, a

contra-reforma do sistema penal e penitenciário, sustentada pela

ampliação dos fenômenos terroristas, é particularmente qualifica-

da por uma tendência a indentificar diretamente no terrorista o

estereótipo do criminoso. Toda falsa ingenuídade foi abandonada

nestes países: o novo curso dos acontecimentos parece não ter mais

necessidade das velhas idéias para obter o consenso da população

restante. A defesa do Estado contra o terrorismo   é   suficiente para

legitimar a suspensão da reforma dos códigos e a inversão de ten-

dências na transformação das instituições penitericiárias em dire-

ção a papéis de mera custódia, para o cárcere de máxima seguran-

ça, e a transformação do conjunto do sistema penal em direção a

uma função política de intimidação e para a configuração de um

regime policialesco. Apolítica da reforma penitenciária colidiu com

'1exigência, que hoje parece a exigência essencial; de uma política

de ordem pública.

Para avaliar a verdadeira natureza dos interesses em jogo e as

'estratégias subjacentes   à  atual política de ordem pública, é neces-

sário levar em conta um elemento estrutural característico da fase

atual do desenvolvimento do sistema tardo-capitalista. Esteelemento

estrutural é constituído pela tendência ao incremento da

superpopulação relativa (desocupação e subocupação)~ à  explora-

194

capitalista.   É,   também, significativo o fato de que o aumen-

to de tal exploração e da contemporânea marginalização,

como também o modo injusto em que tem lugar a racionali-zação dos. processos produtivos, parecem internos   à   lógica

do desenvolvimento capitalista.

De um ponto de vista institucional, isto pressupõe, para o sis-

tema capitalista, uma maior exigência de disciplina e de repressão,

com a finalidade de conter a tensão das massas marginalizadas. Se

se toma em consideração este elemento estrutural, percebe-se fa-

cilmente que, sob a crise de ordem pública em certos países, e a

imagem que de tal crise é transmitida na opinião pública, se escon-

de uma estratégia capitalista que tende a produzir uma deteriora-

ção do Estadode direito e as condições para uma gestão autoritária

do processo produtivo e da própria sociedade. Esteprocesso de trans-

formação autoritária é insidioso para o movimento operário, já que

a linha da marginalização social, ou seja, o limite entre a explora-

ção e a superexploração capitalista, passa no interior mesmo do

 proletariado, e o divide em dt:.asfrentes. Cria-se, então, a impressão

de um contraste de interesses materiais entre estas duas frentes.

Istc se traduz, no plano do equilíbrio político, nas tentativas atuais,

tanto na Itália quanto na Alemanha, de comprometimento dos par-

tidos operários na articulação de uma política de ordem pública,

correspondente   à lógica do capital e dos seus interesses. _,

É  .neste mais vasto contexto estrutural que se deve examinar a

transformação atual e a crise da instituição carcerária. A pesquisa

que ainda resta por fazer refere-se  à ligação funcional que intercórre ''r 

entre a atual fase de contra-reforma do sistema punitivo e a crise   I

do mecanismo de acumulação capitalista, que assistimos atualmente. JTalvez não seja uma coincidência fortuita o fato de que se assiste àcrise da. tradicional ideologia legitimante do cárcere - o discurso

195

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

. . • .'/-/ sobre a "reeducação" e a reinserção -, no mesmo momento emque a estratégia conservadora do sistema deixa cair o mito da ex- pansão ilimitada da produtividade e do pleno emprego. Estaestra-tégia conduz, de fato, a uma "democracia autoritária", a uma soci-

 J    edade em que se torna sempre mais alta a barreira que divide a'\ população garantida da zona sempre mais vasta da população mar-

t , .   3inalizada e excluída da dinâmica do mercado oficial de trabalho.I   (Nesta situação, o "desvio" deixa de ser uma ocasião - difusa em

I

XV.   CRIMINOLOGIA CRÍTICA E POLÍTICA

CRIMINAL ALTERNATIV A

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,

\

( ç , j   I  todo o tecido social- para recrutar uma restrita população crimi- j   !nosa, como indica Foucault, para transformar-se, ao contrário, no

r ~ !  status   habitual de pessoas não garantidas, ou seja, daqueles que

f    não são sujeitos, mas somente objetos do novo "pacto social". Tal-vez, em breve, para disciplinar tais estratos sociais, bastará a cria-ção de grandes guetos controlados por computador (na medida emque a disciplina do trabalho e do consumo será suficiente para sa-tisfazer a_~~c~~ida~~_.de_~~_~!:'_~~.29E~~~Çãogaranti~a)JEm talsocledaae, a originária função do aparato penitenciário, no mo-mento do surgimento da formação social capitalista - ou seja, afunção de transformar e produzir o homem, adaptando-o à disci- plina da fábrica, e de reproduzir a mesma disciplina como regimeda sociedade em geral -, estará definitivamente superada. Ainversão funcional da pena privativa de liberdade23

,  que seexprimecom o nascimento do cárcere especial, do cárcere de máxima se-gurança, poderia manifestar, neste sentido, todo o seu significado.

196

1.A   AlX)(.l'io   1)0 PONTO DE VISTA DAS CLASSE') SUBAL TERNAS COMO

UARANTlA DE UMA PRÁXIS TEÓRICA E POLÍTICA AL TERNA TIVA

Como se saliento-qnós capítwos anteriores,a.at,ença8da novacriminologia, da  criminologia critiça, sedirigiu principalmente parao processo de criminaÚzação, identificando nele um dos maioresnós teóricos e práticos das relações sociaisde desigualdade própri-as da sociedade capitalista, e perseguindo, como um de seus objeti-vos principais, estender ao campo do direito penal, de modo rigo-roso,a crítica do direito desigual. Construir uma teoria materialista(econômico-política) do desvio, dos  comportamentos socialmente

negativos e da criminalização, e elaborar as linhas de uma políticacriminal alternativa, de uma política das classes subalternas no se-tor do desvio: estas são as principais tarefas que incumbem aosrepresentantes da criminofogia crítica, que partem de um enfoquematerialista e estão convencidos de que só uma análise radical dosmecanismos e das funções reais do sistema penal, na sociedadetardo-capitalista, pode permitir uma estratégia autônoma e alter-nativa no setor do controle social do desvio, ou seja, uma "políticacriminal" das classes atualmente subordinadas. Sómente partindodo ponto de vista dos interesses destas últimas consideramos ser  possível perseguir as finalidades aqui indicadas.

Enquanto a classe dominante está interessada na contençãodo desvioem limites que não prejudiqu~m a funcionalidade do sis-tema econõmico-social e os próprios interesses e, por conseqüên-cia, na manutenção da própria hegemonia no processo seletivodedefinição e perseguição da criminalidade, as classessubalternas, aocontrário, estão interessadas em uma luta radical contra os com-

197

CRI.\1INOLOGIA   CRITICA   E CRITICA DO DIREITO rrNAL

 partamentos sOCÍalmente negativos,   isto é, na superação das condi-

ções próprias do sistema sócio-econõmico capitalista, às quais a

 própria sociolozia   Jjberalnão   raramente tem reportado os fenõme-

nos da "criminalidade". Elas estão interessadas, ao mesmo tempo,

em um decidido deslocamento da atual política criminal, em rela-

ção a importantes zonas de nocividade social ainda amplamente

deixadas imunes do processo de criminalização e de efetiva

 penalização (pense-se na criminalidade econômica, na poluição

ambiental na criminalidade política dos detentores do poder na

I<l'

 ALESSANDRO RARATTA

fracas; além disso incide, em razão inversamente proporcional   à força

e ao poder de controle político alcançado pelas classes subalternas,

no interi:Jr das relaçôes concretas de hegemonia, com uma mais ou

menos rigorosa restrição da esfera de ações políticas dos movimen-

tos de emancipação social. Pense-se - por exemplo - nas formas

de discriminação e de criminalização em face do proletariado ou de

minorias marginalizadas, em muitos países de capitalismo avança-

do, para não falar da criminalização terrorista das classes subalter-

nas r os países em que o desenvolvimento capitalista atravessa uma

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ambiental, na criminalidade política dos detentores do poder, na

máfia etc.), mas socialmente muito mais danosas, em muitos casos,

do que o desvio criminalizado e perseguido. Realmente, as classes

subalternas são aquelas selecionadas negativamente pelos meca-

nismos de criminalização. As esta-tísticas indicam que, nos países

de capitalismo avançado, a grande maioria da população carcerária

é de extração proletária, em paliicular, de setores do subproletariado

e, portanto, das zonas sociais já socialmente marginalizadas como

exército de reserva pelo sistema de produção capitalista. Por outro

lado, a mesma estatística mostra que mais de 80% dos delitos per-

seguidos nestes países são delitos contra a propriedade. Estes deli-

tos constituem reaçôes individuais e não políticas às contradições

típicas do sistema de distribuição da riqueza e das gratificações

sociais próprias da sociedade capitalista: é natural que as classes

mais desfavorecidas deste sistema de distribuição estejam mais par-ticularmente expostas a esta forma de desvio.

Vimos como isto não quer dizer, de modo algum, que o desvio

criminal se concentre, efetivamente, na classe proletária e nos delitos

contra a propriedade. A mesma criminologia   liberal, com as pesqui-

sas sobre a  cifra negra,   sobre a criminalidade do  colarinho branco   e

sobre a criminalidade politica demonstra, ao contrário, que o com-

 portamento criminoso se distribui por todos os grupos sociais, que a

nocividade social das formas de criminalidade próprias das classes

domi.pantes e, portanto, amplamente imunes, é muito mais grave do

que a de toda a criminalidade realmente perseguida. Por outro lado,

o sistema das imunidades e da criminalizaçãc seletiva incide em

medida correspondente sobre o estado das relaçôes de poder entre

as classes, de modo a oferecer um salvo-conduto mais ou menos

amplo para as práticas ilegais dos grupos dominantes, no ataque aos

interesses e aos direitos das classes subalternas, ou de nações mais

198

Itl iIl

nas, r,os países em que o desenvolvimento capitalista atravessa uma

fase de involução autoritária; pense-se, para dar exemplo de formas

de criminalização das classes subalternas, na manutenção de nor-

mas penais fascistas, na Itália, hoje novamente aplicadas contra deli-

tos políticos e de opinião, introduzidos pelo "código Rocco".

POlianto, a adoção do ponto de vista do interesse das classes su-

 balternas para toda a ciência materialista, assim como também no

can;po específico da teoria do desvio e da criminalização, é garantia

de uma práxis teórica e política alternativa que colha pela raiz os fenô-

menos negativos examinados e incida sobre as suas causas profundas.

Se uma tal ciência pl'etende ser capaz de penetrar na lógica das

contradiçôes que a realidade social apresenta, e de captar as necessi-

dades dos indivíduos e da comunidade no seu conteúdo historica-

mente determinado, para orientar a ação em vista da superação des-

tas contradições e da satisfação destas necessidades, não poderá selimitar    à descrição das relações sociais de desigualdade que o siste-

ma penal reflete (no seu modo fragmentál;o de proteger os interes-

ses, isto é, de satisfazer as necessidades dos individuos e da comuni-

dade, no seu modo seletivo de distribuir o status   de criminoso). Em

tal nível descritivo, de resto, resultados muito consideráveis já foram

alcançados, no âmbito da sociologia libera/contemporânea. Por isso,

a análise deverá ser impelida para um nível mais profundo, com o

objetivo de compreender a função histórica e atual do sistema penal

 para a c.:Jnservação e para a reprodução das relações sociais de de-

sigualdade. Isto requer que se supere o nível da visibilidade socioló-

gica da desigualdade (a esfera da distribuição dos bens positivos ou

negativos), para penetrar na lógica objetiva da desigualdade, que re-

side na estrutura das relaçôes sociais de produção, na sociedade tar-

do-capitalista, para apreender a lei invisível, mas efetiva,   à  qual estas

~.elações obedecem: a lei do valor.

CRIMINOLOGIA ClÚT1CA E CIÚTICA DO DIREITO rENAL

Somentea este nível - pensamos - as relações (econômicas)

de propriedade e as relações (políticas)de poder revelam a sua raiz

comum e, portanto, poderá ser superada a alternativaheuristica que

se apresenta no âmbito da criminologia liberal   contemporânea; ou

seja,a alternativa entre uma consideraçãodas relaçõeseconômicasàs

expensas das políticas e uma consit:eraçãodas relações políticas às

expensas das econômicas.O discursoaqui projetadoestá,certamente,

muito longede completo,mas para ele muitoselementosjá estão ela-

b d ã ó t é d t b lh li d té t t

 AL~SANDRO BARATTA

gativo   que se encontram nas classes subalternas e dos que se en-

contram nas classes dominantes (criminalidade econômica,

criminalidade dos detentores do poder, grande criminalidade or-

ganizada). Os primeiros são expressões específicas das contradi-

ções que caracterizam a dinâmica das relações de produção e de

distribuição, em determinada fase do desenvolvimento da forma-

ção econômico-social, na maioria dos casos uma resposta indivi-

dual e politicamente inadequada àquelas contradições, por palie

de indivíduos socialmente desfavorecidos3 Os segundos são estu

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 borados, não só através do trabalho realizado,até este momento, no

âmbito da criminologiacritica, mastambématravésdo trabalho histó-

rico realizado em obras, agora clássicas,e que seestá fazendo sobre o

desenvolvimentoea função do sistemapenal'na nossasociedade.Para

o desenvolvimentodestediscurso,impulsosfundamentaispodempro-

vir, também, dos estudosde teoriado direito e do Estado,de políticae

de economia. Pensamos,em particular, que o empregode instrumen-

tos conceptuais e de hipótesesteóricas que tenham sua fonte clássica

na obra de Marx possaser degrande importância,e istona medida- parece supérfluo lembrá-lo - em que tal empregoseja feito livre de

toda forma de dogmatismo,ou seja,considerando o marxismo comoum edifícioteórico aberto, que, como qualquer outro,pode e deve ser 

continuamente controlado mediantea experiênciae o confronto, cri-

ticomas sempreconceitos,com osargumentos e os resultadosprove-

nientes de enfoquesteóricos diversos1•

2.   QUATRO INDICAÇÔ£'; ((£~'TI<ATÉ("ICA.~'" PAI<A UMA 1~;)OLíTIC.A

CRIMINAL   n DAS CLASSE~' SUBAL TER.NAS 

Dos resultados positivose doslimites teóricos e ideológicos da

criminologia   liberal   contemporânea colocados em evidência, da

 perspectiva e dos resultados alcançados no âmbito da   nova

crimihologia ou   criminologia critica,  emergem quatro indicaçôes

estratégicas   para a elaboração e o desenvolvimento de uma "políti-

ca criminal" das classes subalternas2

a) Da inserção do problema do desvio e da criminalidade na

análise da estrutura geral da sociedade deriva, se nos referimos   à

estrutura da sociedade capitalista, a necessidade de uma interpre-

tação separada dos fenõmenos de cOl11portamentosocialmente ne-

200

de indivíduos socialmente desfavorecidos3•   Os segundos são estu-

dados   à   luz da relaçâo funcional que intercorre entre processos

legais e processos ilegais da acumulação e da circulação do capital,

e entre estes processos e a esfera política.Impõe-se, assim, a necessária distinção programática entre

 política penal   e política criminal,   entendendo-se a primeira comouma resposta à questão criminal circunscrita ao âmbito do exercí-

cío da função punitiva do Estado (lei penal e sua aplicação, execu-

ção da pena e das medidas de segurança), e entendendo-se a se-gunda, em sentido amplo, como política de transformação social e

institucional. Uma política criminal alternativa é a que escolhe de-

cididamente esta segunda estratégia, extraindo todas as conseqüên-

cias da consciência, cada vez mais clara, dos limites do instrumen-

to penal. Entre todos os instrumentos de política criminal o direito

 penal é, em última análise, o mais inadequado.A perspectiva de fundo desta política criminal é radi-

cal, porque procede de uma teoria que reconhece que a ques-

tâo penal não está somente ligada a contradições que se

exprimem sobre o plano das relações de distribuição, e não

é, por isso, resolúvel, atuando apenas sobre estas relaçôes,

 para corrigi-Ias4, mas liga-se, sobretudo, às contradiçôes es-

truturais que derivam das relações sociais de produção. Por 

isso,uma política criminal alternativa coerente com a própria base

teórica não pode ser uma política de "substitutivos penais", que

 pennaneçam limitados a uma perspectiva vagamente reformista e

humanitária, mas uma política de grandes reformas sociais einstitucionais para o desenvolvimento da igualdade, da democra-

cia, de formas de vida comunitária e civil alternativas e mais hu-

manas, e do contrapoder proletário, em vista da transformação ra-

dical e da superação das relações sociais de produção capitalistas.

