contributos para uma histÓria da administraÇÃo...
TRANSCRIPT
1
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS
CONTRIBUTOS PARA UMA HISTÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA PORTUGUESA
JOAQUIM CROCA CAEIRO
Prof. Associado Convidado com Agregação
(documento destinado apenas ao apoio aos alunos da Licenciatura em
Administração Pública, do 1.º Ano do ISCSP, contendo ainda muitas
imperfeições, gralhas, eventuais erros e matérias por desenvolver.)
2
I. INTRODUÇÃO
1. Considerações introdutórias à História da Administração Pública
Portuguesa
Integrada no plano de estudos da Licenciatura em Administração Pública, lecionada
no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, a
unidade curricular de História da Administração Pública Portuguesa, pretende
refazer a caminhada dos quase nove séculos desde a formação do Estado português
até à actualidade da história portuguesa no que à Administração Pública respeita,
ainda sem que antes se procure fazer uma pequena abordagem dos principais
acontecimentos que de forma directa ou indirecta se constituíram em génese do que
seria a realidade que se transformou em unidade independente a partir do século XI.
Com efeito, a dinâmica da história do Estado português ao longo dos séculos é para
além de extraordinariamente rica também muito
2. Autonomia da História da Administração Pública
3. As questões da origem do poder e suas determinações na
evolução do Estado
Ligado ao conceito de Estado e à natureza da sua formação, o conceito de poder
político também atravessa os séculos de evolução do homem e determinou a forma
como o Estado se organizou, como a sociedade se desenvolveu e como o homem
de forma geral foi gerindo a sua relação com os restantes homens e sobretudo a
relação entre governantes e governados.
Com efeito, o conceito de poder tem inequivocamente a ver com o Estado, e a
existência de um implica a existência do outro. E desde muito cedo a questão da
origem e da natureza do poder, passou a ser de extrema relevância para a relação
3
política entre os governantes e os governados e sobretudo, para a legitimação do
exercício desse poder.
O conceito de Poder “vem do latim vulgar potere, que substituiu o clássico posse,
o qual deu em português poder. Expressão esta que tanto quer dizer poder ser, isto
é, o poder em potência, da legitimidade, como ser, o poder em acto. Um poder que
também se poderia dizer poderio e podestade (…) englobando (na língua
portuguesa) a potestas, que equivale ao francês puissance, como a potentia,
próxima do francês pouvoir. Tanto abrange o poder referido às pessoas que
comunicam e actuam em conjunto, a potestas, como o poder de uma pessoa para
com outra, a potentia.”1
Ora, é este poder que tem ao longo dos séculos, merecido explicações e justificações
diversas, para que se torne possível a sua conquista, exercício e manutenção.2 Pelo
que, para explicar a forma como o poder se organizou e se desenvolveu desde os
tempos mais remotos da consolidação do Estado português, e sobretudo a influência
exercida pelo clero no decurso da formação deste Estado, importa descortinar a
problemática da origem do poder.
A origem do poder tem desde os tempos mais remotos sido aceite como tendo
origem divina, motivo pelo qual, os detentores do poder desde cedo também
procuraram a sua identificação com a divindidade.
Pelo que, com o aparecimento e desenvolvimento do Cristianismo, a explicação
teológica, segundo a qual o poder é instituído por Deus, segundo a fórmula Non est
potestas nisi a Deo, em que “ não há Potestade, que não venha de Deus: e as
Potestades que há, por Deus foram ordenadas. Pelo que aquele que se opõe à
Potestade resiste à ordenação de Deus”3.
Em face desta perspectiva dominante durante muitos séculos, o pensamento social
e político medieval acaba por ser dominado pela aceitação da “existência de uma
ordem universal (cosmos), abrangendo os homens e as coisas, que orientava todas
1 Maltez, José Adelino. 1991. Ensaio sobre o Problema do Estado: Da Razão de Estado ao Estado-
Razão. Tomo I. Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa, p. 260
2 Moreira, Adriano. 1984. Ciência Política. Reimpressão. Coimbra: Almedina
3 S. Paulo, Epístola aos Romanos
4
as criaturas para um objectivo último que o pensamento cristão identificava com o
próprio criador”4. O que adquiriu ainda maior dimensão no período que se seguiu
à queda do Império Romano, face ao fracionamento em poderes locais ou regionais
sob o controlo militar dos diversos grupos étnicos invasores, a ajuda e
reconhecimento mútuo dos poderes em presença teve como resultado a
harmonização e fusão entre os dois poderes.
Com o fracionamento do Império Romano e a criação de muitas unidades políticas
independentes no contexto europeu, a Igreja viria a ter um papel decisivo na
constituição dos Estados cristãos, tendo por via disso um crescimento em prestígio
moral e capacidade de cooptação, além da auto-suficiência financeira e patrimonial
de que dispunha. Motivo pelo qual, a origem divina do poder e o consequente
desenvolvimento do Estado segundo a mesma razão, acabaria por se transformar
em razão indiscutível para teólogos e filósofos da época.
E, ainda que em face dos interesses emergentes na época, a própria instituição
religiosas tenha ficado em perigo, o Papa estabelece uma aliança com Carlos
Magno, consagrando-o e reconhecendo-o como imperador e restaurador do Império
Romano do Ocidente, considerando no entanto, a origem divina do poder que lhe
transmitia.
Por esta acção, Carlos Magno obtém o reconhecimento da sua autoridade moral
perante o povo, enquanto o Papa vê garantida a protecção da sua Igreja e facilidade
para a difusão do catolicismo junto dos povos ainda não totalmente convertidos.
Deste modo o “imperador compromete-se a colaborar na eleição do papa,
respeitadas as prescrições canónicas, porém cabendo-lhe a confirmação da
eleição; e ao papa compete coroar e consagrar os imperadores. Trata-se do
estabelecimento de um esquema de investidura recíproca, que afectará
negativamente a Igreja nos diversos degraus da hierarquia eclesiástica, a ponto de
constituir objecto de conflito posterior”.5 Ainda assim, o modelo permitiria a Carlos
4 Hespanha, António Manuel. 1994. As vésperas do Leviathan: Instituições e poder político,
Portugal séc. XVII. Coimbra: Almedina, p. 299
5 Bugallo, Alexandre. 1988. Secularização das Estruturas da Igreja e Sacralização do Poder. In
Moreira, Adriano et al. Legado Político do Ocidente: O Homem e o Estado. Lisboa: Academia
Internacional da Cultura Portuguesa, p. 76
5
Magno imiscuir-se em assuntos eclesiais, o que de certo modo viria a influir
directamente na organização eclesiástica, na disciplina e na formação do clero.
Carlos Magno, será chamado David e Constantino, somando as tradições
teocráticas do Velho Testamento, e a imperial. Exercendo uma função – regalae
ministerium -, o rei será responsável perante Deus pela salvação do seu povo. Uma
função exercida sobre o povo de Deus. Que portanto deve tender para a unidade.
De tal modo, quando em 800 foram concedidos a Carlos Magno “o título e a coroa
imperiais, ficaram estabelecidos os dois pontos de referência da unidade europeia.
Um personalismo cristão; um poder imperial”.6
Santo Agostinho, em tempo anterior, a partir do século IV, havia contudo, de vir
fundamentar teoricamente uma nova estrutura funcional para o Clero e para o
Estado. Competiria à Igreja estabelecer os limites e as proporções da relação entre
as duas entidades. Na sua perspectiva, “a cidade dos homens resultou de uma
criação de Adão e Caim, a partir do pecado original que teria acabado com o
homem-anjo da «cidade de Deus», o qual, por não ter cometido pecado, também
não tinha de trabalhar. Assim, o homem, porque é pecador, tem de submeter-se ao
poder terrestre, mesmo que este seja exercido por homens maus.”7
O Estado, tinha segundo Santo Agostinho, de ser analisado do ponto vista
teocrático, em vista da relação do Homem com Deus. E, tal como Cícero, entendia
que o Estado é uma colecção de homens unidos pelo acordo sobre os valores e a
utilidade comum.
Com efeito, Santo Agostinho havia ensinado “na cidade de Deus, que o poder
deveria realizar a justiça divina. Os comentadores concluíram que a lógica exigia,
então, que a cidade de Deus deveria absorver a cidade terrestre. Uma sociedade
apenas, Estado e Igreja”.8
6 Moreira, Adriano. 2004, A Europa em Formação: A crise do Atlântico, 4.ª Edição. Lisboa: ISCSP-
UTL, p. 61
7 Maltez, José Adelino. 1991. Ensaio sobre o Problema do Estado: Da Razão de Estado ao Estado-
Razão. Tomo II, op. cit. p. 251
8 Moreira, Adriano. 2004, A Europa em Formação: A crise do Atlântico, 4.ª Edição. Lisboa: ISCSP-
UTL, p. 60
6
A conversão de Constantino, por outro lado, no início do Século V, obriga a Igreja
a uma unificação mais avançada e a assumir-se como uma instituição com
responsabilidades acrescidas, sobretudo no domínio do Estado. Desta forma, a
Igreja viria a estabelecer a dissociação dos poderes num campo do poder político e
de autoridade religiosa, criando limites específicos ao poder político em relação ao
fenómeno religioso. A chamada «Doação de Constantino» determina
expressamente “que a dignidade pontifícia não seja inferior, mas que seja
considerada como uma dignidade e glória maiores do que as do império terreno,
concedemos ao referido pontífice (Silvestre), papa universal, e deixamos e
instituímos em seu poder, por decreto imperial, como possessões de direito da
Santa Igreja Romana, não só o nosso palácio como foi dito, mas também a cidade
de Roma e todas as províncias, distritos e cidades de Itália e Ocidente (…) porque
não é justo que o imperador terreno reine onde o imperador celeste estabeleceu o
principado do sacerdócio e a cabeça da religião cristã”.9 É neste contexto que a
questão da origem divina do poder vai adquirindo importância suficiente para
delimitar a forma como as relações sociais e políticas se vão estabelecer no período
em causa.
E a conflitualidade entre o temporal e o espiritual, ou de outro modo, entre o
Príncipe e a Igreja, adquire uma maior evidencia. Consubstanciada na separação de
poderes em dois polos distintos, concorrentes e independentes, um consagrado por
Deus ao Papa e outro adquirido pelo Imperador.
Com efeito, enquanto o príncipe pugnava pelo sentido da unidade política, a Igreja,
pretendia a diferenciação da sua doutrina e sobretudo a evolução da sua unidade.
Motivo pelo qual, não aceitavam um ou outro de bom grado, a invasão das suas
questões internas.
Os doutrinadores teocráticos passaram a sustentar a Doação de Constantino como
um argumento fundamental do reconhecimento do poder divino como superior ao
9 O primeiro dos imperadores cristãos, teria doado ao Papa Silvestre, representante da Igreja, a
soberania sobre a Itália e o Ocidente, no intuito de recompensar o Papa por uma cura milagrosa de
Constantino, e pela qual o Imperador assegura atribuir maior honra ao Reino de Pedro do que ao seu
próprio. Esta doação haveria de tornar-se determinante a partir do século VIII na mediação das
disputas entre o papado e o poder imperial. Tal circunstância faria pender para o lado da Igreja a
importância da gestão do reino terreno, evidenciando-se a autoridade papal.
7
poder terreno, e por consequência da limitação do poder imperial face ao poder
papal. O que não deixaria, no entanto, de merecer forte contestação por parte do
poder imperial, argumentando este, para além da falsidade da origem e paternidade
da doação a da sua consideração apenas como lenda herética, reduzindo deste modo
a sua importância e influência.
Por volta do ano de 500, o Papa Gelásio I, procurando delimitar a relação do Papa
com o Imperador, produz uma teoria importante para a relação entre o poder
temporal e o poder espiritual. O governo do Mundo era realizado por duas entidades
distintas: a autoridade sagrada dos Pontífices e o poder real. Contudo, o pendor
maior do encargo do poder seria, em seu entender, da Igreja, porquanto, teria de
prestar contas a Deus, não apenas dos indivíduos no mundo, mas de forma decisiva
dos próprios reis, pelo que, estes deveriam reconhecer que a sua salvação dependia
dos ministros das coisas divinas.
De modo que, para Gelásio I, se estava perante uma distinção hierárquica entre a
autorictas dos sacerdotes e a potestas do rei. Pelo que, o sacerdote, ficava por um
lado, obrigado a reconhecer o poder temporal, sobre as coisas terrenas, uma vez que
aquele poder temporal também foi concedido por Deus, ficando por conseguinte
subordinados ao rei nos assuntos estritamente públicos. Mas, e com importância
acrescida, a Igreja manifestava-se como superior ao Império, já que também seriam
superiores a este, as questões divinas.
Ainda que Gelásio I, entenda a existência de dois poderes separados, o certo é que
o poder espiritual estava dentro do Império para as questões do mundo, mas este
estava dentro da Igreja para as coisas divinas. E estas seriam preponderantes.
Gelásio I, acolhe aqui uma espécie de diarquia hierárquica que permitia uma certa
acalmia nas relações entre Império e Igreja.
Esta perspectiva nem sempre foi aceite pelo Império, não tendo este qualquer
obstáculo ainda durante muito tempo em assumir as funções religiosas como parte
integrante do seu reino.
Em 753-754, o Papa Estêvão II, colocou fim a esta ingerência do Império nas
questões divinas e sobretudo na vida da Igreja. Desloca-se de Roma até ao Reino
Franco, para aí coroar o rei franco Pepino, dando-lhe o título de «patrício dos
romanos» e atribui-lhe o papel de protector e aliado da Igreja de Roma.
8
A importância desta iniciativa, reside particularmente, na mudança de eixo da
política papal. Até aí, tinham manifestado uma relação de dependência com o
Império Bizantino e subordinação com os seus imperadores, os quais garantiam a
defesa da Igreja, a troco da sua aquietação e subordinação. Mas, a partir daquele
momento, o papa colocava fim à opressão e aos perigos provenientes de Bizâncio,
alterando a esfera de influência do poder temporal, para um poder mais próximo,
mais eficaz, menos civilizado, mas também eventualmente mais dócil. E os papas
iniciam assim a assumpção de uma função política, anulando a perspectiva dual
promovida por Gelásio, e assumindo-se assim como uma monarquia espiritual
superior à temporal.
A partir do Século XI, os papas acresceram fundamentação teorização à prática
estabelecida por Estêvão II, argumentando a favor da primazia do seu poder, com a
doutrina do “verus imperator “ a qual se fundava na ideia de que tendo o Papa
recebido de Deus a totalidade do poder para depois o delegar como
entendesse, o papa seria o verdadeiro imperador, argumentando ainda com as
bulas papais como um exemplo disso mesmo, ou seja, o Papa era o imperador
do mundo continuador dos imperadores romanos, na medida para além da
detenção do poder temporal também eram adorados como Deuses. Assim se impôs
a doutrina segundo a qual o Papa constituía a cúspide e o eixo de todo o sistema da
organização eclesiástica, que o conceito de plenitude de poder ( plenitudo
potestatis) pretende designar, e difundido pelos canonistas do século XII.10
10 Foi com Inocêncio III que o conceito de plenitudo potestatis se tornou um termo técnico, servindo
para designar a soberania pontifícia. As origens da fórmula remontam a Leão I (século V). Mas é
apenas nos últimos decénios século XII que o papado passa a aplicá-la para indicar a legitimidade
de intervenção nas questões seculares. Em 1198 entrou decisivamente na linguagem da chancelaria
pontifica. Os canonistas adoptá-la-ão também (tradicionalmente, definia-se a autoridade papal como
plena potestas, plena auctoritas, pelnaria potestas, plena et libera administratio). O sucesso da
fórmula ficou assegurado pelo entusiasmo com que Bernardo de Claraval também a acolheu, e pelo
aprofundamento jurídico e doutrinal de Huguccio, cuja definição veio a tornar-se clássica: «A
autoridade plena existe quando contém ordem (preceptum), validade e necessidade; estes três
elementos encontram-se no papa, ao passo que os restantes bispos reúnem apenas o primeiro e o
terceiro». Martins, António Rocha. Origem divina e fonte humana do poder civil em Guilherme de
Ockham: Emergência da liberdade.
9
Até ao renascimento do direito romano, no século XIII é por consequência o
teocentrismo a doutrina dominante, o que significa, que a vida, a sociedade, o
mundo, depende do poder divino estando Deus no centro do undo. A Europa é a
Respublica Christiana, na qual o papa ocupa a posição hierárquica mais elevada da
estrutura social e o imperador e os príncipes estão ao serviço de Deus.
O século XII, contudo, traz à evidência uma figura que marcaria de forma indelével
todo o pensamento político religioso na Europa: S. Tomás de Aquino. O Doutor da
Igreja, ao reivindicar a independência de origem do domínio temporal lança as
bases das doutrinas que no século XVI se viriam a impor nas relações entre o poder
temporal e o poder espiritual.
Para S. Tomás sendo a sociabilidade uma característica natural do homem, a
natureza é eminentemente normativa, e que a lei natural constitui a participação
humana, através da razão, na lei eterna, e é, portanto imutável, pelo que o poder
civil transcende o tempo e o espaço, a diversidade de crenças e de raças.
Deste modo, a sociedade é essencialmente finalista e de que todo o homem tende
para um fim ulterior. No entanto, como a sociedade pode ter um fim intermédio, ao
homem cabe o fim último, em razão do qual todo o poder civil se deve organizar.
Á sociedade civil, contrapõe-se a sociedade eclesiástica, a Igreja, destinada a
assegurar a custódia espiritual para atingir o fim superior do homem: a bem
aventurança.
E, como a toda a sociedade corresponde um poder, necessário se torna para este
fim, um poder diferente do poder civil, e que para S. Tomás, adversário do
conciliarismo, reside no Papa. O poder temporal, não procede do poder eclesiástico,
em face da independência da sua origem, mas sim, com origem em Deus. Donde,
também fica limitado o poder espiritual. Pois se, o poder temporal é independente
daquele e tem a mesma origem, força é que tenha também um campo próprio,
autónomo e não inferior, não podendo ser limitado ou suprimido senão em virtude
da natureza do fim a que se destina.
10
De igual forma, sendo independente do poder temporal o poder espiritual tinha
como função assegurar o fim último do homem, fundamentalmente um fim
superior: a bem-aventurança.11
Aponta ao pontífice poderes temporais de modo indirecto. O poder temporal
“possui independência pela origem, embora ela possa vir a ser limitada ou mesmo
suprimida em função da natureza do fim a que se destina. A fé e o pecado nada lhe
acrescentam ou retiram. A sua origem é natural, campo em que todos os homens
são iguais. E o direito positivo, fonte de onde derivam as prerrogativas
eclesiásticas, não anula o direito natural.”12 De tal modo, só através da figura da
“legítima defesa, pode o Papa intervir temporalmente, pois, por direito divino e
natural, é lícito a qualquer um defender-se e, portanto, à Igreja”,13 assim,
admitindo que num conflito de direitos prepondera o superior, e sendo a função da
Igreja assegurar o fim último do homem, logo o fim superior.
Os opositores do papado, não vêm nas correntes hierocráticas motivos suficientes
para sustentar a superioridade do poder espiritual sobre o poder temporal, pelo que
de imediato procuram contraditar tais perspectivas. Duas correntes distintas são
apontadas como exemplos de tal contestação. Uma, a que considerava que ainda
que sem separar o espiritual do temporal distinguia no entanto os direitos que
respeitavam ao príncipe e os direitos respeitantes ao Papa. Outra, reivindicava para
o Estado uma base temporal e por conseguinte recusava ao poder espiritual qualquer
predomínio sobre a potestas civilis.
A primeira, com início no século XI, tem como principais defensores Henrique IV,
Guy de Osnabruck, entre outros e a base da sua contestação assenta na consideração
de que o poder espiritual e temporal estão interligados pela via da cooperação, e
logo, que a cristandade deve ser governada pelas duas entidades que detém tais
11 Vide, Albuquerque, Ruy de e Albuquerque, Martim de. 1999. História do Direito Português
(1140-1415). Lisboa: PF, p. 463
12 Albuquerque, Ruy de e Albuquerque, Martim de. 1999. História do Direito Português, op. cit.
p. 465
13 Albuquerque, Ruy de e Albuquerque, Martim de. 1999. História do Direito Português, op. cit.
p. 465
11
poderes, o Imperador e o Papa. Tanto mais que o poder temporal decorre
directamente de Deus para o soberano, sem necessidade de intermediários.
Os segundos, em cujos representantes encontramos entre outros, Guilherme de
Occam, Marsílio de Pádua ou Dante, propõem a separação clara entre o poder
temporal e o poder espiritual, assumindo que o primeiro é recebido directamente de
Deus e os fins últimos do Estado são divergentes dos fins últimos do homem, tendo
aquele que se preocupar apenas com o domínio externo das acções.
A questão da origem do poder e do seu exercício temporal e espiritual influenciou
de forma intensa as relações de poder que se desenvolveram no contexto do
desenvolvimento da Europa dos Estados a partir da queda do Império Romano e,
sobretudo, no que se relaciona com Portugal, a partir da génese da formação e
consolidação do reino português. E, bem assim, a influência que foi exercendo ao
longo dos séculos XII a XVI, a qual fica bem patente na luta travada entre o papado
e a Igreja e a tentativa de centralização do poder real ao longo daquele tempo, e
cujo argumentário teve sempre na base a questão do poder e da sua origem e
sobretudo da legitimidade directa ou indirecta para o seu exercício.
Em síntese, as ideias justificativas sobre a origem do poder da época, seriam que “o
poder em abstracto vem de Deus e deve ser considerado como um remédio divino
para o nosso estado de imperfeição e pecado; o poder em concreto tem a sua
origem em Deus, mas não por designação expressa do príncipe; as formas por que
se adquire concretamente o poder são várias, mas em todas elas deve existir o
consentimento do povo”14
A questão da origem do poder foi influenciando do ponto de vista teórico a forma
de relacionamento entre a Igreja em Portugal e o poder real, tal como influenciou
as relações internas em matéria de domínio, importância e poder da Igreja sobre as
restantes classes sociais e a tentativa constante da mesma em condicionar o
desenvolvimento da estrutura interna do poder.
4. O Estado como forma de organização política
14 Merêa, Paulo. Traços fundamentais do regime político. História de Portugal, ed. dirigida por
Damião Peres, II, p. 467
12
4.1. A teoria aristotélica (comunidades perfeitas) e tomista (bem comum)
4.2. Como sociedade de homens livres, formada por associação deles
A construção do Estado, no modelo que mais se aparenta com a sua estrutura actual,
apresenta a sua génese remota nos alvores do período feudal. Isto não significa, no
entanto, que a existência de uma entidade congregadora de comunidades e acima
dos cidadãos enquanto ser individual, não tenha acompanhado o desenvolvimento
social do homem.
A dicotomia entre os que acreditam que onde existe uma sociedade tem de existir
um Estado, pois que qualquer espécie de associação política tem necessariamente
de ser um Estado, defendendo, por conseguinte, uma concepção maximalista para
a sua origem15 e os que a contrário, defendem uma perspectiva minimalista,
considerando que a existência do Estado apenas se identifica em certas formas de
associação política, que podem ter maior amplitude que o conceito de Estado
Moderno16 ainda hoje tem razão de ser. Ainda continua, pois a ser de grande
evidência e actualidade a discussão sobre a origem e evolução do Estado e
sobretudo das circunstâncias do seu aparecimento No entanto, fica a sua discussão
fora do nosso objecto de estudo, importando no essencial para a questão da
distinção do Estado no contexto das sociedades mais antigas e período feudal e o
15 Distinguem-se entre outros, quanto à concepção maximalista, Nadel, S.F. 1951. The Foundation
of Social Anthropology; Lara, António C. A. Sousa. 1987. A Subversão do Estado. Lisboa: ISCSP;
Almond, Gabriel e Coleman, James. 1960. The Politics of Developing Areas. Princepton, New
Jersey: Princepton University Press; La Palombara, Joseph. 1963. Bureacracy and Political
Developement.
16 No que se refere à concepção minimalista da existência do Estado, entre outros, Engels, Friedrich.
A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 1986. Lisboa: Avante; Hauriou,
Maurice. 1925. La Théorie de L’Instituition et de la Foundation. In Cahiers de La Nouvelle Journée.
n. º 4. Blond et Gay; Máspetiol, Roland de. 1951. Qu’est ce que l’État? In Revue Politique et
Parlamentaire. Dez.; Clastres, Pierre. 1990. A Sociedade contra o Estado. 5ª Edição. Rio de Janeiro:
Francisco Alves
13
Estado Moderno. E sobremaneira importa saber que a organização social do homem
contou sempre com uma entidade superior no seu enquadramento.17
Importa-nos agora, e no contexto do desenvolvimento da génese e evolução da
Administração Pública portuguesa, perceber a forma como o Estado, já integrado
pelos seus aspectos caracterizadores, como sejam a autoridade, a legitimidade, a
existência de um dado e especifico território, com uma comunidade de costumes e
usos similares e com uma proximidade linguística, se tem assumido como elemento
catalisador do desenvolvimento e do crescimento da sociedade onde se integrava.
Impõe-se ainda analisar as etapas que determinaram a construção do estado
português e, sobretudo, a forma a partir da qual se foi também construindo uma
Administração Pública que permitisse o seu funcionamento. As instituições que por
força da existência do estado se vão criando e multiplicando decorrem também do
desenvolvimento do próprio Estado.
E, neste aspecto, não podemos perder de vista a contextualização social, económica,
política e cultural de cada época em estudo para percebermos com eficácia a
evolução do conceito de Estado e por sua vez o da evolução das instituições públicas
que o vão integrando e moldando.
Em face do que fica dito supra, e aceitando que o “conceito de estado, no sentido
de um «independente, auto-suficiente, autónomo corpo de cidadãos que vive por
assim dizer na sua própria essência e usa suas próprias leis» (…) não foi familiar
ao período medieval antes do século XIII”18, merece uma atenção especial, para o
período que decorre entre o século XII e XIII, período que marca o nascimento e
formação do reino de Portugal e consequente afirmação de um Estado agregador de
comunidades.
Como conclui Manuel de Lucena, “definir o Estado como poder político
juridicamente regrado é defini-lo como ordem coactiva, desde que se veja na
coacção o elemento distintivo do Direito, o traço que nos permite separá-lo
17 Vide, Balandier, Georges. 1987. Antropologia Política. 2.ª Edição. Lisboa: Editorial Presença,
Freund, Julien. 1985. L’Essence du Politique, Paris, Bergeron, G. 1965. Fonctionnement de l’Etat,
Paris,
18 Ulmann, Walter. 1975. A History of Political Trought: the middle ages. Peguin Books, s.i., p. 17
14
conceitualmente de outros sis- temas normativos: das regras religiosas, morais ou
de etiqueta. Na minha tentativa de definição tomei o cuidado de salientar que esse
poder político normativizado (regrado, normalizado, estabilizado) a que
chamamos Estado não é só o poder central, mas antes um enlace de poderes
centrais e periféricos, formalmente reconhecidos e consagrados ou não”.19
O Estado é ao mesmo tempo, e só o é assim, integrado por um conjunto de
instituições, funcionários, reis, conselheiros, tribunais e prisões, juízes e meirinhos,
pelo que, sem eles não se torna possível a sua concretização. Ainda que
desconhecendo a sua importância, o seu lugar no desenvolvimento do Estado e até
o seu papel enquanto instrumento da evolução do Estado, o certo que todos eles são
elementos determinantes na sua vida.
O Estado, é pois “uma entidade política a se, originária e independente, distinta do
respectivo titular e dos governados e como tal denominada”20 pelo que fica
evidente, a sua necessidade de desenvolvimento e crescimento de forma
independente, quer de uns quer de outros, mas marcada pelos seus contributos
seculares.
É por tal motivo que a glória dos reis se inscreve na glória dos Estados e dos povos
e vice-versa. E o papel das instituições políticas adquire um significado
determinante na vida dos Estados tornando possível a existência do espaço social.
O aparecimento da realidade Estado, não pode ser dissociada dos conceitos que de
forma diversa foram utilizados para explicar a mesma realidade, ainda que
paulatinamente tenham vindo a afastar-se e a criar uma dimensão diferente e
conceptualmente diferenciada. Estão neste caso, os conceitos de povo, coroa, reino
e respublica.
19 Lucena, Manuel. 1976. Ensaios sobre o tema do Estado: Ensaio sobre a origem do Estado (i). in
Análise Social, vol. XII (48), 4.°, 917-981
20 Albuquerque, Martim de. 1983. Política, Moral e Direito na construção do conceito de Estado
em Portugal. in Estudos de Cultura Portuguesa, 1.º Volume. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, p. 132
15
O primeiro dos conceitos (populus) “serviu desde cedo para referir uma
congregação numerosa articulada por condição política comum”21, tendo a partir
do século XIII assumido uma dimensão de comunidade humana politicamente
ordenada e diferenciada de outras comunidades.
A palavra república, derivada do latim respublica, queria no tempo significar uma
alteridade política, já quanto ao termo coroa, este passou a significar não apenas um
símbolo da “dignidade régia, mas por expansão, se usou para referir a entidade
jurídica (…) representada pela sucessão dos reis”.22
Quanto ao termo reino, este foi usado para descrever a realidade politicamente
organizada num determinado território mas também numa dimensão de união
jurídica do governante e da comunidade.
No caso português, tal como um pouco por toda a Europa, o conceito de Estado foi
evoluindo também em função do próprio progresso verificado nos laços que uniam
os membros das várias comunidades entre si e, entre aqueles que de forma vária os
governam. É certo que no período pré idade média e durante parte significativa
desta, o vínculo que ligava o individuo ao seu governante, manifestava-se por um
laço de vassalagem, pelo qual está ligado por uma relação contratual ou pactuada
com o seu governante, o que significa que o vassalo se liga directamente ao senhor,
implicando “o princípio da inferioridade ou da obediência como um elemento
vital”23.
E que este vínculo eminentemente privado, se vai diluindo à medida que se avança
em direcção à Idade Moderna. Nos primórdios desta, inicia-se então a transição
para a manifestação de vínculos públicos que ligam os indivíduos ao centro político
da comunidade passando a concretizar-se na figura do cidadão, o qual, tem face aos
titulares do poder, direitos e deveres provenientes da sua posição natural dentro da
21 idem, p. 146
22 Idem, p. 148
23 Albuquerque, Martim de. Política, Moral e Direito na construção do conceito de Estado em
Portugal, op. cit. p. 148
16
comunidade. E, é nesta dimensão que o Estado, se vai assumir como o “único corpo
público que vive nas suas próprias leis e na sua própria substância intrínseca”24.
Com efeito, terão sido as transformações do direito público a conduzir ao respeito
dos princípios fundamentais do direito privado e, nesta medida, as “nossas
jurisdições estatais e da igreja e a imposição de modelos de conduta social,
procuram o respeito por aquelas regras essenciais do direito privado, em especial
do direito da família (casamento tridentino) e das obrigações (principio da culpa
e obrigações do foro da consciência) ”25.
Fica assente que o Estado no sentido em que ele se configura em tempos mais
próximos, tem a sua evidência nos finais da designada Idade Média. No entanto, tal
não significa, que desde tempos muito recuados não tenham os homens criado as
suas associações para de forma mais racional e eficiente, prosseguirem a sua luta e
adaptação face ao meio ambiente que o rodeava e sobretudo para fazer face aos
instintos hegemónicos dos outros grupos humanos.
É que é a “presença ou a ausência da formação estatal que fornece a toda a
sociedade o seu elo lógico, que traça uma linha de irreversível descontinuidade
entre as sociedades. O aparecimento do estado realizou a grande divisão tipológica
entre selvagens e civilizados, e traçou uma indelével linha de separação além da
qual tudo mudou, pois o Tempo se torna História”.26
Segundo Engels, tempos houve em que a sociedade não conhecia Estado e tempos
virão em que ele deixará de existir. Concebido como instância autoritária, surge nos
braços da divisão social do trabalho, em consequência de uma apropriação privada
dos instrumentos produtivos e da correlativa divisão da sociedade em classes. As
classes tendem para o conflito aberto, inexpiável, ameaçando destruir a sociedade.
E o Estado, ao assegurar a ordem, garante e reforça ao mesmo tempo o predomínio
de uma delas. A saber: da que já for a classe economicamente dominante. Nesta
24 Ulmann, Walter. A History of Political Trought: the middle ages, op. cit. p. 206
25 Homem, António Pedro Barbas. 2006. O Espírito das Instituições: Um estudo de História do
Estado. Coimbra: Almedina, p. 41
26 Clastres, Pierre. 1990. A Sociedade contra o Estado. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
p. 141
17
ordem de ideias, «o Estado antigo era, antes de mais nada, o Estado dos
proprietários de escravos [...] como o Estado feudal foi o órgão da nobreza [...] e
como o Estado representativo moderno é o instrumento da exploração do trabalho
assalariado pelo capital»27
E, ao contrário do quer pretendia Marx, não é a infra-estrutura económica que
determina a grande alteração no quadro da humanidade, mas é a ruptura política, a
revolução política, o aparecimento do Estado quem promove a grande separação
entre povos primitivos e a civilização.
Segundo a teoria marxista, o Estado é o fruto das diferenças de riqueza entre os
homens e da divisão em classes, “a confissão de que a sociedade se embrenha numa
insolúvel contradição consigo própria, por se ter cindido em inconciliáveis
oposições que não consegue conjurar”.28 Donde a necessidade de um poder
separado e «superior», capaz de controlar o conflito, de o manter dentro dos limites
da ordem. Esse poder é o Estado “que nasce da sociedade, mas se lhe vai tornando
cada vez mais estrangeiro”29. Para Manuel Lucena é “Esta a essência. De um ponto
de vista descritivo, avultam em seguida três elementos constitutivos do Estado: a
territorialidade, que se substitui aos vínculos gentílicos do sangue como critério de
repartição dos súbditos; a instituição de uma força pública, «que não se compõe
apenas de homens armados, mas também de instrumentos materiais, prisões e
penitenciárias... que a sociedade gentílica ignorava completamente; e, enfim, a
percepção de impostos, também absolutamente desconhecidos da gens, mas
necessários à manutenção do novel aparelho de Estado”.30
27 Engels, F. A. 1954. Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Paris: Éd. Sociales,
pp. 84 e 91-9
28 Engels, F. A. 1954. Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, op. cit. 52
29 Engels, F. A. 1954. Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, op. cit. 52
30 Lucena, Manuel. 1976. Ensaios sobre o tema do Estado: Ensaio sobre a origem do Estado (i), op.
cit. 981
18
O aparecimento da política é que determina a existência e desenvolvimento do
conceito de Estado e nestes termos o seu baptismo resulta da evidência daquela.31
Maquiavel é segundo muitos, o seu primeiro caracterizador. Proclamando a
“separação radical da política e da moral corrente, a autonomia da política e a
sua prioridade: politica acima de tudo”32, de modo que “o pai da politica seria
também o pai do Estado.”33
A origem do conceito de política assenta também numa divergência teórica e
intelectual que coloca em confronto várias concepções históricas, ideológicas e
politicas. A expressão política teve os seus auspícios a partir do século XIII quando
o tratado de Aristóteles, Política começou a ser traduzido na versão latina.
Este Estado, que no principio confundia o seu património com o daqueles que
exerciam nele o poder político, que não distinguia a soberania e o território de forma
clara e que marcou a sociedade até que por força dos circunstanciais mecanismo da
evolução, começou a diferenciar o património do Estado face ao património do
governante, a acentuar o elemento soberania e a delimitação territorial, que
integrava um povo e costumes comuns ou de proximidade, transformando-se noutra
dimensão com exigências metodológicas e diferenciação funcionais cada vez mais
exigentes.
4. A administração e o Estado
4.1. A administração no Estado
- O Estado coloca a administração no centro do processo político.
- Variações ao longo da evolução do Estado.
A administração e o sistema representativo (principio democrático):
A acção administrativa é enquadrada e controlada pelos representantes da Nação
(Assembleias);
31 Vide, Maltez, José Adelino. 1991. Ensaio sobre o Problema do Estado: Da Razão de Estado ao
Estado-Razão. Tomo II. Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa
32 Chevalier, Jean Jacques. 1979. Histoire de la pensée politique. Paris: Payot, p. 224
33 Albuquerque, Martim de. Política, Moral e Direito na construção do conceito de Estado em
Portugal, op. cit. p. 164
19
A administração coloca-se sob a autoridade do executivo (governos)
Os serviços administrativos são dirigidos pelos eleitos (ministros)
As estruturas administrativas são parcialmente democráticas (colectividades locais,
institutos públicos)
Administração e aparelhos de coacção
Inclusão
Autonomização
Reciprocidade entre administração e justiça
Administração e exército como instituições distintas
4.2. A administração como aparelho do Estado
A administração como rosto do Estado. Órgão encarregado de assumir as funções
delegadas do Estado. Tal decorre do exercício da existência de Funções atribuídas
ao Estado. Estas funções são essencialmente, Simbólicas, pelas quais o interesse
geral e interesse colectivo da sociedade, identificação com o próprio Estado.
Funções de Dominação: preservação da coesão social e para a reprodução dos
equilíbrios sociais. E Funções de Regulação: Ajustamento de comportamentos e de
estratégias dos actores sociais, e pela mediação entre interesses particulares e
coelctivos.
Implementação do poder do Estado
4.3. A Administração Pública e o Estado
No contexto que temos vindo a analisar sobre a evolução do Estado, impõe-se
referir que a Administração Pública tem a sua história de forma indelével ligada à
evolução do Estado. Mais. A História da Administração Pública é uma parte da
história do Estado Moderno, o que significa que as condições que conduziram à
Administração Moderna não são passíveis de separação das condições do
aparecimento do Estado Moderno.
20
Vários factores são passíveis de enumerar para delimitar a manifestação de uma
dada administração pública. Em primeiro lugar, a centralização do território e com
ela a criação de maiores dimensões do território do Estado.
Em segundo lugar, pela necessidade de realização comum de tarefas permanentes
e relevantes. Neste sentido, encontram-se neste aspecto os grandes impérios
burocráticos da Mesopotâmia e do Egipto, para cuja manutenção se necessitava de
um grande aparelho administrativo. Também no império romano, se verificou o
desenvolvimento de uma grande administração articulada entre o aparelho militar
e a dimensão civil.
De igual modo ainda, na transição da época feudal para a idade moderna trouxe a
configuração de uma nova administração pública sobretudo pela criação de
exércitos permanentes e toda a logística que tinha associado, e bem assim em face
da necessidade do nascente Estado Moderno de exercer uma dominação mais
efectiva e mais centralizada sobre as forças e os mecanismos sociais, exercendo aí
de forma mais eficiente o seu poder. Neste contexto, a evolução da Administração
Pública também se encontra marcada pela própria evolução do Estado e dos seus
mecanismos de autoridade e poder. Com efeito, “tal como es conocido, los fines del
Estado se han ampliado gradualmente y para cumprirlos la Administración
también debía ampliarse. El rol estatal pasó de ser pasivo o no interventor en la
sociedad (en el Estado liberal), a tener un papel más activo y de presencia en la
misma (en el Estado social). De esta manera, el proceso de industrialización y más
aún, el Estado de Bienestar, contribuyó a que las necesidades sociales se
incrementaran y por consiguiente a que se crearan nuevos ministerios,
departamentos, oficinas administrativas, empresas públicas, empresas
semipúblicas, e incluso una red de organizaciones no estatales que participan en
la ejecución de políticas de Estado las cuales debían responder a las nuevas
necesidades de la sociedad”.34
Deste modo a génese da Administração Pública, evidencia a estreita conexão entre
o conceito de Estado e o de Sociedade no sentido em que esta trilogia, como lhe
podemos chamar, se desenvolveu historicamente em relação de proximidade e de
influência reciproca. O que significa que é no contexto do desenvolvimento do
34 BAENA DEL ALCAZAR, Mariano. 2005. Manual de Ciência de la Administración. Madrid:
Síntesis, p. 50
21
estado que a Administração Pública se foi criando e desenvolvendo e ao mesmo
tempo é esta Administração Pública que vai moldando e promovendo o
desenvolvimento do próprio Estado.
Mas, no contexto em que desenvolvemos estas considerações importa procurar
delimitar o conceito de Administração Pública definindo-o no sentido em que os
acompanhará ao longo deste texto e ao longo do processo de investigação e
leccionação.
O conceito de Administração Pública não é tarefa fácil, uma vez que implica um
variado número de actividades e de aplicações e integrada por uma diversidade de
indivíduos. A actividade da Administração Pública, encontra-se desde logo, na
disposição dos resíduos sólidos na gestão de grandes projectos tecnológicos, os seus
funcionários podem apresentar-se com grande especialização técnica enquanto
outros se apresentam com níveis de educação mais baixo, mas como refere
Rosembloom, conhecer o que faz a Administração Pública não resolve o problema
do seu conceito.35
Também Dwight Waldo um dos teóricos mais importantes da Administração
Pública apresenta uma definição sistémica que pode ter grande utilidade para a
formação de um conceito operacional e que nos permita entender o seu percurso.
Em primeiro lugar, e sobre uma discussão que todavia no está resolvida, Waldo
acrescenta que la Administração Pública foi tradicionalmente considerada como
ciência ou como arte. O tratamento que se faça da Administração Pública como
uma ou outra coisa, dependerá do enfoque a partir do qual se queira definir. Será
considerada como uma análise ou disciplina do ponto de vista da ciência ou como
um processo ou actividade a partir do ponto de vista que a considera uma arte.36
:::::::::
4.4. A evolução da Administração Pública em Portugal até à época feudal
35 Rosenbloom, David H. 1983. Public Administrative theory and the separation of powers.
American Society for Public Administration, vol. 43, núm. 3: 219-227
36 Waldo, Dwight. 1961. Estudio de la Administración Pública. Madrid: Aguilar, p. 30
22
A administração de uma forma geral pode encontrar-se desde os primórdios da vida
em sociedade, ainda que, até bastante tarde, a mesma se encontrasse confundida
com o governo ou executivo e com o aparelho judicial. Com efeito, os romanos já
usavam providências administrativas sobre a fazenda pública, tributos, caminhos e
rios públicos. Já organizavam os exércitos e definiam o modo de organização do
Império. Muitas das leis existentes, avulsas, no período romano, acabaram por ver
suspensa a sua vigência com as invasões dos povos germânicos, com excepção das
leis civis que integrando o Digesto, passaram a ser a lei dos novos povos. Para além
disto, os romanos assentavam a sua estrutura organizativa na família, a qual para
“além da realização das finalidades morais e educativas que cabem à família
moderna, realizava ainda as finalidades próprias de um Estado, quer no âmbito da
segurança, quer na satisfação regular das necessidades de bem-estar económico
dos seus componentes”37 motivo pelo qual se pode considerar que as funções das
famílias no sentido da organização a produção e distribuição dos frutos da
propriedade familiar, tais como as que visavam a garantia da sua defesa se
configuram “como funções ‘públicas’ ou melhor , funções de interesse colectivo
que estão na génese das funções públicas do Estado contemporâneo”.38
Com o desenvolvimento do estado romano e o seu crescimento populacional e
territorial, as funções de administração passaram a ser atribuídas a uma entidade
superior ao do pater famílias, o rei, cujas funções para além de políticas, eram
também legislativas, executivas e judiciais. Mas, a complexidade de tais funções
conduziu à necessidade da delegação de alguns poderes do rei para um conjunto de
cidadãos que reunidos em assembleia e em representação do rei exerciam algumas
funções judiciais, a cúria. Esta assume-se assim como a circunscrição político-
administrativa em que agrupava os cidadãos para o exercício das suas funções
militares e políticas. E, ao mesmo tempo, enquanto representante da polis, assume
em nome do rei um conjunto de outros poderes de índole militar, religioso e
37 Santos, António Pedro Ribeiros dos. 2007. As origens da Função Pública em Portugal. In Revista
de Estudos Políticos e Sociais, Lisboa: ISCSP-UTL. 1997, 1-2, p. 168
38 Santos, António Pedro Ribeiros dos. 2007. As origens da Função Pública em Portugal, op. cit.
168
23
políticos. A função pública, surge assim, como uma extensão dos poderes do rei em
virtude da complexidade da vida da polis.
Esta primeira fase, que se caracterizou de forma geral pela inexistência de um poder
central organizado, decorrente de uma grande anarquia social, desorganização
institucional e pouca clarificação no quadro da intervenção dos poderes públicos,
não existindo, por via disso, uma administração pública regular, ainda que como
vimos atrás, não possamos deixar de considerar a sua organização como a génese
da Administração Pública.
No que toca à sua influência sobre a Administração Pública portuguesa, impõe-se
referir que as raízes romanas em muito influíram na mesma. Com efeito, depois da
conquista e pacificação da Península Ibérica, cerca de do século 19 a. c. é tempo da
sua romanização e de lhe atribuir um conjunto de instituições que já eram
determinantes na Roma imperial. A organização burocrática começa a concretizar-
se, com a hierarquização dos funcionários, diferenciação funcional ao nível do
poder civil e militar e uma descentralização clara entre poder municipal e
centralizado, para além de uma bem estruturada divisão administrativa. A divisão
da península é feita em cinco províncias, Baetica, Lusitânia, Gallaecia,
Tarraconensis e Carthaginensis, cada uma delas governada por um Governador e
por uma Assembleia Provincial. Abaixo das províncias em termos de estrutura
hierárquica, surgem os conventos que tinham como funções a aplicação da justiça.
Com o advento do cristianismo os conventos são substituídos pelas Dioceses,
subordinadas ao praefectus governa um ‘vicarius’. Dentro de cada território
provincial coexistem vários tipos de cidades, que se distinguem consoante a sua
resistência ao invasor romano. Assim se designam de livres, estipendiárias e
urbanas ou rurais. São livres as que por um acto unilateral de Roma obtinham
isenção de pagamento de impostos e o reconhecimento da sua soberania, e as que
sendo mais poderosas e houvessem aceitado sem grande resistência a integração no
império conseguindo grande autonomia administrativa face a Roma, mediante um
tratado (foedus), e que adquiriam a designação de federadas. Estipendiárias eram
aquelas que por terem oferecido resistência a Roma e sido conquistadas com grande
violência, pagando pesados tributos a Roma.
24
Na escala mais elevada da hierarquia encontravam-se os magistrados militares que
detém o poder supremo militar. Nas prefeituras, governava um praefectus que
subordinado ao imperador assume poderes legislativos, judiciais e administrativos.
Para além das prefeituras, os romanos criavam cidades que designavam de colónias
e que seguiam de perto toda a estrutura organizacional de Roma, constituídas por
cidadãos romanos, legionários e outros que institucionalmente se organizavam
segundo as regras das cidades originais, assentes em rês órgãos: os magistrados, os
‘duoviri iure dicundo’ superintendendo no governo municipal e nas finanças e
tinham a seu cargo a justiça e os ‘duoviri aediles’ que tinham a seu cargo o governo
civil (obras públicas, polícia, mercados, aquedutos), um senado municipal e uma
assembleia popular.
De igual forma, as cidades indígenas às quais Roma outorgava o foro municipal,
mantinham a mesma divisão administrativa das colónias romanas, atribuindo aos
munícipes a cidadania romana atenuada ou plena consoante fosse municípios
latinos ou romanos.
A distinção entre colónia e município decorria de que a primeira era uma “cidade
fundada com cidadãos vindos de Roma ou do Lácio, enquanto o município
representava uma comunidade pré-existente, mas indígena, subordinada a
Roma”39, mas no decurso do Império e no que à Península Ibérica respeita, esta
diferença foi-se esbatendo, pelo que a designação de município passou a ser
atribuída a todas as cidades de tipo romano, cujos cidadãos tivessem os direitos dos
romanos ou dos latinos (município romano e município latino). A sua característica
principal “ era o reger-se segundo as leis romanas, administrando-se mediante
resoluções dos seus cidadãos tomadas nos comícios (que se reuniram até ao sec.
II) e dos decuriões na cúria, e elegendo os magistrados ou duúnviros”.40
Ora, é neste contexto, que os romanos na medida em que o império se vai
desenvolvendo e ao mesmo tempo crescendo em dimensão espacial, vão também
organizando a estrutura de poder e do próprio Estado, criando um conjunto de
39 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa.
(Organização e prefácio de Diogo Freitas do Amaral), Coimbra: Coimbra Editora, p. 325
40 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op. cit. P.
326
25
funcionários que dependentes do poder real, absoluto, centralizado e autocrático,
transmitido hereditariamente e onde o rei se identifica com Deus, numa dimensão
“dominus et deus”, e responsáveis perante ele como é evidente.
O desenvolvimento económico e social do Império conduz então a uma intervenção
maior do próprio Estado, no sentido em que “chama a si a satisfação de uma massa
de necessidades económicas e sociais, até então providas pela actividade
particular. Industriais e artífices, todos são funcionários…” 41.
Decorre então, que o funcionalismo público tem um forte incremento no Império,
o qual fica hierarquizado numa estrutura que tem no topo da pirâmide quatro
funcionários de primeira categoria, e que em conjunto com outros funcionários de
segunda categoria, constituíam o ‘Sacrum Consistorium’, sendo os principais
funcionários, o ‘questor sacri pallati’ que tinha a função jurídica de preparação dos
projectos de lei e de responder às consultas dirigidas ao imperador, o ‘magister
officiorum’ cujas funções eram a de gerir a organização interna do império bem
como as suas relações externas, o ‘comes sacrarum largitionum’ espécie de
ministro das finanças que administrava o tesouro público, e o ‘comes rerum
privatorum’ o encarregado de administrar a fortuna pessoal do imperador.
Com as invasões visigóticas, o fim do império romano e posteriormente as invasões
árabes vai verificar-se uma nova alteração do ponto de vista da estrutura da
administração na península ibérica. A anarquia, em muitos aspectos da vida social
era um dos aspectos mais comuns pelo que a Administração era em muitos casos
inexistente.
O contacto com as tradições e o direito romano e a sua consequente integração na
cultura visigótica, veio a traduzir-se no desenvolvimento de uma nova dimensão da
estrutura organizativa deste povo, quer do ponto de vista da organização do poder
central, quer do ponto de vista do poder local. Nestes termos, vai verificar-se desde
logo, uma alteração na estrutura do poder real, porquanto o rei, considerado como
um funcionário do povo e que tinha como funções a defesa e governo do reino com
41 Guedes, Armando Marques. 1954. A Concessão, Estudos de Direito, Ciência e Política
Administrativa. Lisboa, p. 30
26
justiça e protecção da Igreja, evolui para uma concepção de centralização da
estrutura do poder com o necessário fortalecimento do poder do rei.
No sentido de tal evolução, enfatiza-se o carácter electivo do rei, com o tempo
passou a integrar a associação dos seus filhos ao governo do reino para garantia da
sua sucessão. O que muito rapidamente se transformou em sistema hereditário a
sucessão no trono dos reis visigóticos.
No que respeita à administração central, era o rei quem assegurava o controlo da
administração central, coadjuvado por vários funcionários, que tomavam o nome
de ‘comes’ seguido da indicação do cargo, tais como, ‘comes notariorum’, espécie
de chanceler, ‘comes patrimonii’ para a gestão do património do reino, etc.
Já nesta organização visigótica, os reis asseguravam o conselho para a tomada de
decisões mais importantes, através de um conjunto de nobres, dignitários religiosos
e os funcionários mais importantes do reino, a que se deu o nome de Aula Régia e
mais tarde Cúria Régia.42
Quanto à administração local, encontramos também no período visigótico, um
conjunto de elementos que nos permitem entender como génese do poder municipal
em Portugal. Aliás, o poder local neste período adquire maior importância em face
das alterações introduzidas na administração do território por parte dos visigodos
em comparação com o tipo organizativo delimitado pelos romanos.
Os povos romanos tinham uma predilecção especial pelo meio rural em detrimento
do meio urbano. Com efeito, tais alterações, conduzem a “uma progressiva
importância da administração local, debilmente subordinada ao poder central, e a
uma concentração de atribuições administrativas, jurídicas e militares nas mãos
do mesmo funcionário da administração local”43, de modo que à frente da
“administração provincial encontrava-se um ‘dux’, ou mesmo um ‘comes’ (…)
consequência da perda de significado e de importância desta circunscrição”.44
42 Sobre esta temática debruçar-nos-emos mais tarde em pormenor, em capítulo e tema próprio.
43 Santos, António Pedro Ribeiros dos. 2007. As origens da Função Pública em Portugal, op. cit.
185
44 Santos, António Pedro Ribeiros dos. 2007. As origens da Função Pública em Portugal, op. cit.
185
27
Ao lado do conde, o mais alto funcionário da administração local desse tempo,
encontramos outro funcionário que o coadjuva nas suas funções, o ‘vicarius
comitis’, para além de outros que se atem a funções de natureza mais específica,
como sejam para a aplicação da justiça, o ‘iudices territorii’ ou o ‘iudices civitatis’.
As invasões muçulmanas trouxeram, no que à organização municipal respeita a sua
extinção não se encontrando no decurso do domínio deste povo qualquer referência.
As cidades, eram governadas por representantes do Califa, enquanto supremo juiz
na qualidade de sucessor do profeta, exercendo aí as funções sacerdotais de
aplicação do direito corânico.
A ocupação árabe trouxe um conjunto evidente de alterações no que se relaciona
com a organização administrativa, jurídica, social e económica da península. Desde
logo, do ponto de vista administrativo o sistema da territorialidade característico
dos visigodos foi suplantado pela perspectiva totalitária da organização árabe que
assentava exclusivamente no livro sagrado, o Corão, e que se destinava a reger
todos os aspectos da sociedade (ético, social, religioso, político e jurídico) e
permitindo apenas a integração plena em tal sociedade àqueles que aceitavam a
religião professada pelo Corão.
Ainda assim, os muçulmanos, deixaram do ponto de vista social a possibilidade de
convivência entre os povos peninsulares e eles próprios articulando-se no conjunto
de situação de aculturação que permitiram também à posteriori a manutenção de
algumas raízes históricas e tradições.
Do ponto de vista da sua estrutura administrativa, surgia no topo da pirâmide, o
Califa, cuja soberania decorria da determinação teocrática, considerados como
vigários enviados por Deus, abaixo do qual, se situa um primeiro-ministro ‘hachib’,
os ministros ‘vizires’, o chanceler ‘catib’, um conselho de vizires presidido pelo
primeiro-ministro e um conjunto de várias secretarias ‘diwan’.
Do ponto de vista da administração do território, o Califado divide-se em províncias
interiores ‘kuras’, províncias fronteiriças ou marcas ‘tagr’, sendo as primeiras
predominantemente de índole civil e as segundas de índole militar.
A cidade é o principal elemento da administração local, operando-se ai, grande
parte da actividade mercantil, e é governada por um ‘vali’, decorrendo daí todo um
sistema administrativo, integrado por um ‘cadi’ que administrava a justiça, e vários
28
juízes especiais em função da tipologia da justiça a aplicar, designados de
‘almotacé’, juiz do mercado e do policiamento económico e o ‘al-musrif’ ou
almoxarife para a cobrança de impostos.
A sucessão régia e as suas formas de desenvolvimento, ao longo dos primeiros
tempos de governação dos reis visigodos no decurso da reconquista cristã e depois
no decurso da formação do Estado português, teve também importância
fundamental na consolidação do poder, por um lado, e sobretudo, no
desenvolvimento da Administração Pública e de igual forma na capacidade de
exercício do poder conducente à sua centralização.
Uma das formas de escolha do rei desde os primórdios da governação visigótica,
foi a da eleição real tendo por base um determinado universo de eleitores, e limitado
poder de escolha, o que conduzia por norma a uma mescla entre eleição e
hereditariedade. Com efeito, a escolha apenas podia incidir sobre uma determinada
estirpe de eleitos e de igual modo, apenas uma mínima parte da população que
integrava a mesma estirpe podia promover a escolha. De tal modo, que em termos
de exemplo, no Sacro Império a eleição decorria de uma cooptação entre os
príncipes alemães, na Polónia só os membros de três casas nobres podiam ascender
ao Trono, e no Reino Visigótico só os membros da estirpe real podiam ser eleitos
reis.
A escolha real gerava de forma sistemática o aparecimento de facções e de conflitos,
o que na monarquia visigótica conduziu à sua destruição pelos mouros na sequência
de um tal conflito entre candidatos ao Trono - um dos quais não hesitou em chamar
em seu auxílio os berberes do Norte de África.
Era o critério do sangue que assumia, pois, o factor designativo da qualidade de
sucessível ao trono e só depois o povo (aqui entendido em sentido muito restrito)
podia proceder à escolha do seu efectivo representante, ou seja do príncipe que
exerceria o regímen politicum.
A hereditariedade foi outro dos sistemas de escolha real terminando como sistema
de sucessão e como reacção aos conflitos que os sistemas eleitorais geravam, ou
aos que se manifestavam quando a realeza era ocupada pelo nobre, ou pelo chefe
de clan, que dispusesse de mais força. Frequentemente a sucessão transformava-se
29
num longo período de lutas, em que o candidato mais forte eliminava os
concorrentes, e até por vezes as suas famílias.
Estes dois princípios de escolha dos governantes, acabariam por influenciar
directamente os reinos peninsulares durante a Reconquista, ficando evidente o
“vestígio do velho direito de sangue, a designação de rei e rainha aplicada a
membros de estirpe régia. Rainhas são ainda, entre nós, por exemplo, sem terem
cingido qualquer coroa, as filhas dos primeiros monarcas. Vemos também a
transmissão do trono dentro da estirpe real, mas nem sempre por forma
hereditária.”45
A fase da administração municipalista tem início no período da reconquista cristã e
assenta nas dinâmicas territoriais e sociais que esta vem implementar no âmbito
peninsular. O movimento da reconquista, tem na sua base toda uma nova dimensão
organizativa, política, jurídica e social que impõe também novas forma de
organização. Por um lado, porque o poder real vai sair reforçado de todo este
movimento, como aliás não podia deixar de ser, porquanto a iniciativa da guerra
aos mouros dependia daquela iniciativa, e por outro lado, porque a transição de
monarquia electiva para monárquica hereditária se vai constituir a partir daqui.
