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Uma Introducao ao Estudo de Sistemas Dinamicos
Discretos
Pryscilla dos Santos Ferreira Silva1
Resumo
Neste artigo, apresento a parte inicial da teoria dos Sistemas Dinamicos Discretos,
fornecendo a definicao de iteracao de funcoes, orbita, dentre outros temas fundamentais
para o estudo da teoria.
Palavras-chave
Sistemas Dinamicos Discretos, iteracao, funcoes, orbita.
Introducao
O estudo de Sistemas Dinamicos Discretos e baseado em iteracao de funcoes, aliado
a alguns conhecimentos de Calculo Diferencial e Espacos Metricos, obtendo resultados
como: a orbita de um ponto, pontos fixos e periodicos. O presente artigo tem por objetivo
definir e fornecer exemplos, com o intuito de apresentar nocoes basicas sobre o tema.
1 Sistemas Dinamicos Discretos
A funcao f : R → R dada por f(b) = 2b e uma regra que especifica para cada
numero b um numero duas vezes maior. Este e um modelo matematico simples. Nos
podemos imaginar que b representa a populacao de bacterias em um laboratorio de cultura
e que f(b) representa a populacao uma hora depois. Entao a regra expressa o fato de que a
populacao dobra a cada hora. Se a cultura tem uma populacao de 10.000 bacterias, entao
depois de uma hora existirao f(10.000) = 20.000 bacterias, depois de duas horas existirao
f(f(10.000)) = 40.000 bacterias, e assim por diante, note que a populacao de uma hora
1Email: [email protected]. Curso Licenciatura em Matematica. Universidade Estadual de Feira
de Santana
Trabalho realizado com parte da avaliacao das disciplinas Orientacao a Pesquisa I sob orientacao do
professor Cristhian Bugs , Projeto I e II sob orientacao da professora Fabıola Pedreira.
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depois esta diretamente relacionada a populacao de uma hora antes. Tal situacao se
encaixa perfeitamente nas caracterısticas de um Sistema Dinamico Discreto.
Um Sistema Dinamico Discreto consiste de um conjunto de estados possıveis,
juntamente com uma regra que determina o estado presente em termos do estado
passado, cujo o estado so muda durante os instantes {t0, t1, t2, ...}, ou seja, o sistema
faz exame do estado atual com a entrada e atualiza a situacao produzindo um
estado novo com a saıda. Da origem do sistema, teremos em vista todas as informacoes
necessarias assim que a regra for aplicada 2.
Fazendo uma comparacao da definicao anterior com o exemplo ja visto, podemos
notar que:
• O objetivo do exemplo e analisar a populacao de bacterias (um conjunto de es-
tados possıveis).
• A regra utilizada e determinada pela funcao f(b) = 2b. Alem disso para saber qual
a populacao apos duas horas foi suficiente a composicao f(f(10.000)) = 40.000, ou
seja o seu estado atual (40.000) e determinado pelo seu estado inicial (10.000). Logo
a regra determina o estado presente em termos do estado passado.
• Note que o estado do sistema so muda para os valores {b0 = 10.000, b1 = 20.000, b2 =
40.000, b3 = 80.000, ...}, em que b0 e a populacao inicial, b1 e a populacao apos
uma hora, b2 a populacao apos duas horas e assim por diante. Assim entre os bi,
com i = 0, 1, 2, 3, ... , o sistema permanece constante. Deste modo o sistema faz
exame do estado atual com a entrada e atualiza a situacao produzindo
um estado novo com a saıda3.
2 Iteracao
Para compreender Sistemas Dinamicos Discretos e necessario ter em mente o
conceito de iteracao. Iterar significa repetir, em Matematica essa “repeticao”consiste em
compor uma funcao com ela mesma varias vezes: f ◦ ... ◦ f ◦ f . Utilizando o nosso
primeiro exemplo temos que:
2cf. Alligood (1996) e Villate (2007).3As leituras dos autores Alligood (1996) e Villate(2007) nos auxiliaram na concepcao do exemplo.
2
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• Para a primeira hora teremos uma populacao b;
• Para uma hora depois teremos o dobro da populacao, ou seja, f(b) = 2b;
• Para duas horas depois teremos f(f(b)) = f 2(b) = 2.2b = 22b = 4b, e assim sucessi-
vamente para n horas depois teremos fn(b) = 2n.b.
Tomando um ponto x0 ∈ R, denotaremos f(x0) = x1, f(x1) = x2, ..., f(xn−1) =
xn, para facilitar a leitura de uma iteracao. Assim (f ◦ ... ◦ f)(x0) = xn, de forma que
estaremos aplicando x0 na composicao de f com ela mesma n vezes. Do mesmo modo
escrevemos:
f 2(x) = (f ◦ f)(x),
f 3(x) = (f ◦ f ◦ f)(x) ou
f 3(x) = (f ◦ f 2)(x),
generalizando, fn(x) = (f ◦ fn−1)(x) para n ≥ 1.
Nos tambem escrevemos f 0(x) para a identidade f 0(x) = x.