201

LRIM INOI.OGIA CRITICA E CRITICA UU UIKU1 U   nl~I\L

b)   Da crítica do direito penal como direito desigual deri-vam conseqüências analisáveis sob dois perfis. Um prin,eiro per-fil refere-se à ampliação e ao reforço da tutela penal, em áreasde interesse essencial para a vida dos indivíduos e da comuni-dade: a saúde, a segurança no trabalho, a integridade ecológi-ca etc. Trata-se de dirigir os mecanismos da reação institucio-nal para o confronto da criminalidade econômica, dos grandesdesvios criminais dos órgãos e do corpo do Estado, da grandecriminalidade organizada. Trata-se, ao mesmo tempo, de asse-

ALESSANDRO BARATIA

encaminhamento de processos alternativos de socialização  do con-trole do desvio e de   privatizaçúo   dos conflitos, nas hipótesesem que isso seja possível e oportuno. Mas a estratégia da despena-

lização signfica, sobretudo, como se verá mais adiante, a aberturade maior espaço de aceitação social do desvio.

Enfim, integra a tarefa de uma política criminal alternativa

em relação ao direito penal desigual, uma reforma profunda do processo, da organização judiciária, da polícia, com a finalidade dedemocratizar estes setores do aparato punitivo do Estado para con-

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~.',urar uma maior representação processuAl em favor dos inte-i-esses coletivos5

Ainda na perspectiva de um tal "uso alternativo" do direito penal é preciso resguardar-se de supervalorizar a sua idoneida-de e, ao contrário, dar a justa importância, também neste cam-

 po, a meios alternativos de controle, não menos rigorosos, que podem se revelar, em muitos casos, mais eficazes. Além disso, é preciso evitar cair em uma política reformista e ao mesmo tem- po "panpe-nalista", que consiste em uma simples extensão dodireito penal, ou em ajustes secundários de seu alcance, uma política que poderia produzir também uma confirmação da ide-ologia da defesa social, e uma ulterior legitimação do sistemarepressivo tradicional, tomado na sua totalidade.

Um segundo perfil, que consideramos ainda mais importan-te que o primeiro, ao contrário, refere-se a uma obra radical ecorajosa de despenalização, de contração ao máximo do sistema

 punitivo, com a exclusão, total ou parcial, de inumeráveis setoresque enchem os códigos que, como o código italiano, nasceram sobo signo de uma concepção autoritária e ética do Estado, dos delitosde opinião à injúria, ao aborto, a alguns delitos contra a moralidade pública, contra a personalidade do Estado etc.G •

Mas se trata, principalmente, de alivar, em todos os sentidos, a pressÁo negativa do sistema punitivo sobre as classes subalternas eos efeitos negativos desta pressão para o destino dos indivíduo; e

 para a unidade da classe operária, que o sistema penal concorre

 para separar, drasticamente, de suas camadas marginais7•

A estratégia da despenalização significa, também, a substi-tui.ção ~as sanções penais por formas de controle legal nãoestIgmatlzantes (sanções administrativas, ou civis) e, mais ainda, o

202

iI

democratizar estes setores do aparato punitivo do Estado, para con-trastar, também de tal modo, os fatores da criminalização seletivaque operam nestes níveis institucionais.

c) Uma análise realista e radical das funções efetivamenteexercidas pelo cárcere, isto é,  uma análise do gênero daquela aquisumariamente traçada, a consciência do fracasso histórico destainstituição para os fins de controle da criminalidade e de reinserçãodo desviante na sociedade, do influxo não só no processo demarginalização de indivíduos isolados, mas também no esmaga-mento de setores marginais da classe operária, não pode deixar delevar a uma conseqüência radical na individualização do objetivofinal da estratégia alternativa: este objetivo é a abolição da institui-ção carcerária. A derrubada dos muros do cárcere tem para a novacriminologia o mesmo significado programático que a derrubada

dos muros do manicõmio tem para a nova psiquiatria.Múltiplas e politicamente diferenciadas são as etapas de apro-

ximação deste objetivo. Estas são constituídas pelo alargamentodo sistema de medidas alternativas!>, pela ampliação das formasde suspensão condicional da pena e de liberdade condicional, pelaintrodução de formas de execução da pena detentiva em regimede semiliberdade, pela experimentação corajosa e a extensão doregime das permissões, por uma reavaliação em todos os sentidosdo trabalho carcerário. Mas especialmente importante é a aber-tura do cárcere para a sociedade, também mediante a colabora-ção das entidades locais e, mais ainda, mediante a cooperação

dos presos e das suas associações com as organizações do movi-mento operário, com a finalidade de limitar as conseqüências quea instituição carcerária tem sobre a divisão artificial da classe de,

reinserir o condenado na classe e, através do antagonismo de classe,

na sociedade.

20~

A L~ SA ND RO B AR ATTA

do sistema de poder, são diretamente manipulados pelas forças políti-

cas interessadas, no curso das assim chamadas campanhas de "lei e

ordem", mas que, mesmo independentemente destas campanhas, li-

nútadas no tempo, desenvolvem uma ação permanente para a conser-

vação do sistema de poder, obscurecendo a consciência de classe e

 produzindo a falsa representação de solidariedade que unifica todos

os cidadãos na luta contra um "inimigo interno" comum12•

A uma campanha de "lei e ordem" assistimos, recentemente,

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

É esta a alternativa colocada em face do mito burguês da reedu-

cação e da reinserção do condenado. Se, de fato, os desvios crimino-

sos de indivíduos pertencentes às classes subalternas podem ser inter-

 pretados, não raramente, como uma resposta individual, e por isso

não "política", às condições Sociaisimpostas pelas relações de produ-

ção e de distribuição capitalistllS,a verdadeira "reeducação" do con-

denado é a que transfomla uma reação individual e egoísta em cons-

ciência e ação política dentro do movimento da classe O desenvolvi-

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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3.A   PElü1'ECTIVA DA CONTRAÇÃO E DA (\VPERAÇÀO" IX) DIR.EI-

TO PENAL

De tudo que se disse até agora parece claro que a linha

fundamental de uma política criminal alternativa é dirigida para

a perspectiva da máxima contração e, no limite, da superação

A uma campanha de lei e ordem assistimos, recentemente,

na ltália e na Alemanha, por ocasião de graves episódios de terro-

rismo político. A clara finalidade desta campanha tem sido a de

sobrepor a imagem do terrorismo à imagem de dissenso em face do

sistema político, concorrendo, deste modo, para a criminalização

do dissenso e, mais em geral, para legitimar o abandono de garan-

tias constitucionais e processuais de tutela do cidadão em face da

função punitiva do Estado13•

Sese pensa na importãncia destes mecanismos, operantes dentro

da opinião pública, para a legitimação do sistema penal e a produção

dos seus efeitos diretos e indiretos, e se se observa, ainda, o quanto a

classe operária, no que se refere à representação da criminalidade e do

sistema penal, é subordinada a uma ideologia que corresponde aos

interesses das classes donúnantes, se compreenderá quão essencial é,

 para uma política criminal alternativa, a batalha cultural e ideológica para o desenvolvimento de uma consciência altenlativa no campo do

desvio e da criminalidade. Trata-se, também neste ten"eno como em

tantos outros, de reverter as relações de hegemonia cultural, com um

decidido trabalho de crítica ideológica, de produção científica, de in-

fonnação. O resultado deve ser o de fornecer à política alternativa

uma adequada base ideológica, sem a qual ela estará destinada a per-

manecer uma utopia de intelectuais ilunúnistas. Para este fim é neces-

sário promover sobre a questão crinúnal uma discussão de massa no

seio da sociedade e da classe operária.

205i204

ciência e ação política dentro do movimento da classe. O desenvolvi-

mento da consciência da própria condição de classe e das contradi-

ções   da sociedade, por parte do condenado, é a alternativa posta à

concepção individualista e ético-religiosa da/expiação, do arrependi-mento, da   Sühne.

cf )   Enfim, no interior de uma estratégia político-criminal radi-

calmente alternativa, deveria se ter na máxima consideração a fun-

ção da opinião pública e dos processos ideológicos e psicológicos que

nesta se desenvolvem, em sustentação e legitimação do vigente direito

 penal desigual. -!"oconceito de opinião pública, em sentido amplo,

 podem ser refendos, antes de tudo, os estereótipos de criminalidade,

as definições e as "teorias" de senso comum sobre aquela9•   Estesas-

 pectos ativam os processos informais de reaçã o ao desvio e à c rimina-

lidade10 e, em palie, integram os processos ativados pelas instâncias

oficiais, concorrendo para realizar os seus efeitos (pode-se recordar,a este propósito, o mecanismo da "distância social"). Em segundo lu-

gar, a opinião pública, entendida no sentido de "com~nicação políti-

ca de base"  11,  é portadora da ideologia dominante, que legitima o

sistema penal, perpetuando uma imagem fictícia dominada pelo mito

da igualdade.   É,  além disso, a nível de opinião pública (entendida na

sua acepção psicológico-social) que se desenvolvem aqueles proces-

sos de projeção da culpa e do mal, e que se realizam as funções

simbólicas da pena, analisadas particularmente pelas teorias psica-

nalítichs da sociedade punitiva. Como estás teorias mostraram, a pena

atua como elemento de integração do corpo social, produzindo senti-

mentos de unidade em todos aqueles que são somente seus especta-dores e, desse modo, realiza uma consolidação das relações de poder 

existentes.

 Na opinião pública, enfim, se realizam, mediante o efeito dos

m8Ss-media   e a imagem da criminalidade que estes transmitem, pro-

cessos de indução de   alarme social  que, em certos momentos de crise

CRIMINOLOCIA CRiTICA ( CRiTICA DO DIR(lTO nNAL

do sistema penal, que veio se configurando,   pari paSSll   com o

desenvolvimento da sociedade capitalista, como um sistema cada

vez mais capilar e totalizador de controle do desvio, através de

instrumentos administrados por uma autoridade superi-

or e distante das classes sobre as quais, sobretudo, este

aparato repressivo exerce a própria ação. Ao falar de   su-

 peração do direito penal é necessário fazer duas precisões.

A primeira é que contração ou "superação" do direito pe-

 AL~SANDRO BARATTA

através do aparato penal do direito burguês. Se o direito penal   é um

instrumento precípuo de produção e de reprodução de relações de

desigualdade, de conservação da escala social vertical e das relações

de subordinação e de exploraçã~ do homem pelo homem, então não

devemos hesitar em declarar o modelo da sociedade socialista como

o modelo de uma sociedade que pode prescindir cada vez mais do

direito penal e do cárcere.

De resto, esta perspectiva radical de uma política criminal

alternativa não carece de autorizadas antecipações na cultura bur-

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nal deve ser contração e superação dá pena, antes de ser 

superação do direito que regula o seu exercício. Seria muitoI. • .

 perigoso para a democracia e para o mOVImento operanocair na patranha, que atualmente lhe é armada, e cessar 

de defender o regime das garantias legais e constitucio-

nais que regulam o exercicio da função penal no Estado

de direito. Nenhum compromisso deve ser feito sobre este ponto,

com aquelas forças da burguesia que, por motivos estruturais

 bem precisos, estão interessadas em fazer "concessões" ou re-

cuar em matéria de conquistas do direito burguês e do Estado

 burguês de direito.

A segunda precisão é que, se é verdade que falar de superação

do direito penal não significa, certamente, negar a exigência de for-

mas alternativas de controle social do desvio, que não é uma exigên-cia exclusiva da sociedade capitalista, é igualmente verdade que, pre-

cisamente no limite do espaço que uma sociedade deixa ao desvio,

além das formas autoritárias ou não-autoritárias, repressivas ou não-

repressivas de controle do desvio, que se mede a distância entre os

diversos tipos de sociedade. Ainda e sobretudo deste ponto de vista,

se reafirma, hoje, a distância que separa a sociedade capitalista do

modelo de uma sociedade socialista. A sociedade capitalista é uma

sociedade baseada sobre a desigualdade e sobre a subordinação; a

sociedhde socialista é uma sociedade livre e igualitária. Isto é reafir-

mado não só como ponto de vista cdtico em face da sociedade na

qual vivemos, mas também em face das experiências históricas e atuals

do socialismo "real". Na conclusão deste discurso queremos chamar 

a atenção sobre uma relaçâo, de caráter fundamental, entre relações

de desigualdade e exigências de repressão. Quanto mais uma socie-

dade é desigual, tanto mais ela tem necessidade de um sistema de

controle social do desvio de tipo repressivo, como o que é realizado

206

p ç

guesa mais iluminada. foi Gustav Radbruch, um idea.lis~a.social-

democrático e também um profundo conhecedor da histona e dos

limites do direito penal burguês, que escreveu que a melhor refor-

ma do direito penal seria a de substitui-lo, não por um direito penal

melhor, mas por qualquer coisa melhor que o direito penaP4. .

 Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer COlsa

melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa

sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de

vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e

cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à tran-

sição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito

 penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição,

todas as conquistas possíveis para a reapropriação, por parte da

sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de for-mas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do

controle do desvio.

Também este é um aspecto importante, no qual se mede o nível

alcançado na luta pela democracia e pela transformação das rela-

ções de poder e de hegemonia na sociedade: a sociedade se reapropria

do próprio desvio e administra diretamente seu controle.

Igualmente importante é, todavia, ter em conta que, numa

sociedade livre e igualitária - e é longo o desenvolvimento que

leva a ela - não só se substitui uma gestão autoritária por uma

gestão social do controle do desvio, mas é o próprio conceito de

desvio que perde, progressivamente, a sua conotação estigmati-

zante, e recupera funções e significados mais diferenciados e não

exclusivamente negativos.

