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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1 * CASO RAMÍREZ ESCOBAR E OUTROS VS. GUATEMALA SENTENÇA DE 9 DE MARÇO DE 2018 (Mérito, Reparações e Custas) No caso Ramírez Escobar e outros, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante "a Corte Interamericana", "a Corte" ou "este Tribunal"), integrada pelos seguintes Juízes: Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Presidente; Humberto Antonio Sierra Porto, Juiz; Elizabeth Odio Benito; Juíza; Eugenio Raúl Zaffaroni, Juiz, e L. Patricio Pazmiño Freire, Juiz; presentes também, Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta, em conformidade com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante “a Convenção Americana” ou “a Convenção”) e com os artigos 31, 32, 62, 65 e 67 do Regulamento da Corte (doravante “o Regulamento”), dita a presente Sentença que se estrutura na seguinte ordem: 1* Os Juízes Eduardo Vio Grossi e Roberto F. Caldas não participaram na deliberação e assinatura desta Sentença por motivos de força maior, o qual foi aceito pelo Pleno.

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  • CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS1*

    CASO RAMÍREZ ESCOBAR E OUTROS VS. GUATEMALA

    SENTENÇA DE 9 DE MARÇO DE 2018

    (Mérito, Reparações e Custas)

    No caso Ramírez Escobar e outros,

    a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante "a Corte Interamericana", "a Corte"ou "este Tribunal"), integrada pelos seguintes Juízes:

    Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Presidente;Humberto Antonio Sierra Porto, Juiz;Elizabeth Odio Benito; Juíza; Eugenio Raúl Zaffaroni, Juiz, eL. Patricio Pazmiño Freire, Juiz;

    presentes também,

    Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta,

    em conformidade com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos(doravante “a Convenção Americana” ou “a Convenção”) e com os artigos 31, 32, 62, 65 e 67do Regulamento da Corte (doravante “o Regulamento”), dita a presente Sentença que seestrutura na seguinte ordem:

    1* Os Juízes Eduardo Vio Grossi e Roberto F. Caldas não participaram na deliberação e assinatura destaSentença por motivos de força maior, o qual foi aceito pelo Pleno.

  • - 2 -

    TABELA DE CONTEÚDO

    I 5

    INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 5

    II. 7

    PROCESSO PERANTE A CORTE 7

    III 9

    COMPETÊNCIA 9

    IV 9

    RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO 9

    A. Reconhecimento do Estado e observações da Comissão e dos representantes 9

    B. Considerações da Corte 13

    B.1 Sobre os fatos 13

    B.2 Sobre as pretensões de direito 14

    B.3 Sobre as reparações15

    B.4 Valorização do reconhecimento 15

    V 16

    CONSIDERAÇÃO PRÉVIA SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE J.R. 16

    A. Argumentos das partes e da Comissão 16

    B. Considerações da Corte 17

    VI. 19

  • - 3 -

    PROVA 19

    A. Prova documental, testemunhal e pericial 19

    B. Admissão da prova. 19

    B.1  Admissão da prova documental 19

    B.2 Admissão da prova testemunhal e pericial 21

    C. Avaliação da prova. 21

    VII. 22

    FATOS 22

    A. Contexto de adoções irregulares na Guatemala na época dos fatos 22

    B. Marco normativo aplicável em nível interno na época dos fatos 27

    B.1 Processo de declaração de abandono 27

    B.2 Processo de adoção 28

    C. Os irmãos Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R. E a sua família 30

    C.1 Declaração de abandono dos irmãos Ramírez 31

    C.2 Recurso de revisão contra a declaração de abandono  37

    C.3 Processos de adoção dos irmãos Ramírez 41

    C.4 Recursos interpostos depois da adoção dos meninos Ramírez  42

    D. Supostas ameaças, agressões e perseguição contra Gustavo Tobar Fajardo. 49

    E. Situação atual da família Ramírez 49

    VIII. 50

    MÉRITO  50

  • - 4 -

    VIII‐1 51

    DIREITO À VIDA FAMILIAR E À PROTEÇÃO DA FAMÍLIA, DIREITOS DA CRIANÇA, GARANTIAS JUDICIAIS E PROTEÇÃO JUDICIAL, EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS SEM DISCRIMINAÇÃO E O DEVER DE ADOTAR DISPOSIÇÕES DE DIREITO INTERNO 51

    A. Considerações gerais sobre os direitos da criança 52

    B. Declaração de abandono 54

    B.1 Alegações da Comissão e das partes 54

    B.2 Considerações da Corte 56

    B.2.a Irregularidades no processo de declaração de abandono 58B.2.b Falta de motivação das decisões 63B.2.c Conclusão 65

    C. Processos de adoção 66

    C.1 Alegações da Comissão e das partes 66

    C.2 Considerações da Corte 67

    C.2.a Adotabilidade dos irmãos Ramírez 71C.2.b Avaliação do melhor interesse da criança 72C.2.c Direito de ser ouvido 77C.2.d Subsidiariedade da adoção internacional 78

  • - 5 -

    C.2.e Proibição de benefícios econômicos indevidos 79C.2.f Conclusão sobre a adoção dos irmãos Ramírez 80

    D. Recursos apresentados contra a separação familiar 82

    D.1 Alegações da Comissão e das partes 82

    D.2 Considerações da Corte 82

    D.2.a Efetividade dos recursos 83D.2.b Prazo Razoável e devida diligência 85

    E. Proibição de discriminação em relação à obrigação de respeitar e garantir os direitos 87

    E.1 Argumentos das partes e da Comissão 87

    E.2 Considerações da Corte 87

    E.2.a Considerações gerais sobre o direito à igualdade perante a lei, a proibição de discriminação e a proteção especial das crianças 88E.2.b Direito a não ser discriminado com base na posição financeira

    91

  • - 6 -

    E.2.c Direito a não ser discriminado com base em estereótipos de gênero 95E.2.d Direito a não ser discriminado com base na orientação sexual 97E.2.e Conclusão 98

    VIII‐2 98

    PROIBIÇÃO DO TRÁFICO DE PESSOAS, GARANTIAS JUDICIAIS E PROTEÇÃO JUDICIAL EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS 98

    A. Argumentos das partes e da Comissão 98

    B. Considerações da Corte 99

    B.1 Considerações gerais sobre o tráfico de pessoas com fins de adoção e venda de crianças no âmbito do artigo 6 da Convenção 100

    B.2 Apreciação das circunstâncias específicas do presente caso 104

    VIII‐3 107

    DIREITO À LIBERDADE PESSOAL, EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS E O DEVER DE ADOTAR DISPOSIÇÕES DE DIREITO INTERNO 107

    A. Argumentos das partes e da Comissão 107

    B. Considerações da Corte 108

    B.1 Legalidade do acolhimento residencial 110

    B.2 Finalidade e idoneidade do acolhimento residencial 112

    B.3 Necessidade do acolhimento residencial 113

  • - 7 -

    B.4 Dever de regulamentar, fiscalizar e supervisionar 116

    B.5 Conclusão 118

    VIII‐4 118

    DIREITO AO NOME DE OSMÍN TOBAR RAMÍREZ, EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS 118

    A. Argumentos das partes e da Comissão 118

    B. Considerações da Corte 119

    VIII‐5 121

    DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL, EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR E GARANTIR OS DIREITOS121

    A. Argumentos das partes e da Comissão 121

    B. Considerações da Corte 121

    IX. 123

    REPARAÇÕES 123

    A. Parte Lesionada124

    B. Medidas de restituição: 124

    B.1 Restituição dos vínculos familiares da família Ramírez 124

    B.1.a Restituição do vínculo familiar entre Flor de María Ramírez Escobar, Gustavo Tobar Fajardo e os seu filho Osmín Tobar Ramírez

    125

  • - 8 -

    B.1.b Vinculação de Flor de María Ramírez Escobar e Osmín Tobar Ramírez com J.R. 126

    B.2 Adotar medidas para a alteração da certidão de nascimento de Osmín Tobar Ramírez e a restituição dosvínculos legais familiares 127

    C. Obrigação de investigar os fatos deste caso 128

    D. Medidas de satisfação e garantias de não repetição 129

    D.1 Realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional 129

    D.2 Elaborar um documentário audiovisual 129

    D.3 Publicação da Sentença 130

    D.4 Fortalecimento da supervisão e controle da institucionalização de crianças 130

    E. Outras medidas solicitadas 131

    F. Indenizações compensatórias 133

    F.1 Dano material 133

    F.2 Dano imaterial 134

    G. Custas e despesas 134

    H. Restituição das despesas ao Fundo de Assistência Legal de Vítimas 136

    I. Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 136

    X PONTOS RESOLUTIVOS 137

  • - 9 -

    1I2INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA

    1. O caso submetido à Corte. - Em 12 de fevereiro de 2016, em conformidade com odisposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana e o artigo 35 do Regulamento daCorte, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante "a ComissãoInteramericana" ou "a Comissão") submeteu à jurisdição da Corte Interamericana ocaso Irmãos Ramírez e família contra a República da Guatemala (doravante "o Estado"ou "Guatemala"). De acordo com a Comissão, o caso se relaciona a adoçãointernacional, mediante trâmite extrajudicial, das crianças Osmín Ricardo TobarRamírez e J.R.2, de sete e dois anos de idade respectivamente, no mês de junho de1998, depois da institucionalização de ambos os irmãos desde 9 de janeiro de 1997 e aposterior declaração de um suposto estado de abandono. A Comissão determinou que,tanto a decisão inicial de institucionalização quanto a declaração judicial do estado deabandono, não cumpriram com as obrigações substantivas e processuais mínimas parapoder ser considerados acordes com a Convenção Americana. As supostas vítimasneste caso são Osmín Ricardo Tobar Ramírez e os seus pais biológicos, Flor de MaríaRamírez Escobar e Gustavo Tobar Fajardo. A condição de suposta vítima de J.R. e a suaparticipação no presente caso é examinada e determinada no capítulo V destaSentença.

