contos do mundo - interculturalidades
TRANSCRIPT
Contos do Mundo
(Interculturalidades)
3
A longa viagem começa com um passo (Português)
漫长的旅程,始于足下。(Chinês)
Lungă călătorie începe cu un singur pas (Romeno)
linn put nachinaet·sya s odnogo shaga (Russo)
Le long voyage commence par un pas (Francês)
Viajen lòngöo ca comèça cu passo (crioulo de S. Tomé e Príncipe)
Um viagem e ta cunsa cu um passo cumprido (crioulo da Guiné)
Um grand viagem tá começa kon um passe (crioulo de Cabo Verde)
Contos do Mundo
5
Índice
Nota de Abertura………………………………………………………… Pág. 7
Prefácio ……………………………………………………………………….. Pág. 9
Introdução …………………………………………………………………… Pág. 11
Glossário ……………………………………………………………………… Pág. 13
Contos do Mundo ………………………………………………………… Pág. 15
Contos de Portugal
Portugal ………………………………………………………….
Lenga-lengas …………………………………………………..
Provérbios ………………………………………………………
Lendas …………………………………………………………….
Contos Tradicionais ….…………………………………….
Pág. 17
Pág. 19
Pág. 28
Pág. 37
Pág. 59
Contos de Angola
Angola …………………………………………………………….
Contos Tradicionais ……………………………………….
Pág. 83
Pág. 84
Contos do Brasil
Brasil ………………………………………………………………
Mitos ………………………………………………………………
Lenga-lengas …………………………………………………..
Lendas …………………………………………………………….
Pág. 91
Pág. 94
Pág. 99
Pág. 100
Contos de Cabo-Verde
Cabo-Verde …………………………………………………….
Contos Tradicionais .……………………………………….
Pág. 101
Pág. 103
Contos da China
China ………………………………………………………………
Lendas …………………………………………………………….
Provérbios ………………………………………………………
Pág. 105
Pág. 108
Pág. 114
Contos da Guiné-Bissau
Guiné-Bissau …………………………………………………..
Contos Tradicionais ……………………………………….
Pág. 117
Pág. 119
Contos de Moçambique
Moçambique …………………………………………………..
Contos Tradicionais ……………………………………….
Pág. 131
Pág. 133
Contos da Roménia
Roménia …………………………………………………………
Lendas ……………………………………………………………
Pág. 149
Pág. 151
Contos da Rússia
Rússia ……………………………………………………………..
Contos Tradicionais …………………………………………
Pág. 161
Pág. 163
Contos de São Tomé e Príncipe
São Tomé e Príncipe ……………………………………….
Lendas …………………………………………………………….
Contos Tradicionais ….…………………………………….
Pág. 183
Pág. 185
Pág. 190
Agradecimentos ………………………………………………………….. Pág. 197
Bibliografia …………………………………………………………………… Pág. 198
Equipa Técnica …………………………………………………………….. Pág. 199
Contos do Mundo
7
Nota de Abertura
Moura terra de lendas, terra de contendas, afirma-se hoje como um
Concelho solidário e um Concelho que reúne e acolhe no seu seio um
caldo de culturas que o enriquecem e valorizam.
A publicação deste livro representa o testemunho de diversas formas
de expressão de raiz popular que, na sua diversidade, compõem um
mosaico de carácter universal, tendo como traço comum a afirmação
da sua identidade e das suas origens e referências.
Ancorados nas suas próprias raízes estabelecem laços com outras
gentes e outras culturas.
A publicação deste livro, em que as palavras vertidas no papel
espelham a imaginação dos nossos antepassados, é um contributo
inestimável para que as novas gerações aprendam o significado dos
contos e para que estes não se percam na nossa memória. Ficam aqui
registados para memória futura.
E faz sentido conhecer contos de todo o Mundo porque, o Mundo, é a
nossa casa comum.
Presidente da Câmara Municipal de Moura e
Presidente da Direcção da Comoiprel - Ciprl
José Maria Prazeres Pós-de-Mina
Contos do Mundo
9
Prefácio
Era uma vez um homem que um dia, depois de comer, se estendeu de
ventre ao sol e se pôs a cismar...
Terá sido nesse dia, talvez em África, que o nosso avô deu um passo
fundamental, saiu de dentro de si para perseguir um sonho, coisa que
mais nenhum bicho à sua volta conseguiu fazer. O pau, a pedra ou a
lança podiam chegar aos céus sem esforço algum, derrubando aves
apetecidas ou então partirem rente ao chão ao encontro do animal há
muito desejado. Isso era possível se o sonhasse. Movido de
entusiasmo, experimentou pintar a sua divagação numa parede
utilizando o sangue de uma presa que abatera. E saiu uma cena de
caça, um desejo colorido, o primeiro sonho pintado, com o acrescento
mágico (outra sua descoberta) de que, pintando-o, o podia tornar
realidade. O homem afinal não pintava só um sonho, um desejo, mas
também contava um conto que são coisas nascidas no mesmo berço.
A partir daí nunca mais parou.
Só que precisou de tempo para contar contos de outro modo. Tentou
ainda escavar a rocha esculpindo animais tão perfeitamente que a
reprodução levada a cabo ainda hoje nos espanta. Sobrepunha o
mesmo bicho várias vezes ou sobrepunha-o a outros bichos,
especialmente de perfil, de pé, deitados, feridos por setas. Histórias
contadas à sua maneira com os meios de que dispunha.
Faltava uma forma mais prática, mais moderna de expressão, a dos
sons formando palavras e estas desenhando frases. Com o domínio
deste instrumento o homem ganhou o mundo, contando o real e o
inventado, tudo a seu belo prazer. Nasciam as Odisseias, as Bíblias, as
Távolas Redondas, o Santo Graal, as Histórias das Mil e uma Noites, as
Fábulas de Esopo. Tudo narrado de forma oral, passando de velhos
para novos, numa cadeia que se manteve mesmo depois de inventadas
as escritas e que perdurou até aos nossos dias. De preferência em
forma rimada, que se fixa e se transmite melhor. E como quem conta
um conto sempre lhe acrescenta um ponto não houve monotonia, as
mesmas histórias deram a volta ao mundo com as variantes mais
espantosas. É que os ambientes culturais são diferentes mas os
homens são sempre os mesmos, com os mesmos anseios, os mesmos
medos, as mesmas paixões, as mesmas crenças, os mesmos ridículos,
estes insistentemente explorados por todos,
Todavia a humanidade não se deteve somente nas histórias com
princípio, meio e fim. Escolheu palavras terminando no mesmo som e
fê-las rimar, em lengalengas às vezes com aparente falta de sentido. Os
homens sempre se perderam por ver as coisas voltadas do avesso. São
formas lúdicas, brincadeiras muito ao gosto das crianças, que, de certo
modo, se vão perpetuando.
No nosso mundo rural, onde há menos de meio século o tempo ainda
tinha a dimensão dos homens, preenchia-se o tempo que sobrava com
a voz dos avós contando histórias aos netos. Hoje estes já não têm
tempo para ouvir, para eles o passado é o futuro e os avós que restam
quase se acanham de murmurar na sua frente o era uma vez. No ecrã
do computador abre-se-lhes o mundo inteiro e pouco lhes interessa o
Um, dois, três macaquinho de chinês ou O menino da mata e o seu cão
Piloto. Figuras de antropóides com picos ameaçadores e cores
repelentes, falando um áspero inglês, eliminaram do seu horizonte os
contidos personagens campestres de linguagens macias. Quer se
queira quer não, os tempos são outros. À face da terra todos os jovens
vêem as mesmas coisas, pouco diferindo nos gostos. É a globalização.
O que o presente livro faz é preservar a memória do conto contado
como património dos povos, neste caso até com preocupações multi-
culturais, antes de ser triturado pelas redes planetárias, acautelando
testemunhos culturais a que, com bonomia, todos gostamos de voltar
quando a pressão tecnológica nos cansa com o rigor das imagens e dos
números.
Bem-haja por isso a equipa que fez e organizou esta recolha.
João Mário Caldeira
Fevº/2010
Contos do Mundo
11
Introdução
Vivemos dentro de um espaço, de um tempo e de uma realidade que
estabilizam as nossas referências, mas também nos limitam e por vezes
oprimem-nos. Essas fronteiras transmitem-nos segurança, mas
também nos convidam a ultrapassá-las num acto em que casem a
curiosidade e o espírito de aventura. Viver dentro de um referencial é
viver de acordo com uma narrativa que se conta a si própria, mas por
vezes experimentamos o desejo e a necessidade de transformar essa
narrativa, de a reinventar.
Há várias maneiras de transformar as nossas narrativas, umas mais
destrutivas, outras mais construtivas, como nos ensina um olhar sobre
a nossa história e sobre a nossa sociedade. Quando sonhamos,
enquanto dormimos, deslocamo-nos no tempo. Quando viajamos para
um país estrangeiro, por exemplo em férias, deslocamo-nos no espaço.
Quando vemos um filme ou assistimos a uma peça de teatro, estamos
a entrar noutra realidade, que muitas vezes nos faz esquecer a nossa.
Quando aumentamos a nossa consciência acerca de um dado
fenómeno ou situação, estamos a modificar a realidade, a nossa
realidade. Transpor os limites do espaço, do tempo e da nossa
realidade são formas de evasão. Ao longo da sua história, os humanos
sempre procuram de diversas maneiras essas formas de evasão e de
expansão dos limites do possível. As crianças passam o tempo a fazê-
lo. Os adultos, muitas vezes já esqueceram essa possibilidade mágica.
As lendas, os provérbios, os mitos ou os contos tradicionais são formas
de construir e reviver outras narrativas e, nesse sentido de vivenciar
realidades alternativas. Transportam-nos para um domínio mitológico
e para uma lógica mais devedora à imaginação e à liberdade de
pensamento do que aos constrangimentos funcionais que são o
cimento da nossa sociedade. Povoam o nosso imaginário e exercem
um notável fascínio sobre nós. Mas porquê?
Talvez porque nos lembram as nossas origens; porque são uma
referência mítica do nosso mundo infantil; porque nos recordam um
tempo nas nossas vidas em que a imaginação era um dado sensível, um
poderoso catalisador de mudanças.
As lendas, os mitos, as lenga-lengas ou os contos que constam nesta
publicação são elementos roubados à nossa imaginação colectiva, meio
reais, meio imaginários. Mergulharmos neles equivale a abraçar as
nossas origens e a desconstruir as nossas estruturas mentais, que
dividem o mundo em ilhas incomunicáveis a não ser através de
processos de dominação.
Trata-se de uma recolha intercultural, abrangendo textos de Portugal,
Angola, Brasil, Guiné, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Roménia,
Rússia e China.
Parecem-nos urgentes estes mitos da criação humana para sentirmos o
quanto tudo é possível, ou seja, o quanto a nossa visão das coisas é
relativa e transitória e pode ser alterada.
Trazer de volta esses elementos é eternizar personagens e vivências
indispensáveis para a compreensão da nossa história e das nossas
vidas, é imortalizar sentido de liberdade e transgressão que nos
oferece qualquer fronteira.
Estes enredos carregados de sentido mítico insuflem em nós a
nostalgia de um tempo que não conhecemos mas de que,
paradoxalmente, sentimos saudade. Fornecem uma explicação
plausível, ensaiam um movimento perpétuo e circular de expansão dos
limites do possível, bebendo da imaginação, da inspiração e da intuição
as bases para deitar abaixo as falsas fronteiras que a nossa falta de
imaginação produz e inventar novos laços em que a dominação
sucumbe ante a cooperação.
Esta recolha tem por objectivo recordar-nos o dever de nos
aproximarmos uns dos outros, até como forma de nos aproximarmos
de nós mesmos e redescobrir a nossa identidade essencial.
Contos do Mundo
13
Glossário:
Lenda é uma narrativa fantasiosa transmitida pela tradição oral através
dos tempos.
De carácter fantástico e/ou fictício, as lendas combinam factos reais e
históricos com factos irreais que são meramente produto de
imaginação humana. Algumas lendas fornecem explicações plausíveis,
e até certo ponto aceitáveis, para as coisas que não têm explicações
científicas comprovadas, como acontecimentos misteriosos ou
sobrenaturais. Podemos entender que a lenda é uma degeneração do
mito. As lendas, pelo facto de serem repassadas oralmente de geração
em geração, sofrem alterações à medida que vão sendo recontadas.
Conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão. Entre suas
principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a
unidade de efeito ou impressão total. Logicamente a primeira fase é a
oral, a qual não é possível precisar o seu início: o conto tem origem
num tempo em que nem sequer existia a escrita; as histórias eram
narradas oralmente ao redor das fogueiras das habitações dos povos
primitivos – geralmente à noite. Por isso o suspense e o fantástico que
o caracterizou. O conto necessita de tensão, ritmo, o imprevisto dentro
dos parâmetros previstos, unidade, compactação, concisão, conflito,
início, meio e fim; o passado e o futuro têm significado menor.
Lenga-lenga é uma cantilena transmitida de geração em geração na
qual se repetem determinadas palavras ou expressões. Poderemos
dizer que uma lenga-lenga é conversa fiada, uma ladainha.
Provérbios sentença de carácter prático e popular, que expressa de
forma sucinta, e não raramente figurativa, uma ideia ou pensamento.
Mito é uma narrativa tradicional com carácter explicativo e/ou
simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou
religião. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida,
os fenómenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de
deuses, semi-deuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais).
Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de explicar a
realidade.
Ao mito está associado o rito. Este é o modo de se pôr em acção o mito
na vida do Homem (ex: cerimónias, danças, orações, sacrifícios...).
O termo "mito" é, por vezes, utilizado de forma pejorativa para se
referir às crenças comuns (consideradas sem fundamento objectivo ou
científico, e vistas apenas como histórias de um universo puramente
maravilhoso) de diversas comunidades. No entanto, até
acontecimentos históricos se podem transformar em mitos, se
adquirem uma determinada carga simbólica para uma dada cultura.
Contos do Mundo
15
Contos do Mundo
Contos do Mundo
17
Contos de Portugal
Portugal
Localizado no sudoeste da Europa, cujo
território se situa na zona ocidental da
Península Ibérica e em arquipélagos no
Atlântico Norte, Portugal possui uma área
total de 92 090 km² e é considerada a
nação mais ocidental do continente
europeu. O território português é delimitado a Norte e a Leste por
Espanha e a Sul e Oeste pelo Oceano Atlântico, e compreende a parte
continental e as regiões autónomas: os arquipélagos dos Açores e da
Madeira. Possui no total 18 distritos, sendo Lisboa a capital.
Com uma população estimativa (2008) de 10.627.250 habitantes e uma
densidade populacional de 115.3 hab/km2. O clima é temperado
mediterrânico e temperado oceânico.
Durante os séculos XV e XVI, Portugal foi uma potência mundial
económica, social e cultural, constituindo-se o primeiro e o mais
duradouro império colonial de amplitude global.
É hoje, considerado um país desenvolvido, economicamente próspero,
social e politicamente estável e com um índice de desenvolvimento
humano muito elevado. Encontra-se entre os 20 países do mundo com
melhor qualidade de vida.
1Imagens
1 Paisagens do Baixo Alentejo, planície de Moura, distrito de Beja
Contos do Mundo
19
Lenga-lengas
Um dó li tá
Cara de amendoá
Um segredo
Coloreto
Quem está livre, livre está
Um aviãozinho militar
Atirou uma bomba ao ar
Diga lá, meu menino,
A que terra foi parar?
Anani, ananão
Ficas tu
E eu não
Tão-balalão
Cabeça de cão
Orelhas de gato
Não tem coração
Não tem coração nem voz nem alento
Orelhas de gato
Cabeça de vento
Pirata da perna de pau, olho de vidro e cara de mau!
O Rato Roeu a Rolha da Garrafa do Rei da Rússia!
A criada lá de cima
É feita de papelão,
Quando vai fazer a cama
Diz assim ao patrão:
Sete e sete são catorze,
Com mais sete vinte e um,
Tenho sete namorados
E não gosto de nenhum.
Bichinha gata
Que comeste tu?
Sopinhas de leite
Onde as guardaste?
Debaixo da arca
Com que as tapaste?
Com o rabo do gato
Sape, sape, sape!
Caracol, caracol
Põe os pauzinhos ao sol
Contos do Mundo
21
Dedo mindinho
Seu vizinho
Pai de todos
Fura bolos
Mata piolho
Este menino achou o ovo
Este o assou
Este sal lhe deitou
Este o provou
Este o papou
Joaninha voa, voa
Que o teu pai está em Lisboa
A tua mãe no Moinho
A comer pão com toucinho
Joaninha voa, voa
Que o teu pai está em Lisboa
Com um rabinho de sardinha
Para comer, que mais não tinha
Lagarto pintado
Quem te pintou?
Foi uma velha que aqui passou
No tempo da eira
Fazia poeira
Puxa lagarto
Por aquela orelha!
Janeiro, gear
Fevereiro, chover
Março, encanar
Abril, espigar
Maio, engrandecer
Junho, ceifar
Julho, debulhar
Agosto, engravelar
Setembro, vindimar
Outubro, resolver
Novembro, semear
Dezembro, nascer
Nasceu um deus para nos salvar
Nove vezes nove, oitenta e um
Sete macacos e tu és um
Fora eu que não sou nenhum
Pico, pico serenico
Quem te deu tamanho bico?
Ou de ouro ou de prata
Mete a mão neste buraco
Contos do Mundo
23
Pico, pico serenico
Quem te deu tamanho bico?
Foi o filho do Luís
Que está preso pelo nariz
Pico, pico serenico
Quem te deu tamanho bico?
Foi a filha da rainha
Que está presa na cozinha
Salta pulga da balança
E vai ter até à França
Cavalinhos a correr
Meninas a aprender
Qual é a mais bonita
Que se irá esconder
Pim, pam, pum
Cada bola mata um
Da galinha p’ró perú
Quem se livra és tu!
Sola, sapato,
Rei rainha
Foi ao mar
Buscar sardinha
Para a mulher
Do juiz
Que está presa
Pelo nariz;
Salta a pulga
Na balança
Que vai ter
Até à França,
Os cavalos
A correr
As meninas
A aprender,
Qual será
A mais bonita
Que se vai
Esconder
O tempo perguntou ao tempo
Quanto tempo, o tempo tem
O tempo respondeu ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto o tempo o tempo tem
Era uma vez um era não era,
Que andava lavrando na serra,
deu por notícia que o pai era morto,
e a mãe por nascer,
deitou-se a um vale abaixo a correr,
Encontrou-se com uma aveleira carregada de romãs,
Deitou-se a ela a colher maçãs,
Veio de lá o ladrão dos marmelos,
“o que estás tu fazendo, ladrão”,
“num faval alheio, a colher pepinos?”
Atirou-lhe com um caroço de ginja à testa
E quebrou-lhe o joelho.
Contos do Mundo
25
Arco-da-velha,
Tira-te daí,
Que as moças bonitas
Não gostam de ti!
Menina bonita
Não sobe à janela
Que bicho mui feio
Carrega com ela;
Se quer alvos ovos,
Arroz com canela,
Menina bonita
Não sobe à janela.
Lá vem o Tio Zé Godinho
A cavalo no burrinho;
O burrinho é fraco,
A cavalo no macaco;
O macaco é valente,
A cavalo na trempre;
A trempre é de ferro,
A cavalo num martelo;
O martelo bate sola,
A cavalo numa bola;
A bola é vermelha,
A cavalo numa telha;
A telha é de barro,
A cavalo num cocharro;
O cocharro é de cortiça,
A cavalo numa chouriça;
A chouriça é preta,
A cavalo numa boleta;
A boleta é doce
O burrinho deu um couce
E acabou-se a papa-doce.
O que está na varanda?
Uma fita de ganga
O que está na panela?
Uma fita amarela
O que está no poço?
Uma casca de tremoço
O que está no telhado?
Um gato malhado
O que está na chaminé?
Uma caixa de rapé
O que está na rua?
Uma espada nua
O que está atrás da porta
Uma vara torta
O que está no ninho?
Um passarinho
Deixa-o no morno
Dá-lhe pãozinho.
Meio-dia batido panela ao lume
Barriga vazia
Macaco pintado
Vindo da Baía
Contos do Mundo
27
Fazendo caretas
À D. Maria.
Eu fui a Viana
A cavalo numa cana
Eu fui ao Porto
A cavalo num burro morto
Eu fui a Braga
A cavalo numa cabra
Eu fui ao Douro
A cavalo num touro
Um, dois, três, quatro
Foi na rua vinte e quatro
Que a mulher matou o gato
Com a ponta do sapato
O sapato derreteu
E a mulher morreu
Arre burro para são Martinho,
Carregado de pão e vinho.
Arre burro para Loulé,
carregado de água pé.
Arre burro para Monção,
carregado de requeijão.
Arre burrinho arre burrinho,
sardinha assada, com pão e vinho.
Provérbios
A
A cavalo dado não se olham os dentes.
A César o que é de César, a Deus o que é de Deus.
A corda sempre parte do lado mais fraco.
A curiosidade matou o gato.
A galinha da vizinha é sempre melhor que a minha.
A grandes males, grandes remédios.
A justiça tarda, mas não falha.
A mentira tem perna curta.
A morte não espera.
A noite é boa conselheira.
À noite todos os gatos são pardos.
A ocasião faz o ladrão.
A palavra é prata, o silêncio é ouro.
A palavras loucas, orelhas moucas.
A pressa é inimiga da perfeição.
À terceira é de vez.
A união faz a força.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Águas passadas não movem moinhos.
Albarda-se o burro à vontade do dono.
Amigos, amigos; negócios, à parte.
Amor com amor se paga.
Ao menino e ao borracho põe sempre Deus a mão por baixo.
Após a tempestade vem a bonança.
As paredes têm ouvidos.
Abril chuvoso e Maio ventoso, fazem o ano formoso.
A primeira esposa foi vassoura, a segunda é senhora.
Contos do Mundo
29
B Bom filho à casa torna.
Burro velho não aprende.
C Cada cabeça, uma sentença.
Cada louco com sua mania.
Cada macaco no seu galho.
Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
Cada um dá o que tem.
Cada um por si, Deus por todos.
Cada um puxa a brasa para a sua sardinha.
Cadelas apressadas, parem cães cegos.
Caiu na rede é peixe.
Candeia que vai à frente alumia duas vezes.
Cão que late não morde.
Casa arrombada, tranca na porta.
Casa de ferreiro, espeto de pau.
Casa onde não há pão, todos brigam e ninguém tem razão.
Cesteiro que faz um cesto faz um cento.
Custa os olhos da cara.
D De Espanha, nem bom vento nem bom casamento.
De boas intenções o inferno está cheio.
De médico, poeta e louco, todo mundo tem um pouco.
De pensar morreu um burro.
De pequenino é que se torce o pepino.
Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer.
Depois da tempestade vem a bonança.
Depois de casa roubada, trancas na porta.
Deus dá nozes a quem não tem dentes e dá dentes a quem não tem
nozes.
Deus escreve direito por linhas tortas.
Devagar com o andor, que o santo é de barro.
Devagar se vai ao longe.
Diz-me com quem tu andas que eu te direi quem tu és.
Dois é bom, três é demais.
Duas cabeças pensam melhor que uma.
E É melhor prevenir do que remediar.
É preciso ver para crer.
Em boca fechada não entra mosca.
Em briga de marido e mulher não se mete a colher.
Em casa de enforcado, não fales em corda.
Em casa de ferreiro, espeto de pau.
Em tempo de guerra, não se limpam armas.
Em terra de cego, quem tem um olho é rei.
Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.
Estamos todos no mesmo barco.
F Fia-te na Virgem e não corras.
Falar é fácil, fazer é que é difícil.
Fazer o bem sem olhar a quem.
Fé em Deus e pé na tábua.
Feio é roubar e não poder carregar.
Filho de peixe sabe nadar.
Contos do Mundo
31
G Gaivotas em terra tempestade no mar.
Gato escaldado de água fria tem medo.
Grão a grão, enche a galinha ao papo.
Guarda de comer não guardes que fazer.
Guarda o melhor tição para a noite de S. João.
H Há males que vem para o bem.
Homem pequenino, ou velhaco ou bom dançarino.
Homem prevenido vale por dois.
J Janeiro molhado, se não cria pão cria gado.
L Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.
Laranja: de manha ouro, à tarde é prata, de noite mata.
Lua nova trovejada, trinta dias é molhada.
M Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo.
Mal virá que bem se fará.
Março marçagão, de manhã Inverno, à tarde Verão.
Mate dois coelhos com uma cajadada.
Muito riso, pouco juízo.
N Não chore sobre o leite derramado.
Não dê o peixe, ensine a pescar.
Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam.
Não há bem que sempre dure, nem mal que sempre se ature.
Não há fumo sem fumaça.
Não há domingo sem missa, nem segunda sem preguiça.
Não há duas sem três.
Não há regra sem excepção, nem mulher sem senão.
Não há fome que não dê em fartura.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Nem tudo que reluz é ouro.
No dia de S. Martinho (11/11) vai à adega e prova o vinho.
Nunca digas: desta água não beberei.
O O barato sai caro.
O feitiço costuma virar contra o feiticeiro.
O que os olhos não vêem o coração não sente.
O saber não ocupa lugar.
O seguro morreu de velho.
Olho por olho, dente por dente.
Onde come um, comem dois.
Onde há fumaça, há fogo.
Os cães ladram e a caravana passa.
Os homens não se medem aos palmos.
Ovelha que berra bocado que perde.
Contos do Mundo
33
P Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera.
Paga o justo pelo pecador.
Palavra de rei não volta atrás.
Palavras não enchem barriga.
Palavras leva-as o vento.
Pancada de amor não dói.
Para baixo, todos os santos ajudam.
Para bom entendedor meia palavra basta.
Para grandes males, grandes remédios.
Pau que nasce torto, tarde ou nunca se endireita.
Pela boca morre o peixe.
Pior cego é o que não quer ver.
Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento.
Pratica o Bem sem olhar a quem.
Presunção e água benta, cada um toma a que quer.
Páscoa em Março, fome ou mortaço.
Q Quando a esmola é demais, o santo desconfia.
Quando a esmola é muita, o pobre desconfia.
Quando a cabeça não pensa, o corpo padece.
Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga.
Quando Maio chegar, quem não arou, há-de arar.
Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Quem avisa amigo é.
Quem anda à chuva molha-se.
Quem boa cama faz, nela se deita.
Quem brinca com fogo queima-se.
Quem cala consente.
Quem canta seus males espanta.
Quem casa não pensa, quem pensa não casa.
Quem casa, quer casa.
Quem com os cães se deita, com pulgas se levanta.
Quem conta um conto aumenta um ponto.
Quem corre por gosto não cansa.
Quem dá aos pobres empresta a Deus.
Quem dá o que tem a mais não é obrigado.
Quem desdenha quer comprar.
Quem diz o que quer, ouve o que não quer.
Quem é vivo sempre aparece.
Quem espera desespera.
Quem espera sempre alcança.
Quem fala o que quer, ouve o que não quer.
Quem muito se abaixa mostra o rabo.
Quem os meus filhos beija, minha boca adoça.
Quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita.
Quem nasceu para dez réis não chega a vintém.
Quem não arrisca, não petisca.
Quem não chora não mama.
Quem não deve não teme.
Quem não quer ser lobo não lhe vista a pele.
Quem não tem cão caça com gato.
Quem não trabuca não manduca.
Quem o feio ama, bonito lhe parece.
Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro ou
não tem arte.
Quem quer faz, quem não quer manda.
Quem procura acha.
Quem semeia ventos colhe tempestades.
Quem tem boca vai à Roma.
Quem tem telhado de vidro não atira pedra no telhado do vizinho.
Quem tem unhas toca guitarra.
Quem tudo quer tudo perde.
Quem vai ao (m)ar perde o lugar.
Contos do Mundo
35
Quem vê cara não vê coração.
Querer é poder.
Quem diz o que quer ouve o que não quer.
R Ri melhor quem ri por último.
Ri-se o roto do esfarrapado e o sujo do mal lavado.
Roma não se fez num só dia.
Roupa suja lava-se em casa.
S Saco vazio não fica em pé.
Santo de casa não faz milagre.
Se a barba significasse respeito, bodes não teriam chifres.
Setembro molhado, figo estragado.
Sinal no peito, mulher de respeito.
T Tal pai, tal filho.
Tantas vezes vai o cântaro à fonte que deixa lá a asa.
Tempo é dinheiro.
Todos os caminhos vão dar a Roma.
Toma lá dá cá.
Tristezas não pagam dívidas.
Tudo é bom quando termina bem.
Tudo o que é demais enjoa.
Tarda mais não falha.
U Uma imagem vale por mil palavras.
Uma mão lava a outra, ambas lavam o rosto.
Um dia é da caça, outro do caçador.
Um homem prevenido vale por dois.
Um mal nunca anda só.
V Vale mais um pássaro na mão que dois voando.
Vozes de burro não chegam ao céu.
Vão-se os anéis, fiquem os dedos.
Z Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades.
Contos do Mundo
37
Lendas
Lenda da Moura Salúquia2
Em 1165, Moura era uma cidade chamada Al-Manijah, capital de
província. Governava então nessa importante cidade uma formosa
moura, de nome Salúquia, filha de Abu-Assan, que se apaixonou pelo
alcaide de Arouche, de seu nome Bráfama.
Chegada a véspera do dia das núpcias, grande alegria reinava no
castelo de Al-Manijah. Salúquia esperava ansiosamente, no alto da
torre, ver surgir o seu noivo, entre os
densos olivedos.
Entretanto Bráfama acompanhado
de brilhante comitiva, cheio de
contentamento e desprovido de
armas, pois ia para um festim e não
para a guerra, deixava Arouche e
tomava caminho da terra da sua
amada, que estava localizada a dez
léguas de distância.
3Imagem
Todo o Alentejo, ao norte e a oeste
de Moura já tinha sido conquistado
pelos cristãos.
El-Rei D. Afonso Henriques, encarregou D. Álvaro Rodrigues e D. Pedro
Rodrigues, dois irmãos fidalgos muito valentes e ilustres, de
2 Recolha oral da lenda de alguns habitantes de Moura.
3 Imagem retirada do blog Melody
conquistarem Al-Manijah, uma das mais importantes cidades
muçulmanas, além do Guadiana;
Estes dois fidalgos, sabedores do que se passava no castelo, foram
esconder-se com o seu exército num olival e aí esperaram o
desventurado alcaide e a sua comitiva para, traiçoeiramente, matarem
os infelizes árabes.