Sese aplica um conceito positivo, e não só um conceito negativo

de desvio, -sepoderá dizer que a sociedade igualitária   é   aquela socie-

207

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

dade que deixa o máximo espaço ao desvio positivo. Porque, neste

sentido positivo, desvio quer dizer   diversidade.   Ea sociedade desigual

é aquela que teme e replime o diverso, porque a repressão do diver~

so, em todos os sistemas normativos paliiculares em que ocorre, do

direito à religião, à escola, à família, é uma técnica essencial

 para a conservação da desigualdade e do poder alienado. Eis

a qu i p orq ue qu an to m ai s u m a s oc ie da de é d es ig ua l, m aio r é

a inflação das definições negativas de desvio.

A i d d i litá i é l i i á i d lib

 AL~SANDRO BARATTA

ApÊNDICE

Í

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A sociedade igualitária é aquela que sieixa o máximo de liber-

dade à expressão do diverso, porque a diversidade é precisamente o

que é garantido pela igualdade, isto é, a .expressão mais ampla daindividualidade de cada homem, portanto, que consente a maior con-

tribuição criativa e crítica de cada homem à edifi-cação e à riqueza

comum de uma sociedade de "livres produtores", na qual os homens

nã0 são disciplinados como portadores de papéis, mas respeitados

como portadores de capacidades e de necessidades positivas. Em uma

famosa passagem da   Cdtica do prcgrama de Cotha Marx expressou

a definitiva superação do direito desigual, em uma sociedade de iguais,

em uma fórmula que queremos relembrar aqui: "de cada um segun-

do as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades".

 Nesta fórmula se contém, também, a idéia~guia para a crítica do

direito penal e para uma política criminal alternativa.

Devemo-nos limitar a indicar, aqui, somente os que se consi-

dera devam   ser   os princípios fundamentais de uma política crimi-

nal alternativa, principalmente com o fim de mostrar, mesmo da

maneira sumária imposta pelos limites deste capítulo final, como

estes derivam, necessariamente, das aquisições às quais até agora

se chegou, no desenvolvimento da criminologia crítica e, em parti-

cular, de uma teoria materialista do desvio, dos   comportamentos

socialmente negativos   e da criminalização, ainda que esta teoria,

devetser reconhecido, esteja bem longe de ser um edifício completo.

rara completar tal edifício, por outro lado, poderá aproveitar a uti-

lização daqueles elementos teóricos de que somos devedores não só

aos estudos criminológicos, sociológicos, jurídicos, políticos e eco-

nômicos mais avançados, mas também à análise histérica, que nos

ajuda a compreender o significado dos sistemas punitivos (e, so-

 bretudo, do cárcere) na evolução da sociedade.

20~

ENFOQUE CRÍTICO DO SISTEMA PENAL E A

CRIMINOLOGIA NA EUROPA

1. A etiqueta "criminologia crítica" se refere a um campo muito vasto e não

homogêneo de discursos que, no campo do pensamento criminológico e

sociológico-jurídico contemporâneo, têm em comum uma característica

que os distingue da criminolozia "tradicional": a nova forma de definir o

objeto e os termos mesmos da questão criminal. A diferença é, também e

 principalmente, uma conseqüência daquilo que, utilizando a nomenclatu-

ra de uma teoria recente sobre "as revoluções científicas",' pode ser defini-

do como uma "mudança de paradigma" produzida na criminologia mo-

derna. Sobre a base do paradigma etiológico a criminologia se converteu

em sinônimo de ciência das causas da criminalidade. Este paradigma, com

o qual nasce a criminologia positivista perto do final do século passado,constitui a base de toda a criminologia "tradicional", mesmo de suas cor-

rentes mais modernas, as quais,  â  pergunta sobre as causas da criminalidade,

dão rell"POStasdiferentes daquelas de ordem antropológica ou patológica do

 primeiro positivismo, e que nasceram, em parte, da polêmica com este (te-

orias funciona listas, teorias ecológicas, teorias multifatoriais etc.).

o paradigma etiológico supõe uma noção ontológica da criminalidade,

entendida como uma premissa preconstituída às definições e, portanto,

também à reação social, institucional ou não institucional, que põe em

marcha essas definições. Desta maneira, ficam fora do objeto da reflexão

criminológica as normas jurídicas ou sociais, a ação das instâncias ofici-

ais, a reação social respectiva e, mais em geral, os mecanismos institucionaise sociais através dos quais se realiza a definição de certos comportamen-

tos qualificados como "criminosos".

A pretensão da criminologia tradicional, de produzir uma teoria das con-

dições (ou causas) da criminalidade, não é justificada do ponto de vista

209

CRIMINOl<x~JA CRITICAE CRiTICA DO DIREITOPENAL

epistemoló~ico. Uma investigação das causas não é procedente em relação

a objetos definidos por normas, convenções ou valorações sociais e

institucionaisl•   Aplicar a objetos deste tipo um conhecimento causaI-natu-

ralista, produz uma "reificação" dos resultados dessas definições normativas,

considerando-os como "coisas" existentes independentemente destas, A

"criminalidade", os "criminosos" são, sem dúvida alguma, objetos deste

tipo: resultam impensáveis sem intervenção de processos institucionais e

sociais de definição, sem a aplicação da lei penal por parte das instâncias

oficiais e, por último, sem as definições e as reações não institucionais:',;

\  "paradigma da definição". Sobre a base do novo paradigma a investigação

criminológica tem a tendência a deslocar-se das causas do comportamento

criminoso para as condições a partir das quais, em uma sociedade dada, as

etiquetas de criminalidade e o s/:I/l/sde   criminoso são atribuídos a certos com-

 portamentos e a certos sujeitos, assim como para o funcionamento da reação

social informal c institucional (processo de criminalização).

Mesmo em sua estrutura mais elementar, o novo paradigma implica uma análi-

se do processo de definição e de reação social, que se estende   údistribuição do

 poder de definição e de reação em uma sociedade, à desigual distribuição deste

 poder e aos conflitos de interesses que estão na origem deste processo. Quando,

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;

A este respeito deve sublinhar-se o caráter fragmentário de ditas definições,

que atuam separando fragmentos de classes de fenômenos sociais homogê-

neos, reagrupáveis em função da mesma negatividade social, isto é, do ata-

que aos mesmos bens ou interesses de importância social., Em seu livro de

 próxima publicação, Chr, Debuyst~ destaca que, contra a pressuposição de

Durkheim, da qual parte a criminologia tradicional, o desigual tratamento

de situações e de sujeitos iguais no processo social de definição da

"criminalidade", responde a uma lógica de relações assimétricas da distri-

 buição do poder e dos recursos na sociedade. A impossibilidade de uma

investigação causal sobre um objeto definido de forma tão fragmentária

como a criminal idade já foi indicada por D. Chapman{;; segundo ele, para-

lelamente a todos os comportamentos proibidos, existem muitos outros (so-

cialmente) idênticos, que são avaliados de forma neutra ou, até, permitidos.

A reificação da criminalidade produzida pela criminologia etiológica com- porta, como o reverso de uma medalha, uma grave incoseqüéncia: os

elementos para construir a teoria da criminalidade são obtidos observan-

do somente uma parte dos fenômenos respectivos, c é justamente essa

 parte que é selecionada pelos mecanismos institucionais e sociais de defi-

nição, os quais, segundo a hipótese de que parte a criminologia etiológica,

deveriam ser indiferentes para a existência de seu objeto de investigação.

A introdução do   Iabeling approach   (teoria da rotulação), devida, principal-

mente,  1influência de correntes sociológicas de origem fenomenológica (como

o interJcionismo simbólico e etnometodológico) na sociologia do desvio e do

controle social, c de outros desenvolvimentos da reflexão sociológica e histó-

rica sobre o fenômeno criminal e sobre o direito penal, determinaram, no

interior da criminologia contempordnea, uma mudança de paradigma, me-

diante a qual estes mecanismos de definição c de reação social foram ocu-

 pando um lugar cada vez mais central no objeto da investigação criminológica.

Cons:ol!dou-~, assim, um paradigma alternativo com relação ao par<tdiqma

ehologlco, e que é chamado, justamente, paradigma da "reação social" ou

210

 junto   à "dimensão da definição", a "dimensão do poder»7 aparece suficiente-

mente desenvolvida na construção ,ie uma teoria, estamos na presença do míni-

mo denominador comum de toda esta perspectiva que podemos ordenar sob a

denominação de "criminologia crítica",

A simples introdução do   /llbeIJiJg IIpproHch   em uma teoria da criminalidade

não   é suficiente para qualificar esta última. As limitações teóricas e práticas

ligadas ao emprego do  Iabe1ing l/pprol/c1z,   no interior de contextos teóricos

subjetivistas e idealistas (como o interacionismo simbólico e a

etnometodologia), foram amplamente denunciadas pela crítica "de esquer-

daI!, em parte de inspiração marxista, que se desenvolveu, entre outras, a

 partir de posições teóricas caracterizadas por uma consecução radical do

 paradigma da reação social. Os principais resultados da crítica "de esquer-

da" ao  1tJbeIJizgappro:tc1z   foram, posteriormente, acolhidos pela criminologia

crítica, que os utilizou para fazê-los objeto de um ulterior desenvolvimento

 para uso correto do mesmo enfoque,

Acrítica "de esquerda" denunciou, em particular, três efeitos mislificantes possí-

veis, próprios do emprego do  It/be/ing :/PplVHCh  em um contexto idealista

a) avaliar a criminalidade e o desvio como resultados de um processo de

definições pode provocar, nesse contexto, a ocultação de situações social-

mente negativas e de sofrimentos reais, que em muitos casos pode-se consi-

derar como o ponto de referência objetivo das definições;

 b) fazer detivar do reconhecimento de efeitos estigmatizantes da pena, ou

de outras intervenções institucionais, a tese da "radical não-intervenção",

significa criar um óbice para as intervenções socialmente adequadas e justas;

c) concentrar as investigações sobre certos setores do desvio e da cri-

minalidade, sobre os quais, de fato, se concentram, com seu funciona-

2 I I

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

mento socialmente seletivo, os processos de etiquetamento e decriminalização (as camadas mais débeis e marginalizadas do proletariado

urbano), pode contribuir para a consolidação do estereótipo dominante da

criminalidade e do desvio, como comportamento normal destes grupos so-

ciais, e deslocar, assim, a atenção dos comportamentos socialmente negati-

vos da delinqüência de colarinho branco e  dos   poderosos.

 No interior da criminologia crítica estão se produzindc, desde algum tem-

 po, tentativas para desenvolver uma teoria materialista das situações e dos

comportamentos socialmente negativos assim com9 da criminalização Uma

ALESSANDRO BARAHA

e, ao mesmo tempo, lei e lógica da realidade. Mas o real., a r~alidade social

está em movimento. Sua lógica, isto   é,  o modelo de raclOilahdade q~e   ."~s

 permite compreendê-Ia, não é a lógica est~tica que.corr,es~onde ao pnnc.lp~o

de nlio-contradição, mas a lógica dinánllca que e a loglca da cont.ra~lçao

dialética. Uma das principais conquistas do pensamento modemo .e, Justa-.

mente ter formulado estalógica da contradição, a dialética, como   raIJoessendJ

ao me~mo tempo que nlfiocognoscendida   realidade. A teoria social de ~r~,

e muitas outras orientações, entre elas as mais fecundas do pensamento hlsto-

rico e sociológico contemporâneo, têm seu fundamento nesta lógica.

S h à l ã d i i i i f i i

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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comportamentos socialmente negativos, assim com9 da   criminalização. Uma

teoria materialista deste tipo se caracteriza pelo fato de relacionar os dois

 pontos da questão criminal, as situações socil'l1me~.tenegativas e o processode criminalização, com as relações sociais de produção e, no que respeita   à

nossa sociedade, com a estrutura do processo de valorização do capital. A

discussão, que recentemente teve lugar também no interior do marxismo,

com relação a estes temas, mostrou, segundo minha opinião, que mesmo

uma teoria materialista que se refira de forma não-dogmática aos

ensinamentos de Marx, pode operar com uma correta e mdical aplicação

do novo paradigma criminológico, sem cair, por isso, nas mistificações do

emprego idealista do   labeling approacli';   ela pode denunciar e superar este

uso idealista, sem ter, por isso, que utilizar uma concepção ontológica ou

naturalista da criminalidade, ou permanecer no nível do sentido comum.

2. A "racionalidade", como aproximação para um fundamento teórico da

 política criminal e da reforma penal, pode significar duas eoisas diferentes:

 pode significar um critério tecnológico e pragmático expressado pelos ter-

mos de "praticabilidade" e de "eficácia". Neste caso, parece-me que seria

melhor falar de "racionalização", isto é, de ajustes no sistema que deixam

intacta a estrutura do conjunto, com o fim de um melhor funcionamento.

Aqui "racionalidade" indica o resultado a perseguir.   O modelo de ciência

social que corresponde a esta concepção de racionalidade   é   um modelo

tecnológico.   É  o modelo da criminologia tradicional, ou seja, da criminologia

etiológica,  que, neste sentido, deve ser considerada como uma ciência auxi-liar tantp do direito como da política criminal oficial.

Qual é, então, o conceito de racionalidade coerente com uma estratégia radi-

cal de reforma (polít ica criminal alternativa) e com o modelo de ciênciasocial correspondente? Diferente da razão tecnolézica, que é sobretudo um

 ponto de chegada da prática, a razão crítica é sobretudo um ponto de partida

da teoria. Elanão é uma norma para a ação, mas uma norma do pensamento

212

Se chegamos à conclusão de que os principios estruturais e funcionais ne-

cessários para organizar cientificamente o conhecimento do sistema penal

são opostos àqueles que são declarados pelo mesmo, então, partin.d~ de umconceito dialético de racionalidade, excluiremos que esta contradlçao entre

os princípios declarados e o funcionamento real do sistema seja um caso de

azar um contratempo eme~ente de sua realização, imperfeito como tudo

que é   humano. Nós não consideraremos a imagem ideal que o sistema pro-

 põe de si mesmo unicamente como um   erro   po.rparte.dos o~radore~ e do

 público, mas lhe atribuiremos o  status   de uma Ideologia. ~ta Id~ol~la pe-

nal torna-se uma parte integrante do objeto de uma analise clenhfica do

sistema penal.   O funcionamento do sistema não se rea~iza   mio obstante,

mas   através   desta contradição, a qual é um elemento Importante, como

outros elementos do sistema, parà assegurar a realização das funções que

exerce no interior do conjunto da estrutura social 10.

oelemento ideológico não   é  contingente, mas inerente   à   estrutura e ~

forma de funcionamento do sistema penal, assim como este, em geral, e

inerente   à  estrutura e ao funcionamento do direito abstrato moderno. A

forma da mediação jurídica das relações de produção e das relações soci-

ais na sociedade capitalista moderna (o direito igual)   é idec:ló8~Ca:0 fun-

cionamento do direito não serve, com efeito, para prodUZir a Igualdade,

mas para reproduzir e manter a desigualdade.   O ~irei~o contribu~ para

assegurar, reproduzir e mesmo legitimar (esta última e u.ma funçao   ~s-

sencial para o mecanismo de reprodução da realidade SOCla!).as relaçoes

de desigualdade que caracterizam a nossa sociedade, em particular a es-

cala social vertical, isto é, a distribuição diferente dos recursos e do poder,

a conseqüência visivel do modo de produção capitalista  'I.