4.5. O Estado Feudal e a (re) descoberta da Administração Pública
O desenvolvimento do feudalismo, cuja estrutura do Estado, passa a caracterizar-se
pela existência de um grande número de pequenos estados e com um poder político
atomizado, onde a guerra existia como a principal profissão das elites
nobiliárquicas, conduziria também à consolidação da monarquia portuguesa. Neste
novo período, um dos aspectosconsolidou-se, já iam avançados os alvores do
feudalismo, e todas as instituições existentes eram fundadas na posse da terra: o que
era senhor da terra era também senhor das respectivas pessoas. Assim, a condição
social de cada um, dependia da sua relação com a terra. O senhor, detentor da terra
e das pessoas, era assim, o Administrador e o governo dela e das pessoas. E
nomeava também as autoridades que em cada terra a governariam. E, de igual
forma, os reis nomeavam as suas autoridades em face da posse de terras, mas tinham
45 Albuquerque, Ruy e Albuquerque, Martim. 1999. História do Direito Português, op. cit. p. 529
30
reduzida capacidade para nomear magistrados para os domínios dos restantes
senhores, fazendo-o por isso, excepcionalmente quando se tratava de administrar a
justiça nesses domínios, nomeadamente, meirinhos mores, regedores de justiça,
vedores, corregedores de justiça, etc.
O caso específico de Portugal, é o de que desde o início da sua monarquia e
constituição como reino independente, começou por escolher e impor o modelo da
sucessão hereditária, como ficou desde logo definido da Bula que reconhece o reino
e que afirma o princípio da hereditariedade e de igual forma a posição de Sancho I,
nos últimos anos do reinado de Afonso Henriques como consors regni, ou seja,
como co-regente.
Ainda assim, como forma de acautelar a sucessão os primeiros reis, Sancho I,
Afonso II e Sancho II, não deixaram de regular cuidadosamente nos seus
testamentos a sucessão no trono real. Só depois destes, talvez por ficar já claro, o
princípio dominante, os sucessivos reis deixaram de regular de forma testamental a
sua sucessão.
A época feudal, no que ao caso português e peninsular respeita, apenas se inscreve
de forma clara, a partir da reconquista cristã. Talvez por isso, ao contrário do que
sucedeu em outros estados da Europa, os pressupostos caracterizadores do Estado
feudal, nem sempre se tenham feito sentir com a mesma preponderância com que
aconteceu naqueles. Pode, em conformidade com a maioria dos estudiosos sobre o
assunto, concluir-se que a época feudal em Portugal é muito atenuada face ao
contexto europeu, e muitas das características definidoras do período acabaram por
não fazer-se sentir no reino portucalense ou se fizeram a sua aparição fizeram-no
de forma atenuada.
No tempo que marca o período entre a formação do estado português e a sua
consolidação e que termina com a transição para o Estado moderno, a administração
pública nacional vai desenvolver-se tendo por base a dicotomia entre a dimensão
central dessa administração e a sua dimensão local. Com efeito, a intervenção régia
vai fazer-se em dois sentidos. Em primeiro lugar pela consolidação do poder rei e
pela criação de estruturas que permitam a sua centralização, como sejam a captura
do aparelho judicial e a aplicação da justiça, a organização administrativa da corte
e do país e pelo desenvolvimento do sistema fiscal pela via da cobrança de tributos.
Em segundo lugar, e como já se verificava desde o tempo da reconquista, o rei vai
31
também descentralizar o seu poder atribuindo perifericamente o estatuto de
administração aos poderes locais sobretudo as estruturas municipais e concelhias.
Com efeito, decorrente de uma maior organização social e do Estado os municípios
passaram a assumir uma importância determinante no seu contexto e muitas vezes
arrogando cada um deles, uma grande dose de soberania face ao poder do Estado.
Esta alteração vai ter reflexos evidentes em toda a organização do Estado e
sobretudo na organização funcional local e central, na confusão entre património
do rei e do reino, passando este a ser concebido como passível de transmissão
hereditária, na atribuição de privilégios aos senhores feudais e aos altos
representantes do clero. Daqui decorrem novos nexos de ligação entre o rei e os
súbditos que conduzem a novos laços de soberania entre eles.
Também as novas funções atribuídas às estruturas da administração são
desenvolvidas e criadas outras, nomeadamente funções consultivas atribuídas à
Cúria Régia como veremos adiante.
4.6. A modernidade dos Estados e a nova arquitectura do poder
O nascimento do Estado Moderno é caracterizado por um conjunto de
circunstâncias que promovem a ruptura com o Estado feudal, alterando de forma
radical os pressupostos em que este último assentava e determinava de igual forma
a relação entre os indivíduos, a sociedade em que se integravam e as instituições.
Uma dessas circunstâncias é o aparecimento da dimensão individualista que destrói
de forma radical a ideia de ordem social e política que caracterizava a época feudal.
Tal ideia, consubstanciava-se na perspectiva de que a organização política decorria
da vontade de Deus e por conseguinte fixadas as regras pela ordem natural. Pelo
que “o individuo não estava, assim, na origem da constituição política ou da
organização social; era esta, pelo contrário, que lhe atribuía um determinado
papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres”.46
Ora, a dimensão individualista, colocando o Homem no centro do mundo e que toda
a dimensão política depende da sua vontade põe em causa o equilíbrio tradicional
da sociedade anterior. E, por esse motivo, a constituição da sociedade decorre de
46 Hespanha, A. Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna, … p. 2
32
um pacto ou contrato cujas cláusulas dependem em exclusivo das partes. De igual
forma, todas as relações sociais passam a ser entendidas como sendo passíveis de
modificação por iniciativa das partes.
É neste contexto, que o Estado Moderno se vai concretizando, atribuindo à noção
de “Estado” uma importância decisiva e determinante no desenvolvimento das
sociedades humanas. O Estado, passa a ser o resultado de uma organização do poder
caracterizada pela racionalidade, generalidade e abstração, na qual, a primeira das
características consistia numa forma racional de organizar a sociedade, a segunda
como uma forma abstracta e geral de regular a dimensão social e finalmente um
modelo impessoal de participação política.47
Para além desta dimensão do Estado do ponto de vista da estrutura do poder,
também o novo modelo de Estado tem origem num “Estado de monopolização
muito definido. O individuo foi despojado do direito de dispor livremente dos meios
do poder militar que está reservado a uma autoridade central, qualquer que seja a
sua forma”.48 E de igual modo, também a cobrança de impostos sobre os bens ou
sobre o rendimento de cada pessoa está igualmente concentrado nas mãos de uma
autoridade central da sociedade estabelecido que fica o monopólio do militar e
fiscal “as lutas sociais já não visam a eliminação do monopólio de soberania, mas
sim decidir quem deve dispor do sistema de monopólio, onde recrutar os seus
elementos e como distribuir os respectivos encargos e lucros. É com a formação d
etal monopólio permanente, detido pela autoridade central e de um tal sistema de
soberania especializado que as unidades de soberania adquirem o caracter de
«Estados» ”49. O Estado, assume assim um conjunto de ideias força que o
caracterizam de forma determinante, como sejam a separação do público do
privado, a autoridade da propriedade e a política da economia. A promoção da
concentração de poderes num só polo, eliminando o plenamismo político, e o
Estado instituiu um modelo racional de governo.
47 Vide, Weber, Max, Economia e Sociedade…
48 Elias, Norberto. 1990. O Processo civilizacional. Lisboa: D. Quixote, p. 93
49 Idem. p. .94
33
O Estado moderno, tem no entender da maioria dos autores, foros de identidade a
partir do século XIII, fazendo a sua aparição na Europa dos Estados.
……
E que este vínculo eminentemente privado, se vai diluindo à medida que se avança
em direcção à Idade Moderna. Nos primórdios desta, inicia-se então a transição
para a manifestação de vínculos públicos que ligam os indivíduos ao centro político
da comunidade passando a concretizar-se na figura do cidadão, o qual, tem face aos
titulares do poder, direitos e deveres provenientes da sua posição natural dentro da
comunidade. E, é nesta dimensão que o Estado, se vai assumir como o “único corpo
público que vive nas suas próprias leis e na sua própria substância intrínseca”50.
Com efeito, terão sido as transformações do direito público a conduzir ao respeito
dos princípios fundamentais do direito privado e, nesta medida, as “nossas
jurisdições estatais e da igreja e a imposição de modelos de conduta social,
procuram o respeito por aquelas regras essenciais do direito privado, em especial
do direito da família (casamento tridentino) e das obrigações (principio da culpa e
obrigações do foro da consciência) ”51.
De outro lado, o nascimento do Estado moderno, “encontra-se ligado à crise da
sociedade no século XVI, em consequência dos descobrimentos e da reforma
religiosa. A disciplina imposta pela Igreja estava a ser colocada em causas e a
autoridade da casa já não era capaz de impor a disciplina, no momento em que as
relações sociais pareciam seguir novos modelos: o Estado tornou-se necessário
neste momento para restabelecer a ordem e disciplina sociais. Disciplina que é
imperativa para os reis, juízes, funcionários, etc”52.
É neste contexto que o Estado em Portugal também vai seguindo o seu caminho.
Se, no decurso dos séculos XII a XV, ele assenta numa perspectiva atomística, com
um poder político difuso, assente numa dimensão de força e de capacidade para os
50 Ulmann, Walter, A History of Political Trought: the middle ages, op. cit. p. 206
51 Homem, António Pedro Barbas, O Espírito das Instituições. Um estudo de História do Estado,
Coimbra, Almedina, 2006, p. 41
52 Homem, António Pedro Barbas, O Espírito das Instituições. Um estudo de História do Estado,. p.
42
34
eu uso, numa comunidade de interesses e de cultura próximas, ainda que em
construção e em crescimento, motivo pelo qual se pode entender a sua relativa
predominância na esfera pública, já a partir do século XVI se evidencia com clareza
a mudança a que se assistirá a partir daí.
O novo Estado adquire, por força das alterações sociais, políticas, culturais e
sobretudo económicas, uma dimensão claramente diferente. Já não assegura uma
certa hierarquia de poderes, mas assume-se como o poder. Não assenta na
atomicidade, mas ajusta-se no sentido do núcleo centralizado do poder. Já não
assegura apenas uma certa dimensão geográfica, mas passa a consagrar um
elemento aglutinador de uma comunidade dentro de um território, com uma cultura
própria e com uma dimensão social e política também específica.
A crise de 1383-85 consubstanciou de forma evidente esta dinâmica cultural, social
e económica, distinguindo o contexto povo e determinando a circunstância território
como elemento fundamental de tal povo e a natureza do novo Estado, ficará aqui
bem delimitada.
O Estado moderno é caracterizado por dois tipos de processos.
Um dos processos é o da institucionalização, no sentido em que as suas funções são
organizadas de forma estável, traduzindo-se assim, na emergência de uma entidade
abstracta, na transformação do status dos governantes (órgãos do estado que
exercem o poder em seu nome), na subordinação ao direito, na transformação do
poder em autoridade e na existência de um aparelho estruturado e coerente de
dominação, pelo monopólio da violência legítima53, de que decorrem em três
aspectos principais, o poder de coacção legal, a possibilidade de uso da força física
e o monopólio do uso da força e da coacção,
O outro processo é o da autonomização, na medida em que se verifica uma
delimitação uma delimitação das suas funções colectivas.
A monarquia portuguesa, consolidou-se, já iam avançados os alvores do
feudalismo, e todas as instituições existentes eram fundadas na posse da terra: o que
era senhor da terra era também senhor das respectivas pessoas. Assim, a condição
social de cada um, dependia da sua relação com a terra. O senhor, detentor da terra
53 Max Weber e Norbert Elias
35
e das pessoas, era assim, o Administrador e o governo dela e das pessoas. E
nomeava também as autoridades que em cada terra a governariam. E, de igual
forma, os reis nomeavam as suas autoridades em face da posse de terras, mas tinham
reduzida capacidade para nomear magistrados para os domínios dos restantes
senhores, fazendo-o por isso, excepcionalmente quando se tratava de administrar a
justiça nesses domínios, nomeadamente, meirinhos mores, regedores de justiça,
vedores, corregedores de justiça, etc.
A sucessão régia e as suas formas de desenvolvimento, ao longo dos primeiros
tempos de governação dos reis visigodos no decurso da reconquista cristã e depois
no decurso da formação do Estado português, teve também importância
fundamental na consolidação do poder, por um lado, e sobretudo, no
desenvolvimento da Administração Pública e de igual forma na capacidade de
exercício do poder conducente à sua centralização.
Uma das formas de escolha do rei desde os primórdios da governação visigótica,
foi a da eleição real tendo por base um determinado universo de eleitores, e limitado
poder de escolha, o que conduzia por norma a uma mescla entre eleição e
hereditariedade. Com efeito, a escolha apenas podia incidir sobre uma determinada
estirpe de eleitos e de igual modo, apenas uma mínima parte da população que
integrava a mesma estirpe podia promover a escolha. De tal modo, que em termos
de exemplo, no Sacro Império a eleição decorria de uma cooptação entre os
príncipes alemães, na Polónia só os membros de três casas nobres podiam ascender
ao Trono, e no Reino Visigótico só os membros da estirpe real podiam ser eleitos
reis.
A escolha real gerava de forma sistemática o aparecimento de facções e de conflitos,
o que na monarquia visigótica conduziu à sua destruição pelos mouros na sequência
de um tal conflito entre candidatos ao Trono - um dos quais não hesitou em chamar
em seu auxílio os berberes do Norte de África.
Era o critério do sangue que assumia, pois, o factor designativo da qualidade de
sucessível ao trono e só depois o povo (aqui entendido em sentido muito restrito)
podia proceder à escolha do seu efectivo representante, ou seja do príncipe que
exerceria o regímen politicum.
36
A hereditariedade foi outro dos sistemas de escolha real terminando como sistema
de sucessão e como reacção aos conflitos que os sistemas eleitorais geravam, ou
aos que se manifestavam quando a realeza era ocupada pelo nobre, ou pelo chefe
de clan, que dispusesse de mais força. Frequentemente a sucessão transformava-se
num longo período de lutas, em que o candidato mais forte eliminava os
concorrentes, e até por vezes as suas famílias.
Estes dois princípios de escolha dos governantes, acabariam por influenciar
directamente os reinos peninsulares durante a Reconquista, ficando evidente o
“vestígio do velho direito de sangue, a designação de rei e rainha aplicada a
membros de estirpe régia. Rainhas são ainda, entre nós, por exemplo, sem terem
cingido qualquer coroa, as filhas dos primeiros monarcas. Vemos também a
transmissão do trono dentro da estirpe real, mas nem sempre por forma
hereditária.”54
O caso específico de Portugal, é o de que desde o início da sua monarquia e
constituição como reino independente, começou por escolher e impor o modelo da
sucessão hereditária, como ficou desde logo definido da Bula que reconhece o reino
e que afirma o princípio da hereditariedade e de igual forma a posição de Sancho I,
nos últimos anos do reinado de Afonso Henriques como consors regni, ou seja,
como co-regente.
Ainda assim, como forma de acautelar a sucessão os primeiros reis, Sancho I,
Afonso II e Sancho II, não deixaram de regular cuidadosamente nos seus
testamentos a sucessão no trono real. Só depois destes, talvez por ficar já claro, o
princípio dominante, os sucessivos reis deixaram de regular de forma testamental a
sua sucessão.
Esta a situação até ao reinado de D. João I, quando este mesmo rei, aproveitando o
posicionamento de muitos nobres favoráveis a Castela, iniciou o estabelecimento
do poder central com uma supremacia sobre os restantes.
Com D. João II, fica clara esta tendência de centralização do poder, com a redução
do poder da aristocracia e da criação de um exército permanente e de uma estrutura
administrativa superior.
54 Albuquerque, Ruy e Albuquerque, Martim. 1999. História do Direito Português, op. cit. p. 529
37
Os monarcas nacionais iniciam então o processo objectivo de controlo do Poder e
a chamar para si a capacidade de nomear os seus representantes em todas as
estruturas administrativas, jurídicas e financeiras criando um corpo de funcionários
públicos para os quais se definem regras, normas e procedimentos cada vez mais
eficazes e funcionais. A componente burocrática, adquire cada vez uma maior
importância. É a nomeação de funcionários régios, como os Corregedores, os
Provedores e os Juízes de Fora que identificam este desenvolvimento e
concretização burocrática. No entanto, e apesar de todas estas alterações, continuou
a administração a ser confundida com a justiça: aos corregedores incumbia a
política e parte da administração da fazenda; aos provedores a administração da
fazenda, mas também a administração e fiscalização dos hospitais e confrarias, os
juízes de fora, continuam a dividir com os juízes ordinários a intervenção jurídica,
principalmente no julgamento das causas em primeira instância, e também intervêm
de forma sistemática na presidência dos municípios regulando assim o poder
concelhio.
O Poder municipal, por sua vez, não conseguia autonomizar-se face do poder
central régio, sobretudo, porque em muitos dos municípios ainda que tendo a sua
estrutura organizativa eleita, o seu Presidente decorria da intervenção e nomeação
régia, o Juiz de Fora.
Com o Marquês de Pombal no poder ficou clara a intenção, em muitos dos casos
conseguida, da alteração da administração do reino. Manteve-se, todavia, alguma
confusão na dinâmica da intervenção administrativa. Os corregedores continuaram
a desempenhar funções de polícia, os procuradores continuaram com as suas antigas
funções e os juízes de fora, continuaram a ser os presidentes dos municípios. A
grande alteração, contudo, consistiu na criação de autoridades administrativas
centrais, atribuindo maior força ao poder central.
38
Bibliografia Aconselhada
Albuquerque, Martim de. 1983. Política, Moral e Direito na construção do
conceito de Estado em Portugal. in Estudos de Cultura Portuguesa, 1.º Volume.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Albuquerque, Ruy de e Albuquerque, Martim de. 1999. História do Direito
Português (1140-1415). Lisboa: PF
Almond, Gabriel e Coleman, James. 1960. The Politics of Developing Areas.
Princepton, New Jersey: Princepton University Press
Balandier, Georges. 1987. Antropologia Política. 2.ª Edição. Lisboa: Editorial
Presença
Bugallo, Alexandre. 1988. Secularização das Estruturas da Igreja e Sacralização do
Poder. In Moreira, Adriano et al. Legado Político do Ocidente: O Homem e o
Estado. Lisboa: Academia Internacional da Cultura Portuguesa
Chevalier, Jean Jacques. 1979. Histoire de la pensée politique. Paris: Payot
Clastres, Pierre. 1990. A Sociedade contra o Estado. 5ª Edição. Rio de Janeiro:
Francisco Alves
Engels, F. A. 1954. Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Paris:
Éd. Sociales
Freund, Julien. 1985. L’Essence du Politique, Paris, Bergeron, G. 1965.
Fonctionnement de l’Etat, Paris,
Hauriou, Maurice. 1925. La Théorie de L’Instituition et de la Foundation. In
Cahiers de La Nouvelle Journée. n. º 4. Blond et Gay
Hespanha, António Manuel. 1994. As vésperas do Leviathan: Instituições e poder
político, Portugal séc. XVII. Coimbra: Almedina
Homem, António Pedro Barbas. 2006. O Espírito das Instituições: Um estudo de
História do Estado. Coimbra: Almedina
La Palombara, Joseph. 1963. Bureacracy and Political Developement.
Lara, António C. A. Sousa. 1987. A Subversão do Estado. Lisboa: ISCSP
39
Lucena, Manuel. 1976. Ensaios sobre o tema do Estado: Ensaio sobre a origem do
Estado (i). in Análise Social, vol. XII (48), 4.°, 917-981
Maltez, José Adelino. 1991. Ensaio sobre o Problema do Estado: Da Razão de
Estado ao Estado-Razão. Tomo I. Lisboa: Academia Internacional da Cultura
Portuguesa
Máspetiol, Roland de. 1951. Qu’est ce que l’État? In Revue Politique et
Parlamentaire. Dez.
Moreira, Adriano. 1984. Ciência Política. Reimpressão. Coimbra: Almedina
Nadel, S.F. 1951. The Foundation of Social Anthropology
Ulmann, Walter. 1975. A History of Political Trought: the middle ages. Peguin
Books
40
II. O ADVENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM PORTUGAL
5. As raízes históricas da Administração Pública
5.2. A organização político-administrativa dos primitivos povos peninsulares
A diversidade da península: Iberos (a mais antiga raça migrante) e Celtas
(invadiram a península cerca dos séc. VI ou V A.C e introduziram a civilização do
ferro). Os Celtiberos (discussão da sua génese. Fusão ou mescla dos iberos com os
celtas. Um dos grupos mais importantes da península). Os Tartéssios (Povo mais
culto e avançado da Península. Estabelecidos ao Sul, na região delimitada pelo
Guadiana. Dentre estes destacavam-se os Turdetanos que ocupavam a parte baixa
da bacia do baixo Guadalquivir. Os Calaicos (com significativa expansão cultural).
As colonizações estrangeiras. Os Fenícios (povo comerciante e navegador da Ásia
Menos e com hegemonia mercantil do mediterrâneo); Os Gregos (sec. VII A.C.,
com motivos económicos e comerciais); Cartagineses (oriundos de Cartágo, uma
das cidades mais ricas e fortes da época. Luta pela hegemonia com os fenícios, quer
pela via armada quer através da fundação de colónias).
Os Lusitanos. (a mais poderosa das nações ibéricas; elemento fundamental,
permanente e característico da evolução social do território nacional).
5.3. Organização política.
Ausência de unidade política do território peninsular; divisões em face dos grupos
e dentro dos próprios grupos. Base de organização social: a cidade (pequeno Estado
aristocrático constituído por uma povoação principal, bem fortificada e por um
grupo de povoações mais pequenas, construídas ao redor dela (duns ou briga ou
castra). Dentro da cidade agrupamento em famílias do tipo monogâmico e
patriarcal, cujo chefe exercia poderes políticos, religiosos e judiciais. As famílias
constituem-se em gentilidades (agrupamentos de famílias vinculadas por laços de
consanguinidade; identificadas no culto religioso e na chefia política, com normas
de direito próprias). As cidades agrupavam-se em tribos (cada uma das quais tinha
o seu governo, quase sempre monárquico). Os Lusitanos terão criado uma
confederação de tribos (agrupamento de tribos sob a autoridade de um chefe a quem
os reis das tribos prestavam vassalagem). As classes sociais. As classes sociais:
homens-livres – com personalidade jurídica -, e servos – considerados coisas e logo
41
objectos de direitos -). Os homens-livres, distinguem-se por uma classe privilegiada
(mais poderosos) e pela maioria da população livre (condição económica e social,
variava de caso para caso; Lusitanos concediam tratamento especial aos anciãos).
A clientela (as populações em face das dificuldades económicas, abrigavam-se sob
os mais poderosos (o patrono que dispensava protecção económica e pessoal ao
cliente, o qual se obrigava a absoluta fidelidade e submissão); A devotio, (forma
especifica de clientela), o cliente (devotius) obrigava-se a seguir o patrono na guerra
e consagrava a sua vida a uma divindade para que esta a aceitasse em vez da do
patrono. Morrendo o patrono em combate o devotius devia suicidar-se.
5.4. O período romano e a evolução do sistema político-administrativo
5.4.1. A conquista.
1.ª Fase: A conquista. Das primeiras lutas á expedição de Décimo Júnio Bruto –
137 A.C. Confederação das tribos lusitanas chefiadas por Viriato. 2.ª Fase: A partir
de 137 A. C. Tentativa de exploração das riquezas locais. Sertório (72 A.C.). 3.ª
Fase: César e o fim da resistência. Conclusão da conquista e pacificação da
Península.
5.4.2. Assimilação (Romanização).
Legiões romanas de ocupação (instalação em terras conquistadas as quais
cultivavam). Construção de obras públicas (estradas, pontes e viadutos).
Funcionários administrativos e colonos. Recrutamento de auxiliares lusitanos para
as tropas imperiais. Culto do imperador (imposto a todos os cidadãos e súbditos).
A difusão do cristianismo. O elemento jurídico: concessão da latinidade (Traduzida
na concessão de benefícios excepcionais e regalias aos nativos, ius commercii
(aplicação do direito romano a todas as transações económicas), e a possibilidade
de concessão de cidadania romana). Não era no entanto, concedido o ius connubii
(permissão de contrair casamento e constituir família nos termos do ius civile) e a
concessão da cidadania (generalização da cidadania romana a todos os nativos de
condição livre, a partir de Caracala (212). As províncias: territórios fora de Itália
submetidos à jurisdição de um magistrado “cum imperium” (poder administrativo,
judicial e militar). Da sua administração. O Governador (representante directo do
Imperador e suprema autoridade militar, administrativa e da fazenda). A
42
Assembleia Provincial (celebrada anualmente na capital de cada província.
Constituída por delegados (legati) das suas diversas comunidades. Administração
da justiça: O governador administra a justiça aos cidadãos e não cidadãos (sobre
estes tem jurisdição limitada). O Conventus juridici: local onde o Governador
administra periodicamente a justiça em público, acompanhado pelos seus
conselheiros e assessores. As cidades das províncias. Comunidades políticas
indígenas dotadas de governo e leis próprias. Urbanas e rurais. As cidades
estipendiárias (conquistadas violentamente, por occupatio bellica e aquelas que
ainda que tendo resistido negociavam a tempo). As Cidades livres (comunidades
urbanas que se governavam sob a forma republicana, conservando a sua autonomia
legislativa e institucional. As colónias (organizadas pelo modelo de Roma ou das
cidades latinas, e cujos cidadãos tinham a cidadania de Roma ou o direito dos
latinos). Os municípios (cidades indígenas acolhidas na comunidade romana)
5.5. A administração visigótica
5.5.1. As invasões germânicas.
Povo de raça indo-europeia proveniente da Ásia e da Europa Central, fixado nas
margens do Mar Báltico (Zona da Dinamarca, Sul da Suécia e na região alemã de
Schleswig-Holstein). Primeira migração em direcção ao Norte, ocupando toda a
península Escandinávia e depois Europa Oriental. Distinção entre Germanos
Antigos ou Ocidentais (Francos, Suevos, Bávaros, Alamanos, Turíngios, Saxões,
etc.) e Germanos do Norte (Suecos, Dinamarqueses, Islandeses, Noruegueses).
Invasão do império romano como processo de infiltração lenta. Causas: Motivos
económicos (acréscimo populacional e necessidade de bens alimentares); carácter
guerreiro e aventureiro; decadência económica, institucional e política do Império
Romano. Invasão de 406 chega à península ibérica. Suevos ficam sozinhos na
Península (norte do Douro, Minho e Galiza). Os Visigodos. Vários períodos no
estabelecimento em Portugal. Só a partir de 467 se estabelecem em definitivo na
Península, sob o domínio de Eurico. Mas é com Leovigildo a partir de 558 que o
domínio da Península se faz efetivamente.
5.5.2. Os Visigodos
43
Vários períodos no estabelecimento em Portugal. Só a partir de 467 se estabelecem
em definitivo na Península, sob o domínio de Eurico. Mas é com Leovigildo a partir
de 558 que o domínio da Península se faz efetivamente.
As instituições políticas. Instituições jurídicas deixadas pelos Visigodos: Código de
Eurico. Breviário de Alarico. Código revisto de Leovigildo. O Código Visigótico:
Princípio da personalidade, segundo a qual o código de Eurico seria aplicado apenas
às populações visigodas, enquanto á população romana se aplicaria o Breviário de
Alarico, e da territorialidade, sustentando-se que se aplicava a todas as populações
senhoriadas por Eurico e sucessores. As teses mais recente (Garcia-Gallo entre
outros) vão no sentido de considerar que as diversas leis visigóticas têm todas
aplicação territorial, enquanto para outros (Paulo Mêrea) consideram como
predominante a aplicação segundo o princípio da personalidade.
A civitas visigótica: a. Comunidade de homens do mesmo sangue que se organizam
para a aventura e para a guerra sob a chefia de um príncipe; b. Unidos pela
obediência ao mesmo chefe. c. A Assembleia ou concilium civitatis. O Estado
visigótico na península. Mescla entre o originário estado e o resultante do contacto
com o Estado Romano.
5.5.3. Administração e organização social e territorial.
O rei e respectivos poderes: chefe militar e chefe religioso (até à conversão ao
catolicismo). Legislador e administrador da justiça. Superintendente em todos os
negócios do governo e da administração. Limites do poder real: acatar as leis; a
procura do bem comum; influência moral e poderio da nobreza e do clero.
Monarquia electiva (entre os membros de certa e determinada família).
Os povos Germanos não se encontravam no mesmo estádio da evolução, se
comparado com os romanos, ainda que o funcionamento das assembleias populares
germânicas representassem um progresso, já que elas constituíam o «órgão
soberano» O conselho dos chefes não podia deixar de lhes submeter todos os
assuntos importantes, residindo nela o poder judicial.
Entre os Germanos, o Estado nasce directamente da conquista de vastos territórios
estrangeiros, pelo que á cabeça dos organismos romanos da administração local, era
preciso colocar um substituto do Estado romano, o qual não podia ser senão um
outro Estado.
44
5.5.4. A intervenção do Clero.
As funções dos concílios. Os Concílios (assembleia de bispos diocesanos e de
outras dignidades eclesiásticas dotadas de jurisdição reunida para tratar de pontos
de fé, moral e de disciplina eclesiástica). Da sua importância (afastamento de Roma,
criando a necessidade de uma discussão sobre a moral, as leis eclesiásticas
(cânones) para as províncias ou para a Nação. O IV Concílio de Toledo - 633 – e V
Concilio – 636 – com objectivo para moralização da vida pública.
5.5.5. Órgãos legislativos da monarquia visigótica. As províncias. Divisão
romana. O dux (administrador de cada província). O território (zona territorial
circundante de uma cidade governada pelo comes civitatis). As cidades e distritos
rurais. A perda de importância e descrédito no período visigótico.
5.6. As invasões muçulmanas
A conquista da península. O corão: código político, moral e jurídico. A guerra santa.
Os moçárabes e os renegados. As várias fases da organização muçulmana.
Província do califado de Bagdad, com governo de um vali nomeado pelo Emir;
monarquia independente- sultão-, desde 755; cisão em muitos e pequenos reinos e
principados independentes; monarquia unitária.
A administração. Califa, como supremo juiz na qualidade de sucessor do profeta.
Cadi, o juiz ordinário e vários juízes especiais. Direito com carácter muito especial:
totalitário e religioso. Cristão e judeus. A conversão ao islamismo dos cristãos. A
possibilidade de manutenção do credo religioso pelos judeus mediante a condição
de protegidos do islão.
45
Motivo pelo qual, foi possível a aceitação do que chamavam ‘os infiéis do livro’,
ou seja aqueles que professando a religião católica e seguidores da Bíblia (cristãos
e judeus), não se lhes movendo perseguição, desde que se submetessem, e
aceitassem o pagamento ao Estado de tributos sobre as suas pessoas, a ‘jizia’ e sobre
os seus bens fundiários a ‘kharadi’, sendo este último tanto mais gravosos quanto
maior a resistência oferecida.
Esta situação evidenciava também a possibilidade da existência de fenómenos de
aculturação “provocados sobretudo pelo convívio da vida rural, onde cristãos se
mesclaram com árabes, adoptando trajes, usos e até a língua dos dominadores: são
os moçárabes, aos quais lhes é permitido continuarem a reger-se pelas leis cristãs e
a manterem as suas autoridades, e os renegados, que por terem abraçado a religião
muçulmana eram completamente integrados na sociedade islâmica”55
6. A reconquista cristã e a organização política e administrativa do
território peninsular.
6.1. A Monarquia leonesa e o Condado Portucalense.
O reino das Astúrias. Na ressaca das invasões muçulmanas, os Visigodos, sob o
comando de Pelágio, deslocam-se e refugiam-se nas Astúrias. Destas montanhas no
norte peninsular o reino visigodo e iniciam a reconquista.
É com Afonso I, genro de Pelágio, que após a morte deste lhe sucede que se inicia
a reconquista, a qual vai da Galiza ao Douro e de Leão a Castela.
Com a reconquista e pelo impulso de Afonso I, inicia-se também um amplo
movimento de repovoamento do território, levado a cabo pelos reis visigodos dentro
das possibilidades que a guerra iam deixando. Sucede-lhe na titularidade do poder
55 Santos, António Pedro Ribeiros dos. 2007. As origens da Função Pública em Portugal, op. cit.
188
46
real, Fruela que mantém a mesma perspectiva de expansão territorial e de
ordenamento territorial. Não consegue no entanto, estabilizar internamente os
Visigodos que travam no seu seio grandes dissensões, lutas pelo poder e
movimentos de desagregação. Esta grande instabilidade com maior intensidade
entre os séculos VII e VIII, impede uma maior reorganização dos visigodos e o
maior e mais rápido sucesso no movimento de reconquista. Os vários reis visigodos
têm de lutar com várias tentativas de sublevação, umas conseguidas, o que
implicava a mudança radical da estrutura do poder, enquanto outras abortadas,
conduzem na maior parte dos casos a amplos movimentos de vingança dos
vencedores sobre os vencidos.
Ordonho I, sucede a seu pai, Ramiro I, bárbaro e sanguinário que no contexto das
dissensões internas a que foi sujeito, se mostrou implacável com os seus opositores
a quem aplicou duras penas. Um desses é Piniolo, que pretendendo provocar a
usurpação do trono, teve como castigo a pena de morte, extensiva também aos seus
sete filhos. Ordonho I, com uma dinâmica mais conciliadora conseguiu reiniciar o
movimento de conquista territorial aos mouros, e criou as condições para a
reedificação das povoações de Leão e da Galiza. Seguidamente, pacificou os
vascónios e conseguiu a ocupação efectiva de algumas terras em poder dos
muçulmanos, Coria e Salamanca, Orense, entre outras.
Afonso III, sucede a Ordonho I, não sem antes, Fruela se apossar do trono, ainda
que por pouco tempo. Foi assassinado no seu próprio palácio, sendo aclamado rei,
Afonso III. Com este rei volta o período das conquistas aos muçulmanos,
conseguindo passar para lá do Douro, ocupar Salamanca e, durante cerca de 12
anos, conseguiu alcançar a conquista de Lamego, Viseu, Coimbra, até Idanha e
Mérida.
Neste entretanto, e numa perspectiva estratégica, o rei visigodo promove a paz, com
o emir de Córdova, o que conduziu a um longo período de paz na península de
quase 27 anos. Esta situação permitiu então que os visigodos pudessem iniciar um
movimento interno de reorganização e repovoamento do território, acompanhado
do restabelecimento da ordem e pacificação internas.
No entanto, passado aquele período de tempo, os muçulmanos, sob o comando da
Ahmed reiniciam as hostilidades contra a cristandade mas acabarim de novo por ser
vencidos. Internamente, o filho de Afonso III, Garcia, pretende derrubar o seu pai,
47
dando inicio a um período de guerra civil, que terminou com a abdicação do trono
de Afonso III sucedendo-lhe o filho, Garcia de Leão, que inicia o movimento de
luta contra os mouros.
Sucede a Garcia, Ordonho II e com ele volta novamente a guerra contra os
muçulmanos e a reestruturação dos territórios.
Sucede-lhe Afonso IV, após um ano de reinado de Fruela II. O seu reinado durou
seis anos, tendo abdicado para o seu irmão, Ramiro II e, recolheu ao mosteiro de
São Facundo. Este rei, continua a guerra contra os muçulmanos tendo chegado até
Madrid.
Entretanto do ponto de vista da reorganização dos territórios conquistados, os
cristãos iniciam amplos processos de razias, sobretudo no norte e centro da
Península, de que resultava a destruição completa, quer da população quer dos
territórios conquistados, mantendo-se abandonado durante um período de tempo
mais ou menos longo.
Em paralelo com as razias, os cristãos promoveram também o que pode designar-
se por Ermamento, e que na prática….
Discussão do seu carácter, extensão e duração. Implicações no domínio dos usos e
costumes e na formação do direito. O repovoamento das cidades e a organização do
território. Afonso III (866-910) e Ordonho II (914-924) são grandes
impulsionadores.
6.2. O repovoamento das cidades e a organização do território.
O ordenamento territorial, primeiro da Península Ibérica e depois do reino de
Portugal, ficou marcado de forma categórica, pela questão da reconquista,
conduzindo assim a uma necessidade de reorganização de toda a estrutura
territorial, o que levaria a um vasto conjunto de situações jurídico-sociais
determinantes na configuração política da época e que marcaria também o quadro
do secular desenvolvimento do país.
E, como vimos ainda que de forma muito rápida atrás, são Afonso III (866-910) e
Ordonho II (914-924) os grandes impulsionadores do repovoamento territorial da
48
península reconquistada e respectiva organização. O primeiro distingue-se
sobretudo pelo repovoar das cidades e organizar os territórios, sobretudo o território
ao sul do rio Minho e da cidade de Portucale ocupada em 868 e estendeu a
reconstrução de cidades até Viseu.
O segundo, Ordonho II deslocaliza a capital do reino para a cidade de Leão, com o
intuito de melhor governar a superfície crescente do território.
Na perspectiva jurídica do tempo e sobretudo na perspectiva dos vencedores, todas
as terras tomadas ao Muçulmanos – res nullius- eram susceptíveis de ocupação.
Pelo que, em face da reconquista territorial, das necessidades de reorganização do
espaço também pelo conjunto de vicissitudes que da conquista decorreram, o rei
como forma de agradecimento dos serviços prestados, quer pela sua nobreza
guerreira quer pelas ordens militares de cristãos que promoviam a guerra santa,
atribuía-lhes um vasto conjunto de recompensas, por norma grandes extensões
territoriais, sobre as quais exercia o seu poder.
Mas, para além das recompensas directamente atribuídas pelo rei outras ocupações
de terras se processavam sem o consentimento ou sem o conhecimento directo do
rei.
A esta forma de aquisição do domínio, muitas vezes à revelia do rei, dava-se o nome
de presúria…..
Mesmo nos casos em que a apropriação era desconhecida do rei, o dever de
obediência não ficava em causa, e por via dela, muitos dos territórios incultos
passaram a ser colonizados, por homens livres ou servos que acompanhavam os
nobres a quem o rei conferia o poder de repovoar ou que assim procediam por
iniciativa própria.
O nobre assumia assim propriedade por “apreensão” ou por “presúria”. Esta,
também podia ser realizada por iniciativa de vilãos que entre si repartiam as terras
apresadas tratando ao mesmo tempo de promover a reorganização dos meios rurais.
A ocupação decorrente das presúrias, conduziria a dois tipos de ocupação rural: os
grandes domínios, pertença de um nobre ou de uma corporação eclesiástica e a
pequenas explorações, que tinham a sua origem naqueles que haviam efectuado as
presúrias plebeias ou recebido de um nobre glebas para desbravar.
49
Por outro lado, do ponto de vista militar e económico, também resultaram
desigualdades estruturais da sociedade que conduziriam a uma vincada
diferenciação social e a estatutos político-sociais claramente antagónicos. Por tal
motivo, e porque a necessidade de protecção, segurança e defesa era evidente, quer
em face das investidas dos árabes que depois de derrotados e expulsos dos
territórios até ai ocupados, pretendiam a sua reconquista de novo, quer pela
intervenção do próprio nobre, que muitas vezes exercia represálias junto daqueles
que menores capacidades de defesa tinham, levava a que os mais fracos
procedessem à entrega dos seus bens e ao juramento de fidelidade ao nobre, quer
na paz quer na guerra, sem que no entanto, deixasse de ser um homem livre.
No caso da protecção do Senhor face ao vassalo a pedido deste aquele ao aceitar
esta situação obrigava-se à garantia efectiva da segurança do vassalo. É o que que
se designa por Recomendação. Esta podia ser territorial e pessoal, sendo a primeira
a carta de incomunicação, ou seja, o acto pelo qual o pretendente à protecção fazia
com o vizinho um pacto sob a forma de doação que associava ambos na propriedade
da terra, ou formava uma espécie de parceria, com a condição da defesa do primeiro
pelo segundo.
A recomendação pessoal traduzia-se num acordo pelo qual, o pretendente à
protecção entregava uma ou mais terras suas ao senhor, que lhas restituía oneradas
por certos encargos constitutivos do preço da segurança almejada, e designavam-se
por pacto de benfeitoria.
Tenure ou tenência.
Os benefícios. Outorga a título de estipêndio consistindo na fruição de bens móveis
(cavalos e armas) e imóveis a título precário.
O feudo. Forma vitalícia de fruição dos bens imóveis.
Doações régias. Disposição do património da coroa ou dos senhores para beneficiar
nobres e corporações eclesiásticas. Revogáveis ad nutum e vitalícias (transmissão
para os herdeiros dependente de renovação da liberalidade pelo doador) e a título
hereditário.
Testamentos. Deixas que por via de herança ou legado, os ricos e mais poderosos
instituíam nos seus testamentos a favor da Igreja e ordens monásticas.
50
De todo o conjunto de circunstâncias delimitadas atrás, resulta a estrutura de
domínio vigente subordinada à grande propriedade, cujos principais detentores são
a nobreza, a igreja e as ordens militares. Eram ainda estes grandes proprietários
beneficiados com um conjunto de prerrogativas de autoridade e supremacia pessoal
sobre os restantes. A estes privilégios correspondia ainda um conjunto de
imunidades, que atribuíam aos seus detentores um conjunto de direitos que lhes
permitiam, inclusive, o de não obediência aos funcionários régios, e a possibilidade
do exercício da justiça, da administração específica do território e do direito de
tributação. É o que se designa por Senhorios, e que adiante trataremos com mais
pormenor.
Condes e condados. Nobres que governavam extensas regiões de forma
independente ou ligados ao rei por meras relações vassálicas, ou aqueles que
acompanhavam habitualmente o monarca auxiliando-o no governo, na
administração, na justiça e na guerra (condes de palácio).
Bibliografia Aconselhada
Barros, Henrique da Gama. História da Administração Pública em Portugal nos
Séculos XII a XV. Tomo I, Lisboa: Imprensa Nacional, 1885, pp. 1-70
Caetano, Marcello. História do Direito Português (Sécs, XII-XVI). Lisboa:
Editorial Verbo, 2000, pp. 111-118
Chevalier, Jacques. Science administrative. Paris: PUF, 2007, pp.75-95
Costa, Mário Júlio de Almeida, História do Direito Português. Coimbra: Almedina,
1992, pp. 149-157;
Herculano, Alexandre, História de Portugal: Introdução.Tomo I, Lisboa: Livrarias
Aillaud & Bertrand, s.d., pp. 28-109
51
7. A consolidação do estado nacional e da administração pública
central e local
7.1. A emergência de uma unidade política e a conquista da autonomia
A Idade Média em Portugal não trouxe, no que à estrutura do poder respeita,
grandes alterações face ao período visigótico, sobretudo quanto aos princípios
fundamentais. O Rei era o chefe supremo de todos os poderes (militar, judicial e
administrativo) provindo de Deus a sua autoridade. O rei tinha então como
prerrogativas inerentes à sua soberania e logo inalienáveis, a “suprema
administração da justiça, o direito de alterar o valor da moeda, e o de exigir a
fossadeira, e o direito do jantar, ao qual correspondia para cada terra a obrigação
de prover à subsistência do rei quando por ela transitava”.56
O rei, suserano dos suseranos, ocupa o lugar de topo na hierarquia feudal. Embora
membro da nobreza, o rei é o mais poderoso de todos os nobres, pois é o que tem
mais terras, sinónimo de mais riqueza e de mais poder, podendo distribuir essas
terras como recompensa de serviços prestados e delegar poderes, que só ele à
partida tem do usufruto da totalidade do território. Estende os seus direitos a todos
os homens não-livres e livres, embora seja difícil determinar até que ponto esses
direitos se verificaram na prática, pelo menos em relação às camadas mais altas da
nobreza e do clero, visto que a natureza política da sociedade feudal assentava na
fragmentação e na privatização do poder.
O rei possui determinadas regalias - que o distinguem de todos os outros senhores
feudais, nomeadamente o alto-clero e a alta-nobreza, objectivados em certos
atributos, como por exemplo, o direito de aplicação da justiça e da manutenção da
paz, e em determinadas insígnias simbólicas como a coroa, o manto ou o ceptro.57
56 Barros, Henrique da Gama. 1885. História da Administração Pública em Portugal nos Sécs XII a
XV. Tomo I, Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias. p. 42
57 Vide, Guerreiro, Maria João Peste Santos. Por graça de Deus, Rei dos Portugueses: as intitulações
régias de Afonso Henriques e D. Sancho I. Dissertação de mestrado em estudos medievais-estudos
sobre o poder. Universidade Aberta.2010
52
Característica importante é a da não distinção entre poder público e poder privado,
conduzindo de tal modo à patrimonialização dos bens pelo rei, o que de certa forma
conduziria a alguma desfragmentação territorial e, sobretudo, conduziria à
atomização do poder no espaço territorial português. Tudo isto se concretizaria no
conjunto das doações régias à nobreza e ao alto clero o que em conjunto com outras
imunidades, originaria o poder senhorial que durante muitos séculos confrontou o
poder real.
Desde os alvores da monarquia nacional, os reis procuraram a centralização do
poder numa clara dicotomia do seu exercício. É um facto, que as intenções da
distribuição das benesses e das recompensas reais foram sendo aproveitadas pela
nobreza e pelo alto clero para o desenvolvimento do seu poder pessoal e
enriquecimento face ao rei. E este, nem sempre atribuiu tais benesses com o intuito
de ver afastar de si, o centro do poder político. Por este motivo se comprova que a
partir dos séculos XII e XIII se desenvolveu a intenção de centralização do poder,
iniciada com Afonso II e a promulgação das primeiras Leis Gerais do Reino, em
1211 e entre 1217 e 1221, com a organização das primeiras Confirmações do Reino,
e em 1220, ter determinado a realização das primeiras Inquirições. Estas têm a
importância de avaliar a legitimidade das doações de terras e as posteriores
confirmações do direito de posse das mesmas.
Afonso II mostrou-se convicto na defesa do trono e dos interesses reais, mesmo
quando do lado contrário se encontrava a própria família, o que lhe valeria a
excomungação pelo papa e a interditação do reino em Março de 1212 e levantada
apenas em Janeiro de 1214.
As Leis Gerais, decretadas com a intenção de assegurar a posição do monarca no
trono e, bem assim, impor à Igreja e Nobreza o respeito pelos seus direitos, mas são
também uma forma de mostrar a sua capacidade de governação. São integradas por
um Preâmbulo e 24 Leis, que intervêm na esfera judicial, social, económica e
eclesiástica. No âmbito judicial, cria um conjunto de leis para todo o reino, ainda
que assumindo a precedência às leis canónicas.
A realeza portuguesa, tal como a dos restantes Estados da Europa, atribuiu grande
importância à questão da simbologia legitimadora do poder, como forma de
secularização desse mesmo poder. De entre outros, mecanismos simbólicos do
poder real, a investidura régia, era um processo pelo qual o soberano se fazia
53
legitimar perante os súbditos, mediante um conjunto protocolado de acções rodeado
de grande solenidade, sobretudo em França e em outros reinos do centro da Europa
e, sobretudo na tradição da coroação.
No reino português, a investidura régia era realizada com menores solenidades do
que as referidas acima, sendo um acto puramente laico, e que “conquanto o trono
fosse hereditário, o nosso direito público conservava, como vestígio do princípio
consensual e como expressão do dualismo rei-nação, a instituição do
levantamento. Assim, como na França, se é certo que ‘o rei não morria’, todavia
só a sagração conferia o título e a dignidade de rei, assim também entre nós o novo
rei estava de antemão designado, mas necessitava, não obstante, ser aclamado”58.
Em Portugal, também ao contrário de outras monarquias europeias, os reis não
foram ungidos e coroados, pelo que apresenta grande interesse a entrega das
insígnias, tal como referia Oliveira Martins “os soberanos investidos na autoridade
perdem-na se despem os símbolos que a representam. Tanto a autoridade é
abstracta, ou impessoal, para a imaginação primitiva, que ela a não concebe
separada dos símbolos representativos, retirando à pessoa do monarca a soberania
quando o acaso lhe rouba as insígnias”.59 E, bem frisa “um rei caído é sempre
destronado. De que vale a pessoa sem o trono, símbolo da soberania? Na lenda
sebastianista, o povo português introduziu este traço – que os nossos reis, desde a
catástrofe, não podiam mais pôr a coroa na cabeça, pois D. Sebastião perdera em
África essa alfaia simbólica”.60
Em qualquer circunstância, e também na especificidade portuguesa, o rei medieval
sempre se afirmou entre outras duas instituições de poder unipessoal, formadas e
reforçadas durante a Alta Idade Média, o Papado e o Império, caracterizando-se
globalmente por ser “monárquico, cristão e nobre: monárquico por representar um
sistema político baseado no poder de um rei único, investido do poder supremo e
colocado no topo da hierarquia social, superior a todos os seus súbditos; rei cristão
porque o rei é a imagem de Deus, rex imago Dei, e é em Cristo que a realeza
58 Merêa, Paulo. 1923. O poder real e as cortes. Coimbra: Coimbra Editora.
59 Martins, Oliveira. 1953. Quadro das Instituições Primitivas. Lisboa: Guimarães Editores.
60 Martins, Oliveira. 1953. Quadro das Instituições Primitivas, op. cit.
54
associa o seu poder, Christus rex, gloriae rex , enriquecendo esse poder
ideologicamente com associações bíblicas, nomeadamente ao reis David, Josias e
Salomão, associações muitas vezes traduzidas em temas iconográficos; o rei é
também um elemento da nobreza, grupo social de onde provém o seu genos”.61
Do que fica dito, percebe-se que a aclamação dos reis portugueses, assentou assim
em solenidades de menor importância externa do que as usuais em outros estados
europeus. Pese embora o facto de que algumas simbologias régias, terem feito
tradição na determinação da legitimidade do poder real e na soberania do príncipe,
para além da investidura. A espada ou estoque “representava a vitória sobre os
inimigos e simultaneamente a justiça punitiva”.62
O ceptro e a coroa constituíam das insígnias mais representativas da realeza. O
ceptro foi a “vara do juiz, o bordão o patriarca, nas eras remotas da vida da tribo
errante guiando os rebanhos. Essa autoridade de juiz que tornava sagrada a função
do monarca, fez do ceptro o símbolo tipo da autoridade; e esse ceptro é ainda nas
investiduras feudais da Idade Média, um bastão, um bordão, um cajado.”63
Também entre nós, o ceptro pertence à simbólica do Estado. Desde Sancho I e
Sancho II que o rei já está representado, cavalgando, coroa na cabeça, espada
batalhante numa das mãos, erguendo o ceptro na outra, representando este, a justiça.
No entanto, de todos os actos de elevação real, o mais importante é “o juramento
pelo qual o rei promete guardar os foros, os usos e os costumes do reino, governar
os povos bem e ministrar-lhes justiça”.64
No contexto da estrutura operacional do poder real, este foi-se consubstanciando na
luta contra o clero65 que sistematicamente invadia a sua autoridade, obrigando este
61 Le Goff , Jacques. 2004. Héros du Moyen Âge, le Saint et le Roi, Paris, pp. 1074-1119
62 Martins, Oliveira. 1953. Quadro das Instituições Primitivas, op. cit. 534
63 Martins, Oliveira. 1953. Quadro das Instituições Primitivas, op. cit. 534
64 Martins, Oliveira. 1953. Quadro das Instituições Primitivas, op. cit. 535
65 O Clero era constituído por todos os que de forma específica se dedicavam ao culto religioso,
ainda que se considerassem como integrantes desta classe, outros indivíduos como os pertencentes
às ordens militares, os professores universitários e alguns dependentes de instituições religiosas. Por
norma, tornava-se possível a sua distinção entre baixo clero, integrado pela multidão indiferenciada
de religiosos, desde os párocos e curas até aos membros de alguma ordem com menor poder
55
à sujeição das leis civis às quais se procurava eximir. E, tal poder real foi ainda
obtendo maior amplitude pela via das inquirições e confirmações régias e
finalmente pelo exercício do direito de correição e na instituição dos juízes de fora.
A luta com o clero para a consolidação do poder real foi de grande intensidade no
decurso da afirmação do Reino de Portugal e, sobretudo, na delimitação do espaço
político-territorial. O clero, durante muitos séculos, conseguiu subtrair-se à
autoridade do rei, quer assumindo a sua acção no reconhecimento da independência
portuguesa, com a útil e determinante intervenção papal através da Bula Manifestis
Probatum e consequente interesse dos reis nacionais nessa acção protectora dos
papas.
No quadro dos privilégios que eram atribuídos aos membros do clero, destacam-se
entre outros, o privilégio do foro, que estabelecia que os seus membros apenas
podiam ser julgados em tribunal eclesiástico, os quais tinham ainda a competência
para conhecer de certas matérias ligadas às questões da fé, bem como as questões
relativas aos bens clericais e eclesiásticos, de igual forma as pessoas e bens
eclesiásticos, estavam isentos de impostos, excepto aqueles que se ligavam
directamente à religião, o direito de asilo, consagrando a possibilidade de albergar
nas instituições religiosas os criminosos que enquanto aí se encontrassem ficavam
livres da justiça dos homens.
Mas, o clero não tinha atribuídos apenas imunidades e privilégios, tinha também
algumas incompatibilidades e restrições, das quais as mais importantes, era a da
incapacidade matrimonial, sucessória e a aquisição de bens.
económico, e o alto clero, constituído pelos grandes eclesiásticos, bispos, os membros dos cabidos,
os abades das casas monásticas e conventuais, os mestres, comendadores e cavaleiros das ordens
militares.
Para além desta distinção também a que distingue entre clero secular e clero regular, sobretudo do
ponto de vista social e político, sendo o primeiro aquele que vivia no seio dos demais fiéis, entre as
pessoas comuns da sociedade enquanto o regular vivia em comunidade, dirigido por uma regra,
integrando este os membros das ordens religiosas e militares.
Vide, Mattoso, José. 1995. Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-
1325). 5.ª Edição. Lisboa: Editorial Estampa. I volume – Oposição; Albuquerque, Ruy de e
Albuquerque. 1999. Martim de. História do Direito Português (1140-1415). Lisboa: PF
56
Com todas estas imunidades e privilégios, o poder do clero, começava a tornar-se
demasiado oneroso para o poder real, e para a sua tendência para a centralização do
poder, tendência que se manifestou sobretudo a partir do século XII. Motivo pelo
qual, Afonso III, D. Dinis e Afonso IV, haviam de iniciar e procurar a concretização
da redução do poder do clero. Ainda assim, este poder havia de perder o seu peso
de forma clara quer com a intervenção do Marquês de Pombal e finalmente com a
revolução liberal de 1820.
A Nobreza66 por seu lado, durante muito tempo também se assumiu como um
contrapoder ao rei, aceitando apenas a possibilidade de aquele se assumir como um
primus inter pares, mas aceitando apenas o contexto de um poder atomizado, no
qual cada senhor feudal era senhor das suas propriedades, exercendo aí a sua
66 A nobreza para além do que costuma chamar de classe dirigente, englobava na sua constituição
aqueles que de uma forma ou de outra tinham como função a militar e a política, com exclusão de
qualquer actividade lucrativa. Por englobar grande diversidade de características é possível
distinguir pelo menos duas características principais de nobres: a dos ricos-homens e a dos
infanções. A primeira das classes era constituída por governadores de territórios (comités,
potestades) e membros da Cúria Régia, enquanto os segundos integravam a classe inferior.
A nobreza constitui-se a partir de um conjunto de factos aquisitivos que lhe dão o sentido e a
distinção, dos quais podemos referir como os mais importantes a ocupação de certos cargos, a posse
de certos bens, o sangue a atribuição régia do estatuto de nobre, etc. Mas para além destes, é a guerra
quem definitivamente distingue esta classe de todas as restantes.
Nestes termos, o estatuto traduzia-se num conjunto de privilégios e vínculos, de direitos e deveres,
de variação e graus diversos, dos quais um dos principais era a isenção tributária. Ainda que, em
muitos momentos esta isenção não tenha sido completa e total, porquanto, como veremos, sobretudo
com as sisas gerais, alguns dos reis, não pouparam a classe a esse pagamento.
Também ao nível do foro, os nobres apenas podiam ser julgados em tribunal de pares, ou seja, um
tribunal de nobres.
Já quanto aos deveres e obrigações, ressalta o dever de fidelidade e vassalagem, um código de honra
e determinadas inibições em função do estatuto. Ainda a restrição à posse de terras em alguns
concelhos, a não ser que sujeitos ao estatuto e encargos dos vizinhos. Também o exercício da
advocacia lhes era vedado.
Vide, Mattoso, José. 1995. Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-
1325). I – Oposição. 5.ª Edição. Lisboa: Editorial Estampa; Albuquerque, Ruy de e Albuquerque.
Martim de.1999. História do Direito Português (1140-1415). Lisboa: PF
57
autoridade sobre as coisas e pessoas que nelas se integrava, impedindo o rei de
exercer aí a sua plena jurisdição, quer do ponto de vista militar, quer do ponto de
vista fiscal.
Só a partir do reinado de D. João II, o rei inicia a centralização do poder e a sua
acção sobre todo o território, numa clara superação entre público e privado, que
conduziria à distinção entre o património do rei e o património do Reino.
Ainda que com interesses divergentes, a Nobreza e o Clero, enquanto classes
privilegiadas, procuravam aliar-se para obstaculizar ao poder do rei. É por tudo isto,
que o rei, se vê na necessidade de procurar apoio junto do povo67, o qual, vitima
dos privilégios das outras duas classes sociais, via no apoio ao rei e do rei uma
forma de amenizar tais prepotências. Com efeito, era no povo que pesava o maior
número de encargos públicos, maior parte dos quais impostos pela nobreza e pelo
clero. Motivo pelo qual o rei e os concelhos se foram unindo contra os privilegiados.
No entanto, a centralização do poder do rei não foi tarefa fácil e muito menos a sua
centralização burocrática. Esta demorou séculos, como de igual forma demoraram
as lutas contra o clero e contra a nobreza. E, tal evolução para a centralização foi
sendo sucessivamente acometida por recuos que tinham a ver com a incapacidade
real de suplantar o poder do clero. Só com a perda de influência do poder do papa,
a partir dos finais do século XIII, é que também o clero se viu diminuído da sua
67 Integra a classe comummente designada por povo, o conjunto da população que não pertence ao
clero ou à nobreza. Dentro desta classe, ainda se tornava necessário distinguir em virtude da grande
diferenciação social existente, um conjunto de estratos importantes. Desde logo, os homens-livres
ou ingénuos, habitantes de behetria, homens dependentes ou semi-livres e servos.
Os factores de separação destes estratos radicavam entre outros, na liberdade pessoal, e esta era
caracterizadora, sobretudo, dos homens-livres que tinham nela o seu maior bem. Já por outro lado,
os semi-livres, integravam-se no conjunto que foi transitando do colonato servil para formas menos
rígidas de dependência e tinham várias designações e estatutos. Depois ainda os servos da gleba que
ocupavam o escalão inferior da hierarquia social e que eram aqueles a quem o senhor instalou no
seu domínio atribuindo-lhes uma parte do terreno que cultivavam, e ainda que se encontrassem
ligados, de forma vinculativa ao senhor e à terra que cultivava, tinha determinados direitos
familiares, reais e obrigacionais, que os distinguiam dos anteriores escravos. Vide, Vide, Mattoso,
José. 1995. Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325). I – Oposição.