Afim de esclarecer o que foi dito, observe os exemplos4 abaixo, considerando que
as funcoes utilizadas sao definidas de R em R.
Exemplo 2.1 Se f(x) = x.(1 − x), entao f 2(x) = (f ◦ f)(x) = f(x.(1 − x)) = x.(1 −x).[1− (x.(1− x))].
Robinson (1995), nos leva a perceber que sendo f uma funcao de carater ra-
zoavelmente simples, ja se torna complexo definir sua composta e consequentemente sua
derivada, caso exista, em f 2(x). Para iteradas cada vez maiores sera cada vez mais difıcil,
neste momento a notacao anterior e util, nos permitindo chegar a seguinte relacao :
(fn)′(x0) = (f)′(xn−1).....(f)′(x0).
Exemplo 2.2 Para esclarecer vejamos o que acontece para a funcao do exem plo 2.15:
Tomando f(x) = x(1− x) e escolhendo o ponto x0 = 13
e n = 3, temos
f(x0) = f(1
3) =
1
3(1− 1
3) =
2
9= x1
4Os exemplos sao baseados nas leituras de Robinson (1995) e Holmgren (1996).5cf. Robinson (1995)
3
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f 2(x0) = f(f(x0)) = f(x1) = f(2
9) =
14
81= x2
f ′(x) = 1− 2x
como (fn)′(x0) = (f)′(xn−1).....(f)′(x0),
segue (f 3)′(x0) = (f)′(x2).(f)′(x1).(f)′(x0)
e entao (f 3)′(1
3) = (1− 2.
14
81).(1− 2.
2
9).(1− 2.
1
3) =
53
81.5
9.1
3.
Observe que a praticidade do metodo consiste em dispensar (para o calculo da
derivada no ponto) o uso excessivo da Regra da Cadeia, desde que f seja diferenciavel em
{x0, x1, ..., xn−1}.Considere X, Y ⊂ R e
f : X → Y
x 7→ f(x) = y
uma funcao inversıvel e derivavel em a ∈ X ∩X ′(em que X ′ e o conjunto dos pontos de
acumulacao de X); f(a) = b com b 6= 0. Entao a derivada de (f−1)′(f(a)) = 1f ′(a)
6.
Sendo f−1 a inversa de f temos que, f−2(x) = (f 2)−1(x) = (f−1)2(x) e f−n(x) =
(fn)−1(x) = (f−1)n(x) para −n < 0. Deste modo, de acordo com Robinson (1995),
podemos aplicar o metodo anterior em compostas de funcoes inversas , desde que f−1,
assim como f, seja diferenciavel em {x0, x1, ..., xn−1}(grifo nosso) 7.
3 Pontos Periodicos
Afirmamos anteriormente que o conceito de iteracao e fundamental para o estudo
da teoria dos Sistemas Dinamicos Discretos.Deste momento em diante, e inevitavel con-
hecermos as definicoes de orbita e pontos periodicos. Para isso estamos considerando
f : I ⊂ R→ R, alem de f ser C1 ou C2.
6cf. Lima (1995)7A diferenciabilidade e um fenomeno local, por isso esta observacao se faz necessaria.
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Definicao 3.1 Dado um ponto a e uma funcao f contınua, o conjunto de pontos {a, f(a),
f 2(a), f 3(a), ...} e denominado a orbita positiva de a e e denotado por ϕ+(a) = {fk(a); k ≥0}. Se f e inversıvel, o conjunto de pontos {a, f−1(a), f−2(a), f−3(a), ...} e denominado
a orbita negativa de a e e denotada por ϕ−(a) = {fk(a); k ≤ 0}8.
Exemplo 3.1 Seja f(x) = x(1− x), calculemos a orbita positiva de x = 2:
• x = 2
• f(2) = 2(1− 2) = −2
• f 2(2) = f(f(2)) = −6
• f 3(2) = f(f(f(2))) = −42
Assim, pela definicao anterior teremos que:
ϕ+(2) = {fk(2); k ≥ 0} = {2, f(2), f 2(2), f 3(2), ...} =
= {2, −2, −6, −42, ...}.
Exemplo 3.2 Dada a funcao j(x) = x3, a orbita de 8 e o conjunto {8, 512, , 134.217.728, ...}ou seja {8, j(8), j2(8), j3(8), ...}. A inversa de j e definida por j−1(x) = 3
√x, logo a orbita
negativa de 8 e o conjunto {8, 2, 3√
2, ...}
Caso queiramos observar o comportamento das iteradas negativas de um ponto
para funcoes nao inversıveis, Robinson (1995) sugere considerarmos {x−1, x−2, ... , x−n},tal que f(x−n) = x−n+1 (ou seja um conjunto das imagens inversas de f(x−n) ).