O funcionamento desigual e fragmentário do sistema não reflete, somen-

te, a desigual distribuição dos recursos e do poder na sociedade, e a,cor-

respondente hierarquia dos intere.>sesem jogo, mas concorre, também, e

213

Ll(IMINVLVldA Ll(IIILA L LKJIILA UV UIKLlIV I'LNAL

de forma não desprezivel, à reprodução material das relações de subor-dinação e de exploração.   É   também uma parte integrante do mecanismo

através do qual se opera a legitimação destas relações, isto   é,  a produção

de um consenso real ou artificial e, sobretudo, a desarticulação do dissenso.

Os diferentes conceitos de racionalidade explicam a diferença entre a pers-

 pectiva de reforma p."ópria de um modelo reformista de racionalização, e

aquela que é própria do modelo "abolicionista" de transformação radical.

A razão tecnológica encontra um limite natural na forma de concorrer 

 para a resolu~ão de contradições do sistema; consjderando como irracio-

t\Lt~~;:)J\I'IUKV   11/\l'U\I 1/\

criminologia tradicional acredita, do ponto de vista da ciência, uma imagemdo sistema que se encontra dominada por ditos fins.

A criminologia tradicional etiológica, mesmo em suas versões mais atualizadas

(através da aproximação "muILifatorial") tem, por sua natureza, uma função une-

diata e diretamente   auxiliarem   relação ao sistema penal existente e à política

criminal oficial. seu universo de referência e seu horizonte de ação lhe são impos-

tos, sempre, pelo sistema penal existente.   É  por isso que está obrigada a tomar 

emprestado do sistema penal a definição de seu próprio objeto de investigação: a

"criminalidade" enquanto defmida pelas nonnas e as estatísticas, os "crimino-

sos" como indivíduos selecionados e estigmatizados (e assim disponiveis para a

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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nal a contradIção entre os efeitos desejados e não-desejados do sistema, ela

não se encontra em posição senão de estudar os ~Itimos desde o ponto de

vista dos primeiros, e permanece, por isso, no interior da ideologia penal. Arazão tecnológica não consegue atuar senão sobre aquelas contradições do

sistema que parecem suscetíveis de serem resolvidas no interior do sistema

mesmo, levando a ideologia penal aos niveis mais avançados e humanitári-

os e tentando melhorar e integrar as ferramentas da política criminal atual.

A razão critica descobre a rad0nalidade funcional das contradições do siste-

ma, mas não as considera como se fossem suscetiveis de serem resolvidas no

interior do sistema, atnlVés de aperfeiçoamentos ideológicos e melhoramen-

tos técnicos. Assumindo a ideologia juridica como objeto de conhecimento, a

mzão critica produz uma perspectiva de política criminal que se coloca no

exterior da mesma. ror esta razão, não constitui uma perspectiva de raciona-

lização, mas uma perspectiva   racional  de superação do sistema penal.

3. A estas duas diferentes perspectivas de politica criminal e às duas diferentes

concepções de razão que elas implicam, correspondem dois modelos dife-

rentes de ciência social e de criminologia. A criminologia tradicional - que,

adotando o paradjzma etiológico, se apresenta como ciência das causas da

criminalidade - é a base clássica de toda política criminal de tipo reformista.

Ela não existe senão na medida de controlar o funcionamento do sistema, ou

seja, a eficácia dos meios dos quais se serve para perseguir seus próprios fins

declarados, para propor melhores instrumentos. Estudando a criminal idade

como issd que o sistema penal declara combater, e não a forma pela qual este

define aquela, a criminologia tradicional opera como uma instância do siste-

ma, não como uma teoria cientifica sobre este'2•   Sua contribuição para a

racionalização do sistema é, também e principalmente, uma contribuição

 para sua legitimação. Com efeito, colocando seu próprio saber causal (a teo-

ria das causas da "criminalidade") e seu saber tecnológico (teoria das medi-

das penais e alternativas) a serviço dos fins declarados pelo sistema, a

214

sos" como indivíduos selecionados e estigmatizados (e, assim, disponiveis para a

observação clínica) através da instituição da prisão   13.

Comparada com a criminologia tradicional, a criminologia crítica se coloca em

uma relação radicalmente diferente quanto   à prática. Para a criminologia tradi-

cional o sistema penal existente e a prática oficial são os   destinatáJios   e

 beneficiários de seu saber, em outras palavras, o príncipe para o qual é chamada

a ser conselheira. Para a criminologia crítica o sistema positivo e a prática oficial

são, antes de tudo, o objeto de seu ,saber. A relação com o sistema é  cJitica;sua

tarefa imediata não   é realizar as receitas da política criminal, mas examinar de

fonua científica a gênese do sistema, sua estrutura, seus mecanismos de seleção,

as funções que realmente exerce, seus custos econômicos e sociais e avaliar, sem

 preconceitos, o tipo de resposta que está em condições de dar, e que efetivamen-

te dá, aos problemas sociais reais. Ela se coloca a serviço de uma construção

alternativa ou antagônica dos problemas sociais ligados aos comportamentos

socialmente negativos.

É   natural que, a partir destas premissas, uma criminologia crítica não

 possa ter, sempre, a função imediata de projeto, que tem a criminologia

tradicional. Sua influência sobre uma transformação do sistema penal

 poderia se realizar em tempo relativamente breve unicamente sob duas

condições: a primeira é que uma transformação das relações de hegemo-

. nia permita levar a cabo uma reforma do sistema penal em que   o interes-

se das çlasses subalternas pudesse tornar-se realmente determinante; a

segunda éque o atraso histórico que ainda hoje tem a cultura oficial de

esquerda e o movimento operário, subalternos em relação   à  cultura e  à

ideologia burguesa sobre a forma de construir e resolver os problema

sociais ligados   à  "criminalidade", fosse recuperado mediante o desen-

volvimento de uma   consciência   e de uma cultura alternativa das classes

subalternas, e de uma política autônoma e antagônica do movimento ope-

rário, no-setor do controle social. Se estas condiçôes não se dão, a influên-

215

CRI,\,'INOlOCIA CRiTICA r. CRiTICA DO DIREITO rENAL

cia da climinolozia critica para projetos de alternativas não pode ser se-não indireta, realizável a médio e a longo prazos.

Contudo, isto não constitui uma debilidade, mas, ao contrário, a força dacriminolozia critica com a perspectiva de uma reforma. Se não se quer medir o valor prático da teoria em função do aporte tecnocrático da raci-onalização dos instrumentos institucionais, e se se lhe atribui, pelo con-trário, a tarefa de preparar uma transformação radical do sistema penal,isto é, uma   política criminal   alternativa que não se reduza à   poJitica pe-

naI, dever-se-á concordar que a contribuição que,a criminologia crítica

Al ~SANDRO BA~TTA

comportamentos ou de sujeitos, mas como uma qualidade que é atribuídaah-avés de processos de definição   POI'   parte das instãncias oficiais ou da

opinião pública, a criminologia critica parece desafiar, antes de tudo, osentido comum. Mas, neste caso também, como em tantos outros, a contra-dição entre a teoría e o sentido comum não   é senão aparente. Quem con-funde estes dois diferentes níveis de discurso acaba, freqüentemente, atri-

 buindo erroneamente à teoria conseqüências que pareceriam torná-Ia ab-surda, no plano do sentido comum. Não é raro encontrar este tipo de críti-cas a teorias que adotam o paradigma da reação social. Elas   se   assemelhamentre si por sustentar certas argumentações extravagantes que podem re-

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 pode oferecer para esta reforma, por meio da análise crítica do sistema eda   recoJ1struçãodos   problemas sociais, não   émellOs importante, a médioe a longo prazos, do que as receitas de aplicação imediata.

Creio também que, na medida em que a criminolozia critica persiga, semcompromissos, sua própria função científica c política, sua contribuiçãoestá destinada a exercer um papel importante, que o legislador e as instân-cias institucionais não poderão deixar de levar em conta. rara isso se deve-rá, igualmente, evitar, por parte do movimento cientifico e político parauma reforma radical, toda atitude sectária de oposição global ao Estado eao "poder", como se o Estado e o poder tivessem, por uma lei natural, omonopólio dos movimentos tradicionais ou conservadores. A criminologiacrítica e o movimento pard a reforma radical deverJo, pelo contrário, de-fender-se, sem compromissos, das tentativas de delimitação de que, às ve-

zes, são objeto, e afirmar a legitimidade de seu próplio papel, em todos osniveis institucionais, científicos, administmtivos e políticos, nos quais   con-

Correm  com o mesmo direito que outras formas de pensamentol4.

Com o já ass inalei , a suposição da qual par te a cr im inologiaetiológica, em sua função auxil iar e legit imadora com relação aosistema penal e à política criminal oficial, é que existe uma quali-dade natural de comportamentos e de sujeitos, que térn uma carac-terística que os distingue de todos os outros comportamentos e detodos os ~utros sujeitos: essa qualidade natural seria a criminalidadC. Sendoa criminalidade uma entidade ontológica, se!,ia possivel investigar suas causase colocar a ciência das causas a serviço da prática   que deve combatê-la.

Esta forma de considerar a criminal idade está de tal modo enraizada nosentido comum, que uma concepção que se proponha colocá-la em tela de

 juízo arrisca .ser considerada como uma renúncia a combater situações e

ações socialmente negativas. Utilizando o paradigma da reação social e con-siderando, portanto, a criminalidade, não como uma qualidade natural de

216

III~I :t

si

entre si por sustentar certas argumentações extravagantes, que podem resumir-se no seguinte:

aI Quem su.~tenta que aqualidade criminosa de certas ações e de certosindivíduos é o resultado de processos de definição, sustenta que acriminaJic!ade  não existe.

 bl   Quem sustenta que, dado o caráter    lltributivo   e, portanto, relativo dasdefLnições de criminalidade, não é possível efetuar um discurso científicosobre as causas da criminalidade, como se ela fosse uma realidade natu-ral, sustenta que a criminalidade não tem causas.

cJ Quem sustenta as duas teses acíma enumeradas, exclui que se possacombater a criminalidade e suas causas, e exclui, em particular, uma po-litica criminal preventiva.

É   fácil dar-se conta de que estas criticas, baseadas no sentido comum e emum discurso   ciemtífico que não consegue transcendé-Io, resultam em nada.Um discurso científico sobre a questão criminal nasce quando as definiçõesde criminalidadc do sentido comum, assim como as definições legais decriminalidade, não são mais o postulado de que se parte, mas se tornam oobjeto mesmo do discurso. Éjustamente este salto qualitativo que permite aodiscurso transcender as definições positivas de sentido comum acerca dacriminalidade e do desvio, e como conseqüéncia, também o campo de refe-rencia conceitual ao qual se encontra ligado o sistema existente de controlesocial. Em outras palavms, isto é exatamente o que caracteriza a criminologiacrítica em face da criminologia tradicional. Sua capacidade para estabelecer um discurse científico diferente e mais amplo que o da criminologia tradici-

onal depende - ainda que não somente - da passagem do paradigmaetiológico para o paradigma da reação social.

Colocar-se no ponto de vista de uma criminolozia que aceita essa mudançade paradigma não significa negar a existência "objetiV'd" de situações e deações socialmente negativas.

217

J~ _ 

CRIMINOlOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

Sérias dificuldades teóricas, que não encontram solução univoca em uma

discussão no interior do "realismo" marxista, aparecem quando se quer dar 

uma significação precisa ao conceito de objetividade aqui mencionado. Afir-

mar a existéncia "objetiva" de situações ou de ações socialmente negativas   é

uma operação que admite ser incluída no processo mais geral pelo qual são

definidos ou construídos os problemas sociais ante uma resposta possível,

institucional ou não. Aceitando, o que excluo   à luz dos desenvolvimentos da

epistemologia moderna, um regresso a uma concepção naturdlista da objeti-

vidade, quisera fazer alusão a uma hipótese diferente, que aproveite a utiliza-

ção combinada de construções teóricas obtidas em tr,és campos diferentes de

pesquisa: al uma teOl;a da construpiodos problemas sociais1r ; bl uma teoria

ALESSANDRO l:)ARATTA

Contudo, não resulta possível, do ponto de vista epistemolázico, propor umainvestigação das causas (assim como uma politica eficaz para combaté-Ias) dos

comportamentos definidos como "criminalidade" e "desvio", sem aceitar, ao

mesmo tempo, suas definições e acreditar, em conseqüência, os mecanismos de

comunicação e de poder às quais estas corrcspondem. Quem nega, sobre a

 base de uma análise histórica e sociológica do sistema penal existente, que sua

 principal função real coincide com a função declarada de combater a

criminalidade e, ao contrário, identifica a função real do sistema na reprodu-

ção das relações sociais de desigualdade e de subordinação, não pode, ao mes-

mo tempo, aceitar participar na construção ideológica dos problemas sociais

desde a ótica do sistema penal e do sentido comum que lhe é complementar.

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 pesquisa:   al   uma teOl;a da   construpiodos   problemas sociais1r.; bl uma teoria

das necessidades'''; cl uma teoria da "comunicação Jivre do poder nt7

Se se utiliza o termo "negatividade social" para as situações ou comporta-

mentos que se podem considerar como a negação ou a repressão de ne-

cessidades   rellis,   entendendo   necessidade real   como a faculdade de existir 

e desenvolver a própria existéncia, que os indivíduos possuem em função

da evolução das capacidades de produção material e cultural, em uma

sociedade dada, se poderá então considerar como "objetiva" uma cons-

trução dos problemas sociais, enquanto resultado de uma "comunicação

livre do poder" cntre os portadores destas necessidades. Tal construção

dos problemas sociais   é   alternativa ou antagônica (segundo o grau de

conflitividade característico de uma sociedade) em relação às definições

oficiaúou às de sentido comum.

As definições oficiais e a..-;de sentido comum se podem considerdr como oresultado de uma comunicação   ideológica,   entendida como uma comunica-

ção funcional para a reprodução das relações de poder existentes. Neste sen-

tido, "comunicação livre do poder" não indica uma realidade de fato, senão,

melhor, um princípio de   emlUlcipaçiio   e de autonomia, que guia, no interior 

das classes subalternas, esses processos de comunicação entre portadores de

necessidades, através dos quais se desenvolve a consciência e a ação política

destas classes, com vistas a uma trdnsformação das relações de h<''gcmonia na

sociedadf. As construções alternativas são aquelas que adotam este ponto de

vista para a definição de problemas a resolver e para a elaboràção de respos-

tas alternativas. K-;tasconstruções competiriam com as contruções   ideológi-

cas,  onde os problemas sociais estão, pelo contrário, construídos em função

da reprodução das relações sociais e de poder existentes. logo, "criminalidade"

e "desvio" não dcnotam qualidades naturais, mas culturais, no sentido de que

resultam de processos de definição que se desenvolvem no interior do meca-

nismo ideológico pelo qual tem lugar a reprodução da realidade social.