    2. Trâmite perante a Comissão. - A tramitação perante a Comissão seguiu os seguintespassos:

    a) Petição. – Em 1 de agosto de 2006, a Associação Casa Alianza, o Movimento Socialpelos Direitos da Criança e o Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL)(doravante “os representantes”) apresentaram a petição inicial, em representação dassupostas vítimas.

    b) Relatório de Admissibilidade. - Em 19 de março de 2013, a Comissão aprovou oRelatório de Admissibilidade No. 8/133.

    2 Neste caso,a Corte, a Corte concedeu a reserva de identidade solicitada pelos representantes em favor dosegundo filho de Flor de María Ramírez Escobar e a sua família adotiva, pelo qual, serão utilizadas as siglas “J.R.” parase referir ao segundo filho da senhora Ramírez Escobar, “T.B.” para se referir ao seu pai adotivo, “J.B.” para se referirà sua mãe adotiva, bem como “matrimônio B.” ou “família B.” quando se fizer referência ao casal ou à família adotivade J.R. De forma conjunta.

    3 Cfr. CIDH, Relatório No. 8/13, Petição 793-06, Admissibilidade, Irmãos Ramírez e família, Guatemala, 19de março de 2013.

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    c) Relatório de Mérito. - Em 28 de outubro de 2015, a Comissão aprovou o Relatório deMérito No. 72/15 no qual chegou a uma série de conclusões e elaborou váriasrecomendações para o Estado:

    ● Conclusões. - A Comissão concluiu que o Estado da Guatemala era responsável pelaviolação dos artigos 5, 7, 8, 11, 17, 18, 19 e 25 da Convenção Americana, comrelação aos artigos 1.1. e 2 do mesmo instrumento, em prejuízo de Osmín RicardoTobar Ramírez, J.R., Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Tobar Fajardo.

    ● Recomendações. - Consequentemente, a Comissão fez ao Estado uma série derecomendações, com relação a:

    1. Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas norelatório no aspecto material e moral.

    2. Realizar, no prazo mais breve possível, uma pesquisa séria, empenhandotodos os esforços, para determinar o paradeiro de J.R.

    3. Estabelecer de forma imediata um processo orientado à real vinculaçãoentre a senhora Flor de María Ramírez Escobar e o senhor GustavoTobar Fajardo com as crianças Ramírez, segundo os desejos destesúltimos e considerando a sua opinião.

    4. O Estado deve oferecer, de forma imediata, o tratamento médico epsicológico ou psiquiátrico para as vítimas que assim o solicitarem.

    5. Dispor das medidas administrativas, disciplinares ou penaiscorrespondentes às ações ou omissões dos funcionários públicos queparticiparam dos presentes fatos.

    6. Adotar as medidas de não repetição necessárias, incluindo medidaslegislativas e de outro tipo para garantir que tanto na suaregulamentação quanto na prática, as adoções na Guatemala seajustem aos padrões internacionais estabelecidas no relatório.

    a) Notificação do Relatório de Mérito. - O Relatório de Mérito foi notificado ao Estado em12 de novembro de 2015, outorgando ao Estado um prazo de dois meses para informarsobre o cumprimento das recomendações. Depois de uma prorrogação, o Estado daGuatemala remeteu um escrito em 8 de fevereiro de 2016, mediante o qual recusou asconclusões do Relatório de Mérito e indicou, entre outras coisas, que não cabia outorgarqualquer tipo de reparação às vítimas, uma vez que o Estado “[tinha] garanti[do] atodo o momento os direitos humanos dos irmãos Ramírez, uma vez que procurou obem supremo deles perante a necessidade de ser integrados a uma família”.

  • - 11 -

    1. Submissão à Corte. – Em 12 de fevereiro de 2016 a Comissão submeteu o presentecaso à Corte “pela necessidade de obtenção de justiça para as vítimas do caso”. AComissão nomeou como delegados o Comissionado Enrique Gil Botero e o SecretárioExecutivo Emilio Álvarez Icaza, bem como as senhoras Elizabeth Abi-Mershed,Secretária Executiva Adjunta e Silvia Serrano Guzmán além do senhor Erick AcuñaPereda, como assessoras e assessor legais.

    2. Solicitações da Comissão Interamericana. - Com base no que antecede, a ComissãoInteramericana solicitou a este Tribunal que se concluísse e declarasse aresponsabilidade internacional do Estado da Guatemala pelas violações previstas noRelatório de Mérito e que se ordenasse ao Estado, como medidas de reparação, asrecomendações incluídas no referido relatório (supra par. Trâmite perante a Comissão.- A tramitação perante a Comissão seguiu os seguintes passos:)

    1II.2PROCESSO PERANTE A CORTE

    1. Notificação ao Estado e aos representantes. - A submissão do caso foi notificada aosrepresentantes das supostas vítimas e ao Estado em 29 de março e 21 de abril de2016, respectivamente.

    2. Escrito de petições, argumentos e provas. - Em 30 de maio de 2016, a Associação ElRefugio de la Niñez (Refúgio da Infância) na Guatemala e o Centro pela Justiça e DireitoInternacional (CEJIL) (doravante “os representantes”) apresentaram o seu escrito depetições, argumentos e provas (doravante “escrito de petições e argumentos”),conforme os artigos 25 e 40 do Regulamento da Corte. Os representantes coincidiramsubstancialmente com as alegações da Comissão e solicitaram à Corte que declarasse aresponsabilidade internacional do Estado pela violação dos mesmos artigos daConvenção Americana alegados pela Comissão. Adicionalmente, alegaram a violação daproibição da escravidão e servidão (artigo 6 da Convenção) em prejuízo dos irmãosRamírez, bem como o direito de igualdade perante a lei e a proibição da discriminação(artigos 1.1 e 24 da Convenção) em prejuízo de Flor de María Ramírez Escobar,Gustavo Tobar Fajardo e os irmãos Ramírez. Finalmente, solicitaram que se ordenasseao Estado adotar diversas medidas de reparação e restituição de determinadas custas edespesas.

    3. Fundo de Assistência Legal. - Mediante a Resolução de 14 de outubro de 2016, oPresidente da Corte declarou procedente a solicitação interposta pelas supostas vítimas,através dos seus representantes, para se acolher ao Fundo de Assistência da Corte4.

    4 Cfr. Caso Ramírez Escobar e outros Vs. Guatemala. Fundo de Assistência Legal de Vítimas. Resolução doPresidente da Corte de 14 de outubro de 2016. Disponível em:http://www.corteidh.or.cr/docs/asuntos/Ramírezescobar_fv_16.pdf

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    4. Escrito de contestação. - Em 23 de novembro de 2016, o Estado apresentou perante aCorte o seu escrito de contestação à submissão do caso por parte da Comissão e deobservações feitas no escrito de petições e argumentos (doravante "escrito decontestação")5. Nesse escrito, o Estado reconheceu algumas violações alegadas,contestou outras e respondeu às solicitações de reparação.

    5. Observações ao reconhecimento parcial de responsabilidade.- Em 9 de janeiro de 2017a Comissão e os representantes apresentaram as suas observações ao reconhecimentoparcial de responsabilidade realizado pelo Estado.

    6. Audiência pública. - Em 11 de abril de 2017, o Presidente emitiu uma Resoluçãomediante a qual convocou o Estado, os representantes e a Comissão Interamericanapara a celebração de uma audiência pública, a respeito do mérito, reparações e custas,para ouvir as alegações finais orais das partes e as observações finais orais daComissão a respeito desses temas6. Da mesma forma, mediante a referida Resolução,ordenou-se receber as declarações perante agente dotado de fé pública (affidavit) deuma suposta vítima, uma testemunha e nove peritos. Posteriormente, perante asolicitação do Estado, também se ordenou receber a declaração de outra testemunhamediante affidavit7 Os affidavit foram apresentados pelos representantes nos dias 12 e16 de maio de 2017, e pela Comissão e o Estado em 17 de maio de 2017.Adicionalmente, mediante a referida Resolução, foram chamados a testemunhar naaudiência pública duas supostas vítimas e um perito. A audiência pública foi celebradaem 22 de maio de 2017, durante o 118 Período Ordinário de Sessões da Corte,

    5 Em 21 de abril de 2016, o Estado nomeou como Agentes a Carlos Rafael Asturias Ruiz, Steffany RebecaVásquez Barillas y Cesar Javier Moreira Cabrera. Posteriormente, no seu escrito de contestação de 23 de novembro de2016, informou que a Guatemala seria representada neste caso pelo Presidente da Comissão Presidencial,Coordenação da Política do Executivo em Matéria de Direitos Humanos (COPREDEH), o senhor Victor Hugo Godoy, epela Diretora Executiva do COPREDEH, a senhora María Ortiz Samayoa. Em 26 de setembro de 2017, a Guatemalainformou que nomeou um novo presidente da COPREDEH, o senhor Jorge Luis Borrayo Reyes. Em 6 de novembro de2017, informou que a nomeação do novo Diretor Executivo da COPREDEH, o senhor Felipe Sánchez González.Portanto, a Corte entende que, no momento da emissão desta Sentença, os Agentes do Estado para o presente casosão Jorge Luis Borrayo Reyes, Presidente da COPREDEH, e Felipe Sánchez González, Diretor Executivo da COPREDEH.

    6 Cfr. Caso Ramírez Escobar e outros Vs. Guatemala. Convocação de audiência. Resolução do Presidente daCorte de 11 de abril de 2017. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/a suntos/Ramírez_11_04_17.pdf .

    7 A testemunha proposto pelo Estado, Erick Benjamín Patzán Jiménez, foi convocada a declarar na audiênciapública na Resolução do Presidente de 11 de abril de 2017. No entanto, em 9 de maio de 2017, o Estado informou que“não c[ontava] com os recursos suficientes e necessários para arcar com as despesas de deslocamento” de ErickBenjamín Patzán, pelo qual solicitou que a sua declaração fosse apresentada mediante agente dotado de fé pública.Em 12 de maio de 2017, mediante as notas da Secretaria, as partes e a Comissão foram informadas que, perante aimpossibilidade de comparecimento do senhor Erick Benjamín Patzán na audiência pública convocada, o Presidentetinha disposto que a declaração da testemunha Patzán fosse recebida mediante afidávit.