5.ª Edição. Lisboa: Editorial Estampa; Albuquerque, Ruy de e Albuquerque. Martim de.1999.
História do Direito Português (1140-1415). Lisboa: PF
58
influência e permitiu que o poder do rei viesse a consolidar-se de forma sistemática,
vindo a atingir o seu auge no século XV pela mão do rei D. João II.
Mas, na medida em que o poder do rei se consolida, pela diminuição do poder do
clero, também o povo se vê afastado do beneplácito régio, e mais, o rei vai também
acrescer o seu poder junto desse povo, nomeadamente pela nomeação dos juízes de
fora para a administração dos concelhos, substituindo os juízes da terra, eleitos
pelos povos e ampliando o peso fiscal.
7.2. Do Condado portucalense à conquista da autonomia.
O Condado portucalense.
A concessão a D. Henrique como recompensa de serviços prestados contra os
almorávidas ou por derrota de Raimundo junto de Lisboa (Paulo Mêrea).
As Instituições e a organização administrativa.
D. Afonso Henriques, rei de Portugal.
O Reinado de D. Sancho I.
A partir de 1170 conduziu o governo, em substituição de Afonso Henriques, após
o seu grave ferimento em Badajoz. Sobe ao trono em 1185. Continuação das acções
militares contra os mouros e expansão territorial. A instabilidade social e os maus
anos agrícolas tiveram repercussões drásticas no período.
O Reinado de Afonso II.
Sobe ao trono em 1211 e tem como objectivo a consolidação e enquadramento das
funções régias. Cúria Régia, em Coimbra no ano de 1211, para afirmação do poder
soberano. As questões com a Igreja católica e com o clero. As questões com os
senhores. A propriedade como questão de fundo. A confirmação régia. A guerra
civil. A intervenção do papa e a invasão de Portugal pelas tropas de Afonso IX de
Leão em 1212.
A ajuda de Afonso VIII de Castela e do Papa Inocêncio III, que absolveu o rei
português das censuras eclesiásticas. A expansão territorial contra os mouros. A
importância das ordens militares na expansão.
O Reinado de D. Sancho II.
59
Subiu ao trono em 1223, com treze anos de idade. Turbulência dos senhores, leigos
e eclesiásticos. Desrespeito da autoridade régia. Violência generalizada em todo o
país, guerras privadas, usurpações de terras da coroa. Ausência de justiça. Iniciativa
papal para destituição do rei. Excomunhão do rei pelo papa Gregório IX em 1238.
A bula Grandi non immerito (1245) refere o rei como opressor das igrejas e
mosteiros entre outros aspectos ainda mais negativos. Conflitualidade social.
No período que interessa, deve reter-se a questão da criação de um Estado autónomo
a partir do reino de Leão, que se consagrou em face da especificidade da conjuntura
da época, reconquista do território ocupado pelos mouros. O que isto significa é que
a criação de um reino independente a partir do Reino consolidado de Leão, decorre
senão na totalidade, pelo menos, em grande parte da luta contra um inimigo comum,
os mouros, e a capacidade de fazer face a um espaço territorial de maior dimensão,
por parte de um pequeno território, mas que se afigurava vital para a vitória sobre
os invasores. E, ainda que tenha nascido o reino português de uma simples
atribuição de um governo com terra imune ao Conde D. Henrique, acabaria por se
tornar independente face ao Imperador de Leão e Castela.
Neste contexto, o Condado Portucalense, pequena franja de território que tinha por
sede a cidade de Portugale (Porto) situado ao sul da Galiza entre os rios Minho e
Douro e que se estendia para além do rio Ave, confinando a norte com o território
bracarense,68 acabaria por se tornar autónomo face ao poder de Leão e Castela e
sobretudo, a adquirir a sua independência.
Este território, foi entregue a D. Teresa e ao Conde D. Henrique, por Afonso VI rei
de Leão, como forma de agradecimento pelos serviços prestados na luta da
reconquista, para aí assentar a sua moradia e jurisdição.69
Ao longo da vida do Conde D. Henrique, a relação com Afonso VI processou-se
dentro do contexto normal para a época, em que o vínculo feudal da vassalagem
68 Merêa, Paulo, p. 415
69 Coloca-se o problema de saber a que título terá sido entregue este território….Ver MCaetano, p.
140 e ss, Merêa, p. 279
A data da outorga, rondará o ano de 1094 ou 1095, depois da derrota de Lisboa das forças de
Raimundo, que governava superiormente toda a Galiza desde 1092.
60
determinava as relações de poder entre suserano e súbdito. Certo é no entanto, que
alcançado o senhorio da Terra Portucalense, Henrique se intitulou conde.70 Todavia,
com a morte do sogro, Henrique inicia de forma clara uma política de libertação
dos laços de vassalagem, a qual seria prosseguida, após a sua morte por D. Teresa.
E tanto mais, porque com a morte de Afonso VI, não se afigura necessária a
confirmação régia da hereditariedade do Conde D. Henrique, continuando, pois, à
frente do governo do território.
Apoio da nobreza portucalense contra os barões da Galiza
Revolta-se contra a mãe, que vence em 1128 (Ourique)
Toma o título de Rei (1139)
Afonso VII de Leão reconhece a Independência (Tratado de Zamora)
Bula Manifestus Probatum e o reconhecimento pela Igreja da Independência
8. A administração central
8.1. A organização política: Da Cúria Régia às Cortes
A Aula Régia. As funções da Ala Régia. Função de eleição do rei a partir da
estabilização territorial e de Conselho do Rei composto pelas personalidades mais
importantes do reino. Evolução ao longo do tempo: dignitários da corte e
superintendentes nos vários ramos da administração real; governadores das
províncias e dos principais territórios; altos dignitários eclesiásticos e outros
merecedores da confiança do rei. Consulta sobre leis e questões de administração,
de governo e judiciais. As lutas pela coroa.
Com a fuga para as Astúrias, a organização política e administração sofreu grandes
alterações. A reduzida extensão territorial, o estado permanente de guerra, a
instabilidade interna, forçaram a uma centralização do poder. O rei e os seus mais
70 Discute-se ainda se Henrique de Borgonha já era detentor do título de conde ou comes como era
mais habitual ou se o adquiriu em virtude da entrega do território em questão e daqui também a
natureza do vínculo que o ligava ao seu sogro Afonso VI como vimos na nota anterior. Ver Merêa,
p. 305
61
próximos, decidiam conforme as necessidades, sobre todas as questões, desde
militares a económicas, jurídicas e religiosas.
A Igreja desorganizou-se também bastante, e os bispos, obrigados a abandonar as
dioceses, passaram a residir na corte onde muitos se tornaram cavaleiros e vieram
a integrar o exército do rei na reconquista.
A organização política visigótica, tinha desde os tempos que se sucederam à
conquista da península Ibérica aos romanos, na sua orgânica uma assembleia
consultiva, onde se integrava a nobreza que directamente colaboravam com o rei,
os ‘comite palati’, os grandes dignitários eclesiásticos, sobretudo os bispos mais
importantes e os funcionários com maior importância da administração local, e que
tinha como principal atribuição ser órgão de consulta do rei, para os assuntos que,
dada a sua importância, o rei entendia pedir conselho.
Tratava-se da Aula Régia, a qual se foi mantendo em funções, até que, por força
das invasões árabes e da reorganização cristã nas Astúrias, sofreu algumas
modificações. Desde logo, também o poder real, sofreu alterações que a isso
conduziram. Com efeito, o princípio electivo na determinação do rei, foi substituído
pela sucessão hereditária, o que transforma o poder em património pessoal do rei,
repercutindo-se como é evidente na organização funcional central e local, e por
consequência a uma modificação do conceito de soberania do poder do rei.
Por outro lado, a reconquista territorial da península, vem trazer também alterações
substanciais nas relações entre o rei e os seus próximos colaboradores, quer sejam
nobres ou altos dignitários da igreja. A necessidade de recompensar, por um lado,
as ajudas daqueles colaboradores na guerra, e por outro, a necessidade de
reorganização e povoamento do território conquistado, impõe que o rei disponha do
património do reino, das suas riquezas e das suas necessidades com alguma
parcimónia.
Motivo pelo qual, manteve em seu redor um conselho consultivo, que acabaria
ainda por ter outras designações, como ‘palatium’, ‘palatinum collegium’, ‘sunctus
togae palatii’, até à designação de Cúria Régia, a qual se manteria até por volta de
1254, no reinado de Afonso III, alterando a partir aí a sua designação para Cortes.
Já trataremos adiante deste assunto.
62
Por agora, importa dizer que a Cúria Régia tinha enquanto órgão consultivo, os
assuntos de natureza administrativa, que iam dos militares, à feitura das leis a
promulgar pelo rei, à administração económica e política, mas também porque o rei
adquira a função de chefe temporal da Igreja Leonesa, os assuntos relacionados com
a aplicação da justiça, quer como primeira instância através dos juízes ou alcaides
da cúria delegados do rei, quer como tribunal de apelação. Com a constituição da
monarquia portuguesa e com a independência do reino face a Leão, a Cúria Régia,
mantém a sua base organizativa e de funcionamento, ainda que, com algumas
alterações mais ou menos importantes.
A cúria portuguesa, surge do ponto de vista da sua organização e funcionamento
distinta em cúrias ordinárias, nas quais participavam as pessoas mais próximas do
rei: membros da família real, dignitários da corte, magnates laicos e eclesiásticos. e
cúrias extraordinárias, com carácter solene, sendo convocadas pelo monarca.
Nestas participavam todos os nobres, prelados e principais clérigos do reino (cúria
plena), ou eram restritas aos que pertenciam a uma região específica (cúria regional)
e em casos mais raros, apenas à classe nobre (cúria de nobreza).
A cúria enquanto órgão auxiliar do rei, tinha a função de intervir em todos os
assuntos da vida do Estado, discutindo-se, durante muito tempo se apresentavam
um papel apenas consultivo ou tinham também funções deliberativas.
Paulo Merêa, entende neste domínio, que “qualquer que fosse a forma da sua
interacção, o que ela nunca tinha era um papel deliberativo: as suas resoluções
não se impunham de direito ao soberano, nem a aprovação da cúria era de modo
algum indispensável para que as determinações do monarca tivessem carácter
obrigatório”.71
Em sentido diferente, Coelho da Rocha, acentua que “não se pode negar, que eram
assembleias deliberantes (as cúrias) que moderavam o poder do rei, e com ele
exerciam uma parte da soberania: e portanto, que o governo não era puramente
monárquico ou Absoluto”72 ainda que no respeitante à “organização e atribuição
71 Merêa, Paulo. 2006. A administração Central e as Cortes. In Estudos de História de Portugal.
Lisboa: INCM, p. 171
72 Rocha, Coelho. 1841. Ensaio sobre a História do Governo e da Legislação em Portugal ara servir
de introdução ao Estudo do Direito Pátrio. Coimbra: imprensa da Universidade, p. 54
63
das cortes, fossem muito informes e irregulares por falta de lei expressa, que as
fixasse, e que a sua convocação, por não ser periódica dependesse da vontade do
monarca”.73
Por seu lado, António Caetano do Amaral e Rebelo da Silva, apontam como
característica determinante das Cortes a partir de 1254, tal como antes as Cúrias, o
carácter apenas consultivo.74
Marcello Caetano, por sua vez, entende que “a transformação da instituição não é
apenas questão de forma, é principalmente, digamos mesmo essencialmente,
questão de função e de espirito”75 pelo que as Cortes de Leiria de 1254, não “podem
aparecer-nos como um brusco fenómeno de nascimento de novas instituições, mas
traduz incontestavelmente um passo decisivo na evolução das existentes”76, pois a
presença de homens-bons dos concelhos, ainda “quando meros mensageiros não
munidos de poderes característicos dos mandatários, na assembleia magna do
Reino não deixará mais de se verificar.”77
Analisaremos adiante esta questão com mais pormenor, deixando aqui, apenas a
nota de que existe ainda opinião diferenciada quanto ao verdadeiro carácter
vinculativo das cúrias régias, ainda que, sem dúvida, o rei nacional, salvo em
circunstâncias limitadas no tempo e no modo de relacionamento com os súbditos,
nunca deixou de convocar as assembleias e de na sua maior parte respeitar as suas
decisões, e nas vezes em que o não fez, teve ou de alterar as suas decisões ou de se
confrontar com o agitamento dos seus súbditos.
73 Rocha, Coelho. 1841. Ensaio sobre a História do Governo e da Legislação em Portugal ara servir
de introdução ao Estudo do Direito Pátrio, op. cit. p. 54
74 Amaral, António Caetano do. 1945. MEMÓRIAS: Memória V para a história de legislação e
costumes de Portugal. Edição de M. Lopes de Almeida e César Pegado. Porto: Livraria Civilização,
Editora, (Biblioteca Histórica - série miscelânea), p. 49-50
75Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, p. 43
76 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa. op. cit. p.
44
77 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op. cit. p.
43
64
No que respeita à composição das Cúrias Régias, eram constituídas, pelo Mordomo
da Cúria, o seu principal membro civil, seguido pelo Chanceler, o Porteiro-mor e o
Reposteiro-mor, os sobrejuízes e os clérigos do rei. Quanto ao âmbito militar, a
primeira figura era a do Alferes-mor e algumas vezes com um Alferes-menor ou
Sub-Alferes-mor.
A designação da Cúria Régia, cai com o passar do tempo, em desuso, através de
uma lenta evolução, passando a assumir a designação e a estrutura de Cortes.78 E,
esta alteração traduz-se, desde logo, na integração nas cortes, dos procuradores dos
concelhos.
A primeira corte de que existe noticia, é a que tem lugar em Leiria em 1254, no
decurso do reinado de Afonso III, e na qual intervém pela primeira vez o elemento
popular, para além dos representantes do clero e da nobreza que tradicionalmente
tinham assunto na cúria.
Esta integração não é de todo ingénua, pois que o rei, aproveita em seu favor a força
política que revestia o elemento popular no sentido do reforço da sua autoridade.
De importância, é a questão das cortes de Leiria terem sido convocadas para que se
pronunciassem sobre questões de ordem financeira, o que a partir daí seria uma
questão recorrente, porque fundamental para a legitimidade tributária do rei.
As cortes, tinham ainda que com um funcionamento de tipo assembleia, funções
meras consultivas, no sentido em que as suas resoluções não tinham força
obrigatória geral, a não ser que fossem sancionados pelo Rei. Nas cortes, os
representantes das várias classes aconselhavam o rei, faziam exposições dos seus
78 Marcello Caetano, tem uma interpretação diferente sobre a questão, pois “quando o rei convocava
uma cúria plena, fazendo vir de todos os pontos do reino, prelados, barões e representantes dos
concelhos, necessariamente tinha de dispor-se a consagrar uma série de dias a audiências para os
ouvir e despachar os seus pedidos. Nas raras cúrias anteriores a 1254 isso talvez não se desse tão
pronunciadamente (…) mas desde que os homens-bons dos concelhos foram chamados, muitos dos
municípios tinham assuntos locais e expor para obterem despacho régio. Assim, a assembleia
plenária exigia audiências régias consecutivas, isto é, o rei dispunha-se a todos os dias, durante
certo período ou, pelo menos, em dias muito próximos uns dos outros, celebrar audiência públicas
e solenes, cúrias sucessivas ou cortes”. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa.
Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 22
65
agravos e pediam soluções para os seus problemas, ainda que a presença nestas não
apresentasse importância igual para todas as classes.
Se a nobreza e o clero tinham importância política e social em face das suas
riquezas, pela tradição ou pelo desempenho de cargos de relevância, já o povo, não
valendo individualmente do ponto de vista social e político, adquiria-a no facto de
estar em colectivo e na capacidade que assim tinha para reivindicar as suas
exigências. Deste modo, do acordo tácito entre o rei e o povo, vai “surgindo (…) a
ideia de representação de classes, visto que, ao dever de acudir aos conselhos do
rei, se foi aliando o direito, reconhecido às diversas forças sociais, de serem
convocadas e ouvidos”.79 Assim, as cortes passavam a assumir para além da sua
função consultiva, o direito de petição, formulando artigos ou agravamentos que o
soberano aceitava ou rejeitava.
A representação das cortes, ficava então assegurada com a presenta da nobreza, do
alto clero e a partir de então, com os representantes dos concelhos, que garantiam
assim, uma certa dinâmica participativa a estas assembleias.
Com efeito, assistir às Cortes constituía um dever de vassalagem e o dever de
prestar conselho ao seu senhor, sempre que este o reivindicasse, sendo esta uma
prática antiga, já entre os visigodos, pelo que quando o monarca fizesse a chamada,
todos os súbditos deveriam acorrer ao seu auxílio. Deste modo, o dever de assistir
à Curia Régia e, posteriormente, às Cortes integrava-se no dever do súbdito para
com o seu rei e senhor, enquanto órgão máximo do Estado, e não na obrigação de
um vassalo atender à convocação de seu senhor feudal.80
Para Gama Barros, a presença de nobres e clérigos dependia do arbítrio real, no que
respeitava ao número de pessoas, tendo em consideração a importância social de
cada um. De tal forma, um prelado ou rico-homem cuja prerrogativa em sentar-se
nas Assembleias era garantida pelo direito costumeiro dificilmente seria
esquecido.81
79 Merêa, Paulo. 2006. A administração Central e as Cortes, op. cit. p. 178
80 Perez-Prendes, V. J. 1974. Cortes de Castilha. Barcelona: Ariel, p. 15-41
81 Barros, Henrique da Gama. História da Administração Pública de Portugal, III. Lisboa: Sá da
Costa, 1945. p. 191
66
Deste modo, quanto à sua participação nas Cortes podemos distinguir a existência
de quatro grupos distintos. O primeiro, é o grupo daqueles que se encontram mais
próximo do rei e com ele convivem de forma constante. É este grupo que organiza
o evento e trata de toda a sua infra-estrutura. Integram-no, por conseguinte, os
familiares do monarca, os membros do seu conselho particular e os funcionários do
Estado e da chancelaria, tais como juristas, oficiais e notários. Dirigiam e
orientavam os participantes face aos aspectos relativos ao protocolo, à ordem dos
trabalhos e que aconselhavam o rei quanto às atitudes a tomar e sobre as respostas
a serem dadas aos artigos que lhe eram dirigidos. Eram ainda da sua competência a
escrita dos documentos e respectivos selos.
O segundo grupo era o que integrava os elementos do Clero. Mas também a sua
presença nas Cortes de 1254 não é de todo certa e sobretudo a sua presença
generalizada. É certo que estiveram presentes alguns representantes do Clero, mas
parece que não os do Alto Clero. Bispos, Abades ou Mestres de ordens militares
parecem não ter tido ai a sua presença. Questiona-se o porquê dessa ausência, mas
as respostas não são concretas. É que os clérigos não iam enquanto grupo, mas a
título individual, quer por direito adquirido, quer por convocação régia, mediante
convocação por carta régia, pelo que se desconhecem as razões para uma tão
reduzida presença dos membros do Alto Clero nestas reuniões.82
O terceiro grupo era o dos nobres, que eram também os membros mais destacados
do grupo que tinham participação garantida, e de que se destacavam os fidalgos,
ricos-homens, condes e cavaleiros. Já os da pequena nobreza, como os escudeiros,
só excepcionalmente tinham presença nas Cortes - era mais fácil ver escudeiros
presentes como procuradores dos concelhos, do que entre o grupo dos nobres.
Tal como aconteceu com o Clero, desconhece-se a dimensão da Nobreza na
presença das Cortes de Leiria e bem assim a qualidade da sua representação. Os
documentos disponíveis não permitem clarificar essa questão.83
82 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, p. 33-34
83 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa. op. cit. p.
35
67
O quarto grupo, era o constituído por homens do povo, os homens-bons dos
concelhos, que passaram a ter assento na Corte, a partir de 1254, durante o governo
de Afonso III. Mas mesmo nesta data, ainda restam dúvidas quanto à sua presença
assídua e de direito próprio, pois que não existem muitas provas da sua efectiva
presença nessas Cortes.
O que se conhece, a partir de algumas cartas régias expedidas de Leiria, é a
referência a petições e reclamações formuladas por alguns concelhos, mas que
podiam dispensar a presença dos representantes dos concelhos na Corte, bastando
apenas a procuração para que alguns procuradores pudessem resolver as questões.
Contudo a partir de 1254 em diante, este extrato da população nunca mais deixou
de comparecer, a ponto de, no século XV, a instituição assumir uma feição política
eminentemente popular.84
As Cortes de 1254 em Leiria, para além de se distinguirem pela intervenção dos
representantes do povo, também se apresentam com a “intenção de fazer leis para
o melhoramento, correcção e emenda do reino das quais leis se acham várias no
foral antigo de Santarém e Beja, e bem assim no livro das leis antigas, e ordenação
d’ el rei D. Duarte, misturadas com outras feitas em Coimbra e Lisboa. Nelas se
concederam vários privilégios a Santarém, e se decidiu que a terça parte das
barcas que navegassem no Douro, e as naus de França, que ali aportassem
descarregassem em Gaia e não no Porto”.85
Como defende Alexandre Herculano, trataram as cortes, pois, de fazer leis gerais,
respeitando ao processo judicial e quanto ao processo a seguir na corte, e
providências especiais, que constam de cerca de 20 diplomas transcritos e que vão
84 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, p. 37-38
85 Carvalho, José Liberato Freire, 1830. Ensaio Histórico-Político sobre a Constituição e Governo
do Reino de Portugal: onde se mostra ser aquele reino, desde a sua origem, uma monarquia
representativa: e que o absolutismo, a superstição, e a influência da Inglaterra são as causas da sua
actual decadência, PARIS: em casa de Hector Bossange. P. 45
68
desde a resolução dos agravamentos de Santarém, diplomas de interesse geral da
cidade de Lisboa, até à confirmação do foral da Guarda.86
E, têm ainda a intenção de tratar da pertinente questão da moeda. E, terá sido, por
tal motivo que os homens-bons dos concelhos foram convocados para estas Cortes.
Com efeito, em Dezembro de 1253, o Rei em Lisboa determinou o tabelamento das
mercadorias mais procuradas para substituir o dinheiro metálico nos patrimónios
ameaçados pela quebra, o que conduziu a um movimento para o convencer a não
mexer na moeda.87
86 Herculano, Alexandre. História de Portugal, Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da
Administração Pública Portuguesa p.41
87 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op. cit. p.
41
A realeza sempre se atribuiu e reservou para si o direito de cunhar moeda, o que no direito
consuetudinário da monarquia leonesa-castelhano e no reino de Portugal, posteriormente se veio a
reforçar, nomeadamente com o poder de alterar o valor da própria moeda já cunhada. Em Portugal,
é este um expediente usado pela primeira vez por Afonso III, ao qual se atribui a designação de
quebra de moeda.
A quebra de moeda, consistia na recolha da moeda corrente, procedendo-se depois à sua refundação
e promovendo a alteração do respectivo valor:
a. Com menos toque de metal precioso (prata e.g) e mais liga (e.g. cobre), mas com o mesmo
valor nominal da moeda antiga;
b. Com menos peso global e o mesmo valor facial
c. Com maior valor nominal, embora o peso e a liga permanecessem iguais.
Em qualquer destas modalidades, o que acontecia era a possibilidade de a receita pública ser de
forma extraordinária aumentada. Com efeito, como a moeda na Idade Média valia apenas pelo seu
valor relativo como mercadoria e no mesmo reino era possível a circulação de mais do que um tipo
de moeda em concorrência com a moeda oficial. Assim, o rei ao tirar parte do valor intrínseco da
moeda e como ela valia pelo valor efectivo do seu peso em ouro ou prata e era esse o valor que
servia para a troca de mercadorias, a partir daí a tendência seria a de o vendedor exigir mais moeda
pela compra da mesma mercadoria.
Ora, este artifício, assustava as classes mais ricas, porquanto se viam limitadas na sua dimensão
económica, e sempre que se previa uma situação deste tipo, a tendência era de se desfazer da moeda,
substituindo-a por coisa de valor inalterável. Por seu lado, os mercadores começavam de imediato a
69
Ainda que assim pudesse pensar-se que aconteceria, o certo é que o rei, terá mesmo
nas Cortes decidido a quebra de moeda, ao arrepio da contrariedade dos
representantes, quer do clero quer da nobreza e do povo. Motivo pelo qual, no
decurso do ano de 1255 estalou um conflito entre o monarca e sobretudo as ordens
religiosas que se terão recusado a entregar a sua moeda, obrigando o rei a jurar em
Março de 1255 que não quebraria a moeda, comprometendo-se o clero e o povo ao
pagamento de um tributo.
Nas Cortes de Santarém, realizadas em 1263, ficaram aprovadas leis para a
correcção dos costumes, e para a entrega de certos bens pertencentes às igrejas, em
virtude de uma bula do Papa Gregório X, em resulta da queixa dos bispos do reino.
Mas, Afonso III acabaria por obrigar o Clero e os prelados a contribuírem para o
bem público, e para suprir as despesas necessárias para a segurança e felicidade dos
povos e da nação em geral.
Já no reinado de D. Dinis, ganhariam importância as Cortes de Lisboa realizadas
em 1289, no decurso das quais D. Dinis fundou, a universidade em Lisboa, a qual,
depois de várias mudanças, acabaria finalmente por ficar em Coimbra. Mandou
ainda o mesmo rei erigir escolas em todas as grandes cidades do reino, acção que
sem mudar de procedimento com a igreja lhe granjearia a estima de parte
significativa deste estrato social.
Ainda no decurso daquelas cortes proibiu que nenhuma pessoa vendesse bens de
raiz às comunidades seculares ou regulares argumentando que a Igreja não era
senão a depositária dos bens dos pobres, e quando acumulava e entesourava retinha
o que não era seu. Além disso, caso estes bens adquiridos viessem a cair em mãos
que não se podiam desfazer deles, em pouco tempo a igreja seria a detentora de
tudo.
No reinado de Afonso IV, reuniram-se as cortes seis vezes, realizando-se a primeira
em Évora em 1325, nas quais se fizeram muitas leis e dentre elas uma acerca da
moeda. Em 1331 reuniram-se as Cortes em Santarém, repetindo-se ainda nova
reunião em 1334, em que para além da aprovação de várias leis se aprovaria o
aumentar os preços dos bens com receio de verem transferidos para eles os riscos da quebra de
moeda e a exportar os metais preciosos em seu poder.
70
casamento do príncipe com a infanta D. Constança. Em 1335 reuniram-se em
Coimbra e em Santarém, no ano de 1340.
Com D. João I a importância das Cortes sai amplamente reforçada, e bem assim o
seu prestígio, transformando-as o rei num órgão claramente interventivo nas
decisões reais. Reunir-se-iam no seu mandato as Cortes vinte e cinco vezes tratando
algumas delas assuntos de grande importância. Desde logo, as de 1385 realizadas
em Coimbra que decidiram a aclamação do Rei e se legislou sobre as grandes
questões do reino. Dois anos depois em 1387, reúnem as Cortes no Porto, nas quais
se concede à Igreja de Elvas, a requerimento do concelho da mesma terra, a isenção
da redizima que antes pagavam. E em 1387 a reunião é feita em Coimbra, onde
seriam lançadas as sisas gerais por um ano para as despesas da guerra. Ainda no
mesmo ano, voltam a reunir em Braga, desta vez para aprovação de pagamento pelo
povo de sisas dobradas por um ano para as mesmas despesas da guerra.
No reinado de D. Duarte, reúnem-se as Cortes em Leiria no ano de 1434, nas quais
se faria o juramento do rei. Foram depois transferidas para Santarém, e aí se decidiu
sobre as primeiras ordenações do reino, o Livro de Leis e Posturas de D. Duarte.
No ano de 1455 realizaram-se as Cortes de Évora, e no ano seguinte (1456) ainda
na mesma cidade, nas quais se determinaram o subsídio de pedido e meio para a
expedição de África. Finalmente no ano de 1458 foram as Cortes de Leiria, nas
quais se deliberou que se devia entregar a praça de Ceuta para resgate do infante D.
Fernando.
Com Afonso V, e dado que durante muitos anos em virtude da pouca idade do
Príncipe, o poder esteve nas mãos do tio do futuro rei, o infante D. Pedro, duque de
Coimbra, as Cortes reuniriam vinte e duas vezes sendo que as primeiras seis
decorrem no tempo da regência, e as restantes no governo do rei durante a
maioridade.
Com a evolução do sistema político para a absolutização do poder real, um dos seus
pressupostos, foi a da redução da participação e representação dos povos no
exercício do poder com reflexo directo na convocação das Cortes que os monarcas
foram esquecendo.
9. A organização administrativa
71
9.1. A Administração Central
O Rei adquire neste tempo uma cada vez maior importância social e política e
chama para si um espaço de intervenção na esfera da administração do Estado que
até4 aí não havia tido. A questão da justiça e respectiva aplicação e a incidência
tributária são elementos que trazem uma maior preocupação governativa e ao
mesmo tempo permitem uma evolutiva centralização do poder real.
O Rei, assume cada vez de forma mais evidente as funções de Chefe Militar, ainda
que não tendo um exército permanente e ao seu serviço os restantes extratos sociais
reconheciam nele a figura carismática e tradicionalista que deveria conduzir os
designios militares do Reino. É assim que o rei, ainda que de forma sistemática
houvesse de negociar o apoio da nobreza e dos exércitos privados que cada senhor
feudal dispunha viu a sua capacidade administrativa e organizativa aumentada.
De outro lado, o rei vai, na procura da centralização administrativa que lhe
concretizaria o poder, organizar a questão da justiça e da sua aplicação,
desenvolvendo estratégias que consubstanciariam, por um lado, a exclusividade da
sua aplicação e, por outro, reduzir a margem de direito privado que permitia a
aplicação de forma desregrada e diferenciada da justiça por parte da alta nobre e do
alto clero. Esta justiça privada era de forma clara, uma forte concorrência do poder
do rei e um limite à sua capacidade de intervenção global no país.
Sabe-se que na transição para a formação do reino português e durante cerca de
mais dois séculos, o Código visigótico determinava a lei comum em vigor, o que
enformava o conjunto de leis gerais em vigor no reinado de Afonso Henriques, mas
na sua grande maioria, os textos de lei efectivamente são desconhecidos de parte
significativa da população do reino ao tempo eram muito limitados. No entanto, a
partir do século XIII, as referências àquele Código foram-se tornando cada vez mais
raras, passando a ser suplantadas pelo direito consuetudinário e pelos privilégios
municipais. O costume, passou a ser assim, a fonte de direito mais usada e aplicada
e assim se manteve durante muito tempo. Os casos julgados constituíam fonte de
direito privilegiados, de que se destacam as façanhas, que em muitas ocasiões
adquiriam força de lei com origem no direito costumeiro local.
Já as cartas de privilégio revestiam também estatuto de fonte de direito. Destas, os
forais constituíam o direito mais importante e resultavam da concessão do rei ou de
72
algum senhor a uma determinada população. Estavam na esfera de intervenção dos
forais sobre questões de natureza fiscal, administrativa, sobre a aplicação da justiça
e sobretudo, sobre as penas a aplicar em face dos delitos em presença, sobre a
obrigação do serviço militar, sobre liberdades concedidas às pessoas e aos bens.
A partir do reinado de Afonso III a legislação régia vai ter um desenvolvimento
incremental extraordinário, ainda que, ao seu lado, continuassem a existir muitas
determinações régias destinadas a sujeitos e situações específicos sobretudo devido
“à penetração do direito justinianeu nos estados hispânicos e ao incremento que
rapidamente tomou a legislação nacional de carácter geral.”88
Com D. Dinis, em 1317, volta a afirmar-se com vigor o direito régio de julgar em
última instância, os direitos de jurisdições exercidos por nobres e eclesiásticos, sem
excepção, mostrando dessa forma a sua autoridade suprema, e visando diretamente
uma das mais características regalias das ordens privilegiadas89, já que até então a
tendência fora sempre no sentido de não interferir nas terras privilegiadas e para se
deixar à nobreza plena liberdade de jurisdição. 90
Mas é só no reinado de D. Duarte se vem a conhecer a primeira sistematização legal
realizada em Portugal, o Livro das Leis e Posturas ou as designadas Ordenações de
D. Duarte. E posteriormente, com maior desenvolvimento e sistematização com as
Ordenações Afonsinas promulgadas por Afonso V, seguidas com a intervenção de
D. Manuel I, das Ordenações Manuelinas e no tempo da ocupação espanhola as
Ordenações Filipinas. Disto falaremos adiante.
.No que respeita à administração central e à sua organização, é sob os auspícios de
D. Dinis, que se inicia o processo de criação de um corpo de funcionários régios
denominados nobreza de Corte, dependente do soberano e que criava as necessárias
condições para o início da luta contra os benefícios e imunidades dos senhores,
88 Merêa, Paulo, Estudos de História de Portugal, op. cit. . 216
89Peres, Damião. 1951. História de Portugal: Origens e formação da nacionalidade. Porto:
Portucalense Editora, vol. I, p. 233
90 Marques, Oliveira, A. H. de. 1987. Portugal na crise dos séculos XIV e XV, op. cit. p.228)
73
interferindo nos seus domínios, e passando a impor-lhes “uma doutrina, uma
autoridade e um centralismo que violavam todos os seus direitos e tradições”.91
Inicia-se então um novo período na organização do Estado e da administração
central, trazendo para a esfera do poder régio, a jurisdição administrativa do reino,
constituindo uma rede de funcionários que têm como intuito a regularização da
administração central, com a consequente promoção de uma maior fiscalização dos
concelhos e restantes lugares, proporcionando condições à Coroa para o exercício
cada vez mais evidente do poder, consubstanciando uma maior intervenção na
vigilância da administração da justiça e na cobrança dos impostos
9.2. As Inquirições-Gerais e a questão dos direitos senhoriais: o chamamento geral.
A nobreza teve sempre uma atitude orientada no sentido do abuso da sua posição
privilegiada, no sentido da obtenção de direitos que lhes não pertenciam
contrapondo-se assim ao poder régio e levando a que o rei procurasse alterar tais
privilégios. Para obviar a esta questão que limitava o poder do rei em termos gerais
e do ponto de vista financeiro ainda mais, a partir dos inícios do século XIII os reis
portugueses criariam algumas regras e instrumentos de averiguação com os quais
pretendem ver onde o poder senhorial é abusivo e até ilegal. São as inquirições
gerais com as quais o monarca pretende perceber como está distribuída a
propriedade fundiária, em que circunstâncias e a legalidade da sua posse.
No reinado de D. Afonso III, aquele processo adquire nova dimensão e importância,
confiando este as inquirições a letrados, impondo ao meio rural e senhorial um
conjunto de valores que tem na lei, escrita e na representação política os seus mais
fortes apoios ideológicos.
Impunha também Afonso III, uma prática diferenciada da anterior. Não bastava
agora o consenso comunitário para a legitimação dos usos e dos direitos. Era
importante afirmá-los por escrito. No entanto, no campo estritamente prático da
atitude do rei perante as inúmeras sonegações dos senhorios, parece que pouco
efeito terão tido. Com efeito, terá apenas limitado a sua acção à consolidação das
91 Marques, Oliveira, A. H. de. 1987. Portugal na crise dos séculos XIV e XV. Lisboa: Editorial
Presença, vol. IV, p. 65
74
formas de execução prática dos valores ideológicos representados pela escrita e pela
imposição da lei, pela fidelidade dos seus representantes locais e pelo respeito
devido a estes.92
No entanto, a criação da figura do meirinho-mor em 1261, põe em evidencia que a
acção contemporizadora do rei terá sido meramente aparente e que de facto
procurou criar soluções efectivas em relação à posse da propriedade.
É, todavia, no reinado de D. Dinis que as inquirições tiveram efeito apreciável, quer
pela verificação das ilegalidades existentes, quer porque o rei conseguiu em parte
significativa regular a posse da propriedade.
As Inquirições e as confirmações, tinham por finalidade pôr cobro aos abusos
cometidos, principalmente pelos fidalgos, que não permitiam, entre outras coisas,
que os agentes do fisco entrassem nas suas terras93 para cobrar os créditos reais.94
A medida tem grandes consequências no plano da organização do Estado, apesar
de não ser inédita e de ter sido ditada por razões basicamente administrativas,
destinando-se sobretudo, a evitar a usurpação dos direitos régios, ou seja, a
diminuição dos rendimentos da coroa.
Visavam essas averiguações dotar a administração central com um cadastro de
todas as propriedades do reino, fazendo com que, dessa forma, o rei pudesse
estabelecer com firmeza a sua autoridade, interferindo no sentido de organizar uma
justiça centralizada e de dispor de um sistema financeiro planificado.
Por esses procedimentos administrativos já se percebe os muitos abusos cometidos
pelas classes privilegiadas e eles revelaram-se nessa oportunidade, um instrumento
bastante eficaz na defesa dos direitos da coroa contra as usurpações constantes das
92 Mattoso, José. 2001. O triunfo da monarquia portuguesa: 1258-1264. Ensaio de história política.
Análise social, vol. XXXV. Lisboa. 899-935
93 Martins, Oliveira, J. P. 1942. História de Portugal. 12.ed. Lisboa: Livraria Editora, tomo I. p. 132
94 Ribeiro, Ângelo. “Política de fomento nacional”. História de Portugal: edição monumental.
Direção de Damião Peres e Eleutério Cerdeira. Barcelos: Portucalense Editora Ltda, 1929. Vol. II.
p. 293
75
ordens privilegiadas.95 Tratava-se, pois de proceder a um rigoroso levantamento
dos foros e prestações devidas pelos súbditos e dependentes do rei em todas as terras
do reino situadas a norte do rio Mondego. O cadastro dos foros resultante seria um
dos monumentos legados pela administração régia portuguesa durante a Idade
Média.
Estas iniciativas, importantes para o desenvolvimento do poder real eram no
entanto, pouco desejáveis para os poderes instalados donde resultaria sempre um
permanente conflito: de um lado os senhores feudais e senhoriais e o clero e do
outro o rei. Os primeiros prosseguindo a privatização do poder através da detenção
da propriedade privada e dos privilégios daí resultantes. Os segundos reduzindo
aqueles privilégios e procurando a publicização do poder e uma maior amplitude
dos seus direitos.
É ainda com D. Dinis, que a lei consagra que as apelações de quaisquer juízes vão
para a corte de el-rei e para mais ninguém, significando a clara tentativa de
consagrar o direito público como elemento fundamental da política real, retirando
tal citério do domínio da intervenção privada dos senhorios.
Ainda assim, esta lei tem vastas excepções, tanto com D. Dinis, como com D.
Afonso IV, nomeadamente junto dos mais privilegiados, e nos lugares onde o
costume tivesse estabelecido a apelação para os senhores.
No entanto, já antes daquelas Inquirições, tinha D. Dinis, através de uma carta de
26 de dezembro de 1283, anulado todas as doações feitas desde o início do seu
reinado até esta data96, medida que poderia até ser vista como revolucionária.
Incansável no seu intento de implementar a todo custo os mecanismos de controlo
governamental, com vista à consolidação do Estado português, bem como com o
95 Saraiva, José Hermano. 1987. História Concisa de Portugal. 11.ª Edição. Lisboa: Publicações
Europa-América, Lda, p. 84
96 Amaral, António Caetano do. 1945. Memórias: Memória V para a história de legislação e
costumes de Portugal. Edição de M. Lopes de Almeida e César Pegado. Porto: Livraria Civilização,
Editora, (Biblioteca Histórica - série miscelânea), p. 49-50; Leão, Duarte Nunes de. “Chronica D’el
Rei Dom Dinis”. Crónicas dos reis de Portugal. Reformadas pelo licenciado. Introdução e revisão
de M. Lopes de Almeida. Porto: Lello & Irmão- Editores, 1975, p. 191 236 (Tesouros da Literatura
e da História), p. 194
76
objetivo de verificar a existência de terras usurpadas97, estabeleceu D. Dinis, a par
das Inquirições, as Confirmações, onde os nobres eram obrigados a levar à
aprovação do Rei, as doações recebidas do monarca antecedente. Para tal eram
examinados documentos comprobatórios do acto a confirmar98. A partir de então,
o documento escrito e a Lei, passam a ser o critério adoptado no apuramento da
verdade de factos decorridos no passado, o que fez com que o rei saísse privilegiado,
dada a superioridade, em número, da documentação de que dispunha99.
No âmbito da luta contra o domínio senhorial e pela supremacia dos direitos da
coroa, D. Afonso IV decretou que pelas comarcas se fizesse chamamento geral de
todos os que tinham vilas, castelos, coutos, honras ou jurisdições para a dia certo,
virem perante os ouvidores dos feitos do rei, mostrar o título da sua posse.
Como se referiu, verificaram-se de imediato conflitos, queixas e pleitos que se
arrastaram por vários anos, mas que acabaram por ser na sua maior parte favoráveis
aos desejos reais. E em 1343 ou 44, uma lei então publicada vem estipular qual a
jurisdição dos senhores nas suas honras, de modo que aquelas cuja existência
tivesse sido verificada pelas inquirições de 1268, continuariam na sua posse com
todas as jurisdições e direitos que então tinham, e nestas bem como nas que tinham
feito até vinte anos antes da morte de D. Dinis, não entraria mordomo nem saião.
Todas as restantes seriam devassas. O que significava que se mantinham para
alguns senhorios os direitos adquiridos mas para outras o poder do rei acabava por
se sobrepor ao poder do seu proprietário.
A mesma lei referida acima, determinava ainda qual devia ser a jurisdição dos juízes
e vigários na falta de declaração das actas das inquirições e de privilégio especial.
D. Fernando, entre outras medidas para reprimir os abusos dos senhores e regular o
exercício da sua jurisdição, atribuiu a jurisdição criminal aos concelhos nos lugares
97 Mattoso, José. 1995. Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325).
Oposição. 5ª. Edição. Lisboa: Editorial Estampa, vol. I., p. 295-296
98 Saraiva, José Hermano. 1987. História concisa de Portugal. op. cit. 84
99 Krus, Luís. 1982. “A vivência medieval do tempo”. Estudos de história de Portugal. Homenagem
a A. H. de Oliveira Marques. Lisboa: Editorial Estampa, vol. I. p. 343-355, p. 355
77
que pertenciam aos seus termos e bem assim o direito de escolher as autoridades
locais e de reger a administração.
E uma medida ainda mais drástica, levada a efeito pelo mesmo rei, em 1375, é a de
impedir o exercício de jurisdição em primeira instância assim como a atribuição de
cartas de segurança ou de perdão aos senhorios. Apenas excepcionava os familiares
mais próximos do rei.
10. A reforma dos mecanismos fiscais e o incremento dos rendimentos da Coroa: os
mecanismos administrativos e de gestão da Fazenda. Almoxarifes e porteiros.
A complexidade que o património real foi adquirindo ao longo dos primeiros
reinados dos monarcas portugueses levaram a que a forma de contabilização e
gestão desse património sofresse alterações organizativas. Neste contexto, uma das
alterações que se impunha era a exigência de exigindo funcionários cada vez mais
especializados, aos quais foram concedidos amplos poderes.
Já no início do reinado de Afonso II, este rei mandou registar um regulamento
económico da casa real, de 15 de Julho de 1216 pelo qual se assentavam
regularmente, nos livros de recabedo regni as receitas do Estado e, ficava evidente
a existência de uma contabilidade pública ainda que rudimentar. E a Cúria régia
tinha por função a verificação das contas públicas sob a presidência do rei,
porquanto ela intervinha em todas as questões políticas, administrativas, jurídicas e
financeiras do reino.
Com o desdobramento das funções da Cúria Régia e o incremento e complexidade
dos assuntos ligados à vida administrativa e financeiro do reino, os assuntos
relativos à questão financeira passaram a estar submetidos a uma intervenção mais
circunscrita. É assim que o exercício destas funções foi primeiramente confiado ao
Portarius Maior, (porteiro-mor) e posteriormente transferidas para os Ouvidores da
Portaria, a quem o sobreano delegou a verificação da contabilidade,
permanentemente, pois a eles passou a incumbência de verificar as contas do
património real e as daqueles que se ocupavam da cobrança dos direitos das rendas
da coroa.100
100 Vide Barros, Henrique. História da Administração Pública…op. cit. Vol. III, p. 240 e ss
78
Com o evoluir da situação portuguesa e sobretudo das especificidades das questões
fiscais, verifica-se uma diferenciação das contas da fazenda real, separando-se dos
iniciais livros de recabedo regni, a que não estava alheia a fixação da residência
real em Lisboa e a sedentarização dos vários órgãos da administração pública e da
justiça nesta cidade e bem assim dos da contabilidade e do arquivo real.
É então em Lisboa que no tempo de D. Dinis é criada uma repartição onde se
concentravam as contas da Fazenda d’el Rei: Os Contos. Nesta procede-se a toda a
organização, contabilização e fiscalização do património real. A Casa dos Contos
tornou-se assim no primeiro órgão de ordenação e fiscalização das receitas e
despesas do Reino, como nos dá conta um documento de 16 de Junho de 1296, e
que nos informa da existência da repartição onde se reuniam os documentos e
contas das despesas públicas e administração económica e financeira.
No decurso do reinado de D. Fernando, a partir de 1370, as funções até aí atribuídas
aos ouvidores são transferidas para os Vedores da Fazenda, que tinham a
administração superior do património real e da fazenda pública, à qual estavam
associados atribuições contenciosas da esfera fiscal.
Também do cargo de tesoureiro mor há “notícia pelo menos desde a segunda
metade do século XIII, sendo um dos ofícios em que mais frequentemente estavam
investidos indivíduos de raça hebraica, nomeadamente o arrabi-mor. Este e outros
funcionários que de um modo ou outro intervinham na administração da casa real
eram muitas vezes abrangidas na denominação genérica de «ovençais»”101
Provando que a organização dos Contos era já completa foi concedido uma carta de
privilégio aos contadores, escrivães e porteiros que serviam nos Contos emitida em
4 de Outubro de 1375, por D. Fernando.
É também neste período que se concretiza a distinção entre os Contos de Lisboa e
os Contos d’el Rei. Nestes termos, competia aos contadores dos Contos de Lisboa
tomar, verificar e registar nos livros de Contabilidade as contas de todos os
almoxarifados do país, e aos contadores d’el Rei executar idênticas funções, só que
referentes à Casa Real. Daqui resulta uma nítida separação entre o património do
101 Merêa, Paulo. A administração central e as cortes. História de Portugal, ed. …… p. 480
79
rei e o património do reino, em face da separação entre a gestão das finanças
públicas e a gestão das despesas e receitas da Casa Real.
Com D. João I, este modelo organizativo irá sofrer grandes alterações, com a
outorga do regimento dos Contos (o mais antigo), o regulamento de 5 de Julho de
1389, onde os Contos de Lisboa são divididos em duas partes: numa, as diversas
contadorias espalhadas pelo Reino e noutra, a cidade de Lisboa e respectiva
comarca.
Em 28 de Novembro de 1419 foi aprovado um segundo regulamento, onde se
determinava que todas as rendas da cidade de Lisboa e seu termo recebidas, tanto
direitos como sisas, fossem guardadas no Tesouro e conferidas pelos contadores e
escrivães.
Em 1434, já no reinado de D. Duarte, foi publicado um terceiro regulamento que
dizia respeito unicamente aos Contos de Lisboa e que encarregava o Contador-Mor
de controlar e evitar a negligência dos funcionários.
Os almoxarifes, cargo que vem do séc. XII e se generaliza no séc. XIII e que tinham
atribuída uma área considerável ou um núcleo populacional importante – vila ou
cidade – relativamente à qual lhes cumpria receber as rendas régias e cobrar os
impostos. Eram coadjuvados pelos mordomos dos julgados e competia-lhes ainda
receber as sisas gerais e outros impostos gerais, recebendo ainda os direitos das
portagens e dos reguengos para o que tinham ao seu serviço uma série de outros
funcionários menores. Anualmente apresentavam à coroa as contas dos impostos
cobrados através dos vedores da fazenda.
11. Afonso IV e a organização da Casa do Cível (fixa em Lisboa) e da
Casa da Suplicação. Os juristas e os letrados ao serviço da política
centralizadora. Juízes de feitos cíveis e juízes de feitos criminais.
12. A divisão administrativa do Reino: as comarcas.
A circunscrição político-administrativa mais importante era a província. Herdada
da presença romana, significando aí o território atribuído pelo poder central à
80
competência de um magistrado, mas só aparece na tradição político-administrativa
nacional, nos finais do século XVII, designando o território sujeito a um governador
de armas, mas usava-se o termo no sentido corográfico, para designar zonas com
identidade geográfica ou étnico-cultural. Neste sentido, se falava da existência de 6
províncias no reino: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura,
Alentejo (ou Entre Tejo-e- Odiana) e Algarve, e que tem presença desde o século
XIII.102
A comarca ou correição é outra das divisões territoriais, correspondente ao distrito
de jurisdição de um corregedor, magistrado criado no século XIV, inicialmente com
jurisdição apenas delegada ou comissarial, abrangendo os assuntos e a área
territorial contida na carta régia de delegações.103
No século XVII constituem já os corregedores uma magistratura ordinária e
exercendo-a sobre um território determinado por providências legais ou por usos
bem estabelecidos. Eram nomeados pelo rei por períodos trienais.
As suas atribuições principais respeitavam a matérias de justiça, tais como a
inquirição das justiças locais (excepto dos juízes de fora) e dos seus oficiais,
defender a jurisdição real e a ordem pública, inspecionar as prisões, conhecer por
acção nova ou avocar os feitos.
Os corregedores das comarcas (atribuições administrativas e de polícia). Com
matérias ligadas à justiça, tem no início jurisdição apenas delegada ou comissarial,
abrangendo os assuntos e área territorial contida carta régia de delegação.
13. Reforma da administração concelhia.
Regulamentação dos corregedores e surgimento dos vereadores: forma de redução
do poder e da autonomia municipal. A participação dos concelhos e dos vereadores
no governo do reino.
102 Vide, Hespanha, Antonio, …..p. 96
103 Vide, Hespanha, Antonio, …..p. 199
81
14. O Desembargo Régio: a indistinção entre Administração Central
e Justiça Superior ou a interpenetração da esfera judicial e
administrativa.
A reforma administrativa prosseguida pelos reis portugueses sobretudo a partir de
Afonso III, tem como objectivo central, a intervenção no quadro da justiça criando
as condições para que a intervenção dos nobres e dos clérigos, senhores em muitas
circunstâncias da exclusividade da sua aplicação e para que o domínio privado
dessa justiça, até aí preponderante, se transformasse em domínio de aplicação
colectiva e sob uma perspectiva essencialmente pública. A intervenção dos letrados
juristas, foi o impulso decisivo para esta alteração de mentalidades e sobretudo de
princípios e de métodos.
O desembargo régio foi, por conseguinte, um instrumento pelo qual os reis acionais
iniciaram a reorganização do poder político e a reorganização da administração
pública, submetida àquele poder e bem assim a centralização da estrutura política
do Estado sob a sua autoridade. Por isso, o desembargo régio, foi essencialmente
um órgão da administração central que permitiu dar início a um período crescente
de reforço do poder do rei sobre o reino.
Mas, não era o desembargo régio, a “Administração Central”. Esta integrava
certamente já no tempo muito mais órgãos ou instituições, tais como o Conselho
Régio, a Casa Real, a Justiça Superior, as finanças régias, entre outras.
Neste contexto, o desembargo régio, representava pois, um órgão da administração
pública que ao serviço do rei, incluía um conjunto já vasto de funcionários
superiores e funcionários menores e cuja atribuição principal era a de servir o rei.
O Desembargo Régio começa a aparecer no domínio legislativo, a partir do reinado
de D. Pedro e praticado efectivamente nas cartas régias a partir de 1370, adquirindo
maior substanciação já no reinado de D. João I, e sobretudo a partir de 1390,
podendo caracterizar-se como o “conjunto dos funcionários e serviços que, junto
do monarca, assegura por um lado a publicitação das respectivas leis, por outro o
despacho dos assuntos correntes da Administração, ou seja a resposta aos feitos e
82
petições que à Corte forem presentes, traduzida na feitura das cartas respectivas,
de justiça e de graça ou de fazenda, seguindo aqui as designações tradicionais.”.104
O Desembargo Régio, afirma-se assim como um órgão de Governo do Reino, no
qual têm assento as figuras mais importantes da Corte, escolhidas pelo rei, e que
tinham atribuídas funções diversificadas e apresentavam uma hierarquização
funcional clara.
Ainda assim, o Desembargo Régio surgia com indistinção entre Administração
Central e Justiça Superior, motivo pelo qual nem sempre ficava clara a distinção
entre a dinâmica administrativa e judicial. Com efeito, o que ficava mais evidente
era a interpenetração da esfera judicial e administrativa, porquanto em face das
funções atribuídas, durante muito tempo o Desembargo era também o órgão
administrador da justiça superior, no qual exercia a presidência o rei e tinham
assento juízes superiores que analisam e aplicavam a justiça de recurso. Ora,
também e ao mesmo tempo, desempenhava funções de administração do reino, do
palácio real e ainda se apresentava como órgão de conselho do rei. Donde, a
separação entre órgão de justiça e órgão de administração nem sempre fosse
possível de determinar.
Integravam o Desembargo Régio, como se referiu as figuras mais importantes do
Estado, a nomeação do rei e com as funções que este lhes atribuía. Desde logo, o
Chanceler-Mor, cargo de muita importância, desde os primórdios da administração
portuguesa, mas a partir do século XIII sofreu um razoável declínio. Depositário do
selo real e encarregado da elaboração das cartas régias, tem intervenção directa nas
decisões do rei. Com o andar dos tempos, a figura do chanceler vai ser relegada
para funções essencialmente burocráticas, sobretudo a verificação de escrituras e
da conformidade com as decisões tomadas.
O Corregedor da Corte é um cargo regulamentado apenas pelas Ordenações
Afonsinas, mas terá aparecido provavelmente durante o reinado de Afonso IV,
competindo-lhe o conhecimento dos feitos e desembargos vindos dos juízes
ordinários dos locais onde o rei estivesse. É um órgão essencialmente judicial, mas
as suas atribuições vão também ao campo policial e administrativo, sendo a sua
104 Homem, Armando Luís de Carvalho. 1985. O Desembargo Régio (1320-1433). vol. 1. Porto:
INIC, p. 16
83
jurisdição de 5 léguas em volta do locar em que se encontra, com excepção das
causa onde intervenham pessoas notáveis ou nos crimes considerados graves
(traição, moeda falsa, sodomia) podendo no entanto julgar e chamar as partes à
corte.105
Os Vedores da Fazenda, terão vindo substituir os ouvidores da portaria, cerca de
1372, e pelas ordenações afonsinas, a dministração superior do património real e da
fazenda pública ficava a seu cargo, a quem se subordinavam os almoxarifes,
contadores e outros empregados do fisco. Era da sua competência conhecer dos
feitos das sisasa que julgavam em única instância, no lugar onde estava a corte
instalada e por apelação tendo origem em lugar diverso.
É com D. Manuel I que os vedores da fazenda têm o seu regimento em 1521.
E, coloca-se no Regimento a necessidade de os Vedores da Fazenda cumprirem um
conjunto de requisitos que lhes conferiam uma clara distinção face aos funcionários
anteriores e que deveriam nesse contexto, não deixar de considerar a necessidade
de apresentarem um conjunto de qualidades profissionais, morais e éticas
indispensáveis para o desempenho daquelas funções. Com efeito, a ausência de
transparência nas contas públicas, na cobrança dos impostos e na elevada corrupção
que grassava nestes funcionários impunha alterações fundamentais a esse nível. D.
Manuel I procura por conseguinte, moralizar esta actividade e sobretudo procurar
criar uma nova dimensão organizativa do tesouro público. Assim, rezava o
regimento que “Os Vedores da fazenda devem ser homens honrados, e de boas e
sãs consciências, e práticos na ordem judicial das coisas, que a seus ofícios
pertencem, e homens que tenham grande cuidado de olhar por todas as coisas, que
pertencem a nosso serviço, principalmente nas cousas de nossa fazenda: e com
toda a diligência prover em todas as coisas que se requere provisão para bem dela.
E devem de ser homens abastados: por tal que a falta não os obrigue a deixarem
de fazer o que por razão de seus ofícios são obrigados por socorrer a suas
necessidades. E tanto que o Vedor da fazenda for provido no tal ofício, antes que
105 Homem, Armando Luís Carvalho. 1990. «Subsídios para o estudo da administração central no
reinado de D. Pedro I», Portugal nos finais da Idade Média, Estado, Instituições, Sociedade
Política, Livros Horizonte, Lisboa, p. 55 e ss
84
comece a servir ou fazer alguma coisa que ao dito Ofício pertença, lhe seja dado
juramento pelo Chanceler Mor, segundo seu Regimento”.106
Desembargadores
Escrivão da Chancelaria
Juiz dos Feitos de el-Rei
Conjunto de subalternos
A organização do reino do ponto de vista administrativo sofre alterações evidentes
a partir da segunda metade do Século XIV, quer pela reformulação do Desembargo
Régio quer pela redução do número de funcionários que o compõem, quer ainda em
face da reformulação das competências que lhes são atribuídas.
O Desembargo régio, apresenta uma nova orgânica com novos cargos e com
funções mais concretas. Comporta o Desembargo os seguintes cargos: Chanceler-
mor, Corregedor da Corte e Vedor da Fazenda em função do que podemos
considerar o desenvolvimento de várias matrizes caracterizadoras da administração
da época: a matriz burocrática, financeira, judicial e política. Para além destes
cargos superiores comportava ainda o Desembargo outros cargos de menos
importância, de que se destacam os Desembargadores, Magistrados e o Escrivão da
Chancelaria.
Os Desembargadores, são funcionários que não têm atribuídas funções definidas
nem expressamente regulamentadas, estando apenas qualificados como vassalos do
Rei, tendo de forma mais ou menos esporádica exercido funções judiciais. Ainda
assim enquadravam-se num nível hierárquico bastante elevado na estrutura
funcional.
O Escrivão da Chancelaria, tinha atribuído um conjunto de tarefas de cariz
burocrático, tais como o registo das cartas nos livros da chancelaria.