Depois de travada a batalha e de todos estes estarem mortos, os
cristãos despiram-se e vestiram-se com os seus trajes.
Disfarçados de muçulmanos e simulando alegres canções mouriscas,
dirigiram-se à pobre cidade que de nada suspeitava.
Salúquia, ao vê-los, mandou baixar a ponte levadiça, julgando que seu
noivo se aproximava e depressa percebeu que tinha sido traída. Os
invasores ao transporem os muros, baixaram as máscaras de árabes
honrados e começaram a ferir, sem dó, a desprevenida guarnição de
AL-Manijah.
Sabedora do que se passava, a alcaidessa preferiu a morte à escravidão
e num derradeiro esforço, verdadeiramente heróico, tomou as chaves
do castelo e precipitou-se da torre onde se encontrava.
Depois da morte da alcaidessa e da conquista da cidade, os irmãos
Rodrigues, pelo que parece, quando vieram referir-se a Al-Manijah
diziam a terra de moura, a vila (que nesse tempo significava cidade) de
Moura.
Contos do Mundo
39
Serpente do Rio Anas4
Imagem5
Na parte mais ocidental da Europa, a Ibéria,
ainda era conhecida por esse mundo além,
por a terra das Serpentes. Não sabemos se
com razão ou sem ela, o que é certo é que a
Serpente também entra na lenda da
fundação de Serpa. Na verdade, vem de
tempos muito recuados, dos tempos em
que Serpa era só charneca, a lenda de que
as suas terras e as das vizinhanças eram
domínio de uma serpente alada, forte,
vigorosa, que até parecia deitar lume pelas
ventas e que vivia acoitada nas fragas do rio
Anas, hoje chamado Guadiana. Logo que
sentia Serpa em perigo ela se aprestava para
vir em socorro das suas terras, e as defendia, vitoriosamente, de quem
viesse para lhes fazer mal. Deve ter tido muito que lutar, mas o certo é
que Serpa sobreviveu a todos os perigos e hoje é uma vila bonita,
muito castiça, que sabe guardar as suas belezas e tem uma Serpe no
seu brasão a recordar a sua guardiã de outros tempos.
4 Arquivos de Serpa - Edição Câmara Municipal de Serpa
5 Imagem de João Almeida
A Cobra da Quinta do Fidalgo
Era uma vez uma dama muito linda, fidalga, chamada Ana, que estava
encantada e transfigurada em cobra, diferente das outras cobras por
apresentar uma cabeça com farta cabeleira e uns olhos de fogo, muito
vivos e brilhantes. Refugiava-se a Cobra junto de uma frondosa figueira
ali, na Quinta do Fidalgo, à entrada da Vila. Esta Cobra aparecia na
manhã de S. João, com um tesouro, muito rico de ouro e prata, para
dar à pessoa que a desencantasse. Para se dar o desencanto a Cobra
dizia: " Eu não engano ninguém e quem for corajoso que venha
desencantar-me". Na verdade era precisa muita coragem para se
desencantar a cobra da Quinta do Fidalgo, como aqui se conta.
Primeiro era preciso gritar o nome da dama encantada: "Ana".
Ao ouvir este nome a cobra transformava-se em touro que marrava a
torto e a direito. Se o homem corajoso que chamasse pela dama "Ana"
não mostrasse medo o touro transformava-se em Cão Preto. Se o
homem continuasse a não manifestar receio o Cão Preto transfigurava-
se em Cobra encantada que se aproximaria dele e se lhe enroscaria à
cintura dando-lhe um beijo na face. Se o homem corajoso desse,
então, sinais de medo ou repugnância a cobra mordê-lo-ia e o encanto
continuaria. Se o homem valente não mostrasse qualquer temor dar-
se-ia o desencanto, a cobra transformar-se-ia novamente na linda e
nobre Senhora chamada Ana e o homem sem medo ficaria rico para
toda a vida com o tesouro de ouro e prata.
Esta é a lenda da Cobra da Quinta dos Fidalgos e há muitos anos que já
se não fala nela. Ninguém sabe se apareceu o homem sem medo que
tenha desencantado a dama chamada Ana.
Contos do Mundo
41
A Lenda da Costureirinha6
Entre as crenças que algum dia existiram no Baixo Alentejo, a da
costureirinha era uma das mais conhecidas. Não é difícil, ainda hoje,
encontrar pessoas de alguma idade, e não tanta como isso... que
ouviram a costureirinha. O que se ouvia, então? Segundo diversos
testemunhos, ouvia-se distintamente o som de uma máquina de
costura, das antigas, de pedal, assim como o cortar de uma linha e até
mesmo, segundo alguns relatos, o som de uma tesoura a ser pousada.
Um trabalho de costura, portanto. O som trepidante da máquina podia
provir de qualquer parte da casa: cozinha, quarto de dormir, a casa de
fora, e até mesmo de alpendres. De tal modo era familiar a sua
presença nos lares alentejanos que não infundia medo. Era a
costureirinha.
Mas quem era ela? Afirma a tradição que se tratava de uma costureira
que, em vida, costumava trabalhar ao domingo, não respeitando,
portanto, o dia sagrado. É esta a versão mais conhecida no Alentejo.
Outra versão afirma que a costureirinha não cumprira uma promessa
feita a S. Francisco. Esta última versão aparece referenciada num
exemplar do Diário de Notícias do ano 1914 em notícia oriunda de
aldeias do Ribatejo. Pelo não cumprimento dos seus deveres religiosos,
a costureirinha fora a condenada, após a morte, a errar pelo mundo
dos vivos durante algum tempo, para se redimir. No fundo, a
costureirinha é uma alma penada que expia os seus pecados, de
acordo com a crença que os pecados do mundo, o desrespeito pelas
coisas sagradas e, nomeadamente, o não cumprimento de promessas
feitas a Deus ou aos Santos podiam levar à errância, depois da morte.
Já não se houve, agora, a costureirinha? Terminou já o seu fado, expiou
o castigo e descansa em paz? A urbanização moderna, a luz eléctrica,
os serões da TV, afastaram-na do nosso convívio. Desapareceu,
6 Lenda retirada da obra “Contos tradicionais e populares de Moura”
naturalmente, com a transformação de uma sociedade rural arcaica,
que tinha os seus medos, os seus mitos, as suas crenças e o seu modo
de ser e de estar na vida.
Imagem7
A menina e o lobo8
Naquele ano eram os
princípios de Maio. Saíra do
povoado uma mulher montada
num burrico, levando à testeira
da albarda uma filhinha que,
de anos, teria meia dúzia.
Deixando para trás o outeiro
da Penha Ventosa, enveredou
pelo velho caminho de cabras,
em direcção a um barranco lá para os lados de Fornilhos.
(…) Para além de umas velhas azinheiras lá estava um regato
gorgolejando águas para o Ardila.
(…) – Espera, filha, segura-te! Vamos descer e lavamos aqui! Boa água,
boa lenha para levarmos à tarde!
(…) A pequenita que se rebolara nas ervas e entretivera a apanhar
flores de margaça, ouviu um grilo que trilava talvez a uns dois metros.
Aproximou-se. Com o ruído dos seus passitos o grilo calou-se e a
pequenita ficou ouvindo outro grilo a maior distância. Insistindo na
curiosidade, também esse se calou e logo outro por detrás de um
silvado se fazia ouvir. Desanimando de ver o bicho, que cantava por
entre as ervas, foi surpreendida pela música de um melro folgazão e
assim foi andando na sua curiosidade e no emaranhado dos matagais
até afastar-se da mãe e perderam-se uma à outra. Quando esta deu
pela falta da filha, correu por entre o bosque, chamando e gritando em
7 Imagem de autoria de José Santana - aluno da Escola Profissional de Moura,
de nacionalidade portuguesa 8 Lenda retirada da obra “Contos tradicionais e populares de Moura”
Contos do Mundo
43
pranto, mas a miúda vencida pelo sono, não ouvia a mãe que em vão a
procurou.
Correu a mulher aflita à aldeia e com vizinhos e caçadores, toda a noite
e dias seguintes e procurou mas de balde. Até que muitos dias depois,
foi encontrada por um pastor, brincando muito contente como se nada
a preocupasse, dizendo apenas que queria ir à mãe, o que logo
sucedeu. A criança explicou então que uma senhora lhe aparecia a dar
de comer e lhe dera também uma vara para se defender dos bichos
maus. Isto foi tomado como um grande milagre de Nossa Senhora e
pintado em quadro e oferecido à Senhora do Carmo de Moura onde se
via a menina com a vara afugentando um lobo.
Lenda do Sino e de Nossa Senhora9
Uma mulher que vivia no Castelo, ouvia os mais dos dias o toque de
um sino, uma música suave para a parte da ermida de Santa Ana
(ermida junto ao Castelo, entre o Norte e o Poente e nos tempos
antigos pouco frequentada). Examinando com muita curiosidade o que
ouvia mais se certificava, o que fez presente a algumas pessoas que
curiosas acreditavam naquele sitio, e não desmentindo a sua diligência
no efeito, o mesmo que a mulher afirmava, investigaram mais curiosos
o sítio e vieram a entender que não era na ermida, mas sim junto da
porta dela, cavaram a terra, acharam os princípios de um poço,
seguiram-no abaixo e no fundo descobriram a imagem Santíssima de
Nossa Senhora que é a que está na Capela-Mor, e um sino que é o que
serve de relógio. Colocaram a imagem no altar da mesma ermida e
ficou continuando em seu culto e devoção dos poucos moradores.
O sino que se achou no poço, quiseram levar para o Convento de
Lisboa e que chegando a carreta em que o levaram, a levaram a pouca
distância na estrada da Barca, se quebrou por três vezes, e no lugar em
9 Lenda retirada da obra “Contos tradicionais e populares de Moura”
que o sino caíra, se abrira a fonte que vemos naquele lugar com o
nome da Santa.
O sino o mesmo que existe neste ano de 1721, fundiu-se de novo, por
se haver quebrado.
A menina e a velha10
É rom çet´irmõi i uma irmã; u Z irmõi` çe fôrom a currê mundu, i a
ficarom a ela çó. Ela um dia fôi a labá ali a um barrancu i çe tirô uma
toca que lebaba, y béyu uma águia i çe là lebô; i agora ela çe foi
correndu, i dizendu: «Àguita, dá-mi a minha tuquita». A águia le dizia:
«Anda mái para dianti, que ondi êhtão u`teuz irmõi t´a dô». A águia foi
i a dêxô caí´ençima duma xóça, i a rapariga xigô lá, abriu a porta da
xóça i çe dêxô êhtá ali ata que bierom’u Z irmõi’, i logu à noiti berom.
Eli’nunca mau’ quizeronm que ela çe fôçi, para que ficaçi ali tratando
deli’. Dali logu a treh dia’fôi a buhcá açelga, y encontro uma bêlha, i le
dice: «Nã báya tã longi, dêxa que eu lebu aqui e te dô». I éla çe fôi, i à
noite, quandu bierom u z irmõi’ehtiberom jantandu, ma´z ela nã tinha
bontadi, i nã cumêu. Á ôtro dia çe lebantô i ehtabom u z irmõi’-
fêtu’em boi’, i logu ela nã têbi mai’remediu que lebalu’a cumê púlu
campu.
Dali a dói z õ treh dia’foi, paço por um caminhu dondi a biu u Rei, i le
diçe purquê ehtaba ela ali, i ela le ehtebi contandu. U Rei antão le diçe
que çe dexáçe ehtá ali çubida num arbu, que eli ia lebá u’boi’i bôltaba a
buhcá-la. Debáxu du arbu ehtaba uma fonti ela bia a çombra dela, y
por acazu beyu uma bêlha a buhcá água, i ó bê a çombra, dizia: «Ê tã
guapa i tã furmoza…Bi’pur agua aqui á poça!»
Partiu u cântaru, i çe foi a caza. Açim beyu dói z ó trê dia, até que beyu
cõ um de lata; i ehti já não era capá de partilu; i tantu’golpi’le deu, que
a rapariga çe riu. A bêlha, au bê-la le diçe: «Que fázi z aí çubida ? I
antão a rapariga l’ehtebi côntandu que ehtaba êhperându u Rei. E ela
10
História escrita na pronúncia de Barrancos
Contos do Mundo
45
le diçe: «Báxa-te, que te penteyu para que ehreja’mãi’guapa, quandu
eli benha.» A rapariga çe fê cázu, i quandu a ehtaba pentiandu le tanxô
um alfineti na cabeça: çe fê numa pomba i çe foi buandu; e dêpoi’a
bêlha çubiu êncima du arbru, i ehperô u Rei. Quandu ehti beyu, i a biu,
le diçe: «Tã guápa que te dêxê, i tã fêa que te tei’pôthu!» I ela le
rehpondeu: «Bôncê tantu çe têi tardadu. Que u çol me t~ei turrado» U
réi antão ç’a lebô, i çe cazô cu’éla. Lógu dêpoi’dé algum tempu
apareçia a pomba áu jardim i cantaba açina: « Cômu bai u réi com çua
rica môra?» «Bei, çinhôra!» «I u mininu canta ô xôra?» «Canta,
çinhôra.» «Ieu pur ehiticampu’çó i u’ mê’ trhti z irmanitu’acariandu cá i
terra para u campu da Môra! U réi áu ôbi ihtu, tratô de culhê a pomba,
ma z êli armaba u laçu i a bêlha u tiraba; ata que um dia a culhéu. Eli a
trataba muntu bêi, çó a bêlha é que trataba má’. Um dia ehtaba u rei
paçandu a mão pela cabeça da pomba, i au bê um búltu na cabeça
puxô, i era u alfineti. Antão foi, çe fê furmóza u mehmu que era, i
l’ehrebi cóntandu tudu; çe cazarom e matarom a bêlha; i ali ficaram
bibendu.
Tradução (resumo)
Sete irmãos foram correr mundo, ficando em casa a irmã. Um dia ela
foi lavar e uma águia levou-lhe a touca. Pediu-a à águia, que a levou
também à cabana onde estavam os manos. Eles quiseram que ela
ficasse a trabalhar para eles. Dias depois foi apanhar acelgas e
encontrou uma velha que lhe deu das que ela levava. Ao jantar, a moça
não quis comer, mas os irmãos sim, ficando eles transformados em boi.
E ela teve de os levar a pastar. Encontrou o rei e contou-lhe o que se
passara e ele disse-lhe que fosse ela para cima de uma árvore e o
esperasse, que ele levaria os bois e voltaria. Por baixo da árvore havia
uma fonte e foi lá uma velha que acabou por convencer a moça a
deixar-se pentear. Ela deixou e a velha espetou-lhe um alfinete na
cabeça, transformando-a numa pomba. Foi então ela para cima da
árvore. Quando veio o rei estranhou a diferença e ela respondeu que
ele demorara tanto que o sol a queimara. E levou-a com ele. Depois, no
jardim apareceu a pomba a fazer-lhe perguntas. Conseguiu o rei
apanhá-la e ao passar a mão pela cabecinha encontrou o alfinete e
tirou-o. Apareceu então a moça. Mataram a velha e viveram felizes
para sempre.
A Lenda de Beja11
Há muitos, muitos anos atrás, no local onde se encontra hoje a cidade
de Beja, vivia um pequeno povo em cabanas de colmo. Todos os
campos lavrados e semeados que hoje avistamos, em redor da cidade
de Beja, eram em tempos longínquos, um grande
matagal, onde o homem, em alguns sítios,
quase não conseguia entrar. Assim, o povo que
aqui habitava sobrevivia da caça que fazia na
vasta floresta, que albergava um grande
número de animais.
Entre os animais que viviam nesta grande
floresta, havia uma serpente monstruosa,
maior do que podemos imaginar. Esta serpente
gigante percorria todo o matagal que existia em
redor da pequena povoação, devorando e destruindo tudo o que
encontrava no seu caminho.
Os habitantes viviam em constante sobressalto, pensando no dia em
que poderiam encontrar nas suas caçadas a terrível serpente que, sem
dó nem piedade, os devoraria num abrir e fechar de olhos, aliás, o que
já acontecera a algumas infortunadas pessoas que saíram para as suas
caçadas e nunca mais voltaram.
Mas certo dia, um dos habitantes desta pequena povoação, conhecido
pela sua coragem e mestria na resolução de problemas, teve uma
brilhante ideia: envenenar um toiro e deitá-lo para a floresta onde
existia a tenebrível serpente.
11
Beja é capital do distrito de Beja, da região do Baixo Alentejo
Contos do Mundo
47
Este valente homem reuniu o povo e explicou a sua ideia de envenenar
um toiro e levá-lo para a floresta, onde seria certamente devorado pela
serpente, que morreria envenenada ao comer o pobre animal. Depois
de um longo debate, todos concordaram com esta arriscada ideia.
Então, envenenaram um robusto toiro, que era visto
esperançosamente como o salvador desta amedrontada gente, e
partiram para a arriscada tarefa de colocá-lo na grande e perigosa
floresta, onde a monstruosa serpente costumava fazer as suas vítimas.
Com muito custo, lá conseguiram deixar o toiro na floresta. Contou que
ouviu que, entre a serpente e o toiro, ainda houve uma tremenda luta,
pois o toiro ainda estava vivo quando fora encontrado pela horrenda
serpente. Mas o toiro foi vencido pelo efeito do veneno e foi devorado
pela gigantesca serpente.
Passados alguns dias, a serpente foi encontrada morta ao lado dos
restos do toiro salvador.
Diz-se então que a cabeça de toiro que se encontra no brasão da
cidade de Beja originou desta lenda e representa também a riqueza da
região em cabeças de gado.
A Lenda da Serpínia
Era uma vez uma jovem e linda Princesa, chamada Serpínia, que vivia
nas longes terras do outro lado da Ibéria, lá para os altos Pirineus. Seu
pai, Cófilas, rei dos túrdulos, tribo da Ibéria, era um homem bom.
Num País vizinho, vivia um outro rei, de raça, celta, que era cruel e
muito ambicioso, Rolarte de seu nome, que quando viu a formosa
princesa quis casar com ela. Mas a princesa não se agradou dele.
Um dia um Príncipe, Orosiano, visitou o Rei Cófilas e a sua filha
Serpínia. Os dois príncipes gostaram um do outro e combinaram casar.
Mas o rei Rolarte, quando soube, não gostou que Serpínia fosse dada
em casamento a Orosiano e jurou vingar-se tratando logo de reunir os
seus soldados e de fazer guerra a Orosiano.
O Noivo de Serpínia morreu e Rolarte ficou ferido.
O Rei dos Celtas não ficou satisfeito com a morte de Orasiano a jurou
fazer guerra ao pai de Serpínia, mas este, informado do que Rolarte
preparava, abalou para as longínquas paragens da outra banda da
Península Ibérica.
E andaram, andaram até chegarem a um sítio onde a Princesa se sentiu
encantada com as formosas Terras que seus belos olhos avistavam.
Campos recobertos de luxuriantes verduras, flores campestres a
perfumarem os ares que respirava, tudo prenunciando abundância de
água, de terras férteis, ubérrimas.
Serpínia logo deu parte a seu pai de que gostava destes sítios. Cófilas
examinou a região. Tudo aparentava terras fartas e amenidade de
clima. Perto corria o Ana. Por toda a parte se viam Oliveiras, muitas
Oliveiras, a garantir alimento, untura, tempero e luz na candeia.
E logo ali acamparam e escolheram local para construir uma cidade
que ficou a ser a capital de novo reino. E em homenagem a Serpínia, a
formosa filha do Rei Cófilas, à nova cidade se ficou chamando Serpe.
Esta seria a capital da Turdetânia, o novo reino criado na região do
Ana, hoje chamado Guadiana, e que se estendia até ao mar.
Tempos depois chegou a Serpe a notícia da vinda até um Porto do
Ana, aonde chegavam as águas salgadas do mar, de barcos Fenícios -
povo de navegadores que vivia no Norte de África. Cófilas, Rei dos
Túrdulos, fez aliança com os chefes Fenícios e, naquele porto,
construíram uma cadeia a que deram o nome de Mirtilis, em honra da
Deusa Mirto, sua mãe que o teve de Mercúrio.
Em um dos barcos vinha um Príncipe, jovem, guerreiro e bem parecido,
que ao ver Serpínia se apaixonou por ela. E Serpínia amou Polípio, o
belo Príncipe Fenício. E logo ficaram noivos.
Polípio regressou à Fenícia. E Serpínia, enquanto esperava o seu noivo,
dedicava-se à caça pelo que seu pai lhe construiu, à beira do Rio
Limosine, que ia desaguar no Ana, um castelo onde ela ficava quando
ia caçar. Ali havia muitos loendros e Serpínia deu à sua nova casa o
nome de Castelo de Loendros.
Contos do Mundo
49
Imagem12
Serpínia já tinha esquecido
Rolarte, mas Rolarte não
esquecera Serpínia, nem a
vingança de que lhe jurara.
E uma noite, noite escura como
breu, o Castelo dos Loendros foi
atacado por Rolarte e os seus
soldados. Mas o Rei dos Celtas foi
vencido pelos soldados de Cófilas
que guardavam o castelo de
Serpínia. Com medo de novos
ataques a princesa mandou aviso
ao pai, que estava em Mirtilis, que
hoje se chama Mértola, o qual regressou com muitos soldados, e que
esporeando os seus corcéis corriam a toda a brida na companhia de
Polípio, o príncipe noivo, que já tinha regressado da Fenícia para as
bodas com Serpínia.
Rolarte voltou a assaltar o castelo mas este, que tinha agora muita
tropa, venceu os soldados de Rolarte e o Rei dos Celtas fugiu e foi
morrer afogado no Ana. Serpínia casou com Polípio e os noivos foram
para a Fenícia. Serpe, que recorda a linda princesa Serpínia e que
sempre manteve o seu nome, é hoje a Serpa em que vivemos.
12
Imagem de Lucas Fracalossi
Nossa Senhora das Pazes13
Há uma lenda antiga
Que conheço desde criança,
E em que a crença popular
Inspira confiança,
Que nos conta
Que, em tempos idos,
Já muito distantes
E por todos esquecidos,
Houvera uma briga
Nos terrenos constantes
Entre Ficalho e Chança.
Eram aos montes, os
feridos,
E imensos os gemidos!... 14
Imagem
Não havendo esperança
De a luta parar,
Nem de se esboçar
Uma leve bonança,
A luta crescia, crescia!...
Era cada vez mais forte!...
Para muitos,
Já tinha chegado a morte!
O povo olhava,
Assustado e aturdido, aquela luta sem igual, julgando-se
Perdido
O próprio torrão natal.
13
Esta lenda pertence à Freguesia de Vila Verde de Ficalho, concelho de Serpa, distrito de Beja 14
Imagem retirada do blog Fotos de Ficalho
Contos do Mundo
51
Havia promessas,
Preces em oração!
Havia gritos aflitivos
Que trespassavam o coração.
No momento de grande confusão,
A luz brilhante do dia
Empalideceu,
Quase
De todo
Escureceu.
Que sucedia?
Sim,
Que é que acontecia
Para que,
Naquele esplendor de luz,
A própria se escondia?
Nas trevas formadas na ocasião
Uma luz nova surgia,
Brilhante,
Iluminando,
Nesse instante,
A imagem de Maria
Ante essa visão,
Os guerreiros,
Que, até então,
Lutando com valentia,
Espalhavam
De toda a sorte,
A dor e a morte,
Tornaram-se incapazes.
Tudo ficou em completa inacção.
A Virgem Maria,
Que,
Nessa visão,
Era das Pazes,
Em amigos os convertia.
Foi dessa visão feliz,
Que esta lenda datou,
Que o povo de Ficalho,
Segue,
Crente,
A fé que criou.
Para consagrar a aparição,
No lugar da contenda
Numa ermida se ergueu
Bela e alvinitente.
E com devoção,
O povo contente,
Ante a alegria pura dos rapazes,
Celebra em cada ano,
A festa das Pazes.15
15
Texto de autoria de Rigo Valente, de nacionalidade portuguesa.
Contos do Mundo
53
A lenda de Nossa Senhora das Necessidades16
Num fraguedo de uma herdade
Em cima de uma rochinha
Apareceu a Virgem das Necessidades
Do tamanho de uma bonequinha
Um pastor que por ali passou
Com o seu gado a pastar
Ao ver a bonequinha tão linda
Tratou logo de a levar
Andou todo o dia muito contente
A pensar na alegria que ia dar
Levar tão linda bonequinha
Para sua filhinha brincar
Já tarde ao chegar à malhada
Muita alegria disse para a filha:
Hoje trouxe-te uma boneca
Vai vê-la que está dentro da mochila
A miúda muito contente
A bonequinha foi logo buscar
Mas ao ver a mochila vazia
Ela se pôs a chorar
16
Retirado da obra “Lendas e Narrativas de Santo Aleixo da Restauração” – Santo Aleixo da Restauração pertence ao concelho de Moura, distrito de Beja.
O pastor muito aborrecido
Sem saber que pensar
Disse-lhe: Não chores filha
Que eu amanhã a vou procurar
De manhã cedo com o seu gado
Pelos mesmos passos a foi procurar
Depois de o terreno ter percorrido
Em cima da rochinha a foi encontrar
Ele logo a apanhou
E na mochila a meteu
Mas ao chegar à malhada
O mesmo caso se deu
A outro pastor que estava próximo
Ele foi contar o sucedido
O pastor muito sério lhe disse:
Isto é milagre meu amigo
No dia seguinte o caso foi contado
A todos que por ali passaram
Todos quiseram ir certificar-se
Porque em milagre não acreditaram
Quando iam já muito próximo
A Santinha todos puderam ver
Mas ao dela se aproximarem
Todos a viram desaparecer
Contos do Mundo
55
A olhar uns para os outros disseram:
Ela é Santinha mesmo a valer
E ela quer aqui uma Igreja
E nós todos lhe a vamos fazer
E muito em breve de tudo foram tratar
Mas vendo o terreno da frente mais direito
Resolveram fazer ali a igreja
Porque ficava melhor e fazia mais jeito
Todos começaram logo a trabalhar
Com muita fé e muita devoção
Mas ao lá chegarem no dia seguinte
Todo o seu trabalho eles viram no chão
Sem zangas nem azedumes
Começaram novamente a trabalhar
Mas novamente no outro dia
Tudo caído eles foram encontrar
Foi então quando um deles disse:
A Santinha não quer a Igreja aqui
Ela quer que se faça onde ela aparece
E nós vamos faze-la ali
Depressa tudo para lá mudaram
Começando logo todos a trabalhar
Ela parecia-lhe que não faziam nada
Mas o seu trabalho eles viam aumentar
Muito em breve a Igreja ficou pronta
Com a imagem da Santinha e seu altar
Todos lá iam com muita fé e devoção
Aos pés da Santinha ajoelhar e rezar
A Santinha rejeitou melhor terreno
Por de Barrancos ela não querer ser
Ela preferiu rochas e fraguedos
Para a Santo Aleixo ela pertencer
Outro grande milagre a Santinha ali fez
Quando os de Santo Aleixo lá andaram a ceifar
Eles viram vir um fogo com muita rapidez
Já muito próximo deles a chegar.
Logo eles correram a pedir à Santinha
Para lhes valer em tão grande necessidade
Que lhe salva-se todas as searas
E os livra-se de tão grande calamidade
No astro logo apareceu uma nuvem
Que em uma trovoada se transformou
Apagando imediatamente todo o fogo
E todas as searas ela salvou
Todas as searas ela salvou
Algumas delas já ardidas
Mas só as palhas o fogo queimou
Ficando as lindas louras espigas
Com maior fé e devoção
À Santinha todos foram agradecer
Chamando-lhe Nossa Sr.ª das Necessidades
Contos do Mundo
57
Por em tão grande necessidade era lhes valer
Em honra de Nossa Sr.ª das Necessidades
Pois assim se continuou a chamar à Santinha
Todos os anos em Agosto lhe faziam uma festa
Conhecida pela festa da Tomina
De toda a parte vinha muita gente
Alguns até as suas festas traziam
Traziam tambores, guiões e a mocidade
E ao pé da azinheira Benta dormiam
De manha cedo todos abalavam
Com muita pressa e devoção
Todos queriam chegar lá a horas
De acompanhar a Santinha na procissão
Muitos portugueses e espanhóis
Nenhum ano queriam faltar
Eles continuavam sempre a dizer
Que era a melhor festa de Portugal
Depois fizeram lá um Convento de Frades
O Convento da Tomina como todos diziam
Passando a vir muita gente de todas as localidades
Pois de toda a parte Padres e Frades para ali iam
A herdade passou a ser a Coutada dos Frades
Nome que ainda hoje continua a ter
Ainda vem muita gente ver as ruínas
Porque elas são dignas de se ver
Quando acabaram ali os Frades
O Convento começaram a saquear
Os de Santo Aleixo foram buscar a Santinha
Com receio que lhe a fossem roubar
Em Santo Aleixo a festa se continuou a fazer
Com o mesmo respeito e a mesma fé
De toda a parte vinha muita gente
E muitos de bem longe aqui vinham a pé
Na horta de cima à entrada da aldeia
Passaram então as festas ali a ficar
Na véspera de manhã cedo abriam os portões
E todo o dia ali se viam festas a chegar
Depois as festas foram deixando de vir
Mas de oito ainda eu me lembro bem
E de vir a grande filarmónica de Brinches
E grupos de cantares alentejanos também
Hoje as festas já deixaram de vir
Mas a festa ainda se continua a fazer
Ainda vem muita gente de toda a parte
E os nossos emigrantes cá vêm comparecer
Nossa Senhora das Necessidades
Santinha linda e milagrosa
Tu serás sempre protectora
Desta Terra gloriosa
Contos do Mundo
59
Contos Tradicionais
Capuchinho vermelho17
Era uma vez uma menina que vivia numa casinha perto da floresta. O
passatempo preferido da menina era apanhar flores para oferecer à
mãe e à avó. A avó desta menina também vivia numa casa do outro
lado da floresta. Para visitar a avó, a menina tinha que andar muito
pois não podia atravessar a floresta a direito por causa de um lobo que
lá vivia e que apanhava e comia todas as pessoas que por lá passavam.