  • - 13 -

    realizado na sua sede8. No transcurso dessa audiência, os Juízes da Corte solicitaramdeterminada informação e explicações às partes e à Comissão.

    7. Alegações fatos supervenientes.- Em 16 de maio de 2017 os representantesapresentaram informação sobre alegados fatos supervenientes. O Estado apresentou assuas observações sobre esses fatos nas suas alegações finais escritas (infra par.Alegações e observações finais escritas. - Em 22 de junho de 2017, os representantes eo Estado apresentaram as suas alegações finais escritas, bem como determinadosanexos, e a Comissão apresentou as suas observações finais escritas.). A Comissão nãoapresentou observações a tal respeito.

    8. Amicus curiae. – O Tribunal recebeu um escrito na condição de amicus curiae por parteda Clinic on Policy Advocacy in Latin America de New York University9 sobre “as adoçõesinternacionais ilegais que se desenvolveram na Guatemala depois do conflito,explorando crianças e as suas famílias” e “os estereótipos sobre a pobreza, gênero eorientação sexual usados para justificar a intervenção do Estado na família”.

    9. Alegações e observações finais escritas. - Em 22 de junho de 2017, os representantes eo Estado apresentaram as suas alegações finais escritas, bem como determinadosanexos, e a Comissão apresentou as suas observações finais escritas.

    10.Distribuições em aplicação do Fundo de Assistência. - Em 12 de outubro de 2017 foitransmitido ao Estado o relatório sobre as distribuições realizadas com crédito ao Fundode Assistência Legal da Corte no presente caso e os seus anexos. O Estado nãoapresentou observações a tal respeito.

    11.Prova e informação para melhor resolver. - As partes apresentaram a informação eprova para melhor resolver solicitada pelos Juízes na audiência pública junto com assuas alegações finais escritas. Adicionalmente, em 24 de novembro de 2017, oPresidente da Corte solicitou ao Estado e aos representantes a apresentação deinformação e a outra prova para melhor resolver. Os representantes apresentaram essainformação em 1 e 20 de dezembro de 2017. O Estado apresentou parte dessainformação nos dias 1 e 20 de dezembro de 2017.

    12.Observações à informação e prova para melhor resolver e à prova superveniente sobredespesas. – Em 27 de julho de 2017 os representantes apresentaram as suas

    8 Nessa audiência, compareceram: a) pela Comissão Interamericana: as advogadas da Secretaria Executiva,Silvia Serrano Guzmán e Selene Soto Rodríguez; b) pelos representantes das supostas vítimas: de CEJIL, MarciaAguiluz, Gisela De León Esther Beceiro, Carlos Luis Escoffié e de El Refugio de la Niñez, Monica Mayorga e LeonelDubón, e c) pelo Estado da Guatemala: o embaixador Juan Carlos Orellana Juárez, o Presidente da COPREDEH, VíctorHugo Godoy e a Diretora de Acompanhamento de casos internacionais da COPREDEH, Wendy Cuellar Arrecis.

    9 O escrito foi assinado pelo Professor Eduardo A. Bertoni e a Professora Florencia Saulino.

  • - 14 -

    observações à documentação apresentada pelo Estado com as suas alegações finaisescritas. Na mesma data, a Comissão informou que não tinha observações. O Estadonão apresentou observações aos anexos apresentados pelos representantes com assuas alegações finais escritas. Adicionalmente, nos dias 11 e 12 de dezembro de 2017,as partes e a Comissão apresentaram as suas observações à documentaçãoapresentada em 1 de dezembro de 2017, bem como em 8 de janeiro de 2018, osrepresentantes apresentaram as suas observações à documentação apresentada peloEstado em 20 de dezembro de 2017.

    13.Deliberação do caso presente. - A Corte iniciou a deliberação da presente Sentença em9 de março de 2018.

    1III2COMPETÊNCIA

    1. A Corte é competente para conhecer o presente caso, nos termos do artigo 62.3 daConvenção, uma vez que a Guatemala é Estado Parte da Convenção Americana desde25 de maio de 1978, e reconheceu a competência contenciosa da Corte em 9 de marçode 1987.

    1IV2RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

    A. Reconhecimento do Estado e observações da Comissão e dosrepresentantes

    1. O Estado realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade, indicando que “alegislação vigente na matéria de adoções na época em que aconteceram os fatos dopresente caso, não se adequava ao corpus iuris internacional, violando, desse modo, osdireitos humanos previstos na [Convenção Americana]”. De acordo com a Guatemala,no entanto, “a legislação atual na matéria, sim está adequada aos padrõesinternacionais para a proteção da infância e as adoções como último mecanismo para arestituição de direitos da criança e adolescência”. A Guatemala elaborou o seureconhecimento a respeito das violações alegadas da seguinte forma:

    a. A respeito das alegadas violações dos artigos 5, 7 e 11 da Convenção, em relação aoartigo 1.1 do mesmo instrumento:

    i.“no presente caso, as instituições do Estado separaram as crianças da sua mãe,uma vez que ela não garantia adequadamente a obrigação de cuidar e protegeros seus filhos. Uma denúncia levou a Procuradoria Geral da Nação (PGN) aretirar as crianças da sua mãe por se encontrarem em situação de risco (semcuidado de um adulto e desprotegidos) e foram colocados em um abrigo,

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    institucionalizados, a fim de protegê-los. Esses processos eram previstos na Leivigente na época”.

    ii.A “ação de determinadas instituições públicas refletidas no relatório de méritodenota que poderia ter sido vulnerado o[s] direito[s] garantido[s] nos [artigos]7 e 11 da [Convenção] dos irmãos Ramírez, entre outros motivos, [por] teremsido internados em uma instituição privada durante dezesseis meses e privá-losdo contato com os seus familiares”. Além disso, considerou que “a pesar dasações praticadas pelas instituições, lamenta que a legislação vigente permitisseque uma declaração de abandono fosse suficiente para que as criançaspudessem ser sujeitos de adoção, violando, dessa forma, os seus direitos a umafamília”.

    iii.“[C]onsiderando a conclusão da [Comissão], a jurisprudência da Corte [...], aação de determinadas instâncias do Estado e a legislação vigente na época, oEstado reconhece que, embora esses aspectos já tenha sido harmonizados aosprincípios internacionais vigentes, aquela situação poderia se enquadrar em umasuposta violação ao direito à integridade pessoal (art.5) dos Irmãos Ramírez eos seus familiares, bem como o direito à liberdade pessoal (art. 7) e proteção àhonra e à dignidade (art. 11) dos irmãos Ramírez”.

    b. A respeito das alegadas violações dos artigos 17, 18 e 19 da Convenção:i.“esta família foi separada devido a causas de desproteção da mãe em relação àscrianças no seu entorno. No entanto, a intenção do Estado era de poderrestaurar o direito a uma família através da adoção. O Estado da Guatemalareconhece que essa interpretação violava os direitos à família e que não seaplicavam os preceitos que indicam que se deva dar prioridade ao entorno ounúcleo familiar para o adequado desenvolvimento da infância e o respeito aodireito a uma família”.

    ii.“ao violar os seus direitos à integridade e família também foi violado o seudireito ao [n]ome”. “O Estado reconhece que a família, o nome, a nacionalidadee o vínculo familiar constituem elementos constitutivos do direito à identidade”.

    iii.“[o] Estado considera que neste caso, efetivamente, foram violados os direitosdos irmãos Ramírez; pois nem a família nem o Estado, na sua condição degarantia puderam garantir a sua proteção e desenvolvimento”.

    iv.“[a]tendendo às intervenções dos órgãos competentes que separaram ascrianças da mãe biológica, tê-los internado em uma instituição privada, e maisadiante, permitir a sua adoção internacional e a sua residência fora do país,foram violados todos os direitos previstos nos artigos 17, 18 e 19[,] em prejuízodos irmãos Ramírez”.

    c. A respeito das alegadas violações dos artigos 8 e 25 da Convenção:i.“[o] Estado reconhece e lamenta que, embora houvesse na legislação processosjudiciais previamente estabelecidos, e existissem meios de contestaçãocorrespondentes, estes - ao ser apresentados - foram mal tramitados por partedos juízes e não se resolveu em conformidade com o direito.

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    ii.“atendendo o compromisso internacional assumido de proteger e garantir osdireitos previstos na [Convenção], o [E]stado lamenta que nesse caso específicodos irmãos Ramírez, tenha sido viola[do] o direito ao devido processo e,consequentemente, os direitos reconhecidos nos artigos 8 e 25 [daConvenção]”.

    1. A respeito das reparações, o Estado realizou considerações individuais a respeito decada uma das medidas de reparação. Solicitou à Corte que levasse em consideração ajurisprudência nessa matéria, que o Estado implementou “reformas nos processos deadoções através de leis vigentes que estão em harmonia com os Princípios e Tratadosinternacionais de proteção da criança e em matéria de adoções”, bem como que “acapacidade financeira do Estado da Guatemala é muito limitada”. Da mesma forma,embora tenha reconhecido violações em prejuízo de J.R., alegou que “no presente casodevem ser considerados como titulares de direito à reparação […] Osmín RicardoAmilcar Tobar Ramírez, Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Amilcar TobarFajardo”, na medida em que J.R. “Não deseja[va] saber nada do presente processo”,pelo qual não deveria ser considerado nas reparações propostas.

    2. Na audiência pública reiterou as suas considerações em relação às violações alegadas eprecisou, sobre os fatos, que:

    o Estado da Guatemala reconheceu a responsabilidade internacional pelos fatos que constamno Relatório de Mérito [...], referente à falta de adequação de uma normativa deproteção à criança e adolescência que cumpra com os padrões internacionais com relaçãoao corpus juris internacional em matéria de proteção da criança e adoções. Emconformidade com o afirmado no escrito de contestação da ação, nos parágrafos de 14 a23, o Estado reconhece que Osmín Ricardo e J.R. puderam ser objeto de uma violaçãodos direitos humanos, no que se refere ao artigo 5.1 sobre integridade pessoal, artigo 7sobre a liberdade pessoal, artigo 7 sobre a liberdade pessoal e o artigo 11 sobre a honrae a dignidade decorrente da separação dos seus pais, mesmo quando nos fatos do casonão sejam demonstrados terem sido objeto de humilhações ou maus tratos na instituiçãode abrigo.