106 Regimento dado aos védores da fazenda, systema ou collecção de regimentos reaes, contem os
regimentos pertencentes á administração da fazenda real, dado a luz por joze roberto monteiro de
campos coelho e sois a. tomo primeiro: Lisboa, Officina de Francisco Borges de Soisa, 1783
85
15. A “matriz burocrática”. A sedentarização dos serviços. Os
funcionários da administração central: esferas de competência e
intervenção. O chanceler-mor: seu declínio e a ascensão dos
“secretários”.
A organização do reino do ponto de vista administrativo sofre alterações evidentes
a partir da segunda metade do Século XIV, quer pela reformulação do Desembargo
Régio quer pela redução do número de funcionários que o compõem, quer ainda em
face da reformulação das competências que lhes são atribuídas.
O Chanceler-mor, era o depositário do selo do rei e participante na preparação das
decisões do soberano, mas que com o andar dos tempos acabaria por ver reduzidas
as suas funções a assuntos de natureza eminentemente burocráticas, ligadas à
efectiva verificação da conformidade das cartas régias com as decisões tomadas,
seguida da aposição do selo e da publicação. O Chanceler-mor é assim ultrapassado
nas suas funções mais políticas com a criação do cargo de Escrivão da Puridade. E
verifica-se assim, a despolitização do desembargo em favor do aumento da sua
«burocratização». O primeiro ofício a destacar.se na coordenação do despacho
régio terá sido o «chanceler-mor». No século XIII, o «chanceler» coordenava o
conjunto dos oficiais da escrita, «escrivães», «notários», «tabeliães» e «guardas dos
selos».
Carvalho Homem, num notável estudo sobre as práticas administrativas do reinado
de D. Pedro I, baseando-se sobretudo na análise dos «escatocolo» das cartas régias,
data de 1361 as primeiras Ordenações conhecidas sobre desembargo das petições,
onde o «Chanceler» ou quem possuísse o selo, devia estar presente no desembargo
régio107. Depois de devidamente analisado na Chancelaria, o documento seria
firmado como selo régio, em princípio por si detido (ou ministro da sua
dependência, guarda- selos ou tenente dos selos). Só depois desta verificação a
ordem do rei, na sua expressão escrita, assumia a sua plena «autoridade pública».
107 Homem, Armando Luís Carvalho. 1990. «Subsídios para o estudo da administração central no
reinado de D. Pedro I», Portugal nos finais da Idade Média, Estado, Instituições, Sociedade
Política, Livros Horizonte, Lisboa, p. 63 e ss
86
Apesar da Chancelaria ter um Arquivo e Secretaria fixos em Lisboa, o «Chanceler»
acompanhava o rei na sua itinerância.108
Nas Ordenações Afonsinas, conservou-se o destaque do «chanceler» como ofício
primordial da Casa Real. Com efeito, na segunda metade do século XV, o
«chanceler-mor» tinha uma actividade intensa, actuando como conselheiro do rei e
enviado às Cortes da Europa.109 O Chanceler-mor mediava as relações entre o Rei
e os homens, no que respeitava às questões temporais. Neste sentido, cabia-lhe
verificar da legalidade as decisões régias em face do quadro legal em vigor o
preceituado naquelas Ordenações.
As Ordenações Manuelinas vêm por seu lado, já nos primórdios do século XVI
delimitar as competências do chanceler-mor, no sentido em que lhe atribuía como
tarefas tudo o que se relacionasse com a correspondência real, comentar as cartas
dos desembargadores sempre que verificasse erros, contradições ou omissões, ao
que lhes colocar o respectivo selo. Era ainda sua atribuição publicar as Leis e
Ordenações, e o poder de atribuir «cartas de mercê” aos escrivães e dar juramento
a todos os oficiais dignos de registo na Casa Real, incluindo o escrivão da puridade,
tal como a todos os conselheiros do rei, validando com a sua assinatura e selo a
nomeação régia.
Até ao século XVII o chanceler continua a apresentar grande protagonismo quanto
à questão da correspondência real e confirmação documental, ainda que
paulatinamente viesse decrescendo a sua importância, sobretudo pelo granjear de
cada vez maior importância do «escrivão da puridade» e dos secretários de estado.
E sobretudo, a partir da intervenção castelhana em Portugal pela assumpção do
trono português por Filipe I e com a criação do Conselho de Portugal.
A “ascensão dos secretários” vai reduzir o poder político do Chanceler e confiná-lo
a uma posição meramente burocrática: a publicação das escrituras e a sua
conformidade com as decisões tomadas. Ainda assim, a sua importância ainda é
considerável e continuará a ser, como o estatuem depois as Ordenações Afonsinas,
108 Caetano, Marcello, Lições de História do Direito Português, op. cit. , p. 153 e ss
109 Freitas, Judite Antoniete Gonçalves de, «Temos por bem e mandamos», a burocracia régia e os
seus oficiais em meados de Quatrocentos (1439-1460), Dissertação de Doutoramento em História
da Idade Média, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 1999, vol. I, pp.88-96
87
principalmente como elemento controlador do bom funcionamento da
administração.
O Escrivão da Puridade, de início será um secretário que pelas suas características
tinha privilégio junto do rei, e que detinha o selo particular do rei (selo de camafeu).
Com o tempo, adquiriu mais notoriedade e as suas funções vieram a constituir um
verdadeiro cargo político, o de primeiro-ministro do despacho, assumindo uma
função coordenadora dentro do Desembargo. Com efeito, todas as petições e cartas
passavam pelo escrivão da Puridade, as quais faria chegar depois ao funcionário a
quem o seu desembargo competisse.
O ofício surgiu no século XIII, cerca de 1250, no reinado de D. Pedro I, designando
um oficial do rei que «tinha à sua guarda o selo particular destinado a autenticar
as missivas (documentos de importância manifesta ou grande segredo) a que
apenas um círculo restrito devia ter acesso»110. Apenas a partir de 1250, a
designação «escrivão da puridade» passou a significar uma certa proeminência
sobre os restantes servidores do despacho. O rei procurou com este novo cargo
controlar a proliferação de ofícios de redacção, submetendo a este oficial os
«papéis» da Câmara régia.111
A emergência do «escrivão da puridade» absorveu o processo “administrativo”, os
mecanismos de decisão e mesmo o desenho das prioridades na execução dos
“negócios públicos”. O crescimento dos poderes do rei obrigou à manutenção da
continuidade das decisões, de forma a responder a todas as solicitações dos
vassalos: não haveria aumento do poder régio sem a correspondente capacidade de
tratar as «petições» dos vassalos.
O vedor da chancelaria, é o subalterno do Chanceler, com papel de intermediário
entre este e os restantes funcionários e com importante função administrativa. As
suas atribuições principais eram as de depositário do selo do rei e encarregado da
110 «Regimento» no reinado de Pedro I, em 1361. Segundo o conde de Tovar, a denominação não
surge no Regimento mas numa Carta Régia dada em Portela 20 de Dezembro de 1362, Conde de
TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos…, pp. 31-36
111 Fernão LOPES, Crónica de D. Pedro I, cit. por Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre
os Escrivães da Puridade...», p. 162
88
elaboração das cartas régias. Participa ainda na preparação das decisões do
monarca.
16. A “matriz judicial”. A administração da Justiça Superior. O
corregedor da Corte (o “Ministro da Justiça”: atribuições de carácter
judicial, policial e administrativo). Os ouvidores da Corte e os
sobrejuízes da Casa do Cível.
O Corregedor da Corte, adquire estatuto próprio com as ordenações afonsinas, é no
tempo uma espécie de «ministro da justiça», competindo-lhe o conhecimento dos
feitos e desembargos vindos dos juízes ordinários dos locais onde o Rei estivesse,
de modo idêntico aos corregedores das comarcas. Tem ainda funções policiais e
administrativas, e a sua jurisdição compreende uma área de 5 léguas em torno do
lugar em que se encontra, com excepção das causas em que intervenham pessoas
notáveis ou nos casos de crimes graves. E das suas atribuições decorre ainda uma
acção fiscalizadora sobre os juízes e os meirinhos.
Os Sobrejuízes, dois clérigos e dois leigos têm funções no plano estritamente
judicial, sendo os encarregados das apelações dos feitos cíveis. Os dois primeiros
participam na relação do crime e todos com outros magistrados na relação do cível.
Os Ouvidores, por seu lado, distinguiam-se em ouvidores do crime e ouvidores da
portaria, sendo os primeiros em número de quatro, repartidos por duas audiências,
uma conhecendo de apelação nas causas dos presos e outra que acompanhava o
itinerário régio encarregados dos pleitos crimes e os segundos, ocupados com os
pleitos relativos, enquanto os segundos se encontravam ocupados com os pleitos
relativos à fazenda real. Estes integravam ainda um tribunal superior que se
designava de Audiência da Portaria.
17. A “matriz financeira”: a Casa dos Contos e os Vedores da
Fazenda.
O cargo de Vedor da Fazenda (de que existe já exemplo em 1372 e que sucedeu ao
porteiro-mor assegurando a administração superior do património real e da fazenda
pública à qual se associava atribuições contenciosas da esfera fiscal). Evidencia o
89
desenvolvimento de uma fiscalidade permanente e organizada, no decurso da
estabilização das sisas assumindo-se os vedores da Fazenda como os responsáveis
pela administração dos direitos e rendas do Rei e do Reino. São normalmente
vários, entre três e quatro.
A Casa dos Contos tem origem no final do final do século XIII quando com D.
Dinis se começou a desenhar o embrião de uma repartição contabilística no que
viria a ser o primeiro órgão de ordenação e fiscalização das receitas e despesas.
Só a partir de D. João I se conseguiu a autonomia dos Contos. O seu mais antigo
Regimento data de 5 de Julho de 1389. Através dele tentava o poder central, com
os meios de coacção disponíveis, dominar e disciplinar a burocracia que aumentava
em número e abusos. Segue-se-lhe um segundo regimento em 28 de Novembro de
1419 e, com D. Duarte, um terceiro, em 22 de Março de 1434.
Denotam estes regimentos não só o intuito de alcançar uma maior eficácia da
contabilidade mas também, uma maior precisão e rapidez na liquidação e
fiscalização das contas.
17. A “matriz política”: o Conselho do Rei.
D. Afonso III e os “privados” do rei como consultores e assessores do monarca, e
em clara diferença com a Cúria Régia. Desde logo, no que se refere ao número de
entidades a escutar pelo rei e também pela não obrigatoriedade do seu recrutamento
entre os oficiais ou dignitários da cúria.
No segundo e terceiro quartéis do século XIV o Conselho tem nítido progresso na
sua organização e composição. Em qualquer circunstância o Conselho teve, regra
geral, papel de relevo na esfera da normação. O que significa que o Conselho se
afirma, sobretudo em matéria legislativa, tanto do lado do rei como em
sobreposição algumas vezes, De outro modo, o Conselho não adquire autonomia
senão apenas na medida em que o Rei o consinta.
Importante ainda, o facto de na sua evolução o Conselho para além de registar uma
tentativa de participação obrigatória de Conselheiros oriundos de todos os
estamentos, procurar incluir o conhecimento e a sabedoria dos homens do reino. Os
teólogos e juristas saíram amplamente beneficiados.
90
18. As incidências da crise de 1383-1385 na administração central: As
cortes de 1385.
Reunidas em Coimbra em Março e Abril. Importância: Sancionaram juridicamente
a Revolução popular de Abril de 1384, sob a chefia do Mestre de Avis; Eleição de
novo Rei, instaurando nova dinastia; Definiram as regras de um regime
constitucional. A «ordem de trabalhos»: a. Atribuição da coroa; b. Financiamento
da guerra; c. Formulação dos habituais capítulos que a cada um dos três estados
podia propor à resolução régia. Composição: clero e nobreza, concelhos e letrados.
19. A legislação régia medieval e o objectivo da “utilidade da pública”:
o Livro das Leis e Posturas e as Ordenações de D. Duarte:
Instituição de juízes, proibição da vingança privada; as ideias da paz e do bom
governo; a intervenção “positiva” do rei em matéria de governo e administração
(sobretudo judiciária).
20. Remodelação do Conselho Régio e do Desembargo Régio.
Renovação dos quadros humanos e aumento do número de funcionários com
preparação jurídica universitária.
21. A fiscalidade como importante mecanismo de poder: O
lançamento de impostos gerais permanentes: as sisas gerais.
91
22. A administração local: O poder senhorial
Já tivemos oportunidade de referir com algum pormenor as grandes questões que
conduziram à criação e forte desenvolvimento dos senhorios e a toda a vicissitude
que delas foram decorrendo ao longo dos séculos. Com efeito, a guerra com os
muçulmanos e a necessidade de organizar o território conquistado conduziu a que
a politica régia ao favorecimento da nobreza e à outorga de grandes espaços
territoriais que concretizaram os seus domínios e ao mesmo tempo, a transmissão
do exercício do poder tributário e aplicação da justiça em muitos dos casos.
Os senhorios têm desde logo, uma importância económica e geográfica que decorre
da necessidade de ocupação e reorganização territorial, implantando nos territórios
geográficos um maior, ou, menor agregado populacional que preservasse a
independência do território, o reorganizasse do ponto de vista económico e que
mantivesse uma ligação ao monarca e lhe garantisse o apoio e a ajuda sempre que
necessitasse.
Mas, também do ponto de vista politico, os senhorios são também os detentores da
autoridade e do poder nos domínios militar, judicial e fiscal, constituindo-se por
conseguinte “como o principal centro e o reordenador da vida social”,112
constituindo-se como o conjunto do exercício de poderes de chefia, de organização
das relações colectivas, de mando ou de arbitragem de conflitos, de redistribuição
dos excedentes de produção no seio da comunidade.113 Mas também fazem parte
integrante do mundo senhorial, as questões da vassalagem que ligam os senhores
feudais ao suserano e que são resultado de especialização guerreira dos detentores
de propriedade. É por este conjunto de motivos e, bem assim, em face de
proximidade do rei com a nobreza, tanto do ponto de vista da necessidade que tem
deste para alcançar os te desígnios de conquista e de manutenção do território, como
também para a manutenção, exercício e conquista do poder que lhe é indispensável.
Necessidade de administrar e fazer justiça em terras ocupadas e povoadas mas
isoladas em vastos espaços e longe do poder real. Coutos. Terras imunes, onde o rei
112 Mattoso, José. 1995. Identificação de um Reino...op. cit. p. 83
113 Id. P. 84
92
renunciava a cobrar impostos, incluído a parte que lhe cabia nas multas ou
composições resultado da punição de actos delituosos. Privilegiado por carta que
delimitava a terra abrangida e demarcada pelo interessado mediante a colocação de
marcos ou padrões.
Coutos eclesiásticos e doações régias.
Honras.
Préstamos concedido aos nobres para remunerar serviços prestados ao rei,
representante da colectividade. O rei ficava privado de voz e coima (parte que
segundo o costume revertia para a coroa das sanções penais pecuniárias), de
achaque (tributo anual de 2,5% dos haveres dos mouros) de vida (constituída pelo
jantar ou comedorias a que o rei e seus representantes tinham direito quendo em
trânsito pelas localidades, mas que foi em muitos casos transformada em prestação
periódica regular, por vezes expressa em dinheiro) de anúduva (obrigação de
trabalho na reparação de castelos reais ou casas fortes) e da hoste (prestação militar
correspondente ao dever de incorporação no exército real quendo houvesse
convocação) e fossado (prestação militar correspondente à incorporação nas
expedições de defesa local próxima).
Beetrias. Colectividade de homens-livres, geralmente pequenas, que detinham o
privilégio de eleger o nobre que desejassem por patrono para seu senhor (tomar
senhorio) com a faculdade de mudar outro, quando se verificassem as
circunstâncias previstas nos costumes locais. Relação de patrocínio estabelecida
entre um homem livre, que não deixa de o ser, e alguém mais poderoso que o proteja
e favoreça.
Poderes de propriedade associados de apropriação indevida ou do legítimo
exercício de funções públicas conferidas ao senhor.
“Disseminação dos direitos próprios da soberania, numa fragmentação do
conteúdo desta e sua distribuição por diversos indivíduos, em cujo património
passam a fundir-se, misturando-se com direitos de índole privada e ingressando
com estes no comércio jurídico” (Paulo Mêrea)
Goza de imunidades, ficando vedada intervenção dos oficiais régios nos seus
domínios.
93
Exercia os poderes que genericamente competiam ao rei (tributos, justiça, e
administração)
Agentes: mordomos e vigários
23. A administração local: Os Concelhos
Controvérsia da origem e evolução dos municípios
Assembleia de vizinhos para tratar de interesses comuns
Assembleia dos homens-bons
Concessão do rei ou do senhor como instrumento da sua política
De povoamento
De aumento da riqueza pública
De multiplicação de fontes tributárias
Reunião em vários sítios destacados:
na praça do concelho
debaixo de uma árvore secular no adro da igreja
Concelhos
Ordinários: reunião uma vez por ano para escolher o juiz ou juízes, os alvazis ou
os alcades
Extraordinários:
Concilium pregonatum (concelho apregoado), com a presença de todos ou quase
todos os chefes de família
Consilium (conselho restricto), formado por um número limitado de homens-bons,
a quem competia zelar pelos interesses do município (os alcaldes, os alvazis, etc.)
Atribuições
Posturas municipais
Eleição dos alcaldes (ou alvazis)
94
Eleição de outros magistrados concelhios
Juízes (auxílio da Assembleia na aplicação da justiça)
Almotacés (Funções policiais e de sanidade)
Sesmeiros (repartição dos terrenos do concelho pelos vizinhos)
Mordomos (cobrança das rendas do concelho)
Bibliografia Aconselhada
Albuquerque, Ruy de e Albuquerque, Martim de. História do Direito Português
(1140-1415). Lisboa: PF, 1999, pp. 503-576
Barros, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos
Séculos XII a XV. Tomo I, Lisboa: Imprensa Nacional, 1885, pp. 1-70
Caetano, Marcello. História do Direito Português (Sécs, XII-XVI). Lisboa:
Editorial Verbo, 2000, pp. 111-118
Costa, Mário Júlio de Almeida, História do Direito Português. Coimbra: Almedina,
1992, pp. 149-157;
Herculano, Alexandre, História de Portugal: Introdução.Tomo I, Lisboa: Livrarias
Aillaud & Bertrand, s.d., pp. 28-109;
Caetano, Marcello. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa.
Coimbra: Coimbra Editora, 1994, pp. 191-266
Homem, Armando Luís de Carvalho. Conselho Real ou Conselheiros do rei? A
propósito dos «privados» de D. João I, in Revista da Faculdade de Letras. Porto:
Universidade do Porto, 1987
Merêa, Manuel Paulo. “Organização Social e Administração Pública”. in História
de Portugal: Edição Comemorativa do 8º Centenário da Fundação da
Nacionalidade, II, pp 445-524
Homem, Armando Luís de Carvalho. Uma crise que sai d’“a crise”, ou o
Desembargo régio na década de 1380
95
III. O ESTADO MODERNO E O PROCESSO DE DIFERENCIAÇÃO
ADMINISTRATIVA
24. O advento do Estado Moderno em Portugal
24.1. Dimensão e caracterização do novo conceito de Estado
O nascimento do Estado Moderno é caracterizado por um conjunto de
circunstâncias que promovem a ruptura com o estado feudal, alterando de forma
radical os pressupostos em que este último assentava e determinava de igual forma
a relação entre os indivíduos, a sociedade em que se integravam e as instituições.
Uma dessas circunstâncias é o aparecimento da dimensão individualista que destrói
de forma radical a ideia de ordem social e política que caracterizava a época feudal.
Tal ideia, consubstanciava-se na perspectiva de que a organização política decorria
da vontade de Deus e por conseguinte fixadas as regras pela ordem natural. Pelo
que “o individuo não estava, assim, na origem da constituição política ou da
organização social; era esta, pelo contrário, que lhe atribuía um determinado
papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres”.114
Ora, a dimensão individualista, colocando o Homem no centro do mundo e que toda
a dimensão política depende da sua vontade põe em causa o equilíbrio tradicional
da sociedade anterior. E, por esse motivo, a constituição da sociedade decorre de
um pacto ou contrato cujas cláusulas dependem em exclusivo das partes. De igual
forma, todas as relações sociais passam a ser entendidas como sendo passíveis de
modificação por iniciativa das partes.
É neste contexto, que o Estado Moderno se vai concretizando, atribuindo à noção
de “Estado” uma importância decisiva e determinante no desenvolvimento das
sociedades humanas. O Estado, passa a ser o resultado de uma organização do poder
caracterizada pela racionalidade, generalidade e abstração, na qual, a primeira das
características consistia numa forma racional de organizar a sociedade, a segunda
114 Hespanha, A. Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna, … p. 2
96
como uma forma abstracta e geral de regular a dimensão social e finalmente um
modelo impessoal de participação política.115
Para além desta dimensão do Estado do ponto de vista da estrutura do poder,
também o novo modelo de Estado tem origem num “Estado de monopolização
muito definido. O individuo foi despojado do direito de dispor livremente dos meios
do poder militar que está reservado a uma autoridade central, qualquer que seja a
sua forma”.116 E de igual modo, também a cobrança de impostos sobre os bens ou
sobre o rendimento de cada pessoa está igualmente concentrado nas mãos de uma
autoridade central da sociedade estabelecido que fica o monopólio do militar e
fiscal “as lutas sociais já não visam a eliminação do monopólio de soberania, mas
sim decidir quem deve dispor do sistema de monopólio, onde recrutar os seus
elementos e como distribuir os respectivos encargos e lucros. É com a formação d
etal monopólio permanente, detido pela autoridade central e de um tal sistema de
soberania especializado que as unidades de soberania adquirem o caracter de
«Estados» ”117.
O Estado, assume assim um conjunto de ideias força que o caracterizam de forma
determinante, como sejam a separação do público do privado, a autoridade da
propriedade e a política da economia. A promoção da concentração de poderes num
só polo, eliminando o plenamismo político, e o Estado instituiu um modelo racional
de governo.
O Estado moderno, tem no entender da maioria dos autores, foros de identidade a
partir do século XIII, fazendo a sua aparição na Europa dos Estados.
……
E que este vínculo eminentemente privado, se vai diluindo à medida que se avança
em direcção à Idade Moderna. Nos primórdios desta, inicia-se então a transição
para a manifestação de vínculos públicos que ligam os indivíduos ao centro político
da comunidade passando a concretizar-se na figura do cidadão, o qual, tem face aos
titulares do poder, direitos e deveres provenientes da sua posição natural dentro da
115 Vide, Weber, Max, Economia e Sociedade…
116 Elias, Norberto. 1990. O Processo civilizacional. Lisboa: D. Quixote, p. 93
117 Idem. p. .94
97
comunidade. E, é nesta dimensão que o Estado, se vai assumir como o “único corpo
público que vive nas suas próprias leis e na sua própria substância intrínseca”118.
Com efeito, terão sido as transformações do direito público a conduzir ao respeito
dos princípios fundamentais do direito privado e, nesta medida, as “nossas
jurisdições estatais e da igreja e a imposição de modelos de conduta social,
procuram o respeito por aquelas regras essenciais do direito privado, em especial
do direito da família (casamento tridentino) e das obrigações (principio da culpa e
obrigações do foro da consciência) ”119.
De outro lado, o nascimento do Estado moderno, “encontra-se ligado à crise da
sociedade no século XVI, em consequência dos descobrimentos e da reforma
religiosa.
A disciplina imposta pela Igreja estava a ser colocada em causas e a autoridade da
casa já não era capaz de impor a disciplina, no momento em que as relações sociais
pareciam seguir novos modelos: o Estado tornou-se necessário neste momento para
restabelecer a ordem e disciplina sociais. Disciplina que é imperativa para os reis,
juízes, funcionários, etc”120.
É neste contexto que o Estado em Portugal também vai seguindo o seu caminho.
Se, no decurso dos séculos XII a XV, ele assenta numa perspectiva atomística, com
um poder político difuso, assente numa dimensão de força e de capacidade para os
eu uso, numa comunidade de interesses e de cultura próximas, ainda que em
construção e em crescimento, motivo pelo qual se pode entender a sua relativa
predominância na esfera pública, já a partir do século XVI se evidencia com clareza
a mudança a que se assistirá a partir daí.
O novo Estado adquire, por força das alterações sociais, políticas, culturais e
sobretudo económicas, uma dimensão claramente diferente. Já não assegura uma
certa hierarquia de poderes, mas assume-se como o poder. Não assenta na
atomicidade, mas ajusta-se no sentido do núcleo centralizado do poder. Já não
118 Ulmann, Walter, A History of Political Trought: the middle ages, op. cit. p. 206
119 Homem, António Pedro Barbas, O Espírito das Instituições. Um estudo de História do Estado,
Coimbra, Almedina, 2006, p. 41
120 Id. p. 42
98
assegura apenas uma certa dimensão geográfica, mas passa a consagrar um
elemento aglutinador de uma comunidade dentro de um território, com uma cultura
própria e com uma dimensão social e política também específica.
A crise de 1383-85 consubstanciou de forma evidente esta dinâmica cultural, social
e económica, distinguindo o contexto povo e determinando a circunstância território
como elemento fundamental de tal povo. E, a natureza do novo Estado, ficará aqui
bem delimitada
O Estado moderno é caracterizado por dois tipos de processos. Um desses processos
é o da institucionalização, no sentido em que as suas funções são organizadas de
forma estável, traduzindo-se assim, na emergência de uma entidade abstracta, na
transformação do status dos governantes (órgãos do estado que exercem o poder
em seu nome), na subordinação ao direito, na transformação do poder em
autoridade e na existência de um aparelho estruturado e coerente de dominação,
pelo monopólio da violência legítima121, de que decorrem em três aspectos
principais, o poder de coacção legal, a possibilidade de uso da força física e o
monopólio do uso da força e da coacção. O outro processo é o da autonomização,
na medida em que se verifica uma delimitação uma delimitação das suas funções
colectivas.
25. A organização política e administrativa
25.1. As ordenações do reino e a legislação extravagante
O processo de codificação e arrumação de leis corresponde a uma fase de unificação
do poder régio, de organização dos regulamentos em vigor e consolidação da
orgânica do Desembargo e dos organismos da Cortes.
O seu ponto mais importante a partir das ordenações de D. Duarte, cerca de 1436 a
que se seguiram as Ordenações Afonsinas e finalmente as Ordenações Manuelinas
em versão definitiva de 1521. As primeiras e últimas vêm consagrar a delimitação
da expansão ultramarina portuguesa, respectivamente, e ambas traduzem a vontade
do rei no conhecimento e cumprimento da sua soberania.
121 Max Weber e Norbert Elias
99
As ordenações traduzem-se num instrumento suficientemente capaz de consolidar
a centralização do poder real, criando uma estrutura organizada do ponto de vista
administrativo, delimitando funções e funcionários e delimitando medidas
administrativas, fiscais, legislativas e judiciais. E, particularmente, a organização
judicial vem a ser reforçada no sentido de passar a ser uma instância privilegiada
na administração nacional.
D. Manuel I, seguindo o percurso do seu antecessor, D. João II, vem organizar o
reforço do poder real, com a organização da justiça, orientando-se para uma
aplicação da justiça de forma mais simples e mais eficiente.
Interesse político na compilação:
Esclarecimento das funções e níveis de intervenção dos oficiais régios
Resposta às invectivas das Cortes
Tentar dirimir conflitos entre oficiais régios e delegados municipais
Plano administrativo:
Preocupação do monarca em assegurar a memória documental dos actos régios
anteriores
Execução da transcrição e a compilação dos diplomas régios para novos livros
25.2. As Ordenações Afonsinas e o inaugurar da definitiva consolidação
jurídica.
Por morte de el-rei D. Duarte, governando o reino na menoridade de D. Afonso V
o infante D. Pedro, ordenou o regente «que as ditas Ordenações e Compilação
fossem revistas e examinadas pelo Doutor (Ruy Fernandes), e pelo Doutor Lopo
Vasques, Corregedor da Cidade de Lisboa, e por Luiz Martins e Fernão Rodrigues,
do desembargo do dito senhor Rei». Esta compilação começou a vigorar em 1446,
e foi provavelmente lei geral do Estado até aos primeiros anos do reinado de D.
Manuel, reinado aliás fértil em leis que alteram e reformam a legislação.
As Ordenações Afonsinas, surgem na sequência de insistentes pedidos formulados
em Cortes, no sentido de ser elaborada uma colectânea do direito vigente que
100
evitasse as incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com
graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça.
E, tal concretização iniciar-se-ia com D. João I, que procurando a atender aos
pedidos feitos em Cortes pelos povos, mas, ainda assim, apenas em 1446/1447 (não
é possível afirmar uma data exacta), se procede à publicação das Ordenações, já no
reinado de D. Afonso V. Os trabalhos duraram os reinados de D. João I e de D.
Duarte, cabendo ao Infante D. Pedro, regente na menoridade de D. Afonso V, o
papel de grande impulsionador da conclusão da obra.
Não é no entanto, fácil precisar o início da sua vigência, já que na época, não existia
uma regra definida sobre a forma de publicitar os diplomas legais e o início da
correspondente vigência. Com as Ordenações Afonsinas procurou-se
essencialmente, sistematizar e actualizar o direito vigente na época, tendo na sua
elaboração, sido utilizadas diversas espécies de fontes anteriores, tais como as leis
gerais, as resoluções régias, as concórdias, as concordatas e bulas, as inquirições,
os costumes gerais e locais, os estilos da Corte e dos tribunais superiores, e ainda
normas extraídas das Siete Partidas e preceitos de direito romano (“leis imperais”
ou “direito imperial”), de direito canónico (“santos cânones” ou “decretal”) e
alusões ao direito comum.
Quanto à técnica legislativa, empregou-se, via de regra, o estilo compilatório, isto
é, transcrevem-se na íntegra, as fontes anteriores, declarando-se depois os termos
em que esses preceitos eram confirmados, alterados ou afastados. Noutras
passagens da obra (o Livro I, por exemplo), recorreu-se ao estilo decretório ou
legislativo, que consiste na formulação directa das normas sem referência às suas
eventuais fontes anteriores. Talvez por influência dos Decretais de Gregório IX, as
Ordenações Afonsinas encontram-se divididas em cinco livros, correspondendo a
cada um, certo número de títulos, com rubricas indicativas do seu objecto e estes,
frequentemente, acham-se divididos em parágrafos.
As Ordenações Afonsinas assumem uma importância destacada na história do
direito português. Constituem a síntese do trajecto que desde a fundação da
nacionalidade, ou, mais acertadamente, a partir de D. Afonso III, afirmou e
consolidou a autonomia do sistema jurídico nacional no conjunto peninsular.
Representam o suporte da evolução subsequente do direito português pois as
Ordenações que se lhes seguiram, pouco mais fizeram do que, em momentos
101
sucessivos, actualizar a colectânea afonsina. Não apresentam, contudo, uma
estrutura orgânica comparável à dos modernos códigos e por isso se encontrem
longe de revelar uma disciplina jurídica completa. Trata-se, no entanto, de uma obra
que nada fica a dever quando comparada com outras compilações da época
elaboradas noutros países europeus.
Do ponto de vista político, a sua publicação liga-se ao fenómeno geral da luta pela
centralização política, que desde sempre foi perseguida pelos monarcas nacionais a
seguir a Afonso Henriques e, é perceptível uma acentuada independência do direito
próprio do Reino em face do direito comum, subalternizado no posto de fonte
subsidiária por mera legitimação da vontade do monarca.
As Ordenações Afonsinas oferecem à investigação histórica, um precioso auxiliar,
no sentido de melhor conhecer certas instituições, pelo menos de um modo tão
completo e em aspectos que escapam nos documentos em avulso da prática.
25.3. As Ordenações Manuelinas
Duraram pouco tempo as Ordenações Afonsinas. Já em 1505 se advogava a sua
reforma. Com efeito, nesse ano, D. Manuel encarregou três destacados juristas da
época (Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim), de procederem à actualização das
Ordenações do Reino, alterando, suprimindo e acrescentando o que entendessem
necessário. Dois motivos, se apresentam geralmente, como justificativos desta
decisão de D. Manuel, a introdução da imprensa, em finais do século XV, em
diversas vilas e cidades do país, facilita a difusão da obra, o que a concretizar-se, se
afigurava lógico que apenas ocorresse após uma cuidada revisão da colectânea. Por
outro lado, admite-se que um reinado pautado por momentos altos na gesta dos
descobrimentos, estimulasse D. Manuel a ligar o seu nome a uma reforma
legislativa de vulto.
Começou a reforma em 1505 «El-rei D. Manuel... Começou neste ano de mil e
quinhentos e cinco um negócio de muito trabalho, que foi mandar reformar as
ordenações antigas do reino, e acrescentar nelas algumas coisas que lhe
pareceram necessárias» (10) e tão interessado estava o monarca na reforma que
determinou que o reino se devia reger pelo novo código até 1521, altura em que se
publicam as Ordenações e que viriam a ser lei vigente até á publicação das
102
Ordenações Filipinas, (1603) determinando por aquela ocasião D. Manuel que se
rompessem todos os exemplares das Ordenações antecedentes.
Depois de algumas atribulações próprias de um empreendimento desta natureza, a
edição definitiva das Ordenações Manuelinas acaba por ter lugar em 1521 (ano em
que morre D. Manuel). Com a sua publicação, e na sequência da Carta Régia de 15
de Março de 1521, determina-se a total destruição, num prazo de três meses, das
anteriores colectâneas, a fim de evitar possíveis confusões, sob pena de multa e
degredo.
As Ordenações Manuelinas, conservam a estrutura básica dos cinco livros,
integrados por títulos e parágrafos, a distribuição das matérias é semelhante à da
colectânea afonsina, assinalando-se, todavia, algumas diferenças de conteúdo, não
sendo possível falar de uma profunda e radical alteração do direito português, mas
tão-só, de meros ajustamentos de actualização.
Do ponto de vista formal, a obra marca um importante progresso de técnica
legislativa, que se traduz, sobretudo, no facto de os preceitos se apresentarem
sistematicamente redigidos em estilo decretório, ou seja, como se de normas novas
se tratasse, o que resultava num menor interesse para a reconstituição do direito
precedente.
26. A centralização do poder na autoridade régia: a organização da
fazenda régia
A centralização do poder régio, foi um processo cumulativo de intenções iniciado
nos primórdios da formação do reino português, conduzido por todos os reis desde
então, procurando com isso, a aquisição do poder político de forma clara,
eliminando os poderes periféricos ou pelo menos retirando-lhes espaço de
autonomia, sobretudo, aos nobres senhoriais e ao alto clero. Esta eliminação
periférica da estrutura do poder assentou sobretudo na publicização da justiça,
eliminando a grande intervenção da justiça privada e no controlo das finanças
103
públicas, principalmente ao nível da recolha tributária e na organização burocrática
da estrutura administrativa.
Desde Afonso III que a tendência os monarcas portugueses foi a de reduzir o poder
dos vários agrupamentos sociais preferenciais, sobretudo da nobreza, especialmente
o poder que existia nos senhorios e que se assumia não raras vezes, como um
contrapoder, e do clero, principalmente o alto clero e as ordens religiosas que
reclamavam um estatuto especial e que se tornavam um obstáculo ao poder real,
quer reivindicando o não pagamento dos impostos, a aplicação da justiça e o
reconhecimento de um estatuto privilegiado na estrutura do poder.
Também D. Dinis, renovou esta tendência centralizadora, quer na aplicação das
inquirições, quer na reforma que procurou fazer no domínio legal para restringir o
poder da nobreza e do clero, quer no conjunto de realizações que promoveu para a
assumpção privilegiada do poder.
Esta tendência centralizadora, teve ainda maior desenvolvimento no domínio da
reorganização da administração central e a criação de um conjunto de figuras no
foro administrativo, fiscal e político e na tentativa de alteração dos princípios
orientadores da administração local, reforçando os poderes do rei e das suas
instituições sobre as decisões, as escolhas e as orientações do poder local e
nomeadamente pela nomeação de funcionários régios com força superior para
actuar ao nível dos concelhos, com a criação dos juízes de fora, da reorganização
administrativa do país e sobretudo dos concelhos.
O rei não aparece só como um grande proprietário sobre cujas terras, colonos e
instrumentos de produção ou comercialização o concelho não tem jurisdição
alguma, nem apenas como o senhor da terra que, à maneira senhorial, cobra
impostos e vigia a justiça. Começa a impor regras ao Concelho, tendendo a esquecer
a sua autonomia. Tal resultará de uma estratégia política para apertar os laços que
unem os concelhos ao rei e a ideologia começa a fazer os seus frutos, colocando o
rei acima de todos os interesses colectivos ou individuais. É assim esta forma que
os reis se assumem como protectores dos concelhos, contra as excomunhões dos
clérigos e os ataques da nobreza. No entanto, aina assim, a autonomia dos
104
concelhos, integrando-se num corpo político de dimensão nacional e a cingir-se à
centralização estatal.122
É com D. João I que se verifica um reforço da centralização do poder do rei, por
duas razões principais: a primeira pelo início da codificação legal reduzindo a
margem de intervenção da aplicação privada do direito e a segunda pelas
disposições contidas na Lei Mental. É principalmente esta lei que visa regular a
transmissão dos direitos senhoriais e que reinicia uma longa luta contra os direitos
senhoriais, a qual só terminaria nos alvores do regime liberal. A Lei Mental, que
visava regular a sucessão dos bens da coroa e quando em caso de dúvida, o ónus da
prova pertencia ao procurador da coroa, pois a presunção era a de que os bens eram
património privado do rei. Ainda assim, em face das excepções que ficavam
traduzidas naquela lei e na confirmação régia das doações na sua maior parte, o
poder senhorial manteve muitas das suas prerrogativas.
A Lei Mental, tem ainda no que respeita à centralização do poder do rei, a
importância de, como dissemos atrás, reduzir a dimensão política e económica dos
senhorios. Efectivamente, a recuperação de terras da coroa doadas à Nobreza ou à
Igreja, e que posteriormente haviam sido de forma ilegítima ocupada, reveste
importância no acréscimo do poder económico e fiscal do reino, impedindo que
aquelas ordens privilegiadas continuassem a usufruir de direitos sobre terras que
não lhes pertenciam ou atribuindo impostos sobre as mesmas.
Mas, é com D. João I que o poder régio continua a evoluir no sentido de uma maior
centralização. É no domínio fiscal que tais passos se vão concretizando, porquanto
começa a ser claro que o processo fiscal é um importante mecanismo de exercício
e controle o poder político. E um desses mecanismos é a introdução das Sisas
Gerais123 como imposto que se traduzia na captação de receitas para o Estado com
122 Vide Mattoso, José .1995. Identificação de um País (1096-1325). Lisboa: Editorial Estampa. II
– Composição, p. 172-174
123 As Sisas Gerais eram um imposto indirecto que incidia sobre contratos de compra e venda ou
troca, exercido a nível municipal, de carácter temporário, tendo a sua existência desde o século XIV.
Mas em algumas circunstâncias os monarcas acabaram por se aproveitar de tal imposto, como
aconteceu com D. Fernando, tornando-o num imposto régio, o que levantava da parte do povo vivas
contestações.
105
o intuito expresso de prover o reino dos montantes financeiros suficientes para os
encargos da guerra com Castela.
Seguindo a razão do estado fiscal, de procurar o máximo de receita com o mínimo
de oposição, D. João I, nas Cortes de Coimbra de 1387, fez aprovar as Sisas Gerais,
alargando o seu âmbito de aplicação a todo o território nacional e com carácter
universal. O que significava que, pela primeira vez, se criavam impostos de
aplicação generalizada a toda a população e com âmbito de aplicação territorial. As
tradicionais excepções à nobreza e ao clero deixam de ter aplicação, motivo pelo
qual estes estamentos levantaram alguma contestação ao seu pagamento. E, mais
importante ainda é que o imposto que se destinava a ser apenas transitório e por
período de um ano, transformou-se em imposto permanente com fundamento no
bem comum da nação, assinalando-se com isto o nascimento do estado fiscal
português.124
As sisas gerais seriam assim, o prenúncio da alteração dos laços senhoriais
tradicionais entre o príncipe e os seus súbditos, dando lugar a uma relação de poder
público, ao qual todos ficam subordinados de modo igual enquanto contribuintes.
Ainda no domínio da centralização do poder real, impõe-se referir ainda o tempo
de D. João I e as repercussões que as alterações provocadas pela crise de 1383-85
tiveram no desenvolvimento social, político e administrativo no Estado nacional a
partir dos inícios do seculo XV. E, para além da questão fiscal e territorial, também
a questão da justiça, adquiriu dimensão desde cedo o problema da aplicação da
justiça enquanto mecanismo diferenciador da posição hierárquica dos detentores do
poder no espaço nacional. A possibilidade de uma aplicação privada da justiça
conduziu a uma clara descentralização da estrutura do poder e de igual modo a uma
redução o peso régio. De modo que, a tentativa de colocar o rei como o centro e
topo da hierarquia de todos s senhores de Portugal impunha que a justiça e a
organização institucional do Estado como elementos preponderantes. Assim, o rei
chama a si as funções de chefe militar, de protector da igreja, de promoção da
expansão territorial (sobretudo até D. Dinis) e de prover ao enriquecimento do
território nacional, mas também de aplicador da justiça em exclusividade. É este
124 Vasques, Sérgio. 2009. A evolução do sistema fiscal português, in Revista Fórum do Direito
Tributário. RFDT, Belo Horizonte, ano 7, n.º 37, Jan-Fev
106
aspecto que a partir de finais do século XIV se marca de forma diferenciadora as
funções régias, no sentido de que mediante o domínio do direito se produz um forte
mecanismo da imposição da disciplina social ou de dominação social. A
consolidação do Estado Nacional, sinónimo do forte papel do estado e da sua acção
centralizadora a partir do qual emanariam ordens para todo o espaço territorial do
reino com a necessária obediência numa relação hierárquica directa, é o exemplo
desta acção de centralização junto da justiça.125
Sabemos, no entanto, da dificuldade que assistia ao rei na fiscalização da obediência
das leis nacionais, por todos e em todo o território. O que transformava em maior
dificuldade a assumpção do quadro jurídico e da centralização da administração da
justiça, tanto mais que era claro também, a existência de um vasto conjunto de
forças que se opunham à vontade do rei e procuravam impedir tais medidas.
Ainda assim, os monarcas a partir de D. João I, procuravam com denodo a
centralização e fiscalização da justiça, quer com recurso à codificação jurídica, quer
com o recurso à nomeação de funcionários régios que no espaço nacional pudessem
assumir o encargo de fazer cumprir as decisões régias
Ora, este conjunto de acções ais ou menos concretas, não podia ter tido
consequências práticas se não estivesse fundada num conjunto de que questões que
se resumem à cultura, ao ensino e à educação de uma arte da população, sobretudo
ligada à Igreja. Com efeito, a aposta de Afonso III no ensino superior e sobretudo
no ensino do Direito daria os seus frutos. Os letrados, juristas formados no estudo
do Direito Romano Justiniano, vêm prestar um fundamental auxílio na elaboração
das leis mais importantes que a partir de Afonso III começam a ser decretadas e que
assumindo um âmbito de aplicação geral se vão impondo àquelas que vigoravam
localmente. E, começam a partir daqui a criar-se os órgãos de carácter
administrativo especializado, sob a autoridade régia e principalmente os de natureza
judicial. É, pois, com estes letrados, proeminentes juristas que, na proximidade do
rei, se vão construindo os suportes para o desenvolvimento do domínio político do
monarca sobre os restantes agrupamentos sociais.
125 Caetano, Marcello, História do Direito Português, op. cit. p.
107
Mas, se com D. Afonso IV, esta tendência, fica de algum modo, em suspenso, pois
este permitirá de novo o reforço dos poderes da nobreza e do alto clero, D. João II
vem de forma definitiva impor a centralização do poder, o reforço da sua posição
dominante no seio das restantes forças sociais, e a determinar com rigor o
significado do poder absolutizado. A redução do domínio senhorial, para o que
contou com o apoio das cortes em 1481, a delimitação das confirmações régias e
uma acção concertada junto da nobreza e alto clero, permitiu-lhe assumir o novo
paradigma que, na Europa começava a dar os seus primeiros passos: a absolutização
do poder real.
Os seus sucessores, sobretudo D. Manuel I e D. João III, confirmariam e
aprofundariam a política absoluta do rei e centralizadora do Estado, contribuindo
decisivamente para o aparecimento e desenvolvimento do estado absoluto
português.
27. A centralização do poder na autoridade régia: Corregedores e
juízes. Conselheiros e validos
A centralização do poder na autoridade régia foi no decurso dos séculos de
formação do estado nacional, um dos principais objetivos dos vários monarcas
como em várias ocasiões já referimos. Nesta dimensão, adquire especial
importância a nomeação por parte dos reis, de vários oficiais régios, cujas
atribuições principais decorriam da representatividade real junto dos vários estratos
populacionais e junto das várias circunscrições geográficas.
Um dos instrumentos que permitiu o desenvolvimento do poder régio foi a criação
dos corregedores, oficiais régios que assumindo funções variadas, desde as
administrativas às judiciais pretendiam organizar e estruturar o poder central junto
das populações e das várias regiões do país.
A sua mais antiga menção, data de 1278, mas entre esta data e 1323 foi a mesma
usada de forma pouco regular, pelo que é nesta última data que a função adquire
maior importância com a nomeação por D. Dinis de um corregedor para a região de
Entre Douro e Minho com o intuito de fazer justiça e «corregimento» sobre todos
aqueles que praticassem malfeitorias na região. A sua alçada “estendia-se sobre os
108
meirinhos, juízes e tabeliães, cumprindo a estes últimos dar-lhe notícia de todos os
crimes praticados para que os pudessem punir dum modo exemplar”.126
É no entanto, com Afonso IV que a função assume permanência institucional,
através da publicação de uma lei de 1330, mas é só com o Regimento datado de
1332 é que adquire estabilidade a figura do corregedor. As suas atribuições
passaram então a incluir o conhecimento da existência de bandos de criminosos, a
sua origem, e a promover a efectiva aplicação da justiça, o saber com recurso a
pregão público da existência de querelas com o alcaide-mor por parte dos
moradores, com os juízes ou outros poderosos.
Ainda no âmbito das suas competências, devia conhecer como se comportavam, no
exercício das suas funções concelhias, os agentes autárquicos na sua esfera pública
e privada e como administravam o dinheiro proveniente das rendas dos concelhos.
Uma inovação importante, foi a da “nomeação por parte do corregedor, de seis
homens bons que teriam a seu cargo a incumbência de trocarem opiniões, em local
apartado, sobre o governo da terra”.127 Significava portanto, a criação de uma
espécie de órgão de conselho do corregedor que o ajudava nas decisões mais
importantes do governo do concelho e seus termos.
Os corregedores, tinham por conseguinte uma importante função, enquanto
funcionários régios, nomeados directamente pelo rei, devendo por isso, ser
escolhidos de entre aqueles que de forma geral fosse homens bons, honrados,
entendidos na sua missão e sem qualquer tipo de suspeita. Com efeito, procurava-
se já, neste tempo, a moralização do sistema judicial e fiscal, uma vez que,
sobretudo nas zonas do interior norte do país, o desempenho de tais funções era
tratado de forma pouco ortodoxa. É que, uma série de questões tinham levado o rei
a agir junto dos lugares, quer porque os poderosos em muitas situações recorriam
ao abuso do poder como forma de intervenção, quer porque a peste negra, obrigava
126 Moreno, Humberto Baquero. A presença dos corregedores nos municípios e os conflitos de
competências (1332-1459), p. 77
127 Moreno, Humberto Baquero. A presença dos corregedores nos municípios e os conflitos de
competências (1332-1459), p. 77
109
a uma intervenção régia, sobretudo por causa dos testamentos e respectiva
execução.
A competência dos corregedores era, portanto, de inspecção judicial, e no âmbito
de tais funções se justifica o conhecimento dos processos em que fazem parte os
juízes e magistrados locais ou os poderosos. Ainda assim, muitos são os exemplos
em que os corregedores são apontados como tendo praticado abusos, tentando a
sobreposição face à justiça local.
O certo, é que os corregedores foram em mutas ocasiões vivamente atacados
sobretudo pelos representantes do povo, nas cortes realizadas, por não cumprirem
a sua obrigação, motivo pelo qual os conflitos entre aqueles e as autoridades
municipais era recorrente.
Esta constante incompatibilidade entre os corregedores e os concelhos, levaria a
que em 1459, nas cortes de Lisboa, se apresentasse uma proposta para a sua
extinção, em face das acusações de destruidores públicos. Ainda que não houvesse
decidido em favor da pretensão apresentada, Afonso V dava razão aos concelhos e
prometia a instauração de inquéritos sobre as suas vidas, prometendo de igual forma
a redução substancial do seu séquito, o qual seria constituído pelo chanceler,
escrivão da chancelaria, tabelião geral e meirinho com os seus homens.128
As comarcas, onde os corregedores exercem a sua acção fiscalizadora e justiceira,
são circunscrição administrativa que dividiam o território nacional, com um número
muito variável, desde a altura da sua criação, pelas ordenações manuelinas, com 27
comarcas, 38 no final do século XVIII e 48 no final do Antigo Regime em resultado
da Lei de 1790, que diminui o peso dos donatários, deixando estes de poder nomear
os corregedores dentro das suas donatarias, e também pela redução do peso político
dos próprios corregedores.
Cada comarca tem o seu corregedor, sendo ele o mais importante elo de ligação
entre as comunidades locais e as instituições centrais. As ordenações afonsinas,
descrevem com minucia as funções do corregedores, atribuindo-se-lhes vastas
funções administrativas e judiciais, julgando em primeira instância as causas das
pessoas poderosas, prover a defesa dos direitos reais, nomeadamente, quanto a fisco
128 Barros, Henrique da Gama. História da Administração Pública….op. cit. Tomo XI, p. 200-201
110
e aos forais, o exercício da tutela da legalidade e do mérito das autoridades locais.
Quanto às suas funções de polícia, as suas competências permitiam a determinação
da realização das obras públicas nos concelhos (estradas, poços, pontes, chafarizes).
E, podiam ainda, proceder a inquirições anuais do modo como os magistrados e
funcionários locais exerciam os seus cargos.
Os juízes de fora, eram oficiais de nomeação régia e tinham como atribuição
principal a substituição da justiça concelhia em casos de prevaricação ou deficiente
aplicação da justiça. O seu mandato era de três anos, devendo trabalhar nos lugares
e seus termos (ordenações filipinas).
A distinção do juiz de fora face ao juiz ordinário decorria dos primeiros, serem
letrados, com formação jurídica e por consequência de nomeação régia.
No entanto, os juízes de fora, não eram em muitas circunstâncias bem acolhidos,
por colocarem em causa a escolha dos juízes pelos povos, julgando estes como uma
situação violadora dos seus foros e porque representavam grandes encargos
salariais a custear pelos concelhos.
A razão justificativa por parte do rei era a de que, em muitas circunstâncias os
juízes ordinários não julgavam e aplicavam a justiça e forma correcta, quer porque
sendo eleitos pelos seus pares e outras vezes por influência de algum poderoso, quer
porque tinham de julgar os casos dos seus familiares e parentes, o que diminuía a
necessária objectividade. Mas, os monarcas tinham também outra intenção, nem
sempre apresentada que se atinha à sua perspectiva de centralização do poder e
consequente redução da autonomia dos concelhos.
A sua instituição deve-se a Afonso IV, embora houvesse notícia deles em épocas
mais antecedentes, e uma das atribuições mais importantes era a de presidirem à
vereação municipal, em conjugação com funções de polícia, com a
responsabilidade da segurança das ruas, fiscalização de hospitais, etc.
Os conselheiros,
A figura do valido diferenciava-se dos conselheiros privados que existiram ao longo
da história, porquanto estes detinham a exclusividade das decisões políticas,
assumindo a condução dos destinos do poder, em nome do monarca. Com efeito,
os validos tinham uma enorme proximidade ao poder, uma vez que acabava por ser
o favorito entre todos os privados. Foi sobretudo no decurso dos finais do século
111
XVI e com maior ênfase nos tempos do domínio filipino que a figura do valido
adquiriu maior importância. E principalmente, porque o valido assumia em primeira
instância os confrontos políticos com as várias forças sociais que contestavam a
figura do monarca. Assim, as queixas da governação espanhola, foram na maior
parte das vezes canalizadas contra o valido, deixando espaço e resguardo ao rei, em
face do afastamento por parte da nobreza portuguesa relativamente ao centro de
decisão política.
As imposições fiscais, o reforço administrativo, a repressão de revoltas e clientelas
rivais, encontravam-se no desígnio de actuação dos validos, pelo que em face das
vicissitudes das monarquias, os validos “representavam” os reis nas suas acções
mais contundentes. Agiam de forma objectiva e ao mesmo tempo, resguardavam a
imagem dos seus monarcas atenuando as críticas dos opositores.
Após o final da Regência, em 1662, o corpus politicum conheceu uma fórmula
governativa já conhecida e duramente criticada durante a União Dual: o Valimento.
O Conde de Castelo Melhor, nomeado Escrivão da Puridade, para além de ter dado
um impulso decisivo à guerra, reformulou as fórmulas políticas tradicionais na
Corte Portuguesa, que em parte colidiam com o sistema polissinodal que fora
dominante até lá. Este é considerado o momento sintomático da luta entre facções,
que grassou na Corte Portuguesa desde 1640..
28. O Desembargo do Paço
O Desembargo do Paço, durante muito tempo não teve estrutura autónoma, estando
a subordinado à Casa da Suplicação, da qual viria a ser separado dessa apenas na
publicação do seu regimento especial em 1521 no quadro das Ordenações
Manuelinas. Transformou-se então no Tribunal dos Desembargadores do Paço,
agregando às suas funções a revisão de processos julgados pela Câmara do Cível
ou da Suplicação.
O regimento de 1521 estabelecia como algumas de suas atribuições, expedir, em
nome do rei, alvarás e provisões referentes à questões judiciais, graças e mercês;
despachar os alvarás de fiança; receber e despachar petições e perdões; comutar as
condenações ou penas. Deliberava também sobre petições, confirmava a eleição de
112
magistrados, reconhecia sentenças, perfilhamentos, doações e concedia cartas de
privilégios de habitação e de legitimação
É todavia, sob o impulso de D. João II que em 30 de Maio de 1533, o Tribunal do
Desembargo do Paço, foi criado e se transformou talvez na mais importante
instituição do sistema político do Ancien Regime, tendo sofrido alterações
sistemáticas mais ou menos profundas, em 1564 e 1586 e principalmente em 27 de
Julho de 1582, nas Ordenações Filipinas, com a introdução de um novo regimento.
Depois ainda, em 1607 e 1641, novos aditamentos orgânicos e funcionais.
Já nos finais do século XVIII sofre o Tribunal novas alterações, de que se destacam,
uma na sequência da Carta de Lei de 19 de Julho de 1790, na qual se determina a
extinção das ouvidorias e as isenções de correição, outra pelo Regulamento de 7 de
Janeiro de 1792 na qual se ampliam as competências do Desembargo, quanto aos
territórios de intervenção dos donatários, dos juízes de fora e quanto à anexação dos
concelhos ou sobre a sua criação. Outra ainda, pela Carta de Lei de 17 de Dezembro
de 1794, para proceder à organização das reuniões dos censores da extinta Real
Mesa Censória nas instalações do Desembargo do Paço, ficando as inspecções a
cargo do Santo Oficio, arcebispos e bispos quanto à matéria episcopal e pontifícia
enquanto para o Tribunal ficavam as matérias de autoridade régia, e deque resultou
a criação da Secretaria da Revisão.
Por fim, nos inícios do século XIX, o Desembargo por alvará de 22 de Abril de
1808 passaria a ter uma nova instituição no Rio de Janeiro, designada «Mesa do
Paço e da Consciência e Ordens» que passava a tratar dos assuntos do Desembargo
do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens e Conselho Ultramarino.
Foi extinto em 1833 no final da guerra civil que opôs liberais e absolutistas nos
primeiros anos depois da Revolução Liberal, sendo as suas funções distribuídas
pelas secretarias de Estado, pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos demais
juízes.129
129 Subtil, José Manuel Louzada Lopes. 1993. Os poderes do centro: Governo e Administração. In
Mattoso, José (Dir.) História de Portugal: O Antigo Regime (1620-1807). IV Volume. Lisboa:
Círculo de Leitores, pp. 157-272
113
Durante vários séculos o tribunal do Desembargo do Paço constituiu o «núcleo»
central do dispositivo institucional da Coroa, tendo desempenhado um papel
fundamental no quadro da administração da justiça.130
Até ao reinado de D. Sebastião, o Desembargo do Paço foi presidido pelo próprio
monarca, tornando-se a maior instância jurídica do reino, com alargamento
sucessivo de suas atribuições. Porém, não podemos esquecer que o Desembargo do
Paço possuía também uma competência ampla e diversificada no plano
administrativo e político.
No plano administrativo-jurídico era directamente responsável pela gestão da
magistratura letrada, tanto central como periférica; confirmava as eleições de juízes
ordinários, para além de examinar tabeliães e escrivães; arbitrava conflitos entre os
demais tribunais da Coroa, concedia a revista das sentenças, aconselhava o rei em
matéria de perdão nas causas de crime, decidia legitimações, adopções e cartas de
doação, concedia dispensa de idade e de nobreza, concedia alvarás de fiança e
perdão de delitos de certos crimes.