Exemplo 3.3 Dada a funcao nao inversıvel, h(x) = x2 − 1 temos
h(x) =√
2 ⇒ x2 − 1 =√
2 ⇒ x = ±√
1 +√
2
h(x) =
√1 +
√2 ⇒ x2 − 1 =
√1 +
√2 ⇒ x = ±
√1 +
√1 +
√2
Logo√
1 +√
2 ∈ h−1(√
2) (uma vez que −√
1 +√
2 tambem pertence,
8cf. Robinson(1995)
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a escolha de√
1 +√
2 e apenas por conveniencia), assim como
√1 +
√1 +
√2 ∈
f−1(√
1 +√
2) 9.
Dessa forma, podemos montar uma sequencia com os elementos do domınio, a
nossa escolha, usados anteriormente :
x−1 =√
2; x−2 =
√1 +
√2; x−3 =
√1 +
√1 +
√2
h(x−2) = x−2+1 = x−1 donde
↓
h(
√1 +
√2) = (
√1 +
√2)2 − 1 = 1 +
√2− 1 =
√2
h(x−3) = x−3+1 = x−2
↓
h(
√1 +
√1 +
√2) = (
√1 +
√1 +
√2)2 − 1 = 1 +
√1 +
√2− 1 =
√1 +
√2.
Definicao 3.2 Dizemos que a e um ponto fixo de uma funcao f se f(a) = a. O ponto a
e um ponto periodico de perıodo n se fn(a) = a para algum n > 0 e f j(a) 6= a, para 0 <
j < n (podemos verificar que n e o menor perıodo, pois fkn(a) = a ∀ k ≥ 1, com k ∈ N). Isto e, se a tem perıodo n, entao a e um ponto fixo para a funcao fn. Alem disso a
orbita positiva de a, ϕ+(a), e chamada orbita periodica quando a e um ponto periodico de
perıodo n 10.
Exemplo 3.4 Para a funcao m(x) = x2 − x o conjunto dos pontos fixos de f sera dado
por m(x) = x, ou seja,
9As leituras de Robinson (1995) nos ajudaram a desenvolver este exemplo, bem como os exemplos 3.1,
3.2 e 3.3.10Esta definicao e baseada em Holmgren (1996) e Robinson (1995), entretanto Holmgren faz alguns
comentarios sobre pontos periodicos de perıodo primo o que achamos desnecessario, pois a Definicao
3.2 serve para qualquer perıodo.
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x2 − x = x ⇒ x2 − 2x = 0 ⇒ x′ = 0 ou x′′ = 2
Logo x′ = 0 e x′′ = 2 sao pontos fixos da funcao m.
Exemplo 3.5 A funcao g(x) = x2 − 2x possui pelo menos um ponto periodico. De fato
dada g(x), temos que o ponto
x0 =1
2+
√5
2
e tal que (g ◦ g)(x0) = g(g(12
+√
52
)) = g(12−
√5
2) = x0.
A notacao que usamos para todos os pontos fixos por fn e:
Per(f, n) = {x; fn(x) = x} e
F ix(f) = Per(f, 1) = {x; f(x) = x}
Finalmente, um ponto a e eventualmente periodico de perıodo n, se existe um
m > 0 tal que fm+n(a) = fm(a) ou f j+n(a) = f j(a) para j ≥ m e fm(a) e um ponto
periodico.
Exemplo 3.6 Dada v(x) = x3 − x os pontos fixos que satisfazem a equacao x3 − x = x,
sao:
x3 − 2x = 0
x(x2 − 2) = 0
x = 0 ou x = ±√
2,
para os pontos x = ±1 temos que
v(1) = 1− 1 = 0 ⇒ v2(1) = v(v(1)) = v(0) = 0
v(−1) = −1 + 1 = 0 ⇒ v2(−1) = v(v(−1)) = v(0) = 0.
Usando a definicao anterior
fm(a) = fm+n(a) = fm(a)
↓
v(1) = v1+1(1) = 0
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v(−1) = v1+1(−1) = 0
Logo 1 e -1 sao eventualmente periodicos11.
Conclusao
Partindo de algo tao simples como a composicao de funcoes, fornecemos impor-
tantes definicoes relativas a teoria dos Sistemas Dinamicos Discretos. O comportamento
das funcoes apresentadas nos exemplos nos levam nao so a observar aspectos raramente
discutidos como a indagar que outras implicacoes estes aspectos tem para a teoria.
Referencias
ALLIGOOD, Rathlee T.; SAUER, Tid D.; YORKE, James A. Chaos: an introduction
to Dynamical Systems. New York: Springer, 1996.
HOLMGREN, Richard A.A first course in Discrete Dynamical Systems.2. ed.
New York: Springer, 1996.
LIMA, Elon Lages. Curso de Analise. Vol 1. 4. ed. Rio de janeiro: IMPA, 1995.
ROBINSON, Clark. Dynamical systems : stability, symbolic dynamic, and chaos.
Florida: CRC Press, 1995.
VILLATE, Jaime E. Introducao aos sistemas dinamicos: uma abordagem pratica
com o Maxima. Disponıvel em :
http : //fisica.fe.up.pt/maxima/book/sistdinam− 12.pdf. Acesso em : 01 de novembro
de 2007.
11Os exemplos 3.5, 3.6 e 3.7 sao baseados nas leituras de Robinson(1995) e Holmgren(1996).
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