218

osistema penal, utilizando as noções de criminalidade e de pena como pon-

tos   naturais de referência, tende a reduzir, de forma fragmentária e artificial,

a identificação das zonas de negatividade social e de necessidades individuais

e comunitárias que podem justificar ou postular uma intervenção institucional.

o mero fato de que estas noções tenham suas raízes mais primitivas e

irracionais na psique social não justifica que sua utilização seja aceita

como natural para uma construção "racional" dos problemas sociais e

do sistema dc controle social. Bem ao contrário, a deformação que estes

dois termos tradicionais da   quesllio "..riminal   sofreram a serviço secular 

do poder deveria, pelo menos, sugerir uma grande prudência no que

concerne   à   possibilidade de colocá-los a serviço de uma construção al-

ternativa dos problemas sociais ou de uma articulação autônoma tanto

das necessidades como   dos   interesses das classes subalternas.

ocritério guia do movimcnto das classes subalternas em uma sociedade em

transição não pode consistir, simplesmente, em deslocar a força e o impacto

do processo de criminalização, de certos tipos de situação para outros. A

história do socialismo real mostra que o uso exagerado das definições de

desvio e de criminalidade não é compatível com a realização do ideal de  uma

sociedade de individuos livres e iguais, sob o estandarte   que   o proletariado

 portava ao assaltar o Palácio de InvernO.   O princípio cardeal do modelo de

uma política criminal alternativa não   é a criminalização alternativa, mas a

descri'11ina1ização, a mais rigorosa redução possível do sistema penall~.

Isto não significa, resulta útil repeti-lo, um desinteresse pelos problemas

sociais "objetivos", mas uma forte relativização do momento "penal" ou"correcional", uma construção alternativa com vista a intervenções

institucionais e comunitárias mais adequadas às necessidades e aos interes-

219

CRIMI:":OLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

ses importantes, em uma sociedade em transição. Entrea idéia de uma forte

redução do sistema penal e de todo o sistema de controle sociale o "catecis-

mo da não-interferência"t:. há, como se viu, uma grande d:stância. Deve-se

assinalar que a perspectiva de uma construção alternativa dos problemas

sociais, que evite um emprego demasiado extenso das definições de

criminalidade e de definiçõesnegativasde desvi020,  não tem nada a ver com

Umaconcepção do desvio como algo inteiramente positivo,que caracteri-

zoua atitude romântica em face do desvio,no inícioda  "noV"à criminologia"

inglesa11. Tampouco tem a   ver   com uma atitude de "simpatia" pelos

desviantes desmistificada de uma vez por todas por Gouldnel 21 que

A lE SSAN OW B AR AT IA

 problemas. Estessão suscetíveisde construções diferentes e alternativas, das

quais pode derivar uma estrutura interpretativa e uma resposta institucional

ou social independente da ótica penaF(;. Também uma política criminal

alternativa encontra estes limitesinfranqueáveis do instrumento penal com

relação   à  sua capacidade de proteger os interesses realmente importantes.

Os deslocamentos significativos, mas sempre limitados, no campo efetivo

de proteção, são possiveis e desejáveis no marco de tal política. Sobretudo

em épocas de tensão e de transições que tornam instáveis os equilíbrios

reais do poder, existem continuamente exemplos desses ajustes parciais

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desviantes, desmistificada, de uma vez por todas, por Gouldnel.21,que

freqüentemente acompanha aquilo que é chamado   "criminofogy of lhe

ul1derdogs',   enfoque que se preocupou exclusivamet~tecom as subculturasdesviantes e os movimentos socialmente subalternos e marginais2:'.

4. A perspectiva de reforma radical que surge de uma criminologia crítica,

 parte do conhecimento dos mecanismos seletivos e das f~nções reais do

sistema, ligadas à  desigual distribuição do "bem negativo" criminalidadé\

 parte, como bem o formulou E.Restaz r o,   da "consciência da desigualdade".

Desigualdade não significa,somente, uma desigual distl;buição do.status  de

criminoso entre os individuos. No campo da proteção dos "bens jurídicos"

ela se traduz num isolamento,extremamente parcial e fragmentário,de âm-

 bitossuscetíveisdeser ofendidose de situaçõesde ofensa a interessesou valo-

res importantes. Trata-se de um mecanismo sutil de concretização do ''bem jurídico", para o qual concorrem todasas instâncias operantes nos diversos

níveis ou segmentos do sistema penal, desde o legisladoraté os órgãos de

aplicação. E concorre, igualmente,o homem -ia  rua e da classemédia. Desi-

gualdade quer dizer, nestecaso,respostadesigualàs situaçõesnegativase aos

 problemas sociaishomólogos.Estecaráter desigual (fragmentário) da prote-

ção penal   éJU:ltificado,habitualmente, pela maior ou menor disposiçãodas

situações de ofensa destinadas a ser objetode intervenção penal. Estajustifi-

cação é um círculo viciqso.Com efeito,argumentando desta forma, a inter-

venção peljal e suas caracteristicas técnico-juridicas,que serdOconsolidadas

na tradição e na prática, são consideradas como elementos naturais, que

correspolldem aos âmbitos naturais da medida penal dos problemas.

Deve-se reconhecer, por outro lado, que a forn1a fragmentária de operar 

do direito penal, na definição de domínios limitados no interior de zonas

mais vastas de problemas sociais homogêneos, é um limite   estrutural   do

instrumento penal; mas este limite não depende da estrutura natural dos

220

dos campos seletivos de proteção, ajustes que, freqüentemente, escapam   à

intevenção do legislador e se realizam em outros niveis do sistema, como

sucedeu, recentemente, na Itália, em certos casos. Emuma política crimi-

nal alternativa, o momento penal não pode ter senão um papel relativo e,

em certos casos, "provisório".

A relativização do momento penal como técnica de construção e de reso-

lução de problemas sociais significa, antes de tudo, sua integração em

uma perspectiva extrapenal mais complexa de reconstrução dos proble-

mas, tendo em vista uma resposta adequada e orgânica a estes.

Dita reconstrução supõe considerar os efeitos nocivos e os custos sociais

da pena, avaliados  à  luz de um sério controle empírico de sua efetividade.

Para a exigência de uma política de descriminalização, em uma perspec-

tiva mais ampla e adequada sobre os problemas sociais e os deveresinstitucionais, D. Pulitano encontrou uma fórmula feliz: "de codificação

 por zonas de matéria e orientação para novos modelos integrados,

extrapenais, de solução, as tarefas sociais pancem as vias através das quais

o direito penal também pode encontrar um 'novo perfil",27.

A função natural do sistema penal é conservar e reproduzir a realidade

social existente. Uma política de transformação desta realidade, uma es-

tratégia alternativa baseada na afirmação de valores e de garantias cons-

titucionais, um projeto político alternativo e autônomo dos setores popu-

lares, não pode, todavia, considerar o direito penal como uma frente avan-

çada,   como um instrumento propulsor. Pelo contrário, o direito penal

fica, em um tríplice sentido, reduzido a uma atitude de defesa.

Defesa, antes de tudo, do direito penal em face dos ataques realizados em

nossos dias contra as garantias liberais asseguradas nas constituições dos

Estados de direito. Defesa, em segundo lugar, em face do próprio direito

 penal, no que signifique contenção e redução de seu campo de interven-

221

CRI.\\INOLOGIAcRi TICA[ CRi TIC ADO DlR [ITOr[NAL

ção tradicional e, sobretudo, de seus efeitos negativos e dos custos sociais

que pesam, particularmente, sobre as camadas mais débeis e marginali-

7.adas do proletariado, e que contribuem, desta forma, para dividi-lo e

 para debilitá-lo material e politicamente. Defesa, finalmente,   afravés   do

direito penal, na medida em que, no momento, pode ser ainda considera-

do como uma resposta legitima ante a falta de alternativas para resolver 

os problemas sociais, no marco de um modelo integrado.

De todas as formas, a idéia reguladora de uma política criminal alterna-

tiva implica a superação do sistema penal. Orientar,   li reforma sobre esta

i~éia reguladora não significa renunciar às possívei; reformas, mas signi-

\

I

AL~SANDRO~ARATTA

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fica -;- deve-se remarcar isto uma vez mais - cleser e avaliar as refor-

mas sobre a base de suas possibilidades para transformar radicalmente o

sistema no interesse das classes subalternas.

Em outras ocasiões"" tratei de definir, em suas linhas gerais, o modelo de uma

 política criminal alternativa que utiliza, como idéia reguladora ou "utopia

concreta", a supemção do direito penal. Propor tal perspectiva não significa

a rejeição de toda reforma possível no presente, para esperar o futuro de uma

sociedade que haja superado o uso da pena, mas afirmar um critério segun-

do o q~al.orientá-Ia, e mediante o qual possam medir-se as escolhas de polí-

tica ~nmmal. Nas teorias radicais de politica criminal, como são as teorias

abolicionistas"", o critério funciona no sentido de avaliar as reformas como se

estas tivessem a capacidade de supemr o sistema penal tradicional, e que dita

supemção fosse efetivamente possivel. Neste sentido, um representante desta

 perspectiva radical propõe uma tática baseada sobre a distinção estratégica

entre reformas positivas (que servem para conservar o sistema em suas fun-

çõ~s reais) ~ reformas negativas (que produzem reais transformações quali-

tativas do sistema e servem para superá-lo parcialmenter'o.

Deve-se remarcar, também, que as perspectivas radicais de reformas desse

tipo podem ser propostas, e são propostas, em relação com teorias da socie-

~de.e m~elos de ~iedade futura bastante diferentes um do outro, e que

nao e posslvel reunir a todos sob as mesmas características, salvo de um

 ponto de Jista eshitamcnte formal. A perspectiva abolicionista da reforma

 penal enconh-ou em G. Radbruch uma expressão que merece ser citada: "a

mell.1Or reforma do direito penal não consiste em sua substituição por um

direito penal melhor, mas sua substituição por uma coisa melhor que o direi-

to pc  1":<1

  O  t

  d . •.. n a . o p on o e Vista ( or mal, esta ex pr essão p od e serv ir p ar a q uali-ficar todas as teorias que pertencem   à   perspectiva "abolicionista" todos os

 projetos de políticas e de práticas que não vacilam em saltar a linh; divisória

que separa os sistemas penais alternativos das alternativas ao direito penal.

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRíTICA DO DIREITO rENAL

12. A. Buccdlati (18841, p. 24.

13. E. Fel.•.i (19521, p. 150-151 e 106 s.

14. L FelTi (1929), p. 4 i2 s.

15. Ent •.e as o •.ientações que, el11 tempos mais •.ecentes, desenvolve,""m e ape •.feiçoal"am o método da

c •.iminologia positivista em função co •.•.ecionalista, deve-se •.eco •.da •.a  CJill/il/ll/qgiolll/l//fiJilfllI1U/,   que cul-

mina p•.incipalmente na obm de Sheldon e Eleano •.Clueck (19521.

16. Sob •.e tal conceito •.etO"'UlI'eI110S no p•.óximo capitulo e nos dete •.emos lia abe •.tu,"" do capitulo IX.

1 1 -   A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL

1. D. Maz, (1964) e F. Sack, (1968J.

ALESSANDRO BARATTA

Ollt'"" sol.te no p •.imitivo: "da   é   I'ejeitada e t,""nsfe"ida sob •.e o sujeito da hostilidade, sob,'e o mo,io". Tal

ntecanisl1Iodc l"epuls.1, (•.~qíicn.~  tanto na vida psíquic:l normal quanto   lia patolágica,é denolninado "pl'O- jeç.io", po •. F•.eud. Cf. S. F•.eud 11948), p.  n.

W. Cf. H. Ostel"llleye •., [19i2I, p. 32-3

11. Cf. r. R.:iwald, (1973), p. 123 s.

12. Cf. S. Chen, (19i2I;S. Cohen-). \'oung, 11974}.

1::1.Cf. H. Oste"l11eye,', [19i2), p. 33

14. E. Naegeli, (1972), p. 13.

15. F. Alexande,'- H. Staub, (1971), p. 413.

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2. O te •.mo "ideologia" em um s~nificado positivo (confo •.me o uso deiKal"1 M.~nnheim) se refel'e aOS ideais

ou progl"amas de ação; em UI11significado neg.~tivo (conforme o uso de Ma •.x), se refel" à   ÚI/S:IC<"'SCit!J1cill,

que legitima instituições sociais atribuindo-lhes funções ideais diversas das I",,\tnente exel"Cidas. Usamos

o termo, aqui e  110   prossegu   intento   do cu  I'SO~neste 5egu ndo sentido, com referência, em particu lal', à  ideo-

logia penalista, identificada coono   id<:<.,k'Silldu defc.<usoc:i:IL

3. Não confundi,' esta ideologia penalista gemi, com o movimento de estudos sobl" dit"ito e l",forma penal

indicado como "defes.~ social" (Filippo Gl"3matica) e, depois, como "nonvelle défense sociale" (Ma •.c Ancel)

e que. melho,; pode se considel'ar como   IIIIUI  das especific1lções que a ideologia da defes.~ social encont •.ou

nos últimos decênios.

4. D. Matza, (1964).

IH -   As TEORIAS rSICANALITICAS DA CRIMINALIDADE E DA SOCIEDADE PUNITIVA.

 NEGAÇÁO DO rRINCirlO DE LEGITIMIDADE

1. Cf. T. MouI;   I19í11a, 19711b, 1971).

2. Cf. S. F."ud (1948), p. 26 s.

3. Cf. Th. Reik (1971).

4. Ibidem,   p. 131.

5. Ibidem,   p. 139.

6. Cf. F. Alexander- H. Staub 119711, p. 388.

7. Ibidem,   p.   394.

8. Cf. E. J,'omm (1931); r. Reiwald [197231.

9. Em   1hfemlllld 1:lbll,  Freud inte"p •.eta, com Oconceito de pl"Ojeção, a I"pre,entação pl"Ímitiva da naIUl"-

za demoniaca da alma daqueles que mo •.•.e•.am há pouco, e   li•.elativ1l necessidade sentida pelo SI'UPO

 p•.imitivo de pl"Otege•.-se, através do tabu, da hostilid1lde dos desapa •.ecidos. Estamos, aqui, em pI~nça,segundo F•.eud, de um dos tantos exemplos da ambivaléncia dos sentimentos humanos, tal conlo   é  colocada

ell1 •.elevo pela psicanálise dos sujeitos neu,"Óticos; ao afeto pelas pes.<o.~sdesap31'ecidas e  à   do,' pela sua

Illol'te, se associa,   realmeltte,   eln   certas  f Ol ' n Ut S de neu l'ose,  um  sentilnento   de culpa ede   l "epl"Ovação .. Isto só

se pode explical' com a p•.esença, no inconsciente. de uma hostilidade pela pesso.~ desapal"eCida, que asol'a

fica inconscientemente s.~tisfeita em face de sua mo •.te. Esta hostilidade, que no inconsciente se manifesta

como satisfação pelo evento letal, e que no sujeito nelll"Ótico leva   li  I'eprovação sob •.e si mesmo,expel'imenta

240

16. G. Radbl"llch, (1952), p. 24 s.

17. A tentativa de   ubJira   psic.~",i1ise, como teoria da sociedade,   à dinlens.'io sócio-econômica e cultul'al dasfOI'~1tações  sociais. c, no   âmbito desta,   a tentativa de interpretaI; não só em termos de oposição, mas também

de II1tegrnção, a perspectiva metodolóSica do marxismo com a de um.~ teoria psicanalitica da sociedadeesl,10 em cu •.sohn décadas. Esta discussão, desenvolvida nos anos 20 e 30 também po,. impulso das teOl'i";

de W,lhelm Relch e do movimento do   .'tt:x p < .l1 ,   lomou-se pa •.ticulal"lnente atual, no ãmbito do movimento

antiautoritá,~io dos anos 60, nà.o.sem uma di •.eta menção   li obra de H"rbeli Mal'cuse, é documentada PO"

uma antologia sob a I'esponsab.hdade de H.r. Gente. A cont •.ibuição da psicanálise pal'a uma teo,.;a critica

da sociedade   é,celiantente, (und..1.ttental. e o encontro do nl..1.I'xismoe da  psi~.'Utálise   teln sido muito frutuoso

mas a discussào   à qual aqui nos l~ferimos, emool"a não possa se te,' por concluida, most •.ou também a;

dificuldades, os equivocos e as aporias que pel"lnanecem no fundo daquela. Cf. H. Ma •.cuse, (1965); H.r.C""te, (1970).