No plano político, o Desembargo do Paço, “consulta o rei quanto à reforma e
revogação das leis e aprovação de novas medidas legislativas; aconselha o rei ou
o regente quando este o solicita; aprecia e propõe a aprovação de bulas e breves
papais para introdução no reino, depois de exame do Procurador da Coroa
(beneplácito régio); autoriza a concessão de mercês e a instituição de morgado e
capelas”.131
130 João Pinto Ribeiro, não poupa nos elogios ao tribunal, considerando-o “o próprio e
verdadeiro conselho doas senhores reis deste reino; porque nele e com os ministros dele se
aconselharam sempre: com ele resolviam e resolvem as matérias, que só lhes tocam como a
reis e em que consiste a essência e substância da soberania real e o ser de rei. De modo, que o
mesmo é tribunal do paço, que conselho de sua majestade enquanto rei e senhor soberano. O
mesmo é desembargor do paço que conselheiro. estes são os senadores de que propriamente se
diz serem parte do corpo do príncipe”, João Pinto Ribeiro. 1729. Lustre ao Dezembargo do
Paço, in João Pinto Ribeiro, obras varias sobre varios casos, com tres relaçoens de direito, e
lustre ao dezembargo do paço, às eleyções, perdões, & pertenças de sua jurisdicçao. Coimbra:
J. Antunes da Sylva, -3 p. 7
131 Homem, António Pedro Barbas. 2006. História das Instituições: Um Estudo de História do
Estado. Lisboa: Almedina, p. 159
114
E enquanto órgão de governo, a sua competência incluía, a “preparação do
provimento de todos os ofícios judiciais (lugares de letras), nomeadamente,
desembargadores, juízes da Coroa e Fazenda, ouvidores do crime, corregedores e
juízes de fora, o provimento de todos os ofícios de justiça, nomeadamente, escrivão,
porteiro e outros, a confirmação da eleição dos vereadores e de outros titulares de
órgãos do poder local”.132
A revisão e a censura dos livros constituíam também uma atribuição deste tribunal;
possuía, por outro lado, competências no plano da «graça», assistindo o rei na
tomada de decisões que extravasavam o terreno da justiça; por fim, o Desembargo
do Paço teve algumas iniciativas legislativas, intervindo em diversos domínios da
sociedade portuguesa dos finais do Antigo Regime.133
Do ponto de vista da sua composição, o Desembargo do Paço tem um Presidente,
escolhido entre a principal nobreza e desembargadores de carreira, sem número fixo
– entre cinco a de, por vezes mais -. Os desembargadores são magistrados de
carreira, s quais chegam ao topo pela idade, experiência e prestigio profissional e
social. A “sua nomeação é o coroar de uma longa carreira judicial como juiz de
fora, corregedor, desembargador numa Relação ou logo na Casa da Suplicação,
antecedendo finalmente, a nomeação para a Mesa do Desembargo do Paço”134.
Quanto à sua organização interna, o Desembargo do Paço integra quatro
repartições, a repartição dos Cargos, a Repartição das Justiças e do Despacho da
Mesa, a Repartição das Comarcas e a Mesa do Desembargo, chefiadas por cinco
escrivães, um para cada repartição, e um escrivão do despacho para a mesa. A Mesa
tem ainda um tesoureiro, um distribuidor e vários outros oficiais.
29. As reformas Administrativas de D. Manuel I
132 Homem, António pedro Barbas. 2006. História das Instituições: Um Estudo de História do
Estado. Lisboa: Almedina, p. 160
133 Subtil, José Manuel Louzada Lopes. 1996. O Desembargo do Paço (1750-1833), Lisboa,
Universidade Autónoma de Lisboa,
134 Homem, António pedro Barbas. 2006. História das Instituições: Um Estudo de História do
Estado. Lisboa: Almedina, p. 160
115
29.1. Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos
29.2. A reforma dos forais e as implicações na administração local
29.3. A organização da Fazenda régia: O Conselho da Fazenda
30. As modificações introduzidas por D. João III no panorama da
administração pública.
30.1. O regimento da Fazenda de 1560
30.2. O Conselho de Estado
O Conselho de Estado, decorre de forma directa das sucessivas reorganizações que
a Cúria Régia foi tendo ao longo dos vários reinados dos monarcas nacionais a partir
de Afonso Henriques. E também foi tendo as suas alterações em função da doutrina
que no decurso dos séculos XIII, XIV e XV se foi estabelecendo um pouco por
todas as monarquias europeias, e de forma evidente a partir do século XVI em
Portugal com o período de dominação filipina.
As raízes medievais do Conselho de Estado podem resumir-se na expressão
Consilium atque Auxilium a qual sintetiza, os deveres daqueles que deviam auxiliar
e aconselhar o Rei sempre que para isso fossem solicitados, deslocando-se até à
Cúria que o acompanhava. Progressivamente o Conselho, que adquiriu força e
individualidade face à Cúria Régia, foi-se constituindo como um órgão algo
heterogéneo, onde tinham assento todos os altos dignitários, tanto laicos como
eclesiásticos, encarregues de aconselhar o Rei em diversas matérias, especialmente
nas ligadas à justiça.
116
Um dos principais teóricos sobre o Conselho ao rei e sobretudo sobre a sua
necessidade e importância é Juan de Santa María, comissário da Cúria Romana e
capelão de Felipe III, que entende que o “Conselho” é a alma, a razão ou a
inteligência do próprio Estado. Com o “Conselho”, o Príncipe consegue dominar,
não através da sua vontade, mas em função da sua razão, o que lhe permite a
aceitação pelo povo. Pelo que, sempre que o Príncipe que se afaste das resoluções
do “Conselho” entre no domínio imoral e anti-cristão da tirania. Com efeito, “Se o
monarca, seja ele quem for, se decidisse apenas pela sua cabeça, sem acudir ao
seu Conselho ou contra o poder dos seus conselheiros, ainda que acertasse na sua
resolução, sairia dos termos da monarquia para entrar nos da tirania.”135
Também pelo mesmo tempo histórico, Furió Ceriol, protegido de Carlos V e
bibliotecário do seu filho Felipe II, faz do Conselho a apologia, considerando-o
fundamental para a ajuda do Príncipe na governação. Defende, pois que “o
Conselho do Príncipe realmente não é senão um, porquanto não tem mais do que
uma cabeça, que é o Príncipe, é todavia necessário que seja dividido em muitas
partes, as quais terão para com o Príncipe as mesmas responsabilidades que têm
as pernas, braços e outros membros, os quais, ainda que diferentes em lugar, forma
e ofício, vemos que não formam mais do que um homem”.136
O Conselho é na sua perspectiva um órgão fundamental para o Príncipe,
assegurando que as suas decisões são as mais hábeis, as mais importantes e
sobretudo, aquelas que o ajudam na sua relação com os governados. O Conselho “É
para com o Príncipe como quase todos os seus sentidos, o seu entendimento, a sua
memória, os seus olhos e os seus ouvidos, a sua voz, os seus pés e as suas mãos;
para como povo é pai, é tutore curador; e ambos, digo o Príncipe e o seu conselho,
são tenentes de Deus cá na terra. Daqui se segue que o bom conselho dá perfeito
ser e reputação ao seu Príncipe, sustenta e engrandece o povo, e os dois, digo o
Príncipe e o seu conselho, são bons e leais ministros de Deus.”137
135 Cf. Juan de Santa María. 1615. Tratado de república y política cristiana,
136 Cf. Ceriol, Furió. 1559. El Concejo e Consejeros del Príncipe,
137 Cf. Ceriol, Furió, 1559. El Concejo e Consejeros del Príncipe,
117
Pelo que, e “Resumindo, a dedicação, a coragem, a probidade e a capacidade
fazem a perfeição do conselheiro de Estado, e o concurso de todas estas qualidades
deve encontrar-se na sua pessoa.”138
O conselheiro do Príncipe, aquele que deve ser o bom conselheiro, o perfeito bom
“conselheiro”, deve ter um conjunto de características destrinçadoras dos simples e
comuns assessores, deverá ser aquele que, virtuoso solicita a confiança do Príncipe
e “que não pode consumir em deliberações o tempo de actuar, que deve falar com
agudeza, que deve ser pronto no acudir e fácil no entender, que deve ser claro no
ensinar e contido no humor” esse é o “conselheiro.” 139
Era o Conselho, um órgão de debate e de consulta, procurando auxiliar o Rei nas
suas decisões, mais difíceis, o que permitia a ocorrência de divergências entre os
seus membros, em face da existência de conflitos entre os interesses dos diversos
grupos que estes representavam, de pressões das diversas forças políticas,
condicionando o debate, a decisão política e, como desfecho, os rumos do poder e
da governação.
No entanto, ainda que os Conselheiros houvessem de apresentar um conjunto de
características diferenciadoras face aos simples assessores ou outros funcionários
régios, em consequência da própria natureza humana, nunca poderiam ser
totalmente isentos ou livres de preconceitos e daí a formação de facções políticas
que, mais uma vez, tentavam influenciar num ou noutro sentido.
Nestes termos, pertencer ao Conselho de Estado significava fazer parte da principal
elite governativa do Reino, onde as estratégias de manutenção e exercício do poder
se associavam a fórmulas próprias para a influência das instituições e do poder
decisório. Devendo os conselheiros opinar sobre um conjunto vasto de acções,
desde a guerra, a comunicação com os Vice-Reis, as matérias diplomáticas, como
a correspondência com os embaixadores ou os casamentos régios, observando as
138 Cf. Armand-Jean du Plessis, El Criticón, 1651-1657
139 Bento, António, O Príncipe, o Conselho de Estado e o Conselheiro. www.lusosofia.net, 2008
118
práticas dos governos estrangeiros, fossem eles amigos ou inimigos. Teriam,
principalmente, de pugnar pela defesa, conservação e aumento do Estado.140
O nosso Bartolomeu Filipe, na sua Arte de Roubar , vê o Conselho de Estado como
“a âncora de que pode perder-se ou salvar-se toda a Republica, e é ele quem olha
por ela, é a alma da Republica, e é como a prudência no homem que olha para o
proveito de todo o corpo. Com que neste conselho se determina devem conformar-
se todos os outros conselhos cada um por si e todos juntos. Chama-se ao Conselho
de Estado o Conselho da Paz porque sua principal intenção é procurar que toda a
Republica viva em paz, que este é o fim para que se institui o conselho de Estado,
que não se fazem as guerras senão para viver em paz”141, pelo que o Conselho de
Régio deveria ser o primeiro na hierarquia conciliar.
Para outros importantes autores da era moderna portuguesa, tais como António de
Sousa Macedo142, Francisco Manuel de Melo143 que lhe atribuía a designação de
Conselho Supremo, “o último onde chegavam os maiores”, ou Sebastião César de
Meneses,144 para quem o Conselho Régio era, no contexto da governação, o órgão
político mais importante. O eclesiástico Nicolau de Oliveira também expressa a
opinião de o Conselho de Estado, deveria ser a instituição do topo hierárquico da
estrutura polissionodal.
É neste contexto histórico e doutrinário que o Conselho Régio se vai afastando da
Cúria Régia tornando-se o conselho cada vez mais referenciado, passando a ser
140 Pedraza, Francisco Bermudez de. 1973. El Secretario del Rey, Madrid: Instituto Bibliográfico
Hispánico,
141 Bartolomeu Filipe, a Arte de Roubar
142 Macedo, António de Sousa. Armonia Política dos Documentos Divinos Com as Conveniências
d’ Estado. Exemplar de Principes no Governo dos Gloriosíssimos Reys de Portugal, Haya: Samuel
Brow, 165
143 Melo, Francisco Manuel. 1720. Aula Politica. Curia Militar. Epístola declamatória ao
Serenissimo Principe D. Teodozio e Politica Militar. Lisboa, e Tacito Portuguez. Vida e Morte,
dittos e feytos d’ El Rey Dom João IV de Portugal. Pref. e leitura do manuscrito por Raul Rêgo,
Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1995
144Meneses, Sebastião César. 1650. Summa política, oferecida ao Principe D. Theodosio de
Portugal, Amesterdam: Tipographia de Simão Dias Soeiro Lusitano.
119
apontado como “o órgão básico da administração, o órgão supremo do governo,
formando um corpo unido com o Rei.”145 Neste sentido, a Cúria afastou-se
progressivamente para um campo teórico, ao contrário do Conselho, que lentamente
evoluiu para um órgão mais preciso e definido junto do monarca.
Quanto à composição orgânica do Conselho, integravam-no os três principais
oficiais régios, o chanceler, o mordomo e o alferes, ainda que outros oficiais
também o integrassem. Poderia incluir alguns ricos- homens, o capelão, alguns
clérigos, juristas e sobrejuízes.
Do ponto de vista da historiografia nacional, é nas Cortes de 1385, realizadas em
Coimbra, que os povos pediram ao monarca para que a sua governação tivesse o
auxílio de um conselho representado pela Nobreza, pelo Clero, por cidadãos das
quatro maiores cidades do reino e diversos letrados. Deveria ter, como funções para
além de auxílio ao rei, outros poderes de consulta e vinculação, que implicassem
que nada se revolvesse no plano governativo sem a sua consulta e sem um certo
consenso.146 Tomando como bom este pedido, ainda que o não respeitando na
íntegra, D. João I teve o cuidado de organizar um Conselho restrito, pessoal, com
remuneração para os seus membros.147
Ainda no reinado do mesmo rei, e durante as Cortes de 1438, foi apresentado e
aprovado um Regimento do Reino elaborado pelo Infante D. Henrique, pelo qual o
Conselho deveria ter na sua composição nove pessoas. Seis delas seriam de
nomeação régia e deveriam servir durante quatro meses incluindo entre eles um
Bispo, ou o Abade de Alcobaça ou o Prior de Santa Cruz. Os restantes três eram
eleitos pelas Cortes, em representação dos três estados, por um período anual. Nesta
composição, chegaram a ser vinte e quatro os membros do Conselho, entre nobreza,
145 Homem, Armando Luís de Carvalho, 1996. «A Corte e o Governo Central», Nova História de
Portugal, dir. de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, Vol.II – Portugal em definição de
Fronteiras: Do Condado Portucalense à Crise do Século XV. Coord. de Maria Helena da Cruz
Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem, Lisboa: Editoral Estampa.
146 Caetano, Marcello. 1981. História do Direito Português. Lisboa: Editorial Verbo, pp. 456-459
147 Lopes, Fernão. 1983. Crónica de D. João I, parte II, cap. CCII, ed. de M. Lopes de Almeida e
A. Magalhães Basto. Porto: Livraria Civilização, pp. 460-461
120
clero e letrados, e trienalmente eram admitidos neste Conselho um letrado, um
prelado, um cidadão e um fidalgo.
Com D. Afonso V, o Conselho Régio reunia para que nele fossem debatidos os
problemas mais relevantes da governação do Reino e Conquistas, sendo os
membros mais destacados Pêro d’Alcáçova, D. Jorge da Costa (futuramente
Cardeal Alpedrinha) e João Fernandes da Silveira (Barão de Alvito).148
Já com D. Manuel I, o papel do Conselho viria a consolidar-se progressivamente,
utilizando-o, especialmente, para se afastar da Corte e destacar desta um grupo
especial de homens que o aconselhasse e acompanhasse no governo.149
No reinado de D. João III, o Conselho Régio, assumiu um papel mais preponderante
na política portuguesa, estruturando-se enquanto órgão, ainda que sem a
regulamentação institucional que só futuramente viria a ter, reduzindo
substancialmente o número de conselheiros honoríficos, passando o total de
membros a ser de apenas sessenta e seis. A importância do Conselho fica
evidenciada, porquanto foi nele delegada a regência do reino, após a morte do rei
em conjunto com a rainha viúva e o Cardeal D. Henrique.
E nesta mesma regência verificou-se uma efectiva manifestação do que deveria ser
um Conselho Régio, uma vez que, durante as Cortes realizadas nesse ano, os povos
pediram que se escolhessem doze portugueses para o Conselho, interditando a
presença de estrangeiros, o que foi aceite pelo regente. E tomaram assento neste
mesmo Conselho, os duques e o Prior do Crato determinando-se ainda que não
existissem precedências nos assentos e nos votos.150
Ao longo dos séculos XVI e XVII, outros órgãos de Estado foram sendo criados,
em função da matéria e da função a desempenhar, tais como, o Conselho de Estado,
148 Maltez, José Adelino. 1998. «O Estado e as Instituições», Nova História de Portugal, dir. de Joel
Serrão e A.H. de Oliveira Marques, Vol. V – Portugal: Do Renascimento à Crise Dinástica, coord.
de João José Alves Dias, Lisboa, Editorial Estampa, p. 393
149 Maltez, José Adelino. 1998. «O Estado e as Instituições», Nova História de Portugal, dir. de Joel
Serrão e A.H. de Oliveira Marques, Vol. V – Portugal: Do Renascimento à Crise Dinástica, coord.
de João José Alves Dias, Lisboa, Editorial Estampa, p. 393
150 Loureiro, Francisco Sales. 1978. D. Sebastião, antes e depois de Alcácer Quibir, Lisboa: Vega
p. 45
121
o Conselho da Fazenda, o Conselho Ultramarino e o Conselho da Guerra, o que de
alguma forma foi reduzindo o âmbito de intervenção do Conselho de Estado, aliás,
como aconteceu com as próprias Cortes. Aproximava-se o tempo em que o Estado
e o rei se concretizavam num só e a absolutização do poder seria o critério
dominante.151
O Conselho de Régio, altera a sua designação para Conselho de Estado, a quando
da determinação do seu Regimento em 8 de Setembro de 1569, criando
especificamente o Conselho de Estado enquanto órgão governativo e integrante da
estrutura do governo polissinodal português. É a primeira estrutura conciliar criada
em Portugal, precedendo em algumas décadas o Conselho da Fazenda.152
No Regimento atribuído pelo rei ficaram redefinidas as atribuições do novo órgão,
o qual deveria reunir três vezes por semana, implicando, “alem das cousas que eu
particularmente mandar que se tratem no dito Conselho, se comunicarão nelle as
mais que se offerecerem do meu serviço, e bem dos meus Reinos: […] depois de ter
inteira informação das rendas, que por qualquer via pertencerem à minha Fazenda,
assim do que valem, como das despesas que se dellas fazem, verão e consultarão
as que por ora se devem e podem escusar para suprimento de outras
necessárias”153.
Determinava-se o local onde devem decorrer as sessões, uma casa própria no paço
para o efeito e a duração de cada reunião, que deveria ser de duas horas. A
presidência do Conselho era rotativa, cada conselheiro poderia ser presidente
durante uma semana154. A votação dos Conselheiros também obedecia a uma ordem
151 Hespanha, António Manuel. 1982. História das Instituições – Épocas Medieval e Moderna,
Coimbra: Almedina p. 345
152 Gama, Maria Luísa Marques da. 2011. O Conselho de Estado no Portugal Restaurado –
Teorização, Orgânica e Exercício do Poder Político na Corte Brigantina (1640-1706), Dissertação
para a Obtenção do Grau de Mestre em História Moderna, Faculdade de Letras- Departamento de
História, Universidade de Lisboa
153 Silva, José Justino de Andrade. 1854. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza (1603-
1612), Lisboa, p. 271
154 BNP, Cod. 749, fl. 27
122
pré-estabelecida: “fará vottar nelles, e começando pelos mais modernos será o dito
Presidente o derradeiro”.155
O secretário passou a deter um papel fulcral dentro desta instituição, pois deveria
assistir a todas as reuniões, tomar nota dos votos e resoluções, para fazer o assento
da consulta que mais tarde entregaria ao rei.156 Ainda que não tivesse direito de
voto.
Com a intervenção filipina em Portugal, as Cortes de Tomar vieram garantir a
continuidade do Conselho de Estado Português, mas a importância que tinha
adquirido durante a menoridade de D. Sebastião, com o Regimento de 1569 e a
crise dinástica do final da década de setenta, acabaria por ser relegado para segundo
plano, com a criação de outro conselho criado por Filipe I, com a designação de
Conselho de Portugal. Agora o Conselho o Estado ficava junto do Vice-Rei tendo
como principal ocupação os assuntos relativos ao Estado e à Guerra, enquanto o
Conselho de Portugal, por seu lado, funcionaria junto do Rei, em Madrid, e nele
deveriam ser tratados todos os assuntos relativos ao governo da Monarquia.157
Em Lisboa, junto do Vice-Rei, o Conselho de Estado continuou a funcionar todas
as segundas-feiras, conforme indicava o regimento. Todavia, parte das atribuições
que tradicionalmente lhe estavam confiadas foram transferidas para o Conselho de
Portugal em Madrid, especialmente nas matérias de Guerra e Política Externa.158
155 BNP, Cod. 749, fl. 27
156 Subtil, José. 1993. «As Estruturas Políticas de Unificação», História de Portugal, Dir. de José
Mattoso, vol. III – No Alvorecer da Modernidade, coord. de Joaquim Romero de Magalhães,
Lisboa: Editorial Estampa, p. 85
157 Barata, Maria do Rosário Themudo. 1997. «A União Ibérica e o Mundo Atlântico: 1580 e o
Processo Político Português», A União Ibérica e o Mundo Atlântico, Lisboa: Edições Colibri, p.
61
158 Gama, Maria Luísa Marques da. 2011. O Conselho de Estado no Portugal Restaurado –
Teorização, Orgânica e Exercício do Poder Político na Corte Brigantina (1640-1706), Dissertação
para a Obtenção do Grau de Mestre em História Moderna, Faculdade de Letras- Departamento de
História, Universidade de Lisboa
123
Entre 1580 e 1640, o Conselho de Estado continuou a ser um órgão destacado no
organigrama dos poderes institucionais, com um prestígio considerável junto do
Vice-Rei, mas, todavia, sem grande capacidade de influência no processo decisório.
Com o fim do dominio filipino, volta o Conselho de Estado a ser alvo de
reorganização e adquire importância, sobretudo com o novo Regimento de 31 de
Março de 1645. Nele se consagra que tal como havia ficado definido no regimento
de 1569, também agora se devia o Conselho reunir todas as segundas feiras pelo
menos durante duas horas, assumindo as funções de ajudar, servir e aconselhar o
reino na conservação dos seus reinos e beneficio comum dos seus vassalos.
Com D. Pedro II, o Conselho de Estado reune-se de forma regular, por norma todas
as semanas, tendo por atribuição o aconselhamento do rei. No entanto, este
Conselho de Estado, passou a ser substituido pelo «Gabinete do Rei», de natureza
mais restrita do que aquele, integrado pela rainha, validos, desembargadores e
eclesiásticos. Esta tendencia para a transferencia de atribuições para umórgao cada
vez mais restrito, vai-se acentuando cada vez mais, motivo pelo qual a sua
actividade diminui bastante desde os finais do reinado de D. João V, não havendo
conselheiros em 1754.
É o Marquês de ombal quem vem reestruturar o Conselho de Estado em 1760,
nomeando para o efeito cinco conselheiros.
Em 1796, D. Maria nomeou 14 conselheiros e deu aos ministros de Estado a
categoria de conselheiros natos, mas terá deixado de reunir em 1801.159
31. A administração no domínio Filipino.
Autonomia
Institucional
Respeitar os foros, usos e costumes, privilégios e liberdades concedidos ao longo
dos tempos pelos reis lusitanos
Cortes, quando convocadas, reunir-se-iam sempre em território português
159 Hespanha, António Manuel. 1995. História de Portugal Moderno: político e constitucional.
Lisboa: Universidade Aberta, p 238
124
Criaria um Conselho de Portugal
Língua a usar nos documentos oficiais seria exclusivamente a portuguesa
Exclusivamente a portugueses
• Governador de Portugal
• Todos os ofícios da Casa Real de Portugal
• Provimento dos cargos da administração
periférica nas matérias de justiça e finanças
Económica
Não se alterasse a estrutura da organização dos tratos comerciais com
a Índia, Guiné, Angola e outras terras descobertas
Moedas cunhadas em Portugal a partir do ouro e prata exibiriam apenas
as armas portuguesas
Facilidades na importação de cereal de Castela para fazer face ao deficit
de produção lusitana
Subsídio de 300.000 cruzados destinado ao resgate dos captivos de
Alcácer-Quibir
Bens das Igrejas do Reino não seriam onerados com tributos
Utilização dos recursos disponíveis de Portugal no combate ao corso
Representativa
Rei prolongaria a sua presença em Portugal
Portugueses admitidos ao serviço da Casa Real em
Madrid
Rainha favoreceria o casamento de damas de honor
portuguesas
FUNÇÕES
Inicialmente todas as apelações de feitos cíveis e crime;
Depois da criação da Relação no Porto em 1582 a apelação e
agravo dos feitos cíveis e crime nas comarcas e ouvidorias de Estremadura
(excepção de Coimbra e Esgueira) Algarve, Entre Tejo e Guadiana e comarca de
Castelo Branco, bem como as ilhas;
Julga em primeira instância os feitos crimes e civel da corte, ou
seja Lisboa;
125
Juízo privativo da Misericórdia e Hospital de Todos os Santos
31.1. O Conselho de Portugal.
Criado por Filipe II em 1582
Sugestão das Cortes de Tomar de 1581
Regimento em 1586
Novo Regimento em 1645
COMPOSIÇÃO
1 presidente
4 conselheiros
2 secretários
FUNÇÕES
Assegura a ligação entre o reino e a corte em Madrid
O despacho fazia-se com o vice-rei, ou com o governador do reino, directamente
para os secretários do rei em Madrid
31.2. O Conselho da Índia
Criado por Filipe II em 1604
Pouco aceite em Portugal
Extinto em 1614
FUNÇÕES
Trata de todas as questões, independemente do assunto, desde que se referissem a
territórios ultramarinos, com excepção de Norte de Africa
Competências
Provimento dos bispados, beneficios e oficios
Mais negócios peretncentes á coroa pelo mestardo da Ordem de Cristo
126
31.3. Os secretários do rei.
31.4. A Restauração e a Administração Pública.
32. A organização da Fazenda régia: O Conselho da Fazenda
O Conselho da Fazenda instituído por Filipe II, através do Regimento de 20 de
Novembro de 1591, e que resultou da conversão num único dos três tribunais do
Reino, Índia, África e Contos, que então funcionavam separadamente. Esta reforma
tinha como objectivo alcançar um maior rigor administrativo e uma maior
celeridade no despacho das partes.
Do ponto de vista da sua composição, integrava o Conselho da Fazenda um vedor
(que, cumulativamente, era o seu presidente), quatro conselheiros e quatro
escrivães. O expediente encontrava-se distribuído por quatro repartições, sendo a
primeira a do Reino e do Assentamento, a segunda a da Índia, Mina, Guiné, Brasil,
ilhas de São Tomé e Cabo Verde, a terceira a das ilhas dos Açores e Madeira e dos
Mestrados das Ordens Militares e a quarta a de África, Contos e Terças.
O Conselho da Fazenda herdou, de um modo geral, as competências dos antigos
vedores da Fazenda, expostas nos Regimentos e Ordenações da Fazenda, de 17 de
Outubro de 1516 e que consistiam em arrendar, aforar ou emprazar todos os bens e
rendas reais, no Reino e Domínios Ultramarinos, e fazer proceder aos respectivos
pagamentos. Ainda faziam parte das suas competências dar assistência aos negócios
da Índia e prover ao apresto das armadas, ordenar melhoramentos e reparos em
lezírias, paços e fortalezas, vigiar toda a escrituração da contabilidade pública,
decidir, por via voluntária ou contenciosa, todas as acções relativas a bens e direitos
detidos ou contestados à Coroa, fazer proceder, por meio da elaboração de tombos,
à descrição de todos os bens da Coroa e despachar todas as despesas do Estado com
os seus funcionários, segundo critérios de direito vigente (estava excluído da sua
competência o despacho de graças e mercês de bens reais).
127
As amplas competências do Conselho da Fazenda foram restringidas por várias
reformas administrativas ao longo do séc. XVII, entre as quais se destacaram: a
nova regulamentação da Casa dos Contos do Reino e Casa, exposta no Regimento
dos Contos, de 3 de Setembro de 1627, que concedeu a esta instituição maior
autonomia jurídico-processual nas acções de contabilidade pública.
A criação do Conselho Ultramarino, por Regimento de 14 de Julho de 1642, retirou
ao Conselho da Fazenda toda a jurisdição sobre bens situados nos Domínios
Ultramarinos (com excepção das ilhas dos Açores e da Madeira e dos lugares do
Norte de África, que continuaram sob administração do Conselho da Fazenda).
A criação, por Alvará de 18 de Janeiro de 1643, da junta dos Três Estados, à qual
foi cometida a administração de importantes rendimentos, como os direitos da
décima, do real da água, das caixas de açúcar e da Chancelaria-Mor da Corte e
Reino.
As amplas competências do Conselho da Fazenda foram restringidas por várias
reformas administrativas ao longo do séc. XVII, nomeadamente, o Regimento dos
Contos, de 3 de Setembro de 1627, pelo qual se consagra maior autonomia jurídico-
processual nas acções de contabilidade pública, o Regimento de 14 de Julho de
1642, que cria o Conselho Ultramarino, pelo qual se lhe retira toda a jurisdição
sobre bens situados nos domínios Ultramarinos. A criação da Junta dos Três
Estados, por Alvará de 18 de Janeiro de 1643, conferindo a administração de
importantes rendimentos, como os direitos da décima, do real da água, das caixas
de açúcar e da Chancelaria-Mor da Corte e Reino. A lei de 22 de Dezembro de
1761, a qual vem atribuir, a título exclusivo, ao Conselho da Fazenda as jurisdições
voluntárias e contenciosa sobre toda a natureza de bens da Coroa. O Alvará de 17
de Dezembro de 1790 que integrou o Conselho da Fazenda no Erário Régio.
Decreto de 15 de Dezembro de 1788 e Decreto de 8 de Outubro de 1812
Criação e regulamentação da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda
Esfera de competências cada vez mais confinada às de um tribunal superior fiscal
Estrutura interna do Conselho da Fazenda sofreu algumas alterações durante os
sécs. XVII a XIX
Introdução de várias reformas administrativas
128
Emergência de novas realidades económicas
Criação do Conselho Ultramarino
Repartição da Índia, Mina, Guiné, Brasil, ilhas de São Tomé e Cabo Verde
convertida na Repartição da Índia e Armazéns
Alvará de 25 de Agosto de 1770
Extinta a Repartição de África, Contos e Terças, passando as suas competências
para a Repartição das Ilhas e Mestrados das Ordens Militares
Decreto de 23 de Janeiro de 1804
Fusão das Repartições das Ilhas e Mestrados das Ordens Militares e da Índia e
Armazéns, dando origem à Repartição da Índia e Ordens
Resolução de 30 de Outubro de 1824
Criada a Repartição do Tombo Geral do Reino
Decreto de 11 de Dezembro de 1830
Criada a Repartição das Capelas da Coroa
Decreto de 16 de Maio de 1832
Extinção do Conselho da Fazenda (Tribunal do Tesouro Público)
33. A organização dos tribunais: A Casa da Suplicação a Casa do
Cível e a Relação do Porto.
33.1. A Casa da Suplicação
A Casa da Suplicação que resulta da separação do tribunal da corte para as matérias
de justiça, acolhe em termos de competência o julgamento em última instância, dos
pleitos judiciais. A sua competência territorial assentava em todas as comarcas do
reino que não estivessem sobre a alçada da Casa do Cível, quanto ao território
continental, nas ilhas, no ultramar e quanto a certos juízos privilegiados e especiais.
Integra a Casa da Suplicação um Regedor, Desembargadores, Juiz dos feitos d´el
rei, Corregedor da corte, Ouvidores, Escrivães e Porteiros
129
O Regedor em face da Casa da Suplicação ser o maior Tribunal da Justiça “de
nossos Reinos, e em que as causas de maior importância se vem a apurar e decidir,
deve o Regedor dela ter as qualidades, que para cargo de tanta confiança e
autoridade se requerem. Pelo que se deve sempre procurar, que seja homem
Fidalgo, de limpo sangue, de sã consciência, prudente, e de muita autoridade, e
letrado, se for possível: e sobre tudo tão inteiro, que sem respeito de amor, odio, ou
perturbação outra do ânimo possa a todos guardar justiça igualmente. E assim deve
ser abastado de bens temporais, que sua particular necessidade não seja causa de
em alguma coisa perverter a inteireza e constância, com que nos deve servir. Isso
mesmo deve o Regedor ser nosso natural, para que como bom e leal deseje o serviço
de nossa pessoa Estado”
Motivo pelo qual, devia o Regedor sempre que viesse a ser provido “do Ofício,
antes que comece servir, ou faça coisa alguma, que a ele pertença, lhe será dado
juramento pelo Chanceler Mor em nossa presença, naquela forma que se contém no
livro da Relação, em que está escrito, e ao pé do juramento assinará o Regedor com
os que se acharem presentes, como testemunhas do tal acto”.
33.2. Casa do Cível
A casa do cível assegura também o desdobramento do tribunal da corte para as
matérias de justiça. A sua competência era o julgamento em última instância dos
pleitos judiciais. A Casa Cível exercia a competência nas comarcas e Ouvidorias,
de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Esgueira e Coimbra.
Tinha como principais funções inicialmente, todas as apelações de feitos cíveis e
crime, mas depois da criação da Relação no Porto em 1582 asseguram também a
apelação e agravo dos feitos cíveis e crime nas comarcas e ouvidorias de
Estremadura (excepção de Coimbra e Esgueira) Algarve, Entre Tejo e Guadiana e
comarca de Castelo Branco, bem como as ilhas, julgando em primeira instância os
feitos crimes e civel da corte, ou seja Lisboa, sendo ainda o juízo privativo da
Misericórdia e Hospital de Todos os Santos.
130
34. Especificidade da administração pública nas terras descobertas.
A Relação da Índia e a Relação do Brasil.
35. A administração no domínio Filipino.
35.1. O Conselho de Portugal.
35.2. O Conselho das Índias.
35.3. A Mesa da Consciência e Ordens.
A Mesa da Consciência foi criada por D. João III em 1532, com o intuito de criar
as matérias respeitantes à obrigação de “consciência” do monarca, mas em 4 de
Janeiro de 1551, os mestrados das três Ordens Militares de Cristo, Sant’Iago de
Espada e S. Bento de Avis, são unidos à coroa, passando os seus assuntos a ser
tratados, tanto em primeira como em segunda instância, na Mesa da Consciência,
que passaria a partir daqui a designar-se por Mesa da Consciência e Ordens.160
O Tribunal, tal como aconteceu com o Desembargo do Paço viria a ser extinto no
rescaldo das lutas liberais, pelo Decreto de 16 de Agosto de 1833.
160 Subtil, José Manuel Louzada Lopes. 1993. Os poderes do centro: Governo e Administração. In
Mattoso, José (Dir.) História de Portugal: O Antigo Regime (1620-1807). IV Volume. Lisboa:
Círculo de Leitores, pp. 157-272; Homem, António Pedro Barbas. 2006. História das Instituições:
Um Estudo de História do Estado. Lisboa: Almedina, p. 176
131
Para além das principais competências que lhe estavam atribuídas, nomeadamente,
o foro da consciência do monarca, a jurisdição sobre os privilégios dos freires,
cavaleiros e comendadores das três ordens, conhecer em última instância os seus
processos-crime e as petições de perdão, tinha como fundamento da sua criação o
facto da existência da supremacia teórica da teologia no conjunto dos saberes da
época. Com efeito, esta supremacia levava a que de forma geral os monarcas
portugueses e europeus em geral consultassem juntas de teólogos sobre os grandes
temas do direito internacional, o que conduzia a um pensamento estruturalmente
dependente das perspectivas teológicas. É por estes motivos que a Mesa da
Consciência tem o seu aparecimento com D. João III, para além de representar
também um aspecto político fundamental, sobretudo porque os confessores dos reis
têm neste campo preponderância. Daí até à relação institucional entre o Estado
moderno e a consciência é um pequeno passo.
Para além das competências referidas supra, a Mesa tem ainda as atribuições de
governar e inspecionar na Universidade de Coimbra, o governo da provedoria dos
cativos e defuntos, a superintendência da Casa dos órfãos da Cidade de Lisboa, o
governo e provimento das capelas e mercearias de D. Afonso IV, D. Beatriz, D.
Catarina, infante D. Luís e D. Leonor, o provimento dos negócios do Hospital das
Caldas e demais hospitais e albergarias, etc.161 E, ainda uma competência crucial
para o funcionamento das monarquias ao lado do Conselho de Estado: a verificação
dos impedimentos dos reis que justificam a sua substituição temporária.162
No que respeita às suas competências, a Mesa da Consciência e Ordens constitui
uma jurisdição superior especializada nas matérias de consciência do príncipe,
sendo integrada essencialmente por teólogos e porquanto ter proferido decisões
contrárias aos interesses e vontade do rei, mas com cujas decisões ele se
conformou.163 E do ponto de vista político, a possibilidade de recurso para a Coroa
161 Subtil, José Manuel Louzada Lopes. 1993. Os poderes do centro: Governo e Administração. In
Mattoso, José (Dir.) História de Portugal: O Antigo Regime (1620-1807). IV Volume. Lisboa:
Círculo de Leitores, pp. 157-272
162 Homem, António Pedro Barbas. 2006. História das Instituições: Um Estudo de História do
Estado. Lisboa: Almedina, p. 178
163 Homem, António Pedro Barbas. 2006. História das Instituições: Um Estudo de História do
Estado. Lisboa: Almedina, p. 177
132
das decisões a Mesa da Consciência, como se de recurso eclesiástico se tratasse, o
que levou a que se considerasse como uma invenção dos reis portugueses para
usurpar a jurisdição eclesiástica.164
Quanto à sua organização a Mesa articulava-se em torno de três serviços: o do
governo das ordens, assegurado por quatro secretarias, o do Despacho da Mesa e
Comum das Ordens, a Secretaria da Ordem de Cristo, a de Sant’Iago e Espada e a
de S. Bento de Avis, o Tribunal, dividido em Tribunal dos Juizos dos Feitos e dos
cativos e a Conservatória das Três Ordens e o que tratava das questões da Fazenda,
através da Administração dos Contos e de duas Repartições de Contadoria, para as
Ordens de Cristo e Sant’Iago e Espada.
35.4. Os secretários do rei.
36. A Restauração e a Administração Pública.
37. O Estado Absoluto
37.1. As reformas da administração pública
37.2. O Erário Régio e a nova administração financeira
A insustentabilidade da situação financeira e fiscal nacional, decorrente da
deficiente organização da administração da Fazenda Pública, onde a corrupção, o
compadrio e a falta de zelo eram a normalidade, permitiu a Sebastião José de
164 Homem, António Pedro Barbas. 2006. História das Instituições: Um Estudo de História do
Estado. Lisboa: Almedina, p. 179
133
Carvalho e Melo – Marquês de Pombal – concretizar uma reforma que procurava
por cobro à situação. Aproveitando a destruição completa do edifício onde
funcionava a Casa dos Contos, inicia uma remodelação da Fazenda Nacional,
extinguindo o cargo de Contador-mor, os Contos do reino e a Casa dos Contos, e
em sua substituição cria o Erário Régio, pelo alvará de 22 de Junho de 1761.
Este novo órgão da Administração Pública, tinha como principal incumbência
procurar evitar a proliferação de canais de captação de receitas e que impediam um
necessário controlo sobre as mesmas.
Ao Erário Régio, fica a presidir o próprio Sebastião de Carvalho e Melo, com a
designação de Inspetor-geral do tesouro. Na sua dependência, o tesoureiro-mor e
respectivo escrivão. Integrava a sua estrutura uma Tesouraria-Geral e quatro
Contadorias, encarregadas de gerir as rendas e despesas, que seriam divididas entre
as áreas que abrangiam os territórios portugueses na África, América e Ásia.
O novo órgão tinha como principal atribuição ser “o centro da contabilidade da
receita e despesa de todos dinheiros públicos, os quais deviam ali dar entrada em
espécie; a fim de evitar a desordem, com que antes se pagava e recebia por
diferentes estações sem nexo, o que tornava difícil, ou antes impossível a
fiscalização.”165 Neste contexto, foi adoptado como sistema contabilístico o das
partidas dobradas, sendo para o efeito “nomeados três tesoureiros gerais: um para a
receita e despesa dos ordenados, outro para a receita e despesa dos juros e outro
para a receita e despesa das terças.”166
O Erário Régio, acabaria por conseguir pelo menos no decurso do reinado de D.
José, alcançar de forma evidente os objectivos propostos com a sua criação, de tal
forma que “foi tão próspero o estado do tesouro no reinado de D. José, que se diz
terem ficado por morte dele, sobras de muitos milhões.”167
165 Rocha, Coelho da, Ensaio sobre a História do Governo e da Legislação de Portugal para servir
de Introdução ao Estudo do Direito Pátrio, Coimbra, 1861, p. 219
166 Martins, Guilherme d’Oliveira, O Ministério das Finanças. Subsidio para a sua História no
Bicentenário da criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda. Lisboa: Ministério das
Finanças-Secretaria de Estado do Orçamento, 1988. P. 19
167 Rocha, Coelho da, Ensaio sobre a História do Governo e da Legislação …., op. cit. p. 220. Esta
questão é desmentida por Oliveira Martins, pois “ na altura da saída do Marquês de Pombal do
134
Conseguiria, contudo, e de forma menos contestada, alcançar outro dos seus
objectivos, o da centralização e modernização do aparelho de Estado, bem como a
centralização das finanças do reino e domínios.
Com efeito, estas alterações conseguidas, fundavam-se num domínio mais amplo,
na emergência dos novos princípios administrativos que se pautavam pela
promoção do bem-estar social, enquadradas pela “ciência da polícia”168 então em
franco florescimento teórico. Já não estava apenas em questão o poder da coroa,
mas antes, o poder do Estado, pelo que o erário acabaria por concentrar a
arrecadação, ordenando uma “fiscalização mais ostensiva das repartições e deu
instruções (o alvará de 22 de Junho) relativas aos procedimentos de arrecadação,
realização de pagamentos e de balanços”.169
Ainda que houvesse conseguido no tempo do Marquês de Pombal suster as finanças
e o respectivo défice, independentemente dos muitos milões ou de alguns milhares,
o certo é que logo no reinado seguinte em 1796 “para ocorrer às necessidades do
Estado e atraso dos pagamentos abriu o Governo, um empréstimo de dez milhões
de cruzados com o juro de cinco por cento, em apólices, que não fossem inferiores
a cem mil reis (…)” e, “as necessidades públicas aumentaram com tal rapidez, que
Governo em 1777, transmitindo ao seu sucessor no Erário, o Marquês de Angeja, o balanço dos
cofres do Tesouro, havia um saldo de 637.562$654 reis a a que deveria acrescentar cerca de
360.000$000 do cofre de reserva – em lugar dos 31 mil milhões de reis (ou 78 milhões de cruzados)
em que se baseia Coelho da Rocha e que constam das Memórias do Marquês.” O Ministério das
Finanças. Subsídio para a sua História …, op. cit. p. 21
168 A “Ciência da Polícia”, ou Camaralismo é uma designação genérica para classificar um conjunto
de escritos heterogéneos, sobre a administração pública, elaborados numa perspectiva prática e sem
preocupação científica, na sua maioria de autores alemães. Esta emergência de novos princípios
administrativos tinha como orientação fundamental o prosseguimento do bem público, um bem
acima dos particulares, que só podia caber no âmbito de um poder que se assumisse como supra-
individual, isto é, um poder de Estado e não já um poder da Coroa … José Subtil, o Governo da
Fazenda e das Finanças (1750-1974)
169 Subtil, José. Governo e administração. In: Mattoso, J. História de Portugal. Lisboa: Círculo de
Leitores, 1993, v. 4. p. 180-181
135
no ano seguinte foi o mesmo empréstimo elevado até onze milhões com o juro de
seis por cento”.170
O Erário Régio, sofreria por via destas questões inúmeras alterações na sua
estrutura, na tentativa de dar conta das constantes exigências impostas pelas
finanças públicas de um país com extensos domínios coloniais. Destaca-se o alvará
de 14 de outubro de 1788, que elevou o órgão à categoria de Secretaria de Estado e
nomeou o presidente e inspector do Erário Régio como Ministro e Secretário de
Estado da Repartição da Fazenda. Nesse mesmo ano, o alvará de 5 de Junho de
1788 estabeleceu que o presidente do Erário Régio seria o inspetor da Real Junta
do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação.
A preocupação na racionalização da administração das finanças manifestou-se em
15 de Julho de 1809, procurando adaptar-se às especificidades das transações
comerciais locais e prurando formar funcionários públicos mais competentes, com
os conhecimentos primordiais de cálculo e método das transações, usados na
arrecadação e distribuição da Fazenda e Fisco Real a decisão n. 9, de 6 de maio de
1818, determinou que os amanuenses e praticantes admitidos no Erário Régio
deveriam frequentar a Aula de Comércio da Corte.
Em 1790 viria a ser integrado no então criado Conselho da Fazenda, dependente do
Ministro de Estado e da Fazenda que a ele também presidia.
37.3. Instituições político-administrativas
37.4. A Intendência Geral da Polícia
37.5. A reforma do Tribunal da Inquisição e a criação da Real Mesa Censória.
170 Rocha, Coelho da, Ensaio sobre a História do Governo e da Legislação …., op. cit. p. 221
137
Bibliografia Aconselhada
Bulhões, Augusto de. 1955. Ministros da Fazenda do Brasil (1808-1954). Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional,
Cunha, Alexandre Mendes. O lugar do cameralismo no pensamento econômico
português: reflexões sobre sua influência na centralização das finanças do Reino na
segunda metade do século XVIII,
Martins, Ana Canas Delgado. Governação e arquivos: D. João VI no Brasil.
Lisboa: Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 2006
Salgado, Graça (coord.). 1985. Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil
colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira
Subtil, José. 1993. Governo e administração. In: Mattoso, José. História de
Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, Vol. 4.
Subtil, José. 1996. O Ministério das Finanças (1801-1996). Estudo orgânico e
funcional. Gabinete do ministro. Lisboa: Ministério das Finanças
Subtil, José. O governo da Fazenda e das finanças (1750-1974). In: Secretaria Geral
– Ministério das Finanças e Administração Pública. Disponível em:
http://www.sgmf.pt/NR/rdonlyres/475FB16B-566A-4DA8-97EB-
8C53E9ACF1/3262/ensaios3_subtil_n1.pdf. Acesso em: 03 de Julho de 2013
138
IV. LIBERALISMO E A REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
38. A ruptura constitucional.
39. Os liberais. A contra-revolução. A guerra civil. A revolução liberal.
Uma «revolução social».
40. A administração central no contexto da Constituição de 1822 e na
Carta Constitucional
40.1. A Constituição de 1822
Com a revolução de 1820 e a constituição de 1822, ficou estabelecido um conjunto
de princípios de administração que permitiriam a alteração do contexto
administrativo quer do ponto de vista local, quer do ponto de vista central.
A Constituição de 1822 veio superar a administração do aparelho judicial, dividindo
o reino em Distritos Administrativos, com um Administrador em cada um deles, e
uma Junta de Distrito de escolha popular, reconhecendo a diferença entre o
Magistrado, que exerce a acção executiva e a Junta a quem compete a deliberação.
E, quanto ao poder municipal, a mesma constituição estabeleceu Câmaras em todos
os concelhos, com eleição popular e presididos pelo vereador mais votado. E
promulgou-se a Lei de 20 de Junho de 1822 (?) desenvolvendo as bases para as
eleições das Câmaras.
Com a Carta Constitucional de 1826, estabelecem-se as bases relativamente às
Câmaras ficando tudo o resto dependente da emanação de poder regulamentar. Mas,
em 1828, a guerra civil veio impedir a iniciativa e conclusão de tais regulamentos.
Só com o final da guerra civil que opõe miguelistas a liberais se pode considerar a
existência de um sistema de administração em Portugal, o que decorre dos decretos
de 16 de Maio de 1832. O primeiro dos decretos
139
40.2. A Carta Constitucional
No que se refere à estrutura do aparelho de Estado, resulta da Carta Constitucional
que o Rei é o chefe do poder executivo exercendo-o através dos seus ministros, e
estes referendam todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter
execução. O chefe do poder executivo é por conseguinte o Rei, sendo os ministros
seus agentes e subordinados, que ele nomeia e demite livremente, (art.º 74, § 5sendo
certo por outro lado, que o Rei não pode exercer o poder executivo senão através
dos seus ministros (art.º 75.º), para além de que sem a referenda dos ministros os
actos do poder executivo não podem receber execução (art.º108º). São, pois, as
assinaturas dos ministros condição necessária para que possam executar-se os actos
do poder executivo.
Quanto às secretarias de Estado o art.º 101.º da Carta determina que “haverá
diferentes secretarias de estado. A lei designará os negócios pertencentes a cada
uma, e seu número; as reunira ou separará, como mais convier.” A divisão das
secretarias de estado não pode ser fixada a priori, por isso que deve necessariamente
depender da multiplicidade dos negócios, da maior ou menor centralização, da
extensão do território, e da crescente actividade e civilização do país.
A secretaria do reino, tinha como atribuições as questões das eleições dos
deputados, o expediente acerca da nomeação dos pares, convocação, prorrogação e
adiamento das Cortes, dissolução da camara, sessões reais de abertura e
encerramento, nomeação do pessoal da presidência do corpo Legislativo, sanção
das leis sua remessa e dos decretos assinados das cortes aos arquivos respetivos e a
nomeação dos conselheiros de estado, e convocação em assembleia geral. São ainda
da sua competência as graças e mercês honorificas, os negócios de cerimonial de
etiqueta na corte, e os negócios relativos á administração geral e municipal, os actos
de administração graciosa e contenciosa, os trabalhos do recenseamento, da
população, da divisão do território, etc. E, ainda as questões relativas á segurança
geral interna do estado, à policia preventiva e repressiva dos crimes, captura dos
presos e a sua entrega nos tribunais, e também a execução das leis e ordens
regulamentares acerca do recrutamento, ou de qualquer outra força civil.
140
41. As reformas da Administração Pública no período liberal
41.1. A reforma administrativa de Mouzinho da Silveira
41.1.1. Os antecedentes
A estrutura administrativa da monarquia absoluta assentava na concentração de
poderes e da não separação das tarefas fiscais, judiciais e administrativas, funções
que eram, frequentemente, exercidas pelos mesmos funcionários. A existência de
privilégios e isenções de pessoas e entidades não estavam de acordo com a lei geral,
o que criava situações de diferenciação entre os cidadãos. O aparelho administrativo
era complexo e a Coroa não conseguia controlar a administração local e
desconhecia a realidade social e política dos aglomerados do interior.
Os corregedores continuavam a ser os primeiros magistrados na hierarquia judicial
e administrativa ao nível local, sendo as pedras fundamentais na estrutura
administrativa ao serviço da Coroa, tendo como objectivo o controlo da vida
política do país. Esta tarefa nem sempre foi conseguida, pois que muitos espaços
territoriais não estavam cobertos pela sua acção, pois apenas cerca de 60% das
comarcas é que tinham corregedores de nomeação régia.
Os corregedores desempenhavam uma multiplicidade de funções de carácter
administrativo-judicial e muitas também de natureza fiscal. Deslocavam-se, uma
vez por ano, pela sua área de jurisdição, procurando aferir da conformidade das
actividades das câmaras municipais de acordo com a lei geral. Para além das
comarcas e seus corregedores, destacam-se também as ouvidorias, onde os seus
representantes, os ouvidores, eram nomeados pelos donatários da Coroa
desempenhando as suas funções em nome dos respectivos senhores. Apesar de
abolidos pela lei de 1790, tais jurisdições mantiveram-se em vigor até à reforma de
Mouzinho da Silveira.
141
Os provedores, altos funcionários de nomeação régia, estavam ao nível dos
corregedores e desempenhavam diversas funções, não só na área financeira, mas
também judicial e administrativa, nomeadamente na execução dos testamentos e na
fiscalização da administração dos bens dos órfãos, sempre na dependência e no zelo
pelos interesses financeiros da Coroa. A sua área de jurisdição era mais vastas que
as dos corregedores podendo, neste caso, abarcar duas ou mais comarcas.
As diferentes estruturas administrativas que demos conta atrás apresentavam-se
demasiado complexas, com práticas herdadas nos ancestrais privilégios da
aristocracia e, no geral, incapazes de dar resposta às necessidades do Estado
absoluto. A Coroa, nos finais do século XVIII, como tivemos oportunidade de ver,
sentiu-se na necessidade de desenvolver esforços para a racionalização da
administração do reino, que obviasse aos profundos problemas organizativos que
então se verificavam. Ainda assim, uma reforma mais profunda da máquina
administrativa só foi conseguida aquando das profundas transformações políticas e
sociais decorrentes da substituição do podere absoluto pelo regime liberal em 1820.
A nova organização política e administrativa que resultou da revolução liberal, seria
de forma muito profunda influenciada pelas ideias surgidas da Revolução Francesa.
Nestes termos a Assembleia Constituinte francesa saída da Revolução, pretendeu a
criação de uma administração simples, fortemente hierarquizada, de modo a
conseguir realizar os ideais liberais de garantia da liberdade e igualdade perante a
lei. Para isso, alterou a componente administrativa, acabou com as isenções e
privilégios locais, destruiu as circunscrições administrativas consideradas
complexas e desajustadas, pretendeu criar um quadro uniforme para garantia da
homogeneidade dos serviços públicos e a igualdade de oportunidade aos cidadãos
no acesso a esses mesmos serviços.
Os ventos de mudança chegaram a Portugal com um atraso de cerca de trinta anos,
ainda que não possa deixar de ter em conta o facto de a influência francesa no campo
da administração pública se iniciar a partir dos primeiros anos do século XIX, com
as invasões francesas. Com efeito, alguma intelectualidade liberal, solicitou a Junot,
o General francês da primeira invasão, a aplicação da legislação napoleónica
propondo a divisão do território em oito províncias e um novo modelo de
organização administrativa, fiscal e judicial de acordo com o modelo francês.
142
Nesse sentido, e porque havia forte interesse por parte do invasor, nas alterações do
quadro legislativo nacional, para uma maior adequação à invasão e às estruturas
que se pretendiam, Junot empreendeu algumas alterações ao sistema vigente. No
entanto, estas modificações conferiam uma espécie de “superpoderes” aos
corregedores, visavam assegurar o seu domínio sobre o território nacional, as quais
não foram do agrado do povo em geral.
É então em 1820 que a revolução liberal se concretiza em Portugal depois de um
longo período de submissão estrangeira, primeiro com as invasões francesas e
sobretudo com Junot que ainda se assumiu como rei durante bastante tempo e de
uma regência inglesa, através do General Beresford a partir de 1810.
A implantação liberalismo conduziu no imediato criação de uma Corte Constituinte
com o intuito da elaboração e aprovação de uma Constituição de pendor liberal. E,
é neste contexto, que aprova e põe em vigor a Constituição de 1822, assente na
separação dos poderes e estabelecendo as linhas gerais para a reforma do aparelho
de Estado, nomeadamente no que respeitava à reforma administrativa.
A Constituição de 1822, apresentava novas soluções governativas, do ponto de vista
político, social e administrativo, e sobretudo neste último aspecto propondo-se
mesmo uma reforma administrativa. Nela se determina a divisão do país em
distritos e concelhos – art.º 212 e 218 - nos quais os primeiros tinham como
dirigente um administrador geral, de nomeação régia, ouvido o Conselho de Estado,
assistido por uma junta administrativa com representação os concelhos- art.º 213 -.
Ainda antes da “publicação da Constituição (que tem a data de 23 de Setembro e
foi jurada em 1 de Novembro) as Cortes providenciaram acerca da reforma das
Câmaras Municipais, sua composição e modo de eleição, pela Lei de 20 de Julho
de 1822, completada pelo Decreto de 5 de Abril de 1823”171 ficando os concelhos
dependentes da alçada das câmaras municipais, cujos corpos (municipais) gozavam
de ampla autonomia.
Os anos seguintes foram politicamente instáveis. Desde logo, com o regresso do rei
ao país proveniente do Rio de Janeiro onde estava desde 1806 e com a primeira
171 Caetano, Marcello. 1994. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra:
Coimbra Editora, p. 360
143
tentativa sublevação das forças mais conservadoras ligadas a D. Miguel e à rainha
D. Carlota Joaquina, que ficaria conhecida pela Vila Francada. Ao seu lado,
surgiam as forças conservadoras, nobres e militares, mas também algumas figuras
ligadas a 1820, como o Brigadeiro Sepúlveda e o capitão Faustino Sá Nogueira, o
Marquês de Palmela e os futuros duques de Saldanha e da terceira.
O descrédito que se tinha apoderado da Revolução e do Parlamento de 1822 era de
tal forma que muitos liberais indefetíveis se mostraram ao lado de D. Miguel e de
sua mãe. O rei por seu lado, apoiado nos conselhos do Marquês de Loulé e do
general Pamplona que lhe terão mostrado a iminência de uma guerra civil, não se
mostrou favorável às intenções dos revoltosos, acabar com a Constituição e
devolver a D. João VI o poder absoluto, pelo que repudiando esta acção, rejeitando
o poder absoluto e considerando em vigor a constituição, promoveria a remodelação
do governo, colocando como Ministro dos Negócios Estrangeiros ao duque de
Palmela, o Ministério da Guerra ao General Pamplona e D. Miguel era nomeado
Comandante-Chefe do Exército com o título de generalíssimo.
O monarca prometia respeitar as liberdades individuais dos cidadãos, as sociedades
secretas eram extintas, por contribuírem para a ruína do trono e do altar, concedeu-
se ampla amnistia aos presos e desertores do exército e denunciava os males feitos
pela constituição para o que se propunha um novo texto constitucional que a isso
efectivamente conduzisse.
Mas, a ideia de um novo texto constitucional que viesse, por outorga directa do rei,
legitimar a representatividade liberal, não agradava aos partidários de D. Miguel,
os quais nos inícios de 1824 procuraram organizar o afastamento do rei e colocar
na regência Carlota Joaquina, pelo que, aproveitando o assassinato do Marquês de
Loulé, com evidente crueldade em Salvaterra, em 30 de Abril, colocou as tropas no
Rossio, prendeu os chefes liberais moderados (Condes de Palmela e Vila Flor) e
procurou forçar D. João VI a abdicar do trono. Não conseguindo D. Miguel
efectivar os seus intentos, o rei promove a sua destituição de generalíssimo do
exército e o seu exílio em Viena de Áustria.
No seguimento destes episódios apenas afilha Isabel Maria se mantém próximo do
monarca até à sua morte em 10 de Março de 1826, a qual seria indicada por D. João
VI para assumir a regência do reino e nomeava como sucessor do trono português,
o Infante D. Pedro, Imperador do Brasil.
144
Conhecendo da morte do rei em 26 de Abril de 1826, D. Pedro optando por
permanecer no Brasil, promulga a Carta Constitucional três dias depois e abdica do
trono em favor da sua filha, Maria da Glória, com sete anos de idade, a qual deveria
casar com seu tio, D. Miguel, que deveria ser nomeado regente no ano seguinte,
depois de jurar a Carta Constitucional. Entretanto, mantinha-se na regência do
reino, a infanta Isabel Maria. Em Viena, em Junho do mesmo ano, D. Miguel jurava
a Carta Constitucional e comprometeu-se a casar com a sobrinha.
A Carta Constitucional, apresentava algumas alterações face à Constituição de
1822, e sobretudo, no domínio que nos interessa, o da Administração Pública. O
seu título VII, era dedicado à administração e economia das províncias.
E no diário da câmara dos deputados, na sessão de 21 de Dezembro de 1826, a mesa
nomeou diversas comissões, destacando-se a do código administrativo e a da
divisão do território, com o intuito de cumprir o prescrito na Carta Constitucional,
quanto à reforma administrativa.