Um dia, a mãe da menina chamou-a e disse-lhe que ela tinha de levar
um lanche a casa da avó porque ela estava doente e não podia
levantar-se. A mãe avisou
bem a menina para não
entrar na floresta e não se
demorar muito pelo
caminho. A menina colocou
a sua capa com um capuz
vermelho, pegou no cesto
do lanche e saiu para casa
da avó.
18
Imagem
A meio do caminho pensou que seria bom levar um raminho de flores à
avó para a alegrar. Viu umas bem bonitas no caminho na orla da
floresta e começou a apanhá-las. De repente, junto de uma árvore lá
mais adiante, viu umas flores amarelas que ela nunca tinha visto.
17
Obra de Charles Perrault, adaptada para português 18
Imagem retirada do blog Tukakubana
Para apanhá-las tinha que entrar um bocadinho na floresta mas
pensou que se aparecesse alguém, ela teria tempo de fugir.
Entusiasmada com as flores, nem reparou que já tinha entrado
demasiado na floresta e que as árvores e arbustos não a deixavam
encontrar o caminho de volta.
Quando procurava a estrada por onde tinha ido, sentiu alguém atrás
dela. Voltou-se e deu com o focinho do lobo mesmo encostado a ela. O
lobo estava já a pensar que tinha encontrado um belo petisco para
aquele dia mas resolveu conversar um pouco com a menina antes de a
comer. Perguntou-lhe onde ia e quando ouviu dizer que ela ia visitar a
avó ficou todo contente e começou a pensar na maneira de comer as
duas.
Sugeriu à menina divertirem-se um bocadinho e fazerem uma corrida
até casa da avó. A menina começou a pensar que o lobo, afinal, não era
tão mau como se dizia e aceitou fazer a corrida com ele. Partiram os
dois e o lobo, que conhecia muito bem todos os caminhos da floresta,
foi por um atalho e chegou rapidamente a casa da avozinha. Bateu à
porta e disfarçou a voz para fingir que era a menina. Quando entrou,
foi logo para o quarto da avó que ficou muito assustada e desatou aos
gritos.
O lobo abriu a boca e engoliu a avó de uma só vez. Depois, vestiu uma
das camisas de dormir da avó, pôs uma touca na cabeça e deitou-se na
cama à espera que a menina chegasse para comer a sobremesa.
Quando a menina chegou, bateu à porta pensando que tinha ganho a
corrida. O lobo mandou-a entrar fazendo uma voz fininha para fingir
que era a avó. A menina ficou admirada por ver a avó com um aspecto
tão diferente do habitual e pensou que ela devia estar mesmo muito
doente. Perguntou-lhe porque tinha uns olhos tão grandes e o lobo
respondeu, sempre disfarçando a voz, que era para ver melhor a sua
querida netinha. Depois, a menina perguntou porque tinha ela as
orelhas tão grandes e o lobo respondeu que era para a ouvir melhor.
Em seguida, a menina perguntou-lhe porque tinha ela a boca tão
Contos do Mundo
61
grande e o lobo, já sem disfarçar a voz, disse que era para a comer
melhor e saltou da cama para fora para engolir também a menina.
Ela conseguiu sair a correr do quarto antes que o lobo a comesse e
correu para a rua a gritar por socorro. Um caçador que passava ali
perto ouviu os gritos e correu para junto da casa da avó. Assim que viu
o lobo quase a apanhar a menina, apontou-lhe a espingarda e
disparou. O lobo caiu no chão e a menina ouviu os gritos da avó que
estava dentro da barriga do lobo comilão.
O caçador abriu a barriga do lobo com uma faca e a avozinha saiu lá de
dentro muito contente por ainda estar viva. Fizeram uma grande festa
e comeram os três o belo lanche da avó. A partir desse dia toda a gente
podia passear à vontade pela floresta, pois já não tinham que ter medo
do malvado do lobo.
Os três porquinhos19
Era uma vez, na época em que os animais falavam, três porquinhos que
viviam felizes e despreocupados na casa da mãe.
A mãe era óptima, cozinhava e fazia tudo pelos filhos. Porém, dois dos
filhos não a ajudavam em nada e o terceiro sofria em ver a sua mãe
trabalhando sem parar.
Certo dia, a mãe chamou os porquinhos e disse:
- Queridos filhos, vocês já estão bem crescidos. Já é hora de terem
mais responsabilidades e para isso, é bom morarem sozinhos.
A mãe então preparou um lanche reforçado para os seus filhos e
dividiu pelos três as suas economias, para que pudessem comprar
material e construírem uma casa.
19
Obra de Joseph Jacobs, adaptada para português
Estava um bonito dia, ensolarado e brilhante. A mãe porca despediu-se
dos seus filhos:
- Cuidem-se! Sejam sempre unidos! - desejou a mãe.
Os três porquinhos, então, partiram pela floresta em busca de um bom
lugar para construírem a casa. Porém, no caminho começaram a
discordar em relação ao material que usariam para construir o novo
lar.
Cada porquinho queria usar um material diferente.
O primeiro porquinho, um dos preguiçosos foi logo dizendo:
- Não quero ter muito trabalho! Dá para construir uma boa casa com
um monte de palha e ainda sobra dinheiro para comprar outras coisas.
O porquinho mais sábio advertiu:
- Uma casa de palha não é nada segura.
O outro porquinho preguiçoso, o irmão do meio, também deu o seu
palpite:
- Prefiro uma casa de madeira, é mais resistente e muito prática.
Quero ter muito tempo para descansar e brincar.
- Uma casa toda de madeira também não é segura - comentou o mais
velho - Como te vais proteger do frio? E se um lobo aparecer, como te
vais proteger?
- Eu nunca vi um lobo por estas bandas e, se fizer frio, acendo uma
fogueira para me aquecer! - respondeu o irmão do meio - E tu, o que
pretendes fazer, vais brincar connosco depois da construção da casa?
- Já que cada um vai fazer uma casa, eu farei uma casa de tijolos, que é
resistente. Só quando acabar é que poderei brincar – respondeu o mais
velho.
O porquinho mais velho, o trabalhador, pensava na segurança e no
conforto do novo lar.
Os irmãos mais novos preocupavam-se em não gastar tempo
trabalhando.
- Não vamos enfrentar nenhum perigo para ter a necessidade de
construir uma casa resistente – disse um dos preguiçosos.
Contos do Mundo
63
Cada porquinho escolheu um canto da floresta para construir as
respectivas casas. Contudo, as casas seriam próximas.
O Porquinho da casa de palha, comprou a palha e em poucos minutos
construiu a sua morada. Já estava descansado quando o irmão do
meio, que havia construído a casa de madeira chegou, chamando-o
para ir ver a sua casa.
Ainda era manhã quando os dois porquinhos se dirigiram para a casa
do porquinho mais velho, que construía com tijolos sua morada.
- Ainda não acabaste! Não está nem na metade! Nós agora vamos
almoçar e depois brincar – disse irónico, o porquinho do meio.
O porquinho mais velho porém não ligou aos comentários nem às
risadas, continuou a trabalhar, preparava o cimento e montava as
paredes de tijolos. Após três dias de trabalho intenso, a casa de tijolos
estava pronta, e era linda!
20
Imagem
Os dias foram passando,
até que um lobo
percebeu que havia
porquinhos morando
naquela parte da floresta.
O lobo sentiu a sua
barriga a roncar de fome,
só pensava em comer os
porquinhos.
20
Imagem retirada do site Cultura e Diversão
Foi então bater na porta do porquinho mais novo, o da casa de palha.
O porquinho antes de abrir a porta olhou pela janela e avistando o lobo
começou a tremer de medo.
O lobo bateu mais uma vez, o porquinho então, resolveu tentar
intimidar o lobo:
- Vai-te embora! Só abrirei a porta para o meu pai, o grande leão! -
mentiu o porquinho cheio de medo.
- Não sabia que o leão era o pai do porquinho. Abre já essa porta –
disse o lobo com um grito assustador.
O porquinho continuou quieto, tremendo de medo.
- Se não abrires por bem, abrirei à força. Eu vou soprar muito forte e a
tua casa irá voar.
O porquinho ficou desesperado, mas continuou resistindo. Até que o
lobo soprou uma vez e nada aconteceu, soprou novamente e da palha
da casinha nada restou, a casa voou pelos ares. O porquinho
desesperado correu em direcção à casinha de madeira do seu irmão.
O lobo correu atrás.
Chegando lá, o irmão do meio estava sentado na varanda da casinha.
- Corre, corre e entra dentro da casa! O lobo vem aí! – gritou
desesperado, correndo o porquinho mais novo.
Os dois porquinhos entraram a tempo na casa, o lobo chegou logo
atrás batendo com força na porta.
Os porquinhos tremiam de medo. O lobo então bateu na porta
dizendo:
- Porquinhos, deixem-me entrar só um bocadinho! - De forma alguma
lobo, vai-te embora e deixa-nos em paz - disseram os porquinhos.
- Então eu vou soprar e soprar e farei a casinha voar. O lobo então
furioso e esfomeado, encheu o peito de ar e soprou forte a casinha de
madeira que não aguentou e caiu.
Os porquinhos aproveitaram a falta de fôlego do lobo e correram para
a casinha do irmão mais velho.
Chegando lá pediram ajuda ao mesmo.
Contos do Mundo
65
- Entrem, deixem esse lobo comigo! - disse confiante o porquinho mais
velho.
Logo o lobo chegou e tornou a atormentá-los:
- Porquinhos, porquinhos, deixem-me entrar!
- Não vais entrar seu lobo mau! - respondeu o porquinho mais velho.
- Já que é assim, preparem-se para correr. Esta casa em poucos
minutos irá voar! O lobo encheu seus pulmões de ar e soprou a casinha
de tijolos que nada sofreu.
Soprou novamente mais forte e nada.
Resolveu então jogar-se contra a casa na tentativa de derrubá-la. Mas
nada abalava a sólida casa.
O lobo resolveu então voltar para a sua toca e descansar até o dia
seguinte.
Os porquinhos assistiram a tudo pela janela do andar superior da casa.
Os dois mais novos comemoraram quando perceberam que o lobo foi
embora.
- Calma, não comemorem ainda! Este lobo é muito esperto, ele não
desistirá antes de aprender uma lição - advertiu o porquinho mais
velho.
No dia seguinte bem cedo o lobo estava de volta à casa de tijolos.
Disfarçado de vendedor de frutas.
- Quem quer comprar frutas fresquinhas? - gritava o lobo
aproximando-se da casa de tijolos.
Os dois porquinhos mais novos ficaram com muita vontade de comer
maçãs e iam abrir a porta quando o irmão mais velho entrou na frente
deles e disse:
- Nunca passou ninguém vendendo nada por aqui antes, não é suspeito
que na manhã seguinte do aparecimento do lobo, surja um vendedor?
Os irmãos acreditaram que era realmente um vendedor, mas
resolveram esperar mais um pouco.
O lobo disfarçado bateu novamente na porta e perguntou:
- Frutas fresquinhas, quem vai querer?
Os porquinhos responderam:
- Não, obrigado.
O lobo insistiu:
- Três sem pagar nada, é um presente.
- Muito obrigado, mas não queremos, temos muitas frutas aqui.
O lobo furioso se revelou:
- Abram logo!
Os porquinhos nada responderam e ficaram aliviados por não terem
caído na mentira do falso vendedor.
De repente ouviram um barulho no tecto. O lobo havia encostado uma
escada e estava subindo ao telhado.
Imediatamente o porquinho mais velho aumentou o fogo da lareira, na
qual cozinhavam uma sopa de legumes.
O lobo enfiou-se pela chaminé, na intenção de surpreender os
porquinhos entrando pela lareira. Foi quando ele caiu bem dentro do
caldeirão de sopa fervendo.
- AUUUUUUU!- Uivou o lobo de dor, saiu correndo disparado em
direcção à porta e nunca mais foi visto por aquelas terras.
Os três porquinhos decidiram então morar juntos daquele dia em
diante. Os mais novos concordaram que precisavam trabalhar além de
descansar e brincar.
Pouco tempo depois, a mãe dos porquinhos não aguentando as
saudades, foi morar com os filhos.
Todos viveram felizes na linda casinha de tijolos.
Contos do Mundo
67
Gato das botas21
Era uma vez um moleiro que tinha três filhos. Um dia, chamou-os para
lhes dizer que ia repartir por eles todos os seus bens.
Ao mais velho deu o moinho, ao do meio deu o burro e ao mais novo
deu o gato.
O filho mais novo ficou muito triste porque o pai não tinha sido justo
para com ele.
Mas, surpresa das surpresas, o gato começou a falar!
- Dá-me um saco e um par de botas.
O rapaz ficou muito espantado e obedecendo ao pedido do gato no dia
seguinte, lá foi comprar um saco e umas botas.
- Aqui estão, meu amigo! - disse ele.
O gato calçou as botas, pegou no saco e lá foi floresta fora. Como era
muito esperto, não demorou muito a apanhar uma lebre bem
gordinha, que a pôs dentro do saco.
Com o pesado saco às costas, o gato dirigiu-se ao castelo do rei e
ofereceu-lhe a lebre, dizendo:
- Majestade, venho da parte do meu amo, o marquês de Carabás,
trago-lhe esta linda lebre de presente.
O rei ficou muito impressionado e contente com aquela atitude e disse:
- Diz ao teu amo que lhe agradeço muito!
Daí em diante o gato repetiu aquele gesto várias vezes, levando vários
presentes ao rei e dizendo sempre que era uma oferta do seu amo.
Um dia, diz o gato a seu amo:
- Senhor, tomai banho neste rio que eu trato de tudo.
O gato esperou que a carruagem do rei passasse junto ao rio onde o
seu amo tomava banho e pôs-se a gritar:
- Socorro! Socorro! O meu amo, o marquês de Carabás, está a afogar-
se! Ajudem-no!
O rei mandou logo parar a carruagem e ajudou o marquês, dando-lhe
belas roupas e convidando-o
21
Obra de Charles Perrault, adaptada para português
a passear com ele e com a filha, a princesa, na carruagem real.
O gato desata então a correr à frente da carruagem. Pela estrada fora,
sempre que via alguém a trabalhar nos campos, pedia-lhes que
dissessem que trabalhavam para o marquês de Carabás.
O rei estava cada vez mais impressionado!
O gato chega por fim ao castelo do gigante, onde todas as coisas eram
grandes e magníficas.
O gato pede para ser recebido pelo gigante e pergunta-lhe:
- É verdade que consegues transformar-te num animal qualquer?
- É! disse o gigante.
Então o gato pede-lhe que se
transforme num rato. E assim foi.
O gato que estava atento, deu um
salto, agarrou o rato e comeu-o.
O rei, a princesa e o marquês de
Carabás chegam ao castelo do
gigante, onde são recebidos pelo
gato:
22Imagem
- Sejam bem vindos à propriedade do
meu amo! diz o gato.
O rei nem queria acreditar no que os
seus olhos viam:
- Tanta riqueza! Tem que casar com a minha filha, senhor marquês - diz
o rei.
E foi assim que, graças ao seu gato, o filho de um moleiro casou com a
princesa mais bela do reino.
22
Imagem retirada do site O Globo
Contos do Mundo
69
A Carochinha e o João Ratão23
Era uma vez uma carochinha que estava a varrer a casa. Depois de
muito bem varrida, foi limpar o pó dos móveis e, com tanta sorte
achou cinco réis no canto duma gaveta.
Acabado este trabalho doméstico, que tantas vezes ela costumava
fazer, foi lavar-se, pentear-se e toucar-se e, em seguida, pôs-se à janela
a ver quem passava na rua.
Não tardou que um cão, que seguia o seu caminho, não passasse por
baixo da janela onde estava a carochinha muito formosa e lavadinha.
Vai daí, o cão vendo-a tão formosa e linda deu-lhe os bons dias e disse:
- Bom dia, Carochinha, tão formosa e bonitinha que estás! Já sei:
achaste cinco réis no canto da gaveta, queres casar comigo?
- Como é a tua voz? – perguntou-lhe ela.
- A minha voz é esta: ão, ão, ão…
- Ai, - lhe diz a Carochinha – que feia que ela é! Não quero, não, que
tenho muito medo!
Alguns minutos depois passou um gato que, agradando-se também da
formosura da carochinha, lhe perguntou:
- Carochinha, queres casar comigo?
- Então como é a tua voz? – perguntou ela.
- A minha fala – respondeu-lhe o gato – é esta: miau, miau, miau,
renhau, nhau…
- Ai, que feia que ela é! não quero, não!
Em seguida, passou pela rua um burro que, igualmente, gostou da
Carochinha e lhe perguntou se ela queria casar com ele.
E, quando a Carochinha lhe pediu que desejava ouvir a sua voz, ficou
horrorizada e cheia de medo quando o burro, abrindo a boca enorme,
soltou um zurro potente e bem timbrado que se fez ouvir à distância.
- Não quero, não, tenho muito medo!
23
História retirada de contos populares portugueses, de Adolfo Coelho e adaptada.
Passaram ainda pela rua um porco, um carneiro e um boi, aos quais ela
disse-lhes que não casava com eles porque eram feios e tinham vozes
tão desagradáveis que metiam medo.
Finalmente passou um rato que, vendo
tão formosa como bela Carochinha, se
apaixonou logo por ela e lhe propôs
casamento.
- Carochinha, queres casar comigo?
- Então como é a tua fala?
- A minha fala – diz-lhe o rato – é esta:
chiu, chiu, chiu…
Imagem24
- Ai que bela voz que tu tens, quero sim,
quero!
Com grande entusiasmo e satisfação dos
noivos e de suas famílias fez-se o casamento, que decorreu, como era
de esperar, no meio de grande alegria e animação.
Era a Carochinha muito devota e crente em Deus, por isso não havia
missa nem festa de igreja a que ela não assistisse.
Vai daí, no primeiro domingo logo a seguir ao casamento, ela depois de
se lavar, pentear, de se toucar devidamente e pôr perfume no cabelo e
no lencinho que costumava meter na manga do vestido, quando saía,
disse para o marido, o João Ratão (era este o seu nome) que se
preparasse de chapéu alto de pêlo, de casaca e botas pretas, e foram
ambos de braço dado à missa.
Chegados à igreja, a Carochinha notou que se havia esquecido das
luvas brancas e pediu ao João Ratão que fosse, depressa, a casa buscá-
las, mas que não demorasse muito.
Também lhe lembrou que não se assomasse à panela que estava ao
lume a ferver, não fosse caso escorregarem-lhe os pés e cair dentro
d’água.
24
Imagem retirada do site “Sonhos Contados”
Contos do Mundo
71
Depois de ouvir com muita atenção o recado e conselho da esposa, o
João Ratão correu a casa a buscar as luvas. Mas, guloso e desobediente
como certos meninos, o João Ratão, depois de ter tirado duma das
gavetas do toucador as lindas luvas brancas, rendadas e perfumadas da
Carochinha, não tendo mão em si, correu à cozinha a ver a panela que
estava ao lume a ferver a bom ferver. Nela tinha a Carochinha deitado
a carne da galinha, a linguiça e o toucinho para se cozerem.
O maroto do João Ratão, rápido como o vento, trepou ao fogão e, com
certo esforço, pois a panela estava muito quente, destapou-a.
A água fervia em cachão, a bom ferver, e vai daí o cheiro a carne cozida
era tão delicioso que fazia criar água na boca ainda aos menos
gastrónomos, o que mais e mais espevitava o apetite devorador de
João Ratão.
Subindo com dificuldade até à borda da panela, pois estava muito
quente, o nosso homem, olhando com olhinhos muito espertos e finos
como os de um rato, já se vê, para dentro e para o fundo da panela, via
surgir à superfície da água para logo desaparecer e mergulhar até ao
fundo, a linguiça, o toucinho e a carne da galinha.
A tentação de João Ratão pela carne era grande e, quando o toucinho
ou a linguiça surgiam à superfície da água a ferver, logo ele lhes atirava
a patinha para a puxar para si. E, tantas vezes repetiu a odisseia que,
escorregando-lhe as patas, caiu na água a ferver.
Vendo, em sobressaltos, que o seu João Ratão já tardava, a Carochinha,
dando-lhe pancada o coração, decidiu tirar-se de dúvidas e correu a
casa.
Foi ao quarto, chamou pelo marido, e ele não respondeu. Foi à sala de
visitas, e à copa, e à casa-de-banho, e nada de ver o marido.
Por fim, foi à cozinha e, como a panela do jantar destapada, assomou a
ela e verificou, com grande pesar seu, que João Ratão estava morto e
cozido dentro dela. Soltou um grande grito de desespero e, cheia de
comoção, lamentava-se deste jeito:
- Ai o meu João Ratão, cozido e assado no caldeirão!
- Ai o meu João Ratão, cozido e assado no caldeirão!
O Frade e a Sopa de Pedra25
Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas
não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:
– Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão,
sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para
fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela
lembrança. Diz o frade:
– Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa
muito boa.
Responderam-lhe:
– Sempre queremos ver isso.
Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:
– Se me emprestassem aí um pucarinho.
26
Imagem
Deram-lhe uma panela de
barro. Ele encheu-a de
água e deitou-lhe a pedra
dentro.
– Agora se me deixassem
estar a panelinha aí ao pé
das brasas.
Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:
– Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.
25
Este conto tem origem em terras escalabitanas, mais concretamente de Almeirim, de onde surgiu a lenda do frade. 26
Imagem com a estátua dedicada ao frade da lenda da sopa da pedra, em Almeirim. Fonte: wikipédia
Contos do Mundo
73
Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa
pasmada para o que via.
Diz o frade, provando o caldo:
– Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.
Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:
-Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o
comeriam.
A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade
limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.
Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:
– Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...
Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e
enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com
vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço;
depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa,
que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:
– Ó senhor frade, então a pedra?
Respondeu o frade:
– A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.
E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.
O conto do periquito27
Era uma vez um periquito e uma periquita. E a mãe mandou o
periquito ao azeite e a periquita ao vinagre, dizendo-lhes “quem cá
chegar primeiro, ganha uma coisinha”.
Como o periquito foi mais rápido, chegou primeiro. E sua mãe que
estava à sua espera, matou-o e com ele fez o almoço. E quando a
periquita chegou disse-lhe a sua mãe “vai levar o almoço ao teu pai”. E
27
Recolha oral gentilmente facultado pela D. Maria Carrasco – aluna da Universidade Sénior de Moura.
quando lá chegou, entregou o almoço a seu pai que o comeu e deitou
os ossos do periquito para baixo de uma laranjeira. E eis que nasce o
periquito carregado de laranjas. E a mãe pede-lhe “dá-me uma
laranja”, ao que o filho responde “não que me mataste”; e o pai pede
“dá-me uma laranja”, e o filho responde “não que me comeste”. E
pede-lhe a irmã “dá-me uma laranja” e o irmão responde “a ti dou-te
todas pois me salvaste”. E diz-se que a esta hora estão os dois irmãos
comendo pão com amoras.
"Atiro a porta mãe?"
Vivia um menino pobre, com sua mãe, nas últimas casas de uma aldeia.
A mãe ia trabalhar, todos os dias, deixando o menino sozinho. Antes de
sair recomendava-lhe:
- Não abras a porta a ninguém, nem mostres as nossas verónicas!
O menino respondia-lhe que fosse descansada, porque ele faria
conforme ela lhe estava a recomendar.
Mas, certo dia, uns homens, que pareciam boas pessoas bateram à
porta e perguntaram ao rapazinho se lá em casa haveria alguma coisa
bonita que ele lhes pudesse mostrar.
O menino correu a buscar as verónicas, que a mãe guardava na
cómoda do quarto. Os ladrões – porque era isso que eles eram –
pegando no saco, imediatamente se foram embora.
Pouco depois, chegou a mãe. O menino estava triste e confessou-lhe o
que se tinha passado. A pobre mulher, vendo-se sem o seu tesouro,
lançou mãos à cabeça e começou a correr estrada abaixo, pelo
caminho que os ladrões tinham seguido.
Entretanto, gritava para o menino que a queria acompanhar:
Fecha a po…o…orta…!!!
Levo a porta, mãe…e…e? – respondia-lhe o menino.
Fecha a po…o…o…orta…!!!
Levo a porta, mãe…e…e?
Contos do Mundo
75
Sem entender o que a mãe lhe
gritava, cada vez mais distante dele,
levantou a porta e começou a
correr, com ela às costas, ao
encontro da sua mãe.
Já muito longe de casa, muito
cansados e sem verem o caminho,
porque, entretanto, o sol já se tinha
posto, mãe e filho resolveram
passar a noite em cima de uma
azinheira, carregando, também, a
porta.
Imagem28
A altas horas, sentem passos… conversas… por entre as árvores do
montado. E, qual não foi o seu espanto quando, precisamente debaixo
da árvore em que eles estavam, se vieram sentar, discutindo, dois
homens carregados de sacos e outros objectos. Eram os ladrões, que
se preparavam para dividir, entre si, o que tinham roubado.
Então começaram:
Pataca a ti...
Pataca a mim…
Pataca a ti... pataca a mim…
A mulherzinha e o filho, em cima da árvore, nem respiravam. A criança
na sua imprudência, murmurava à mãe:
Atiro a porta, mãe?
A mãe, com um gesto, tapava-lhe os lábios, gelada de medo. O menino
continuava:
Atiro a porta, mãe?
E atirou!
28
Imagem de autoria de Sandra Riscador
Os ladrões, pensando que era o céu que lhes caía em cima, puseram-se
em fuga e não mais voltaram.
Foi assim que mãe e filho puderam recuperar não só as suas verónicas,
como também, ganhar muitas outras riquezas que os ladrões
abandonaram no chão, debaixo da azinheira.
Nota:" verónica" – moeda em oiro (segundo Filinto, VII, 228) in
"Dicionário de Língua Portuguesa" de Cândido de Figueiredo.
Corre, corre cabacinha corre
Era uma vez uma velhinha que vivia só, na sua casinha da aldeia.
Certo dia, recebeu uma carta da sua neta, que vivia numa terra
distante. A carta trazia-lhe uma grande alegria – a neta ia casar-se e
convidava a avozinha para assistir ao seu casamento.
Tão contente ficou que imediatamente se pôs a caminho para não
chegar atrasada.
Depois de ter andado alguns quilómetros, surgiu à sua frente um
grande lobo que lhe disse numa voz rouca:
Ai, velhinha, que eu como-te!
Ai, não me comas, que eu estou muito magrinha. Vou ao casamento da
minha neta e, quando de lá voltar, já venho mais gordinha!
Está bem na volta cá te espero! - respondeu o lobo e deixou-a seguir
caminho.
Lá mais adiante, surgiu-lhe na frente um urso, que, pousando-lhe as
patas nos ombros, lhe disse ao ouvido:
Ai, velhinha, que eu como-te!
Ai, não me comas, que eu estou muito magrinha. Vou ao casamento da
minha neta e, quando de lá voltar, já venho mais gordinha!
Tal como o lobo, o urso achou que a velhinha tinha razão e deixou-a
seguir viagem, dizendo:
Está bem na volta cá te espero!
Contos do Mundo
77
Já quase no fim da viagem, uma terceira fera apareceu à velhinha – era
um leão.
Ai, velhinha, que eu como-te!
Ai, não me comas, que eu estou muito magrinha. Vou ao casamento da
minha neta e, quando de lá voltar, já venho mais gordinha!
O leão também achou que era melhor esperar que ela voltasse mais
gordinha. Então disse-lhe:
Está bem na volta cá te espero!
Muito assustada a velhinha continuou o seu caminho até que chegou,
por fim a casa da neta. Contou tudo o que lhe acontecera e a neta
aclamou-a dizendo que não haveria problema nenhum.
O casamento foi muito bonito e a velhinha estava muito feliz.
Mas, quando se decidiu a voltar para a sua casa, começou a ficar com
muito medo. A neta correu ao quintal, cortou a cabacinha maior e mais
redondinha que lá tinha abriu-lhe uma pequena porta e a velhinha
entrou nela. A neta voltou a fechar a cabacinha.
Então a viagem começou quando a cabacinha e a velhinha rebolavam
estrada fora.
A certa altura passaram ao pé do leão, que perguntou:
- Oh cabacinha não viste para aí uma velhinha?
A velhinha de dentro da cabacinha respondeu:
Não vi velhinha, nem velhão
Corre corre cabacinha
Corre corre cabação!!!
O leão fez cara de admirado!
A cabacinha continuou rebolando pela estrada fora.
Um pouco mais à frente estava o urso, esperando. Este resolveu
perguntar:
Oh cabacinha não viste para aí uma velhinha?
De dentro da cabacinha, a mesma voz respondeu:
Não vi velhinha, nem velhão
Corre corre cabacinha
Corre corre cabação!!!
A cabacinha continuou rebolando, rebolando, sempre a toda a pressa.
O urso não percebeu nada do que via e ouvia…
Mais perto de casa estava o lobo esfomeado. Ao ver a cabacinha
perguntou-lhe:
Oh cabacinha não viste para aí uma velhinha?
De dentro da cabacinha a voz da velhinha fez-se ouvir:
Não vi velhinha, nem velhão
Corre corre cabacinha
Corre corre cabação!!!
O lobo pulou de raiva.
Finalmente a nossa velhinha chegou a casa. Não havia mais perigos.
Pela estrada fora tinham ficado, enganados, os seus três inimigos.
A cabacinha salvara-lhe a vida.
Mocho comi!
A Carriça – uma avezinha do bosque – estava muito feliz, no seu ninho,
construído por ela num dos ramos mais altos de um carvalho. Sentia-se
assim tão feliz porque lhe tinha acabado de nascer uma grande
ninhada de filhinhos. Cantava, cantava, para eles, a fim de os
adormecer, como qualquer mãe carinhosa.
Enquanto ela estava assim, neste enlevo, passou por ali uma Raposa
gulosa que imediatamente sonhou com um bom almoço. Muito
matreira dirigiu-se à Carriça, nestes termos:
- Olá, comadre Carriça!
- Estás muito contente, hoje!
- Pudera! Não hei-de estar? Tenho aqui os meus filhinhos junto de mim
e canto para os adormecer.
- Aí, é? Então, atira-me para cá um! – respondeu a raposa.
- Atirar um dos meus filhinhos? Nem penses nisso! Tanto que eu gosto
deles!!!
- Olha que se não me atiras um, cá para baixo, o meu rabo rabazolão
deita o teu carvalho ao chão!!!
Contos do Mundo
79
A pobre mãe, receando um mal maior, atirou, com grande desgosto do
seu coração, um dos carricinhos.