IV -   A TEORIA ESTRl1TURAL-FUNCIONALlSTA DO DESVIO E DA ANOMIA. NEGAÇÁO DO

PRlNcirlO DO BEM E DO MAL

1. Cf. E. [llll'kheim, [19681, p. 65.

2. fbidem,   p.  65.

3. Ibidem,   p.  66.

4. Ibidem,   p.  66.

5. ibJifem,   p.  íO.

6.   t. DlII'kheim, (1897).

í.   R.K. Mel.ton,   [195í),   p. 162,

8. Ibidem,   p. 140.

9. Ibidem,   p.   145.

1l1. Ibidem,   p. 145-6.

11. LH. Sutherland, [1940}; A.K. Cohen, 119551.

12. Cf. R.K. Mel.ton,   [195íl,   p. 141 s.

13. R. K. .V1erton, (1938).

241

CRIMINOLOGIA CRíTICA E CRíTICA DO DIREITO rENAL

v -   A TEORIA DAS SUBCULTURAS

1. C. R.Sh~w, 1193l\ 1931, 19421.

2. r. M. Thrasher, 11947).

3. E. H. Suthed~nd,1194l\ 1947, 19491.

4. A. K.Cohen,11 !J55, 1957).

~. R.A. Clow~•.d - L.E. Ohlin, 119~8, 19601.

6. R. A.Clowa •.d,119~9J, p. 173.

7. R.A. Clowa,'d, 1I9~9).

do p•.ocesso p •.odutivo c~pit~lisl~ e d~ su~ innuênci~ sob•.e o fenõmeno c•.imin~1 ~h'~ves d~ esfe•.a ética, é

l'epl~sentadapela oura de W. E. 1'onger, com a qual a   teol'ia   das condições   ecollómicns   da cl'iminalidadeencontra unta linha de desenvolvimento diretamente ligada a   UIW'   interpretação da   teorl'l   maxista da

sociedade. Sob•.e est~ inte•.p•.et~ç.~o,e sob•.e suas conseqüênci~s para um~ interp •.et~ção do fenõmeno c •.i-min~I, veja-se ~ ~nâlise c•.itic~ de I.T~ylo•., r. W~lton e).   \'OIII\.~11972, p,. 122 s.J.

V II -   O   NOVO rARAt)IGMA CRIMINOLóGICO: "LABELING ArrROACH", OU ENrOQUE

DA REAÇÃO SOCIAL. NEGAÇAO DO rRINClrlO DO FIM OU DA PREVENÇÃO

1. ral'l\ a 1'ed~Ç;;0de ~t1es deste e do p•.óximo c.~pitulo, rel~tivas ao interacionismo simbólico e à sua c•.itica,devemos muito às discussões h~vidas com Gel'lind~Smm .s, a p•.opósito de suas aprofundad~s pesquisas sob •.eoa •.sumento. Em pat1icula •., utilizamos um seu documento de trab~lho inédito, cf. G. Snk1us,1197~al, ap •.e-sentado pam uma pesquisa empi •.ica de sociolOSi~juridico-penal e sociologill crimin~I, efetu~da naUnivel'Sidadede Saa,'land, Saa •.bl'l.cken (A. Bamlla, r. SlIck,G. Sn~\lls). Ve•.G. Sm~us 1197~b, 1977).

2. G. H. Mead, (1934).

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7. . . C owa, d, 9 9).

8. E. H. Suthe •.land, 1194l').

9. E. H.Suthedand, 119401, p. 11.

lO.  A. K.Cohen,1195~1.

11. Sob,'e este.<aspectos d~ teo• .ia alemã da culpabilid~de, também para o seu desenvolvimento histó •.ico,

cf. A. BARATTA,(1963), p. 12~ s.; 119661.

VI -   UMA CORREÇÃO DA TEORIA DAS SUBCULTURASCRIMINAIS: A TEORIA DAS TtCNI-

CAS DE NEUTRALlZAÇAO

1. G. M. Sylces- D.M~tzn,119571, p. 664.

2. Ibidr1J11, p. 667.

3.lbidr1/1/.

4. Ibidr1/1/.

~.lbidr1/1/.

6. lbidm"   p.669

7.).   r.Short,)r,   1 1 !J5S).

8. Cf.T. ritch, (1975), p. 39.

!9. De fato, ~aml>ém~s teorias ~poi~das n~ ~nâlise est~lística das co •.•.entes entre desenvolvimento ou de- p,'ess.~oeconõmica e crescimento e dec •.éscimo da crimin~lidade, apesar de ostentarem uma l'iquissimalite•.atura, na realid~de nunca con5eSuem fomece,' uma explicaç.~o "económica" da criminalidade. Osequivocos e o c",,:\le,' arbitrário delas, especialmente em relação à seleção ciosíndices do movimento eco-nõmico e dos te,'mos cronológicos de compal'l\ção entre as suas fases, têm sido postos em evidência: cf.,t~mbém p~ra um primeiro qu~dl'O bibliQ311ífico,G. B.Vold,119~8), p. 151 s. Emsemi, esses estudos esta-tísticos mio vão além de uma anàlise qnantit~tiv~ de aspectos parciais do ciclo económico, e não enf •.entamos problem~s q""litativos li~dos à eslrutura das rdações sociais de produção. Aconseqüência distoé que,sobre su~ b~se, se desenvolveram duas t"orias econõmicas d~ crimin~lidad", pel1eitamente opostas: para aprimeira, o desenvolvimento dn   crilllinalidade   é   invers:uHt'"nte   proporcional  ao desenvolvimento   econõmi-

co; para a sesunda, ao contrârio, ê dir"tmnen!" proporcional. Uma ampl~ tentativa de anâlise qualitativa

242

3. A.SChutz, (19621.

4. r. L. Be•.se •.- T. Luckmann, 119661.

5. A. V.Cicou •.el, (197l'].

6. N.Chomslci,1196~)

7. A. V.Cicou •.el, (19701; 119721.

8. P.McNaushton - Smith, (1969).

9. r. Sack,II9(8).

lO.  E.M. Lemet.t,(1967).

11 . T. I. SCheff, (t9661.

12. Na afol1unada monosmfia 119631 citada no texto, Becke,' e.'lC•.evia: "eu penso, antes, que os S,'upossociais cl'iam o desvio estabelecendo as norm~S cuja infl'nç.~oconstitui desvio, aplicando estas nOl'mas adetel'minadas pessoas e l'Otulando-as como "outsid"rs". Deste ponto d" vista, odesvio não é uma qualidadedo ato cometido pela pessoa, mas uma conseqüência d~ aplicação de normas e de sanções a um "delin-qüente", POI'p.~11ede outms pessoas. O desviante é unm pessoa à qual a l'Otulaçãofoi ~plic.~dacom sucesso;ocompol1amento desviante é um compol1amento rotul~do como tal" (p. 9). rartindo desta premissa, Beclcel'analisava os mecanismos sociais de estismatizaç;;o, que levam à consolidação do   s/:tfIlS   social e determi-

nam  c;IIn:ir:I"   em alsu ns tipos de desvio.

13. H. S. Beckel; 119631, p. 53.

14. E.M. Lelnert, (1967).

15. Ibidr1/1/, p.   17.

16. E.M.  SChuI'1197J1.

17. Cf. G. Endl'Uweit,119721; K. Kunz,(1975).

18. W. K"àeisen,lt974).

19.  Ibüfr1/1/, p.  24

243

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO rENAL

2l1. Ibidem,   p. 28

21.  Ibidem,   p.  41.

22. Ibidem,   p.  42.

23. H. S. J.lecker,119631, p. 2l1.

24. J.  I. Kilsuse, 119621, p: 248.

25. r. McHugh, (1970).

26. H. L.A. Harl,11951].

27. A.SchulZ, 119621.

28. Uma teOl'iaque prelenda intel'vir c"iticamente sob,'e o p,'Óprio objelo deve, obviamente. assegul'a"-se

ALESSANDRO ElAI:ATTA

2. E.H.Sulher'and,1194ll; 19491; V.Aubert, 119521.

3. E.H.Sulhel',and, 119401, p. I.

4. A.V.Cicourd, 1197l1l,119721.

5. N.Cheo,nski,(1965); De Saussul'e, (1968).

6. r. SacI:, 119681.

7.). Hel1rne,',119661. p. 11.

8. r. SacI:, 119681. p. 458.

9. H.L,A. H:II'l.(1951).

10. r. Sack, 1El68I, p. 469.

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q p , p, p j , gum suficiente&l'au de abstl'3ção em relação ao mesmo. Nesla pe,'spectivá, pensamos que uma lec"ia c.iticado sistema penal deva al'liculal'-se sobre quatro conceitos, que se ''efe''em a quatro níveis distintos dequalificação da re.1lidade compOl'lamental: a)   l Jc :sV J i .> :   desviantes são compOl'lamentos ou pessoas defini-das como tal, porque se separaram de modelos sociais de compol'lamento (normas sociais ), ou daquelesque reconhecemlais modelos como v,i1idos.b)  /lici/ude J>ell:lloilicitos penais são os compol'lamentos defi-nidos como tais pela lei penal, ou seja, os delitos (c,.;minalização p,.;mária. por açiio do legislador). c)CJjmill:llid:lde:   criminosas s,\o peSSo.1Sàs quais foram aplicadas, com efeitos socialmente ,'elevantes (p. ex.,estigmatização. l'edução de   s/:I/I/s),   definições legais de delito (c,.;minalização secundá1'Ía, po.' ação dosórgãos incumbido...da aplicação da lei penal). d)   Ne,<::llivid:lde •••."'i:ll:socialmente   negativos são compo.'la-mentos contrastantes com necessidades e intel'esses ,'elevantes dos indivlduos ou da comunidade, sobre a . base de clitél'ios de valoraçiio considel'lldos válidos. Dependendo desta vaJol'8ção, pode ser posta a questãode se é possível e opol'luno intervil' com meios de controle social sobre cel'las compo,'lamentos, e quais sãoos meios idôneos pa''lI tal inte.'Venç.~o.

rara acentuai' a gl'ande dificuldade teó,.;ca de alcançar uma validade objeti\'a neste tipo de valol'ação, Louk Hulsman (em um seminá,.;o ''ealizado no inverno de.1978, na ÉL""le de CJjmiJl0k>gieda   Univel'sidade deMonll'ea!) introduziu o conceito de "situações pI'oblemáticas". A função fOI'maldas duas noções  é, pa.'lI ateOl'ia, idênticll, Adifel'ença consiste no maior ceticismo insito na noção de "situações problemáticas", a

qual, excluindo a pesquisa de possiveis c,.;télios objetivos de valol'Rção,faz refel'éncia somente   r i percepçãodo caráter problemático das situações, PO"pal'le dos que nelas estão envolvidos. Mesmo estando de inteiroacordo sobl'e a dificuldade teól'ica de funda,' cl'itérios objetivos pam este tipo de valomçães, p''efelimosusal' a noção de   LWl1pol'f:/l/le/lf<lS .••.'d:lI/l/ ••l1fe "<'S:lfiVc,lS.E isto não pol'que pens.1ntos estai' de posse desemelhante fnndamentação, mas po"que aCl'editamos na   limç:i,'  pdfkwde mante.' de pé odiscu.'so dil'isi-do à pesquisa de uma tal fundamentaç,10. Considemmos, lambém, que no d,~<envolvimentodo pensamentosocial modemo POSSlllllser I'eenconlmdos contextos teól'icos de &l'ande impol'lância pam esta pesquisa.l:efe"imo-nos. em pa.'licula.; à concepc;.~odo homem como po.'ladol' de necessidades  p<'JSifiv:ls,que lançasuas mizes na tea.'ia pré-kantiana da necessidade como exisência fundamental, que impulsiona os indiví-duos a conse,'Var e a desenvolver a p.'Ópria existência (SpinOZR,Hobbes), eque foidesenvolvida pelo jovemMal'x; lIOSesfol'ços I'ealiz.ldos no âmbito da tmdição utilitarista e mc;onalista da ética modema e contem- pol'ãnea, pal'll fundaI' critél'ios pam agenemlização de pontos de vista valo''lItivos e intel'esses pa.'licullit'eS;aoSesfol'Ço~l:ealizndos ~'0~1.lIbitodo ma~'xis,~\oc1ássic.oe co~i!e~lIpol'â.ne~~:1I'l1f~nda.', em uma concepçãoniio mecanibsta, mas d,alellca, da contl.tunlldade social, cl'ltel'los de mdlv,duahzação do  c:miterst:m/das

necessidades e dos intel'esses de que são poI'lndoms as classes subaltemas, em uma detel'minada situaçãohistó,.;ca, e as condições dellll'o das quais a sua emancipaçâo pode tOI'nal'-5eI'elevante pam a emancipaçãoda sociedade em gel'al.

VIII -   A RECEpÇÃO ALEMÃ DO "LABELlNG ArPROACH". NEGAÇÃO DO rRINclplO DE

IGUALDADE

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14. r. Sack,ll :l721.

15.). D. DouSlns, 119661,119671; TJ. Sheff, 119641, 11966), 11967); A.V.Cicourel, (19641, 119681; H.(;mfinke1,11956I,119681.

16. E.H.Suthl!l'land, 119451.

17. W. Keckei",,", 11974t

18. r. Sadi:, 119721, p, 13,

19,Ibidem,   p.   14.

20,  Ibidem,   p.  25.

21. r. Sadi:, (19681, p,472.