Enquanto isso, o país continuava a definhar do ponto de vista económico, social e
político e a conspiração absolutista mantinha-se activa, pelo que o regresso de D.
Miguel a Lisboa, agoirava o iniciar de novas altercações na ordem pública nacional.
É neste contexto, que aguardando fazer 25 anos para assumir a regência em
conformidade com o prescrito na Carta Constitucional, D. Miguel apenas pretendia
regressar a Portugal depois de 26 de Outubro de 1827. Apenas o faria em 22 de
Fevereiro de 1828, e sob o apoio dos partidários do absolutismo, e depois de várias
acções políticas e militares, D. Miguel acabaria por se proclamar rei de Portugal,
em 7 de Julho de 1828, enveredando por uma forte política de repressão com o
intuito da consolidação do poder régio, suspendendo a Carta Constitucional.
Entre 1828 e 1832 o país viu-se submetido a uma guerra civil que o deixaria numa
situação desastrosa do ponto de vista político, económico e social. D. Miguel,
contudo, seria incapaz de lidar com a governação no decurso desse período, quer
interna quer internacionalmente, onde o seu reconhecimento oficial não teve
grandes apoios.
Após a rendição das forças miguelistas assinar-se-ia em 26 de Maio de 1832, a
Convenção de Évora Monte, que colocaria fim ao conflito.
145
41.1.2. Sistema administrativo público – 16 de Maio de 1832
41.1.3. Prolegómenos da reforma administrativa
Depois de um período vivido com grande intensidade após a revolução liberal de
1820, e de um exílio forçado pela intervenção miguelista em Portugal e o iniciar
da guerra civil, Mouzinho da Silveira reúne-se a pedido de D. Pedro com as forças
liberais estacionadas nos Açores. Aí e no decurso da constituição de um Governo
para Portugal integrado no espirito liberal, viria a ser nomeado por D. Pedro para
chefia o Ministério da Fazenda e da Justiça, “Hei por bem, em Nome de Sua
Magestade Fidelissíma a Senhora D.Maria II, Minha Augusta Filha, Nomear a José
Xavier Mousinho da Silveira, do Conselho de Sua Magestade Fidelissima, Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Encarrega-lo interinamente do
Expediente dos Negocios Ecclesiásticos, e de Justiça”172
Decreto 4 de Abril de 1832: Abolição dos pequenos vínculos
Disposições relativas a morgados e capelas
Abolição dos pequenos vínculos
Proibição de uniões de vínculos e de anexação de bens livres existentes
Nova jurisdição relativa ao aforamento dos bens vinculados
Decreto de 19 de abril de 1832: extinção das Sisas Gerais
Tributo intolerável do ponto de vista liberal e com enormes desvantagens para o
comércio e agricultura
Explicava este imposto o motivo pelo qual Portugal havia fundado tantas colónias
e tão pouco comércio dos seus produtos
Perpetuação de uma agricultura de subsistência
172 Registado a fls. 21 do Livro Particular do gabiente de S.M.I.-Publicado no Arquivo dos Açores-
Vol 6, pág.303
146
Estagnação comercial implicava o não desenvolvimento da indústria
As despesas suportadas pelas sisas seriam pagas pelos bens dos concelhos ou por
derramas ou fintas a lançar pelas câmaras municipais.
Decreto de 30 de Julho de 1832: extinção dos dízimos
Medida legislativa das mais importantes de M. Silveira
Abater o poderio e a influência do clero
Fomentar o desenvolvimento da agricultura, libertando-a do encargo que pesava
sobre os agricultores
Decreto de 13 de Agosto: extinção dos forais e bens da coroa
Emancipação da terra exonerando-a dos obstáculos à sua transacção
Redução do peso dos donatários e da sua influência sobre a economia
Espaço para a intervenção da burguesia no domínio agrícola
Concretização do princípio da propriedade privada
A Guerra Civil termina com o governo liberal em funções na ilha Terceira,
constituído entre outros, por Mouzinho da Silveira na pasta da Fazenda, onde
procedeu a um processo de reforma legislativa com vista a uma profunda alteração
administrativa do país. Nos Açores, o ministro de D. Pedro IV, elaboraria os
decretos que viriam a ser publicados a 16 de Maio desse mesmo ano, já com o
governo em Lisboa.
Ainda que tenha sido profícua a sua intervenção reformadora, o ministro manter-
se-ia em funções, apenas até ao final de Dezembro de 1932, tendo sido substituído
por José da Silva Carvalho, em virtude das fortes inimizades que o seu carácter
reformador patenteava, da sua intransigente defesa da propriedade privada e a luta
contra os poderes senhoriais.
A sua política, ainda que não tivesse concretização pela impossibilidade de os
acervos legislativos produzidos não chegarem a entrar em vigor, serviria para que
as reformas que e procuraram fazer no âmbito da administração pública tivessem
como base as suas propostas e o seu pensamento futurista e assertivo. Efectivamente
147
o grande obstáculo às reformas de Mouzinho da Silveira decorreu das forças que se
levantaram dos diferentes quadrantes da população portuguesa, desde o povo até ao
próprio sistema institucional implantado, apesar do seu autor ter tentado adaptá-las
à realidade nacional e respeitar o programa liberal que vinha desde a constituição
de 1822, mas que apresentava uma visão claramente reformadora para o hábito e os
interesses nacionais do tempo.
A mudança proposta confrontava os valores enraizados, facto que despoletava
tensões e conflitos no seio da comunidade. Refira-se que, as alterações eram
profundas, consequência da transição política, pois alteravam a matriz implantada,
quer nas instituições, quer na organização administrativa do território
A legislação produzida por Mouzinho da Silveira tinha como fonte de inspiração a
legislação francesa de pendor napoleónico, nomeadamente o decreto de 22-XII-
1798 e a própria Constituição francesa de 1791, consubstanciando as ideias liberais
que fervilhavam em Portugal desde o início do século XIX e o grande movimento
de simpatia ainda existente pelo modelo francês e que acabaria por integrar também
a Constituição de 1822 e, bem assim na Carta Constitucional de 1826.
A proposta de Mouzinho da Silveira recolhia nas suas disposições a influência dos
trabalhos teóricos levados a cabo pelo projecto de «lei orgânica da administração
geral das províncias do reino» apresentado na Câmara dos Deputados em 20 de
Março de 1827, pela Comissão do Código Administrativo, nomeada para esse
efeito. E que se aproximava de forma clara das posições teóricas de Bonnin, teórico
das reformas administrativas no período pós revolução francesa.173
É a proposta de reorganização administrativa, decretada em 16 de Maio de 1832,
que propõe reformar a estrutura administrativa nacional, que acabaria por ser um
pilar de uma nova estrutura e a procura de um projecto global da sociedade, a partir
do qual, se tornasse possível, como ele gostava de referir, terminar com o Portugal
velho e lançar as bases do Portugal Novo.
Neste contexto, não será de estranhar que a reforma proposta por Mouzinho da
Silveira procurasse dar resposta aos objectivos para a construção de aparelhos de
173 Bonnin, Charles-Jean Baptiste. 1808. De l’importance et de la necessite d’un code aministratif.
Paris: Chez Garnery.
148
Estado liberais, que exigiam sistemas administrativos novos, onde “cada instituição
reproduz o modelo representativo subjacente à organização do Estado, o que
significa que os agentes administrativos exercem o poder não em nome próprio,
mas em nome, por um lado, da instituição que representam e, por outro, do próprio
Estado, que neles delega parte da autoridade de que está investido”174.
De igual forma procura a promoção do bem comum através da aplicação das leis
gerais, e intenta a procura de solução dos problemas locais ao nível da comunidade,
onde “justificou e legitimou a construção dos novos aparelhos administrativos, cuja
eficácia garantiria a todos, se excepção, as condições de fruição da liberdade,
necessária ao desenvolvimento pleno das actividades económicas, sociais,
culturais e mesmo religiosa”175.
Mouzinho sabia que o novo aparelho de Estado teria de abarcar todo o País e, as
leis administrativas deveriam complementar o que estava exarado na Carta
Constitucional, pelo que, a nova máquina administrativa tinha de ser capaz de
garantir ao Estado “o exercício do poder em todo o território nacional, de forma a
reprimir os intentos das velhas classes dominantes e a assegurar o predomínio
político das forças burguesas ascendentes”176.
O decreto de 16 de Maio de 1832, tinha como objectivo a aplicação dos preceitos
inscritos na Carta Constitucional,177 sobre a administração pública e, na sua ideia
principal, a separação dos poderes consagrada na Constituição de 1822.
Mouzinho não concordava com a indefinição de atribuições aos diferentes órgãos
e, consequentemente, a sobreposição de funções, por vezes incompatíveis, que daí
advinham. Pelo que, estando criado o modelo teórico bastaria a criação de leis para
a sua operacionalização.
174 Manique, António Pedro. 1989. Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública.
Lisboa: Livros Horizonte, p. 76.
175 Manique, António Pedro. 1989. Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública.
op. cit. , p. 77.
176 Manique, António Pedro. 1989. Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública.
Lisboa: Livros Horizonte, p. 78.
177 Cf. Título VII da Carta Constitucional de 1826
149
A administração era para Mouzinho da Silveira “a cadeia que liga todas as partes
do corpo social e que lhe dá forma única”178 ficando implícita a ideia de
uniformização do espaço territorial, aplicando a todo o país, as normas contidas na
lei geral, respeitando as características das comunidades locais, bem como os seus
interesses e, cujas deliberações, deviam pertencer aos representantes locais, sem
desvirtuar a lei geral. É nestes termos que o decreto que trata da reforma
administrativa vem estabelecer a separação entre os diferentes órgãos
administrativos, tanto do ponto de vista orgânico, como do ponto de vista funcional.
A proposta contido no decreto supra referido, divide Portugal em províncias,
comarcas e concelhos, abolindo-se todas as outras divisões territoriais em vigor
desde o ancien regime.
Quanto aos órgãos propostos, seriam todos os de natureza executiva de nomeação
régia. Na província, o Prefeito, seria o chefe único a quem compete administrar a
circunscrição. É o chefe único de toda a administração da província, delegado da
autoridade do rei e investido de todas a atribuições. Depende directamente do rei,
competindo-lhe vigiar os interesses da Fazenda Pública.
Na sua visita anual pela província, o Prefeito deve, in loco, aperceber-se das
necessidades públicas, obter informação relevante sobre todos os aspectos e
informar o Governo dos melhoramentos e reformas a implementar na sua província.
Nas comarcas, subdivisão da província em que não resida o Prefeito, deveria existir
um seu delegado, o Sub-Prefeito. Este executaria de forma delegada as atribuilções
acometidas pelo prefeito. A Junta de Comarca apoiava o Sub-Prefeito.
O concelho seria administrado por um Provedor, nomeado pelo Rei e é depositário
único e exclusivo da autoridade administrativa, e enquanto delegado do poder
executivo tem a seu cargo velar pela boa execução das leis, enquanto chefe da
polícia na prevenção dos delitos, como encarregado de todas as funções executivas
da municipalidade possui as atribuições de benevolência e de confiança que o
fazem, na sua localidade, o tutor e defensor natural de todos os interesses
178 Manique, António Pedro. 1989. Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública.
Lisboa: Livros Horizonte, p 79.
150
comuns”179. O Provedor não teria vencimento. O seu “salário” era uma forma de
gratificação, cujo valor decorria de uma percentagem do rendimento líquido dos
bens do concelho.
Cada um destes magistrados seria coadjuvado por diferentes corpos
administrativos, que se consubstanciaria numa junta de cidadãos da confiança dos
povos e por eles eleitos para “fiscalizar a administração e deliberar ou emitir
pareceres sobre determinados assuntos de interesse local ou regional”180.
A Câmara Municipal do Concelho funcionava junto do Provedor electiva, mas
apenas com meros poderes de iniciativa e de consulta. Os membros deste órgão –
os vereadores - eram eleitos pelos cidadãos com determinados rendimentos.
A composição da Câmara variava de acordo com o número de fogos do concelho,
nos concelhos com menos de 2000 fogos três vereadores, entre 2000 e menos de
5000 fogos cinco vereadores, mais de 5000 e menos de 10000 sete vereadores, mais
de 10000 e menos de 20000 nove vereadores, e com mais de 20000 fogos treze
vereadores. O Presidente da Câmara, no diploma em apreço, era o vereador que na
eleição tivesse o maior número de votos. O mandato dos vereadores, bem como o
do presidente da câmara, tinha a duração de três anos conforme se dispunha no
artigo 8.º do Decreto em apreço. Por sua vez o Prefeito era assistido pela Junta Geral
da Província.
Além destes agentes, propunha-se a criação de uma autoridade administrativa
judiciária, o Conselho da Prefeitura, e que forma especial, decidia sobre o
contencioso da administração. O Conselho de Estado exercia a Inspecção Geral
Administrativa.
E quanto ao tempo de função o citado diploma referia que “todos os magistrados
administrativos são amovíveis a prudente arbítrio do governo, todos os corpos
administrativos eleitos podem ser dissolvidos na forma que as leis determinam”181.
Ficavam igualmente revogadas todas as leis, decretos e disposições em contrário.
179 Cf. Artigo 60º, capítulo V, título II. Decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832.
180 Manique, António Pedro. 1989. Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública.
Lisboa: Livros Horizonte, p. 81.
181 Cf. Artigo 10º, capítulo II, título I. Decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832.
151
Mouzinho da Silveira, dando expressão prática ao preceituado na Carta
Constitucional, define uma “delimitação conceptual entre as funções
administrativa e judicial do Estado; segundo, a separação orgânica entre as
instituições que só poderiam exercer a primeira e aquelas outras que, por seu lado,
só poderiam desempenhar a segunda; e terceiro, o estabelecimento de mecanismos
destinados a impedir qualquer sobreposição ou acumulação de outras autoridades
e funções cuja separação era tão importante assegurar como a da administração e
a da justiça”182.
Apesar de se estar perante um decreto novo e reformador, a operacionalização do
seu conteúdo nem sempre foi pacífica. Recorde-se a forte influência francesa e a
elevada concentração de poderes do Prefeito, assente num aparelho administrativo
demasiado centralizado. Neste sistema, as câmaras viram confirmadas e
acrescentadas todas as suas antigas atribuições, podiam deliberar sobre todos os
problemas do concelho, mas cabia ao Provedor a sua execução, dando-lhes pouca
autonomia e demasiada dependência em relação ao poder central.
A reforma de Mouzinho da Silveira, que durante muito tempo foi considerada como
sendo “improvisada em Ponta Delgada, na pressa de estampar no jornal oficial da
regência os textos jurídicos da revolução liberal antes do desembarque no
continente”,183 acabaria por ser reconhecida como importante no cotexto das
reformas administrativas nacionais, pois que “ tudo foi feito à pressa, não há
duvida. Mas que se tratasse de improviso puro, vindo da inspiração de um
Mouzinho deslumbrado pela observação das instituições francesas, durante as
emigrações, isso é que já não será tão exacto.”184 E ao mesmo tempo, acontece
alguma retratação face às perspectivas iniciais, pois que, Mouzinho, terá sido “mais
182 Amaral, Diogo Freitas do. 2008. Do absolutismo ao liberalismo: as reformas de Mouzinho da
Silveira. Coimbra: Edições Tenacitas, pp. 26-27.
183 Caetano, Marcello, Os Antecedentes da reforma administrativa de 1832 (Mouzinho da Silveira),
in Estudos de História da Administração Pública Portuguesa… op. cit. p. 359
184 Amaral, Diogo Freitas do. 2008. Do absolutismo ao liberalismo: as reformas de Mouzinho da
Silveira,op. cit. pp. 26-27.
184 Caetano, Marcello, Os Antecedentes da reforma administrativa de 1832 (Mouzinho da Silveira),
in Estudos de História da Administração Pública Portuguesa… op. cit. p. 360
152
original na medida em que não se limitou a transpor apressadamente para os seus
decretos preceitos ou conceitos bebidos em França durante a emigração, sem
cuidar da sua adaptação a Portugal. Ele afinal veio dar corpo aos trabalhos de dez
anos e limitou-se a concretizar ideias que andavam no ar respirado pelos liberais
portugueses do seu tempo”185 ainda que, “tenha sido menos original , uma vez que
não foi sua apenas, a convicção da necessidade das reformas de 16 de Maio nem a
obstinação de decretá-las.”186
Outros autores e críticos seus contemporâneos também se pronunciaram sobre a sua
obra, apoiando ou asperamente criticando. Um desses deles foi Almeida Garrett,
que de forma clara assumia que “Mouzinho pensava no futuro, e pela boca do Príncipe
cuja confiança alcançara, dava leis ao porvir. Seja qual for o ponto de vista de que se
considerem, forme-se o conceito que se formar delas, é inquestionável que as leis de 16
de Maio, de 30 de Julho e de 13 de Agosto de 1832 são um grande monumento, são o
termo onde verdadeiramente acaba o velho Portugal e de onde começa o novo.” 187
E o sempre corrosivo e assertivo Oliveira Martins, não deixa de reconhecer que foi
a Mouzinho da Silveira “[...]que coube a honra de dar à revolução um caracter social
mais profundo, mais grave, mais fecundo, do que o caracter de intriga pessoal, [...] ou de
questão dinástica. Desde logo o papel do ministro acabou. Segurara com tamanha força
a Ocasião, que a guerra foi condenada a revolucionar o País. Passou como passa rápido
um aerolito e apagou-se caindo. Foi um clarão de luz que rompeu num instante as trevas
anteriores, deixando logo tudo entregue ao formigar obscuro dos homens cegos. Desse
momento em que um estadista, com uma teima e uma pena, impôs a um exército a
obrigação de consagrar a vitória com uma revolução; desse momento ficava tanto, quanto
à França custara anos de anarquia e terrores, de ruínas, de guerras, tiranias, misérias,
torpezas. As três leis de 16 de Maio, 30 de Julho e 13 de Agosto são o nosso”.188
185 Caetano, Marcello, Os Antecedentes da reforma administrativa de 1832 (Mouzinho da Silveira),
in Estudos de História da Administração Pública Portuguesa… op. cit. p. 369
186 Caetano, Marcello, Os Antecedentes da reforma administrativa de 1832 (Mouzinho da Silveira),
in Estudos de História da Administração Pública Portuguesa… op. cit. p. 369
187 Garrett, Almeida, «Memória histórica [...]»,Obras de Almeida Garrett, vol. I, Porto, 1963 op.
cit, p. 994.
188 Martins, J. P. Oliveira. 1976. Portugal Contemporâneo, t. I, liv. III. Cap. V, 8.ª ed., Lisboa:
Guimarães e C.ª Editores, pp. 346-37
153
Já o grande estudioso da Guerra Civil do século XIX, Luz Soriano, ainda que
apresentando um diferente retrato de Mouzinho da Silveira, chega, contudo, a
conclusão idêntica quanto ao alcance da sua obra:
“Mouzinho da Silveira [...] era um destes maníacos e visionários políticos a quem nada é
capaz de demover da teima, e aferro às opiniões que professam, fundadas no orgulho da
sua sabedoria, e crentes de que neste ponto nada ha capaz de os igualar. Espirito
systematico e especulativo, não só desanimava com quaesquer obstáculos que as
circunstâncias lhe oppunham, mas era por outro lado excessivamente irritável, e cheio de
grosseria quando todos os projectos que ideava lhe contradissessem ou rejeitassem um
só8. Enquanto D. Pedro tratava dos arranjos militares do exército libertador, sucedia
igualmente que o seu ministro e secretario de estado dos negócios da justiça e da fazenda,
José Xavier Mouzinho da Silveira, convencido de que a sua penna vinha a Portugal fazer
uma formal revolução contra D. Miguel e o seu governo com o decretamento de medidas,
que para esse fim concebera, principiou a propor-lhas á assignatura, sendo umas, por
assim dizer, destinadas a armar à popularidade, e outras à derrogação das antigas leis,
reguladoras dos differentes ramos da administração publica, e substitui-las por outras
favorecedoras do estabelecimento do novo systema de governo, estatuído pela carta
constitucional. Relatando, como temos feito, o que nos Açores se passou, com relação á
parte mais importante da legislação de D. Pedro, assumpto sobre o qual julgamos
conveniente chamar a atenção do leitor, para o instruir das leis que mais concorreram
para desmoronar o nosso antigo systema governativo [...]”.189
Os novos princípios da administração pública.
A criação de um corpo assalariado de funcionários públicos e a teoria do serviço
público.
Pressuposto de destruição dos poderes da aristocracia e notáveis locais
As finanças públicas na óptica de Mouzinho da Silveira
Execução da carta constitucional
189 Soriano, Simão José da Luz. 1867. História da Guerra Civil e do estabelecimento do Governo
Parlamentar em Portugal: Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino
desde 1777 até 1834. Primeira Parte. Tomo III. Lisboa: Imprensa Nacional, p. 387
154
Substituição de um sistema de tributação local que permitia ao clero e nobreza a
apropriação de parte dos impostos
Extinção do Erário Régio
Criação do Tribunal do Tesouro Público
Criação do Ministério da Fazenda
Elemento Base
Recebedores Gerais: junto dos prefeitos mas independentes
Recebedores Particulares: nas Câmaras Municipais
Escrituração rigorosa das receitas e despesas, com inspecção a todos os níveis
Universalidade da contribuição
A Reforma da justiça
Divisão judicial do território
Círculos
Comarcas
Julgados
Freguesias
Supremo tribunal Administrativo: Lisboa
Círculos: Tribunais de 2.ª instância
Comarcas: Juízos de 1.ª instância
Julgados: Juízes ordinários
Freguesias: Juízes de paz e juízes pedâneos
41.2. Da “ordem” ao “cabralismo”. A “regeneração”. Um novo liberalismo. O
fracasso do reformismo liberal.
41.2.1. Carta de Lei de 25 de Abril de 1835
155
A carta de Lei de 25 de Abril de 1835, aprovada e publicada no contexto da
contestação à reforma administrativa de Mouzinho da Silveira, divide o Reino em
Distritos – até 17 -, administrados por um magistrado de nomeação régia, havendo
nele, uma Junta de Distrito electiva com as mesmas atribuições das Juntas de
Província criadas pelo Decreto de 16 de Maio de 1832.
Os distritos dividiam-se em Concelhos, existindo em cada um deles, um Agente de
Administração geral, designado de Administrador do Concelho, escolhido pelo
Governo, sob lista tríplice, nos concelhos onde o município só tenha 5 membros e
quíntupla nos restantes concelhos, feita por eleição directa. Os Concelhos de
Prefeitura seriam substituídos por três membros das Juntas de Distrito, os mais
votados e mais antigos.
O Governo ficava autorizado, nos termos desta Carta de Lei a fazer a divisão
administrativa do reino e os regulamentos indispensáveis para a sua implementação
e apresentar junto das Cortes na próxima sessão para aprovação, pelo que o Decreto
de 18 de Julho de 1835 e nos termos expressos da Carta de lei de 25 de Abril de
1835, determina a divisão administrativa do país.
Nos termos do decreto supra, o Reino ficará dividido em Distritos, subdivididos em
Concelhos e estes em Freguesias. Em cada Distrito, existirá um magistrado com a
designação de Governador Civil, em cada Concelho, um Administrador de
Conselho e em cada Freguesia um Comissário de Paróquia.
Junto a cada magistrado administrativo e segundo a ordem da sua hierarquia um
corpo de cidadãos eleitos pelos povos, a saber, Junta Geral do Distrito, junto ao
Governador Civil, Câmara Municipal junto ao Administrador do Concelho e Junta
de Paróquia, junto ao Comissário de Paróquia. Haverá ainda em cada capital de
Distrito um conselho permanente com a designação de Conselho de Distrito.
As Juntas de paróquia são integradas por 3 membros nas freguesias com menos de
200 fogos, 5 membros nas freguesias entre 200 a 600 fogos e nas restantes
freguesias 7 membros. As eleições para este órgão decorrem de forma idêntica às
da Câmara Municipal. A eleição destas é directa e da forma determinada pelo
Decreto de 3 de Junho de 1834.
Quanto às Juntas Gerais do Distrito, integram-nas 13 procuradores, eleitos pelos
eleitores de província, da mesma forma dos deputados, com excepção dos Distritos
156
de Lisboa e Porto, onde se integram respectivamente, 17 e 15 procuradores. São
elegíveis todos os que o podem ser para deputados.
O Governador Civil, é no distrito o chefe da administração, nomeado por decreto
do Governo, de igual modo o Secretário-geral do Distrito é nomeado pelo Governo.
Ambos têm salário fixo.
O Administrador do Concelho, é escolhido pelo Governo sobre uma lista tríplice
nos concelhos, cuja municipalidade tiver até 5 membros e quíntupla nos restantes
por eleição directa. Não tem vencimento fixo, tendo no entanto, uma gratificação
paga pelo rendimento do concelho.
O Comissário da Paróquia é escolhido pela administração do concelho sob lista
tríplice através de eleição directa, e podem ser reeleitos. As suas funções são de
natureza gratuita.
O Conselho de Distrito é integrado por três membros da Junta Geral do Distrito
(mais próximos do mais votado e maior idade), sendo as suas funções de natureza
gratuita, e presidido pelo Governador Civil que tem voto de qualidade.
41.2.2. O Código Administrativo de 1837
Na sequência das alterações às propostas de lei de Mouzinho da Silveira, de 1835
que precederam à reorganização administrativa do país, foi apresentado e aprovado
o primeiro código administrativo que inscreve em lei formal o conjunto dos
pressupostos da Administração Pública Nacional. Esta codificação decorre, das
grandes contestações e descontentamento manifestado pelas populações quanto às
leis de Mouzinho, tal como as iniciativas legislativas atrás referidas, com o intuito
de amenizar os ânimos mais exaltados.
A exaltação tinha levado ao poder os principais defensores da Constituição de 1822
com destaque na oposição à Carta Constitucional de 1826. O “Setembrismo”, a
revolução de 9 de Setembro de 1836, restaura a Constituição de 1822 e com ela, de
novo as incidências administrativas aí propostas.
O decreto de 11 de Setembro deste ano, publicado pelos revolucionários, altera a
designação dos Governadores Civis, para Administradores Gerais, mantendo-se
157
provisoriamente o que estava instituído - Distritos, Juntas Gerais e Conselho de
Distrito -.
Suprime-se, por Decreto de 15 de Setembro de 1836, o Conselho de Estado,
passando as suas funções para o Conselho de Ministros. Em 3 de Outubro, um novo
decreto procede à remodelação do Conselho de Distrito.
Entretanto, na noite de 3 para 4 de Novembro ocorre um golpe de estado contra-
revolucionário, designado de “Belenzada”, e na sequência do qual a Rainha, demite
o Governo em funções. Volta a altera-se o status quo político e em Dezembro a
alteração administrativa viria a desenhar-se de novo.
É na sequência desta instabilidade que o Decreto de 6 de Novembro de 1836
procede a uma nova divisão administrativa. O território do Reino ficava dividido
em 351 Concelhos, suprimindo-se 445 municípios. E, publicar-se-ia de seguida o
Decreto de 31 de Dezembro que aprovava o Código Administrativo.
O Código Administrativo era composto por 256 artigos, repartido por seis Títulos:
I. Organização Administrativa, II. Sem Designação, mas tratando de matéria da
competência e atribuição dos magistrados administrativos, III. Também inominado,
versando sobre a formação dos Concelhos de Distrito e suas atribuições, IV.
Disposições Gerais, VI. Disposições penais, VII. Disposições transitórias.
Decorre do Título I que a divisão administrativa do reino, assentava em Distritos
administrativos subdivididos em Concelhos e estes em Freguesias. O número de
distritos e concelhos estaria em conformidade com o Decreto de 6 de Novembro de
1836, respectivamente de 17 e 51, devendo o número de freguesias e sua extensão
de ser oportunamente regulado.
Nos Açores, seria o Arquipélago dividido em 3 Distritos, Ponta Delgada, onde se
integravam as ilhas de S. Miguel e Santa Maria, Angra, com as ilhas de Terceira,
Graciosa e São Jorge, e Horta, integrando as restantes ilhas.
A Madeira, ficaria com um Distrito, Funchal, de que faziam parte as ilhas da
Madeira e Porto Santo.
Em cada Distrito, haveria um magistrado administrativo, designado Administrador
Geral, e em cada Concelho, um Administrador do Concelho, enquanto em cada
Freguesia, existiria um Regedor de Paróquia.
158
Junto a cada um dos magistrados, haveria um corpo de cidadãos eleitos pelo povo:
Junta Geral Administrativa do Distrito, Junto ao Administrador Geral, a Câmara
Municipal, Junto ao Administrador do Concelho e a Junta de Paróquia, junto ao
Regedor de Paróquia. Instalar-se-ia ainda em cada capital de Distrito, um Conselho
Permanente, com a designação de Conselho de Distrito.
Quanto à composição daqueles órgãos, dispunha o art. 9.º que as Juntas de Paróquia
seriam compostas por três membros nas freguesias com menos de 200 fogos, de 5
nas que tivessem entre 200 e 800 fogos e de 7 nas restantes. Nas freguesias com
número insuficiente de cidadãos para formação de uma junta de paróquia, esta podia
por decisão do Administrador Geral em Conselho de Distrito, ficar anexada a uma
ou mais freguesias vizinhas.
Podiam exercer o direito de voto na eleição das juntas de paróquia, todos os
cidadãos residentes na paróquia, no gozo dos seus direitos civis e políticos. E,
podiam ser eleitos os cidadãos residentes na paróquia que pudessem votar na sua
eleição.
Em cada concelho uma Câmara Municipal, integrada por cinco vereadores nos
concelhos até 1.000 fogos, por sete nos que tivessem entre 1.000 e 6.000 fogos e de
novo acima de 6.000 fogos. A Câmara do Porto teria onze vereadores e a de Lisboa,
13 vereadores. O Presidente da Câmara seria o mais votado pelos vereadores e o
fiscal da Câmara também eleito pela Câmara entre os vereadores.
Podiam votar na eleição das Câmaras Municipais cidadãos portugueses e
estrangeiros naturalizados, maiores de 25 anos, com domicílio de um ano no
concelho com o gozo dos seus direitos políticos e civis e “que tiverem uma renda
anual de cem mil réis proveniente de bens de raiz, indústria, emprego ou
comércio”. Tratava-se de uma capacidade eleitoral censitária, não universal,
excluindo, para além do mais, os pobres, as mulheres e os homens de idade inferior
a 25 anos, entre outras restrições indicadas no art. 24.º.
A possibilidade de exercício do poder, continuava ainda limitada aos mais
poderosos e, por conseguinte, o governo local ficava na mão destes, enquanto todos
os restantes ficavam legalmente impedidos de integrar o governo das localidades.
Era o corte com a legislação mais democrática do tempo da revolução setembrista.
159
Quanto ao Administrador Geral, cargo de nomeação do governo, com atribuições
expressas no art. 105.º, continuava a ser Chefe superior da Administração. O
Administrador do Concelho escolhido pelo Governo sobre lista quíntupla feita por
eleição directa e pela mesma forma das eleições da Câmara Municipal. O Regedor
de Paróquia, é eleito, de forma directa, de forma idêntica às demais eleições,
servindo por dois anos, podendo ser reeleitos.
O Código Administrativo permitia no entanto, uma certa descentralização face ao
poder central, mormente ao nível das Câmaras Municipais com o grande número
de competências atribuídas e no âmbito das deliberações tomadas pelo seu
Presidente, acrescentando-se o facto de a sua eleição ocorrer de forma directa. No
entanto, todos restantes órgãos, cuja nomeação dependia poder central viam tolhida
a sua autonomia.
Pouco tempo após a promulgação do Código, a contestação voltou ao país.
Argumentando, sobretudo, com a necessidade da sua revisão, apontavam-se para
tanto razões, tais como a existência de grande número de cargos electivos, a duração
reduzida dos cargos, a multiplicidade e frequência das eleições, a falta de
responsabilidade dos funcionários. Como refere Marcello Caetano, a “crítica do
Código de 1836 está feita pelos próprios resultados dele. Inspirada em generosas
ideias nacionalistas e liberais, quis enxertar nas antigas instituições municipais um
democratismo exótico para o qual não havia no país nem preparação, nem
vocação”. 190
Neste contexto, em 3 de Agosto 1838 teve inicio a preparação para a revisão do
código, tendo sido nomeada para o efeito, uma comissão cujos resultados foram
apresentados pelo Ministro do Reino, Fernandes Coelho, na Câmara dos Deputados,
em 16 de Março de 1839. Acontece que não terá sido discutida nunca.
Em 17 de Janeiro de 1840, o Ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães,
apresenta nova proposta de revisão do Código. A Comissão de Administração
Pública da Câmara dos Deputados, na sua sessão de 24 de Agosto, apresenta uma
contraproposta, da qual resultaria a Lei de 29 de Outubro de 1840.
190 Caetano, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Org. e prefácio
de Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, Coimbra Editora, 1994 p. 392
160
41.2.3. A Lei de 29 de Outubro de 1840
A Lei de 29 de Outubro de 1840 revoga algumas das disposições do Código
Administrativo, no que se refere ás Juntas de Paróquia, que passam a integrar três
membros nas que não excedam mais de quinhentos fogos e cinco nas restantes. O
Pároco é o seu Presidente e membro da Junta, sendo o Secretário e o Tesoureiro
nomeados pela Junta de entre os seus membros ou fora deles. Deixam, por outro
lado, de fazer parte da organização administrativa, limitando-se as suas atribuições
à administração do que pertence à Igreja e dos bens comuns dos fregueses, bem
como a prática de actos de beneficência que lhes sejam recomendados por lei ou
autoridades superiores.
As Câmaras Municipais, são constituídas por cinco vereadores nos concelhos com
mais de 3.000 fogos e por sete nos concelhos com povoação superior, com excepção
de Lisboa e Porto, mantendo o mesmo número de vereadores. São eleitas por
mandatos de 2 anos.
Quanto às Juntas Gerais do Distrito, são estas integradas por procuradores
nomeados pelas Câmaras e pelos Concelhos Municipais. O Administrador Geral
em Conselho de Distrito designaria o número de procuradores que deviam eleger-
se no município.
Os Regedores de Paróquia, passavam a ser propostos pelos administradores dos
concelhos ou julgados e nomeados por um ano, pelo administrador geral. Os
regedores também ficavam excluídos dos quadros dos magistrados administrativos.
O Administrador do Concelho era nomeado pelo Rei e amovíveis a qualquer
momento. O Conselho de Distrito exercia o contencioso administrativo.
Em 16 de Novembro, nova lei é publicada para regular a organização e atribuições
dos conselhos municipais e a situação dos tesoureiros dos concelhos. Concluía-se
assim, a organização prévia do Código Administrativo de 1842 que a breve trecho
iria ser aprovado e acabaria por ser o que durante mais tempo vigoraria em Portugal.
41.2.4. O Código Administrativo de 1842
161
Em 1842 entrava em vigor um novo Código Administrativo fruto das alterações
legislativas que já investigamos e que, de certo modo, procurava dar guarida às
reivindicações que se faziam sentir um pouco por todo o país.
O Código Administrativo manteve grande parte dos critérios adoptados em 1840 e
igualmente, consagrou a obrigatoriedade de se saber ler, escrever e contar, situação
que, num contexto de elevadas taxas de analfabetismo, contribuiu para afastar a
esmagadora maioria da população adulta masculina do acesso ao poder municipal,
reduzindo, obviamente, o número de eleitores e elegíveis. O regime de apuramento
das vereações municipais mantinha-se censitário e dependente da capacidade
individual, logo, verdadeiramente restritivo. Em suma, a participação no acto
eleitoral, como eleitor e, sobretudo, como elegível, tornou-se privilégio de um
pequeno grupo de cidadãos. De igual forma manteve as atribuições e organização
dos corpos administrativos nele consagrado.
Nestes termos, a divisão do território continua a estar assente em Distritos e
Concelhos, sendo os de Lisboa e Porto divididos em Bairros. O Distrito era
administrado por um magistrado com a designação de Governador Civil e o
Concelho por um Administrador do Conselho. Poderiam ser administrados pelo
mesmo administrador, mais do que um concelho mediante proposta do Governador
Civil e decisão do rei. Os Bairros de Lisboa e Porto seriam administrados por um
Administrador de Bairro. Junto a cada um dos magistrados administrativos
funcionava um corpo de cidadãos eleitos pelo povo: Junta Geral, junto do
Governador Civil e Câmara Municipal junto do Administrador do Concelho.
Determinava ainda o novo Código a criação de um Tribunal Administrativo em
cada distrito, com a designação de Conselho do Distrito.
Em comparação com o Código de 1837, as alterações são evidentes e importantes.
O regresso da designação Governador Civil, como a figura mais importante do
Distrito e o chefe superior de toda a administração do seu distrito. Nomeado por
decreto do Governo, assume atribuições no domínio da organização da fazenda
pública para além das que lhe eram acometidas na esfera administrativa e política.
É o exemplo claro, da centralização administrativa que dominava o espirito do
poder central. Os seus elementos assumiam assim grande capacidade de ingerência
junto dos órgãos locais.
162
Importante também, é a restrição à intervenção na gestão dos municípios. Ao
contrário do Código de 1836, o novo código, limita tal exercício àqueles que
“pagarem anualmente de décima de juros, foros e pensões, ou de quaesquer
proventos d’empregos de câmaras municipais, misericórdias e hospitaes, a quantia
de dez mil réis” – art. 13.º, II -, e aos que tivessem uma prestação mensal de cem
mil réis, funcionários do Estado, na efectividade de serviço ou reforma com
ordenado superior a cem mil réis anuais.
Resulta que a administração municipal foi limitada aos maiores contribuintes dos
concelhos, impedindo desta forma, a possibilidade do acesso a vereações e
magistraturas a qualquer elemento do concelho, como acontecia na vigência do
código de 1836. Só podiam, integrar o concelho municipal os vogais do conselho
municipal que pagassem maior quota de décima no concelho, devendo saber ler,
escrever e contar.
Diferentes ainda são as atribuições da Junta Geral do Distrito. No código de 1842
são expressas atribuições deliberativas ou consultivas – art. 215.º -, competindo a
execução das atribuições deliberativas ao Governador Civil. Por seu lado, as
atribuições da Junta Distrital, limitam-se às consagradas no art. 253.º, tratando-se
da informação ao Governo sobre os melhoramentos a fazer na divisão
administrativa do território e concessão de algumas licenças e alvarás – art. 254.º-.
O Administrador do Concelho, é também no quadro do Código de 1842, um
elemento de centralização do poder em face da sua nomeação pelo rei e da sua
dependência directa para efeitos de exoneração. Depende, no entanto, do
Governador Civil para a execução das leis e regulamentos da administração – art.
246.º-.
De inovador, o código de 1842, apresenta o Conselho de Distrito como tribunal
administrativo, integrado pelo Governador Civil, que presidia e por quatro vogais
nomeados pelo Rei sobre proposta da Junta Geral. Das suas atribuições destacam-
se o dar parecer ao Governador Civil sobre os assuntos relativos à administração
geral dos concelhos e o julgamento do contencioso administrativo, com recurso
para o conselho de Estado.
O Código de 1842, determinava ainda a existência em cada freguesia de uma Junta
de Paróquia e de um regedor de Paróquia. A junta seria eleita directamente pelos
163
eleitores da paróquia, apenas podendo votar, no entanto, os eleitores que tivessem
capacidade para o fazer para a Câmara Municipal.
A Junta de Paróquia continuava fora da organização administrativa pública, ao
contrário do definido no Código de 1836, sendo constituída pelo Pároco, que
preside e por dois ou quatro vogais eleitos directamente. O regedor de Paróquia,
também não fazia parte da organização administrativa pública. Era nomeado pelo
Governador Civil de quem dependia, mediante proposta da Administração do
Concelho, pelo prazo de um ano, com possibilidade de recondução.
Os distritos, em número de 21 entre o Continente e Ilhas, ficavam organizados da
seguinte forma: Braga, Porto, Vila Real, Bragança, Aveiro, Coimbra, Viseu,
Guarda, Castelo Branco, Leiria, Lisboa, Santarém, Portalegre, Évora, Beja, Faro,
Ponta Delgada, Angra, Horta, Funchal. O número de concelhos ficava registado
como sendo de 413.
Tendo na época sido um passo significativo para a reorganização administrativa do
país, ainda assim, no tocante ao número de distritos, concelhos e freguesias
continuavam a apresentar um número elevadíssimo em termos de custos e de
organização administrativa, motivo pelo qual, logo em 1843, pela Lei de 29 de
Maio, se autoriza o Governo a reduzir até 12 o número de Distritos no Continente
e a promover a alteração da divisão territorial em concelhos.
Os distritos, no entanto, não sofreriam qualquer alteração, mas quanto aos
concelhos estes acabariam por ser alterados no seu número. Para além disso, ao
administradores dos concelhos passam a poder ser nomeados por de entre os
indivíduos estranhos ao concelho, o que evidenciava de novo o regresso ao
centralismo do poder central.
A longa vigência do código, permitiu por seu lado, organizar a administração
pública nacional, originando a “formação de uma burocracia competente e a
elaboração de uma compacta glosa em torno dos seus artigos, sedimentação de
usos, práticas e doutrina preciosíssima para a consolidação do sistema
administrativo e futuras reformas na legislação”. 191
191 Caetano, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op. cit. p
164
41.2.5. As tentativas de reforma do Código Administrativo de 1842
O Código Administrativo foi sendo objecto de várias reformas e tentativas de
reforma, quer no domínio das circunscrições administrativas, quer no domínio da
tentativa de promoção da descentralização administrativa, quer ainda no sentido da
modernização do articulado do próprio código, conformando-o com os novos
tempos e com os novos pressupostos.
Uma das primeiras tentativas, foi levada a efeito por Almeida Garrett, pela qual o
famoso escritor e estadista, propõe a divisão administrativa em conformidade com
a reforma de Mouzinho – Províncias, Comarcas e Concelhos -, a que acrescia as
Paróquias. No concelho a administração pertencia às Câmaras Municipais, cujo
presidente seria designado pelo Governo de entre os vereadores e conselheiros
municipais. Propunha a extinção das administrações do concelho e seria nomeado
um Provedor de Câmara para fiscalização e inspeção, cujas atribuições ficariam
próximas das dos antigos corregedores.
Em cada Província deveria existir um Governador Civil, uma Junta e um Conselho
de Província, este último mantendo as atribuições consagradas ao Conselho de
Distrito, quanto ao contencioso administrativo. Finalmente, propunha a
manutenção da Junta de Paróquia e do Regedor de Paróquia.
A proposta nunca seria discutida ou votada na Câmara dos Deputados pelo que não
passaria disso mesmo, o ser uma proposta.
Anos mais tarde, ocorreria de novo uma tentativa de reforma, quando em 16 de
Abril de 1862 foi criada uma Comissão, nomeada pelo Ministro do reino Anselmo
José Braamcamp e cujo Presidente era o Visconde de Castro e os vogais os
Conselheiros José Silvestre Ribeiro e Diogo António Palmeiro Pinto, o Dr. Justino
António de Freitas e José Maria da Silva Leal.
A comissão deveria rever e reformar o Código administrativo, codificar e
harmonizar aas disposições posteriores e apresentar as propostas tidas por
convenientes para a melhoria da organização administrativa.
Desta comissão resultaram duas propostas de lei, mas com a substituição do
Ministro em Janeiro de 1864, acabariam por não se concretizar em qualquer
alteração. A primeira proposta, sugeria a divisão do reino em Comarcas, estas em
Concelhos e estes em regedorias. As comarcas correspondiam às comarcas judiciais
165
enquanto as regedorias podiam integrar uma ou mais freguesias. Os magistrados
administrativos, seriam os seguintes: Governador Civil, Administrador de
Comarca, Adjunto do Administrador de Comarca, que em cada Concelho presidia
à Câmara, sendo nomeado pelo Rei e pelo Regedor. Subsistiam ainda as freguesias
com as Juntas de Paróquias.
A segunda proposta, apresentava um quadro de magistratura administrativa em que
se integravam os secretários gerais dos governos civis. Nestes termos, as categorias
seriam as seguintes: Governador Civil (1.ª, 2.ª e 3.ª classe), Conselheiro de Distrito,
Secretário-geral (3 classes), Administrador de Comarca (3 classes). Apenas o lugar
de Conselheiro não era de acesso.
41.2.6. O Código de 1867: A lei de Administração civil
Ainda que não hajam obtido sucesso as tentativas de reforma do Código
Administrativo de 1842, acontece que em 29 de Janeiro de 1867, Martens Ferrão,
então ministro do Reino, apresenta na Câmara dos Deputados uma proposta de lei
de administração civil, a qual se consubstanciaria na lei de Administração Civil,
aprovada pela Carta de Lei de 17 de Junho de 1867.
Presidia ao espírito e doutrina da nova proposta a procura da descentralização
administrativa, promoção de uma eficaz acção do poder central, responsabilidade
em toda a escala da Administração Pública, a organização da fazenda e da
contabilidade paroquial, municipal e distrital, representação popular nos corpos
electivos e a constituição do contencioso administrativo.
A lei dividia-se em 8 capítulos: Da divisão do território; Da paróquia e sua
administração; Do município; Do Distrito; Do contencioso administrativo; Da
eleição dos corpos administrativos; Dos magistrados e empregados administrativos;
Da inspecção administrativa.
No que respeitava à divisão administrativa do território, propunha-se na Lei a
divisão em Distritos, Concelhos e Paróquias Civis. Cada paróquia constituiria uma
unidade para a divisão administrativa. De grupos de paróquias resultavam os
concelhos e destes os distritos. Excepção para os distritos de Lisboa e Porto, que
seriam divididos em Bairros e estes em paróquias civis.
166
Os distritos, seriam os seguintes: Algarve, com capital em faro; Alto Alentejo, com
capital em Évora; Baixo Alentejo, com capital em Beja; Estremadura, com capital
em Lisboa; Beira Alta, com capital em Viseu; Beira Baixa, com capital em Castelo
Branco; Beira Central, com capital em Coimbra; Douro, com capital em Porto;
Minho, com capital em Braga; Trás-os-Montes superior, com capital em Bragança;
Trás-os-Montes, com capital em Vila Real; Nas ilhas, Madeira, com capital em
Funchal; Açores Meridionais, com capital em Ponta Delgada; Açores Orientais,
com capital em Angra do heroísmo; Açores Ocidentais, com capital em Horta. As
paróquias civis, não podiam ter habitantes em número inferior a 1.000 nas cidades
e vilas e a 500 nas zonas rurais. Substituíam-se portanto, as freguesias.
As autoridades administrativas seriam o Administrador da Paróquia, o Conselho
Paroquial e o Pároco da Freguesia. O Conselho Paroquial era de eleição popular,
com mandato de dois anos e composto por 5 membros residentes, com funções
gratuitas. A sua atribuição decorria no domínio da fazenda paroquial, para além das
competências do foro administrativo. O Administrador de Paróquia, seria escolhido
pelo Governo de entre os membros do Conselho Paroquial.
O Governo e a administração de cada concelho competiam a uma Câmara
Municipal e a um Administrador do Concelho, cada “um nos limites das respectivas
atribuições especificadas na presente lei” – art. 51.º
Cada Concelho teria pelo menos 3.000 fogos. E independentemente da dimensão
da população de cada concelho, cada Câmara Municipal seria integrada por sete
vereadores, com excepção da de Lisboa, com 13 e Porto com 11 vereadores.
Os vereadores seriam escolhidos através de eleição popular, de forma directa, sendo
os mandatos dos vereadores de quatro anos, renovados de dois em dois anos, nos
termos da lei, a saber: sorteio dos vereadores que no segundo ano deviam ser
substituídos e dois anos depois seriam os restantes substituídos.
Às Câmaras Municipais, seriam atribuídas competências deliberativas, como
corporação administrativa e meramente consultivas, como conselho municipal
junto do Administrador do Conselho. A tutela, competia ao Conselho de Distrito,
ao Governo e às Cortes Gerais.
167
Ao Administrador do Concelho estavam atribuídas competências de três espécies:
Executor das ordens do Governo; Fiscal do serviço municipal; Magistrado do
ministério público administrativo.
Em cada Distrito, haveria uma Junta Geral do Distrito, um Governador do Distrito
e um Conselho de Distrito. A Junta geral do Distrito, deveria ser um órgão
consultivo e deliberativo, eleito de forma directa, por quatro anos, renovada por
séries de 2 anos. O Governador de Distrito era o chefe superior e único da
administração distrital, delegado do Governo, representante do Distrito e inspector
administrativo, escolhido por eleição directa.
Quanto ao contencioso administrativo, era o mesmo regulado nos arts. 282 a 353.º,
sendo o Conselho do Distrito, integrado por 6 membros efectivos na Estremadura e
Douro e 4 nas restantes. O Governador do Distrito seria o Presidente, nomeado pelo
Governo sob proposta da Junta geral do Distrito.
VER E CITAR CAPITULO VII – arts 423 a 468 – funcionários públicos
Nos arts. 469 e ss regulava-se a inspecção administrativa atribuída ao administrador
do Concelho e ao Governador do Distrito respectivamente nas paróquias civis o
primeiro e nas paróquias e concelhos o segundo.
A lei de Administração Civil, entrou em vigor de imediato, mas um decreto de 14
de Janeiro de 1867 vem determinar que “ficam sem effeito a lei de 26 de Junho de
1867, sobre administração civil, enquanto as cortes não resolverem sobre as
propostas que o governo opportunamente lhes apresentará sobre este ramo do
serviço público” e ficava “igualmente sem effeito a circunscripção administrativa
approvada por decretos de 10 e 17 de Dezembro do mesmo ano”. Efectivamente o
decreto de 10 de Dezembro aprovava a circunscrição dos distritos, dos concelhos e
das paróquias, sendo 17 os distritos no continente e ilhas, o número de concelhos
era fixado em 178 e as paróquias civis seriam de 1.93 e as eclesiásticas, 3.971.
A suspensão do Código, decorreria da deposição do Ministro do Reino, Martens
Ferrão, no decurso da revolta popular a “Janeirinha” que contestava, para além da
reforma administrativa que ameaçava acabar com vários concelhos do país, como
vimos, e que contrariava profundamente a tradição municipalista portuguesa, a
introdução de um novo imposto de consumo.
168
De facto, “a política desenvolvimentista e de forte investimento em obras públicas
conduzida pelos regeneradores, unidos em torno de Fontes Pereira de Melo, não
foi acompanhada por um crescimento paralelo da economia portuguesa nem por
reformas fiscais gradativas que, ao longo do tempo, permitissem ao Estado ir
equilibrando as suas contas, mesmo que à custa dos contribuintes”.192
O Governo regenerador, viu na introdução de um novo imposto de consumo a
solução mais fácil para os problemas financeiros do Estado. Mas foi surpreendido
pela revolta que se foi espalhando pelo país, profundamente insatisfeito não apenas
com o agravamento da carga pelo que a 4 de Janeiro de 1868 o Governo regenerador
caiu, sendo substituído por um Governo liderado pelo duque de Ávila e Bolama.
Deste modo, ficaria também sem efeito na mesma data este imposto de consumo,
por decreto que determinava que os impostos extintos pelo art. 1.º da referida carta
de lei – 10 de Junho de 1867 -, continuam em vigor. Eleita a nova Câmara “foi o
acto ditatorial aprovado pela lei de 29 de Maio de 1868, publicado em 30.”193
41.2.7. De novo o regresso ao Código de 1842 e o Código de 1878
Voltava a vigorar o Código de 1842, porquanto centrando-se sobretudo na divisão
administrativa do país proposta com base no número de fogos e consequente
supressão de muitos dos concelhos, conduziria de forma drástica à oposição popular
e consequente inviabilização da aplicação do novo código.
A questão administrativa nacional, ganhava no entanto, importância maior,
porquanto o código de 1842, já decorria há muito tempo em vigor e encontrava-se
por isso desactualizado e já tinha associado uma imensa profusão de leis, decretos,
portarias e resoluções, o que impedia a sua utilização e aplicação nas melhores
condições. E, cada vez mais, o país reclamava por uma alteração na administração
pública que promovesse a descentralização administrativa e o desenvolvimento
económico e social. A reforma da administração passava a ser um imperativo
fundamental, pelo que, o então ministro do reino, Duque de Loulé, viria a nomear
192 Sousa, Jorge Pedro (coord.). 2011. António Rodrigues Sampaio. Jornalista e político no Portugal
oitocentista, LX, Lab Com, , p. 390-391
193 Caetano, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op.cit. p. 408
169
uma comissão para a reforma administrativa que tratasse de alterar o código de
1842.
Dos resultados da comissão de alteração ao Código de 1842, resultaria o Código
Administrativo aprovado por Decreto de 21 de Julho, o qual se consubstanciava
como se afirma no Relatório, “sobre duas bases fundamentais – ampliação das
faculdades e garantias dos corpos administrativos, isentando-os quanto possível
da tutela do poder central – e descentralização para as localidades de muitos
serviços e encargos que pesavam sobre o governo do estado, dotando-os ao mesmo
tempo com as mais amplas faculdades tributárias, para poderem satisfazer
convenientemente ao aumento das despesas que importa esta alteração no nosso
sistema de administração”.
Acontece, que mais uma vez, o sistema político nacional, não resistiu à instabilidade
característica dos tempos em apreço e, o mentor da revolução de 19 de Maio de
1870, Marechal Saldanha, viria a ser obrigado a demitir-se do governo, logo em
finais de Agosto. A consequência é a sua não a implementação pelo novo governo
que assumiu o poder, uma vez que nos termos do art. 2.º do decreto de 21 de Julho,
o código apenas deveria entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1971.
A base das alterações do famigerado código de 1870, e novas propostas de revisão
integrariam a nova proposta de código administrativo de 1878. Aprovado pela carta
de lei de 6 de Maio de 1878 e em cumprimento do decreto das Cortes gerais de 27
de Abril do mesmo ano, o novo código administrativo acabaria finalmente por
substituir o código de 1842. O novo código, concebe a divisão administrativa do
país, em Distritos, Concelhos e Paróquias, reconhecendo todos os concelhos
existentes ao tempo da sua publicação. E, remete para a Câmara o poder para
promover qualquer alteração nas circunscrições dos distritos prevenindo de alguma
forma que se voltassem a repetir acontecimentos idênticos aos que impediram a
concretização das reformas de 1867 e 1870.
No que respeita às circunscrições administrativas, estava o País dividido, em 1878,
em 21 distritos no continente e Ilhas (17 só no continente) e 295 concelhos (263 no
continente). As comarcas eram então 160 (144 no continente). Já quanto às
alterações às freguesias, o Governo mantinha as competências no âmbito da sua
eventual agregação nos termos do próprio código e bem assim a circunscrição das
paróquias também poderia ser alterada pelo governo mediante acordo com a
170
autoridade eclesiástica. Os corpos administrativos, eram no Distrito a Junta Geral,
no Concelho a Câmara Municipal, nas Freguesias a Junta de Paróquia. Funcionaria
também no distrito uma comissão executiva delegada da Junta Geral.
Quanto aos funcionários administrativos, no distrito, o Governador Civil, no
Concelho o Administrador e nas Freguesias o Regedor da Paróquia. Em cada
distrito um tribunal administrativo, denominado Conselho de Distrito. A Junta
Geral do Distrito seria eleita directamente pelos Concelhos, sendo o número de
procuradores de 21 em todas as Juntas, excepto, em Lisboa, 25 e no Porto, 23. A
Junta Geral detinha nos termos do código as seguintes atribuições: Administração
e promoção dos interesses distritais; Autoridade tutelar da administração municipal
e paroquial; Auxiliar na execução de serviços do interesse geral do estado.
Integram as Câmaras Municipais, sete vereadores, com excepção de Lisboa com 13
e Porto, com 11. Às atribuições das Câmaras Municipais da administração e
promoção dos interesses do concelho, acrescem o exercício da autoridade policial
e o auxílio da execução dos serviços de interesse geral do Estado e do distrito.
Competia ao Presidente da Câmara a execução das deliberações da Câmara, com
sujeição à mesma – art. 108.º -.
Inovador é o que se prescreve no art. 110.º, pelo qual se permite à Câmara a divisão
dos trabalhos da vereação pelos vereadores, tendo em vista diferentes ramos do
serviço ou pelouros. As Juntas de Paróquia, eram integradas por cinco membros
eleitos pela paróquia sendo suas atribuições, a administração da fábrica da Igreja, a
administração dos bens e interesses da paróquia e o desempenho de todos os actos
que enquanto comissão de beneficência lhe forem atribuídos.
O Governador Civil, nomeado pelo Governo e com a residência obrigatória na
capital do distrito, e o Administrador do Concelho nomeado por decreto do
Governo, sob proposta do Governador Civil. Para o exercício destas funções era
necessário que o nomeado tivesse um diploma de instrução superior.
O Regedor da Paróquia, era nomeado por alvará do governador civil, mediante
proposta do administrador do concelho. Apenas podia ser nomeado para o cargo
quem tivesse domicílio na paróquia ou nas paróquias anexas.
O Conselho de Distrito, tinha na sua constituição o Governador Civil que a ele
presidia e mais quatro vogais nomeados pelo governo sobre lista tríplice proposta
171
pela Junta geral. Dois dos vogais teriam de ser bacharéis em Direito. As suas
atribuições, eram de natureza consultiva e contenciosa.
Atribuições consultivas, no sentido em que emitia o seu parecer em todos os
assuntos em que nos termos da lei teria de o fazer ou por consulta do Governador
Civil. Competências contenciosas, as decorrentes das atribuições de tribunal de 1.ª
instância nos termos do art. 243.º.
Todos os corpos administrativos seriam eleitos directamente pelos cidadãos
nacionais que o pudessem fazer. Estariam neste caso, todos os cidadãos portugueses
residentes no respectivo concelho ou paróquia, que tivessem direito a voto nas
eleições de deputados – art. 267.º -. Seriam elegíveis os eleitores do distrito os seus
eleitores, do município os eleitores do concelho e para as paróquias os eleitores das
freguesias desde que sabendo ler, escrever e contar.
O código administrativo de 1878, seria desde logo, o mais descentralizador de todos
os códigos portugueses até à data da sua aprovação e bem assim, nas épocas
subsequentes, porquanto voltaria a vigorar em 1910, estando suspenso entre 1894 e
aquela data e só voltaria a suspender a sua vigência em 1935 com o Código
administrativo do Estado Novo, claramente centralizador, como veremos.