    3. Nas suas alegações finais escritas, o Estado informou que “reitera os argumentosapresentados durante o processo internacional, portanto, caberá à [...] Cortedeterminar as supostas violações alegadas contra o Estado, conforme as provasapresentadas”. Da mesma forma, informou que “as provas apresentadas no processointernacional deverão determinar a existência do dano causado, uma vez que asreparações (se ordenadas) dependerão da gravidade dos fatos alegados como violaçõesao Direitos Humanos”. Adicionalmente, esclareceu que não se podia atribuirresponsabilidade internacional pela suposta violação à proibição da escravidão eservidão, consagrada no artigo 6 da Convenção, “por não se configurarem os elementospelos quais se poderia considerar que se cometeu tráfico de pessoas ou alguma outraforma contemporânea de escravidão ou servidão”.

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    4. A Comissão “avaliou positivamente” o reconhecimento realizado pelo Estado dconsiderou que “constitui um passo construtivo no presente processo internacional”. Noentanto, considerou que “o reconhecimento é sumamente limitado” e que o presentecaso é muito mais amplo que a simples vigência de um marco normativo incompatívelcom a Convenção em matéria de adoções, o qual parece estar sendo limitado peloEstado. Destacou que o Estado reconheceu as violações aos artigos 5, 7 e 11 daConvenção “em termos condicionais”. Além disso, destacou que “a maioria dasviolações” foi reconhecida em prejuízo dos irmãos Ramírez, mas não em prejuízo dosdemais membros da família. De acordo com a Comissão, a única violação que o Estadoestaria reconhecendo em prejuízo de Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo TobarFajardo é a violação da sua integridade pessoal, pelo qual se manteria a controvérsia arespeito da violação dos direitos consagrados nos artigos 8, 11, 17 e 25 em seuprejuízo. Adicionalmente, observou que, embora o Estado tenha reconhecidoexpressamente a violação do artigo 2 da Convenção, destacou que a legislação vigenteem matéria de adoções na época em que aconteceram os fatos do caso, não seadequava ao corpus iuris internacional. De acordo com a Comissão, “[e]ssa formulaçãoparece estar dirigida a reconhecer a violação do artigo 2 da Convenção”. Por último, aComissão destacou que “a descrição fática que o Estado realiza sobre as violaçõesreconhecidas, não incorpora a totalidade dos fatos nos termos em que foram analisadosno Relatório de Mérito à luz dos mesmos artigos”. Destacou que, embora o Estadotenha invocado todos os direitos, ao indicar os motivos desse reconhecimento, aGuatemala exclui múltiplos elementos de fato que foram considerados pela Comissão eacrescenta algumas “afirmações que são alheias” às determinações do Relatório deMérito. Em virtude disso, a Comissão alegou que era necessário que a Corte realizasseum estudo detalhado dos fatos e das violações à Convenção Americana.

    5. Os representantes alegaram que, “embora o reconhecimento realizado pelo Estadofavoreça a solução do litígio e reflita uma atitude positiva [...], não contribui realmenteao estabelecimento da verdade e não esgota as questões apresentadas perante este[...] Tribunal”. Indicaram que o reconhecimento de responsabilidade por parte daGuatemala “é ambíguo, confuso e, ocasionalmente, contraditório” e que a sua atitudeao longo desse processo “não condiz com a existência de um reconhecimento deresponsabilidade e, portanto, não contribui para a reparação do dano causado”.Registraram que o Estado tinha reconhecido “diretamente” a sua responsabilidadeinternacional a respeito da violação aos artigos 8, 17, 18, 19 e 25 da ConvençãoAmericana, enquanto que tinha negado, adotado uma posição ambígua ou omitido fazerqualquer referência a respeito das demais violações. A respeito das violações que aGuatemala reconhece, destacaram entender que com isso o Estado “aceit[a] a suaresponsabilidade internacional a respeito de todos os fatos implicaram a separaçãoarbitrária das crianças Ramírez dos seus pais biológicos (tudo o relacionado com oprocesso de institucionalização, o processo de declaração de abandono, bem como oprocesso de adoção internacional), fatos que igualmente violaram a proteção especial àqual estavam sujeitos, bem como o direito ao nome”. Em virtude disso, conforme osrepresentantes, “a aceitação de responsabilidade realizada pelo Estado abrange asgraves negligências e irregularidades acontecidas tanto no processo de declaração de

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    abandono, na tramitação dos recursos interpostos contra essa declaração, e noprocesso extrajudicial de adoção das crianças, bem como a ausência de investigaçãodas mesmas”.

    6. Da mesma forma, indicaram que, uma vez que o Estado omitiu se pronunciar sobre asviolações alegadas dos artigos 6 e 24 da Convenção, persiste a controvérsia a respeitodessas violações. Além disso, alegaram que a Guatemala foi ambígua em reconhecer asviolações aos artigos 5, 7 e 11 da Convenção Americana, uma vez que “o Estado dizque tais violações poderiam ter se configurado, mas não aceita com clareza a suaresponsabilidade a respeito das mesmas”. Os representantes entendem que “daambiguidade expressada pelo Estado não se pode depreender que exista uma aceitaçãoda responsabilidade que lhe cabe perante as violações configuradas,consequentemente, a controvérsia sobre elas persiste”. Alegaram que, embora oEstado reconheça a senhora Ramírez Escobar e o senhor Tobar Fajardo como vítimas dealgumas violações, “não reconhece o seu direito a serem reparados e assume umaposição revitimizante”. Alegaram que era contraditório que o Estado aceite a suaresponsabilidade pelas violações aos artigos 8 e 25 da Convenção e, ao mesmo tempo,continue afirmando que a mãe deixou de proteger os seus filhos, justificando, assim,uma decisão que claramente foi arbitrária e ignorando o impacto que teve sobre afamília. Em virtude disso, consideraram que persiste a controvérsia sobre os danossofridos por Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Tobar Fajardo e as consequênciasreparações.

    7. A respeito das medidas de reparação, indicaram que o Estado não reconhece a maioriadas medidas de reparação propostas e que a ambiguidade do seu reconhecimentotambém alcança às reparações. Assinalaram que, “[e]mbora as autoridades declarem asua boa vontade, isso não surge com clareza e a contundência necessária paraconsiderar que o referido reconhecimento terá efeitos concretos na vida das vítimas docaso nem para abordar o contexto que deu origem às violações expostas”. Em suma,alegaram que persiste a controvérsia com relação às reparações, uma vez que nospontos em que o Estado declara aceitar o que é proposto, “o faz de forma incompletae/ou ambígua, não dando certeza sobre a sua vontade de reparar as vítimas de formaintegral”.

    A. Considerações da Corte

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    1. Em conformidade com os artigos 62 e 64 do Regulamento10, e no exercício das suasfaculdades de tutela judicial internacional de direitos humanos, questão de ordempública internacional que transcende a vontade das partes, cabe ao Tribunal zelarporque os atos de conhecimento sejam aceitáveis para as finalidades que busca cumpriro sistema interamericano. Essa tarefa não se limita a constatar, registrar ou tomar notado reconhecimento realizado, ou as suas condições formais, mas que deve confrontá-los com a natureza e a gravidade das violações alegadas, as exigências e o interesse dajustiça, as circunstâncias particulares do caso concreto, e a atitude e posição daspartes11, de forma tal que possa precisar, assim que possível, e no exercício da suacompetência, a verdade judicial do acontecido12. Nesse sentido, o reconhecimento nãopode ter por consequência limitar, direta ou indiretamente, o exercício das faculdadesda Corte de conhecer o caso que lhe foi submetido13 e resolver se, nesse sentido, houveuma violação de um direito ou liberdade protegidos na Convenção14. A tais efeitos, esteTribunal analisa a situação apresentada em cada caso concreto15.

    10 Os artigos 62 e 64 do Regulamento da Corte estabelecem: “Artigo 62. Reconhecimento. "Se o demandadocomunicar à Corte sua aceitação dos fatos ou seu acatamento total ou parcial das pretensões que constam nasubmissão do caso ou no escrito das supostas vítimas ou seus representantes, a Corte, ouvido o parecer dos demaisintervenientes no processo, resolverá, no momento processual oportuno, sobre sua procedência e seus efeitosjurídicos". “Artigo 64. Continuação da análise do caso. “A Corte, considerando as responsabilidades que lhe cabem deproteger os direitos humanos, poderá decidir pelo prosseguimento da análise do caso, mesmo na presença dos casosprevistos nos artigos precedentes".

    11 Cfr. Caso Kimel Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 2 de maio de 2008. Série C No. 177,par. 24, e Caso Vereda La Esperanza Vs. Colômbia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença dequinta-feira, 31 de agosto de 2017 Série C No. 341, par. 21.

    12 Cfr. Caso Manuel Cepeda Vargas Vs. Colômbia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentençade 26 de maio de 2010. Série C No. 213, par. 17, e Caso Vereda La Esperanza Vs. Colômbia, supra, par. 21.

    13 O artigo 62.3 da Convenção estabelece: ”[A] Corte tem competência para conhecer qualquer caso relacionadoà interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que seja a ela submetido, sempre que os Estados Partesno caso tenha, reconhecido ou reconheçam tal competência, ora por declaração especial, como se indica nos incisosanteriores, ora por convenção especial.”

    14 O artigo 63.1 da Convenção estabelece: “[q]uando decidir que houve violação de um direito ou liberdadeprotegido nesta [a] Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo de seu direito ouliberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ousituação que haja configurado a violação desses, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada”.

    15 Cfr. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2003 Série C No. 101, par. 105, eCaso Ortiz Hernández e outros Vs. Venezuela. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de agosto de 2017. SérieC No. 338, par. 22.