22. Cf. F.Snck 119;21, p. 14.

23. Aacentuaçilodestes elementos (IIOStermos de Keckeisen). ou seja, da  dimells;;o dep<"ferdo   pal'adigmada I'eação sochl, como também a aplicação   mdic:l1   dele, cal'llclel'izam uma fOI'leorientação do pensamen-to, no ã.nbito da l'eCepção alemã do   I:lbelil{<: "ppn",c!"   pela qual devem ser ''eCol'dados, além dos autol'esdtados no texto, D.retel's, M. Bl'usten, G. Smalls,  J .  BlankenbUl'g, J.  reesl.

24. ral'a o sisaificado da expressão "situaÇll0 problem:ltica", cf. p. 97, 1I0la 28.

25. G. S'ltaus. [1975 ••).

26. r.Sack,ll:J68I, (19721.

27. Cf.   i.  Taylol', r. Walton,). \'OUII&,119721, p. 159   s.;   r. Wel'kelltin,   J.   Hoffel'bel't, N. BauI'mann,119721, p.

243   s.;  T.Sepl=illi,C. Guailini Abbozzo, (19nl, p. 28  s.;  T. ritch, (19751, p. 129 s.

24~

I

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA   00   DlREITU I'tNAL

IX _   A   SOCIOLOGIA DO CONFLITO E A SUA APLICAÇÃO CRIMINOLóGICA. NEGAÇÃO

DO rr.INClptO   00   INTERESSE SOCIAL E DO DELITO NATURAL

1. Cf. E. Fe•.•.i, (19:1l)I, p. 99 s.

2. Cf. E. rlo •.ian, (19261, p. 86.

3. R. G., •.ofalo, 119851, p. 1 s.

4. P. L. l1e•.se •.- T. Luckmnnn. (1967).

5. F. Snck, (1 %81, p. 469.

6. G. Sn..,us, (1977).

7. G. Smaus, [197;,a), (1975b).

 pl"Oduc;ão capitalist" ~, po •.lanto, dos e1~m~nlos objdivos e subjetivos que o inl"3 •."m, comp •.eendida a

"riqueza nacional" e n fon; ..•de trabalho.   [ .o : ; s .1 .   concepção negligencia muitos mecanismos de legitimaç..'losobre os quais o  dil't~itomodenlo   se   apóia, e em   função   dos quais pode ocorrer, por  exemplo,  que a opinião

 pública e até os p"liidos das classes subalte •.nas ofe •.eçam ampla suslenlaç.'1o a uma política do di •.eito em

cont"".,te com as p•.óp •.ias necessid"des objetivas, to •.nando.se po •.tado •.es da ideologiajul'idica dominante.

x -   As   TEORIAS CONFLlTUAIS DA CRIMINALlDADE E DO DIREITO PENAL. ELEMENTOS PARA

SUA CRiTICA

1. A. TIIl'k, (1 964n]. p. 216.

2. A. Turk. (1972). p. 8 s.

3.A. TUI'k, (19641, p. 216.

4, Ibidt:lll,   p.  217 s.

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8. T. p,U"Sons, (1961); R. K. Melion, (1957).

9. E. DUI'kheim, (19681. (1971].

10. A. W. Gouldne •., [1972]. p. Gl)1 s.

11. R. Dal\l~ndolf, (1958).

12.lbid<:l11.

13.   Ibi<fe/ll,   p. 126-7

14. Ibid<:m. .

15. Cf. G. Simmel, (1958), p. 186 s.

16. Ibidem,   p.   189.

17. L. Cose", (1956), p. 180,

18. Ibi<fem,   p.   lO.

19. Ibi<fe/ll,   p.   16.

20 Ibidem,   p.   5l).

21. Ibi<fel11, p.  51 .

22. G. D. Vold, (19581, p. 2l)3 s.

23. A. coh~n, A. Lindesmith, K. Sehuesslel'. (19561, p. 38.

24. G. D. Vold, (19581, p. 202.

25. IbMel11, p. 205.

26. Ibi<fel11.

27. Também porque tal concepção negligencia a capacidade do Estado e do direito, na sociedade industl'ial

avançada, de •.ep •.esental' intel'esses sel'ais, •.elativos à •.ep •.odução do intei..., sistema de relações sociais de

246

5. A. TUI'k (19721. p. XII.

6. Ibidem,   p.  35.

7. Ibid<:m.

8. Ibid<:JI1. p.  65.

9. Ibidem.   p. 58.9; po •. "I'efinamenlo"   (s"fis'ic"'Í<m)   TlH'k enten de "o con hecimento d os

mod elos d e compo rtamen to d os o uh 'o s, u sado s n o inten to d e manipu lá-los". Quem é I 'efi~

n ad o - exp lica TUI'k - con segu e calcu lar melho l' a fo • .ça o u a f l'aq ueza d a p t 'ó pl 'ia p osição

em face das autol'idades e, pot.tnnto, é mais capaz de evitai' um conflito abel.to com um advel'Sál'io

supel'iol', sem fazel' concessões I'elevantes.

10. Ibidem,   p. 590.

11. Ibidem,   p.  61

12. Ibidem,   p.  67 s.

13. Ibidt:lll,   p.  68.

14. Ibidem,   p.  77.

15. R. Dahl'endolf, (.1957), p. 159.

16. Ibidem,   p. 161.

17. R. Dah •.endotf, (1958), p. 127.

18. L. Cosel", (1956), p. 35.

19. R. Dahl'endotf, (19571, p. 211.

20. Ibid<:m,   p. 221.

21.   Ibidel11,p.   215,

22. Ibide~II,  p, 221-22.

247

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO rENAL

23. L.Coser (1956), p. 50.

24. K.Marx,   IJ  9671, p. G96.

25. Ib"'<:I/I,  p. G8Ss.

26. ram as prilllei""s indicações sobre os problemas atuais da superpopulação relativa,   lUfase atual de p,'ocesso de acumnlação capitalista na Itália e na Europa, cf. L.Meldolesi,   (J   973), r. Kammererl19761, p.59 s., G. Bamlla (19761.

27. Cf. R.DahrendOlf, 11957J, p. 234 s; L.Coser, (19561, p. 45 s.

28. Cf. M. Webe,', 119601, p. 217 s.

29. R.Dah,'endo,f, 11957J, p, 211.

3l'. L.Coser, (1956], p. 151-52.

Al~SANDRO BARATTA

8.   rai'" IIl1m sis,nificativa   npresentn çi\o da (IInçiio   enl:wcipadol'a   de   llllla   criminologia critica, contrapostaà função Ie:..;itilllaelomelacrilllinol~ia tmdicional, cf., recentemente, L.Aniyar de Castro,I19S li.

XII -   Do "LAOELlNG ArrROACH" A UMA CRIMINOLOGIA CRíTICA

1. Cf. supm, C./IpítuloVIII.

2. Cf.  r. Sack 11966), p. 469.

3. Cf. sUP"", capitulo 11.

4. Cf. K.Marx (19691, p. 34.

5. Sob,'e esta e'H'acte"íst;ca fUlld'HlIental da distribuição social do   stutllS   de c"iminoso, e paraa critica elo assunto, também sob,'e a. base de estatísticas oficiais, de uma quota maio,' de"c,.;minaJidade" nOSestmtos sociais infe"iores, cf" entre a vasta literatura fundada sobretudo

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31. r. Costa, (19471.

32. T. riteh, (1957), p. 130-1.

XI -   OS L1MIT~ IDEOlÓGICOS DA CRIMINOLOGIA "LIBERAL" CONTEMPORÂNEA. SUA

SUPERAÇAo EM UM NOVO MODELO INTEGRADO DE CltNCIA JUR10lCA

1. Cf. A.l:1aratta,(1979].

2. H. Steine.t, (1973), p. 9.

3. Um impo.1ante papel nOcumprimento desta função é  I'ealizado pelo plÍncipio de  l"sst:1es/bility,   ao qual,até este momento, o sistema penitenciário tem obedecido: as condiçÕllSdos detidos devem seI'mantidas mais baiXASdo que as dos estmtos mais baixos do p,'oletal'Íado "Iivl'e" (G. Rusche e O. Ki,'Chheimel'(1968», Aefic,ícia ideolÓ$ica deste pl'incipio não é menos impol1ante do que a sua função intimidatólia em face do pl'oletariado: os seus estl'lltos infe"io.'es, ocupados no processo produtivo, estal'ão mais dispostos a aceita.' as próprias condições desvantajos.~sem l'elaç,'loaos srupos sociais que ocupam Umaposiçãosupe.iol' na escalasocial,  se  vêem, POI'debaixo deles, aquele estmto social ainda mais desfavo''ecido, constituído pela populaçãoc.~l'cerál'iae pelas ál'eas m.1losinaise desocupad.~s,entre os quais tal população  é,na sua maio,.•ia, ''eCI'utada.

4. O termo "imunização" compreende, no seu mais amplo sisnificado, dois diferentes aspectos, que seI'efel'em, I'espectiv•.••nente,à e"iminaliz..ção pl'Ímál'ia (o fatodequea lei penal não define COIIIOcl'iminososdetel'minados compo,'tamentos socialmente danosos) e à cl'iminalização secundária (o fato de que a lei penal não seja aplicada a cel.tas situações que ela, absh'atamente, p''evé). rodel'-se-ia falaI; mais analitica-mente, sol>o primeíl'o aspecto, de "não-conteÍldos" do direito penal (I'. SChumann, /1974» e, sob 0sesun-do, de imunizaçi,o em sentido esh'ito.

5. f. Werkentin, M. Hoffel'bert, M. Oaul'mann, 119721, p. 232-33.

I ,6. No mesmo sentido pode-se falar, pal'R os países capitalistas, emsel'lIl, de uma tendência a uma diminui-ção ,'elativa do uso da pena detentiva, considemndo a dimin:.ição do peso t'Specifico que, depois do iniciodo século XX,tema pena detentiva (população cal'ce,'ál'Ía condenada) em ''elação a outms IIledidas alte.'.nativas (penas pecuniál'ias,  1'11>b"ti<lJletc.),   rOl'outro lado é, ao mesmo tempo, destacada a ampliada exten-

são do sistema penal em I'elaç:io  ,i sua clientela global (pense-se na SOmado nínnero dos condenados, donÍlmel'o dos detidos preventivamente, dos intel'nados em execução de medidas de segul'llnç;t, dos sujeitossubmetidos a fOl'masnão-detentivas de sançôe., penais, comp''eendidas as medidas de sesurança),

7.ral'R uma ol'ientação do dil'eito penal e da douh;na do delito sesundo os pl'incipios consUucionais, cf.,sobretudo, f. Bl'icolaI1974).

248

em pesquisas empil'icas: ).f. SHORT JUNIOR, f.1 NYE, (1957), p. 207   s.;   f.1. NYE, I.f. SHORTJUN10R, V,I. OLSON, (1958), p. 381   s.;   j.r. CLARK, E.r. WENNINGER, [1962), p, 826   s.;   N.GOLDMAN, 119631; M,L. ERICKSON, L,T, EMrEY, 11956), p, 268   s.;   N. CHRISTlE, j.ANDENAES, S, KIROEKK, 11965), p, 86   s.;   ST. QUENSEL, E. QUENSEL, [1969J, p, 4 s. (comou!l'as indicações sob.'e pesquisas emplricas); f. SACK, (19711, P,384   s.;   D. rETERS, [1971 I;W. HOffMAN-R1EM, (19721, p. 297   s,;   D. rETERS, 11973); E. BLANKENBURG, 11973], p,120   s,;   H. STEINERT, /1973]; O, rETERS - R. LAUTMAN, 11973], p. 45   s.;   K.f.SCHUMANN11973], p, 81   s.;  r.R WICE, (19741; K.f. SHUMANN, [19741, p, 69   s.:  E. BLANKEMBURG,K.S~SAR, W.STé:ffEN, 119751, p. 36's.: R.QUINNEY,119761; H.SCHWENDlNGER,j. SCHWENDINGER[1977J, p, 4  s. ; f,SACI', 119789]. p. 248 s. Em pa'1icula,', sobre a critica das estatísticas oficiais e da imagem da distribuiçãoda cl'iminalidade por elas fOl'llecid.~,cf, j, KITSUSE,A. V.CICOUREL,11963), p. 131   s.;  A,V.CICOUREL(1968), p. 25   s.;   D.j. BLACK,1197l'), p. 733   s.;   r, WllES, 11971I, p. 198   s.;   H. j.KERNER,119721;).   o,

DOUGLAS,(19721, p,42 s. ral'R ultel'iores indicllçôes bibliO$"áficas sob.'e mecanismos seletivos do sistema pe.nalnas dive.'sas instâncias oficiais, cf" A. OARATTA,11979), p. 147 s,

6. Cf, L,CHEVALlER,(1958): D.BLASIUSC,(1976l; R,C0l:10,11970]; T, BERGER,[1974 I;.r, COSTA, (1974 J ;

D, OLASIUS,11976]; M. fOUCAULT11975];). MEREU,119771; M. rAVARINI,D.MELOSSI,11977). Deve-seassinalar, também, a estampa de duas obms clássicas: J. HALL,11952); G. RUSCHE,H. KIRCHHEIMER,119681, Além dis.'lO,veja-se, também pal'lluma Íltilresenha das di ,'eçát's   de pesquisa e da recente literatul'anOcampo da "cl'iminolO$ia histól'Íca", D. I:1lASIUS,119781; M. CIACCI, V,GUALANDJ,(1977).

7, G.RUSCHE- O, KIRCHHEIMER,(19681; M. rOUCAULT,11975); D.MELOSSI- M. rAVARINI,(1977).

8, Refiro-me a mecanismos como o da "distãncia social", que intelTompe ou diminui os contaetosenll'e cidadãos "normais" e os condenados ou suas famílias, e a "p,'oil>ição de coalizão", que impedea fOl'maç:io  de solidnl'iedade ativn  enh'e   cidadãos   "nol'lltais"   e condenados,   Oll   entre os   p.'ópl'ios   con-

denados, Sob.'e tais mecanismos, em ,'efe.'ência a uma pesquisa empírica pl'eliminal', cf. G. SMAUS,119771, p, 137 s,

9 ram um exame sistemático dos esludos e da litemtlll'a, especialmente da nOl'te-amel'icana, cf. S.HAROORDT,11972); R.T,MORRIS,r. MORRIS1196~~J;1', WEIS, [1971;],

10. Cf, H.SCHULER- SrRINGORUM, 119691, p. 697  s. , quP fala de "socialização substitutiva"; G. KAISER,11972]p.7. .

1LCf. R.r. CALlIES,(1974I,p. 129.

12 L.ALTHUSSER,119501.

13. M. fOUCAULT,11975].

14. M. WiI:1ER,11965], p. 122 s.

249

CRIMINOLOGIA CRíTICA E CRÍTICA DO DIREITO rENAL

XIII -   SISTEMA rENAL E RErRODUÇÃO DA REALIDADESOCIAL

1. c.  RUSCHE.119931, p. 7l'..

2. H. STEINEIIT.119731, p. 22.

3. H. STRANG,1197l'I, p. 221.2.

4. E. IlEGEMANN,119701, p. 66 s.

5. C. IIlEN,11970), p. 37 s.

6. r. C. SEXSON,(19611; H. HIEI.SCHER,119721.