A Raposa imediatamente o engoliu e partiu, nada satisfeita, para outro
lugar.
No dia seguinte, à mesma hora, voltou a passar para junto da grande
árvore onde se encontrava o ninho da Carriça. A pobre avezinha estava
da mesma maneira, a cantar para os filhinhos que ainda tinha.
De novo, a Raposa meteu conversa com a Carriça:
- Então comadre Carriça, continuas contente!!! …
- Contente?! – respondeu-lhe a Carriça. Não sejas má! Canto, mas
estou triste e tu bem sabes porquê!!!
- Ora, ora … Atira-me para cá outro! …
- Outro??? … - respondeu-lhe a Carriça toda indignada - Isso é que eu
não faço! Vai-te embora, malvada! Não tens coração!
- Olha que o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!! –
repetiu a raposa para meter medo à Carriça.
Esta coitadinha, mais uma vez pensou que se o carvalho caísse perderia
os filhinhos! Então, chorando, atirou-lhe mais um dos carricinhos.
A Raposa, depois de o engolir, desatou a correr e desapareceu por
entre as árvores do bosque.
A Carriça ficou soluçando, soluçando…
Mais tarde, passou por ali o Mocho Sábio que é muito amigo de todas
as aves. Ouvindo o choro da Carriça, perguntou-lhe o que se passava.
Esta, pobrezinha, explicou-lhe tudo o que a Raposa lhe dissera e como
já tinha perdido dois dos seus filhinhos.
O Mocho, então, respondeu à Carriça:
- O quê? E tu acreditaste que a Raposa seria capaz de deitar o carvalho
abaixo?!
Ela só diz mentiras! Não tem força para isso! Se ela voltar a passar por
cá e te pedir outro dos teus filhinhos, responde-lhe que experimente a
ver se é capaz de deixar cair uma árvore tão alta e forte.
Está bem? Faz como te digo.
Assim foi. A Carriça, cheia de coragem, esperou que a raposa voltasse!
Mal ela se aproximou, pensando que teria outro bom almoço, já a
Carriça estava preparada para lhe responder.
- Que tens hoje, Carriça, que não cantas?! –
perguntou a Raposa com voz matreira.
- Não, não canto! – respondeu a avezinha
com voz forte.
- Aí, não?! Então se não cantas atira-me cá
para baixo um dos teus bebés!
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- Isso é que tu querias, mas não consegues!
– respondeu a Carriça bem do alto da
árvore!
- Olha que o meu rabo rabazolão deita o
teu carvalho ao chão!!! – respondeu de
novo a raposa.
Então experimenta!
- Vamos ver se és capaz! - disse o Carriça.
Nesse momento, a Raposa compreendeu que ia ficar mal colocada e,
então, disse:
- Estás hoje muito sabida!!! Quem te ensinou isso?!
A Carriça com coragem retorquiu:
- Foi o Mocho Sábio!
- E onde está ele? – perguntou a Raposa.
- Olha, está lá ao fundo em cima da rocha grande!
A Raposa meteu o rabinho entre as pernas e correndo disse " por aí me
sigo ".
O Mocho estava a dormir, muito refastelado, em cima da pedra.
A Raposa, sem fazer ruído, abriu a boca e, de um trago, comeu-o, sem
o mastigar, sequer.
29
Imagem da autoria de Sandra Riscador
Contos do Mundo
81
Mas, como o Mocho sabia muito e era inteligente, dentro do estômago
da raposa pôs-se a pensar na forma como haveria de sair de dentro do
bicho. Tinha que ser mais esperto que a Raposa!
E foi!
Começou a dizer-lhe:
- Ó Raposa, tu de facto, fizeste uma coisa muito importante! Foste
capaz de comer o Mocho Sábio!
Todas os bichos e todas as pessoas deveriam saber isso!!! Olha grita
bem alto: " Mocho comi! " – de maneira que se oiça lá na aldeia!
A raposa que era vaidosa, fez como o Mocho lhe disse, abriu a boca e
gritou:
- Mo…o…o…cho comi…i…!
A ave, aproveitando o momento em que a Raposa tinha a boca aberta,
saiu-lhe rapidamente da goela, gritando:
- Outro, mas não já a mim!
A Gulosa
Era uma vez uma mulher que era casada com um pescador. Como era
muito gulosa e má não fazia comida para o marido. Dava-lhe só pão
com azeitonas. Mas, para ela fazia bons petiscos que comia sozinha.
E depois de os comer sentava-se numa cadeira, refastelada, e dizia:
Estende-te, perna,
Descansa corpinho,
Que lá anda no mar
Quem te há-de dar
Pão e vinho.
Quando o pescador vier,
Coma azeitonas se houver.
De facto, quando o marido chegava a casa, ela só lhe dava pão e
azeitonas, que ela não comia dizendo que já tinha comido. Isto
acontecia todos os dias e o pobre pescador lamentava-se da sua sorte.
Andava ele desconfiado que a mulher comia às escondidas, quando um
dia, indo para o mar, encontrou uma velhinha que lhe disse:
- Não te apoquentes mais que amanhã já comes melhor. Toma lá estas
quatro bonecas e põe uma em cada canto da cozinha, mas que a tua
mulher não veja.
Ele assim fez e abalou para o mar.
Preparava-se a mulher para comer os petiscos, quando ouviu:
(1ª boneca) - O que vai aquela mulher fazer?
(2ª boneca) - Ora ... vai comer !...
(3ª boneca) - Mas o marido não está em casa!
(4ª boneca) - Bem se importa ela com o marido! É uma gulosa!
A mulher, assustada, olhou mas não viu ninguém. Mais sossegada
dispunha-se a comer quando ouviu novamente as mesmas vozes:
(1ª boneca) - O que vai aquela mulher fazer?
(2ª boneca) - Ora ... vai comer !...
(3ª boneca) - Mas o marido não está em casa!
(4ª boneca) - Bem se importa ela com o marido! É uma gulosa!
Então cheia de medo saiu porta fora. Demorou-se por lá muito tempo,
mas tendo fome voltou para casa. Ia mais uma vez tentar comer, logo
ouviu as mesmas vozes. Assustada, resolveu esperar pelo marido para
comerem juntos.
Ficou o pescador admirado com a mudança.
No dia seguinte, antes de sair para o mar, disse-lhe a mulher:
- Olha, vem cedo que eu tenho cá um bom jantarinho. E assim foi, e
nunca mais ela comeu sem o marido.
Tempos depois foi o pescador à procura da velhinha, que era uma fada,
entregou-lhe as bonecas e agradeceu-lhe muito o que lhe tinha feito,
pois agora já era feliz.
Contos do Mundo
83
Contos de Angola
Angola
É um país da costa ocidental de África, cujo
território principal é limitado a norte e a
leste pela República Democrática do
Congo, a leste pela Zâmbia, a sul pela
Namíbia e a oeste pelo Oceano Atlântico.
Angola inclui também o enclave de Cabinda,
através do qual faz fronteira com a República do Congo, a norte. Para
além dos vizinhos já mencionados, Angola é o país mais próximo da
colónia britânica de Santa Helena. Uma antiga colónia de Portugal, foi
colonizada no século XV, e permaneceu como sua colónia até à
independência em 1975. O primeiro europeu a chegar a Angola foi o
explorador português Diogo Cão. A sua capital e maior cidade é
Luanda.
Apesar da maior parte da população viver em pobreza, o país é o
segundo maior produtor de petróleo e exportador de diamante da
África Subsaariana.
Angola, apesar de se localizar numa zona tropical, tem um clima que
não é caracterizado por aquela condição, devido à confluência de três
factores: a corrente fria de Benguela ao longo da parte sul da costa; o
relevo no interior e a influência do deserto do Namibe, a sudeste.
Cerca de 70% da população fala a língua oficial, o Português. As outras
línguas não oficiais e bastantes faladas são os idiomas de origem
Bantú, ou seja o Ovibumdo, o Kimbumdo, o Kikongo, o Lunda, o
Ganguela, o Lutchaze e o Ovampo. O Bochimano, e todos os dialectos
daí provenientes, são falados no sul, por uma pequeníssima minoria,
junto ao Rio Cunene.
O país tem uma população estimada em 13.900.00 habitantes, com
uma densidade populacional de 9 habitantes por km².
Contos Tradicionais
A jibóia, as cobras e o ngungu30
Um dia, a Jibóia31
, rainha das serpentes, idealizou um plano de bom
governo para a sua raça.
Convocou, para isso, todas as cobras e disse-lhes:
Eu tenho por medida acertada e justa que agora todas nós as cobras,
quer as muito grandes, quer as muito pequenas, precisamos de
construir uma mata ou um bosque só para nós, a fim de que nenhuma
pessoa ouse aproximar-se.
É coisa sabida quanto as cobras são perigosas e agressivas, mas
também quanto os homens nos perseguem. Assim, guardar-nos-emos
umas às outras e viveremos largos dias.
Porém, logo uma cobra chamada Toka32
retorquiu:
- Eu ainda que viva sozinha, não há pessoa que me mate, porque a
minha verocidade é tal que, se eu morder a alguém, ela morre mesmo.
Uma outra, a víbora do Gabão disse:
- Também a mim ninguém me matará, porque costumo esconder-me
entre a folhagem e ninguém me vê para me matar, enquanto, se eu
morder uma pessoa, ela morre imediatamente.
Por sua vez, disse a Surucucu33
:
- Eu sou a Surucucu que dá morte instantânea. Voltar de novo a si é ter
muita sorte. O meu veneno é superior ao de todas as outras.
Pessoa que eu morda morre imediatamente.
30
Conto retirado da obra “Histórias angolanas para as crianças”, de Fernando Vale. 31
Grande serpente, que é considerada tradicionalmente como chefe dos répteis. 32
Serpente grande e perigosa, que anda nas árvores e canta de galo. 33
Terrível serpente, que além de ter poderosa força muscular, possui um veneno perigosíssimo.
Contos do Mundo
85
Como, pois, me poderão matar?!
Disse a cobra cuspideira34
:
- Eu lanço um líquido aos olhos do homem e ele fica sem ver. Como
poderá, pois, ele matar-me?!
Todas as cobras contestaram o plano da Jibóia.
Deste modo, não concordaram com as palavras da sua chefe, segundo
a qual deveriam viver todas juntas no mesmo bosque.
Assim, não se tendo estendido, cada uma foi para onde quis.
Ora, passados dias, houve, entre os homens, convocatória para uma
caçada.
Durante ela, um homem encontrou uma cobra e chamou pelos
colegas:
- Amigos, vinde cá depressa…Está aqui uma cobra!
Todos correram para lá e mataram a tal cobra.
Imagem35
34
Cobra venenosa da África, que lança o seu veneno, cuspindo. 35
Imagem retirada do site Petrobras – Energia e vida
Quando ela já estava a morrer, falou e disse:
- Bem dizia a Jibóia, bem dizia a Jibóia…
Alguém perguntou:
- Que cobra é esta?
Os outros responderam:
- É a cobra Toka.
Esta era a tal cobra que mais se opôs ao plano, proposto pela Jibóia.
É por isso que, ainda hoje, quando se mata uma cobra, ela mexe o rabo
para um e outro lado, como que a dizer:
- Bem dizia a Jibóia, bem dizia a Jibóia…
Havia também, no tempo em que os animais falavam, um pássaro
grande, chamado Ngungu36
, que andava sempre a cantar assim:
- É minha, é minha a terra.
Os outros bichos disseram:
- Como é que ele diz: é minha, é minha a terra?! Então, onde está a
terra de nós outros?! Ele anda a abusar de nós e, além disso, insulta
até o próprio Deus que criou a terra para todos cá viverem.
Foi então que a cobra grande, a Jibóia, disse:
- Eu vou lá, só para ver o que ele faz.
A Jibóia foi. Quando lá chegou, o Ngungu não estava. Tinha ido comer.
Então, a Jibóia subiu à árvore, onde Ngungu tinha posto os ovos, e
enrodilhou-se por cima deles.
Quando o Ngungu veio, vendo a Jibóia sobre os ovos, teve medo de se
chegar lá e foi dormir noutro sitio.
Entretanto, pôs-se a pensar:
- Acabo de presenciar uma coisa extraordinária que não consigo
compreender. Eu sou o pássaro Ngungu, por isso ponho os ovos no
alto. Mas aquela minha colega é do chão! Como, pois, subiu ela ao alto
e se pôs em cima dos meus ovos?!
36
Pássaro grande, preto e de enorme bico vermelho.
Contos do Mundo
87
Quando despontou a manhã, o Ngungu tornou a vir, e ainda encontrou
a Jibóia no mesmo lugar. Então, o pássaro disse:
- Vou consultar o adivinho.
Tendo feito a consulta, o adivinho disse-lhe:
- Neste teu caso não há feitiço maléfico, nem assunto relacionado com
os antepassados. O que há tem origem na tua própria boca.
O adivinho acrescentou ainda:
- Ora diz-nos lá como é que costumas falar.
O Ngungu respondeu:
- Eu costumo falar assim: É minha, é minha a terra.
- Então, ele disse:
- Estás a ver?!... Agora vai, mas não voltes a dizer isso: é minha, é
minha a terra. De modo nenhum! Isso é muito mau! Quando chegar a
hora de cantar, diz assim: é nossa, é nossa a terra. E vais ver o
resultado.
O Ngungu regressou à árvore em que morava e lá estava ainda a Jibóia.
Passou sem parar e foi dormir noutro sítio.
Quando chegou a hora dos galos cantarem, cantou ele também cada
vez mais alto:
- É nossa, é nossa a terra! É nossa, é nossa a terra!
Quando despontou a manhã, foi espreitar os ovos e verificou que a
Jibóia já se tinha retirado.
O Ngungu chocou, então, os ovos e tirou os filhos.
Desde aquele dia, o Ngungu já não canta: é minha, é minha a terra,
mas sim: é nossa, é nossa a terra. É nossa, é nossa a terra…
Assim aconteceu e, desta vez, tudo correu bem, porque foram
seguidos os bons conselhos da Jibóia e respeitados os direitos de toda
a gente: pois a terra é de todos, é de todos…
A sabedoria dos velhos37
Uma soba38
fez conluio39
com os jovens do seu território e resolveram
expulsar dali todos os velhos, para ficarem só eles na terra e governar e
governarem-na a seu modo.
Assim fizeram pouco tempo depois.
Porém, um jovem, não concordando com aquilo, conseguiu ainda
esconder no mato o seu idoso tio.
Passaram-se alguns dias. Aconteceu, depois, que, estando o soba a
dormir, veio uma cobra e enroscou-se-lhe ao pescoço.
Quando o soba acordou, viu a cobra enrolada em volta do pescoço e,
não podendo mexer-se, nem falar, apenas fazia sinais com a mão.
A gente daquela terra, quando compreendeu os sinais que o soba fazia,
disse:
- Trazei um pau para matarmos a cobra.
Outros diziam:
- Não…
Outros diziam:
- Não, que atingimos o soba.
Os jovens não sabiam como matar a cobra no pescoço do soba.
Ficou ele com a cobra no pescoço durante muitos dias, sem a poderem
matar.
Entretanto, o soba tinha emagrecido muito.
Então, aquele jovem que tinha escondido, no mato, o seu velho tio, foi
ter com ele e contou-lhe:
- Estes dias não me tens visto porque nós estamos aflitos por causa do
soba. Pois tem uma cobra enroscada no seu pescoço e não a podemos
matar…
37
Conto retirado da obra “Histórias angolanas para as crianças”, de Fernando Vale. 38
Chefe de tribo, na África; régulo. 39
Combinação entre duas ou mais pessoas para prejudicarem outrem.
Contos do Mundo
89
Imagem40
O velho disse:
- Isso sucede assim só
porque os velhos são
maus! E, no entanto, é
muito fácil de resolver.
E o velho ensinou-lhe
como havia de fazer.
Quando o jovem foi ter com os outros, tirou um grilo da terra,
amarrou-o a um fio e prendeu-o perto do soba.
Quando o grilo se pôs a cantar, a cobra saiu do pescoço para ir comer o
grilo.
Então, o jovem pegou num pau e matou a cobra.
O soba, depois disto, levantou-se da cama a cambalear de fraqueza.
Quando o soba se restabeleceu, inquiriu em toda aquela terra quem
era o sábio que o tinha salvado.
Foi-lhe indicado aquele jovem.
Então, o soba perguntou-lhe:
- Onde é que adquiriste essa sabedoria?
O jovem respondeu:
- Recebi-a do meu velho parente que escondi, para que não lhe
acontecesse o que mandaste fazer aos outros anciãos41
.
40
Imagem retirada do blog “Poesias & Afins” 41
Homens de bastante idade, os mais velhos e sabedores.
O soba, sentindo-se já culpado do mal que tinha feito aos outros
velhos, disse:
- Ide chamá-lo.
Foram então chamar o velho tio do jovem.
O soba, reconhecido pelo bem que o velho lhe fizera, deu-lhe, em
compensação, logo uma parte do seu território para ele governar, com
o direito de receber tributos como se fosse um verdadeiro soba.
Contos do Mundo
91
Contos do Brasil
Brasil
Oficialmente República Federativa do
Brasil, é uma república federativa
presidencialista, localizada na América
do Sul, formada pela união de 26
estados federados e pelo Distrito
Federal. O país conta com 5.565
municípios, 191.480.630 habitantes,
bem como uma área de 8.514.876,599
km2, equivalente a 47% do território sul-americano.
Em comparação com os demais países, dispõe do quinto maior
contingente populacional e da quinta maior área. Possui, também,
entre 15 e 20% de toda a biodiversidade mundial, sendo exemplo desta
riqueza a Floresta Amazónica, com 3,6 milhões de quilómetros
quadrados, a Mata Atlântica, o Pantanal e o Cerrado.
Faz fronteira a norte com a Venezuela, com a Guiana, com o Suriname
e com o departamento ultramarino da Guiana Francesa; ao sul com o
Uruguai; a sudoeste com a Argentina e com o Paraguai; a oeste com a
Bolívia e com o Perú e, por fim a noroeste com a Colômbia. Os únicos
países sul-americanos que não têm uma fronteira comum com o Brasil
são o Chile e o Equador. O país é banhado pelo oceano Atlântico ao
longo de toda a sua costa norte, nordeste, sudeste e sul. Além do
território continental, o Brasil também possui alguns grandes grupos
de ilhas no oceano Atlântico como exemplo: Penedos de São Pedro e
São Paulo, Fernando de Noronha (território especial do estado de
Pernambuco) e Trindade e Martim Vaz no Espírito Santo. Há também
um complexo de pequenas ilhas e corais chamado Atol das Rocas (que
pertence ao estado do Rio Grande do Norte).
Apesar de ser o quinto país mais populoso do mundo, o Brasil
apresenta uma das mais baixas densidades populacionais. A maior
parte da população concentra-se ao longo do litoral, enquanto o
interior do país ainda hoje é marcado por enormes vazios
demográficos.
De colonização portuguesa, o Brasil é o único país de língua portuguesa
do continente americano. A sociedade brasileira é uma das mais
multirraciais do mundo, sendo formada por descendentes de
europeus, indígenas, africanos e asiáticos.
Imagem 42
O Brasil utiliza o termo “folclore” para caracterizar os seus contos,
lendas, tradições, crendices, superstições e tradições.
E realmente folclore é um termo lato para designar “(…) um género de
cultura de origem popular, constituído pelos costumes e tradições
populares transmitidos de geração em geração. Todos os povos
possuem as suas tradições, crendices e superstições, que se transmitem
através de lendas, contos, provérbios, canções, danças, artesanato,
42
Imagem retirada do site Flickr
Contos do Mundo
93
jogos, religiosidade, brincadeiras infantis, mitos, idiomas e dialectos
característicos, adivinhações, festas e outras actividades culturais que
nasceram e se desenvolveram com o povo”. (in wikipédia)
Muitos nascem da pura imaginação das pessoas, principalmente dos
moradores das regiões do interior do Brasil. Muitas destas histórias
foram criadas para passar mensagens importantes ou apenas para
assustar as pessoas. O folclore pode ser dividido em lendas e mitos.
Muitos deles deram origem a festas populares, que ocorrem pelos
quatro cantos do país.
Mitos
Boitatá
Representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os
animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que
desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de
origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro.
Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José
de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como
"fogo que corre".
Imagem43
Boto
Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazónica.
Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que
encanta mulheres em bailes e festas. Após a conquista, leva as jovens
para a beira de um rio e engravida-as. Antes da madrugada chegar, ele
mergulha nas águas do rio para transformar-se num boto.
Curiosidade: o mito do boto ó oriunda da Região Norte do Brasil,
geralmente contada para justificar uma gravidez fora do casamento.
43
Imagem retirada do blog “O boitatá”
Contos do Mundo
95
Curupira
Assim como o boitatá, o curupira também é um protector das matas e
dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos
compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que
desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas,
muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.
Lobisomem
Este mito aparece em várias regiões do mundo. Diz o mito que um
homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não
morreu, porém desenvolveu a capacidade de transformar-se em lobo
nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos
aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata no
seu coração seria capaz de matá-lo. Este mito ainda é contado e
passado oralmente com bastante frequência.
Mãe-D'água
Encontramos na mitologia
universal um personagem
muito parecida com a mãe-
d'água: a sereia. Este
personagem tem o corpo
metade de mulher e metade
de peixe. Com seu canto
atraente, consegue encantar
os homens e levá-los para o
fundo das águas.
Imagem44
44
Imagem da tela “Mãe d’água”, sereia das águas amazónicas, retirada do site “Artblog”
Corpo-seco
É uma espécie de assombração que assusta as pessoas nas estradas.
Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer
coisas perversas, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe.
Após a sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma
alma penada.
Pisadeira
É uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar a
barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma
aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio.
Mula-sem-cabeça
Surgido na região interior, conta que uma mulher teve um romance
com um padre. Como castigo, em todas as noites de quinta para sexta-
feira é transformada num animal quadrúpede que galopa e salta sem
parar, enquanto solta fogo pelas narinas.
Imagem45
45
Imagem retirada do site “Galeria de mitos brasileiros”
Contos do Mundo
97
Mãe-de-ouro
Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se
encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como
sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do
Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após
atrair homens casados, fá-los largar as suas famílias.
Saci-Pererê
Imagem46
O Saci-pererê é representado por um
menino negro que tem apenas uma
perna. Sempre com o seu cachimbo e
com um gorro vermelho que lhe dá
poderes mágicos. Como todos os
meninos, faz muitas travessuras e
diverte-se muito com isso. Adora
espantar cavalos, queimar comida e
acordar pessoas com gargalhadas.
Curiosidades: o Saci-Pererê é uma das
personagens mais conhecidas
do folclore brasileiro. Possuí um dia em
sua homenagem: 31 de Outubro.
Provavelmente, surgiu entre povos indígenas da região do Sul do Brasil,
ainda durante o período colonial (possivelmente no final do século
XVIII). Nesta época, era representado por um menino indígena de cor
morena e com um rabo, que vivia na floresta e fazia muitos desacatos.
Porém, ao migrar para o norte do país, o mito e a personagem
sofreram modificações ao receberem influências da cultura africana. O
Saci transformou-se num jovem negro com apenas uma perna, pois,
de acordo com o mito, havia perdido a outra numa luta de capoeira.
46
Imagem retirada do site “O dia”
Passou a ser representado usando um gorro vermelho e um cachimbo,
típico da cultura africana. Até aos dias actuais ele é representado desta
forma.
Contos do Mundo
99
Lenga-lengas
Um, dois, feijão com arroz.
Três, quatro, feijão no prato.
Cinco, seis, chegou minha vez
Sete, oito, comer biscoito
Nove, dez, comer pastéis.
Serra, serra, serrador! Serra o papo do vovô! Quantas tábuas já serrou?
- Uma delas diz um número e as duas, sem soltarem as mãos, dão um
giro completo com os braços, num movimento gracioso. Repetem os
giros até completar o número dito por uma das crianças.
Um elefante amola muita gente...
Dois elefantes... amola, amola muita gente...
Três elefantes... amola, amola, amola muita gente...
Quatro elefantes amola, amola, amola, amola muito mais.. (continua)
– Cala a boca!
– Cala a boca já morri
Quem manda em você sou eu!
- Enganei um bobo...
Na casca do ovo!
Lendas
Lenda do Negrinho do Pastoreio
Havia um menino negro escravo, de catorze anos, que possuía a tarefa
de cuidar do pasto e dos cavalos de um rico fazendeiro. Porém, num
determinado dia, o menino voltou do trabalho e foi acusado pelo
patrão de ter perdido um dos cavalos. O fazendeiro mandou açoitar o
menino, que teve que voltar ao pasto para recuperar o cavalo. Após
horas à procura, não conseguiu encontrar o tal cavalo. Ao retornar à
fazenda foi novamente castigado pelo fazendeiro. Desta vez, o patrão,
para aumentar o castigo colocou o menino sem roupa dentro de um
formigueiro. No dia seguinte, o patrão foi ver a situação do menino
escravo e ficou surpreso. O garoto estava livre, sem nenhum ferimento
e montado no cavalo que havia desaparecido. Conta a lenda que foi
um milagre que salvou o menino, que foi transformado num anjo.
Imagem47
47
Imagem retirada do site “Galeria de mitos brasileiros”
Contos do Mundo
101
Contos de Cabo-Verde
Cabo Verde
É um país africano, arquipélago de
origem vulcânica, constituído por dez
ilhas. Está localizado no Oceano
Atlântico, a 640 km a oeste de Dacar,
Senegal. Outros vizinhos são a
Mauritânia, a Gâmbia e a Guiné-Bissau,
ou seja, todos na faixa costeira ocidental
da África que vai do Cabo Branco às ilhas Bijagós. Curiosamente, o
Cabo Verde que dá nome ao país não se situa nele, mas a centenas de
quilómetros a leste, no Senegal.
Foi descoberto em 1460 por Diogo Gomes ao serviço da coroa
portuguesa, que encontrou as ilhas desabitadas e aparentemente sem
indícios de anterior presença humana. Foi colónia de Portugal desde o
século XV até sua independência em 1975.
A capital de Cabo Verde é a cidade da Praia na Ilha de Santiago que,
juntamente com o Mindelo, na Ilha de São Vicente, são as duas cidades
principais do País. Até 2005 Cabo Verde contava com 17 concelhos. No
primeiro semestre de 2005 foi aprovada pela Assembleia Nacional
cabo-verdiana a constituição de cinco novos concelhos, resultando nos
actuais 22 concelhos, distribuídos pelas 10 ilhas do arquipélago.
Cabo Verde é um arquipélago localizado ao largo da costa da África
Ocidental. As ilhas vulcânicas que o compõem são pequenas e
montanhosas.
Existe um vulcão activo, na ilha do Fogo, que é igualmente o ponto
mais elevado do arquipélago, com 2829 m.
Os Cabo-verdianos são descendentes de antigos escravos africanos e
dos seus senhores portugueses. Grande parte dos Cabo-verdianos
emigra para o estrangeiro, principalmente para os EUA, Portugal e
Brasil. Um facto curioso é que há mais Cabo-verdianos a residir no
estrangeiro que no próprio país.
Imagem48
48
Imagem retirada do blog “Baobab”
Contos do Mundo
103
Contos Tradicionais
O Boi Blimundo
Havia um boi chamado Blimundo. Era grande, forte e amante da vida e
da liberdade. Além disso, era muito amado e respeitado por todos,
pois sabia pensar por si próprio, além de ser muito gentil com todos.
Ao saber da existência de criatura tão autêntica, Senhor Rei perguntou-
se que boi seria esse, que ousava ser tão livre em seus
posicionamentos e fazendo com que os outros bois lhe seguissem o
exemplo. Se ele continuasse assim, quem faria, depois, o trabalho
pesado do reino. Ordenou, então, que Blimundo fosse pego morto ou
vivo, e trazido até à sua presença.
Os homens do Senhor Rei saíram em busca do boi, mas este
encontrou-os primeiro e deu um fim neles. Ao saber da notícia, Senhor
Rei reuniu os homens mais valentes do reino e mandou-os capturar
Blimundo, e os homens partiram.
O boi, novamente, deu cabo dos homens. Quando recebeu tão triste
notícia, Senhor Rei desesperou-se, mas logo ouviu falar de um rapaz
que fora criado no borralho da cinza e que se prontifica a ir buscar
Blimundo. O menino pediu um cavaquinho, um “bli” de água e uma
bolsa de “prentém”. Além disso, quando retornasse queria a metade
da riqueza do reino e a mão da princesa. Senhor Rei concordou e o
jovem partiu.
Então o jovem sai em busca do boi cantando uma canção que deixa
Blimundo encantado, na qual o jovem diz que, se Blimundo for com
ele, casará com a Vaquinha da Praia. O boi pergunta se é verdade, o
rapaz responde que sim. O jovem pede a Blimundo que o deixe
montar, pois o caminho é muito longo. Ele deixa com a condição de
que o rapaz continue cantando. Senhor Rei colocou a tropa em pontos
estratégicos para receber Blimundo. Ao ver o boi chegar, carregando o
rapaz no lombo, cansado e feliz, Senhor Rei não acreditou.
À porta do palácio, o rapaz pediu para descer do lombo de Blimundo a
fim de fazer a barba antes de ser apresentado à Vaquinha da Praia. O
jovem conta o seu plano ao Senhor Rei e leva até ao boi um barbeiro
com os seus instrumentos. Atrás deles, Senhor Rei. O barbeiro,
enquanto Blimundo sonha com o amor da Vaquinha da Praia, corta-lhe
a garganta com a navalha. Antes de morrer, o boi atinge o rei com uma
patada que o mata. O rapaz e o barbeiro fogem, mas jamais esquecem
o último olhar de revolta de uma criatura cujo único erro foi acreditar
na harmonia, na justiça e na liberdade.
Contos do Mundo
105
Contos da China
China
A China é uma região cultural, uma
antiga civilização e, dependendo da
perspectiva, uma entidade nacional
ou multinacional, situada na maior
parte do leste asiático.
A última Guerra Civil Chinesa (cujo
maior combate terminou em 1949)
resultou na formação de duas entidades políticas que usam o nome
China:
República Popular da China (RPC), vulgarmente chamada de China
Comunista ou simplesmente China, tem controlo sobre a China
continental e sobre os territórios auto-governados de Hong Kong
(desde 1997) e Macau (desde 1999).