Ainda assim, a prudência do relatório que o aprova é evidente, ao frisar que a
“descentralização completa entre nós, seria o fracionamento da unidade nacional,
o parcelamento do território em pequenas divisões incapazes de se governar, a
anarquia na administração e na política.” Mas, o facto de o poder do Governador
civil enquanto agente do poder central, ver reduzida a possibilidade de executar as
deliberações da Junta Geral para a delegar num grupo de cidadãos, é um sinal claro
de descentralização do código. Introduzindo as juntas de eleição directa e as
comissões distritais permanentes, absorveu nestes órgãos boa parte das funções do
governador civil, cada vez mais órgão de carácter político.
As Câmaras Municipais, ficavam sujeitas a tutela nas suas deliberações de âmbito
financeiro, nomeadamente as relativas a: empréstimos (cujos juros e amortizações,
de per si, ou junto aos encargos de empréstimos já contraídos, absorvam a décima
parte da receita autorizada no orçamento do ano respectivo); supressão de empregos
e estabelecimentos municipais; aposentação, demissão e suspensão por mais de
trinta dias de empregados; lançamento de contribuições; organização de
172
orçamentos; estabelecimento, supressão, duração ou mudança de feiras ou
mercados periódicos; acordos celebrados com outras câmaras para interesse
comum; aprovação de posturas e regulamentos de execução permanente; aquisição
e alienação de bens imobiliários e transacções sobre pleitos; contratos para
fornecimentos e execução de obras (quando a despesa anual resultante desses
contratos, só de per si ou junta à despesa anual com outros contratos semelhantes,
absorver a décima parte da receita ordinária da câmara). Sem prévia aprovação,
aliás, da junta geral de distrito, as deliberações camarárias tomadas sobre estas
matérias não eram executórias.
As Câmaras Municipais, mantêm, no entanto, todas as garantias de independência
para as suas decisões e, principalmente, a possibilidade de lançar impostos
livremente, para que se tornasse possível a sua capacidade de sustentabilidade.
Poderiam livremente escolher os impostos, directos ou indirectos, sobre que
fundariam as suas receitas. «O regulamento sobre contribuições dos municípios,
variando consoante as necessidades, os hábitos e as faculdades naturais de cada
um deles, será ao mesmo tempo um título da sua emancipação do poder central»,
escrevia-se no parecer da Comissão Parlamentar.
O Código de 1878 introduziu um alargamento objectivo da faculdade tributária, em
matéria de impostos indirectos, dos municípios, que até então apenas podiam lançá-
los sobre géneros expostos à venda a retalho. Daí em diante, todos os géneros
expostos à venda, quer a retalho, quer por grosso, podiam ser tributados. Estabelecia
igualmente a possibilidade de as câmaras lançarem contribuições municipais
directas, mediante aprovação da Junta geral de distrito, em dinheiro ou serviços das
pessoas e bens. As contribuições em dinheiro consistiriam numa percentagem
adicional às contribuições gerais predial, industrial, de renda de casa e sumptuária.
Não impôs um limite máximo de quota ou percentagem para os adicionais, ao
contrário da legislação anterior. 194
41.2.8. O Código Administrativo de 1886
194 Serra, João B.1988. As reformas da administração local de 1872 a 1910, , in Análise Social,
Lisboa. vol. XXIV (103-104), (4.º, 5.º), 1037-1066, p. 1043
173
Em 1879, chegados ao poder os responsáveis do partido progressista, sentiram no
imediato a necessidade de alterar a estrutura administrativa do país em consonância
com as suas perspectivas ideológicas. Assim, logo em 1880, o então Ministro do
Reino, José Luciano de Castro, propõe nas Cortes uma primeira tentativa de
alteração. Não singrou esta iniciativa, porquanto sendo substituído o Governo em
1880, acabaria por não ser discutido.
Mas, em 1886, o partido progressista volta de novo ao poder, com um governo
presidido por José Luciano de Castro e por Carta de lei de 17 de Julho ficaria
aprovado ditatorialmente um novo código administrativo, decorrente da “urgência
da reforma do anterior código”, como se expressa o relatório. Tanto mais que de
igual forma seriam frequentes as queixas dos povos, as reclamações na imprensa e
no parlamento, reivindicando um novo código.
É que, pode ler-se no mesmo relatório, o anterior código (1878) havia exagerado as
liberdades concedidas aos corpos administrativos, sobretudo quanto à questão
tributária, o que levaria à desordem das finanças e à facilidade de criar impostos e
contrair e acumular dividas.
A reforma assentava em vários aspectos principais, a saber: redução do serviço dos
corpos administrativos a 3 anos sem renovação de mandatos, por eleição directa e
classificação dos concelhos em três ordens, segundo a sua população. Isto
significava que, sendo os municípios diferentes entre si, tanto em extensão como
em riqueza, e não sendo politicamente aconselhável proceder a uma reestruturação
igualitária dos concelhos, havia que prever a possibilidade de eles se regerem
segundo normas diferentes, consoante as suas características.
A organização da fazenda local, fixando limites às suas faculdades tributárias. A
constituição nas sedes de distrito de tribunais administrativos independentes e a
organização de um regime especial nos concelhos com mais de 40.000 habitantes.
Para tanto, neste caso, impunha-se aquele mínimo de habitantes, anuência prévia
das câmaras municipais e de dois terços dos recenseados para as eleições
administrativas de cada um dos concelhos envolvidos, o que tais condições ficavam
longe de fácil satisfação.
O Código de 1886 aprovado e aplicado sob os auspícios da ditadura e por sua
consequência, não seria de esperar outra coisa que não o de alterando-se a situação
174
política, se alterar a situação administrativa. A alteração tem início no ano 1892 o
qual encerra o ciclo “do experimentalismo rotativo na administração local. A
reforma decidida ao longo desse ano não foi codificada, mas abalou as bases do
sistema anterior. Depois dos decretos de José Dias Ferreira, nada voltou a ser
como dantes. De toda a legislação sucessivamente publicada, o leit motiv
permanece: a crise financeira exige disciplina na Administração, o Estado não
pode pagar uma aventura como a descentralização”.195
Ferreira Dias, sobe ao poder após a crise financeira de 1891, com o mandato
imperativo de sanar de vez a fazenda pública, pelo que, assim o acredita, a situação
financeira só podia ser resolvida mediante uma reforma administrativa. E, logo em
21 de Abril de 1891, publica um decreto, que extingue os tribunais administrativos,
atribuinco as suas competências contenciosas aos juízes de direito e as atribuições
consultivas e jurisdição de contas às Juntas Gerais. Este é o primeiro passo para a
revogação do Código administrativo em vigor.
E o Decreto de 19 de Janeiro de 1892, “continua a reforma com medidas de
contracção de despesas com vencimentos do funcionalismo. A lei manda cessar,
aos empregados e funcionários civis, o abono de quaisquer remunerações
extraordinárias ou gratificações que lhes tivessem sido abonadas depois de 1 de
Julho de 1891.
O diploma refere-se à Lei de 30 de Junho de 1891, a qual estabelecia que tais
gratificações terminassem no primeiro dia do ano económico em curso, mas
autorizava a continuação desse abono até à reformulação dos serviços, desde que
o vencimento total do empregado não excedesse os 360$000 réis”.196
Em 6 Agosto do mesmo ano publicava-se m decreto, extinguindo as Juntas Gerais
de Distrito, criando em sua substituição Comissões Distritais, “eleitas por
delegados das Câmaras em cada distrito e com reduzidas atribuições, sem receitas
nem património, desaparecendo a personalidade jurídica do distrito, que o
195 Serra, João B., As reformas da administração local de 1872 a 1910, op. cit. p. 1050
196 Id. Ibidem.
175
Governador Civil representaria, a não ser em juízo, onde a representação ficava a
cargo do Ministério Público”.197
No ano de 1896, “reunidas as Cortes … tratou-se de rever a obra da ditadura; foi
deste modo submetido à câmara o Código de 1895 e dele se ocuparam as comissões
de Administração Pública e da Fazenda da Câmara dos Deputados que
apresentaram os seus pareceres na sessão de 24 de Março”.198
Por carta de lei de 4 de Maio seria o novo código aprovado vem substituir o código
de 1886 e de novo procurar a reorganização do padrão administrativo nacional. O
novo código, não tem a intenção de alterar profundamente o actual organismo
administrativo mas visando “apenas completá-lo e aperfeiçoá-lo para que mais
regular e eficazmente possa funcionar, harmonizando as conveniências da vida
local com os superiores interesses do estado”. 199
Nestes termos, mantém-se a extinção das Juntas Gerais, feita pelo decreto de 6 de
agosto de 1886, não se procedendo a nenhuma outra alteração importante quanto às
comissões distritais.
Quanto às câmaras municipais, padeciam de dois problemas gravíssimos: a falta de
pessoal habilitado para as vereações e a carência dos recursos precisos para regular
a satisfação dos seus encargos obrigatórios. Assim, uma das formas de corrigir estes
problemas estava no alargamento das circunscrições administrativas e o critério de
apuramento de concelhos na divisão comarcã, mantenha os povos, ligados pela
mesma administração Judicial também fiquem pela municipal.
Entendia-se no código que os diversos concelhos ou municípios se devem distribuir
por três categorias, classificadas, segundo o seu carácter, faculdades ou atribuições
e sobretudo pelas suas necessidades e possibilidades financeiras e não apenas pela
sua população como fizera o código de 1886.
Na primeira ordem, compreendiam-se os concelhos urbanos, isto é, as capitais de
distrito e aquelas em que houvesse importante população aglomerada e incremento
industrial ou comercial. Na segunda ordem e na terceira, os concelhos rurais, os da
197 Caetano, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op. cit. p. 421
198 Caetano, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, op. cit. p. 424
199 Relatório ao Código Administrativo de 1896, Decreto de 2 de Março de 1894
176
segunda com uma administração municipal completa, gerindo todos os interesses e
serviços locais, os da terceira com atribuições mais modestas, em harmonia com a
exiguidade dos seus recursos financeiros e com a escassez dos elementos em que
podem ser recrutados os seus corpos gerentes. Esta diversidade de organização
resulta das próprias desigualdades reais existentes, que nenhum artifício de simetria
doutrinária ou de igualdade legal, é capaz de fazer desaparecer.
Proporcionar assim as faculdades e as atribuições aos meios e às forças de cada
um, seria a forma de estabelecer uma organização lógica e natural assentando sobre
factos averiguados e positivos, e não apenas baseada sobre qualquer sistema
preconcebido, quási sempre incompatível com uma salutar realização pratica.
Nos concelhos de terceira ordem deviam os mais importantes negócios ser geridos
pela câmara da sede da comarca, ficando, porém, as dos referidos conselhos com
atribuições e autonomia próprias naquilo que fosse do de interesse local, sendo
obrigatória a sua consulta nos mais importantes assuntos de interesse comum,
especialmente no que se refere ao orçamento, estabelecimento de impostos e
levantamento de empréstimos.200 Às juntas de freguesia atribuía-se de novo o seu
papel antigo.
41.2.9. O código de 1900
Corria o ano de 1900, quando por causas idênticas às anteriores e sobretudo às que
impeliram à aprovação do Código de 1886, se vê aprovado outro código
administrativo, em substituição do que vigorava desde 1886. Por resolução das
Cortes de 4 de Julho de 1899, era o governo autorizado a modificar o actual código
administrativo em harmonia com as bases que constituem parte integrante desta lei
dando conta às cortes na próxima sessão do uso que fizer desta autorização. E, foi
no uso desta autorização que se publicou o novo código administrativo por decreto
de 23 de Junho de 1900.
No entanto, em 26 de Junho desse mesmo ano, um novo ministério regenerador
veio substituir o governo progressista, pelo que o código estava condenado a não
200 Vide, Relatório ao Código Administrativo de 1896, Decreto de 2 de Março de 1894
177
ter execução para além da publicação no Diário do Governo, sendo suspenso pelo
decreto ditatorial de 5 de Julho de 1900.
O Código Administrativo de 1878, veria suspensa a sua vigência em 17 de Julho de
1886, altura em que a Carta de Lei da mesma data vem aprovar o novo código
administrativo. Mas, logo a seguir à revolução Republicana de 1910, o Código de
1878, voltaria a vigorar, repondo a situação administrativa do país em conformidade
com as suas disposições.
Com efeito, o Decreto de 13 de outubro de 1910, vem justificar a sua reposição em
vigor e as razões que penhoradamente entende para tal. O Decreto explica então
que “Sendo conveniente dar satisfação, pelo que respeita à organização
administrativa, as aspirações liberais e democráticas, tanto quanto possível e
desde já, enquanto a Nação não legislar sobre tão importantes assuntos, pareceu
ao Governo da Republica dever restabelecer o Código Administrativo aprovado
pela carta de lei de 6 de maio de 1878, na parte em que o seu restabelecimento
cause o mínimo de perturbação aos serviços públicos.
Encontra-se em vigor o Código Administrativo aprovado pela carta de lei de 4 de
maio de 1896, de estrutura intensamente conservadora, que de modo algum se
harmoniza com as doutrinas do sistema republicano.
Urge revogar a sua vigência, a fim de restituir a vida local incentivos e energias
capazes de permitir aos cidadãos uma fecunda actividade administrativa, que
engrandeça todos os agregados nacionais e fomente o seu desenvolvimento e a sua
riqueza, ao mesmo tempo que permita aos cidadãos urna ingerência sempre saltitar
na vida íntima da Nação.
Desta forma o Governo dá público testemunho do seu amor pelos princípios
liberais e dos seus propósitos de descentralizar a administração; e tendo felizmente
o país entrado numa época de tranquilidade que já permite dar á administração
pública uma garantia de estabilidade, pode o Governo substituir a situação
recentemente estabelecida por uma mais orgânica e profícua, aproveitando para
isso, provisoriamente, a orientação liberal e democrática do Código
Administrativo de 1878.
178
Assim, os propósitos democráticos do Governo começarão a concretizar-se em
realidades, até que franca e abertamente possamos chegar a um fecundo regime
descentralizador e autónomo, que é a força e a vitalidade dos povos.”
Estabelecia, neste contexto o art.º. 1.º que “enquanto não for promulgado um
Código Administrativo elaborado de harmonia com o regime e os princípios
republicanos, serão adotados os magistrados e os organismos administrativos
estabelecidos pelo Código Administrativo aprovado pela carta de lei de 6 de maio
de 1878, com as atribuições que este código lhes confere, bem como as mais
disposições do mesmo código que não forem contrariadas por este decreto”.
Continuavam subsistindo as actuais circunscrições administrativas, e enquanto não
se procedesse a eleição dos referidos organismos, seriam estes constituídos por
comissões nomeadas pelos governadores civis, salvo as juntas gerais e os conselhos
de distrito, que seriam nomeadas apenas quando o Governo o ordenasse. Este
decreto entrava em vigor desde a data da sua publicação e será sujeito a apreciação
da próxima assembleia Nacional Constituinte.
V. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO SÉCULO XX
42. Da I República ao Estado Novo
42.1. A revolução de Outubro. Antecedentes.
42.2. A administração central no contexto da reforma republicana
No que se refere à administração central, no rescaldo da Revolução Republicana de
1910, organizava-se ela de acordo com o preceituado na Constituição aprovada em
1991. Assim, no artigo 6.º, do Título III da Constituição Política da República
Portuguesa de 1911, integrado no contexto «Da Soberania e dos Poderes do
Estado», consagrava os três órgãos de Soberania “Poder Legislativo, Poder
Executivo e Poder Judicial” «independentes e harmónicos entre si».
179
O poder legislativo, regulado nos - art.º 7.º a 35.º - ficava atribuído ao Congresso
da República, composto por duas câmaras, a Câmara dos Deputados e o Senado,
enquanto o poder executivo – art.º 36.º a 55.º- exercido pelo Presidente da
República e pelos ministros e, por fim, o poder judicial - art.º 56.º a 65.º- da
competência do Supremo Tribunal de Justiça e dos tribunais de primeira e segunda
instância.
O Congresso da República organizava-se num sistema bicameral, a Câmara dos
Deputados e do Senado, ambas eleitas por sufrágio directo e universal. Os seus
membros representavam toda a Nação e não apenas os colégios por que eram
eleitos. Ninguém podia integrar simultaneamente duas Câmaras.
Nos termos do artigo 11.º da Constituição, o Congresso reunia-se no dia 2 de
Dezembro de cada ano, na capital do País, tendo cada sessão legislativa uma
duração de quatro meses, a qual podia ser prorrogada ou adiada por deliberação das
Câmaras. Cada legislatura duraria três anos, mas o Congresso poderia ser
convocado extraordinariamente pela quarta parte dos seus membros ou pelo poder
executivo nos termos do disposto no art.º. 12.º.
As sessões de abertura e encerramento das duas câmaras, que se realizassem nos
mesmos dias, funcionariam de forma separada, em sessões públicas, excepto
deliberação em contrário. As deliberações seriam tomadas por maioria de votos,
estando presente, em cada uma, a maioria absoluta dos seus membros. As sessões
conjuntas seriam presididas pelo mais velho dos Presidentes das duas Câmaras.
«A cada uma das Câmaras compete verificar e reconhecer os poderes dos seus
membros, eleger a sua Mesa, organizar o seu Regimento interno, regular a sua
polícia e nomear os seus empregados», conforme disposto no art.º13.º, §único.
No exercício do seu mandato, tanto os Deputados como os Senadores são
invioláveis pelas opiniões e votos proferidos, sendo que o voto é livre e
independente de quaisquer insinuações ou instruções, nos termos do artigo 15.º.
Os deputados ou senadores não podem ser, julgados, peritos ou testemunhas, sem
a licença da sua Câmara, ser ou estar presos durante o período das sessões, sem a
antecipada autorização da respectiva Câmara, excepto se forem apanhados em
flagrante delito a que corresponda a pena maior ou equivalente na escala penal.
180
Nos termos do artigo 18.º, se algum Deputado ou Senador for processado
criminalmente, o juiz irá comunicar à respectiva Câmara, que decidirá se este «deve
ser suspenso e se o processo deve seguir no intervalo das sessões ou depois de
findas as funções do arguido.»
Depois de eleito, era proibido a qualquer membro do Congresso a celebração de
contratos com o poder executivo, nem aceitar deste ou de qualquer governo
estrangeiro emprego retribuído ou comissão subsidiada, excepto situações
expressas no nos n.os 1 e 2 do art.º. 20.º.
Também não poderiam «servir lugares nos conselhos administrativos, gerentes ou
fiscais de empresas ou sociedades constituídas por contrato ou concessão especial
do Estado», nem «ser concessionário, contratador ou sócio de firmas
contratadoras de concessões, arrematações ou empreitadas de obras públicas e
operações financeiras com o Estado», como dispõe o art.º 21.º.
Ao Congresso atribuía-se as competências expressas no art.º 26.º e não estando o
Congresso reunido, as funções seriam exercida pelo poder executivo.
Aos membros do Congresso ou do poder executivo pertencia a iniciativa de todos
os projectos de lei, excepto quando relativos a matérias privativas do Congresso,
previstas na Constituição, sendo o projecto de lei adoptado numa das Câmaras
submetido à outra. Sendo aprovado por esta, seria enviada ao Presidente da
República para que o promulgasse como lei – art.º 33.º -.
Quanto à Câmara dos Deputados, era integrada por «um número indefinido de
deputados - a concretizar pela lei eleitoral -, com a idade mínima de 25 anos,
eleitos por um triénio.»201 Se for para ocupar alguma vaga por morte ou outra causa,
o deputado eleito apenas exercerá o mandato durante o resto da legislatura – art.º
22.º e 23º.
Da competência exclusiva da Câmara dos Deputados era”a iniciativa sobre os
impostos, organização das Forças Armadas, discussão das propostas do poder
201 Marques, A. H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para a
República vol. XI, Lisboa: Editorial Presença, p. 322
181
executivo, pronúncia dos membros deste, revisão da Constituição e prorrogação e
adiamento da sessão legislativa (art.º. 23.º).”202
Ao Senado os art.º 24.º e 25.º, definiam a sua composição e respectivas atribuições,
a quem pertencia o poder legislativo. Na sua composição integrava “o número de
senadores que resultasse da eleição de três indivíduos por cada distrito do
Continente e ilhas adjacentes (63 durante todo o período da Primeira República)
e de um indivíduo por cada província ultramarina (8, o que totalizava 71), com a
idade mínima de 35 anos, eleitos por seis anos e renovados em metade todas as
vezes que se procedesse a eleições gerais.”203
Era da competência do Senado, “a aprovação das propostas de nomeação dos
governadores e comissários da República para as províncias do ultramar (art.
25.º).”204
Quanto ao Presidente da República, dispõem os art. 37.º a 48.º, da sua estrutura,
funcionamento e atribuições o qual representava a Nação nas relações gerais do
Estado e ao qual pertencia o poder executivo.
O Presidente era eleito por dois terços dos votos dos membros das duas Câmaras
do Congresso e não obtendo essa maioria, a eleição prosseguirá na terceira votação,
com os dois candidatos mais votados, sendo eleito o que tiver maior número de
votos. O Presidente da República podia ser destituído pelo Congresso, desde que a
deliberação fosse devidamente fundamentada e aprovada por dois terços dos seus
membros.
Em caso de vacatura da “presidência por morte ou qualquer outro motivo, o
Congresso elegeria novo presidente para exercer o cargo durante o resto do
período presidencial.”205
202 Miranda, Jorge. 2011. Manual de Direito Constitucional. Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora,
9ª edição, p. 295
203 Marques, A. H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para a
República op. cit., p. 323
204 Miranda, Jorge. 2011. Manual de Direito Constitucional. op. cit. p. 295
205 Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para a
República, op. cit., p. 323
182
O Presidente era eleito por um período de quatro anos e deixaria de exercer as suas
funções no mesmo dia em que terminar o seu mandato e não podia ser reeleito no
quadriénio imediato, nem se ausentar do país sem a autorização do Governo.
O Presidente da República promulgaria qualquer projecto de lei, num prazo de
quinze dias, iniciado a partir do momento em que o mesmo lhe fosse presente, não
o podendo vetar, pelo que se até ao último dia do prazo definido o Presidente não
se pronunciasse, o seu silêncio equivaleria à promulgação da lei.
As competências do Presidente da República decorriam do disposto no art.º 47.º,
exercidas por intermédio dos Ministros e de acordo com estabelecido no art.º 49.º,
necessidade de referenda pelo menos, um Ministro. Se não o forem, «são nulos de
pleno direito», não poderão ser executados e «ninguém lhes deverá obediência».
Os art. 49.º a 54.º, da Constituição Política da República delimitam a estrutura,
funcionamento e atribuições dos Ministros.
Os Ministros não podiam acumular mais que uma função, nem ser eleitos para a
Presidência da República, se não tiverem deixado de exercer o seu cargo antes da
eleição e nos termos do art.º 50.º os membros do Congresso que aceitarem o cargo
de Ministro não perderiam o mandato.
Cada Ministro era responsável política, civil e criminalmente pelos actos que
executassem, sendo julgado nos crimes de responsabilidade pelos tribunais
ordinários. Os Ministros deviam estar presentes nas sessões do Congresso, “tendo
sempre o direito de se fazer ouvir em defesa dos seus actos”206. Por seu lado, “O
Ministério seria chefiado por um presidente», nomeado pelo Presidente da
República, «que responderia não só pelos negócios da sua pasta mas também pelos
de política geral.”207 Nos primeiros quinze dias de Janeiro, seria apresentado o
Orçamento Geral do Estado pelo Ministro das Finanças, à Câmara dos Deputados.
Com o regime republicano, a estrutura do Governo permaneceu praticamente inalterável
em relação à da Monarquia Constitucional, exceptuando as alterações às suas
206 Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para a
República, op. cit., p. 323
207 A Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para
a República, op. cit., p. 323
183
denominações, como dispõe o Decreto de 8 de Outubro de 1910: o Ministério do Reino
passou a Ministério do Interior; o de Negócios Eclesiásticos e Justiça para Ministério da
Justiça e Cultos; da Fazenda para Ministério das Finanças; o Ministério da Guerra
manteve a sua designação; o da Marinha e Ultramar para Ministério da Marinha e
Colónias; o Ministério de Negócios Estrangeiros manteve também a sua designação e, por
fim, das Obras Públicas, Comércio e Indústria para Ministério do Fomento. Incluía assim,
sete Ministérios ou Secretarias de Estado.208
No que respeita à organização e funcionamento do poder judicial integrava-o o
Supremo Tribunal de Justiça, cuja sede localiza-se em Lisboa e os tribunais de
primeira e segunda instância, distribuídos pelo país, consoante as necessidades da
administração da justiça.
Do ponto de vista da independência do poder judicial “Todos os juízes serão
vitalícios e inamovíveis”209 e as suas nomeações, demissões, suspensões,
promoções, transferências e colocações fora do quadro serão realizadas nos termos
da lei orgânica do poder judicial.
Os juízes ficavam impedidos de aceitar no Governo funções remuneradas, ainda
que o Governo pudesse requerer os juízes necessários para quaisquer comissões
permanentes ou temporárias. As nomeações seriam feitas de acordo com o
estabelecido na lei orgânica. Nos seus julgamentos, serão irresponsáveis, salvo as
excepções declaradas na lei.
Mantinha-se a instituição do júri, cuja intervenção seria “facultativa às partes em
matéria civil e comercial, e obrigatória em matéria criminal, quando ao crime
coubesse pena mais grave do que prisão a correccional e quando os delitos fossem
de origem ou de carácter político.”210
208 Maltez, José Adelino. 1991. Princípios Gerais de Direito - Uma Perspectiva Politológica: Direito
Positivo, Tomo III, Lisboa, p. 310
209 A Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para
a República, op. cit, p. 323
210 A Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para
a República, op. cit, p. 323
184
O Presidente da República seria processado e julgado pelos crimes que
eventualmente cometesse, nos tribunais comuns. Levado o processo até a
pronúncia, o juiz comunicá-la-á ao Congresso, que, em conjunto com Câmaras,
decidiria se devia ser imediatamente julgado ou só quando terminasse o seu
mandato. O mesmo aconteceria quanto aos ministros.
42.3. As reformas republicanas no contexto da administração central
A grande tendência legislativa do poder na I República, procurando alterar de forma
sistemática e aprofundada o quadro governativo da monarquia, traduziu-se na
promulgação de 24 925 diplomas legislativos (leis, decretos e portarias), numa média de
cinco diplomas promulgados por cada dia, nem sempre reflectindo as necessidades e os
interesses do país.
Logo em 23 de Agosto o Governo restrutura e divide em dois o Ministério da Marinha e
Colónias, instituindo o Ministério das Colónias e o Ministério da Marinha. Ficando cada
“ministério dividido em direcções-gerais, por sua vez subdivididas em repartições e estas
em secções. Uma secretaria-geral coordenava, em regra, os vários serviços do
ministério. Existiam ainda, assessoriamente, múltiplos conselhos e comissões.”211
A Lei n.º 130 de 5 de Junho de 1913, organizou a Secretaria-Geral da Presidência da
República, passando a integrar cinco funcionários: um Secretário-Geral, um primeiro-
oficial, um segundo oficial e dois correios. Para além destes, ainda prestariam ai serviço
os serventuários dos antigos paços reais.
Esta intervenção legislativa pretendia contrariar o tradicionalismo existente no decurso da
Monarquia, que concedia ao rei e à família real vastos direitos e regalias, nomeadamente,
quanto ao número de pessoal ao seu serviço, cerca de 325 pessoas, integrando nessas cerca
de 93 com carácter honorário, e que se traduzia num evidente esbanjar de dinheiros
públicos e ineficiência de serviço.
Com a organização legislativa, publicou-se ainda, a Lei de 7 de Julho de 1913 criando o
Ministério da Instrução Pública, a lei n.º 494 de 16 de Março de 1916 criando o Ministério
211 A Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal, Portugal-Da Monarquia para
a República, op. cit, p. 290
185
do Trabalho e Previdência Social, que se extinguiria a 25 de Novembro de 1925, o Decreto
n.º 3511, de 5 de Novembro de 1917 criando o Ministério do Comércio, que passaria a
designar-se do Comércio e Comunicações, o Decreto n.º 3902, de 9 de Março de 1918,
instituindo o Ministério da Agricultura e o Ministério de Subsistências e Transportes
(depois designado Ministério dos Abastecimentos e Transportes) que veio a ser extinto,
em Setembro de 1919, pela Lei n.º 882.212 213
Em 1917 e no auge da I Guerra Mundial, publicou o Governo de então a Lei n.º 813/1917
de 6 de Setembro, que permitia a ausência do Presidente da República do país com o
propósito de visitar o corpo do exército português que combatia em França.
Na mesma data e referente às mesas das duas casas do Congresso da República, a Lei n.º
816/1917 de 6 de Setembro permite que estas, em conjunto com a sua comissão
administrativa, promovam a reorganização dos quadros e vencimentos dos funcionários
do Congresso.
Para evitar a confusão entre os órgãos de Chefe de Estado e Chefe de Governo, promoveu-
se a reorganizando a Secretaria da Presidência da República, com a publicação do
Decreto n.º 4233/1918 de 7 de Maio passa a integrar um secretário-geral, dois terceiro-
oficiais, dois oficiais às ordens e dois ajudantes de campo, junto do Presidente da
República, determinando-se ainda que a Secretaria seria formada pelos adjuntos que
forem julgados necessários.
Com Sidónio Pais e a pretexto de lei eleitoral, realizou o Governo várias alterações
constitucionais, nomeadamente a modificação da composição do Senado, onde 49
senadores seriam eleitos pelas províncias e 28 repartidos pelas seguintes categorias
profissionais: agricultura, indústria, comércio, serviços públicos, profissões
liberais, artes e ciências, através do Decreto n.º 3997/1918, de 30 de Março,
enquanto o Presidente da República seria eleito por sufrágio universal e directo,
tendo a possibilidade de mandato mais longo do que os quatro anos - art.º 116.º e
121.º, respetivamente - e a ele competia a chefia da força armada de terra e mar,
aplicando-a quando necessário à segurança interna e à defesa externa da Nação -
212 Maltez, José Adelino. 1991. Princípios Gerais de Direito - Uma Perspectiva Politológica: Direito
Positivo, p. 311
213 Caetano, Marcello. 1951. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra Editora, p. 361
186
artigo 122.º- e a livre nomeação e demissão dos seus Ministros e Secretários de
Estado – art.º 123.º-. Este decreto era a antevisão do regime corporativista e do
estabelecimento de um sistema presidencialista em Portugal e que no decurso do
Estado Novo viria a ter implementação, sobretudo a primeira.214
Também a estrutura organizativa da Administração Pública, sofreu várias reformas, como
as que tiveram efeito junto das várias Direcções-Gerais. Com efeito, no decurso da
Primeira Guerra Mundial o número de funcionários públicos aumentou e a sua
estrutura tornou-se bastante mais complexa, nomeadamente com o aparecimento de
várias estruturas prestadoras de serviços, sobretudo nos transportes e na economia.
Surgindo as inúmeras repartições em face da pressão da opinião pública e da ameaça de
restauração monárquica, que obrigaram os governos republicanos a fazer um esforço
desesperado para melhorar os serviços e cumprir promessas eleitorais e alíneas de
programas215
No Ministério do Interior, a República foi-o gradualmente desmembrando e
especializando, desde logo pela publicação do Decreto com força de lei de 9 de Fevereiro
de 1911 criou uma Repartição de Assistência Pública (que depois recebeu o estatuto de
direcção-geral) dentro da Direcção-Geral da Administração Política e Civil. Por sua vez,
em 1913, todas as questões referentes à instrução e cultura foram-lhe retiradas e
transferidas para o Ministério da Instrução Pública. O Decreto 4166/1918, de 27 de Abril
de 1918, veio criar a Direcção-Geral da Segurança Pública, à qual ficaram submetidos os
serviços policiais e de segurança de todo o território. Esta Direcção-Geral acabou por ser
extinta em 1924 através do Decreto n.º 9339/1924 de 7 de Janeiro.
No Ministério da Justiça e dos Cultos sentiu a República a necessidade de uma
reorganização dos seus serviços, pois “grande parte dos assuntos eclesiásticos,
compreendidos nas duas repartições da Direcção-Geral dos Negócios Eclesiásticos,
deixaram de ter existência depois da implantação da República e, com compensação,
outros serviços, como os do registo civil, tiveram maior desenvolvimento”, conforme
disposição do Decreto n.º 1105/1914 de 26 de Novembro. Justifica-se, assim, a existência
214 Miranda, Jorge. 2011. Manual de Direito Constitucional. op. cit., p. 299
215 A Marques, A.H. de Oliveira (Cord.), Nova História de Portugal: Da Monarquia para a
República, op. cit, p. 290-291
187
de apenas uma repartição à Direcção-Geral dos Negócios Eclesiásticos e a criação da
Repartição do Registo Civil, o que significou na prática a separação dos assuntos da
religião face aos assuntos do Estado.
No Ministério das Finanças foram promulgados diversos decretos que criaram as
Direcções-Gerais da Fazenda Pública e das Alfândegas, extinguiram a Direcção-Geral da
Tesouraria, que passou a designar-se das Contribuições e Impostos, mantendo-se a da
Contabilidade Pública manteve-se inalterada. O Tribunal de Contas foi nos termos do
Decreto de 13 de Abril de 1911, substituído por um Conselho Superior da Administração
Financeira do Estado, procurando uma maior incidência de fiscalização que, para os
republicanos não havia sido conseguida através do Tribunal de Contas da monarquia, e
bem assim, tinham como objectivo descentralizar e tornar mais eficazes os serviços
públicos, simplificando-os e organizando-os logicamente.
O Decreto n.º 5525/1919 de 8 de Maio alterou a designação do Conselho Superior da
Administração Financeira do Estado para Conselho Superior de Finanças alterando
também o quadro, salários, emolumentos e atribuições.
O Decreto n.º 10151/1924 de 2 de Outubro instituiu uma Repartição do Pessoal
Disponível para fazer o cadastro dos funcionários civis nas situações de adido e de
disponibilidade e para os fornecer aos serviços carentes.
O Decreto n.º 11267/1925 de 25 de Novembro suprimiu o Ministério do Trabalho,
levando à integração de um Instituto de Seguros Oficiais Obrigatórios e de Previdência
Geral no das Finanças.
No Ministério da Guerra, o Decreto de 3 de Maio de 1911 criou um Conselho
Administrativo na Secretaria da Guerra.
Nos anos que se seguiram até ao final da primeira República, as alterações foram
sobretudo, na composição dos quadros da primeira e segunda Repartições da Direcção
Geral dos Serviços Administrativos do Exército, pelo Decreto n.º 7685/1921 de 27 de
Agosto e na extinção de repartições, como a 5.ª Repartição da Direcção-Geral dos
Serviços Administrativos do Exército através do Decreto n.º 8195/ 1926, de 12 de Junho.
O Ministério da Marinha integraria quatro Direcções-Gerais, como a da Majoria-Geral da
Armada, a do Pessoal, a do Material e a dos Serviços Auxiliares e Administração
Financeira e um Conselho-Geral da Armada, como dispõem os Decretos n.o 4451/1918
de 16 de Junho e n.º 5041/1918 de 3 de Dezembro respectivamente. Em 1921, veio alegar-
188
se que a prática demonstrara que as alterações de 1918 não haviam promovido, antes
contrariado, a eficiência dos serviços que incumbiam à Armada por se mostrarem
excessivamente centralizadoras, pelo que o Governo de então promulgaria um novo
decreto - n.º 7842/1921 de 28 de Novembro que articulou o Ministério em seis grandes
divisões autónomas: a Majoria-Geral da Armada, presidido pelo ministro da Marinha, no
artigo 9.º, no subtítulo da Reorganização do Ministério da Marinha.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, viu alterados os pelouros das Direcções-Gerais,
pelo Decreto n.º 7899/1921, de 12 de Dezembro ocupando-se um dos Negócios Políticos
e Económicos e a outra da Expansão Económica. Para além destas, existia ainda uma
Secretaria-geral, o Conselho de Emigração e Colonização, Conselho Superior de
Comércio Externo, a Agência Oficial de Informação Colonial, o Instituto de Expansão
Económica definidos no decreto.
No Ministério do Fomento, com a criação do Ministério do Trabalho, saíram do seu
âmbito os Caminhos de Ferro do Estado, a Administração do Porto de Lisboa, a
Administração-geral dos Correios e Telégrafos, os serviços relativos a associações
comerciais e industriais, entre outros assuntos, como dispõe a Lei n.º 494/1916 de 16 de
Março sendo que mais tarde regressaram a este Ministério os três primeiros serviços. O
Ministério do Fomento viria a ser substituído pelo Ministério do Comércio, saindo do seu
seio todo o pelouro relativo à Agricultura como dispõe o decreto n.º 3511/1917 de 5 de
Novembro.
Com o Decreto n.º 5541/1919 de 9 de Maio, o Ministério do Comércio e Comunicações
passou a integrar, para além de uma Secretaria-Geral, cinco Direcções-Gerais, a das Obras
Públicas, Comércio e Indústria, Ensino Industrial e Comercial, Trabalhos Geodésicos e
Topográficos e Caminhos-de-Ferro, extintas no ano seguinte e substituídos pelos Serviços
de Obras Públicas, dependentes da Secretaria-Geral e incluindo oito Administrações-
Gerais, Estradas e Turismo, Edifícios e Monumentos Nacionais, Serviços Hidráulicos,
Serviços Geodésicos, Topográficos e Cadastrais, Caminhos de Ferro do Estado, Correios
e Telégrafos, Porto de Lisboa e Transportes Marítimos do Estado, em conformidade com
os Decretos n.os 7001/1920 de 4 de Outubro e n.º 7036/1920, 7037/1920, 7038/1920 e
7039/1920 todos de 17 de Outubro.
A criação do Ministério das Colónias foi resultado da crescente preocupação pelo
Ultramar e valorização dos seus recursos, continuando Este ministério, «durante muito
189
tempo, continuou a reger-se pelo decreto de 25 Maio de 1911 que tinha criado no
Ministério da Marinha, as duas Direcções-Gerais respeitantes ao Ultramar.
Sidónio Pais, criaria quatro Direcções-Gerais, a de Administração Civil de Fomento,
Militar e Finanças, a Repartição do Gabinete do Ministro e dos Serviços da Biblioteca e
Arquivo Histórico. Em 1919, apenas se alterou o nome da Direcção de Finanças para
Fazenda e juntaram-se às restantes, as Direcções de Serviços de Saúde e dos Serviços
Diplomáticos, Geográficos e de Marinha, disposto no Decreto n.º 5572/1919 de 10 de
Maio.
O Ministério da Instrução Pública, já colocado em prática por duas vezes, era uma antiga
aspiração e prioridade republicana. Este Ministério foi concretizado com o primeiro
governo de Afonso Costa, com a Lei n.º 12/1913 de 7 de Julho integrando uma Secretaria-
Geral, um Conselho de Instrução Pública e seis Repartições, a da Instrução Primária e
Normal, Instrução Secundária, Instrução Universitária, Instrução Industrial e Comercial,
Instrução Agrícola e Instrução Artística. Os serviços e estabelecimentos de ensino
dependentes e integrantes do novo Ministério provinham sobretudo do Ministério do
Interior, mas também do Fomento, da Guerra e das Colonias, nos termos do Decreto n.º
159/1913 de 13 de Outubro. Em 1917, foi criada uma sétima repartição. Esta repartição
separou a Instrução Primária e Normal em duas repartições, ficando uma com o pelouro
pedagógico e a outra com o do pessoal. Com Sidónio Pais, surgiu uma Repartição de
Sanidade Escolar e uma Comissão de Educação Popular que teria por missão promover
por todos os meios ao seu alcance a difusão da instrução do povo, organizando entre
outras, conferências populares educativas e publicações literárias e científicas destinadas
as classes populares, como dispõe o artigo 21.º, do Decreto n.º 4675/1918 de 14 de Julho.
Nos termos do art.º 29.º da Constituição de 1911, consagrava-se o «direito à assistência
pública», pelo que com o fim das ordens religiosas se tornou fundamental a criação de
mecanismos de assistência, ainda que o leit motiv principal tenha sido a Primeira Guerra
Mundial, que «motivou uma maior intervenção do Estado em todos os domínios da
economia e da vida, não escapando a assistência social.»216 Neste sentido, foi criado o
Ministério do Trabalho e da Previdência Social, em Março de 1916, cujo objectivo era
aumentar a intervenção do Estado na assistência. Compreendia duas Direcções-Gerais, a
216 Torres, Eduardo Cintra, Marinho, Luís. O Século do Povo Português- 1910-1926, Lisboa:
Ediclube, p. 54
190
do Trabalho e a da Previdência Social e Subsistência, duas inspecções, a do Trabalho e a
da Previdência Social, três Administrações, a dos Correios e Telégrafos, a dos Caminhos-
de-Ferro do Estado e a do Porto de Lisboa e uma Direcção Fiscal da Exploração dos
Caminhos de Ferro.
Os assuntos agrícolas passaram para o Ministério da Agricultura e os de subsistência e
transportes para o Ministério relativo a esses serviços em conformidade com o Decreto n.º
3902/1918 de 9 de Março. Em Julho de o Decreto n.º 4641/1918 o Ministério foi
totalmente remodelado, integrando cinco Direcções-Gerais articuladas em repartições e
secções, Trabalho, Previdência Social, Minas e Serviços Geológicos, Assistência Publica,
e Saúde, uma Secretaria-Geral, conselhos e comissões.
O Ministério Agricultura criado no Governo de Sidónio Pais tinha o intuito de prestar
apoio às classes rurais.
Relativamente aos Subsecretários de Estado, a Lei n.º 524/1916 de 3 de Maio veio criar o
das Finanças, da Guerra e das Colónias, enquanto permanecesse em Portugal o estado de
guerra. É desta altura a atribuição aos Subsecretários de «funções ministeriais delegadas
pelo Ministro e exercidas sob a responsabilidade solidária deste»217. Sob proposta do
Presidente do Senado era designado o Subsecretário das Colónias, enquanto os restantes
era sob o Presidente da Câmara dos Deputados. A Lei n.º 693/1917 de 15 de Maio
veio criar o cargo de Subsecretário de Estado, no Ministério do Trabalho e Previdência
Social.218 Os Subsecretários criados, cessaram com o final da guerra e o regresso da paz
pelo Decreto n.º 4:582/1918 de 9 de Julho.
42.4. A administração local. A organização administrativa
42.5. O financiamento do poder local
217 Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, op. cit., p. 365
218 Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, op. cit, p. 365
191
43. O Estado Novo e o reforço da centralização administrativa
43.1. A Constituição de 1933
A Constituição de 1933 e o Estatuto do Trabalho Nacional afiguram-se como a
dinâmica formal enquadrante da intervenção do Estado. Quanto à Constituição
apresentava como fundamentos, três objectivos, que para Salazar, eram
imprescindíveis na delimitação das suas concepções políticas, sociais e
económicas:219
a) Objectivo terapêutico, com que se pretendia sanar os abusos e revigorar as ruínas
provocadas pelo individualismo demagógico da I República;
b) Integrar a organização política e social portuguesa na evolução do Direito
Constitucional moderno, conformando os seus dispositivos com as tendências do
interesse colectivo que surgiam por todo o lado;
c) Adaptar a organização política e social à tradição e às necessidades reais do País;
Portugal é considerado como uma Nação assente num Estado independente, cuja
soberania apenas se encontra limitada pelo direito e pela moral. A Nação “impõe
ao Estado o respeito pelas garantias derivadas da natureza a favor dos indivíduos,
das famílias, das Corporações e das autarquias locais”,220 asegurando a liberdade
religiosa e garantindo a propriedade, o capital e o trabalho.
Quanto ao seu aspecto formal, a Nação Portuguesa seria uma República unitária e
corporativa, baseada na igualdade de todos perante a lei, no livre acesso de todas as
classes aos benefícios da civilização, na interferência das estruturas da Nação na
vida administrativa e na feitura das leis, na negação de qualquer privilégio. E essas
estruturas assentam nos cidadãos, nas famílias, nas autarquias locais, nos
organismos corporativos. Dedica ainda especial atenção à Família e às
Corporações.
219 Vide, Santos, Francisco I. Pereira dos. Un État Corporatif..., op. cit., pp.47 a 56
220 Salazar, Oliveira. Notas políticas II (1935-1937) …, op. cit., p. 337
192
A família é percebida como fonte de conservação e desenvolvimento da raça, base
primária da educação, da disciplina e harmonia social, fundamento de toda a ordem
política, pela sua agregação e representação na freguesia e no município.
As corporações, descreve-as como agregações de cidadãos e famílias para actuação
política e defesa dos seus interesses legítimos. São diferenciadas em dois tipos: as
Corporações morais e as Corporações económicas, nas quais as primeiras
englobariam as Artes, a Ciência, a Assistência e a Solidariedade, em que o móbil
principal seria o elemento espiritual, e as segundas teriam em vista a prossecução
de interesses económicos que deveriam, no entanto, subordinar-se aos interesses
económicos nacionais, bem como à finalidade espiritual da Nação e aos indivíduos
que a compõem.
Quanto à ordem económica e social, encarrega-se o Título VIII da Constituição e o
art.º 29 estabelece um princípio-chave no qual «a organização económica da Nação
deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil, e estabelecer
uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os
cidadãos».
Por sua vez, nos termos do art.º. 30 é ao Estado que compete coordenar
superiormente a vida económica e social do País, no sentido de o desenvolver de
modo global, através dos objectivos definidos nos nºs 1º, 2º, 3º, 4º e 5º.221Além do
que se refere, o Estado deve ainda promover a formação e o desenvolvimento de
uma economia nacional corporativa, na qual a propriedade, o capital e o trabalho
221 O artº 31º da Constituição de 1933 estabelece então nos seus números o seguinte:
“1º Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho;
2º Defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter
parasitário ou incompatível com os interesses superiores da vida humana;
3º Conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros
factores da produção, pelo aperfeiçoamento da técnica, dos serviços e do crédito;
4º Impedir os lucros exagerados do capital, não permitindo que este se desvie da sua finalidade
humana e cristã;
5º Desenvolver a povoação dos territórios nacionais, proteger os emigrantes e disciplinar a
emigração.”
193
desempenhem uma função social, em regime de cooperação económica e
solidariedade.
Finalmente, para a execução destes princípios orientadores do Estado Novo, a
Constituição organiza a estrutura do Estado, o mecanismo e a hierarquia dos seus
órgãos: o Chefe de Estado, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais. Deixa
de fora a Câmara Corporativa, motivo pelo qual não pode ser considerada um órgão
de soberania.
A Constituição de 1933, e a sua doutrina expressa ao longo de todo o articulado,
não deixa pois de salientar todos os princípios históricos que a enformaram.
É contra-revolucionária, porque se assume como anti-liberal e anti-democrática. É
nacionalista, num sentido amplo, tal como defendera Oliveira Martins, ou seja,
tradicionalista e patriótica. É a procura de evocação dos grandes valores nacionais
de que Oliveira Martins havia sido um dos primeiros porta-vozes, mas que não
havia de deixar de ser propalada, quer pelo Integralismo Lusitano, quer por autores
mais à direita, como Martinho Nobre de Melo, como tivemos ocasião de afirmar.
A Action Française de Charles Maurras contribui para o sentimento nacionalista
em que, ao mesmo tempo, a Nação se afirma como grande e como se atribui uma
função histórica. É exaltação dos princípios definidos pela Encíclica Rerum
Novarum, do Papa Leão XIII, donde se salientam a aceitação quase sem limites da
propriedade privada e a sua transmissão hereditária, o repúdio pelo comunismo e
pelo socialismo, numa palavra, a aceitação do capitalismo, embora
limitadamente.222
222 Este só é aceitável se for socialmente útil e promover a realização da justiça entre os cidadãos. A
Constituição, “surge como um compromisso ponderado, medido, realista. Nega o capitalismo
descarnado, e restringe-lhe os vícios sociais e económicos; repudia o socialismo, por este
desrespeitar a essência da natureza; mas adopta daquele e deste os aspectos que considera válidos,
e produz o Corporativismo, sem que no entanto se caracterize o sistema por uma autonomia
ideológica ou doutrinal. Destrói a substância da democracia parlamentar: a responsabilidade do
executivo perante o legislativo, o partidarismo político. Mas conserva o aparato exterior e formal
de um regime democrático: a soberania emanada da Nação, as eleições, os votos, as câmaras, e o
debate político no seio destas. Constitui assim o Estado Novo uma transigência realista e uma
construção de prudência e de tacto: está animado de uma mística, de um credo, de um sopro
renovador, de um espírito heróico, de um ânimo de grandeza: mas está também impregnado de um
194
Finalmente, a Encíclica Quadragesimo Anno definiu os contornos finais da
Constituição, quer através da sistematização dos princípios da Rerum Novarum,
quer através do aprofundar da luta contra o comunismo e o socialismo. E o pólo
aglutinador de todo aquele conjunto de influências, de ideias e de ideais que foram
transformando e moldando um regime é Oliveira Salazar que construiu à sua
imagem.
43.2. A organização corporativa
A organização corporativa em Portugal teve primeiramente como objetivo,
impulsionar a economia. A sua principal missão era dar resposta às exigências de
uma economia relativamente capitalista, incapaz de equilibrar de forma autónoma,
os niveis de produção e consumo. Ou seja, o Estado necessitava de ajuda para
regular o mercado, e essa ajuda viria das grandes entidades patronais e até mesmo
dos seus trabalhadores. Estamos a falar de uma economia corporativa, a partir do
momento em que entidades privadas auxiliam o Estado no controlo e direção da
economia nacional.
Existem dois tipos de corporativismo, o corporativismo de associação e o
corporativismo de Estado. Estamos perante um corporativismo de Estado sempre
que as corporações, por este criadas, o auxiliam a regular a economia, quando se
constituem orgãos estaduais não dotados de personalidade jurídica, e sempre que a
administração destes orgãos não seja feita de forma autónoma. No corporativismo
de associação, as corporações surgiam por iniciativa dos individuos. Aqui, o Estado
era considerado um “Estado Mínimo”, cujas funções tendiam a restringir-se, à
defesa da ordem interna e à representação externa.
A organização corporativa portuguesa encontrava-se hierarquizada em três níveis -
Organismos corporativos primários: os Sindicatos Nacionais, as Casas do Povo, as
Casas dos Pescadores e os grémios. Organismos corporativos intermédios: as
Federações regionais e nacionais de elementos primários semelhantes e as uniões,
sentido de tolerância, de respeito pelo foro íntimo das consciências, de limites aquém dos extremos,
até de paternalismo. Nogueira, Franco. 1977. Salazar (Os tempos áureos - 1928-1936. Coimbra:
Atlântida Editora, vol. II, p. 211
195
de atividades já organizadas em grémios e sindicatos nacionais. E, por fim,
organismos corporativos superiores: as corporações.
Os Sindicatos Nacionais, de empregados ou operários, eram de inscrição
obrigatória, e os profissionais do ramo que não estivessem inscritos eram obrigados
a pagar quotas para o sindicato do seu setor de trabalho, sendo que os contratos
coletivos de emprego por ele subscritos eram de aplicação vinculativa a todos os
trabalhadores desse ramo, mesmo que não estivessem sindicalizados. Estes
sindicatos funcionavam a nível distrital e profissional, que restringiam a atividade
sindical, controlados pelo Governo, através do Instituto Nacional do Trabalho e
Previdência (INTP). As direções destes sindicatos estavam sujeitas a aprovação por
parte do Governo, podendo estas ser demitidas e o sindicato dissolvido em caso de
desobediência. Os Sindicatos Nacionais não tinham capacidades financeiras, nem
lhes era reconhecida liberdade de federação a nível nacional, regional ou setorial.
Também não era permitido aos trabalhadores fazer greve.
O Instituto Nacional do Trabalho e Previdência era um organismo que respondia
perante a Presidência do Conselho de Ministros, e que funcionava sob a supervisão
do subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, tendo este
organismo sido extinto após o golpe de estado ocorrido 25 de Abril de 1974.
Numa dimensão administrativa redutora de conflitos sociais, podem
considerar-se as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores, como representativas do
corporatismo puro. Eram elas que se encarregavam da organização, quer dos
trabalhadores quer dos patrões, relativamente aos setores da agricultura e da pesca,
existindo a proibição da criação de sindicatos para os assalariados destes setores. À
semelhança do que acontecia com os sindicatos nacionais, as Casas do Povo e dos
Pescadores também estavam sujeitas a um rigoroso controlo, exercido pelo INTP.
Estas casas tinham funções representativas do trabalho nas negociações colectivas,
meios de prestação de serviços de previdência e socorro, e salvaguardar a educação
e a cultura.
Os grémios, representavam o lado patronal, eram orgãos de intervenção económica,
de âmbito distrital, regional ou nacional, dotados de vastos poderes que em cada
setor, regulavam os preços e as quotas de produção, aquisição de matérias-primas,
bem como dos produtos na fase de comercialização, estavam encarregues das
contratações de trabalhadores, de realizar prospeções de mercado, davam pareceres
196
acerca da industrialização, modernização e reorganização setorial. Estes elementos
primários da organização corporativa eram altamente protegidos pelo Estado.
Sendo que os principais grémios eram de inscrição obrigatória. Criados pelo
governo, contribuíam para a regulação da concorrência e da produção, sendo que a
sua área de atuação e respetivas funções eram estipuladas pelo Estado, que também
designava os seus dirigentes.
As corporações, como indica o nome, pertenciam a um dos níveis mais elevados do
corporativismo, e tinham representantes em número igual aos restantes níveis da
organização, que eram eleitos pelos sindicatos nacionais, grémios, federações e
uniões, sendo os presidentes de cada corporação eleitos pelo Conselho das
Corporações. Quanto ao seu estatuto jurídico, as corporações eram dotadas de
personalidade jurídica, semelhante à de outros organismos corporativos. Eram
órgãos que eram pouco ligados ao Estado, o que significava que tinham alguma
autonomia, no entanto, as suas funções eram meramente consultivas.
Na segunda metade dos anos 30, surgiu uma rede de organismos de coordenação
económica, dotada de poderes de gestão superiores e vinculativos no que dizia
respeito à atividade económica dos organismos corporativos que se encontravam
integrados nos setores por eles tutelados.
O Conselho Corporativo, foi o órgão de orientação superior da organização
corporativa nacional, foi criado pelo Decreto-Lei n.º 24 362, de 15 de agosto de
1934. A composição e funções sofreram alterações menores por força do Decreto-
Lei n.º 40 324, de 6 de outubro de 1955. Este conselho era constituído pelos
ministros da Presidência, da Economia e das Corporações e Previdência do
Ultramar, Social, sendo um órgão subalterno ao Presidente do Conselho. Os
ministros eram chamados para fazer parte de determinadas reuniões nas quais
também estavam presentes, os subsecretários de Estado a cujos departamentos
interessassem as questões inseridas na respectiva ordem dos trabalhos.
A Câmara Corporativa, como já foi referido anteriormente, era um órgão auxiliar à
Assembleia Nacional, cuja função era, como o Conselho Corporativo, meramente
consultiva, perante a Assembleia Nacional. Mais tarde, após a revisão
constitucional de 1935, passou a ser obrigatório ao Governo, recorrer a este órgão,
para que fossem emitidos pareceres e opiniões, acerca de matérias legislativas ou
propostas de lei, não sendo estes pareceres e opiniões vinculativos. Esta revisão
197
constitucional, veio dinamizar e valorizar o papel da Câmara Corporativa,
atribuindo-lhe autonomia, o que permitiu, que esta passasse a ser também um órgão
com funções sugestivas do Governo. No ano de 1959, a Câmara Corporativa é
integrada no colégio eleitoral responsável por eleger o Presidente da República, o
que a torna, diretamente interveniente nas decisões políticas do país. A Câmara
Corporativa, era assim constituída por procuradores que agiam, enquanto
representantes das autarquias nacionais e dos interesses sociais comuns. A União
Nacional não se encontrava presente na Câmara Corporativa. Estes procuradores
estavam divididos em 12 secções, consoante as suas especializações que se
ocupavam dos setores existentes na sociedade. Sendo algumas dessas secções, a
indústria, comércio e agricultura... estando estas subdivididas, consoante a sua
importância, a nível dos interesses nacionais, que se reuniam em plenários no inicio
das sessões legislativas.
A organização corporativa portuguesa ao longo do tempo foi ficando cada vez mais
limitada pela burocracia e pela corrupção, que impedia o país de acompanhar a
modernização económica mundial.
As bases jurídicas que apoiavam e regulamentavam a organização corporativa
encontravam-se estabelecidas no capítulo VIII da Constituição da República
Portuguesa de 1933, mais concretamente nos artigos 34º: “O Estado promoverá a
formação da economia nacional corporativa, visando a que os seus elementos não
tendam a estabelecer entre si a concorrênca desregada e contrária aos justos
objetivos da sociedade e deles proprios, mas a colaborar mutuamente como
membros da mesma coletividade.” e 37º: “As corporações económicas
reconhecidas pelo Estado podem celebrar contratos coletivos de trabalho, sendo
nulos os que forem celebrados sem a sua intervenção.”
43.3. Os Órgãos de Soberania
Do ponto de vista da estrutura órgãos de soberania a Constituição Política de 1933,
considerava que o Chefe do Estado é o Presidente da República eleito pela Nação,
com um mandato de sete anos. O apuramento final dos votos era feito pelo Supremo
Tribunal de Justiça que proclamaria Presidente, o cidadão mais votado, o qual tinha
de ser cidadão português maior de trinta e cinco anos, no pleno gozo dos seus
direitos civis e políticos e desde sempre com a nacionalidade portuguesa. Eram
198
inelegíveis para o cargo do Presidente da República os parentes até o 6.º grau dos
reis de Portugal.
O Presidente eleito assume as suas funções no dia em que expira o mandato do
anterior e toma possa perante a Assembleia Nacional. Responde perante a Nação
pelos actos praticados no exercício das suas funções, sendo o exercício destas e a
sua magistratura independentes de quaisquer votações da Assembleia Nacional. No
caso de vagatura por morte, renuncia, impossibilidade física permanente ou
ausência para pais estrangeiro sem assentimento da Assembleia Nacional e do
Governo, o novo Presidente será eleito no prazo máximo de sessenta dias.
Em pleno período da Ditadura Militar, em 193, foi criado um Conselho Político
Nacional para funcionar junto do Presidente da República, o qual viria a ser o
antecedente do Conselho de Estado criado com a Constituição de 1933 que
permaneceu até à de 1976. Promulgada a Constituição de 1933, o Conselho de
Estado enquanto órgão de soberania passou a funcionar junto do Presidente da
República integrando o Presidente do Conselho de Ministros, o Presidente da
Assembleia Nacional, o Presidente da Câmara Corporativa, o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, o Procurador-Geral da República e ainda por cinco
membros, homens públicos, com competências superiores, nomeados de forma
vitalícia pelo Chefe de Estado.