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    1B.1 Sobre os fatos

    1. Neste caso, o Estado apresentou o seu reconhecimento parcial de responsabilidadesobre as violações à Convenção Americana alegadas, sem admitir de forma clara eespecífica quais fatos descritos no Relatório de Mérito da Comissão ou no escrito depetições e argumentos dos representantes davam sustentação ao referidoreconhecimento. Em outros casos16, este Tribunal considerou que em casos como opresente, deve-se entender que o Estado aceitou os fatos que, conforme o Relatório deMérito - marco fático desse processo -, configuraram as violações reconhecidas nostermos em que o caso foi submetido. No entanto, a Corte considera que neste caso,embora o Estado não tenha sido claro nem detalhado, realizou sim algumas declaraçõessobre os fatos que davam sustentação ao seu reconhecimento. Algumas dessasafirmações não constituem um reconhecimento de fatos senão uma versão diferente àalegada pela Comissão e os representantes (especialmente tudo o que se refere àsuposta “desproteção” dos seus filhos por parte da senhora Flor de María RamírezEscobar) (supra par. O Estado realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade,indicando que “a legislação vigente na matéria de adoções na época em queaconteceram os fatos do presente caso, não se adequava ao corpus iuris internacional,violando, desse modo, os direitos humanos previstos na [Convenção Americana]”. Deacordo com a Guatemala, no entanto, “a legislação atual na matéria, sim estáadequada aos padrões internacionais para a proteção da infância e as adoções comoúltimo mecanismo para a restituição de direitos da criança e adolescência”. AGuatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito das violações alegadas daseguinte forma:.A respeito das alegadas violações dos artigos 17, 18 e 19 daConvenção:). Na audiência pública, o Estado tentou esclarecer que o reconhecimento sebaseava nos fatos contidos no Relatório de Mérito, no entanto, novamente limitou oreconhecimento a uma parte desses fatos, fazendo referência às “possíveis” violaçõescometidas (supra par. Na audiência pública reiterou as suas considerações em reralaçãoàs violações alegadas e precisou, sobre os fatos, que:).

    2. A Corte lembra que, para considerar um ato do Estado como um reconhecimento deresponsabilidade, a sua intenção nesse sentido deve ser clara17. Portanto, este Tribunalentende que o reconhecimento do Estado compreende aqueles fatos, tal como foramalegados pela Comissão e os representantes, que servem de fundamento às violaçõesde direitos convencionais que o Estado reconheceu sem reservas e de forma clara (infra

    16 Cfr. Caso Zambrano Vélez e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2007.Série C No. 16, par. 17, e Caso Comunidade Camponesa de Santa Bárbara Vs. Peru. Exceções Preliminares, Mérito,Reparações e Custas. Sentença de terça-feira, 1 de setembro de 2015 Série C No. 299, par. 24.

    17 Cfr. Caso Gelman Vs. Uruguai. Mérito e Reparações. Sentença de 24 de fevereiro de 2011 Série C No.221,par. 28, e Caso Vásquez Durand e outros Vs. Equador. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentençade 15 de fevereiro de 2017. Série C No. 332, par. 47.

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    par. Consequentemente, considerando as manifestações do Estado, bem como asobservações dos representantes e da Comissão, a Corte considera que a controvérsiacessou a respeito da violação do direito à proteção da família (artigo 17), o direito aonome (artigo 18) e os direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de Osmín RicardoTobar Ramírez e o seu irmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8) e aproteção judicial (artigo 25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.),assim como aqueles fatos referidos pelo próprio Estado na sua contestação de formaexpressa e que coincidem com o alegado pela Comissão e os representantes (tais comoa referência a não considerar outras opções exceto a adoção internacional depois dadeclaração de abandono e a má condução dos recursos) (supra par. O Estado realizouum reconhecimento parcial de responsabilidade, indicando que “a legislação vigente namatéria de adoções na época em que aconteceram os fatos do presente caso, não seadequava ao corpus iuris internacional, violando, desse modo, os direitos humanosprevistos na [Convenção Americana]”. De acordo com a Guatemala, no entanto, “alegislação atual na matéria, sim está adequada aos padrões internacionais para aproteção da infância e as adoções como último mecanismo para a restituição de direitosda criança e adolescência”. A Guatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito dasviolações alegadas da seguinte forma: e infra par. Consequentemente, a Corte entendeque a Guatemala reconheceu os fatos referentes à (i) legislação em matéria de adoçãovigente na época dos fatos e a sua falta de adequação aos padrões internacionaisvigentes para a Guatemala na época dos fatos; (ii) a forma como foi realizada aseparação de Osmín Tobar Ramírez e J.R. da sua mãe, Flor de María Ramírez Escobar,embora não os motivos dessa separação; (iii) a institucionalização de Osmín TobarRamírez e J.R. imediatamente depois da separação da sua mãe por um período dedezessete meses, sem permitir-lhes qualquer tipo de contato com a sua família, masnão as demais condições dessa institucionalização; (iv) a concessão das adoçõesinternacionais uma vez declarado o abandono das crianças; (v) a ausência deconsideração de outros familiares como opções de cuidado antes das adoçõesinternacionais; e (vi) as irregularidades cometidas pelas autoridades judiciais naresolução dos recursos interpostos contra a declaração de abandono e os processos deadoção. ).

    3. Consequentemente, a Corte entende que a Guatemala reconheceu os fatos referentes à(i) legislação em matéria de adoção vigente na época dos fatos e a sua falta deadequação aos padrões internacionais vigentes para a Guatemala na época dos fatos;(ii) a forma como foi realizada a separação de Osmín Tobar Ramírez e J.R. da sua mãe,Flor de María Ramírez Escobar, embora não os motivos dessa separação; (iii) ainstitucionalização de Osmín Tobar Ramírez e J.R. imediatamente depois da separaçãoda sua mãe por um período de dezessete meses, sem permitir-lhes qualquer tipo decontato com a sua família, mas não as demais condições dessa institucionalização; (iv)a concessão das adoções internacionais uma vez declarado o abandono das crianças;(v) a ausência de consideração de outros familiares como opções de cuidado antes dasadoções internacionais; e (vi) as irregularidades cometidas pelas autoridades judiciaisna resolução dos recursos interpostos contra a declaração de abandono e os processosde adoção.

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    1B.2 Sobre as pretensões de direito

    1. O Estado reconheceu determinadas violações de forma clara e sem reservas, mastambém se referiu como “reconhecimentos” a manifestações realizadas de formacondicional, ambígua e confusa. Este Tribunal reitera as suas considerações a respeitoda clareza necessária na manifestação de um reconhecimento (supra par. A Cortelembra que, para considerar um ato do Estado como um reconhecimento deresponsabilidade, a sua intenção nesse sentido deve ser clara. Portanto, este Tribunalentende que o reconhecimento do Estado compreende aqueles fatos, tal como foramalegados pela Comissão e os representantes, que servem de fundamento às violaçõesde direitos convencionais que o Estado reconheceu sem reservas e de forma clara (infrapar. Consequentemente, considerando as manifestações do Estado, bem como asobservações dos representantes e da Comissão, a Corte considera que a controvérsiacessou a respeito da violação do direito à proteção da família (artigo 17), o direito aonome (artigo 18) e os direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de Osmín RicardoTobar Ramírez e o seu irmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8) e aproteção judicial (artigo 25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.),assim como aqueles fatos referidos pelo próprio Estado na sua contestação de formaexpressa e que coincidem com o alegado pela Comissão e os representantes (tais comoa referência a não considerar outras opções exceto a adoção internacional depois dadeclaração de abandono e a má condução dos recursos) (supra par. O Estado realizouum reconhecimento parcial de responsabilidade, indicando que “a legislação vigente namatéria de adoções na época em que aconteceram os fatos do presente caso, não seadequava ao corpus iuris internacional, violando, desse modo, os direitos humanosprevistos na [Convenção Americana]”. De acordo com a Guatemala, no entanto, “alegislação atual na matéria, sim está adequada aos padrões internacionais para aproteção da infância e as adoções como último mecanismo para a restituição de direitosda criança e adolescência”. A Guatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito dasviolações alegadas da seguinte forma: e infra par. Consequentemente, a Corte entendeque a Guatemala reconheceu os fatos referentes à (i) legislação em matéria de adoçãovigente na época dos fatos e a sua falta de adequação aos padrões internacionaisvigentes para a Guatemala na época dos fatos; (ii) a forma como foi realizada aseparação de Osmín Tobar Ramírez e J.R. da sua mãe, Flor de María Ramírez Escobar,embora não os motivos dessa separação; (iii) a institucionalização de Osmín TobarRamírez e J.R. imediatamente depois da separação da sua mãe por um período dedezessete meses, sem permitir-lhes qualquer tipo de contato com a sua família, masnão as demais condições dessa institucionalização; (iv) a concessão das adoçõesinternacionais uma vez declarado o abandono das crianças; (v) a ausência deconsideração de outros familiares como opções de cuidado antes das adoçõesinternacionais; e (vi) as irregularidades cometidas pelas autoridades judiciais naresolução dos recursos interpostos contra a declaração de abandono e os processos deadoção. ).). Consequentemente, considerando as manifestações do Estado, bem comoas observações dos representantes e da Comissão, a Corte considera que acontrovérsia cessou a respeito da violação do direito à proteção da família (artigo 17), o

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    direito ao nome (artigo 18) e os direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de OsmínRicardo Tobar Ramírez e o seu irmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8)e a proteção judicial (artigo 25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.,Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Amílcar Tobar Fajardo.