República da China (RDC), vulgarmente chamada de China Nacionalista
ou Taiwan, tem controlo sobre as ilhas de Taiwan, Pescadores, Kinmen
e Matsu.
A China aparece desde cedo na história das civilizações humanas a
organizar-se enquanto nação (ainda que a identidade nacional chinesa
seja complexa), demonstrando um pioneirismo notável em áreas como
a arte e a ciência, ultrapassando largamente, na altura, o resto do
mundo
Contém uma larga variedade de paisagens, sobretudo planaltos e
montanhas a oeste e terras de menor altitude a leste. É também um
país de grandes montanhas, zonas montanhosas, planícies e colinas
que ocupam 65% da superfície continental.
A população da China é a maior do mundo, somando mais de 1 350
milhões (ou 1,35 bilhão) de habitantes, distribuídos entre a República
Popular da China, com mais de 1 330 milhões de pessoas, e Taiwan,
com mais de 20 milhões de habitantes. Trata-se da maior população do
planeta e representa mais de um quinto do total mundial.
Já existiram na China mais de uma centena de grupos étnicos. Em
termos numéricos, a etnia dominante é a dos Han49
. Ao longo da
história, muitas etnias foram assimiladas às suas vizinhas ou,
simplesmente, desapareceram sem deixar grandes testemunhos da sua
existência. Muitas etnias distintas foram diluídas no grupo dos Han, o
que explica o peso numérico desta etnia na China. Não obstante, os
Han falam várias línguas muito diferentes.
49
É uma personagem fictícia
Contos do Mundo
107
Curiosidade:
Han, foi uma criança que ao nascer teve o Bijuu de Cinco Caudas50
selado em seu ser, porém não se sabe se sua infância foi normal como
qualquer outra.
Também possui uma armadura vermelha única e aparentemente
poderosa, que cobre o seu corpo inteiro, dos pés à cabeça. Ao chegar
ao pescoço possui uma espécie de colar amarelo envolvendo a parte
debaixo do pescoço. No rosto tem apenas uma fresta para os olhos,
nas costas uma espécie de chaminé da armadura que liberta vapor.
Este também usa um kimono51
médio por cima da armadura, com as
mangas rasgadas e luvas negras, aparentemente possui um ar sombrio
devido à sua aparência.
Imagem52
50
Os Bijuu's são criaturas grandes e ferozes, portadoras de uma quantidade enorme de energia vital do corpo (Chakra). Devido ao seu grande poder, são úteis no campo de batalha. Muitas guerras já foram iniciadas contra, e por causa, destas bestas. Quem recebe o Bijuu no seu corpo é chamado de Jinchuuriki (traduzido: poder do sacrifício humano), e ganha poderes extraordinários. 51
É uma vestimenta tradicional japonesa 52
Imagem retirada do site “Naruto”
Lendas
A lenda de Nu-Gua
Nu-Gua era a deusa com cabeça de mulher e corpo de serpente.
Possuía o poder de transformar-se de setenta maneiras diferentes por
dia. Solitária passeava pelos caminhos virgens do mundo, envolvida
pela beleza e encanto das paisagens. Contudo, abrigava no seu coração
uma grande melancolia. Era o clamor do seu instinto materno,
trazendo-lhe uma sensação de infinita tristeza e frustração. Em
determinado momento, num ímpeto incontido, cavou barro no chão e
com ele moldou uma figura humana. Surpreendeu-se com aquela
pequena figura ganhando vida e
movimento próprio, pulando, cantando
e indo embora, levada por sua própria
inquietação. Nu-Gua não coube em si
de tanta felicidade e com as suas mãos
continuou criando as figuras dentro do
mesmo espírito até se cansar. Quando
então tomou um feixe de vime,
entumeceu-o com barro e vibrou-o com
energia. Os pingos caídos no chão
milagrosamente transformaram-se em
seres humanos e em pouco tempo o
mundo estava repleto.
Imagem53
Os seres nobres foram criados pela mão
de Nu-Gua. Quanto aos pobres, estes foram lançados como feixe de
vime. Porém a natureza moral desses homens obrigava a deusa a
repetir constantemente o processo, tornando-o extremamente
cansativo.
53
Imagem retirada do site “DeviantArt”
Contos do Mundo
109
Decidiu-se então pelo acasalamento dos seres para, através desta
forma, se perpetuarem. Havendo estabelecido esta união, é chamada
pelos chineses a Deusa do Matrimónio. Nu-Gua é a primeira mediadora
entre homens e mulheres.
Curiosidades:
Num túmulo da Dinastia Han descobriram recentemente (1972), no
mural e na urna funerária, desenhos esculpidos em tijolos com temas
relacionados às lendas e mitos. Entre esses desenhos havia uma de Fu-
Xi e Nu-Gua, cujos corpos da cintura para cima eram humanos e da
cintura para baixo, de serpentes. Contudo num outro túmulo de Han,
descoberto em Henan, a concepção das suas formas é diferente. Ao
invés de serpentes, eram dragões. E as duas caudas trançadas juntas.
Numa das representações, Fu-Xi segura nas mãos um esquadro de
carpinteiro e um sol dentro do qual havia um corvo desenhado.
Quanto à representação de Nu-Gua, esta segura um compasso e uma
lua dentro da qual, igualmente desenhado, havia uma rã com três
patas. Nos demais desenhos ainda havia uma criança entre os dois
deuses, prendendo com as mãozinhas as mangas das vezes divinas,
numa demonstração de felicidade familiar e de doçura no lar.
Fu-Xi e Nu-Gua são os deuses que criaram e transmitiram a cultura aos
homens. Representa esse casal primordial uma união tão perfeita e
íntima que também são considerados irmãos. Nos túmulos antigos
suas figuras são sempre representadas no acto da procriação.
A lenda do Unicórnio Chinês
Unicórnio é um animal sagrado para os chineses e este é bem diferente
do unicórnio ocidental. O nosso unicórnio tem corpo de veado, cabeça
de cavalo, cauda de leão e um chifre na testa. O unicórnio chinês tem
corpo de veado, mas cabeça de dragão, corpo escamado, verde, tem
chifres como os de
veado.
Vê-lo significa um bom
presságio, matá-lo ou
ver o seu cadáver é
péssimo presságio.
Imagem54
A lenda das duas crianças
Estavam duas crianças a patinar em cima de um lago congelado. Era
uma tarde nublada e fria e as crianças brincavam sem preocupação. De
repente, o gelo quebrou-se e uma das crianças caiu na água.
A outra criança vendo que seu amiguinho se afogava debaixo do gelo,
pegou numa pedra e começou a golpear com todas as suas forças,
conseguindo quebrá-lo e salvar o amigo. As suas mãos estavam feridas
e doía-lhe muito todo o seu corpo.
Quando os bombeiros chegaram e viram o que havia acontecido,
perguntaram ao menino:
- Como conseguiste fazer isso? É impossível que tenhas quebrado o
gelo com essa pedra e com as mãos tão pequenas!
Nesse instante apareceu um ancião e disse:
- Eu sei como ele conseguiu.
54
Imagem retirada do blog “O sonho do unicórnio”
Contos do Mundo
111
Todos olharam para ele aguardando a resposta. O ancião então
respondeu:
- Não havia ninguém ao seu redor para dizer-lhe que ele não era capaz
A lenda de Lin e da Sogra
Era uma vez uma jovem chamada Lin que se casou e foi viver com o
marido para a casa da sogra.
Depois de algum tempo, começou a ver que não se adaptava à sogra.
Os temperamentos eram muito diferentes e Lin cada vez se irritava
mais com os hábitos e costumes da sogra, que criticava cada vez com
mais insistência.
Com o passar dos meses, as coisas foram piorando, a ponto da vida se
tornar insuportável. No entanto, segundo as tradições antigas da
China, a nora tem que estar sempre ao serviço da sogra e obedecer-lhe
em tudo.
Mas Lin, não suportando por mais tempo a ideia de viver com a sogra,
tomou a decisão de ir consultar um Mestre, velho amigo do seu pai.
Depois de ouvir a jovem, o Mestre Huang pegou num ramalhete de
ervas medicinais e disse-lhe: "Para te livrares da tua sogra, não as
deves usar de uma só vez, pois isso poderia causar suspeitas. Vais
misturá-las com a comida, pouco a pouco, dia após dia, e assim ela vai-
se envenenando lentamente. Mas, para teres a certeza de que, quando
ela morrer, ninguém suspeitará de ti, deverás ter muito cuidado em
tratá-la sempre com muita amizade. Não discutas e ajuda-a a resolver
os seus problemas."
Lin respondeu: "Obrigado, Mestre Huang, farei tudo o que me
recomenda".
Lin ficou muito contente e voltou entusiasmada com o plano de
assassinar a sogra.
Durante várias semanas, Lin serviu, dia sim dia não, uma refeição
preparada especialmente para a sogra. E tinha sempre presente a
recomendação de Mestre Huang para evitar suspeitas: controlava o
temperamento, obedecia à sogra em tudo e tratava-a como se fosse a
sua própria mãe.
Passados seis meses, toda a família estava mudada. Lin controlava bem
o seu temperamento e quase nunca se aborrecia. Durante estes meses,
não teve uma única discussão com a sogra, que também se mostrava
muito mais amável e mais fácil de tratar com ela. As atitudes da sogra
também mudaram e ambas passaram a tratar-se como mãe e filha.
Certo dia, Lin foi procurar o Mestre Huang, para lhe pedir ajuda e disse-
lhe: "Mestre, por favor, ajude-me a evitar que o veneno venha a matar
a minha sogra. É que ela transformou-se numa mulher agradável e
gosto dela como se fosse a minha mãe. Não quero que ela morra por
causa do veneno que lhe dou."
Mestre Huang sorriu e abanou a cabeça: "Lin, não te preocupes. A tua
sogra não mudou. Quem mudou foste tu. As ervas, que te dei, são
vitaminas para melhorar a saúde. O veneno estava nas suas atitudes,
mas foi sendo substituído pelo amor e carinho que lhe começaste a
dedicar."
Na China, existe uma regra dourada que diz:
"A pessoa que ama os outros também será amada!"
Lembre-se sempre:
"Plantar é opcional, mas colher é obrigatório. Por isso, tenha cuidado
com o que planta!"
Contos do Mundo
113
A lenda do Pai do Chá
Diz a lenda que o Imperador Shen Nong numa das suas viagens, parou
para descansar e matar a sede debaixo de um arbusto selvagem de
chá.
Os camponeses serviram-lhe água fervida, para prevenirem doenças.
Entretanto, uma leve aragem agitou os ramos e caíram algumas folhas
de chá dentro da água fervida.
O Imperador deliciou-se com o líquido dourado, achando a mistura
muito refrescante e revitalizante.
O Imperador Shen Nong tornou-
se lendário como o “pai do chá”,
ao descobrir desta forma o chá há
cerca de 5000 mil anos.
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55
Imagem retirada do blog “Visão”
Provérbios
"A pessoa que ama os outros também será amada".
“Ser pedra é fácil, o difícil é ser vidraça”.
"A quem sabe esperar, o tempo abre as portas".
"Dinheiro perdido, nada perdido; Saúde perdida, muito perdido;
Carácter perdido, tudo perdido".
"O fracasso é a mãe do sucesso".
"Todas as flores do futuro, estão nas sementes de hoje".
"Há três coisas que jamais voltam: a seta lançada, a palavra dita e a
oportunidade perdida".
"Bondade em balde é devolvida em barril".
"Quem quer colher rosas deve suportar os espinhos".
"Quem a si próprio elogia, não merece crédito".
"Temos UMA boca e DOIS ouvidos, mas jamais nos comportamos
proporcionalmente".
"Jamais desespere às mais sombrias aflições da sua vida, pois das
nuvens mais negras cai água límpida e fecunda".
"Não há que ser forte. Há que ser flexível".
"O tempo que passas a rir é tempo que passas com os deuses".
"Aquele que pergunta, pode ser um tolo por cinco minutos. Aquele que
deixa de perguntar, será um tolo para o resto da vida".
"Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a seta lançada, a
palavra pronunciada e a oportunidade perdida".
"Nada assenta melhor ao corpo que o crescimento do espírito".
"Se parares cada vez que ouvires o latir de um cão, nunca chegarás ao
fim do caminho".
"Escava o poço antes que tenhas sede".
"Um pequeno vazamento eventualmente afunda um grande navio".
"Não importa o tamanho da montanha, ela não pode tapar o sol".
"A língua resiste porque é mole; os dentes cedem porque são duros".
"Se comermos menos, degustaremos mais".
Contos do Mundo
115
"Espere o melhor, prepare-se para o pior e receba o que vier".
"Eu estava furioso por não ter sapatos; então encontrei um homem
que não tinha pés e me dei por muito satisfeito".
"Dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por um dia.
Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida".
"Se você quer manter limpa a sua cidade, comece varrendo diante de
sua casa".
"O cão não ladra por valentia, mas sim por medo”.
"Quer a faca caia no melão, ou o melão na faca, o melão vai sofrer".
"Um homem feliz é como um barco que navega com vento favorável".
"Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher
aquilo que plantamos".
“A desconfiança e a culpa geram insegurança”.
“A derrota só será uma bebida amarga se concordarmos em tragá-la”.
“A juventude não é uma época da vida, é um estado de espírito”.
“Aquele que só ouve elogios, mas nunca críticas, acaba-se dando mal”.
“As bênçãos chegam uma de cada vez, as desgraças vêm em grupo”.
“Cortesia é sinal de pessoa civilizada”.
“Defeitos e virtudes são apenas dois lados da mesma moeda”.
“Lamentar aquilo que não temos, é desperdiçar aquilo que já
possuímos”.
“Melhor ser muito céptico do que muito crédulo”.
“Cada pessoa equivale a um grão de areia, mas uma multidão é como
uma pedra de ouro”.
“Não compense na ira o que lhe falta na razão”.
“O homem é a principal fonte de seu próprio infortúnio”.
“Palavras ríspidas e argumentos pobres nunca resolveram nada”.
“Para viver bem e por muito tempo, seja moderado”.
“Pobres são aqueles que não têm talentos; fracos os que não têm
aspirações”.
“São os nossos inimigos que nos ensinam as mais valiosas lições de
vida”.
“Se em vez de enchermos o bolso enchermos a cabeça, não seremos
roubados”.
“Se houver um general forte, não haverá soldados fracos”.
“Seja lento na promessa e rápido no desempenho”.
“Siga os bons e aprenda com eles”.
“Uma única árvore não faz uma floresta”.
"A palavra é prata, o silêncio é ouro".
"A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração"?
"Antes de dar comida a um mendigo, dá-lhe uma vara e ensina-lhe a
pescar".
"Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota".
"Longa viagem começa por um passo".
"Difícil é ganhar um amigo numa hora; fácil é ofendê-lo num minuto”.
"Não basta dirigir-se ao rio com a intenção de pescar peixes; é preciso
levar também a rede".
"Se você que ser feliz por uma hora, tire uma soneca; por um dia, vá
pescar; por um mês, case-se; por um ano, herde uma fortuna; pela vida
inteira, ajude os outros”.
“Em dias de tempestades e trovoadas, o local mais seguro é perto do
chefe...Não há raio que o parta!”.
"Nunca fales mal da mulher diante do marido. Não importa que fales
mal do marido diante da mulher".
“Melhor é acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão”.
“Antes de começar o trabalho de modificar o mundo, dê três voltas
dentro da sua casa”.
“Cuidado com aquele que tem a língua doce e uma espada na cintura.
Um inimigo declarado é perigoso, mas um falso amigo é pior”.
Contos do Mundo
117
Contos da Guiné-Bissau
Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau é um país da costa
ocidental de África que se estende
desde o cabo Roxo até à ponta Cagete.
Faz fronteira a norte com o Senegal, a
este e sudeste com a Guiné-Conacri
(ex-francesa) e a sul e oeste com o
oceano Atlântico. Além do território
continental, integra ainda cerca de
oitenta ilhas que constituem o arquipélago dos Bijagós, separado do
Continente pelos canais do rio Geba, de Pedro Álvares, de Bolama e de
Canhabaque.
Foi uma colónia de Portugal desde o século XV até à sua
independência, em 1974. Actualmente faz parte da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), das Nações Unidas, dos PALOP e
da União Africana.
Tem cerca de 1. 472 446 habitantes. A Guiné-Bissau possui um
património cultural bastante rico e diversificado.
As diferenças étnicas e linguísticas produziram grande variedade a
nível da dança, da expressão artística, das profissões, da tradição
musical, das manifestações culturais.
A dança é, contudo, uma verdadeira expressão artística dos diversos
grupos étnicos.
Os povos animistas caracterizam-se pelas belas e coloridas
coreografias, fantásticas manifestações culturais que podem ser
observadas correntemente por ocasião das colheitas, dos casamentos,
dos funerais, das cerimónias de iniciação.
O estilo musical mais importante é o gumbé. O carnaval guineense,
completamente original, com características próprias, tem evoluído
bastante, constituindo uma das maiores manifestações culturais do
País.
Contos do Mundo
119
Contos Tradicionais
Conto do Macaquinho56
Dizem na Guiné que a primeira viagem à Lua foi feita pelo Macaquinho
de nariz branco. Segundo dizem, certo dia, os macaquinhos de nariz
branco resolveram fazer uma viagem à Lua a fim de trazê-la para a
Terra. Após tanto tentar subir, sem nenhum sucesso, um deles, dizem
que o menor, teve a ideia de subirem uns por cima dos outros, até que
um deles conseguiu chegar à Lua.
Porém, a pilha de macacos desmoronou e todos caíram, menos o
menor, que ficou pendurado na Lua. Esta deu-lhe a mão e ajudou-o a
subir. A Lua gostou tanto dele que lhe ofereceu, como regalo, um
tamborzinho. O macaquinho foi ficando por lá, até que começou a
sentir saudades de casa e resolveu pedir à Lua que o deixasse voltar. A
lua amarrou-o ao tamborzinho para descê-lo pela corda, pedindo a ele
que não tocasse antes de chegar à Terra e, assim que chegasse, tocasse
bem forte para que ela cortasse o fio. O Macaquinho foi descendo feliz
da vida, mas na metade do caminho, não resistiu e tocou o
tamborzinho. Ao ouvir o som do tambor a Lua pensou que o
Macaquinho já tivesse chegado à Terra e cortou a corda. O
Macaquinho caiu e, antes de morrer, ainda pôde dizer a uma moça que
o encontrou, que aquilo que ele tinha era um tamborzinho, que
deveria ser entregue aos homens do seu país. A moça foi logo contar a
todos sobre o ocorrido. Vieram pessoas de todo o país e, naquela terra
africana, ouviam-se os primeiros sons de tambor.
56
Recolha oral gentilmente facultado pela aluna da escola Profissional de Moura, de nacionalidade guineense.
As filhas de Faram57
Faram e a sua esposa tiveram duas filhas, Mate e Secanhuma, sendo a
primeira a mais velha. Os pais sempre preveniram as meninas de que,
após a morte deles, elas deveriam manter-se unidas. O tempo passou e
os pais das moças morreram. Mate, ao sair para trabalhar a terra,
preparando-a para o plantio, disse a Secanhuma para não abrir a porta
a ninguém e que quando ela chegasse cantaria “Secnhuma yóó-bara e
tio alumbrem jilio-jeli-yeee” e então a menina saberia que era ela e
poderia abrir.
Porém, um irã58
escondido ouviu tudo o que Mate disse à irmã. Após
alguns dias, Mate teve de voltar para o trabalho e deu novamente a
mesma recomendação. Não havia passado muito tempo quando
Secanhuma ouviu a canção: “Secnhuma óó-bara e tio alumbrem jilio-
jeli-yeee”. A moça abriu a porta, mas quem estava à sua frente não era
Mate, mas o irã, que raptou a menina e a levou para a sua terra. Ao
voltar, Mate ficou muito assustada e a pensar sobre o que poderia
fazer para encontrar e trazer de volta a sua irmã.
Decidiu procurar um pássaro que a pudesse ajudar. Para isso era
necessário um pássaro que conseguisse cantar aquela canção e o único
que conseguiu foi o falcão. Mate sentou-se às costas do falcão e os dois
partiram. Ao chegarem à terra do Irão, o falcão começou a cantar:
“Secnhuma óó-bara e tio alumbrem jilio-jeli-yeee”.
Uma velha anciã perguntou a Mate o que fazia ali, ao que ela
respondeu que viera buscar a irmã. A velha anciã, prontificou-se a ir
buscar a sua irmã pois conhecia o seu paradeiro. E de facto, assim foi.
As duas moças voltaram para casa às costas do falcão. Durante o
período em que Secanhuma estivera em casa do irã, não cortara os
cabelos, que tinham até ninhos de passarinhos.
57
Conto retirado do site “Tatiana em Flor” 58
Como chamam aos iranianos.
Contos do Mundo
121
No dia seguinte, Secanhuma pediu à sua irmã que retirasse aqueles
ovos dos seus cabelos, e em cada ovo que Mate retirava transformava-
se em vaca, cabra, porco, galinha e diversos animais. Foi dessa forma
que as duas filhas de Faram tornaram-se ricas.
A Madrasta Má
Havia uma mulher que tinha uma filha e quando morreu o seu marido
voltou a casar novamente. A sua madrasta era uma pessoa muito má e
tinha ciúmes da relação da sua enteada com o seu pai.
Sempre que o seu pai viajava trazia muitas coisas para ela: brinquedos,
roupas e doces. Mas como ficavam sozinhas, a madrasta, para se
vingar, aproveitava para mandar a menina fazer todas as tarefas de
casa enquanto dizia ao seu filho para ir brincar.
Um dia, quando o seu pai viajou, a madrasta aproveitou para enterrar
a menina debaixo de muitas folhas. Quando este regressou e deu por
falta da filha perguntou por ela à mulher e esta respondeu que não
sabia onde se tinha metido. O seu irmão, que costumava ir brincar em
cima das folhas, ouvia uma voz a pedir para que a tirassem de lá, mas
como era muito novo ninguém acreditava no que ele dizia.
Então um dia o pai resolveu ir ver se era verdade o que o filho dizia.
Assim que chegou junto às folhas uma voz começou a cantar e a pedir
que a libertassem. O pai reconheceu a voz da sua filha e foi buscar uma
enxada para a desenterrar.
Quando a desenterrou, a menina contou-lhe tudo o que a madrasta lhe
tinha feito. Zangado por a mulher maltratar a filha, este amarrou cada
pé da sua mulher a um burro. Sempre que a mulher gritava, os burros
fugiam de um lado para outro e ela ficou dividida ao meio.
A menina e o seu irmão passaram a viver com o pai, felizes para
sempre.
Imagem59
Branca Flor
Era uma vez um casal muito rico que, quando estava quase a morrer,
legou toda a riqueza ao filho. Este gastou o dinheiro todo e quando não
tinha nada pensou suicidar-se numa lagoa.
Desesperado, quando chegou à lagoa viu um feiticeiro que lhe
ofereceu uma moeda. Este disse-lhe que quando enriquecesse voltasse
ali e lhe devolvesse a moeda. O jovem concordou e quando enriqueceu
foi ter com o feiticeiro que se chamava Mustafá. Encontrou-se com a
mulher que ia permitir o seu encontro com o Mustafá através da
preparação de rituais. Quando conseguiu passar para o outro lado da
vida viu três feiticeiras a tomarem banho numa lagoa.
A mais nova das feiticeiras disse a uma das irmãs que estava a sentir
cheiro de humano. Esta feiticeira, que se chamava Branca-Flor, já sabia
que o rapaz estava ali mas como gostava dele, respondeu que não
sentia nada.
O rapaz foi ter com as feiticeiras, que estavam transformadas em
serpentes, e, depois de lhes explicar o que pretendia, elas levaram-no
para ir ter com o pai delas.
59
Imagem retirada do site “meus bebés”
Contos do Mundo
123
O Mustafá queria matar o rapaz para comer e começou a arquitectar
um plano. Primeiro mandou-o à floresta buscar um búfalo. O rapaz
assim fez e, com a ajuda da Branca-Flor, conseguiu trazer um búfalo.
Depois, mandou o rapaz plantar arroz e cozinhar no mesmo dia. Ele
também conseguiu fazer isso com a ajuda da menina feiticeira.
A rapariga, que sabia qual era a intenção do seu pai, queria ajudar o
seu amado. Disse-lhe para ir ao estábulo e que escolhesse o cavalo
mais veloz para conseguir fugir logo de manhã cedo. A rapariga cuspiu
sete vezes para o chão para que quando a sua mãe a chamasse pela
manhã pensasse que era mesmo ela que respondia. De manhã cedo,
quando a mãe a chamou, foram os cuspes a emitir a voz da Branca-
Flor. A mãe desconfiou e foi ver onde estava o rapaz.
Como não encontrou nenhum deles, disse ao marido que a sua filha
tinha fugido com o rapaz, ordenando-lhe que fosse atrás deles.
Mustafá assim fez. Pelo caminho passou por uma escola onde as
crianças estavam no recreio. Havia ali muitos professores e como o seu
poder era fraco em relação à filha não conseguiu perceber que afinal
esta se tinha transformado numa professora e o rapaz num professor.
Voltou para trás e disse à mulher que não os tinha encontrado. Esta
ficou furiosa porque sabia que eles se estavam a fazer passar por
professores. Mandou-o de novo para ver se conseguia encontrá-los
mas este não teve sorte pois desta vez encontrou uma capela com uma
freira e um padre. Sem desconfiar que poderiam ser eles, o feiticeiro
voltou para casa e descreveu à mulher o que tinha encontrado.
Finalmente, a mulher decidiu ser ela a ir atrás deles. Depois de muito
procurar, encontrou-os mas estes saltaram para o outro lado do rio
para não serem apanhados. De um lado a mãe gritava:
- Branca-Flor devolve-me a chave do armazém e fica a saber que te vais
separar do rapaz com quem nos traíste durante seis meses.
A menina do outro lado respondia:
- Mãe, tu também te vais separar do meu pai durante seis meses.
Quando Branca atirou a chave acertou num olho da mãe. Quando
regressou para casa Mustafá separou-se dela porque tinha um olho
furado. No entanto também a Branca-Flor acabou por separar-se do
seu amado.
A Esperteza da Lebre
Havia uma lebre que achava que era mais esperta que todos os animais
do mundo.
Como desconfiava, porém, que a tchoca60
era mais esperta que ela e
queria ter a certeza, resolveu convidá-la para irem a uma festa na casa
da sua avó.
Para testar a sua esperteza, disse à tchoca haver, pelo caminho, coisas
que ela não podia tocar nem comer. A tchoca concordou com isso.
Enquanto caminhavam viram uma lagoa. Como estava com sede, a
lebre disse à tchoca:
-Olha, tenho de mergulhar na lagoa para ver se encontro o anel da
minha mãe que caiu lá para o fundo quando eu e ela passámos aqui.
-Está bem - disse a tchoca.
Quando se atirou para a água, a lebre aproveitou para beber bastante
até se fartar. Lá em cima, a tchoca também aproveitou para beber pois
sabia que era impossível a lebre mergulhar sem engolir um pouco de
água.
De repente a lebre saiu da água e disse para a tchoca:
– Então, eu não te disse que nessa lagoa não se pode beber água?
– Sim, disseste - confirmou a tchoca.
– Mas então porque é que tens o bico cheio de água? - retorquiu a
lebre.
– E tu? Também tens a boca molhada – disse-lhe a tchoca.
A lebre percebeu que era difícil enganar a sua companheira e lá
continuaram a viagem. Assim que chegaram a uma floresta, a lebre
pensou que ia conseguir enganar a tchoca. Mas, como havia muitos
mosquitos na floresta, e estava a ser mordida ela disse à galinha:
60
Galinha do mato
Contos do Mundo
125
- Bem, assim que chegar a casa vou pedir óleo de palma à minha mãe
para espalhar pelo corpo.
Enquanto ia falando, a lebre ia batendo no corpo para explicar onde
colocaria o óleo e assim ia matando os mosquitos. Então a tchoca
respondeu:
- Vais-me oferecer um pouco para eu pôr aqui, aqui e aqui.
Deste modo a tchoca aproveitava também para matar os mosquitos.
A lebre percebeu que afinal não era a mais inteligente de entre todos
os animais e contou à tchoca qual era o seu plano, concluindo assim
que não era a mais esperta.
A Princesa e o Criado
Havia um rei que tinha uma filha que nunca tinha visto nenhum
homem. Os reis tinham um criado em casa e sempre pensaram que a
princesa nunca o tivesse visto.
Até que um dia ela apareceu grávida.
Intrigado com o aspecto da filha o rei perguntou à rainha porque é que
a princesa tinha a parte da frente “grande” (apurado) e a parte de trás
“plano” (rasteiro). Decidiram então ir ao mestre que disse que daí a
nove meses, com a ajuda de umas plantas, ela curar-se-ia.
Passados nove meses a princesa teve um filho. Os reis perguntaram à
princesa quem era o pai ao que ela respondeu que era o criado.
Os reis quiseram levar o homem para a forca mas este disse-lhes que o
sucedido tinha acontecido no próprio quintal deles. Então os reis
também quiseram levar a princesa para a forca. A princesa disse-lhes
que eles é que deviam ir para a forca pois tinham um homem como
criado, apesar de tanto o esconder. Se não queriam que ela tivesse
algo com ele não deviam tê-la em casa como uma prisioneira.
Disse ainda que o criado, apesar de ser pobre, não podia ser morto
pois era o pai do seu filho e seria o herdeiro da riqueza dos reis.
Quando o conheceu, ela não sabia se o homem era rico ou um simples
criado. Por isso é que teve contacto com ele, sem pensar no sucessor
do trono. A princesa não pôde escolher pois o único homem que
conheceu foi o criado. Quanto aos reis não puderam fazer nada em
relação a isso e deixaram a princesa viver em paz com o filho e o
criado.
O Cavalinho
Era uma vez uma menina muito bonita, delicada e boa para todas as
pessoas. Vivia com o seu pai porque a sua mãe tinha morrido. Sempre
que ela ia à fonte buscar água encontrava-se com uma senhora
chamada Andreza que a ajudava a tirar água da fonte.
Tinham uma relação muito boa e a menina gostava mesmo da Andreza.
Tanto que sempre que regressava a casa pedia ao seu pai que se
casasse com ela porque achava que esta também gostava muito dela.