O Conselho de Estado tinha obrigatoriamente de ser ouvido pelo Presidente da
República antes de serem exercidas as seguintes atribuições constantes dos n.º 4,
5.º e 6.º do art. 81.º da Constituição Política de 1933, respectivamente, dar à
Assembleia Nacional poderes constituintes nos termos do art.º. 134.º, convocar
extraordinariamente, por urgente necessidade pública, a Assembleia Nacional para
deliberar sobre assuntos determinados, e adiar as suas sessões, sem prejuízo da
duração fixada para a sessão legislativa em cada ano, dissolver a Assembleia
Nacional quando assim o exigirem os interesses superiores da Nação, sendo ainda
ouvido em todas as emergências graves da vida do Estado, ou até mesmo quando o
Presidente assim o entender.
O Governo é constituído pelo Presidente da República, Presidente do Conselho,
Ministros e Subsecretários, sendo o Presidente do Conselho, nomeado e demitido
livremente pelo Presidente da República, e tinha como uma das suas funções
propor, ao mesmo, nomes para os cargos de Ministro e Subsecretários, enviar ao
199
presidente da Assembleia Nacional propostas de lei, responder pela política geral
do Governo, coordenar e dirigir a actividade de todos os Ministros, que perante a
ele respondem politicamente pelos seus actos.
Nos termos do art.º. 108.º da Consituição competia ainda ao governo, entre outras
atribuições, referendar os actos do Presidente da República, elaborar os decretos-
leis no uso de autorizações legislativas ou nos casos de urgência e necessidade
pública, elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das
leis, superintender no conjunto da administração pública, fazendo executar as leis e
resoluções da Assembleia Nacional, fiscalizando superiormente os actos dos corpos
e corporações administrativas e praticando todos os actos respeitantes à nomeação,
transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do
funcionalismo civil ou militar, com ressalva para os interessados do recurso aos
tribunais competentes.
Os actos do Presidente da República e do Governos que envolvessem aumento ou
diminuição de receitas ou despesas seriam sempre referendados pelo Ministro das
Finanças.
A Assembleia Nacional era composta por noventa deputados eleitos por sufrágio
directo dos cidadãos eleitores, com um mandato de quatro anos, não sendo possível
fazer parte da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa em simultâneo.
Os deputados gozavam de imunidades e regalias entre as quais, o serem invioláveis
pelas opiniões e votos que emitiam durante o seu mandato, não podiam estar presos
sem assentimento da Assembleia, excepto se apanhados em flagrante delito ou por
crime a que corresponda a pena maior ou equivalente na escala penal, tinham direito
a uma subsídio nos termos que a lei eleitoral estabelecer.
As deputados ficava vedada a celebração de contratos com o Governo ou a
aceitação de qualquer emprego retribuído ou comissão subsidiada por parte do
Governo ou Governo estrangeiro, e do exercício dos seus cargos, durante o
funcionamento efectivo da Assembleia Nacional desde que funcionários públicos,
civis ou militares.
As suas principais atribuições eram a feitura das leis, sua interpretação, suspenção
ou revogação, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, tomar conta
respeitantes a cada ano económico, que serão apresentadas ao Tribunal de Contas e
200
outros elementos que façam a sua apreciação, autorizar o Governo a cobrar as
receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, autorizar o
Governo a realizar empréstimos e outras operações de crédito que não sejam de
divida flutuante, autorizar o Chefe do Estado a fazer a guerra, definir os limites dos
territórios da Nação, anulação de pena, perdoar facto punível, tomar conhecimento
das mensagens do Chefe do Estado.
A Assembleia Nacional funcionava em sessões plenárias e as suas deliberações
eram tomadas à pluralidade de votos, achando-se presente a maioria absoluta do
número legal dos seus membros. As sessões são públicas, salvo resolução, em
contrato, da Assembleia ou do seu presidente. A iniciativa da lei compete
indistintamente ao Governo ou a qualquer dos membros da Assembleia Nacional.
Os projectos aprovados pela Assembleia Nacional são enviados ao Presidente da
República, para serem promulgados como lei dentro dos quinze dias imediatos. Os
projectos não promulgados dentro deste prazo serão de novo submetidos à
apreciação da Assembleia Nacional, e, se então forem aprovados por maioria de
dois terços do número legal dos seus membros, o Chefe do Estado não poderá
recusar a promulgação.
A Constituição de 1933 reafirma que os tribunais constituem um dos órgãos de
soberania do Estado e considera o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal
ordinário. A função judicial, em 1933, era então exercida por dois tipos de tribunais:
ordinários e especiais. Eram tribunais ordinários o Supremo Tribunal de Justiça, os
Tribunais de 2ª instância (nos distritos judiciais do Continente e Ilhas Adjacentes e
das Colónias), os tribunais de 1ª instância – nas comarcas de todo o território
nacional. Ao Supremo Tribunal de Justiça ficava assim, com competência para
fiscalizar os atos eleitorais para a Presidência da República.
O Estado é representado junto dos tribunais pelo Procurador-Geral da República,
pelo delegado do Procurador-Geral da República junto a cada tribunal de 1ª
instância e pelos representantes legais junto dos tribunais especiais.
Os juízes dos tribunais ordinários, são vitalícios e inamovíveis. Não podiam aceitar
do Governo outras funções onde fossem remunerados. Os juízes não são
responsabilizados pelos seus julgamentos – salvo raras exceções consideradas pela
lei – e a julgamento não podem estes aplicar leis que infrinjam os dispostos da
201
Constituição. Para prevenção dos crimes e sua repressão, haverá penas e formas de
assegurar o bem-estar social, que têm por fim a defesa da sociedade e a readaptação
dos delinquentes ao meio social.
O artº 102º da Constituição da República Portuguesa que cria a Câmara
Corporativa, salienta que “Junto da Assembleia Nacional funciona uma Câmara
Corporativa composta de representantes das autarquias locais e dos interesses
sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa,
moral, cultural e económica, designando a lei aqueles a quem incumbe tal
representação ou o modo como serão escolhidos e a duração do seu mandato”. A
mesma redacção é do Regimento da Câmara Corporativa, aprovado definitivamente
em 22 de Abril de 1935. É o Decreto-lei nº 29111 de 12 de Novembro de 1938, que
regulamenta a Câmara Corporativa diz respeito. O seu artº 1º salienta no seguimento
do artigo constitucional acima citado, que ela é “constituída por procuradores das
autarquias locais e das corporações morais, culturais e económicas, e pelos
representantes dos interesses sociais de ordem administrativa”, sendo
procuradores o presidente de cada corporação e membros do respectivo conselho
em número e qualidade suficientes para condigna representação dos interesses nela
integrados, competindo ao Conselho Corporativo a designação das entidades que,
além do presidente, hão-de representar na Câmara cada corporação. O número dos
escolhidos não pode exceder o das corporações que se instituírem, devendo a
escolha recair em pessoas de superior competência na feitura das leis ou de
comprovado conhecimento das questões da administração pública. (artº 2º e 3º). Em
conformidade com o artº 102º da Constituição, os interesses e actividades,
representados na Câmara, são os seguintes: económicos, culturais e morais,
autarquias locais e administração pública (artº 4º DL 29111).
A Câmara Corporativa organiza-se em secções especializadas, as quais resultam da
natureza dos interesses e actividades nela representada, sendo as seguintes:
Interesses económicos, culturais e morais e Administração pública, com as
respectivas secções.
No que respeita ao funcionamento da Câmara Corporativa, o se Conselho exerce
um papel preponderante, quer podendo alterar o número e a designação dos
agrupamentos de actividades e de interesses previstos no sentido de a adaptar às
corporações que forem instituídas (artº 7º), quer na ampla liberdade que lhe era
202
concedido na organização da Câmara: direito de escolher com total liberdade os
procuradores e os representantes, aquando da instituição das corporações.
Em consonância com o artigo 103º da Constituição de 1933, é da competência da
Câmara Corporativa relatar e dar parecer por escrito sobre todas as propostas ou
projectos de lei que forem presentes à Assembleia Nacional antes de ser iniciada a
discussão. Tal parecer deverá ser dado no prazo de trinta dias, ou no fixado pela
Assembleia se o respectivo projecto for considerado urgente pelo governo (§ 1º) e,
no caso de este parecer não ser dado nos prazos estabelecidos pode a Assembleia
iniciar a discussão dos projectos de lei (§ 2º). O artigo 104º estabelece, quanto ao
funcionamento que a Câmara Corporativa funciona durante o período das sessões
da Assembleia Nacional e por secções especializadas, podendo, contudo, reunir
duas ou mais secções ou todas elas se a matéria em estudo assim o reclamar. As
reuniões da Câmara Corporativa não são públicas, em conformidade com o artº 105º
da Constituição. Sem poder de iniciativa, tem no entanto a prerrogativa de, caso
recuse uma proposta a ela submetida e sugerido uma outra, esta possa ser aceite,
quer pelo Governo, quer por qualquer deputado que a toma como sua e a leva a
discussão sem necessidade de a submeter de novo à Câmara. Com a revisão
constitucional de 23 de Março de 1935, passa o Governo a poder consultar as
secções da Câmara sobre decretos a publicar ou sobre propostas de lei a apresentar
à Assembleia Nacional.
Finalmente, duas regras se assumem com especial relevância: que a Câmara
funcione através de secções especializadas, podendo todavia reunir duas ou mais
secções ou todas elas se a matéria em estudo assim o reclamasse (artº 104º) que, na
discussão das propostas ou projectos de lei, podem tomar parte o Ministro ou
Ministros competentes ou seus representantes e o membro da Assembleia Nacional
que deles houver tido a iniciativa (artº 104º § 1º).
O Conselho Corporativo tinha, em termos formais, um papel extremamente
importante, ainda que praticamente não o tenha exercido ao longo do tempo. Criado
pelo Decreto-lei nº 24362, de 15 de Julho de 1934, o órgão que tem a seu cargo
estudar a orientação superior da organização corporativa nacional e o estudo dos
grandes problemas que interessam à reforma do Estado e derivam daquela
organização (Preâmbulo e artº 3º nº 1), imprimir unidade de acção aos serviços
públicos na realização da organização corporativa (artº 3º nº 2).
203
O Conselho Corporativo era integrado por membros permanentes, e membros não
permanentes.223 A Presidência estava entregue ao Presidente do Conselho de
Ministros (artº 2º nº 2) que o convocaria e fixaria com antecipação as matérias da
ordem do dia das sessões. (artº 4º). Podiam ainda os membros do Conselho propor
ao Presidente os assuntos sobre os quais se devem pronunciar. (idem)
Correspondendo em parte ao modelo italiano do Conselho Nacional das
Corporações, o Conselho Corporativo não aceita, na sua composição, os
representantes das corporações que naquela se verificava
Quanto ao âmbito das suas funções, o Conselho além do seu carácter consultivo,
apresentava um vasto leque de intervenções tais como “as deliberações do
Conselho Corporativo que não importem derrogação ou modificação de textos
legislativos constituem normas a seguir na organização corporativa nacional, as
quais serão imediatamente observadas pelos ministérios e serviços públicos a que
disserem respeito e pelo Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência
Social”. – art. 5.º, Decreto-lei n.º 224.362 de 15 de Julho de 1934.
43.4. A intervenção social no estado novo: a previdência social e a legislação
do trabalho
No que respeita ao Estatuto do Trabalho Nacional, reflecte o espírito da doutrina
corporativista e é o elemento fundamental para o seu entendimento, no que respeita
aos aspectos económicos e sociais. Trata-se de colocar em lei os princípios
223 Eram membros permanentes do Conselho Corporativo os seguintes elementos: o Presidente do
Conselho de Ministros, o Ministro da Justiça, o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, o
Ministro do Comércio e Indústria, o Ministro da Agricultura, o Sub-Secretário de Estado das
Corporações e Previdência Social e dois professores das Universidades de Lisboa e Coimbra que
rejam ou tenham regido o curso de direito Corporativo (artº 2º) e eram membros não permanentes
podem fazer parte quaisquer outros Ministros quando hajam de ser tratados assuntos relacionados
com a organização corporativa nacional e respeitante ao seu Ministério. (artº 2º nº 1)
204
pragmáticos definidos pela Constituição. O artº 1º do Estatuto224 é influenciado de
forma directa pela Carta del Lavoro italiana assentando numa concepção de índole
fascista, evidenciando que o bem comum é superior aos bens individuais, pelo que
o Estado deve providenciar os meios necessários para assegurar a supremacia dos
bens colectivos, ao mesmo tempo que deve assegurar a unidade moral, política e
económica da Nação.
Reconhecendo a iniciativa privada, tal como o estabelece a Constituição, como
fundamento do progresso da economia da Nação (artº 4º), embora não seja este um
princípio sempre praticado, além de que se contradiz com o articulado dos artsº 7º
e ss. Proíbe a greve e o lock-out (artº 9º, regulado posteriormente pelo Decreto
23870), rejeita a luta de classes, reprime a greve geral e evidencia a colaboração na
empresa, definindo a estrutura corporativa, pelos sindicatos, grémios, fundações,
uniões e finalmente as Corporações. É também o Estatuto que define a organização
do sistema no Título III, denominado Organização Corporativa, a partir do artigo
40º e seguintes.
A organização corporativa assentava numa repartição em três elementos: primários,
intermédios e superiores. Os elementos primários englobam os sindicatos nacionais
operários e os grémios patronais. Os primeiros “agrupam em cada distrito
administrativo os trabalhadores de qualquer ramo do comércio ou indústria, ou
agrupam em um sindicato único, abrangendo todo o País, os que exerçam
quaisquer profissões livres”.225
A sua constituição não é obrigatória, mas necessita do reconhecimento do Estado
para a sua formação. A sua competência legal determina-se em face da sua
capacidade para representar o interesse de classe através da celebração de acordos
colectivos de trabalho. De forma enquadrante, o Dec-Lei 23050, de 23 de Setembro
de 1933 legisla sobre a organização dos sindicatos de origem facultativa, enquanto
o Dec-Lei 29171, de 24 de Novembro de 1938, legisla sobre os sindicatos de
inscrição obrigatória.
224 O artigo 1º do Estatuto do Trabalho Nacional, diz que “A Nação Portuguesa constitui uma
unidade moral, política e económica, cujos fins e interesses dominam os dos indivíduos e grupos
que a compõem”.
225 Leite (Lumbrales), Dr. João Pinto Costa. A doutrina Corporativa..., op. cit., p. 128
205
Os grémios são associações que agrupam os patrões e que têm uma dupla função:
a regularização interna de cada ramo e a produção pela disciplina da concorrência;
a regulamentação das relações entre os diversos elementos da empresa por meio de
contratos colectivos de trabalho, realizados com os sindicatos operários.
A distinguir duas espécies de grémios: facultativos e obrigatórios. Os primeiros,
regulados pelo Decreto-lei 24715, de 3 de Dezembro de 1934, apresentam uma
menor extensão que os obrigatórios, pelo que têm também um menor poder de
intervenção. Os segundos, criados pelo Decreto-lei 23049, de 23 de Setembro de
1933, são organizados por distritos e os seus regulamentos necessitam de ser
aprovados pelo Governo, após parecer do Conselho Corporativo. Como
características gerais, apresentam a possibilidade de regulamentar alguns ramos do
comércio e da indústria e o terem carácter nacional.
Quanto aos elementos intermédios, estes são regulados pelo art.º 41º do Estatuto
que os define como agrupamentos dos órgãos primários, divididos em federações e
uniões. As federações, organismos regionais ou nacionais, agrupam sindicatos ou
grémios idênticos de uma mesma região ou de todo o País, constituindo um
elemento coordenador em que se mantém a distinção entre os diversos elementos
da produção. As uniões, estruturas representativas de interesses comuns de
actividades e ramos de produção afins, reúnem sindicatos ou grémios de indústrias
conexas e que em virtude disso, têm problemas comuns a resolver.
Os elementos superiores seriam então as Corporações, entendidas como
agrupamentos de federações e de uniões, dirigidas por um conselho paritário de
assalariados e patrões, que acabariam por ser no entanto, apenas reguladas em 1956
pelo Dec.-Lei nº 2086, de 22 de Agosto, são definidas como a «organização
integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica, e têm
por fim coordenar, representar e defender os seus interesses, para a realização do
bem comum» (Base I).
Todavia, é ainda em 1938, que o Decreto-lei nº 29110, de 12 de Novembro,
estabelece as regras necessárias à criação das Corporações previstas quer na
Constituição, quer no Estatuto do Trabalho Nacional.
Segundo o seu art.º. 1 é ao Governo que compete criar, através de decreto, as
Corporações morais, económicas e culturais. Ainda no mesmo Decreto-lei, o art.º 4
206
enumera as atribuições das Corporações e que são: a) desenvolver a consciência
corporativa e o sentimento de solidariedade nacional entre todos os elementos
orgânicos que elas criem; b) coordenar a acção dos organismos corporativos que as
constituem, tendo em vista não apenas os interesses particulares, mas também os
objectivos superiores da organização; c) dar parecer ao Governo sobre todas as
questões que lhes forem submetidas; d) propor ao Governo as regras obrigatórias
para a regulamentação colectiva das relações económicas e para a disciplina unitária
das actividades que elas coordenam; e) promover a realização e o aperfeiçoamento
das convenções colectivas de trabalho e organização da Previdência Social; f)
analisar os recursos de carácter penal e tentar a conciliação nas controvérsias
colectivas de trabalho, quando o Governo o determinar.
Apresentando apenas uma missão consultiva, as Corporações não tiveram tempo de
iniciar a actividade que lhes estava destinada teoricamente, não tendo deixado,
contudo, de exercer, em casos que veremos, uma acção de grupos de pressão ou de
interesses.
Com o Estatuto do Trabalho Nacional, a que se seguiu um amplo acervo legal,226
fica institucionalizado o Corporativismo como doutrina económica e social, pese
embora o facto de não ser pacífica a aceitação de que na prática tal doutrina tido
grande aplicação.
Qualquer que seja o lado onde nos coloquemos, o certo é que o Corporativismo, no
sentido político e económico, veio servir os interesses de uma classe - a burguesia
industrializada - representada pelos capitalistas detentores de grande parte das
estruturas produtivas, do ponto de vista industrial, comercial ou agrícola e, embora
digladiando-se pela delimitação da sua capacidade de intervenção, se constituiu
como grupo de pressão que susteve e apoiou o regime.
Por outro lado, o Estado Novo, ao contrário do que por muitos tem sido afirmado
teve uma política social. Não teve, contudo, sempre aplicação prática ou em muitas
circunstâncias ficou aquém das expectativas ou das possibilidades do regime, ou
226 Veja-se de entre outros os seguintes diplomas legais que se destinaram a enquadrar o
Corporativismo económico, característico do Estado Novo: Organização Primária: Sindicatos:
Decretos-lei nº 23050; 23340; 23712; 25516; 27228; 34425; 35404; 37425; 40621; 27288; 23051;
23618; 28859; 30710; 24715; 25118; 31970; 24715; 36681; 41286; Lei 2086 etc.
207
ainda pecou em muitas outras circunstâncias pelo atraso face ao que já se passava
na Europa, principalmente no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.
O Estado Novo no âmbito do seu quadro institucional não deixou de lado, a criação
de instituições de interesse social e o seu enquadramento legal ao trabalho. Ainda
que de forma incipiente o regime que se inicia em 1932 procura face ao seu quadro
ideológico, assegurar uma base social de apoio suficientemente ampla e estável que
lhe garantisse a estabilidade social e politica que pretendia alcançar.
Para além disso, era imperativo dos seus pressupostos ideológicos a criação de
estruturas sociais reguladoras no contexto das corporações. Ora, é aqui que a
questão social vem ganhar importância e são neste quadro criadas um conjunto de
instituições que pretendiam garantir o enquadramento corporativo.
Mas, não só de base social e apoio se trata quando se avalia a intervenção social do
estado Novo. A crise económica, social e política havia acompanhado o país
praticamente desde finais do Século XIX, adquirindo intensidade redobrada no
período que vai dos alvores da I Guerra Mundial até aos princípios de 1926, donde
resulta a intervenção militar que em 28 de Maio implantaria a Ditadura Militar e a
procura da respectiva estabilidade para o país.227 Oliveira Salazar, para ministro das
finanças é, julga-se, a salvação do país do ponto de vista económico e daí a
estabilização geral do país.
Não é fácil a tarefa, porquanto os conflitos laborais (greves para aumentos salariais,
jornada de trabalho muito alta, precariedade das condições laborais) são
preocupantes. A luta de classes que opõe capitalistas a proletários, continua a ser
uma guerra sem quartel e sem tréguas visíveis.
O que a revolução de 28 de Maio de 1926 pretendia em primeira instância, a paz
social e a estabilidade económico-financeira, estava em meados de 1932 muito
longe de ser possível. É neste contexto que a intervenção social do Estado Novo
adquire sentido. A legislação corporativa de que demos conta atrás, sobretudo o
Estatuto do Trabalho Nacional são o ponto de enquadramento a partir do qual se
desenvolve toda a iniciativa social.
227 Vide, Caeiro, Joaquim Croca Caeiro. 1993. Os militares no poder. Uma análise histórico-politica
do liberalismo a 1956, Lisboa: Huguin,
208
O direito de associação é vedado pelo Estatuto e por conseguinte a greve. A defesa
dos interesses dos trabalhadores passa assim para a organização corporativa, a qual
deveria a partir dai criar as necessárias condições.
É neste sentido que a lei 1.884 de 16 de Março de 1935, vem criar as instituições
de previdência social, as quais podiam ser incluídas em qualquer das seguintes
categorias: instituições de previdência dos organismos corporativos, caixas de
reforma ou de previdência, associações de socorros mútuos e instituições de
previdência dos servidores do Estado e dos corpos administrativos – art.º. 1. -.
E, o decreto 25.935 de 12 de Outubro de 1935 define que as instituições de
previdência dos organismos corporativos passariam a usar a denominação de “caixa
sindical de previdência” acrescentado do título da profissão ou actividade
económica – art.º. 1. -, sendo constituídas pelos grémios e sindicatos nacionais e
respectivas federações, por meio de acordos ou através de contratos colectivos de
trabalho.228
O decreto 28.321 de 27 de Dezembro de 1937, vem por seu lado, estabelecer que
as caixas de reforma passarão a usar a designação de “Caixa de Reforma (ou de
Previdência)” acrescida do título da profissão, serviço especializado ou actividade
diferenciada, pessoal de empresas dos estabelecimentos comerciais ou
industriais.229
228 Outros diplomas legislativos de interesse, são entre outros, Decreto-lei n.º 32.640 de 23 de Janeiro
de 1943; 32.674 de 20 de Fevereiro de 1943, 33.345 de 20 de Dezembro de 1943; 33.533, de 21 de
Fevereiro de 1944; 33.744 de 29 de Junho de 1944; 34.410 de 29 de Dezembro de 1945; 35.611 de
25 de Abril de 1946; 35.896 de 8 de Outubro de 1946; 36.608 de 27 de Novembro de 1947; 37.244
de 27 de Dezembro de 1948; 37245 de 27 de Dezembro de 1948; 37.426 de 23 de Maio de 1949;
37.578 de 11 de Outubro de 1949; 37.747 de 30 de Janeiro de 1950; 37.910 de 1 de Agosto de 1950;
38.538 de 24 de Novembro de 1951; 38.818 de 3 de Julho de 1952; Lei n.º 2.007 de 7 de Maio de
1945, 2.036 de 9 de Agosto 1949; 2.044 de 20 de Julho 1950; Regulamento da Junta do Crédito
Público; Regulamento do Instituto Nacional do trabalho e da Previdência; Despacho de 25 de
Fevereiro de 1953; Despacho de 13 de Março de 1952
229 Outros diplomas legislativos de interesse neste âmbito, são entre outros, os seguintes: Decreto-
lei n.º 23.640 de 23 de Janeiro de 1943; 32.749 de 15 de Abril de 1943; 33.512 de 19 de Janeiro de
1944; 33.533 de 21 de Fevereiro de 1944; 35.410 de 29 de Dezembro de 1945; 36.772 de 1 de Março
de 1948; 37.426 de 23 de Maio de 1949; 37.739 de 20 de Janeiro de 1950; 37.749 de 2 de Fevereiro
de 1950; 37.762 de 24 de Fevereiro de 1950; 38.775 de 5 de Junho de 1952; 40.462 de 29 de Julho
209
Quanto às associações de socorros mútuos vêm a ser reguladas pelo decreto 19.281
de 29 de Janeiro de 1931, que as caracteriza como instituições de previdência, de
capital indeterminado e número ilimitado de sócios, tendo por base o auxílio mútuo.
As Casas do Povo, são por seu lado, reguladas e criadas pelo Decreto 23.051 de 23
de Setembro de 1933 e são definidas como organismos de cooperação social, com
personalidade jurídica e com autorização para serem criadas em todas as freguesias
rurais, competindo a iniciativa da sua criação de particulares interessados e de
reconhecida idoneidade, das Juntas de Freguesia ou de qualquer outra autoridade
administrativa.
A sua esfera de acção circunscrevia-se à freguesia rural não podendo na mesma
freguesia haver mais do que uma Casa do Povo.
Quanto aos seus fins, as Casas do Povos, tinham os seguintes:
- Previdência e assistência, a prestar aos sócios no caso de doença, desemprego,
velhice ou inabilidade;
- Instrução, nomeadamente no ensino aos adultos e às crianças, desportos, diversões
e cinema educativo;
- Progressos locais, cooperação nas obras de utilidade comum, comunicações,
serviço de águas, higiene pública.
Podiam ainda, as Casas do Povo, promover entre os seus sócios, a organização de
sociedades cooperativas de produção ou de consumo.230
de 1955; 40.775 de 8 de Setembro de 1956; 41.595 de 29 de Abril de 1958; 41.890 de 30 de Setembro
de 1958
230 Outros diplomas considerados importantes acerca desta realidade, são entre outros os seguintes:
Decretos-lei n.º 23.618 de 1 de Março de 1934; 28.859 de 18 de Junho de 1938; 30.710 de 29 de
Agosto de 1940; 30.910 de 23 de Novembro de 1940; 34.373 de 10 de Janeiro de 1945; 38.540 de
24 de Outubro de 1951; 38.769 de 28 de Maio de 1952; 40.199 de 23 de Junho de 1955; 40.970 de
7 de Janeiro de 1957; 43.095 de 29 de Julho de 1960. Vide também o regulamento de 14 de
Dezembro de 1940 e a Lei n.º 2.092 de 9 de Abril de 1958 e os regulamentos do Fundo de
Previdência e dos Serviços de Invalidez.
210
A lei n.º 1.953 de 11 de Março de 1937, vem por sua vez criar as casas dos
Pescadores, organismos de cooperação social, em todos os centros de pesca. A sua
esfera de acção era limitada à área da capitania ou delegação marítima respectiva.
Os seus fins eram os seguintes:
- Representação profissional, nomeadamente para exercício das funções inerentes
aos organismos corporativos do trabalho dentro dos limites superiormente
determinados e compatíveis com a profissão dos associados;
- Educação e instrução, principalmente no que respeitava ao ensino elementar de
adultos e crianças e rudimentos de instrução profissional;
- Previdência e assistência, através da concessão de subsídios ou pensões: fundação
de obras de protecção e auxílio nos casos de parto, doença, inabilidade ou velhice,
morte, perda de pequenas embarcações, distribuição de roupas e alimentos por
ocasião de grandes crises ou invernias.231
43.5. A administração central.
43.5.1. A organização de 1935
No Decreto-lei n.º 24833, de 2 de Janeiro de 1935, cria-se a Secretaria da
Assembleia Nacional destinada à execução dos serviços relativos à mesma
Assembleia e à Câmara Corporativa. Esta Secretaria está dependente da Presidência
do Conselho e está sujeitas a todas as disposições que regem o funcionamento e
disciplina do pessoal dos serviços subordinados a essa mesma Presidência. A
Secretaria será dirigida por um director-geral, nomeado vitaliciamente pelo
Presidente do Conselho, e os seus serviços serão repartidos por secções, com chefes
que exercem as suas funções em comissão. À primeira secção competem os serviços
de expediente resultante do funcionamento da Assembleia Nacional e da Câmara
Corporativa e a vigilância durante o período de sessões das mesmas. À segunda
secção competem a redacção e publicação do Diário das Sessões e do regimento e
leis complementares para uso dos deputados e documentos referentes aos trabalhos
231 Destaca-se entre outra a seguinte legislação enquadrante, Decreto-lei n.º 37.750 de 4 de Fevereiro
de 1950; 37.751 de 4 de Fevereiro de 1950 e o regulamento do Fundo de Assistência.
211
legislativos. Já à terceira secção compete a conservação e actualização da biblioteca
destinada aos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.
A 22 de Janeiro de 1935, uma proposta é enviada pelo Governo à Assembleia
Nacional. Essa proposta reconhece a necessidade de introduzir certas modificações
na Constituição de 1933, umas decorrentes de uma análise cuidada do texto original
e alimentadas pelo desejo de aperfeiçoar a sistematização de matérias, outras
resultantes da experiência governamental durante os dois anos que a Constituição
esteve em vigor e da vontade de melhorar o funcionamento das relações entre os
diferentes órgãos de soberania.232 Desta proposta resultaram as leis nº 1885, nº
1910, nº 25236 e nº 26115.
A Lei n.º 1885, de 23 de Março de 1935, trouxe algumas alterações à organização
da Administração Central do país. Nesta lei declara-se que, em relação ao
Presidente da República, este, perante crimes estranhos ao exercício das suas
funções, passa a responder perante os tribunais comuns, no fim do seu mandato
(§único do artigo 78.º); em caso de renúncia de cargo, morte, problemas físicos que
impossibilitem o exercício das suas funções de Chefe de Estado ou ausência do país
sem consentimento da Assembleia Nacional, e enquanto a eleição do novo
Presidente da República não for realizada, ficará o Presidente do Conselho
responsável pelas funções de Chefe de Estado e do seu cargo originário,
simultaneamente (§ 2.º do artigo 80.º). Deste modo, passa também a competir ao
Presidente: abrir a primeira sessão legislativa de cada legislatura (nº 2 do artigo
81.º), o que permitiu ao Presidente ler o discurso inaugural sem necessidade de ter
de entregar a sua mensagem ao Presidente da Assembleia para ser lida por este,
estando ele presente233; representar a Nação e orientar a política externa, ajustar
convenções internacionais e negociar tratados de paz e aliança, arbitragem e
comércio, submetendo-os, agora por intermédio do Governo, à aprovação da
Assembleia Nacional (nº 7 do artigo 81.º); promulgar e fazer publicar também os
decretos-leis e os decretos regulamentares e assinar todos os decretos individuais,
232 Campinos, Jorge. 1975. A Ditadura Militar 1926-1933, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.
197
233 Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Coimbra editora, 1972,
Tomo II, p. 561
212
sob pena de inexistência (nº 9 do artigo 81.º). Os seus actos passam a ser também
referendados pelo Presidente do Conselho e não só pelo Ministro ou Ministros
competentes, também sob pena de inexistência, no entanto, os assuntos que não
carecem de referenda são os mesmo que estavam presentes no texto original (a
nomeação e demissão do Presidente do Conselho, as mensagens dirigidas à
Assembleia e a mensagem de renúncia do cargo) (artigo 82.º).
Relativamente à Assembleia Nacional, as atribuições da mesma sofrem algumas
alterações, tais como: tomar as contas respeitantes a cada ano económico, as quais
lhe serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, mas só se
este as tiver julgado, e os demais elementos necessários para a sua apreciação (nº 3
do artigo 91.º); autorizar o Governo a cobrar receitas e a pagar as despesas públicas
na gerência futura, estabelecendo uma data limite, sendo esta até 15 de Dezembro
(nº 4 do artigo 91.º). No seu funcionamento, a Assembleia passa a realizar as suas
sessões com a duração de três meses, a iniciar-se em 25 de Novembro de cada ano,
salvo, agora, o disposto nos artigos 75.º – quando o Presidente assume as suas
funções –, 76º – quando o Presidente da República se ausentar – e 81.º, nº 5 –
quando o Presidente convocar extraordinariamente, por urgente necessidade
pública, esta mesma Assembleia (artigo 94.º); passa a funcionar em sessão plena e
as suas deliberações passam a ser tomadas à pluralidade absoluta de votos, achando-
se presentes a maioria do número legal dos membros desta Assembleia (artigo 95.º);
a iniciativa da lei continua a competir ao Governo ou a qualquer membro da
Assembleia Nacional, no entanto, estes não poderão apresentar projectos nem fazer
propostas de alteração relacionados com o aumento da despesa ou a diminuição da
receita do Estado, adicionando-se a este artigo um §único que declara que a
apresentação dos projectos de lei passa a ser condicionada pelo voto favorável de
uma comissão especial (artigo 97.º e §único).
Também a Câmara Corporativa sofreu algumas mudanças. Passou-lhe a competir:
relatar e dar parecer sobre as propostas ou projectos de lei e também sobre as
convenções ou tratados internacionais que forem presentes à Assembleia, no
entanto, a Câmara Corporativa deve agora dar parecer a estes assuntos antes de
começar a discussão na Assembleia Nacional. Esta opinião deve ser dada num
espaço de trinta dias ou, caso for considerado urgente pelo Governo ou pela
Assembleia, conforme se tratar de proposta ou projecto de lei, no prazo que a
213
Assembleia fixar. Acrescenta-se a este artigo um §3.º, onde se afirma que, caso a
Câmara Corporativa, pronunciando-se pela rejeição de um projecto de lei, sugerir a
sua substituição, pode o Governo ou qualquer deputado adaptá-lo e este será
discutido em conjunto com o original, independentemente de nova consulta à
Câmara Corporativa (artigo 103.º, §1.º e §3.º).
Deste modo, esta passa também a poder ser consultada pelo Governo para a
elaboração de decretos-leis ou acerca de propostas de lei, no entanto, esta faculdade
foi um pouco desprezada.234
Na discussão das propostas ou projectos de lei, podem, agora, intervir o Presidente
do Conselho e o Ministro ou Sub-Secretário de Estado das Corporações, quando os
haja, o Ministro ou Ministros competentes, os representantes dos mesmos, e o
deputado que tiver tido iniciativa do projecto (§1.º do artigo 104.º).
Outro órgão da Administração Central que sofre alterações nas suas competências
com esta lei é o Governo. Este passa, para além de elaborar decretos-leis, a aprovar,
com autorização legislativa ou em caso de urgência e necessidade pública, as
convenções e tratados internacionais (nº 2 do artigo 108.º). Quando este publicar
decretos-leis, nos casos de urgência ou necessidade pública, durante o período das
sessões legislativas, deverá, então propô-los à ratificação da Assembleia Nacional,
numa das primeiras cinco sessões após a sua publicação. Se a ratificação for
concedida com emendas, transforma-se o decreto em proposta de lei, que será
enviada à Câmara Corporativa, excepto se esta já tiver sido consultada sobre este
assunto (§ 3.º do artigo 108º). Com esta alteração, quebra-se o princípio de que toda
a legislação tinha de ser reportada em última análise à Assembleia Nacional.235
No § 5.º do artigo 108.º definem-se os assuntos que tomarão forma de decreto,
designadamente, a nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação,
demissão ou reintegração do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do
Procurador-Geral da República, dos agentes diplomáticos e consulares e dos
governadores-gerais das colónias. Esta lei também acrescenta um §único ao artigo
234 Caetano, Marcello. 1965. Breve História das Constituições Portuguesas, Lisboa: Editorial Verbo,
p. 105
235 Caetano, Marcello. 1972. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Coimbra:
Coimbra Editora, Tomo II, p. 608
214
112º, que declara que, tratando-se de assuntos relativos aos interesses nacionais, o
Presidente do Conselho pode comparecer na Assembleia Nacional para sobre eles
assuntar.
Em suma, a Lei nº 1885 de 23 de Março de 1935 reforçou o poder legislativo do
Governo em detrimento da Assembleia Nacional, consequentemente, alargando o
poder do primeiro e reduzindo o poder do segundo órgão de Administração Central
referido. E daqui também é expressiva a preponderância que foi tomando o cargo
de Presidente do Conselho em toda a orgânica do Estado.236
O Decreto-lei n.º 25236, publicado a 11 de Abril de 1935, determina que as
nomeações ou contratos previstos no artigo 26.º do Decreto-lei n.º 24833, de 2 de
Janeiro de 1935 para provimento das vagas existentes na Assembleia Nacional,
sejam válidos, ainda que aos nomeados ou contratados faltem algumas das
condições gerais ou especiais de designação nos respectivos cargos.
O Decreto-lei nº 26115, de 23 de Novembro de 1935, no seu artigo 1.º,
estabeleceu algumas regras gerais relativamente aos serviços de cada Ministério.
Segundo Marcello Caetano, “em primeiro lugar, assume um Gabinete do Ministro,
a cujo cargo está o expediente pessoal do titular da pasta, bem como o desempenho
das funções de informação e documentação, e outras de carácter político ou de
confiança”237. Este organismo é composto por um chefe de gabinete e dois
secretários, juntamente com um secretário exclusivo do Sub-secretário de Estado
para o gabinete deste.238
Estas alterações à Constituição traduziram-se por um alargamento significativo
da função legislativa do Governo e por uma extinção, ainda mais acentuada, do
reduzido papel da Assembleia Nacional. Começando, assim, a evolução da
Assembleia Nacional no sentido de se tornar apenas um órgão consultivo.239
236 Caetano, Marcello. 1972. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, op. cit., p. 556
237 Caetano, Marcello. 1970. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Coimbra:
Coimbra Editora, Tomo I, p. 274
238 Caetano, Marcello. 1970. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, op. cit. p. 274
239 Campinos, Jorge. 1975. A Ditadura Militar 1926-1933, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.
197-198
215
Nesta discussão parlamentar, também foi proposta que a negociação de tratados
e convenções deixasse de ser uma atribuição do Chefe de Estado e passasse para as
atribuições do Governo, no entanto, a Câmara Corporativa discordou,
argumentando que a representação geral do Estado perante outros Estados era
atribuída ao Presidente, sendo que todas as negociações deviam então ser feitas em
seu nome e não em nome do Governo, e também que a divisão da representação
pelo Governo e pelo Presidente não traria vantagens, mas poderia, sim, trazer
inconvenientes.240
43.5.2. A lei orgânica de 1938
Ao abrigo da Lei nº 1996, de 23 de Abril de 1938, existem mais alterações na
Constituição Política, nomeadamente nas regalias e imunidades dos membros da
Assembleia Nacional, substituindo a alínea c) do artigo 89.º por uma que consagra
que os mesmos não podem ser detidos nem permanecer presos sem consentimento
da Assembleia, excepto em caso de crime a que corresponda pena maior ou
equivalente na escala penal e, caso isto se verifique, quando se tratar de flagrante
delito ou mandato judicial. Também se retira esta alínea do § 3.º do mesmo artigo,
sendo que esta regalia já não subsiste apenas durante o exercício efectivo das
funções legislativas. Como este aditamento resultou da iniciativa de alguns
deputados durante a discussão, a Câmara Corporativa não teve a oportunidade de
se pronunciar sobre ele e nem foi fundamentado pelos proponentes ou justificado
em debate.241
Em relação à Assembleia Nacional, o artigo 95.º volta a sofrer alterações, passando
agora a Assembleia a funcionar também em sessões de estudo, sendo que estas não
serão públicas (§ 2.º).
À Constituição promulgada em 1933 estava subjacente um espírito visivelmente
antiparlamentarista. Assim, a Assembleia Nacional parecia destinada a uma vida
precária, em benefício do papel dominante que o futuro parecia reservar à Câmara
Corporativa. Esta era o órgão de estudo da Assembleia Nacional para o exercício
240 Caetano, Marcello. 1972. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, op. cit., p. 559
241 Caetano, Marcello. 1972. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, op. cit. p. 597
216
do seu poder legislativo e substituía, então, as antigas comissões parlamentares. No
ponto de vista de Marcello Caetano, “na prática, notou-se a grande deficiência que
para o trabalho da Assembleia importava a falta de comissões próprias desta”. Isto
porque o direito que os deputados tinham de assistirem às reuniões da Câmara
Corporativa nunca foi regularmente usado, começando os deputados a estudar,
individualmente, projectos e pareceres, o que, consequentemente, prejudicava o
rendimento do trabalho parlamentar e a ordem das discussões. Deste modo,
pequenos grupos de deputados começaram a fazer o estudo dos projectos, de forma
particular, à margem da orgânica da Assembleia. Foi por isto que, na lei nº 1996,
em 1938, se teve de preencher esta falha.242
Previu-se, então, as sessões de estudo da Assembleia Nacional, na qual podiam,
igualmente, participar todos os deputados, e que se destinavam ao estudo dos
projectos e de outras questões sujeitas a debate. Na prática, estas sessões
transformaram-se em comissões eventuais indicadas para apreciar cada assunto a
incluir na ordem do dia das sessões públicas.243
43.6. As Secretarias de Estado
As secretarias de estado têm um longo percurso histórico que decorre dos
primórdios do seculo ….. e que….
Atenta a evolução histórica das secretarias de estado, importa agora, no que à
estrutura político-organizativa diz respeito, sublinhar que a Constituição de 1933
quanto à sua organização, encontrava-se dividida em catorze títulos: I- Nação
Portuguesa; II- Cidadãos; III- Família; IV- Corporações Morais e Económicas; V-
Família, Corporações, e Autarquias Como Elementos Políticos; VI- Opinião
Pública; VII- Ordem Administrativa, Política e Cívil; VIII- Ordem Económica
Social; IX-Educação, Ensino e Cultura Nacional; X- Relações do Estado com a
242 Caetano, Marcello. 1972. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, op. cit, p. 623 e
624
243 Caetano, Marcello. 1972. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, op. cit, p. 624
217
Igreja Católica e Demais Cultos; XI- Domínio Público e Privado; XII- Defesa
Nacional; XIII- Administrações de Interesse Coletivo; XIV - Finanças do Estado.
A soberania residia na Nação, e a constituição estabelecia como órgãos de
soberania, o Chefe do Estado, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais -
art.º 71.-.
E, no âmbito do Governo, enquanto órgão de soberania, sob a dependência do
Presidente do Conselho, que o chefia, surgem as Secretarias de Estado na
dependência dos respectivos Ministros - art.º 107-.
Esta estrutura de governo, é resultado das debilidades governativas esperadas no
contexto da Constituição de 1933, pelo que «perante as debilidades assacadas ao
Estado democrático da 1ª República, a Constituição de 1933 procurou instituir um
mecanismo constitucional capaz de furtar o regime á instabilidade governativa. O
Estado forte traduzia-se, antes de mais, num executivo forte, independente do órgão
legislativo. Traduzia-se, em segundo lugar, num legislativo não partidariamente
dividido, limitado à formulação das bases gerais dos regimes jurídicos e à
ratificação dos decretos-leis do governo. Traduzia-se, em terceiro lugar, na
existência de um Chefe de Estado, eleito directamente pela Nação, que só perante
ela respondia, e ao qual competia nomear ou demitir livremente o Presidente do
Conselho de Ministros. Esta estrutura política, corolário lógico do
antiparlamentarismo e o anti-partidarismo do Estado Novo, tinha elementos
suficientes para evoluir ou para um sistema presidencialista ou para um regime de
Primeiro-Ministro ou de Chanceler. A «praxis política» evoluiu no segundo
sentido, tendo Marcelo Caetano considerado existir entre nós um presidencialismo
do primeiro-ministro. De um modo geral, o executivo tornou-se o fulcro do poder
político e, começando por ter o poder de executar as leis, acaba por ser investido
do poder de emanar normas jurídicas primárias, tal como a Assembleia Nacional
(revisão de 1945). Daqui se conclui que o regime, ao evoluir para um
presidencialismo de primeiro-ministro, concentrou no executivo funções
presidenciais e legislativas (além das tarefas próprias do Governo)
possibilitadoras da estruturação de um poder político autoritário».244
244Canotilho, J. J. Gomes. 1998. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra:
Almedina. 3ª Edição, págs. 175 e 176
218
Por outro lado, a estrutura de governo reflecte um sistema de representação simples
de chanceler, tal como o entende Jorge Miranda, porquanto a “pluralidade de
órgãos governativos fica encoberta pela concentração de poderes no Chefe do
Estado – considerado o mais directo representante da comunidade nacional e de
quem dependem quer a Assembleia Nacional quer o Governo (que ele nomeia e
demite livremente”. 245
E, bem assim tem a estrutura de chanceler porque “porque o Presidente da
República não governa, está acompanhado de um Governo com competência
própria (pela primeira vez no Direito constitucional português) e não pode agir
sem o Presidente do Conselho de Ministros, que referenda quase todos os seus
actos e perante o qual respondem politicamente todos os Ministros”.246
Quanto ao governo, depende do Presidente do Conselho de Ministros, nomeado e
demitido livremente pelo Presidente da República, sendo os Ministros e
Subsecretários de Estado nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do
Presidente do Conselho,247 que referenda as suas nomeações bem como as
exonerações dos Ministros cessantes, enquanto as funções dos Subsecretários de
Estado cessam com a exoneração dos respectivos Ministros - §1.º e 2..
O Presidente do Conselho coordena e dirige a actividade de todos os Ministérios,
que perante ele respondem politicamente pelos seus actos - art.º 108.- respondendo
perante o Presidente da República pela política geral do Governo.
245Cfr. Miranda, Jorge. 2003. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora. Tomo
I, 7ª edição págs. 315 e 316.
246 Miranda, Jorge. 2003. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora. Tomo I,
7ª edição págs. 315 e 316
247 Ficava patente a questão da imagem do poder e da diferença entre sede formal e real de exercício,
uma vez que a figura do Chefe de Estado se subalternizava à do Presidente do Conselho, a contrário
do que estava disposto na Constituição. Por conseguinte, era o Presidente da República que
“respondia” perante o Presidente do Conselho. Havia, então, uma espécie “presidencialismo
bicéfalo”, pois na ausência ou impedimento da presença do Presidente da República no Conselho de
Ministros, quem o substituía era o Presidente do Conselho. Salazar enquanto Presidente do
Conselho, conseguiu mobilizar para si, a chefia efectiva do Governo, que transformou o papel do
Presidente da República numa mera representatividade.
219
No que se refere aos secretários de estado no decurso do Estado Novo, a
Constituição de 1933, no seu art.º 107 (versão originária), não falava na figura dos
Secretários de Estado, apenas considerava a existência de Subsecretários de Estado.
Motivo pelo qual, era recente a inclusão da categoria de Secretários de Estado na
moderna orgânica governamental portuguesa.248Com efeito, só com o Decreto-Lei
n.º 41 824 de 13 de agosto de 1958, são criados na estrutura organizativa, os
secretários de estado, como decorre do art.º1 “os serviços compreendidos num
Ministério podem ser agrupados em Secretarias de Estado, geridas por Secretários
de Estado, a cuja nomeação são aplicáveis os preceitos que regulam a dos
Subsecretários”.
E neste contexto, os «Secretários de Estado têm competência para praticar todos
os actos de administração que entram nas atribuições legais dos Ministros, aos
quais são equiparados em categoria e prerrogativas, e podem ser convocados a
assistir às reuniões do Conselho de Ministros em que devam ser tratados assuntos
que dependam das respectivas Secretarias de Estado» - art.º 2.
Os secretários de Estado “diferem dos ministros por não possuírem competência
política, distinguem-se dos subsecretários por terem competência administrativa
ministerial própria. Pode assim haver subsecretários de Estado dependentes de
secretários de Estado”249. Sendo certo que, nos termos do §2.º do artigo 107 da
Constituição de 1933, alterado pela Lei n.º 2100, de 29 de agosto de 1959 (Lei de
revisão da Constituição), as funções dos Secretários de Estado e dos Subsecretários
de Estado cessavam com a exoneração do respectivo Ministro.
Em face destas alterações, os Secretários de Estado assumem funções de
verdadeiros ministros, se bem que apenas com competência administrativa e sem
fazerem parte do Conselho de Ministros.
E com o Decreto-Lei n.º 41 825, de 13 de agosto de 1958, criava o Governo várias
secretarias de estado, a saber, a Secretaria de Estado da Saúde, integrada no
Ministério da Saúde e Assistência - art.º 1 - as secretarias Secretaria de Estado da
248 Caetano, Marcello. 1990. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Almedina. Vol. I. 10ª
edição, 4ª reimpressão
249 Caetano, Marcello. 1961. Curso de Ciência Política e Direito Constitucional, Coimbra: Coimbra
Editora. 3ª Edição, Vol. II. pág. 203.
220
Agricultura, Secretaria de Estado do Comércio e a Secretaria de Estado da Indústria
no Ministério da Economia - art.º 2.- Os Secretários de Estado que não tivessem
assento permanente em algum dos conselhos especiais poderia ser chamados a neles
participar sempre que os assuntos a tratar interessassem a serviços deles
dependentes - art.º 4 -
Além das três Secretarias de Estado já referidas anteriormente, foi criada em 1961
a Secretaria de Estado da Aeronáutica, existindo desde 1952 o cargo de
Subsecretário de Estado da Aeronáutica.
Já no período compreendido entre 1968 e 1974, na designada “Primavera
Marcelista” foram criadas as Secretarias de Estado, da Informação e Turismo, do
Planeamento, Tesouro e Orçamento, do Exército, das Obras Públicas, Urbanismo e
Habitação, da Comunicação e Transportes, da Administração Ultramarina e do
Fomento Ultramarino, da Instrução e Cultura, Juventude e Desportos, Trabalho e
Previdência e Saúde e Assistência.
43.7. A divisão administrativa. O código administrativo de 1936-40
43.8. A administração local
O período que vai de 1933 a 1974, é marcado por um regime político que entre
outras circunstâncias procura delimitar uma nova relação entre o Estado e a
Sociedade Civil, propondo um quadro ideológico, autoritário, anti-liberal e
interventor do ponto de vista económico.
Também na dimensão local da administração o Estado Novo define uma forma
diferente de intervenção. A sua prioridade é a da centralização da administração
local, sendo que nos termos da Constituição o enquadramento administrativo impõe
a existência de províncias, que passaram a ser onze (Minho, Trás-os-Montes e Alto
Douro, Douro Litoral, Beira Litoral, Beira Alta, Beira Baixa, Ribatejo,
Estremadura, Alto Alentejo, Baixo Alentejo, Algarve).
221
No ano de 1936, inicia-se sob o impulso do Prof. Marcello Caetano a elaboração
de um novo Código Administrativo, cujos trabalhos estariam concluídos em 1940,
e que culminariam com a pulicação desse código. Era, entre outras perspectivas,
uma lei da administração autárquica que regulava a organização administrativa, a
divisão do território, o funcionamento das autarquias, as finanças locais e o
contencioso administrativo.
Este código administrativo, acabaria por ser o mais importante no que respeitou à
administração local, dividindo o território em quatro áreas administrativas,
Províncias, Distritos Concelhos e Freguesias, e iniciou um novo período de
centralização do poder local, sobretudo com a nomeação do Presidente de Câmara
e de Freguesia pelo governo, ficando também este com a tutela das finanças locais.
43.9. Autarquias Locais
As autarquias locais eram na concepção do novo código administrativo pessoas
colectivas de “direito público constituído pelo agregado de cidadãos residentes em
certa circunscrição do território nacional cujos interesses comuns são
prosseguidos por órgãos próprios dotados de autonomia dentro dos limites da lei”,
dependendo a sua importância da extensão do território, do número populacional e
do nível social dos seus habitantes.
O concelho era a circunscrição territorial pertencente ao município e era formado
por freguesias. O seu corpo administrativo era a Câmara Municipal e o seu
magistrado administrativo era o Presidente de Câmara. Ficava dividido em duas
classes, o Concelho Urbano e o Concelho Rural sendo cada classe agrupada em três
ordens.
No Concelho Urbano predominavam os interesses do aglomerado populacional em
que tinha sede enquanto no Concelho Rural os interesses dominantes decorriam dos
intereses das populações rurais. Para a realização de interesses comuns e afectos a
mais de um Concelho, admitia-se a associação das respectivas Câmaras Municipais,
a federação de municípios, a qual podia ser obrigatória ou facultativa. Os órgãos do
governo municipal eram o Conselho Municipal, a Câmara Municipal e o Presidente
de Câmara. O Conselho Municipal era uma assembleia que orientava e fiscalizava
a vida administrativa do município. Reunia ordinariamente uma vez por ano,
integrando os presidentes de Junta de Freguesia, os Provedores das Misericórdias,
222
os representantes dos Grémios, Sindicatos Nacionais e Casas do Povo. Desta
assembleia partiam as grandes directrizes da administração municipal e a ela ficava
confiada a função moderadora, quer apreciando e votando as deliberações
camarárias que necessitavam da sua aprovação, quer revogando os mandatos aos
vereadores ou requerendo sindicância aos actos do presidente de câmara.
A Câmara Municipal, era o órgão deliberativo normal, ou seja, exercia o maior
número das funções da administração, tomava as iniciativas, ponderava as medidas,
geria o património e a fazenda do concelho. Os vereadores da câmara municipal
eram eleitos pela assembleia, que nos concelhos rurais de primeira ordem eram no
máximo seis. O Presidente de Câmara era o superior dirigente e autoridade
executiva. Era ele quem dirigia e coordenava a câmara municipal e nos concelhos
rurais era também o executor das deliberações camarárias, sendo a sua nomeação
da iniciativa do poder central. O papel do presidente de câmara “era ser o fiel de
balança entre os interesses particulares, a voz do bem comum, o zelador do
interesse geral no concelho, e também o animador das actividades, o disciplinador
das energias e tinha de emanar os planos a realizar e a ele pertencia a tarefa de os
executar.”
A freguesia era a circunscrição territorial mais pequena. Os seus órgãos de
administração eram as famílias sendo estas representadas pelos seus chefes e a junta
de freguesia. O regedor de freguesia, era o representante da autoridade municipal e
dependia directamente do presidente de câmara. Como sucedia com os concelhos,
também as freguesias se podiam unir, com carácter obrigatório ou facultativo.
O Distrito era a divisão administrativa constituída por vários concelhos. Os seus
órgãos de administração eram o Conselho de Distrito e a Junta Distrital. O Conselho
de Distrito era constituído pelos representantes da circunscrição distrital. Era da sua
competência eleger de quatro em quatro anos os membros da junta distrital. A Junta
Distrital era integrada pelo presidente, vice-presidente e três vogais. Em alguns
casos, a deliberação da Junta Distrital precisava da aprovação do Governo, mesmo
após a aprovação do Conselho de Distrito. Os Distritos tinham atribuições de
fomento, cultura e de assistência. Apesar de na lei os distritos terem autonomia
financeira e administrativa, o Governo fiscalizava directa ou indirectamente os seus
corpos administrativos. Os distritos também podiam ser classificados em primeira,
segunda e terceira ordem. Em 1940, os distritos de primeira ordem eram Lisboa e
223
Porto, os de segunda ordem eram Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Évora,
Faro, Santarém, Vila Real e Viseu, os de terceira ordem eram Aveiro, Bragança,
Guarda, Leiria, Portalegre, Setúbal e Viana do Castelo.
A Província era a associação de concelhos com afinidades geográficas,
económicas e socias. Os órgãos de administração da província eram o Conselho
Provincial e Junta de Província. A função do Conselho Provincial era a de eleger
de três em três anos os vogais da Junta de Província e respectivos substitutos,
discutir e votar o relatório de gerência e o plano anual da Junta de Província, discutir
e votar, sobre a proposta do presidente, as bases do orçamento ordinário da
província e pronunciar-se sobre as deliberações da Junta de Província, que
dependiam da sua aprovação para se tornar executórias. A Junta de Província tinha
atribuições de fomento e coordenação económica, de cultura e de assistência. Em
1959, as províncias em termos administrativos, foram extintas.
Em 1964 Portugal estava dividido em 274 concelhos, 3823 freguesias e 13
distritos. O concelho de Lisboa dividia-se em quatro bairros e o concelho do Porto
em dois. Quanto aos Açores e Madeira e em função da sua localização geográfica,
os arquipélagos eram alvo de excepções, embora, administrativamente, sempre
tenham feito parte do continente.
O território das ilhas dividia-se em concelhos, que se dividiam em freguesias,
agrupando-se em distritos autónomos. As freguesias no arquipélago da Madeira não
eram autarquias locais e a representação das juntas de freguesia, nos conselhos
municipais, fazia-se através de quatro vogais nomeados pelo governador do distrito.
O órgão da administração distrital autónoma era a junta geral, que exercia as suas
atribuições e competências directamente ou por intermédio de uma comissão
executiva composta do presidente da junta geral do distrito e dois dos seus
procuradores.
As atribuições das juntas gerais podiam ser de administração dos bens distritais, de
fomento agrário, florestal e pecuário, de coordenação económica, de obras públicas,
fiscalização industrial e de viação, de saúde pública, de assistência, de educação e
cultura e de polícia. A junta geral do distrito era integrada por sete procuradores,
dos quais três natos e quatro eleitos eleitos de quatro em quatro anos. O presidente
era nomeado, por quatro anos, pelo Governador de distrito, de entre os procuradores
eleitos. O governador civil tinha a designação de governador do distrito autónomo.
224
43.10. O Distrito
43.11. A administração colonial.
44. A contemporaneidade da Administração Pública
44.1. A Revolução de 25 de Abril de 1974
44.2. A reforma da administração central
44.3. A reforma da administração local
225
Bibliografia Aconselhada
Caetano, Marcello. Estudos de História da Administração Pública Portuguesa,
Coimbra: Coimbra Editora, 1994, pp. 324-337; 360-369; 371-448
Maltez, José Adelino. Princípios Gerais de Direito: Conceitos operacionais. Tomo
II. Lisboa: ISCSP, 1992, pp. 78-136
Maltez, José Adelino. Princípios Gerais de Direito: Direito Positivo. Tomo III.
Lisboa: ISCSP, 1992, pp. 299--316
Manique, António Pedro. Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração
Pública. Lisboa: Livros Horizonte, 1989, pp.
Pereira, Manuel. Organização política e administrativa de Portugal - desde 1820.
Porto:Livraria Fernando Machado & Cª Lda., pp.1-144
Ramos, Rui (coord.). História de Portugal. 7.ª Edição. Lisboa: Esfera dos Livros,
2009, pp. 458-576