    2. A Corte observa que o Estado não reconheceu a violação ao artigo 17 da Convenção emprejuízo de Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Amílcar Tobar Fajardo, pelo qual,entende que persiste a controvérsia por essa violação em seu prejuízo. Da mesmaforma, a respeito das declarações apresentadas pelo Estado como sendo umreconhecimento com caráter condicional (supra par. O Estado realizou umreconhecimento parcial de responsabilidade, indicando que “a legislação vigente namatéria de adoções na época em que aconteceram os fatos do presente caso, não seadequava ao corpus iuris internacional, violando, desse modo, os direitos humanosprevistos na [Convenção Americana]”. De acordo com a Guatemala, no entanto, “alegislação atual na matéria, sim está adequada aos padrões internacionais para aproteção da infância e as adoções como último mecanismo para a restituição de direitosda criança e adolescência”. A Guatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito dasviolações alegadas da seguinte forma:.A respeito das alegadas violações dos artigos 5,7 e 11 da Convenção, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento:), este Tribunalconsidera que não se pode atribuir o caráter de reconhecimento. Essas manifestaçõesconstituem, mas do que nada, pretensões do Estado para que este Tribunal determineas violações à Convenção nas quais teria incorrido, com base nas provas apresentadase nos fatos reconhecidos (supra par. Nas suas alegações finais escritas, o Estadoinformou que “reitera os argumentos apresentados durante o processo internacional,portanto, caberá à [...] Corte determinar as supostas violações alegadas contra oEstado, conforme as provas apresentadas”. Da mesma forma, informou que “as provasapresentadas no processo internacional deverão determinar a existência do danocausado, uma vez que as reparações (se ordenadas) dependerão da gravidade dosfatos alegados como violações ao Direitos Humanos”. Adicionalmente, esclareceu quenão se podia atribuir responsabilidade internacional pela suposta violação à proibição daescravidão e servidão, consagrada no artigo 6 da Convenção, “por não se configuraremos elementos pelos quais se poderia considerar que se cometeu tráfico de pessoas oualguma outra forma contemporânea de escravidão ou servidão”. ). Portanto, tambémpersiste a controvérsia a respeito das alegadas violações sobre as quais o Estado fezdeclarações condicionais, ou seja, as violações a respeito dos direitos à integridadepessoal (artigo 5), vida privada e familiar (artigo 11) e liberdade pessoal (artigo 7), emprejuízo dos irmãos Ramírez, Flor de María Escobar e Gustavo Tobar Fajardo,respectivamente, bem, como das violações alegadas à proibição de discriminação e oprincípio de igualdade perante a lei (artigos 1.1 e 24) e a proibição da escravidão eservidão (artigo 6), estas últimas todas negadas pelo Estado (supra par. Nas suasalegações finais escritas, o Estado informou que “reitera os argumentos apresentadosdurante o processo internacional, portanto, caberá à [...] Corte determinar as supostasviolações alegadas contra o Estado, conforme as provas apresentadas”. Da mesmaforma, informou que “as provas apresentadas no processo internacional deverãodeterminar a existência do dano causado, uma vez que as reparações (se ordenadas)

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    dependerão da gravidade dos fatos alegados como violações ao Direitos Humanos”.Adicionalmente, esclareceu que não se podia atribuir responsabilidade internacionalpela suposta violação à proibição da escravidão e servidão, consagrada no artigo 6 daConvenção, “por não se configurarem os elementos pelos quais se poderia considerarque se cometeu tráfico de pessoas ou alguma outra forma contemporânea deescravidão ou servidão”. ).

    1B.3 Sobre as reparações

    1. O Estado se comprometeu a realizar ou a conceder algumas das medidas de reparação,ofereceu realizar algumas “gestões” ou “impulsionar” outras e se opôs a conceder asdemais. Adicionalmente, solicitou ao Tribunal que determinasse as medidas dereparação correspondentes, com base nas violações encontradas e o dano que severifique no presente caso, considerando a sua jurisprudência em matéria dereparações, bem como as limitações financeiras da Guatemala (supra par. A respeitodas reparações, o Estado realizou considerações individuais a respeito de cada uma dasmedidas de reparação. Solicitou à Corte que levasse em consideração a jurisprudêncianessa matéria, que o Estado implementou “reformas nos processos de adoções atravésde leis vigentes que estão em harmonia com os Princípios e Tratados internacionais deproteção da criança e em matéria de adoções”, bem como que “a capacidade financeirado Estado da Guatemala é muito limitada”. Da mesma forma, embora tenhareconhecido violações em prejuízo de J.R., alegou que “no presente caso devem serconsiderados como titulares de direito à reparação […] Osmín Ricardo Amilcar TobarRamírez, Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Amilcar Tobar Fajardo”, na medidaem que J.R. “Não deseja[va] saber nada do presente processo”, pelo qual não deveriaser considerado nas reparações propostas. e Nas suas alegações finais escritas, oEstado informou que “reitera os argumentos apresentados durante o processointernacional, portanto, caberá à [...] Corte determinar as supostas violações alegadascontra o Estado, conforme as provas apresentadas”. Da mesma forma, informou que“as provas apresentadas no processo internacional deverão determinar a existência dodano causado, uma vez que as reparações (se ordenadas) dependerão da gravidadedos fatos alegados como violações ao Direitos Humanos”. Adicionalmente, esclareceuque não se podia atribuir responsabilidade internacional pela suposta violação àproibição da escravidão e servidão, consagrada no artigo 6 da Convenção, “por não seconfigurarem os elementos pelos quais se poderia considerar que se cometeu tráfico depessoas ou alguma outra forma contemporânea de escravidão ou servidão”. ). Poroutra parte, embora o Estado tenha reconhecido determinadas violações à ConvençãoAmericana em prejuízo de J.R., alegou que este não deveria ser beneficiário dasmedidas de reparação, uma vez que não participou neste caso. Portanto, este Tribunalverifica que a controvérsia permanece em relação à determinação das eventuaisreparações, custas e despesas, pelo qual determinará, no capítulo correspondente(infra Capítulo IX), as medidas de reparação correspondentes, considerando assolicitações da Comissão e dos representantes, a jurisprudência desta Corte nessamatéria e as respectivas observações do Estado.

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    1B.4 Valorização do reconhecimento

    1. Este Tribunal valoriza o reconhecimento parcial de responsabilidade internacionalrealizado pelo Estado. Também destaca o compromisso declarado pelo Estadoreferente a algumas medidas de reparação solicitadas pela Comissão e osrepresentantes, sob os critérios que a Corte estabeleça.] Todas essas ações constituemuma contribuição positiva ao desenvolvimento deste processo, à vigência dos princípiosque inspiram a Convenção18 e, em parte, à satisfação das necessidades de reparaçãodas vítimas de violações dos direitos humanos19.

    2. Como em outros casos20, a Corte considera que o reconhecimento realizado pelo Estadoproduz plenos efeitos jurídicos de acordo aos artigos 62 e 64 do Regulamento da Corteantes mencionados e que tem um elevado valor simbólico em favor de que fatossemelhantes não se repitam. Adicionalmente, a Corte adverte que o reconhecimento defatos e violações pontuais e específicos pode ter efeitos e consequências na análise queeste Tribunal venha a fazer sobre os demais fatos e violações alegados, na medida emque todos formam parte de um mesmo conjunto de circunstâncias21.

    3. Em virtude do que antecede e das atribuições que lhe correspondem como órgãointernacional de proteção dos direitos humanos, a Corte considera necessário, atento àsespecificidades dos fatos do presente caso y à ausência de uma investigação sobre elesem nível interno, ditar uma sentença na qual sejam determinados os fatos acontecidosde acordo com a prova reunida no processo deste Tribunal, uma vez que isso contribuipara a reparação das vítimas, para evitar que fatos semelhantes se repitam e parasatisfazer, em suma, os fins da jurisdição interamericana sobre os direitos humanos.

    18 Cfr. Caso Benavides Cevallos Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 19 de junho de 1998.Série C No. 38, par. 57; e Caso Gómez Murillo e outros Vs. Costa Rica. Sentença de 29 de novembro de 2016. Série CNo. 326, par. 46.

    19 Cfr. Caso Manuel Cepeda Vargas Vs. Colômbia, supra, par. 18, e Caso Ruano Torres e outros Vs. El Salvador.Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 5 de outubro de 2015. Série C No. 303, par. 32.

    20 Cfr. inter alia, Caso Torres Millacura e outros Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 26 deagosto de 2011. Série C No. 229, par. 37, e Caso do Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) Vs. Equador.Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de agosto de 2013 Série C No. 268, par. 20, eCaso Rodríguez Vera e outros (Desaparecidos do Palácio de Justiça) Vs. Colômbia. Exceções Preliminares, Mérito,Reparações e Custas. Sentença de 14 de novembro de 2014 Série C No. 287, par. 32.

    21 Cfr. Caso Rodríguez Vera e outros (Desaparecidos do Palácio da Justiça) Vs. Colômbia, supra, par. 27, e CasoGonzales Lluy e outros Vs. Equador. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1 de setembrode 2015 Série C No. 298, par. 49.

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    4. Da mesma forma, e para favorecer uma melhor compreensão da responsabilidadeinternacional pública no presente caso e do nexo causal entre as violaçõesestabelecidas e as reparações que serão ordenadas, a Corte considera pertinenteprecisar as violações aos direitos humanos que aconteceram neste caso.

    1V2CONSIDERAÇÃO PRÉVIA SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE J.R.

    1. Em conformidade com o artigo 35.1 do Regulamento da Corte, ao submeter o presentecaso à Corte, a Comissão Interamericana identificou como supostas vítimas a Flor deMaría Ramírez Escobar, Gustavo Tobar Fajardo, Osmín Ricardo Tobar Ramírez e o seuirmão, J.R. Tanto a Comissão quanto os representantes alegaram uma série deviolações à Convenção Americana em prejuízo de ambos os irmãos Ramírez. O Estadoreconheceu algumas dessas violações. No entanto, como consta no processo, J.R. nãoparticipou em etapa alguma do processo perante o sistema Interamericano nemmanifestou o seu consentimento para fazer parte dele.

    A. Argumentos das partes e da Comissão

    1. A Comissão alegou que J.R. não deve ser excluído das representações. De acordo coma Comissão, “a natureza dos fatos, a duração dos efeitos de violações tão gravesquanto as do presente caso e a complexidade dos processos que acompanham àsvítimas deste tipo de violações”, torna razoável que a Corte estabeleça medidas dereparação em favor de J.R., mantendo o sigilo sobre a sua identidade e mantendo-a porum tempo razoável no caso de que este resolva recebê-la no futuro.