Se o seu pai pedisse Andreza em casamento elas nunca se separariam.
Um dia o pai cedeu ao pedido da filha e casou-se com a Andreza.
Mesmo vivendo juntas mantinham uma boa relação. Até que um dia
em que a menina ficou a guardar as folhas de uma figueira (usadas
para curas na medicina tradicional) para que ficassem secas veio um
pássaro e levou as folhas.
Quando Andreza voltou a rapariga explicou-lhe o sucedido. Furiosa,
esta ralhou com ela e foi enterrá-la viva.
Sempre que o cavalo do seu pai ia pastar ia comendo a erva mesmo em
cima dela.
Como ainda estava viva a menina começava a cantar:
Cavalinho di nha mame,
Cavalinho da minha mãe
Cavalinho de nha pape,
Cavalinho do meu pai
Ca bu cumé nha cabelo.
Contos do Mundo
127
Não comas o meu cabelo
Andreza n´teram bibo
Andreza enterrou-me viva
Pabia di um fidjo di figuera
Por causa do ramo de uma figueira
Cavalinho já levou, levou. Cavalinho já levou, levou.
As crianças que por lá passavam ouviam uma voz a cantar e iam
correndo dizer ao dono do cavalo mas este não ligava ao que diziam.
Um dia, um senhor que por lá passou ouviu a voz e disse ao pai da
menina. Só então este acreditou na história e foi desenterrar a filha,
levando-a depois para casa. O pai fez uma grande festa por ter a filha
de volta mas avisou-a a que nunca o desafiasse. Sempre que um pai diz
não a uma filha é para esta obedecer porque ele sabe o que diz e o que
quer.
Deus ku Lebri61
Lebri ba pidi Deus pa dal ma jireza inda. Deus falal:
- Ba buskan tris kusa na mundu: Liti di lifanti, mel di bagera, ku irã segu.
Lebri kuda , e kosa kabesa te, i lanta i buska dus kabas ku un po
kumpridu, i pega kamiñu.
I ka tarda, i oja kau k’ lifanti sinta, i na mamanta si fiju. I kunsa na papia
el sõ: Si liti mas e kabas, bu ka fia me, ma i bardadi.
Ora ki ciga pertu di lifanti, kil puntal:
- Ku kê k’ bu na jusia sin?
I falal:
- I ku ki sancu k’ na porfia kuma bu liti ka ta inci e kabas.
Lifanti falal:
- Justu di kila, i ka ciga jus. Tira liti bu jubi.
61
Conto tradicional guineense retirado do blog “Lusofonias”, escrito em crioulo.
Lebre tira sõ un bias, i inci kabas; i gardisi lifanti; Kil falal:
- Tisin ki sancu.
Lebri bai, i enda i enda te ki oja bagera i kunsa na papia el sô:
- se mel ta inci e Kabas.
- I ka ta incil.
Bageras puntal:
- Ku ken a'bu na jusia sin?
I fala elis:
- I ku ki sancu,i kuda kuma suma i parsi ku pekadur, i sibi tudu kusa.
Kuma bu mel ka ta inci e cabas.
Bageras ri, i falal:
- Ki sancu dudu,no na mostral.
E entra na kabas, e incil ku mel. E fala lebri:
-Tisino ki sancu.
Lebri gardici elis, i pega kamiñu.
I enda, i enda, ienda, i ka oja rastu di irã segu, i kunsa na papia ma el
sõ:
- Ami k' falau, bu ka fia nã sõ, ma i ma kumpridu ke po.
Iransegu puntal:
Ku ken k' bu na porfia sin?
Lebri falal.
- i ku ki sancu; kuma e po k' pikininu sin ma bo cumpridu.
Irã segu falal:
- Kila ka siga jus; midin bo jubi.
Lebri falal:
- Pa ki sancu fia, sõ na lebau unde ki sta; no ta maral ku e korda.
Lebri fika i na mostral kuma ki na bin mara sancu, ma e na mara sõ irã
na poI ka caba, i ba panha si dus kabas, i pega kamiño. I enda, i enda, i
enda, tok i ciga na porta di seu; i konki, e abril porta. I nterga Deus ki
dus kabas, ku irã segu.
Deus falal:
- N ka na buriu jiresa, bu ta bin nganan un dia a mi propi; ma n na
jundau oreja, e na ma kumpridu gosi.
Contos do Mundo
129
Deus e a Lebre62
A lebre foi pedir a Deus para lhe dar mais esperteza. Deus disse-lhe:
- Vai procurar três coisas no mundo: leite de elefante, mel de abelha e
uma jibóia.
A lebre reflectiu sobre aquilo, passou a mão pela cabeça, levantou-se,
foi buscar dois pratos e uma vara comprida e seguiu o seu
caminho. Não tardou muito a encontrar uma elefanta sentada a
amamentar o seu filho. E começou a falar sozinha: “o leite dela enche
esse prato, não acreditas mas é verdade”.
Quando lá chegou, a elefanta perguntou-lhe:
- Com quem estás a ralhar?
A lebre disse-lhe:
- É aquele macaco que está a duvidar de que o teu leite não enche esse
prato.
A elefanta disse-lhe:
- Se é só por causa disso, tu não precisas ralhar. Experimenta só para
veres.
A lebre tirou leite só uma vez e encheu o prato. Agradeceu à elefanta
que lhe disse:
- Traz-me aquele macaco.
A lebre foi-se, continuou a caminhar até que encontrou uma colmeia.
Começou novamente a falar sozinha:
- Esse mel não enche esse prato. Não, não enche.
As abelhas perguntaram-lhe: - Com quem estás tu a ralhar?
Respondeu-lhes:
- É aquele macaco, que se acha muito bom, porque é parecido com os
homens; pensa que sabe tudo. Ele disse que o vosso mel não enche um
prato.
As abelhas riram-se e disseram: - Ele é maluco. Vamos mostrar-lhe
como é.
62
Tradução do conto guineense para português.
Entraram no prato e encheram-no de mel.
- Traz-nos aquele macaco - disseram as abelhas.
A lebre agradeceu e continuou a sua caminhada. Caminhou, caminhou,
caminhou, até que encontrou um rasto de jibóia. Começou a falar
sozinha novamente:
- Já te disse ela é maior do que uma árvore.
A jibóia perguntou-lhe com quem estava a falar. A lebre respondeu:
- Com aquele macaco. Ele disse que aquela árvore é mais comprida do
que tu.
A jibóia disse-lhe: - Não precisas discutir por causa disso: pega na
árvore e mede-me com ela.
A lebre disse-lhe: - Para aquele macaco acreditar que eu estou a dizer
a verdade, tens que vir comigo e vamos amarrá-lo com esta corda.
À medida que a lebre ia mostrando como é que iam fazer com o
macaco, ia amarrando a jibóia. Depois, pegou nos seus dois pratos e
seguiu até à porta do céu. Bateu à porta, abriram-na e entregou os dois
pratos e a jibóia nas mãos de Deus.
Deus disse-lhe: - Um dia destes és capaz de me enganar até a mim, mas
vou puxar-te as orelhas que vão ficar bem compridas.
Imagem63
63
Imagem da tela de Nela Vicente.
Contos do Mundo
131
Contos de Moçambique
Moçambique
Moçambique é um país da costa oriental da
África Austral, limitado a norte pela Zâmbia,
Malawi e Tanzânia, a leste pelo Canal de
Moçambique e pelo Oceano Índico, a sul e
oeste pela África do Sul e a oeste pela
Suazilândia e pelo Zimbabwe. No Canal de
Moçambique, tem vários vizinhos, as Comores, Madagáscar, entre
outras.
Esta antiga colónia e província ultramarina de Portugal, teve a sua independência a 25 de Junho de 1975. A sua capital e maior cidade é Maputo.
Moçambique está dividido em 11 províncias: Niassa; Cabo Delgado; Nampula; Zambézia; Tete; Manica; Sofala; Gaza; Inhambane; Maputo (província), Cidade de Maputo.
As províncias estão divididas em 128 distritos, os distritos subdividem-se em postos administrativos e estes em localidades, o nível mais baixo da administração local do Estado.
Em Moçambique foram criados até ao momento, 43 municípios, 10 dos quais em Abril de 2008.
Moçambique tem uma população estimada em 19 286 milhões. É um
país multirracial de esmagadora maioria negra, mas as tensões sociais
não se verificam entre os diferentes grupos étnicos, mas entre o norte
(pobre) e o sul (mais desenvolvido).
O país tem um grande potencial turístico, destacando-se as praias e
zonas propícias ao mergulho nos seus mais de dois mil km de litoral, e
os parques e reservas da natureza no interior do país.
Imagem64
64
Imagem de Moçambique retirada do blog Ansumane, da autoria do Luís Filipe Catarino
Contos do Mundo
133
Contos Tradicionais
A Lua Feiticeira e a filha que não sabia pilar65
A Lua tinha uma filha branca e em idade de casar. Um dia apareceu-lhe
em casa um monhé66
pedindo a filha em casamento. A lua perguntou-
lhe: — Como pode ser isso, se tu és monhé? Os monhés não comem
ratos nem carne de porco e também não apreciam cerveja! Além disso,
ela não sabe pilar.
O monhé respondeu: __
Não vejo impedimento porque, embora eu seja monhé, a menina
pode continuar a comer ratos e carne de porco e a beber cerveja.
Quanto a não saber pilar, isso também não tem importância pois as
minhas irmãs podem fazê-lo.
A lua, então, respondeu: __
Se é como dizes, podes levar a minha filha que, quanto ao mais, é
boa rapariga.
O monhé levou consigo a menina. Ao chegar a casa foi ter com a sua
mãe e fez-lhe saber que a menina com quem tinha casado comia ratos,
carne de porco e bebia cerveja, mas que era necessário deixá-la à
vontade naqueles hábitos. Acrescentou também que ela não sabia pilar
mas que as suas irmãs teriam a paciência de suprir essa falta.
Dias depois, o monhé saiu para o mato à caça. Na sua ausência, as
irmãs chamaram a rapariga (sua cunhada) para ir pilar com elas para as
pedras do rio e esta desatou a chorar.
As irmãs censuraram-na: __
Então tu pões-te a chorar por te convidarmos a pilar? Isso não está
bem! Tens de aprender porque é trabalho próprio das mulheres.
E, sem mais conversas, pegaram-lhe na mão e conduziram-na ao lugar
onde costumavam pilar.
65
Acto de moer alimentos com um utensílio do género do almofariz 66
Mestiço de árabe e negro
Quando chegaram ao rio puseram-lhe o pilão na frente, entregaram-
lhe um maço e ordenaram que pilasse.
A rapariga começou a pilar mas com uma mágoa tão grande que as
lágrimas não paravam de lhe escorrer pela cara.
Enquanto pilava ia-se
lamentando: __
Quando estava
em casa da minha mãe não
costumava pilar... Ao dizer
estas palavras, a rapariga,
sempre a pilar e juntamente
com o pilão67
, começou a
sumir-se pelo chão abaixo, por
entre as pedras que,
misteriosamente, se afastavam.
E foi mergulhando, mergulhando... até desaparecer.
Ao verem aquele estranho fenómeno, as irmãs do monhé
abandonaram os pilões e foram a correr contar à mãe o que
acontecera. Esta ficou assustada com a estranha novidade e tinha o
coração apertado de receio quando chegou o monhé, seu filho.
Este, ao ouvir o relato do que acontecera à sua mulher, ralhou com as
irmãs, censurando-as por não terem cumprido as suas ordens.
Apressou-se a ir ter com a Lua, sua sogra, para lhe dar conta do
desaparecimento da filha.
A Lua, muito irritada, disse: __
A minha filha desapareceu porque não cumpriste o que prometeste.
Faz como quiseres, mas a minha filha tem de aparecer! __
Mas como posso ir ao encontro dela se desapareceu pelo chão
abaixo?
A Lua mudou, então, de aspecto e, mostrando-se conciliadora, disse:
67
O pilão é um utensílio culinário essencial na cozinha africana, com as mesmas funções de um almofariz, ou seja, para moer alimentos, mas de tamanho muito maior.
Contos do Mundo
135
__ Bom, vou mandar chamar alguns animais para se fazer um remédio
que obrigue a minha filha a voltar... Vai para o lugar onde desapareceu
a minha filha e espera lá por mim.
O monhé foi-se embora e a Lua chamou um criado ordenando: __
Chama o javali, a pacala, a gazela, o búfalo e o cágado e diz-lhes que
compareçam, sem demora, nas pedras do rio onde desapareceu a
minha filha.
O criado correu a cumprir as ordens e os animais convidados
apressaram-se para chegar ao lugar indicado. A Lua também para lá se
dirigiu com um cesto de alpista. Quando chegou ao rio, derramou um
punhado de alpista numa pedra e ordenou ao porco que moesse.
O porco, enquanto moía, cantou: __
Eu sou o javali e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças
ao som da minha voz!
Nesse momento ouviu-se a voz cava da menina que, debaixo do chão,
respondia: __
Não te conheço!
O javali, despeitado, largou a pedra das mãos e afastou-se cabisbaixo.
Aproximou-se em seguida a pacala e, enquanto moía, cantou: __
Eu sou a pacala e estou a moer alpista para que tu, rapariga,
apareças ao som da minha voz!
Ouviu-se novamente a voz da menina que dizia: __
Não te conheço!
A gazela e o búfalo ajoelharam também junto do moinho, fazendo a
sua invocação, mas a menina deu a ambos a mesma resposta: __
Não te conheço!
Por último, tomou a pedra o cágado e, enquanto moía, cantou: __
Eu sou o cágado e estou a moer alpista para que tu, rapariga,
apareças ao som da minha voz!
A menina cantou, então, em voz terna e melodiosa: __
Sim, cágado, à tua voz eu vou aparecer!
E, pouco a pouco, a menina começou a surgir por entre as pedras do
rio, juntamente com o pilão, mas sem pilar. Quando emergiu
completamente parou e ficou silenciosa.
Os animais juntaram-se todos, curiosos, à volta da menina.
Então, a Lua disse: __
Agora a minha filha já não pode continuar a ser mulher do monhé
pois ele não soube cumprir o que me prometeu. Ela será, daqui para o
futuro, a mulher do cágado, pois só à sua voz é que ela tornou a
aparecer.
Então o cágado levantou a voz dizendo: __
Estou muito feliz com a menina que acaba de me ser dada em
casamento e, como prova da minha satisfação, vou oferecer-lhe um
vestido luxuoso que ela vestirá uma só vez, pois durará até ao fim da
sua vida. E, dizendo isto, entregou à menina uma carapaça lindamente
trabalhada, igual à sua.
Da ligação do cágado com a filha da lua
é que descendem todos os cágados do mundo...
A Menina que não Falava
Certo dia, um rapaz viu uma rapariga muito bonita e apaixonou-se por
ela. Como se queria casar com ela, no outro dia, foi ter com os pais da
rapariga para tratar do assunto. __
Essa nossa filha não fala. Caso consigas fazê-la falar, podes casar com
ela - responderam os pais da rapariga.
O rapaz aproximou-se da menina e começou a fazer-lhe várias
perguntas, a contar coisas engraçadas, bem como a insultá-la, mas a
miúda não chegou a rir e não pronunciou uma só palavra. O rapaz
desistiu e foi-se embora.
Após este rapaz, seguiram-se outros pretendentes, alguns com muita
fortuna mas, ninguém conseguiu fazê-la falar.
Contos do Mundo
137
O último pretendente era um rapaz sujo, pobre e insignificante.
Apareceu junto dos pais da rapariga dizendo que queria casar com ela,
ao que os pais responderam: __
Se já várias pessoas apresentáveis
e com muito dinheiro não
conseguiram fazê-la falar, tu é que
vais conseguir? Nem penses nisso!
O rapaz insistiu e pediu que o
deixassem tentar a sorte. Por fim,
os pais acederam.
O rapaz pediu à rapariga para irem à
sua machamba68
, para esta o ajudar a sachar69
. A machamba estava
carregada de muito milho e amendoim e o rapaz começou a sachá-los.
Depois de muito trabalho, a menina ao ver que o rapaz estava a acabar
com os seus produtos, perguntou-lhe: __
O que estás a fazer?
O rapaz começou a rir e, por fim, disse para regressarem a casa para
junto dos pais dela e acabarem de uma vez com a questão.
Quando aí chegaram, o rapaz contou o que se tinha passado na
machamba. A questão foi discutida pelos anciãos da aldeia e
organizou-se um grande casamento.
Duas Mulheres70
Havia duas mulheres amigas, uma que podia ter filhos e tinha muitos e
a outra não.
Um dia, a mulher estéril foi a casa da amiga e convidou-a a visitá-la,
dizendo:
- Amiga, tenho muitas coisas novas em casa, venha vê-las!
68
Terreno básico para a prática da agricultura e da pecuária. 69
Cavar a terra. 70
Eduardo Medeiros, em “Contos populares moçambicanos”, 1997
- Está bem - concordou a outra.
De manhã cedo, a mulher que tinha muitos filhos foi visitar a amiga. Ao
chegar a casa desta, chamou-a:
- Amiga, minha amiga!
Trazia consigo um pano que a
mulher estéril aceitou e guardou.
As duas amigas ficaram a conversar,
tomando um chá que a dona da casa
tinha preparado para as duas. Ao
acabarem o chá, a dona da casa quis,
então, mostrar à amiga as coisas que
tinha
comprado. Passaram para a sala e a
mulher estéril abriu uma mala mostrando à amiga roupa, brincos, prata
e outras coisas de valor.
No final da visita, a mulher que tinha muitos filhos agradeceu, dizendo:
- Um dia há-de ir a minha casa ver a mala que eu arranjei.
E, um certo dia, a mulher que não tinha filhos, foi a casa da amiga. Mal
a viram, os filhos desta gritaram:
- A sua amiga está aqui!
Agradeceram a peneira que ela trazia na cabeça e guardaram-na.
Começaram, então, a preparar o chá.
A mãe das crianças chamava-as uma a uma:
- Fátima!
- Mamã?
- Põe o chá ao lume!
- Mariamo!
- Sim?
- Vai partir lenha!
- Anja!
- Sim?
- Vai ao poço
- Muacisse!
Contos do Mundo
139
- Mamã?
- Vai buscar açúcar!
- Muhamede!
- Sim?
- Traz um copo!
- Mariamo!
- Vamos lá, despacha-te com o chá!
Assim que o chá ficou pronto, tomaram-no e
conversaram todos um pouco.
Quando a amiga se ia embora, a mulher que
tinha filhos disse:
- Minha amiga, eu chamei-a para ver a mala que arranjei, mas a minha
mala não tem roupa nem brincos! A mala que lhe queria mostrar são
os meus filhos!
A mulher que não podia ter filhos ficou muito triste e, antes de chegar
a casa, sentiu-se muito mal, com dores de cabeça e acabou por morrer.
Moral da história: coisa não é coisa, coisa é pessoa!
Nota do autor: A missão principal da mulher é a procriação e o respeito que
lhe é devido aumenta com a idade e com o número de filhos. Assim, ter filhos é
muito importante e quantos mais se tiver melhor, pois eles são a riqueza e o
futuro da família.
Nas sociedades matrilineares, donde provém este conto (Norte de
Moçambique), se as mulheres não tiverem filhos a sua linhagem não continua.
Quando o homem é estéril, é repudiado de imediato; a esterilidade feminina é
atribuída à pouca sorte, podendo, quer num caso quer noutro, tentar-se o
tratamento junto do curandeiro.
Neste conto, após tudo ter tentado para poder engravidar e não o tendo
conseguido, a mulher acabou por morrer de desgosto. A sua riqueza era feita
só de bens materiais, enquanto que a riqueza da amiga eram os filhos. De
realçar o costume de a visitante oferecer sempre uma prenda à visitada.
A Gazela e o Caracol
Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe:
Imagem71
__ Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas
pelo chão.
O caracol respondeu: __
Vem cá no Domingo e verás!
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha
escreveu: «Quando vier a gazela e disser
"caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu
sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus
amigos caracóis dizendo-lhes: __
Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier.
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol.
Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos
os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram.
Quando a gazela chegou, disse: __
Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!
O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando: __
Caracol!
E havia sempre um caracol que respondia: __
Eu sou o caracol.
Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram
distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta
de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.
Moral da História:
«Como tu sabes escrever e nós não,
nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!».
71
Imagem retirada do blog “Quarks e Gluões”
Contos do Mundo
141
O Homem e a Filha72
Era uma vez um casal que teve uma filha. A mulher morreu pouco
depois do parto e a criança foi criada pelo pai.
Quando a menina cresceu, o pai anunciou-lhe: __
Minha filha, quero casar contigo!
Mas a menina respondeu: __
Isso não é bom. Seremos descobertos pelos
outros, pois no mundo não há segredos! __
Sempre quero ver se no mundo não há
segredos, disse o pai.
Foi buscar arroz, vazou duas medidas numa
panela e cozinhou-o.
Em seguida, levou a panela para o mato e enterrou-a. Ninguém sabia
que ele tinha enterrado no mato uma panela cheia de arroz a não ser
ele próprio e a filha.
Tempos mais tarde, apareceram homens com redes para caçar no
mato. Eles não sabiam que no local onde caçavam, debaixo de uma
árvore, estava enterrada uma panela cheia de arroz. Descobriram,
admirados, que formigas brancas saídas da terra junto daquela árvore,
transportavam grão de arroz.
De imediato cavaram o buraco e encontraram uma panela cheia de
arroz cozido.
A filha, então, voltou-se para o pai: __
Está a ver papá? Eu não lhe disse que o mundo não tem segredos?!73
72
Conto com alusão clara à proibição do incesto. 73
Autor da obra Eduardo Medeiros, em “Contos populares moçambicanos”, 1997.
O Homem chamado Namarasotha74
Havia um homem que se chamava Namarasotha. Era pobre e andava
sempre vestido com farrapos. Um dia foi à caça. Ao chegar ao mato,
encontrou uma impala morta. Quando se preparava para assar a carne
do animal apareceu um passarinho que lhe disse: __
Namarasotha, não se deve comer essa carne. Continua até mais
adiante que o que é bom estará lá.
O homem deixou a carne e continuou a caminhar. Um pouco mais
adiante encontrou uma gazela morta. Tentava, novamente, assar a
carne quando surgiu um outro passarinho que lhe disse: __
Namarasotha, não se deve comer essa carne. Vai sempre andando
que encontrarás coisa melhor do que isso.
Ele obedeceu e continuou a andar até que viu uma casa junto ao
caminho. Parou e uma mulher que estava junto da casa chamou-o, mas
ele teve medo de se aproximar pois estava muito esfarrapado. __
Chega aqui! insistiu a mulher.
Namarasotha aproximou-se então. __
Entra, disse ela.
Ele não queria entrar porque era pobre.
Mas a mulher insistiu e Namarasotha
entrou, finalmente. __
Vai-te lavar e veste estas roupas, disse a
mulher. E ele lavou-se e vestiu as calças
novas. Em seguida, a mulher declarou: __
A partir deste momento esta casa é tua. Tu és o meu marido e passas
a ser tu a mandar.
E Namarasotha ficou, deixando de ser pobre.
74
Autor da obra: Eduardo Medeiros na obra “Contos Populares Moçambicanos”, 1997
Contos do Mundo
143
Um certo dia havia uma festa a que tinham de ir. Antes de partirem
para a festa, a mulher disse a Namarasotha: __
Na festa a que vamos quando dançares não deverás virar-te para
trás.
Namarasotha concordou e lá foram os dois. Na festa bebeu muita
cerveja de farinha de mandioca e embriagou-se. Começou a dançar ao
ritmo do batuque. A certa altura a música tornou-se tão animada que
ele acabou por se virar.
E no momento em que se virou, ficou como estava antes de chegar à
casa da mulher: pobre e esfarrapado.
Nota do autor: Todo o homem adulto deve casar-se com uma mulher
de outra linhagem. Só assim é respeitado como homem e tido como
«bem vestido». O adulto sem mulher é «esfarrapado e pobre». A
verdadeira riqueza para um homem é a esposa, os filhos e o lar.
Os animais que Namarasotha encontrou mortos simbolizam mulheres
casadas e se comesse dessa carne estaria a cometer adultério. Os
passarinhos representam os mais velhos, que o aconselham a casar
com uma mulher livre. Nas sociedades matrilineares do Norte de
Moçambique (donde provém este conto), são os homens que se
integram nos espaços familiares das esposas. Nestas sociedades, o
chefe de cada um destes espaços é o tio materno da esposa. O homem
casado tem de sujeitar-se às normas e regras que este traça. Se se
revolta e impõe as suas, perde o seu estatuto de marido e é expulso,
ficando cada cônjuge com o que levou para o lar.
Cumprindo sempre o que os passarinhos lhe iam dizendo durante a sua
viagem em busca de «riqueza», Namarasotha acabou por encontrá-la:
casou com uma mulher livre e obteve um lar. Mas por não ter seguido
o conselho da mulher, perdeu o estatuto dignificante de homem adulto
e casado.
O Rato e o Caçador
Antigamente havia um caçador que usava armadilhas, abrindo covas
no chão. Ele tinha uma mulher que era cega e fizera com ela três filhos.
Um dia, quando visitava as suas armadilhas, encontrou-se com um
leão: __
Bom dia, senhor! Que fazes por aqui no meu território? (perguntou o
leão) __
Ando a ver se as minhas armadilhas apanharam alguma coisa,
respondeu o homem. __
Tu tens de pagar um tributo, pois esta região pertence-me. O
primeiro animal que apanhares é teu e o segundo meu e assim
sucessivamente.
O homem concordou e convidou o leão a visitar as armadilhas, uma
das quais tinha uma presa __
uma gazela. Conforme o combinado, o
animal ficou para o dono das armadilhas.
Passado algum tempo, o caçador foi visitar os seus familiares e não
voltou no mesmo dia. A mulher, necessitando de carne, resolveu ir ver
se alguma das armadilhas tinha presa. Ao tentar encontrar as
armadilhas, caiu numa delas com a criança que trazia ao colo.
O leão que estava à espreita entre os arbustos, viu que a presa era uma
pessoa e ficou à espera que o caçador viesse para este lhe entregar o
animal, conforme o contrato.
No dia seguinte, o homem chegou a sua casa e não encontrou nem a
mulher nem o filho mais novo. Resolveu, então, seguir as pegadas que
a sua mulher tinha deixado, que o guiaram até à zona das armadilhas.
Quando aí chegou, viu que a presa do dia era a sua mulher e o filho. O
leão, lá de longe, exclamou ao ver o homem a aproximar-se: __
Bom dia, amigo! Hoje é a minha vez! A armadilha apanhou dois
animais ao mesmo tempo. Já tenho os dentes afiados para os comer! __
Amigo leão, conversemos sentados. A presa é a minha mulher e o
meu filho.
Contos do Mundo
145
__ Não quero saber de nada. Hoje a caçada é minha, como rei da selva e
conforme o combinado, protestou o leão.
De súbito, apareceu o rato. __
Bom dia! O que se passa? - disse o pequeno animal. __
Este homem está a recusar-se a pagar o seu tributo em carne,
segundo o combinado. __
Então se concordaram assim, porque não cumpres? Pode ser a tua
mulher ou o teu filho, mas deves entregá-los. Deixa isso e vai-te
embora, disse o rato ao homem.
Muito contrariado, o caçador retirou-se do local da conversa, ficando o
rato, a mulher, o filho e o leão. __
Ouve, rei leão, nós já convencemos o homem a dar-te as presas.
Agora deves-me explicar como é que a mulher foi apanhada. Temos
que experimentar como é que esta mulher caiu na armadilha (e levou o
leão para perto de outra armadilha).
Ao fazer a experiência, o leão caiu na armadilha.
Então, o rato salvou a mulher e o filho, mandando-os para casa.
A mulher, vendo-se salva de perigo, convidou o rato a ir viver para a
sua casa, comendo tudo o que ela e a sua família comiam.
Foi a partir daqui que o rato passou a viver em casa do homem, roendo
tudo quanto existe...
Os Segredos da Nossa Casa75
Certo dia, uma mulher estava na cozinha e, ao atiçar a fogueira, deixou
cair cinza em cima do seu cão. O cão queixou-se:
- A senhora, por favor, não me queime!
Ela ficou muito espantada: um cão a falar! Até parecia mentira...
Assustada, resolveu bater-lhe com o pau com que mexia a comida. Mas
o pau também falou:
- O cão não me fez mal. Não quero bater-lhe!
A senhora já não sabia o que fazer e resolveu contar às vizinhas o que
se tinha passado com o cão e o pau.
Mas, quando ia sair de casa a porta, com um ar zangado, avisou-a:
- Não saias daqui e pensa no que aconteceu. Os segredos da nossa casa
não devem ser espalhados pelos vizinhos.
A senhora percebeu o conselho da porta. Pensou que tudo começara
porque tratara mal o seu cão. Então, pediu-lhe desculpa e repartiu o
almoço com ele.
Moral da História:
é fundamental sabermos conviver uns com os outros,
assegurar o respeito mútuo, embora às vezes seja difícil...
75
Conto retirado da obra “Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999
Contos do Mundo
147
Todos dependem da boca76
Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
- Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
- O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e
vemos as coisas.
- Somos nós, porque ouvimos - disseram os ouvidos.
- Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque
agarramos as coisas, disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
- Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo!
- E eu trago em mim os alimentos! - interveio a barriga.
- Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas,
fazemos.
Estavam nisto quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para
comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a
barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar
bocados, as pernas andaram... mas a boca recusou comer. E continuou
a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças...
Então a boca voltou a perguntar:
- Afinal qual é o órgão mais importante no corpo?
- És tu boca, responderam todos em coro. Tu és o nosso rei!
Moral da História:
todos nós somos importantes e, para viver,
temos de aprender a colaborar uns com os outros…
76
Conto retirado da obra “Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999
Uma Ideia Tonta77
Um dia a hiena recebeu convite para dois banquetes que se realizavam
à mesma hora em duas povoações muito distantes uma da outra. Em
qualquer dos festins era abatido um boi, carne que a hiena é
especialmente gulosa. __
Não há dúvida de que tenho de assistir aos dois banquetes, pois não
quero desconsiderar os anfitriões. Também as oportunidades de comer
carne de boi não são muitas... mas como hei-de fazer, se as festas são
em lugares tão distantes um do outro?
A hiena pensou, pensou... e, de repente, bateu com a mão na testa. __
Descobri! Afinal é simples... __
disse ela, muito contente com a sua
esperteza.