7. I. ADLER,(1957), p. 71-2; r. A.IlARAN- r. M. SWEEZY,119561, p.  :.n r..

AL~SANDRO BARATTA

29. E. M. LEMEIIT,119671; E.M. SCHUR,119711.

30. G. SMAUS,119731.

31.  Ibidem.

32. Cf.sup •.••.cNpillllo 111.

33. r. WALDMAN,119751, p. 61.'.

34.IC WEIS,11975).

35. D.C1PSER,(1975).

36. Sobre Nfllnçiio da assislência social no mecanismo selelivo de controle social, veja.se, enlre oulros, H.rETERS(1968); S. QUENSEL119721; H. rETERS,H. CREMER- SCHlfER 11975J; r. MALlNOWSKI, f.H.

MUNCH 11975).

8 G IIlEN 11974J p 26

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8. G. IIlEN,11974J, p. 26.

9. R. LAUTMANN,1197l').

ll'. G. IBEN,(19741, p. 31.

11. E.HOHN, [19671, p. 32.

12. ftK. MEIITON,119571, p. 421 s.

13. R.ROSENTHAL- L.)ACOIlSON, 119681.

14. Cf. H.H. DAVIDSON-G. LANG,(1968), p. 332 s.

15. G.IIlEN, (19741, p. 44.

16. Cf. K.II.CLARK, r,'efàcio a r.c. SEXTON,(1961), p. IX.

•37. S.QUENSEL,(1972).

38.ft LAUTMANN- D. PETERS,(1973), p. 53.

X IV -   CÁRCERE E MARGINALIDADE SOCIAL

1. Como inlrodução   li (ilemhll"ll, sobre os vàrios aspeclos, cf. G. KAISER,H. SCHOCH, H. H. EIOT, H. ).

KERNER,119741, p. 1115s.

2. D.CLEMMER,(1958).

3. S. HARIlORDT.1197Z); K.WEISS,(1976J.

4. M. fOUCAULT,(1975), p. 276 s.

5.ft T.MORRlS- r. MORRIS,(1963), P. 164.

17. K.E.SCHUMANN, (1947), p. 77-8.18. K.D.orr- A. rEUCKEIIT,(1971);j. fEEST-).IlLANKENIlURG, 119721;). HOGAIIT,(1971); R. LoHENSEL- R.A. SILVERMANN,119751.

19. K.L1EIlKNECHT,(1980); Cf. R. DAHRENDORf,(19611-

20. K.SCHUMANN- G. WINTER,11971).

21. K.D.Orr, (19701.

22. K. f. SCHUMANN- r. G. WINTER,.119721.i

23. O. rETERS,119731, p. ll'0 s.

24, H. LEWRENZeoulros, (1968).

25. O. rETERS,[19731, p. 147 s.

26. Ibidem,   p.   1r . 7.

27. f. SACK,(19721.

28. Cf. supra, capitulo VII.

250

6. E. rR~CHI. 11961I, p. 83.

7. S. HARIlORDT,(19721, p. 11 s.; I. HOHMEIER,119691, p. 292 s.

8. W.SHEV,(1971), p. 40 s e 51s.

9. E.GOffMANN, (1961), p. 11 s.

1l1.D. CLEMMER,11958], p. 294 s.; S. HARIlORDT,119721, p. 82 s.

11. S. HARIlORDT,119721, p. 36 s.

12. R.BERGALLI,119761, p. 66. ram a critica.da ideolO$iada ressocialização, cf., lambém, R. BERGALLI,

(1980).

13. M. fOUCAULT,(19751, p. 30s.

14. Leide 26 dejlllho de 1975, arls. 20,21,22,23, Sll"lIfvollzlIgsgesetz,16 de ma•.•;o de 1976, pal'ágrafos37,52.

15. Leide 26 dejlllho de 1975, ;lrls. 1, 15,17,1 S, 3l\ 35, 78, Stl"llfvollzlIgsseselz,26 de março de 1976,

 paràg.-afos 10, 11, 13,23-26.

251

CRIMINOLOGIA CRiTICA E CRITICA DO DIREITO PENAL

16. rara lima perspectivn criticn do conceito de 1I1al~inalídnde, cf. T. HERNANDEZ,(1976).

17. G. RUSCHE- O. KIRCHHEIMER,[196SI.

18. V. COT~TA. (1979); M. SBRlCCIOLl, (1977); I. JANKOVIC, (1977J; H. STEINERT- H. TREIBERT,[197SI; D. MELOSSI, (197S); M. PAVARlNI(1978).

19. C. RUSCHE-O. KIRCHHEIMER,(1968).

20. M. fOUCAULT, (19751.

21. G. RUSCHE- O. KIRCHHEIMER.(1968).

22.I.JANKOVIC, (1977).

23. M. PAVARINI,[197SJ.

•I

Al~SANDRO BARATTA

13. A pel"Í,!;osat~lIdência de desenvolvimento que se li$"  "OS objetivos dc>stacampallhn .;  li  de   ullla com. pre~s•.lo da poHtic.~criminullla política penal,   e dest" em umn mera política pennl  de  ordem pública, cf. f.9RICOlA. 119751. P. 221 s. Com tal compressão. os modestos resultados. alcallçados ou auspiciados nocurso das recentes iniciativas   de   I'eforma do direito, parecem podei' tOl'll"".se fncilmellte revel'siveis, ell'quanto na dinámica do desenvolvimento do ~istema penal se illserem principios opostos aos que presidem'0$ reformas supm-referidas. Cf. A.1IARATTA,(1977).

14. G. RADBRUCH,119631, p. 269.

Apêndice

I . TH. S, KUHN, (19621.

2. R.M. MACIVER.(19421. p. SS.

3. Sobre a nação   de climinalidade no sentido comum, também em relação com uma pesquisa sobl'e "Areação social à criminal idade com l'eferêllcia particulnr ao setor lIão instituciollal" (sob" dit'eção de A

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7/25/2019 Criminologia Crítica e Crítica Do Direito Penal - Baratta, Alessandro

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xv -   CRIMINOLOGIA CRITICA E POLITICA CRIMINAL ALTERNATIVA

1. Um exemplo muito evidente é dado pela fl'utuosa comparação que se pode fazer enlt'e duas obms degl'ande ''elevo na histól"Ía do sistema penal   e   do c:ircel'e, na sociedade capitalista: a de G. Rusche e O.Kirchheimer (19681, rea~iZ:ldacom o enfoque teól'Íco marxista caractel"Ístico da Escola de   fl'ankftu1, e a deM. foucnult (19751, renhzndu com um enfoque teórico bem dife,'ente do mn,'xismo,

2. Para difel'ellciá-Ia. também na tel'minologia. da all.nl práxis do sistema punitivo, podel;a ainda melhol'chamal'-se est.~polític.~ alternativa   de  "polític.~  de   controle dos   COmpoI1<1mt:IIfLl$.<LlCi:Jlmt:llfe 11t:{:Çlfivosedas situações pt'Oblemáticas". Mallt.;m-se. contudo. também p",'a fins de  clÍtica e  de  polêmica,   : : > uso daexpress,'lo tradicional "polític.~ cl'iminal", ahibuindo-Ihe. como se vel'á no te.>(to,o significado mais amplo possível. na di,'eç,'lo da altel'nativa ao sistema existente e, no limite, da "supel'ação" do dit'eito pesaI.

3. f. WERKENTIN- M. HOffERBERT- N. llAURMANN.(1972), p. 221 s.

4. Estaatitude I'eformista, que acredita pode.' ''eSOlvel'os grandes problema sociais atuando SObl'eas loem-ções de distribuição, como se elas pudes.<emseI' modificadas indepeudentemente das ,-elaçõesde produção,atitude que é objeto da nota crític.~ de Mal'x, na   Ctifkw cf" prognlll1:1   ,I"  C.otlme  nos   (;l'Il11cfn'sse,é  l'eCOl'l'en-te  no correcionalismo tipíco da sociologia c.'iminal   lil'<1n11e depende, também, do enfoque etiolóSico comque ela estuda o f~lIômello criminoso.

5. Cf. f. llRICOLA. [197Gal, p. 7 s.; f. SGUBlll, (197GI, p.439 s.

G.Cf. L. fERRAJOLl- D.ZOLO, [19771. p. 197 s.

7. T.MATHI~EN, (19741; I.TAYLOR- J. YOUNG, (19771.

8. Em,'elação a esta perspectiva são examinadas cl'iticamente, também   liluz das pl'Ímeil'lls expel'iêncías, asinovações ilftroduzidas pelas recentes reformas penitenciá"ias na Alemanha   (Sfmbol/zuss..'Ç:St:fz.   16 demarço de I Íl7G)  e  na Itália (lei de 26 de julho de 1975,11. 354). Cf., sob,'e esta úllima, os ensaios de G. NErrl, MODONA, (19761, e de G. INSOLERA,(19761, assim como o segundo dos Cadel'nos da ''evista "laquestione crimillal,,", sob a l'esponsabilidade   de  f. llRICOLA, (1977).

9. Cf. G. SMAUS. [ 19771, p. 137 s.

Il). E. RUBINGTON- M. S. WEINBERGER(19681.

I I.  J.   HABERMAS,II9621; G. SCHMIDCHEN, [1959/. p. 23G s.; W. HENNIS,(1957).

12. S.COHEN, (1972);S. COHEN-,I. "OUNG, (19741.

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reação social   à  criminal idade, com l'eferêllcia particulnr ao setor lIão.instituciollal" (sob" dit'eção de A.BARATTA,G. SMAUS.f. SACK), vel' a monogmfia   de  G. SMAUS, (19811.

4. A.lIARATTA, (1983).

5. CHR. DEBUYST.(19831.

6. C. CHAPMAN.(196SJ, p. 3.

'j.W. KECKEISEN,1197GI, p. 29 s.

S. Com o tel'mo "de dil'e;ta" pode-se qualificai' as criticas do   1:lbe1itl<: :IJ'pIU:ICl1   contidas nas posiçõesol'ientadas parll uma l'eStaumç:l0 do modelo tl'3dicional   de  c,'iminologia e pam a conse.'Vação do atualsistema penal. Obligados a se defender contm a crise   de  legitimidade ei"ntífica e política que os afeta. Pode-~ chamai' "cl~ticas de esquerda" aquelas que tomam a posição, pelo conlt'ál'io,   de   levar esta cl'ise até suasc<lnseqüêneias mdicais, em un"l pel'spectiva cientifica   e  política que adota o ponto   de  vista do interesse dasclasses subalte1'll.~s.Adifel'ença entre os dois tipos de critica égmnde; a crítica de "di''eita" tem a tendênciade negai' o   !:lbel1il<: :IJ'J'I\>;ICl1,   l'ell'oc~deudo em relaç,'lo   à   sua iUlt'odução na teoria do desvio e dacl"Ínsinalidndc. Unta  C01'I'~tnCl'íticn de "esquerda", cu, I1linhn opinião, ~ aquela que tende a il' funis aténl doklbditl<: :IJ'J'IU;Ir.'I1. atmvés do   l:ll'<1/i/l<: :lJ'J'I\>;ldl.   Pam alsuns dos principais exemplos desta critica aoklbdit1,'f:lppn>:lcl1.   verA.GOULDNER, 119681;A. L1AZOS,(1972I;A.   nuo,  [19731; W. KECKEISEN,(19761.

9. W. KECKEISEN,[19761, P. 121 s.

lO,   A. BARATTA,(19821.

lI. Uma conseqüência que. por oull'O lado, 11[00deixa   de se produzi,', POl'mz6es eslt'utul'3is e  em  dimen-sões difel'ent~s. tanibém em outms sociedades contemporãneas.

12, A. BARATTA,(197GI, (19821; M. PAVARINI.(19811; L. ANIYARDE CASTRO,(198.11.

13. A. BARATTA,[19821; M. PAVARINI,(19811

]4. A. llARATTAe G. SMAUS, (198 lI.

15. ram uma p"imeimori"ntação, ver R.K.MERTON, [19571, p. 19; H. BECKERkd.), [19661; R.K.MEIITONe R.A. NISBET,119711; K.O. HORDRICH (ed.), (19751; M. SrE<...OR eJ. KITSUSE,\19771; f.W. STALBERG,(19791;). MATTES (ed.), 11980).

; 6. I'am lima o"ientaç,'lo historieista lia teoria das necessidades. no intel'iol' de um discurso   de  inspimção"laLxista, alterllativo em l-elação ao "alllt'opologismo" da conhecida interpretação   de A. Hellel',   vel'  L.rICCIONI, [19781.

253

18. Nesle sentido, H. STEINERT. (1980J, p. 892; A. DAL LAGO, 119811; A. BARATTA, 119821; 119831.

f . . . .

~'I~~v}ll-.

17. rara esl" COI1< tABERMAS.11975); (1973), p. 228 s.

19. J. "t'OUNG, (1975).

2l'. E. SCHUR (1978J.

21. I. TAYLOR. r. WALTON eJ. "t'OUNG, 11963\.

22. A. W. GOULDNER, 11968], p. 37 s.;). "t'OUNG. 11970J.

23. A. W. GOULDNER. (1970).

24.   r. SACI(, (19681, p. 469.

25. E. RESTA, (1981 J, p. 143

Olnl.jl.

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metas culturais, compelerninorias

desfavorecidas para modelos de

comportamento desviantes.

A contribuição mais importante

do  texto   talvez se possa identificar 

na análise do  labelingapproach   a

criminalidade não seria um dado

ontológico pré-eonstituído, mas re-

alidade social constituída pelo sis-

tema de justiça criminal por meio

de definiçõesedareação&X:ial. Con-

<r.itQ3detnn~quernara:un

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29. No lnteriol' da atual discussão intel'lu,donal sobre a descl'jtuinalizaçlio, os custos sociais do sistelna

 penal, os limiles da insliluição da p"isão ele., sUI'gem os 110mes de LOUK HOULSMANN e HERMANNBIANCHI nos raís.:s Baixos, " de NIELS CHRIST1E na Noruega. rai-a uma classificação das teol'Ías sobre

 polilica cl'iminal, sob os "tipos ideais" de leori.~. "consel'Vadol'8s", "I-ec\ucionisla.".e "abolicionista.", ver P.

LANDREVILLE, (1977). Também, em um marco mais amplo dos. modelo. de politica CI'iminal, J.

DELMASMARTY. (1983J.

26. A. BARATTA, (1983J.

27. D. rULlTANO, 11981), p. 119-20

28. A. BARATTA, {1977\; 119821.

3l'. TH. MATHIESEN, (19741.

31. G. RADllRUCH, 119621. p.269.

254

\f .

1

alinguagemdaaimiIlO~rontem-

 porânea -o comportamento crimi-

noso rotulado como tal; o papel da

est:igmatizaçãopenalna produçi!iodo

status social de airninooo; an:jeição

da função reeducativada pena ai-

minal, que consolida a identidade

cdminosa e introduz o condenadc

em tuna carreira desviante.

Crún.úwlogia critica e crítica   ck 

direito penalé    um livro clássico dodireito contemporâneo. Um estudo

vasto, quepretendeconsideraruma

 política criminal alternativa. Uma

 proposta que aponta para umare-

versão da relação de hegemoni::..

cultura vigente, mediante críticr 

ideológica, produção científica e

informação, com umadiscussãode

massadaquestão~