    2. Os representantes expressaram que “o fato de que J.R. tenha manifestado não terinteresse neste momento do processo, não retira dele, de forma alguma, a suacondição de vítima”. Expressaram que ele deveria se considerar vítima qualquer pessoacujos direitos tenham sido violados e que, ao longo do processo, o Estado nãoapresentou qualquer elemento probatório que tornasse controversos os fatos alegados.Alegaram que “é evidente” que assim como o seu irmão Osmín Tobar Ramírez, os fatosdo presente caso “afetaram gravemente os direitos de J.R., pelo qual, ele deve serconsiderado vítima do caso. Afirmaram que “é justamente produto dessas afetaçõesque J.[R.] resolveu não se envolver neste processo”, pois faz apenas alguns anos queteria tido conhecimento de que é adotado e das circunstâncias da sua adoção, peloqual, deve ser concedido a ele um tempo prudente para processar o que aconteceu. Emvirtude disso, solicitaram que J.R. fosse considerado “vítima deste caso e beneficiáriodas reparações correspondentes, guardando sigilo da sua identidade”, e fossemmantidas em suspenso as reparações que o beneficiarem diretamente, “a fim de dar-lhe um tempo prudente para que se pronuncie se deseja se beneficiar delas”.

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    3. O Estado indicou que entende que J.R. Renunciou a ser parte deste caso. Porconseguinte, alegou que era necessário que a Corte precisasse que não é vítima dopresente caso e, portanto, não lhe cabia qualquer direito a reparação.

    A. Considerações da Corte

    1. Como mencionado anteriormente, J.R. não participou em etapa alguma do processoperante o sistema Interamericano nem manifestou o seu consentimento para fazerparte dele. Assim sendo, em 19 de agosto de 2016, o Presidente da Corte remeteu umacarta a J.R. Informando-lhe sobre a submissão do caso em seu nome, explicando-lhealguns dados do processo perante a Corte, solicitando-lhe que entrasse em contato como tribunal para manifestar o seu consentimento para ser parte do processo e que, casocontrário, seria entendido que não desejava participar nele22. J.R. não respondeu àmensagem enviada, portanto, no fim de setembro de 2016, o pleno da Corte resolveuque não o considerava parte deste caso, sem prejuízo da possibilidade de quecomparecesse em alguma etapa posterior do processo, em conformidade com o artigo29.2 do Regulamento da Corte. Até esta data, J.R. não compareceu nem manifestou oseu consentimento para participar no caso. No entanto, tanto a Comissão quanto osrepresentantes tem insistido em que seja considerado vítima das violaçõesdeterminadas no caso e beneficiário das reparações que sejam ordenadas emconsequência. O Estado, pelo contrário, declarou que J.R. não deveria ser beneficiáriodas reparações que se ordenasse, apesar de reconhecer determinadas violações contraele (supra par. O Estado realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade,indicando que “a legislação vigente na matéria de adoções na época em queaconteceram os fatos do presente caso, não se adequava ao corpus iuris internacional,violando, desse modo, os direitos humanos previstos na [Convenção Americana]”. Deacordo com a Guatemala, no entanto, “a legislação atual na matéria, sim estáadequada aos padrões internacionais para a proteção da infância e as adoções comoúltimo mecanismo para a restituição de direitos da criança e adolescência”. AGuatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito das violações alegadas daseguinte forma:.A respeito das alegadas violações dos artigos 17, 18 e 19 daConvenção:, O Estado realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade,indicando que “a legislação vigente na matéria de adoções na época em queaconteceram os fatos do presente caso, não se adequava ao corpus iuris internacional,violando, desse modo, os direitos humanos previstos na [Convenção Americana]”. Deacordo com a Guatemala, no entanto, “a legislação atual na matéria, sim estáadequada aos padrões internacionais para a proteção da infância e as adoções comoúltimo mecanismo para a restituição de direitos da criança e adolescência”. AGuatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito das violações alegadas daseguinte forma:.A respeito das alegadas violações dos artigos 8 e 25 da Convenção: eConsequentemente, considerando as manifestações do Estado, bem como asobservações dos representantes e da Comissão, a Corte considera que a controvérsia

    22 A comunicação foi enviada a um endereço eletrônico fornecido pelos representantes.

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    cessou a respeito da violação do direito à proteção da família (artigo 17), o direito aonome (artigo 18) e os direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de Osmín RicardoTobar Ramírez e o seu irmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8) e aproteção judicial (artigo 25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.).

    2. A Corte entende a complexidade de um processo de revinculação familiar pelo qual épossível que J.R., mesmo que até o momento não tenha manifestado o seuconsentimento para ser parte deste caso, poderia fazê-lo mais adiante. No entanto,lembra que se deve guardar um justo equilíbrio entre a proteção dos direitos humanos,fim último do sistema interamericano, e a segurança jurídica e equidade processual quegarantem a estabilidade e a confiabilidade da tutela internacional23. Se bem é verdadeque os processos no âmbito do direito internacional dos direitos humanos não podemser de um formalismo rígido, pois o seu principal e determinante cuidado é a devida ecompleta proteção a esses direitos24, também é certo que determinados aspectosprocessuais permitem preservar as condições necessárias para que os direitosprocessuais das partes não sejam diminuídos ou desequilibrados25. A segurançajurídica exige que as supostas vítimas ou vítimas de um caso sejam definidas, a maistardar, com o ato que põe fim à controvérsia, ou seja, a Sentença.

    3. O sistema interamericano de direitos humanos permite a apresentação de petições porqualquer pessoa, bem como o início da tramitação de uma petição de ofício por parteda Comissão, sem que necessariamente as supostas vítimas26devam participar, emfavor da proteção do interesse público. No entanto, à medida que avança o processo deuma petição individual, é necessária cada vez mais a participação das pessoas

    23 Cfr. Caso Cayara Vs. Peru. Exceções Preliminares. Sentença de 3 de fevereiro de 1993 Série C No. 14, par.63, e Caso Valencia Hinojosa e outra Vs. Equador. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de29 de novembro de 2016 Série C No. 327, par. 28.

    24 Cfr. Caso Castillo Petruzzi e outros. Exceções Preliminares. Sentença de 4 de setembro de 1998 Série C No.41, par. 77, y Caso González e outras ("Campo de Algodão") Vs. México. Resolução da Corte de 19 de janeiro de2009, considerando 45.

    25 Cfr. Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares. Sentença de 26 de junho de 1987 Série C No. 1, par. 33e 34, y Caso González e outras ("Campo de Algodão") Vs. México. Resolução da Corte de 19 de janeiro de 2009,considerando 45.

    26 O artigo 44 da Convenção estabelece que: “Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar àComissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte”. Ver, nomesmo sentido, os artigos 23 e 24 do Regulamento da Comissão Interamericana, aprovado pela Comissão no seu137° período ordinário de sessões, celebrado de 28 de outubro a 13 de novembro de 2009; e alterado em 2 desetembro de 2011 e no seu 147º período ordinário de sessões, celebrado de 8 a 22 de março de 2013, para a suaentrada em vigor em 1 de agosto de 2013.

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    afetadas, por exemplo, para oferecer o seu consentimento para as soluções amigáveisou a sua opinião a respeito de que o caso seja submetido à Corte27. Uma vez que o casoé submetido à Corte, é necessário o consentimento das supostas vítimas para ser partedo processo28, sempre e quando seja possível, uma vez que a sua participação por simesmas ou por intermédio dos seus representantes é indispensável no processoperante este Tribunal.

    4. As organizações representantes deste caso informaram que “carecem de poder derepresentação expressa de J.R.”, com quem não conseguiram estabelecer contato até apresente data. Assim sendo, este Tribunal enviou uma mensagem a fim de fazercontato direto com ele para lhe informar sobre a existência de um processointernacional que diz respeito aos seus interesses e para determinar se desejavaparticipar nele (supra par. Como mencionado anteriormente, J.R. não participou emetapa alguma do processo perante o sistema Interamericano nem manifestou o seuconsentimento para fazer parte dele. Assim sendo, em 19 de agosto de 2016, oPresidente da Corte remeteu uma carta a J.R. Informando-lhe sobre a submissão docaso em seu nome, explicando-lhe alguns dados do processo perante a Corte,solicitando-lhe que entrasse em contato com o tribunal para manifestar o seuconsentimento para ser parte do processo e que, caso contrário, seria entendido quenão desejava participar nele. J.R. não respondeu à mensagem enviada, portanto, nofim de setembro de 2016, o pleno da Corte resolveu que não o considerava parte destecaso, sem prejuízo da possibilidade de que comparecesse em alguma etapa posteriordo processo, em conformidade com o artigo 29.2 do Regulamento da Corte. Até estadata, J.R. não compareceu nem manifestou o seu consentimento para participar nocaso. No entanto, tanto a Comissão quanto os representantes têm insistido em que seja

    27 O artigo 48.1.f da Convenção estabelece que “1. “A Comissão, ao receber uma petição oucomunicação na qual se alegue violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguintemaneira: [...] f) pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto,fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos nesta Convenção”. Nesse sentido, o artigo 40.5 doRegulamento da Comissão estabelece, na sua parte relevante, que “[a]ntes de aprovar [o] relatório [de uma soluçãoamistosa], a Comissão verificará se a vítima da presumida violação ou, se pertinente, seus beneficiários, expressaramseu consentimento no acordo de solução amistosa”. Também, o artigo 50.1 da Convenção Americana estabelece que,“[s]e não se chegar a uma solução, e dentro do prazo que for fixado pelo Estatuto da Comissão, esta redigirá umrelatório no qual exporá os fatos e suas conclusões [...]”. Por sua vez, o artigo 44.3 do Regulamento da Comissãoestabelece que “[a]pós deliberar e votar quanto ao mérito do caso, a Comissão observará o seguinte processo: [...]notificará ao peticionário sobre a adoção do relatório e sua transmissão ao Estado. No caso dos Estados partes daConvenção Americana que tenham aceitado a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana, a Comissão, ao notificaro peticionário, dar-lhe-á oportunidade para apresentar, no prazo de um mês, sua posição a respeito do envio do casoà Corte . O peticionário, se tiver interesse em que o caso seja elevado à Corte, deverá fornecer os seguinteselementos: a. a posição da vítima ou de seus familiares, se diferentes do peticionário [...]”.