Saiu à pressa de casa. Assim que chegou ao local donde partiam os dois
caminhos que levavam aos locais das festas, começou a andar pelo
caminho que ficava do lado direito com a perna direita e pelo caminho
que ficava do lado esquerdo, com a perna esquerda.
Pensava chegar deste modo a ambas as festas ao mesmo tempo. Mas
começou a ficar admirada de lhe custar tanto caminhar dessa maneira.
E fez tanto esforço, que se sentiu dividir em duas de alto a baixo.
Coitada, lá a levaram ao médico __
que a proibiu, desde logo, de comer
carne de boi durante um mês.
É muito tonta a hiena!
77
Conto retirado da obra “Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999
Contos do Mundo
149
Contos da Roménia
Roménia
A Roménia é um país da Europa
Oriental limitado a norte e a leste
pela Ucrânia, a leste pela República
da Moldávia e pelo mar Negro, a sul
pela Bulgária e a oeste pela Sérvia e
pela Hungria. A sua capital, e
também maior metrópole, é a cidade
de Bucareste.
A Roménia faz parte da União Europeia desde 1 de Janeiro de 2007. O
seu território é o nono mais extenso da UE, e a sua população a sétima
maior.
Uma grande parte das fronteiras da Roménia com a Sérvia e a Bulgária
seguem o curso do Danúbio. No Danúbio vai desaguar o rio Prut, que
serve de fronteira com a República da Moldávia. Os montes Cárpatos
dominam a parte ocidental da Roménia, com picos até 2.500 metros. O
mais elevado, o Moldoveanu, atinge os 2.544 metros. As principais
cidades são a capital, Bucareste, Braşov, Timişoara, Cluj-Napoca,
Constanţa, Craiova, Iaşi, Brăila e Galaţi.
Administrativamente a Roménia é dividida em 41 distritos e o
município de Bucareste onde está a capital.
A língua oficial é o romeno, uma língua românica da subfamília itálica,
da família dos idiomas indo-europeus.
As Minorias consideráveis de húngaros e descendentes alemães,
principalmente na Transilvânia, também falam húngaro e alemão.
Outros grupos étnicos incluem ciganos e nativos dos países vizinhos à
Roménia.
A população romena tem o costume de frequentar feiras em vez de ir
às lojas. Essas feiras são geralmente artesanais. A Roménia é um país
com um grande número de castelos, sendo alguns constituídos de
madeira e muito bem conservados ao longo dos séculos. Esses castelos
atraem muitos turistas durante todo o ano. O castelo mais visitado é o
famoso Castelo de Bran onde, segundo a tradição, viveram o Conde
Drácula e Elisabeth Bathory78
.
Imagem79
78
Foi uma condessa húngara da renomada família Báthory que entrou para a História por uma suposta série de crimes hediondos e cruéis que teria cometido, vinculados com sua obsessão pela beleza. Como consequência, ela ficou conhecida como "A condessa sangrenta" 79
Imagem retirada do site “Blogoscópio”
Contos do Mundo
151
Lendas
A lenda do Conde Drácula80
A lenda do Conde Drácula nasceu nos territórios da Europa Central
hoje pertencentes à Roménia, um país às margens do Mar Negro que,
no passado, compreendeu os principados da Valáquia e da Moldávia.
Na paisagem romena, entre florestas, campos e estepes, erguem-se os
imponentes e sombrios Montes Cárpatos, com altitudes de mais de
2.000 metros, parte dos Alpes da Transilvânia.
A região, habitada desde o início da Era Cristã, recebeu sucessivas
hordas de diferentes povos: godos, ávaros, húngaros, eslavos, tártaros,
magiares. No século XIV, formaram-se os principados da Valáquia e da
Moldávia, primeiro sinal de configuração do que viria a ser nação
romena. Ocorreu que no século XV, os turcos invadiram aqueles
territórios dando início a guerras violentas.
Foi neste cenário que, por volta de 1430, nasceu o primeiro Drácula,
príncipe da Valáquia. O seu nome era Vlad, chamado Drakul – que
significa dragão ou demónio – pela
figura mitológica que ornava seu
brasão de família.
Imagem81
80
Uma das versões da lenda, gentilmente facultada pela Florentina S. de nacionalidade romena e complementado com alguns dados históricos retirados da wikipédia. 81
Imagem retirada do site “Como tudo funciona”.
Vlad levou uma vida de guerreiro bárbaro e é de se supor que tenha
sido traumatizado desde a mais tenra idade. Ainda jovem, foi mantido
prisioneiro pelos turcos e com eles presenciou e aprendeu métodos de
tortura e a terrível execução por empalamento.
Em 1448, aos 18 anos, diplomático, conseguiu que seus inimigos o
colocassem no trono da Valáquia. A pretexto de unificar o país e
expulsar seus antigos captores e invasores, Vlad deu início a um
reinado de campanhas bélicas pontuadas por chacinas sangrentas e
torturas. A morte colectiva dos prisioneiros, por empalamento, tornou-
se comum o que valeu ao soberano o apelido de Tepes ou
"Empalador". Além disso, a ira de Vlad resultava em punições cruéis,
dignas de uma mente sádica: cozinhar pessoas, queimá-las em
fogueiras, esfolamento, mutilações.
A revolta inevitável das populações martirizadas e o interesse político
da nobreza vizinha finalmente derrotou o tirano que foi capturado pelo
rei Matias, da Hungria. Conta a lenda que, no cárcere, Vlad Drácula se
divertia empalando pequenos animais que os guardas forneciam.
Em 1474, depois de 12 anos encarcerado, o Empalador recuperou a
liberdade pela via da negociação política e voltou a ocupar o trono da
Valáquia. Dois meses depois, morria, aos 45 anos, ferido durante mais
uma batalha contra os turcos.
A sua cabeça foi cortada, conservada em mel e enviada ao sultão como
troféu e o seu corpo dado como desaparecido.
Contos do Mundo
153
A lenda do Conde Drácula82
Drácula é um romance de 1897 escrito pelo autor irlandês Bram
Stoker, tendo como protagonista o vampiro Conde Drácula. Sem
dúvida trata-se do mais famoso conto de vampiros da literatura.
Começa com a chegada de um solicitador, de seu nome Jonathan
Harker, a um castelo na remota zona da Transilvânia. Aí o jovem Harker
trava conhecimento com o excêntrico proprietário do castelo, o conde
Drácula, dado este ter em vista a aquisição de várias propriedades na
Inglaterra.
Paulatinamente Harker começa a perceber que há mais do que
excentricidade naquela figura, há algo de estranho no anfitrião, algo de
realmente assustador e tenebroso. Aliás, passada a inicial
hospitalidade, Harker começa a entender que, mais do que um
hóspede, é realmente um prisioneiro do conde Drácula.
Seguidamente, Drácula decide viajar até à Inglaterra, deixando um
rasto de morte e destruição por onde passa – sob a forma de um
enorme morcego -, enquanto Harker é deixado à guarda de três figuras
femininas, três terríveis seres que se alimentavam de sangue humano
Harker consegue fugir, apesar de bastante debilitado, e encontra-se
com a sua noiva, Mina, em Budapeste.
Já em Inglaterra, Lucy, uma jovem inglesa, amiga de Mina, começa a
apresentar estranhos sintomas: uma enorme palidez e dois
enigmáticos orifícios no pescoço. Os seus amigos, John Seward,
Quincey Morris e Arthur Holmwood, incapazes de perceber a origem
daquela doença, recorrem ao auxílio do Dr. Abraham Van Helsing,
médico e cientista, famoso por seus métodos pouco ortodoxos, tendo
compreendido que Lucy estava a ser vítima dos ataques de um ser
diabólico: Drácula, uma espécie de morto-vivo que se alimentava de
sangue humano (vampiro). Contudo, receando a reacção destes, Van
Helsing decide não revelar imediatamente as suas conclusões.
82
Outra versão da lenda, retirada integralmente da wikipédia
Numa noite, a Lucy e a sua mãe são atacadas por um morcego – a
versão animal do conde Drácula – e ambas morrem, embora de causas
diferentes: Lucy tendo sido fruto do ataque sanguinário do
morcego/Drácula; a mãe de Lucy vítima de ataque cardíaco provocado
pelo medo.
A Lucy é enterrada, mas a sua existência não termina por aí: esta
renasce como vampira e começa a perseguir crianças. Van Helsing, não
tendo outra opção, confidencia as suas conclusões aos amigos desta.
Estes, decididos a colocar um fim naquela forma de existência,
pregando-lhe uma estaca no coração e cortando-lhe a cabeça, pois só
assim ela poderia descansar em paz.
Pouco tempo depois, para surpresa dos mesmos, percebem que
Drácula tinha agora uma nova vítima, Mina, já regressada de
Budapeste junto com Harker, agora juntos na condição de marido e
mulher. Porém, para além de se alimentar de Mina, Drácula também
lhe dá o seu sangue a beber, ritual que os faz ficarem ligados
espiritualmente numa espécie de matrimónio das trevas.
Van Helsing compreende que, através da hipnose, é possível seguir os
movimentos do vampiro, assim, decididos a destrui-lo e a salvar Mina,
e os homens perseguem-no. Drácula foge para o seu castelo na
Transilvânia, todavia, este é destruído pelos perseguidores antes de
concretizar tal objectivo, libertando a Mina deste “encantamento”.
Contos do Mundo
155
A menina e o veado
Era uma vez, há muito, muito tempo atrás, um homem de idade vivia
com a sua mulher e os seus dois filhos, de sua primeira esposa. As
crianças, um menino e uma menina, eram detestados pela sua
madrasta e espancados e sedentos por ela. A madrasta era conhecida
em todas as aldeias vizinhas tanto por ser tão inteligente quanto má e
cruel.
Como detestava as crianças, decidiu um dia, finalmente livrar-se deles
de uma vez por todas.
E um dia, olhou para o marido e exigiu que ele se livrasse dos filhos ou
ela nunca mais iria comer ou falar com ele. Ela aconselhou-o a levá-los
para a floresta e matá-los, ou deixá-los, ou qualquer outra coisa que
ele quisesse fazer com eles apenas contanto que ele não os trouxesse
para casa.
Uma vez que estava tão apaixonado pela sua mulher e sendo tão
pressionado, resolveu atender ao pedido da mulher, pois não queria
perdê-la.
As crianças responderam com prazer, porque eles achavam que era
algo de uma aventura de ir para o mato grande.
O pai que não teve coragem de matar os seus filhos, planeou
abandoná-los no mato. Assim, que se apercebeu que as crianças
estavam entretidas a apanhar lenha, fugiu e escondeu-se deles.
Quando as crianças se aperceberam da ausência do pai, começaram a
chamar por ele em pânico e, em seguida, exaustos de tanta procura,
sentaram-se sobre um tronco caído, a chorar. A menina olhou para
cima e viu o rastro de cinzas que eles tinham deixado e sugeriu ao
irmão seguirem-no. Ficaram muito contentes por terem encontrado a
sua casa mas temendo que a madrasta os repreendesse por terem
perdido o pai, resolveram esconder-se.
Quando escureceu, e como a noite estava muito fria, os dois irmãos
subiram para o telhado de casa e colocaram-se perto da chaminé. E aí
eles puderam ouvir os lamentos de seu pai, por ter cometido acto tão
vil.
Mas mesmo assim, a madrasta, decidiu atormentar ainda mais o
marido e após o jantar, perguntou-lhe: "Bem, onde estão seus filhos?
Por que eles não vêm para a mesa para comerem os ossos?".
Ao ouvirem, pela chaminé, a pergunta da madrasta, as inocentes
crianças acharam que agora seria o momento de aparecerem e de
acabarem com o sofrimento de seu desaparecimento. E, deslizando do
telhado, diz o menino: "Aqui estamos, mãe. Nós estamos a chegar
agora para o nosso jantar." O seu pai ficou muito contente ao ver os
seus filhos.
E por esta a madrasta não esperava. Assim que as crianças se deixaram
dormir, a madrasta voltou a importunar o marido e chamando-lhe de
incompetente, tornou-lhe a pedir que se livrasse de seus filhos. Farto
de tantas ameaças, lá lhe prometeu, no dia seguinte levar as crianças
para dentro da floresta densa de modo a que eles nunca mais
conseguissem encontrar o caminho de retorno a casa.
Nesse dia, porém, iludidas novamente pelo pai, lá foram as duas
crianças e assim que se distraíram, o pai fugiu. Mas dessa vez, o seu pai
fora mais cauteloso e conseguira ter êxito.
As crianças, aterrorizadas, entre os gritos pelo pai e o choro, decidiram
abraçar-se.
A noite caíra e conseguiam perceber a presença de outros animais.
Vendo-se perdidos, decidiram procurar alimento. Mas devido à sua
tenra idade, só conseguiam encontrar raízes. Mas estas só os deixavam
ficar sedentos. Depois de muita procura, lá descobriram água da chuva
nas pegadas de uma raposa. O menino ajoelhou-se no chão para
beber, mas foi interrompido pela irmã que disse: "Irmão, se você beber
a água vai-se transformar numa raposa e não haverá ninguém para
cuidar de mim." Então, o menino que tanto amava a sua irmã não
bebeu a água. Continuaram caminho e ao fim de algum tempo,
encontraram água nas pegadas de um urso. O menino, quase a delirar
Contos do Mundo
157
com a sede, tornou a ajoelhar-se para beber a água e a irmã avisou:
"Irmão, não bebas dessa água pois transformar-te-ás num urso e não
poderás cuidar de mim”. E o menino tornou a não beber.
Continuando caminho, viram a água da chuva nas pegadas de um
veado. Mas o menino, tão sedento que estava, e sem ouvir a sua irmã,
ajoelhou-se e bebeu daquela água. Assim que o menino bebeu a água,
transformou-se num magnífico veado de ouro. O seu corpo brilhava de
tão dourado que era e com tanta pedra preciosa que tinha no seu
dorso. E dos seus chifres sobressaia um cordão de seda que terminava
no dorso. Ele era tão bonito que o vento parou de soprar, pois ficou
impressionado com a sua visão dele.
Imagem83
Então, ajoelhou-se diante de
sua irmã, que estava lavada
em lágrimas, e pediu-lhe que
subisse e se agarrasse forte
ao cordão.
A menina assim fez e eles
partiram juntos para formar
a sua casa na floresta escura.
O veado construiu uma casa para sua irmãzinha no alto de uma árvore
para mantê-la segura de animais e de caçadores.
Viveram assim por muitos anos até que o filho de um rei foi caçar no
bosque e avistou uma linda donzela nas árvores. A menina tinha
crescido e tinha-se transformado numa linda donzela. Ela tinha uns
longos cabelos pretos muito brilhantes e uns grandes olhos negros.
83
Imagem retirada do blog “Entre caminhos e palavras”
Assim que a viu, o Príncipe de imediato se apaixonou. Mas a menina,
desapareceu por entre a floresta. Completamente apaixonado e
perdido, o Príncipe abandonou a caça e ordenou que fosse divulgado
por todo o reino, uma bela recompensa a todas as mulheres que lhe
trouxessem a bela jovem.
A mais sábia de todas as mulheres do reino
prometeu ao Príncipe trazer-lhe a agora
jovem. E então, lá partiu para a floresta.
A mulher sábia, depois de muito andar, e
embrenhada na floresta, descobriu o
esconderijo da jovem. E chegando perto da
árvore, escondeu-se para ver como
conseguiria chegar perto da jovem. E de
repente, aparece-lhe um belo veado trazendo
no seu dorso, raízes e outros alimentos, que
depois de subir à alta árvore, o distribuiu pela
jovem e os dois comeram. Acabada a merenda, a jovem sentou-se em
cima do belo veado e foram passear. Ao fim de algum tempo, os dois
regressaram à árvore e a linda jovem, beijou o veado, que a ajudou a
subir a árvore e foi-se embora.
E durante dias, a mulher sábia manteve-se escondida, assistindo a esta
rotina todos os dias. Sem saber muito bem o que pensar sobre o que
vira, ainda tinha de adivinhar a forma de levar esta bela jovem ao
Príncipe. Uma vez que não sabia como chegar à menina, regressou ao
castelo e foi falar com o Príncipe. E aí lhe disse o que precisaria para
conseguir capturar a sua apaixonada.
E o que pediu ao Príncipe, recebeu: dois cavalos, um carro, uma
trempe, um balde e um jarro de água, e depois partiu para o bosque.
Ao chegar na floresta, deixou o carro e levou o que pedira ao jovem
Príncipe, na base da árvore da jovem. Uma vez lá, ela acendeu uma
pequena fogueira e colocou a trempe de cabeça para baixo. A jovem,
assistindo ao que a mulher fazia, depressa lhe gritou que tinha
colocado a trempe da maneira errada. A jovem ficara muito espantada
Contos do Mundo
159
como é que uma senhora tão experiente colocava aquele utensílio de
forma errada.
Em seguida a mulher sábia colocou o balde de cabeça para baixo e
derramou a água sobre ela. A mulher desesperou em voz alta e
começou a chorar pois assim nunca mais teria água quente. Vendo o
desespero da mulher, a jovem prontificou-se a ajudar dali de cima da
árvore com um balde de água. E mais uma vez a menina perguntou-lhe
como é que ela, uma senhora tão experiente não sabia como colocar o
balde de água sobre a trempe de modo a não entornar. A mulher sábia
mentiu e disse-lhe que tinha sido uma mulher rica com muitos
empregados, mas que agora ela era pobre e todos os seus pertences
foram queimados e que tinha resolvido ir viver para a floresta, devido a
tamanha vergonha.
Ao ouvir a sua história, a menina ficou muito triste e tentando
confortar a falsa senhora rica, desceu da segurança da sua árvore e
prontificou-se a ajudá-la nos seus afazeres. Assim que a jovem desceu
e estando perto da sábia senhora, a mulher sábia agarrou-a e colocou-
lhe uma mordaça na boca. Meteu a jovem no carro e seguiu caminho
até ao castelo.
Quando chegaram ao palácio, o Príncipe felicíssimo por ver a menina,
ajoelhou-se e pediu-lhe para casar com ele imediatamente. A jovem
estava tão triste como surpresa com o que lhe tinha acontecido e só
pensava no seu irmão, que agora era um belo veado. Mas, e com os
dias, a jovem apaixonou-se pelo Príncipe e aceitou a proposta de
noivado. O Príncipe convidara todo o reino e o casamento durara todo
o dia e toda a noite.
Mas o seu irmão é que estava inconsolável. E toda a floresta podia
contemplar a tristeza do agora veado. E num belo dia, ainda
amargurado com tamanha tristeza, sem se dar conta, o veado
aproximou-se do castelo. E a jovem, agora Princesa, pode ouvir as
lamúrias de seu irmão, reconhecendo imediatamente a voz.
Todos ficaram espantados quando a bela Princesa saiu do castelo e foi
de encontro àquele choro. E assim que se viram, os dois irmãos
correram a abraçar-se. Espantado, o Príncipe perguntou-lhe de onde
conhecida aquele belo exemplar de veado, todo coberto de ouro e
jóias. E logo, a jovem Princesa se prontificou a contar a sua história
mais a de seu irmão. Comovido com tanta bravura e lealdade, o
Príncipe convidou o veado a viver num estábulo, também ele todo
dourado e com fartura de erva fresca.
E assim viveram felizes para sempre.
Contos do Mundo
161
Contos da Rússia
Rússia
A Rússia ou Federação da Rússia, é um
país localizado no norte da Eurásia
(Europa e Ásia em conjunto). É uma
república semipresidencialista, dividida
em 83 subdivisões. A Rússia divide as
suas fronteiras com os seguintes países
(de noroeste para sudeste): Noruega,
Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia e
Polónia (ambas através de Kaliningrado), Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia,
Azerbaijão, Cazaquistão, China, Mongólia e Coreia do Norte. Também
tem fronteiras marítimas com o Japão (pelo Mar de Okhotsk) e com os
Estados Unidos (pelo Estreito de Bering). Com 17.075.400 quilómetros
quadrados, a Rússia é de longe o maior país do mundo, cobrindo mais
de um nono da área terrestre do planeta. A Rússia também é o nono
país mais populoso, com 142 milhões de habitantes. Estende-se por
todo o norte da Ásia e por 40% do território da Europa, abrangendo 11
zonas horárias e incorporando uma grande variedade de ambientes
geográficos. A Rússia tem as maiores reservas de recursos minerais e
energéticos do mundo e é considerada uma superpotência energética.
O país possui as maiores reservas florestais do mundo e seus lagos
contêm aproximadamente um quarto da água doce descongelada do
planeta.
A história do país começou com os Eslavos do Leste, que surgiram
como um grupo reconhecido na Europa entre os séculos III e VIII.
Fundada e dirigida por uma classe nobre de guerreiros Vikings e pelos
seus descendentes, o primeiro Estado Eslavo do Leste, o Principado de
Kiev, surgiu no século IX e adoptou o Cristianismo Ortodoxo do Império
Bizantino em 988, dando início à síntese das culturas Bizantina e Eslava
que definiram a cultura Russa.
Imagem84
A paisagem da Rússia é essencialmente, dominada por planícies e vales
em 3/4 do território. As planícies do Leste-Europeu e da Oeste-
Siberiana, divididas pelos montes Urais, são as maiores do planeta. O
ponto mais elevado é o monte Elbrus, com uma altitude de 5633
metros, que é também o ponto mais alto da Europa.
Devido às sucessivas conquistas de Ivan I, fizeram da Rússia um dos
países com maior diversidade racial e étnica do mundo.
Segundo o The World Fact Book da CIA e segundo os censos de 2002, a
etnicidade da população russa apresentava-se da seguinte maneira:
Russos - 79,8%; Tártaros - 3,8%; Ucranianos - 2,0%; Bashkir - 1,2%;
Chechenos - 0,9%. Existem muitas outras etnias como lituanos,
romenos, bielorrussos.
84
Imagem retirada do site “Trilhas e aventuras”
Contos do Mundo
163
Contos Tradicionais
A ciência manhosa
Era uma vez um homem e uma mulher que tinham um filho. O velho
era pobre, por isso queria mandar ensinar alguma coisa ao filho, e
assim levou-o a várias cidades, para ver se alguém queria servir-lhe de
mestre, mas ninguém se prestou a isso de graça.
O velho voltou para casa, chorou, chorou em companhia da velha,
ralou-se muito com a sua pobreza e levou o filho outra vez à cidade.
Mal chegaram à cidade, encontraram um homem que perguntou ao
velho:
- Porque estás triste, velhinho?
- Então não hei-de estar triste? – disse o velho. – Fartei-me de andar
com o meu filho, mas ninguém quis ensinar-lhe de graça e não tenho
dinheiro!
- Pois então dá-mo cá – disse o homem – que eu lhe ensinarei todas as
manhãs em três anos. E daqui a três anos, no mesmo dia e à mesma
hora, vem buscar o teu filho; mas olha bem: se não vieres atrasado,
hás-de conhecer o teu filho e hás-de levá-lo; em caso contrário, ele
tem de ficar em minha casa.
O velho ficou tão contente que nem perguntou quem era o homem,
onde vivia e o que ia ensinar ao rapaz; entregou-lhe o filho e foi para
casa. Chegou a casa cheio de alegria e contou tudo à velha; mas o
homem era um feiticeiro.
Passaram os três anos e o velho esqueceu-se completamente do dia
em que tinha entregue o filho ao feiticeiro.
Imagem85
Mas, na véspera do dia
em que acabava o prazo,
o filho veio a casa do pai
em forma de passarinho,
atirou-se ao chão e entrou
na cabana transformado
num rapaz.
Cumprimentou o pai e disse:
- Amanhã faz três anos em ponto; é preciso ir buscar-me, mas é preciso
também conhecer-me. Eu não sou o único aprendiz em casa do meu
patrão; ele tem mais onze operários, que ficaram em casa dele para
sempre, porque os pais não puderam conhecê-los; e se vossemecê não
me conhecer, também eu fico em casa dele e seremos doze. Quando
vossemecê for amanhã buscar-me, o patrão há-de-nos deixar sair
todos os doze transformados em pombos brancos exactamente iguais:
Mas repare: todos os pombos hão-de voar alto, mas eu ainda hei-de
voar mais alto que todos. O patrão há-de perguntar-lhe se conhece o
seu filho e vossemecê aponte-lhe o pombo que voar mais alto que
todos. Depois ele há-de-lhe mostrar doze cavalos, todos da mesma cor,
com as crinas caídas para o mesmo lado e absolutamente iguais.
Quando vossemecê passar ao pé dos cavalos, repare bem: hei-de bater
no chão com o pé direito. O patrão há-de tornar a perguntar-lhe se
conhece o seu filho e vossemecê aponte logo para mim. Depois ele vai
mostrar-lhe doze rapazes exactamente iguais: a mesma estatura, os
mesmos cabelos, a mesma cara e o mesmo fato. Quando vossemecê
passar ao pé desses rapazes, repare bem: uma mosquinha há-de
85
Imagem retirada do blog “Anjos da Noite”
Contos do Mundo
165
poisar-me na face direita. O patrão torna a perguntar-lhe se conhece o
seu filho e vossemecê aponte para mim.
O rapaz disse tudo isto ao pai, despediu-se dele, saiu de casa, atirou-se
ao chão, fez-se num pássaro e voou para a casa do patrão.
Pela manhã, o velho levantou-se e foi buscar o filho. Chega a casa do
feiticeiro.
- Ora pois – diz-lhe o feiticeiro -, ensinei ao teu filho todas as manhas.
Mas, se o não conheceres, tem de ficar em minha companhia para
sempre.
Depois o feiticeiro deixou sair doze pombos brancos exactamente
iguais e disse:
- Vê se conheces o teu filho!
Como havia ele de conhecê-lo, se eram todos iguais? Olhou, olhou e,
assim que um pombo voou mais alto que os outros, apontou para ele e
disse:
- Parece-me que é aquele!
- Conheceste-o, conheceste-o, velhinho – disse o feiticeiro.
- Então, velhinho? Conheceste o teu filho?
Depois deixou sair doze cavalos, exactamente iguais e com as crinas
caídas para o mesmo lado. O velho começou a andar em volta dos
cavalos, reparando com muita atenção, e o patrão perguntou-lhe:
- Então, velhinho? Conheceste o teu filho?
- Ainda não, espere um pouco.
E assim que viu um cavalo bater no chão com o pé direito, apontou
para ele e disse:
- Parece-me que é aquele!
- Conheceste-o, conheceste-o, velhinho.
Depois saíram doze rapazes: a mesma estatura, os mesmos cabelos, a
mesma voz e a mesma cara, como se fossem filhos da mesma mãe.
O velho passou uma vez ao pé dos rapazes e não distinguiu nada;
passou segunda e nada de novo mas, quando vinha a passar terceira,
notou uma mosca na face direita de um dos rapazes e disse:
- Parece-me que é este!
- Conheceste-o, conheceste-o, velhinho – disse o feiticeiro e, como não
tinha outro remédio, entregou o rapaz ao velho e ambos foram para
casa.
Foram andando, andando, e encontraram no caminho um homem.
- Paizinho – disse o filho -, vou já tornar-me num cãozinho; o homem
há-de comprar-me; venda-me a mim, mas não venda a coleira, senão
não volto para a sua companhia!
Disse e no mesmo instante atirou-se ao chão e transformou-se num
cãozinho. O homem viu que o velho levava um cãozinho e começou a
negociar com ele. Não era o cãozinho mas a coleira o que mais lhe
agradava.
O homem dava por ele cem rublos, mas o velho pediu trezentos;
regatearam, regatearam e o homem comprou o cãozinho por duzentos
rublos. Quando o velho ia tirar a coleira, isso sim! Nem falar nisso era
bom, pois o homem teimava muito.
- Eu não vendi a coleira – disse o velho -, só vendi o cãozinho.
Mas o homem respondeu:
- Nada, você mente! Quem comprou o cãozinho também comprou a
coleira.
O velho pensou, pensou (pois, com efeito, não se pode comprar um
cão sem coleira) e entregou-o com a coleira.
O homem pegou no cãozinho e meteu-o no seu carro e o velho
recebeu o dinheiro e foi para casa.
O homem seguiu no seu carro e de repente viu correr uma lebre.
Soltou-lhe o cãozinho, que deixou fugir a lebre, que se safou para a
floresta.
O homem esperou, esperou e foi-se embora sem o cãozinho. Mas o
cão fez-se outra vez em gente.
O velho andava pela estrada a pensar: «Como hei-de aparecer em
casa? O que hei-de dizer à velha a respeito do filho?»
Mas o filho apanhou-o e disse:
Contos do Mundo
167
- Oh, paizinho, porque é que me vendeu com a coleira? Se não fosse
uma lebre que encontrámos, eu nunca mais voltaria!
Voltaram para casa e foram vivendo. Passado tempo, um belo
domingo, o filho disse para o pai:
- Paizinho, vou fazer-me num pássaro; leve-me para o mercado e
venda-me; mas não venda a gaiola, senão não volto para casa.
O rapaz atirou-se ao chão e transformou-se num pássaro; o velho
meteu-o numa gaiola e foi vendê-lo ao mercado.
Muitos compradores cercaram o velho e à porfia começaram a
regatear o pássaro, que lhes agradava muito.
Veio também o feiticeiro e logo conheceu o velho e adivinhou quem
era o pássaro que estava na gaiola. Um dava muito, outra dava mais,
porém o feiticeiro ofereceu mais que ninguém.
O velho vendeu-lhe o pássaro, mas não queria dar-lhe a gaiola. Por
mais que o feiticeiro instasse, não conseguiu levar a gaiola, mas só o
pássaro, que embrulhou num lenço e levou para casa.
Quando chegou a casa, disse:
- Até que enfim, filha comprei o nosso velhaco!
- Onde está ele?
O feiticeiro desatou o lenço, mas o pássaro já lá não estava havia muito
tempo, tinha voado!
Outro domingo, diz o filho:
- Paizinho, vou fazer-me num cavalo; mas olhe, venda o cavalo e não
me venda o freio, senão não volto para casa.
O rapaz atirou-se ao chão, transformou-se num cavalo. O velho foi
vendê-lo ao mercado. Os negociantes cercaram o velho: um dava
muito, outro dava mais, porém o feiticeiro ofereceu mais que ninguém.
O velho vendeu-lhe o filho mas não queria dar-lhe o freio.