    28 Nesse sentido, ver, Caso Vereda La Esperanza Vs. Colômbia, supra, pars. 37 a 39, abem como os artigos 35,39 e 40 do Regulamento da Corte que exigem que a Comissão informe os dados “dos representantes das supostasvítimas devidamente comprovados” no momento da submissão do caso; que se notifique sobre tal submissão à“suposta vítima, os seus representantes ou o Defensor Interamericano, se for o caso”, e que permita a apresentaçãode um escrito de solicitações, argumentos e provas “à suposta vítima ou aos seus representantes”.

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    considerado vítima das violações determinadas no caso e beneficiário das reparaçõesque sejam ordenadas em consequência. O Estado, pelo contrário, declarou que J.R. nãodeveria ser beneficiário das reparações que se ordenasse, apesar de reconhecerdeterminadas violações contra ele (supra par. O Estado realizou um reconhecimentoparcial de responsabilidade, indicando que “a legislação vigente na matéria de adoçõesna época em que aconteceram os fatos do presente caso, não se adequava ao corpusiuris internacional, violando, desse modo, os direitos humanos previstos na [ConvençãoAmericana]”. De acordo com a Guatemala, no entanto, “a legislação atual na matéria,sim está adequada aos padrões internacionais para a proteção da infância e as adoçõescomo último mecanismo para a restituição de direitos da criança e adolescência”. AGuatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito das violações alegadas daseguinte forma:.A respeito das alegadas violações dos artigos 17, 18 e 19 daConvenção:, O Estado realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade,indicando que “a legislação vigente na matéria de adoções na época em queaconteceram os fatos do presente caso, não se adequava ao corpus iuris internacional,violando, desse modo, os direitos humanos previstos na [Convenção Americana]”. Deacordo com a Guatemala, no entanto, “a legislação atual na matéria, sim estáadequada aos padrões internacionais para a proteção da infância e as adoções comoúltimo mecanismo para a restituição de direitos da criança e adolescência”. AGuatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito das violações alegadas daseguinte forma:.A respeito das alegadas violações dos artigos 8 e 25 da Convenção: eConsequentemente, considerando as manifestações do Estado, bem como asobservações dos representantes e da Comissão, a Corte considera que a controvérsiacessou a respeito da violação do direito à proteção da família (artigo 17), o direito aonome (artigo 18) e os direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de Osmín RicardoTobar Ramírez e o seu irmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8) e aproteção judicial (artigo 25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.).). Noentanto, J.R. não respondeu a essa comunicação29 e até o momento não existequalquer elemento de informação que indique o seu interesse em participar no caso.Pelo contrário, a pouca informação com a que conta este Tribunal, transmitida pelo seuirmão, é que ele não deseja participar no presente caso30.

    5. A Corte adverte que o fato de J.R. não ser considerado suposta vítima ou vítima nestaSentença, não significa que ele não seja vítima das violações aos direitos humanospelos fatos analisados nela. No entanto, como mencionado anteriormente, no processo

    29 Na comunicação enviada a J.R. informava-se que se não respondesse à comunicação da Corte (fosse parasolicitar mais informações, esclarecer dúvidas, solicitar uma prorrogação ou manifestar o seu consentimento) seriaentendido que não desejava ser parte do caso.

    30 Os representantes explicaram que Osmín Tobar Ramírez tinha entrado em contato com J.R. por Facebook,mas que este teria dito que “não deseja[va] saber nada do presente processo”. Os representantes afirmaram quedepois disso, enviaram uma comunicação a J.R. para confirmar o que Osmín Tobar Ramírez tinha informado, sem atéa data ter recebido resposta.

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    perante esta Corte o consentimento das pessoas para serem considerados para de umcaso, sempre e quando seja possível, é um elemento fundamental para que a Corteadjudique responsabilidade internacional ao Estado em seu prejuízo31. Se uma pessoanão quer ser considerada suposta vítima ou vítima em um caso, a Corte deve atender erespeitar essa manifestação de vontade.

    6. Portanto, aos efeitos do presente caso, este Tribunal não considerará a J.R. como partedele. Em virtude disso, não analisará nem declarará violações em seu prejuízo, nemestabelecerá reparações em seu favor. Isso, no entanto, não impede que a Corteanalise a totalidade dos fatos do caso e estabeleça as violações cabíveis em prejuízo dasua família, especialmente a sua mãe biológica, Flor de María Ramírez Escobar e o seuirmão biológico, Osmín Tobar Ramírez. Essa determinação também não deverá serinterpretada no sentido de esvaziar o conteúdo ou deixar sem efeito o reconhecimentode responsabilidade realizado pelo Estado em prejuízo de J.R. (supra par. O Estadorealizou um reconhecimento parcial de responsabilidade, indicando que “a legislaçãovigente na matéria de adoções na época em que aconteceram os fatos do presentecaso, não se adequava ao corpus iuris internacional, violando, desse modo, os direitoshumanos previstos na [Convenção Americana]”. De acordo com a Guatemala, noentanto, “a legislação atual na matéria, sim está adequada aos padrões internacionaispara a proteção da infância e as adoções como último mecanismo para a restituição dedireitos da criança e adolescência”. A Guatemala elaborou o seu reconhecimento arespeito das violações alegadas da seguinte forma: e O Estado reconheceudeterminadas violações de forma clara e sem reservas, mas também se referiu como“reconhecimentos” a manifestações realizadas de forma condicional, ambígua econfusa. Este Tribunal reitera as suas considerações a respeito da clareza necessária namanifestação de um reconhecimento (supra par. A Corte lembra que, para considerarum ato do Estado como um reconhecimento de responsabilidade, a sua intenção nessesentido deve ser clara. Portanto, este Tribunal entende que o reconhecimento doEstado compreende aqueles fatos, tal como foram alegados pela Comissão e osrepresentantes, que servem de fundamento às violações de direitos convencionais queo Estado reconheceu sem reservas e de forma clara (infra par. Consequentemente,considerando as manifestações do Estado, bem como as observações dosrepresentantes e da Comissão, a Corte considera que a controvérsia cessou a respeitoda violação do direito à proteção da família (artigo 17), o direito ao nome (artigo 18) eos direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e o seuirmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8) e a proteção judicial (artigo25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.), assim como aqueles fatosreferidos pelo próprio Estado na sua contestação de forma expressa e que coincidemcom o alegado pela Comissão e os representantes (tais como a referência a nãoconsiderar outras opções exceto a adoção internacional depois da declaração deabandono e a má condução dos recursos) (supra par. O Estado realizou umreconhecimento parcial de responsabilidade, indicando que “a legislação vigente na

    31 Cfr. Caso Vereda La Esperanza Vs. Colômbia, supra, pars. 37 a 39.

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    matéria de adoções na época em que aconteceram os fatos do presente caso, não seadequava ao corpus iuris internacional, violando, desse modo, os direitos humanosprevistos na [Convenção Americana]”. De acordo com a Guatemala, no entanto, “alegislação atual na matéria, sim está adequada aos padrões internacionais para aproteção da infância e as adoções como último mecanismo para a restituição de direitosda criança e adolescência”. A Guatemala elaborou o seu reconhecimento a respeito dasviolações alegadas da seguinte forma: e infra par. Consequentemente, a Corte entendeque a Guatemala reconheceu os fatos referentes à (i) legislação em matéria de adoçãovigente na época dos fatos e a sua falta de adequação aos padrões internacionaisvigentes para a Guatemala na época dos fatos; (ii) a forma como foi realizada aseparação de Osmín Tobar Ramírez e J.R. da sua mãe, Flor de María Ramírez Escobar,embora não os motivos dessa separação; (iii) a institucionalização de Osmín TobarRamírez e J.R. imediatamente depois da separação da sua mãe por um período dedezessete meses, sem permitir-lhes qualquer tipo de contato com a sua família, masnão as demais condições dessa institucionalização; (iv) a concessão das adoçõesinternacionais uma vez declarado o abandono das crianças; (v) a ausência deconsideração de outros familiares como opções de cuidado antes das adoçõesinternacionais; e (vi) as irregularidades cometidas pelas autoridades judiciais naresolução dos recursos interpostos contra a declaração de abandono e os processos deadoção. ).). Consequentemente, considerando as manifestações do Estado, bem comoas observações dos representantes e da Comissão, a Corte considera que acontrovérsia cessou a respeito da violação do direito à proteção da família (artigo 17), odireito ao nome (artigo 18) e os direitos da criança (artigo 19), em prejuízo de OsmínRicardo Tobar Ramírez e o seu irmão, J.R., bem como das garantias judiciais (artigo 8)e a proteção judicial (artigo 25), em prejuízo de Osmín Ricardo Tobar Ramírez e J.R.,Flor de María Ramírez Escobar e Gustavo Amílcar Tobar Fajardo.), nem as reparaçõesque pudessem lhe caber, em nível interno, como consequência.

    7. Por último, a fim de proteger a privacidade de J.R. E da família B., este Tribunal lembraque as partes deverão respeitar a reserva de identidade ordenada neste caso em todosos seus escritos e intervenções perante este Tribunal, bem como considera importanteordenar que as partes e a Comissão adotem todas as medidas necessárias para garantirque as partes pertinentes dos documentos e atuações processuais que contenham asua identidade não sejam expostas publicamente, exceto que ele mesmo ou o seurepresentante legal assim o autorizem expressamente32.

    1VI.2PROVA

    A. Prova documental, testemunhal e pericial

    32 Cfr. Caso Vereda La Esperanza Vs. Colômbia, supra, párr. 40.

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    1. Este Tribunal recebeu diversos documentos apresentados como prova pela Comissão eas partes, adjuntos aos seus escritos principais (supra par.. O caso submetido à Corte.- Em 12 de fevereiro de 2016, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 daConvenção Americana e o artigo 35 do Regulamento da Corte, a ComissãoInteramericana de Direitos Humanos (doravante "a Comissão Interamericana" ou "aComissão") submeteu à jurisdição da Corte Interamericana o caso Irmãos Ramírez efamília contra a República da Guatemala (doravante "o Estado" ou "Guatemala"). Deacordo com a Comissão, o caso se relaciona a adoção internacional, mediante trâmiteextrajudicial