- Então como hei-de levar o cavalo? – perguntou o feiticeiro. – Deixa-
me ao menos levá-lo até ao pátio; depois, se quiseres, levas o teu freio;
não preciso dele!
Então todos os negociantes se atiraram ao velho:
- Isso não é costume! Se vendeste o cavalo, também vendeste o freio.
O que havia ele de fazer? Entregou o freio.
O feiticeiro levou o cavalo para a estrebaria, prendeu-o a uma argola
de tal forma que o animal ficou com as patas suspensas no ar.
- Até que enfim, filha – tornou a dizer o feiticeiro. – Comprei o nosso
velhaco.
- Onde está?
- Está na estrebaria.
A filha foi ver. Teve pena do rapaz, soltou-lhe o freio, mas o cavalo
fugiu.
A filha foi ter com o pai e disse:
- Paizinho, desculpe-me, por mal dos meus pecados, deixei fugir o
cavalo.
O feiticeiro atirou-se ao chão, transformou-se num lobo e correu atrás
do cavalo. Por pouco não o acompanhou. Mas o cavalo chegou a um
rio, atirou-se ao chão e transformou-se num peixe, que se atirou ao rio;
o lobo fez-se num lúcio e deitou-se atrás dele. O peixe fugiu pela água
fora até chegar a um sítio onde umas belas raparigas estavam a lavar a
roupa.
Depois fez-se num anel de ouro e rolou para debaixo dos pés da filha
do negociante. A filha do negociante apanhou o anel e guardou-o.
Mas o feiticeiro fez-se num homem como dantes e, sem largar a
rapariga, disse-lhe:
- Entrega-me o meu anel de ouro.
- Toma – disse a rapariga, e atirou o anel ao chão. Mas o anel bateu no
chão e fez-se logo em grão miúdo.
O feiticeiro transformou-se num galo e começou a comer; mas um grão
transformou-se num abutre e comeu o galo.
Contos do Mundo
169
A mulher que adivinha
Era uma vez uma velha aldeã, que tinha um filho ainda pequeno de
mais para trabalhar nos campos. Chegaram a ponto de não terem nada
que comer; então a velha pôs-se a pensar nos meios de arranjar pão e
disse para o filho:
- Vai ver se alguém tem cavalos, depois amarra-os a um arbusto e dá-
lhes feno, e em seguida desamarra-os, leva-os para o campo e larga-os.
O rapaz fez o que a mãe lhe mandou.
Ora a respeito da velha dizia-se que adivinhava.
Os donos dos cavalos procuraram-nos por muito tempo, mas não
foram capazes de os encontrar, e disseram:
- Que havemos de fazer? É preciso ir à busca dum feiticeiro e dar-lhe o
que nos pedir, para nos dizer onde estão os cavalos.
Então lembraram-se da adivinha e disseram:
- E se fôssemos ter com ela e lhe pedíssemos que deitasse cartas,
talvez soubesse dizer-nos alguma coisa a respeito dos cavalos.
Dito e feito. Foram à casa da velha e disseram:
- Tiazinha, disseram-nos que vossemecê sabia deitar cartas; perdemos
os nossos cavalos; veja se sabe dizer-nos onde estão.
A velha disse-lhes:
- Não posso; não tenho forças para isso.
Dizem eles:
- Veja lá, tiazinha, se nos deita cartas; olhe que não é de graça;
havemos de lhe pagar o seu trabalho.
Então ela deitou as cartas tossindo, e disse:
- Os vossos cavalos estão amarrados a um arbusto em tal parte.
Os donos dos cavalos ficaram muito contentes e pagaram à velha; em
seguida foram em busca dos cavalos. Quando lá chegaram ao tal
arbusto, já não encontraram os cavalos, mas conheceram o sítio onde
tinham estado amarrados, por causa de uma corda dum freio que
encontraram no arbusto e dum montão de feno que ali tinha ficado. E
como não achassem os cavalos, resolveram ir outra vez ter com a
velha, para ver se adivinhava onde estavam os animais.
Quando chegaram à casa da velha, esta estava deitada em cima do
forno a lamentar-se e a queixar-se, como se estivesse doente. Puseram
a pedir-lhe que tornasse a deitar-lhes cartas. Desta vez, ela também
fingiu que não queria, para ver se lhe davam mais dinheiro. Eles
prometeram recompensá-la bem, no caso de encontrarem os cavalos.
Então a velha desceu do forno queixando-se e tossindo, e tornou a
deitar cartas; depois pensou e disse:
- Ide procurá-los em tal e tal campo, e haveis de os encontrar.
Os donos dos cavalos pagaram-lhe generosamente o trabalho, e foram
em busca dos cavalos. Quando chegaram ao tal campo, encontraram
realmente os cavalos e levaram-nos para casa.
Então espalhou-se uma grande fama acerca da velha; dizia-se que
adivinhava tudo. A fama da velha chegou aos ouvidos de um fidalgo,
em cuja casa tinha desaparecido um cofre cheio de dinheiro. O fidalgo
mandou dois criados com uma carruagem à casa da velha, para a
levarem sem falta à casa dele, mesmo que ela estivesse muito doente.
Um dos criados chama-se Carneiro e o outro António, e eram eles que
tinham roubado o dinheiro ao fidalgo. Chegaram à casa da velha e
meteram-na na carruagem quase à força. No caminho, a velha
começou a queixar-se e a suspirar, murmurando consigo:
- Ai de mim! Se não fosse o dinheiro e o demónio não andava eu de
trem e não ia, como adivinha, à casa do fidalgo, para me meter numa
camisa de onze varas. Ai, ai, isto está mal!
O Carneiro escutou e disse para o António:
- Ouves, António? A velha está a murmurar qualquer coisa a nosso
respeito. Parece que isto está mal.
O António disse-lhe:
- Porque é que te assustaste tanto? Talvez penses assim pelo medo que
tens.
Mas o Carneiro respondeu-lhe:
Contos do Mundo
171
- Escuta tu, olha, lá está ela outra vez a murmurar.
Ora como a velha ia aflita e também estava receosa do seu destino,
tornou daí a pouco a murmurar:
- Ai de mim! Se não fosse o dinheiro e o demónio, não havia nada disto!
Puseram-se ambos à escuta, ficaram muito assustados e disseram:
É preciso pedir à velha que não diga nada ao patrão, pois ela está
sempre a dizer:
«Se não fosse o Carneiro e o António, não havia nada disto.» Depois
começaram a pedir à velha:
- Ó tiazinha! Não queira ser causa da nossa desgraça, que havemos de
lhe agradecer. Não ganha em dizer tudo ao patrão, só nos desgraçará.
Ora a velha não era tola, e percebeu logo tudo, sentindo-se ao mesmo
tempo muito aliviada.
Depois perguntou-lhes:
- Onde foi que vocês puseram tudo isso?
Eles disseram a chorar:
- Ó tiazinha! Foi o demónio que nos tentou para cometermos
semelhante pecado.
A velha tornou a perguntar:
- Mas que é feito dele?
Eles disseram:
- Escondemo-lo no moinho.
Depois combinaram como haviam de o entregar, e chegaram à casa do
fidalgo.
Quando o fidalgo viu a velha ficou muito contente, andou com ela nos
braços e deu-lhe de comer e beber do bom e do melhor; quando já
estava farta, ele pediu-lhe que deitasse cartas, para ver onde estava o
dinheiro, dizendo:
- Ó tiazinha! Faça de conta que está em sua casa; ponha-se à vontade,
e se descobrir quem me roubou o dinheiro dou-lhe tudo quanto quiser.
Então a velha deitou cartas e ficou a olhar para elas por muito tempo,
murmurando; finalmente disse:
- Olhe, o que perdeu está no moinho.
Assim que o fidalgo ouviu isto, mandou logo o Carneiro e o António
buscar o dinheiro, pois não sabia que eles o tinham roubado. Foram
buscar o dinheiro e trouxeram-no ao fidalgo. Quando este viu o seu
dinheiro, ficou tão contente que nem sequer o contou, e deu logo à
velha cem rublos e mais coisas, prometendo-lhe nunca a abandonar
pelo serviço que ela tinha prestado; depois deu-lhe do bom e do
melhor e mandou-a de carruagem para casa. No caminho, o Carneiro e
o António agradeceram à velha não ter dito nada ao patrão, embora
soubesse tudo, e também lhe deram dinheiro.
Desde então, a velha ainda ficou mais conhecida, e não lhe faltou nada,
pois viveu feliz em companhia do seu filho.
As pérolas roubadas
Era uma vez um fidalgo que tinha um lacaio e um cocheiro; o lacaio
chamava-se Pança e o cocheiro Costas.
Um belo dia, eles roubaram ao patrão umas pérolas, que estavam
guardadas num cofre.
Quando o fidalgo viu que as pérolas não estavam no cofre chamou os
dois homens e disse-lhes:
- Confessai a verdade se me roubaste!
Eles disseram:
- Não, senhor! Nunca! Nem sabemos de nada.
O fidalgo disse:
- Vede bem o que dizeis, pois vou já chamar a adivinha, e ai de vós se
ela disser que fostes vós.
O fidalgo mandou chamar a velha e, quando ela chegou, ele disse-lhe:
- Bom-dia, tiazinha! Faz favor de me deitar as cartas, pois roubaram-me
umas pérolas de muito valor.
A velha respondeu:
Contos do Mundo
173
- Está muito bem, patrão, já lá vou; mas antes de tudo, mande-me
aquecer água para um banho, pois venho muito suja do caminho e
quero lavar-me86
.
Preparam o banho, e a velha começou a fustigar-se com a vassoura e a
dizer:
- Agora a pança e as costas hão-de apanhar.
Mas o lacaio e o cocheiro estavam à janela a escutar o que ela dizia. Diz
o cocheiro:
- Oh, amigo, ela já sabe tudo. O que vai ser de nós?
Mal a velha saiu do banho, eles começaram a pedir-lhe:
- Oh, tiazinha! Por amor de Deus, não diga nada ao patrão.
Pergunta a velha:
- Mas que é feito das pérolas? Ainda estão intactas?
Eles disseram:
- Estão, sim, tiazinha.
A velha disse:
- Pois enrolai cada uma das pérolas em miolo de pão e dai-o de comer
ao ganso.
Dito e feito. A velha foi ter com o fidalgo, que lhe perguntou:
- Então, tiazinha, já sabe?
A velha disse:
- Sei, meu caro.
O fidalgo perguntou-lhe:
- Mas quem tem a culpa?
Diz a velha:
- É o ganso que anda no pátio; a sua casa tem as janelas abertas, e
assim o ganso entrou e comeu as pérolas.
O fidalgo mandou apanhar e matar o ganso. Mataram o ganso e
encontraram-lhe as pérolas na moela. O fidalgo agradeceu à velha e
86
Depois do banho propriamente dito, usam-se na Rússia banhos de vapor, enchendo-se uma casa especial de vapor muito quente, e fustigando-se o corpo com uma espécie de vassoura feita de ramos de arbustos.
jantou com ela; mas mandou trazer para o jantar uma gralha assada,
para ver se a velha adivinhava o que era. Sentaram-se à mesa.
Quando trouxeram a gralha assada, a velha, olhando para os lados,
disse a respeito de si própria:
- As gralhas voam alto, e às vezes entram em palácios87
.
O fidalgo disse:
- Que esperta que ela é; sabe tudo.
Depois do jantar, o fidalgo mandou vir a carruagem para levar a velha
para casa, e disse a um criado que pusesse ovos na carruagem sem ela
saber. O criado assim fez. Como a carruagem parecia um cabaz, diz a
velha ao sentar-se:
- Lá vai a galinha para o choco.
O fidalgo admirou-se de a velha saber tudo, deu-lhe dinheiro e
mandou-a para casa.
A galinha milagrosa
Em certo reino, viviam um velho e uma velha; eram muito pobres e
tinham dois filhos ainda pequenos. Um dia, o velho foi trabalhar para
ganhar a vida e apenas ganhou um cruzado. Quando ia para casa,
encontrou um homem embriagado que levava uma galinha e lhe disse:
- Quer comprar esta galinha?
O velho perguntou-lhe quanto queria por ela. O embriagado pediu
cinco tostões. O velho ofereceu-lhe o cruzado que tinha e comprou a
galinha. Quando chegou a casa, todos tinham fome e não havia em
casa nem um bocado de pão. O velho entregou a galinha à mulher, mas
esta começou a ralhar com ele, dizendo:
- Então endoideceste! Os filhos estão sem pão e tu foste comprar uma
galinha; pois ainda é preciso dar de comer à galinha!
87
É um ditado russo relativamente a um pobre que de repente se vê rico.
Contos do Mundo
175
Imagem88
O velho respondeu-
lhe:
- Ora cala-te, que a
galinha não come
muito e há-de-nos
pôr ovos e fazer
criação; depois
havemos de vender
a criação e comprar
pão.
O velho arranjou um
ninho para a galinha e
pô-la debaixo do forno. No dia seguinte foi vê-la e encontrou uma
pedra preciosa, que a galinha tinha posto. Diz o velho para a mulher:
- As galinhas costumam pôr ovos, mas a nossa põe pedrinhas; e agora o
que é que vamos fazer dela?
A velha respondeu-lhe:
- Leva a pedrinha para a cidade, talvez alguém a compre.
O velho foi à cidade e andou a mostrar a pedra preciosa. Vários
negociantes vieram ter com ele e começaram a regatear a pedrinha até
que finalmente a compraram por quinhentos rublos. Daí por diante, o
velho começou a negociar com as pedras preciosas que a galinha
punha; assim enriqueceu depressa, fez-se um grande negociante, abriu
armazéns, empregou caixeiros e começou a viajar por mar, indo a
terras estrangeiras negociar. Um dia, antes de partir, disse para a
mulher:
88
Imagem retirada do blog “Peregrinacultural’s Weblog”
- Olha, toma conta na galinha e cuida mais dela do que de ti; e se se
perder corto-te a cabeça.
Mal o velho partiu, logo a mulher se apaixonou por um caixeiro novo,
que lhe perguntou:
- Onde é que vocês arranjam pedras preciosas?
A mulher respondeu-lhe:
- É a nossa galinha que as põe.
O caixeiro pegou na galinha e viu-lhe por baixo da asa direita uma
inscrição com letras de ouro, que dizia: «Quem comer a cabeça desta
galinha há-de ser rei; e quem lhe comer os intestinos há-de cuspir
ouro.» O caixeiro pediu à mulher que matasse a galinha e a assasse
para o jantar dele. Ela respondeu-lhe:
- Nada disso, que o meu marido em voltando mata-me.
Mas o caixeiro, sem se importar, continuou a insistir no seu pedido.
Ora, no dia seguinte a velha chamou o cozinheiro e mandou-o matar a
galinha e assá-la, juntamente com a cabeça e com os intestinos. O
cozinheiro matou a galinha, meteu-a no forno e saiu. Entretanto
vieram do colégio os filhos da velha, olharam para dentro do forno e
quiseram provar o assado; o irmão mais velho comeu a cabeça da
galinha e o mais novo comeu os intestinos. À hora do jantar, trouxeram
a galinha para a mesa e assim que o caixeiro viu que faltavam os
intestinos e a cabeça zangou-se com a velha e foi-se embora. A velha
ainda foi atrás dele, pedindo-lhe que se não zangasse, mas ele não
queria saber de nada e apenas insistia no seu pedido, dizendo:
- Mata os teus filhos, tira-lhe os intestinos e os miolos e arranjamos
para a minha ceia, senão nunca mais te falo.
A velha deitou os filhos e chamou o cozinheiro, ordenando-lhe que os
levasse para a floresta e os matasse, a fim de lhes tirar os intestinos e
os miolos e prepará-los para a ceia.
Contos do Mundo
177
Imagem89
O cozinheiro levou os rapazes para
a floresta, parou e pôs-se a afiar
uma faca. Nisto os rapazes
acordaram e perguntaram-lhe:
- Para que está vossemecê a afiar
essa faca?
Ele respondeu-lhes:
- Porque a vossa mãe me ordenou que vos tirasse os intestinos e os
miolos e os preparasse para a ceia.
Então os rapazes disseram-lhe:
- Oh, querido tiozinho, não nos mate! Se vossemecê tiver dó de nós,
dar-lhe-emos tanto ouro quanto quiser.
O irmão mais novo cuspiu-lhe um montão de ouro e o cozinheiro
restituiu-lhes a liberdade; deixou os rapazes na floresta e voltou para
casa.
Por sorte dele, a cadela acabava de ter cachorros; ele agarrou em dois
cachorros e matou-os; tirou-lhes os intestinos e os miolos, assou-os e
serviu-os à ceia. O caixeiro devorou tudo, porém não veio a ser rei,
nem príncipe, mas ficou sendo criado.
Ora, os rapazes saíram da floresta e foram andando por aí fora, até que
chegaram a uma encruzilhada onde havia um poste com a seguinte
inscrição:
«Quem for pela direita há-de obter um reino e quem seguir pela
esquerda há-de passar muito mal; em compensação, há-de casar com
89
Imagem retirada do site “Gartic”
uma bela princesa.» Os irmãos leram essa inscrição e resolveram seguir
cada um para seu lado: o mais velho foi para a direita e o mais novo
seguiu para a esquerda. O mais velho foi andando, andando até que
chegou à capital de certo reino; as ruas estavam cheias de gente, mas
todos de luto. O rapaz pediu pousada a uma velhinha pobre. A velhinha
deu-lhe pousada e começaram a conversar. O rapaz perguntou-lhe:
- Porque está tanta gente nesta cidade, os quartos são tão caros e
todos andam de luto?
A velha respondeu-lhe:
- Morreu o nosso rei e os fidalgos da corte publicaram um aviso
convocando todos e dando a cada um uma vela; o povo vai com essas
velas à catedral; as velas devem acender-se por si e quem primeiro
tiver essa sorte será rei.
No dia seguinte, o rapaz levantou-se, lavou-se, agradeceu à velha a
hospedagem e foi à catedral, estava ali tanta gente que nem em três
anos se poderia contar; assim que ele pegou numa vela, esta acendeu-
se imediatamente. Então todos se deitaram a ele e começaram a
apagar-lhe a vela, mas esta cada vez ardia mais. Não tiveram outro
remédio senão proclamá-lo rei; vestiram-lhe um fato bordado a ouro e
levaram-no para o palácio.
Ora, o irmão mais novo, que tinha seguido pela esquerda, ouviu que
em certo reino havia uma lindíssima princesa, que tinha publicado um
aviso, prometendo casar com aquele que lhe sustentasse o exército
durante três anos. O rapaz quis tentar fortuna e foi para aquele reino;
no caminho foi cuspindo ouro para dentro dum saquinho; finalmente
apresentou-se à princesa, prontificando-se a fazer o que ela queria.
Deste modo sustentou o exército da princesa durante três anos.
Quando era tempo de casar com a princesa, esta, lembrando-se duma
manha, perguntou-lhe onde tinha arranjado tanta riqueza. Ele contou-
lhe tudo. Um dia, a princesa convidou-o e ofereceu-lhe uma bebida
que o fez vomitar. Ao vomitar, deitou fora os intestinos da galinha; mas
Contos do Mundo
179
a princesa agarrou nos intestinos e engoliu-os. Daí por diante começou
ela a cuspir ouro e o noivo ficou sem coisa alguma. Depois a princesa
perguntou aos seus cortesãos e generais:
- O que hei-de fazer deste ignorante? Meteu-se-lhe na cabeça casar
comigo.
Os cortesãos disseram-lhe:
- É preciso enforcá-lo.
Os generais disseram-lhe:
- É preciso fuzilá-lo.
Porém, a princesa lembrou-se doutro expediente: mandou fechá-lo na
retrete.
O rapaz livrou-se a grande custo e foi-se embora, pensando apenas no
meio de pagar à princesa aquela partida.
Foi andando, andando, até que chegou a uma floresta, onde viu três
homens a lutar. Perguntou-lhes porque estavam a lutar. Eles disseram-
lhe:
- Achámos na floresta três coisas e não sabemos reparti-las.
O rapaz perguntou-lhes:
- Então que achados são esses? Valerá a pena lutarem?
Eles disseram-lhe:
- Ora se vale! Um dos achados é um barrilzinho; basta dar-lhe uma
pancada para logo sair de dentro um regimento de soldados; o
segundo achado é um tapete voador em que se pode voar para onde
se quer; o terceiro achado é um chicote mágico: basta dar com ele uma
pancada a uma rapariga e dizer: «Já que tu és rapariga, agora
transforma-te numa égua.» Logo essa rapariga se transforma numa
égua.
Diz o rapaz:
- Esses achados são realmente importantes e é difícil reparti-los; mas
eu vou ensinar-lhes uma maneira de os repartir: vou fazer uma seta e
lança-la para este lado e os senhores hão-de correr atrás dela; aquele
que primeiro chegar onde ela cair terá o barrilzinho; o segundo terá o
tapete voador e o terceiro há-de ter o chicote mágico.
Eles aceitaram a proposta. O rapaz fez a seta e lançou-a para muito
longe; os três deitaram a correr a ver quem chegava primeiro ao sítio
onde a seta caísse; iam correndo sem olhar para trás; entretanto, o
rapaz pegou no barrilzinho e no chicote mágico, sentou-se no tapete
voador e voou para onde quis.
Depois desceu aos prados da linda princesa e deu uma pancada no
barrilzinho: imediatamente saiu de dentro um regimento inteiro. O
rapaz montou num cavalo e pôs-se em marcha à frente do seu
regimento.
Os tambores rufavam, as cornetas tocavam e o regimento avançava.
Assim que a princesa viu isso, ficou muito assustada e enviou os seus
cortesãos e generais a pedirem paz. O rapaz mandou prender esses
enviados, castigando-os cruelmente, e mandou-os para casa, dizendo-
lhes:
- Dizei à princesa que venha aqui em pessoa pedir paz.
A princesa não teve mais remédio e foi de carruagem ter com o rapaz;
ao apear-se da carruagem, conheceu-o e ficou pasmada; mas ele
pegou no chicote mágico e, dando-lhe com ele nas costas, disse:
- Já que tu és rapariga, agora transforma-te numa égua.
A princesa imediatamente se transformou numa égua; ele pôs-lhe um
freio numa sela e montou-a e foi para o reino de seu irmão mais velho.
No caminho, chegava-lhe as esporas, batendo-lhe com três varas de
ferro, e o regimento ia atrás dele. Quando o rapaz chegou ao reino do
irmão, tornou a juntar o seu regimento no barrilzinho e foi para a
capital. Quando passava pelo palácio do rei, este avistou-o e gostou
muito da égua.
O rei disse para os seus generais:
- Nunca vi na minha vida uma égua tão bonita; ide comprar a égua
àquele cavaleiro.
O rapaz disse para os generais:
Contos do Mundo
181
- Sempre o vosso rei tem muito boa vista! Já se não pode passear pela
vossa cidade com uma mulher nova; se o vosso rei cobiça uma égua, o
que fará se for uma mulher!...
Depois entrou no palácio e o irmão conheceu-o. Abraçaram-se e
beijaram-se. Em seguida, o rei perguntou ao irmão:
- Que barrilzinho é esse?
O irmão respondeu-lhe:
- Trago-o para beber, porque não posso viajar sem água.
Mais lhe perguntou o rei:
- E que espécie de tapete é esse?
O irmão respondeu-lhe:
- Senta-te em cima dele e depois verás.
Sentaram-se ambos no tapete voador e voaram direito à sua pátria.
Quando lá chegaram, alugaram um quarto em casa do pai deles, mas
não disseram aos pais quem eram. Um dia, deram uma grande festa e
convidaram muita gente, divertindo-se durante três dias; depois
começaram a perguntar a uns e a outros se alguém sabia contar uma
história bonita. Ninguém sabia. Então, o irmão mais novo disse:
- Se ninguém conta, conto eu, mas com a condição de não me
interromperem. Quem me interromper três vezes, mando matá-lo sem
falta.
Todos aceitaram a condição.
Então começou ele a contar a história dum velho e duma velha que
tinham uma galinha, como a galinha punha pedras preciosas e como a
velha se apaixonou por um caixeiro.
A dona da casa interrompeu-o dizendo:
- Você mente!
Porém, o filho continuou a sua história, contando como tinham
matado a galinha; a mãe tornou a interrompê-lo; mas ele contava
sempre, dizendo:
- Como a velha quisesse matar os filhos…
Nisto tornou ela a interrompê-lo, exclamando:
- Isso não é verdade! É impossível que haja mãe que queira matar os
próprios filhos.
Mas o filho disse-lhe:
- Não é tal! É muito possível, veja se nos conhece, mãezinha, somos
seus filhos.
Então soube-se tudo. O pai mandou matar a velha e castigar o caixeiro,
atando-o às caudas de dois cavalos, que fizeram andar para lados
opostos, de sorte que o caixeiro ficou feito em postas. O velho deu as
suas propriedades aos pobres e foi viver para o reino do filho mais
velho. Quanto ao mais novo, deu uma chicotada na égua com o chicote
mágico, dizendo:
- Já que tu és égua, transforma-te numa menina.
Imediatamente a égua se transformou numa linda princesa; depois
fizeram as pazes e casaram. Foram umas bodas muito bonitas.
Fui lá e não bebi nada.
Contos do Mundo
183
Contos de São Tomé e Príncipe
São Tomé e Príncipe
É um estado insular localizado no
Golfo da Guiné, composto por
duas ilhas principais (São Tomé e
Príncipe) e várias ilhotas, num total
de 964 km², com cerca de 160 mil
habitantes. Não tem fronteiras
terrestres, mas situa-se
relativamente próximo das costas do
Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e Nigéria.
As ilhas de São Tomé e Príncipe estiveram desabitadas até 1470,
quando os navegadores portugueses João de Santarém e Pedro
Escobar as descobriram. Foi então, uma colónia de Portugal desde o
século XV até sua independência em 1975. É um dos membros da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
São Tomé e Príncipe é uma nação constituída por duas ilhas principais
e alguns ilhéus menores, e está administrativamente dividida em sete
distritos. Em 2004, São Tomé e Príncipe contava com 139.000
habitantes.
A Ilha de São Tomé, cuja capital é a cidade de São Tomé, tem uma
população estimada em 133.600 habitantes (2004) numa área de 859
km².
A Ilha do Príncipe, cuja capital é Santo António - é a ilha menor, com
uma área de 142 km² e uma população estimada em 5.400 habitantes
(2004). Desde 29 de Abril de 1995 que a ilha do Príncipe constitui uma
região autónoma.
O ilhéu das Rolas fica a poucos metros a sul da ilha de São Tomé, e
apresenta a particularidade de ser atravessado pela linha do Equador.
Apesar de estar consagrado na Constituição que os distritos devam ser
governados por órgãos autárquicos eleitos, até ao momento não se
realizaram quaisquer eleições autárquicas em São Tomé e Príncipe.
As ilhas de São Tomé e do Príncipe ficam situadas junto à linha do
Equador e a cerca de 300 km da costa Ocidental de África. Todo o
arquipélago está inserido no rifte da linha vulcânica dos Camarões.
Contos do Mundo
185
Lendas
O cão que falava
O casal Sam Fali e Sum Flé Flé viviam num povoado distante no meio
da floresta. Um dia, Sum Flé Flé foi caçar levando consigo o cãozinho
Loló. Ao voltar para casa o pobre homem parava a todo o momento
para descansar, pois a sua carga era muito pesada.
Numa dessas paragens, o cãozinho Loló ofereceu-se para levar a carga
no seu lugar, contanto que ele não revelasse à sua mulher que ele era
capaz de desempenhar essa actividade e nem que era capaz de falar.
Sum Fle Flé aceitou, prometendo nada revelar à Sam Fali. Porém, a
mulher desconfiou que algo tinha ocorrido e começou a perguntar ao
marido quem tinha carregado a carga. Durante algum tempo o homem
conseguiu guardar segredo, mas, ao ser ameaçado de abandono pela
mulher, acabou por contar a verdade. Ao ver que tinha sido traído por
seu amo, Loló gemeu muitas vezes e, desde esse dia, nunca mais
nenhum cão falou.
Canta Galo
Diz a lenda que, já lá vão muitos e muitos anos, outrora S. Tomé era o
refúgio de todos os galos do mundo.
Viam-se galos por todas as partes da Ilha. Era ensurdecedor o
cocorococó dos galos.
A Ilha parecia estar sempre em festa por causa da algazarra e do cantar
dos galos, quase em todos os momentos e por todos os cantos.
A alegria era infernal.
Mas os galos monopolizavam a Ilha, esquecendo-se de que não eram
os únicos habitantes.
Havia pessoas que estavam contentes com os galos, por causa da sua
alegria contagiosa. Portanto, achavam adequado e apoiavam o barulho
feito pelas aves. Outros estavam indiferentes com a algazarra.
Existia, no entanto, um terceiro grupo, o mais numeroso, que achava
impróprio o barulho feito pelos galos, encontrando-se, portanto,
zangados com os galináceos.
Não podendo aguentar por mais tempo tanto barulho, o terceiro grupo
mandou, através de um mensageiro, o seguinte aviso:
«Aconselhamos-vos a emigrarem e a fixarem-se num local muito
afastado de nós. Caso contrário, haverá guerra entre os nossos grupos
no período de quarenta e oito horas. O vencedor ficará no terreno.»
Os galos, como eram muito educados e delicados, optaram pela
primeira hipótese, convocando imediatamente uma reunião cujo tema
era a escolha do rei para chefiar a expedição que se iria processar
imediatamente.
A escolha recaía sobre um galo preto, muito grande.
Depois dos preparativos, a emigração começou.
Deram voltas e mais voltas às ilhas e ilhéus, procurando
incansavelmente um sítio bom, que reunisse todas as condições para
ter uma vida alegre.
Depois de muito andarem e muito procurarem, passado um ano,
encontraram o lugar ideal, que parecia criado de propósito para os
galos, fixando-se então aí.
Desde esse tempo, jamais se ouviu os galos cantarem
desordenadamente de norte a sul, de este a oeste, mas sim num lugar
determinado e a horas certas.
Então, os habitantes das ilhas designaram esse lugar por Canta Galo.
Nota do autor: nos nossos dias, esse local ainda existe e surgiu um
distrito com a mesma designação.
Contos do Mundo
187
A Grande Escolha
Lôginda crescia. Lôginda crescia e lavava a sua roupa interior na Vadgi
Nglandge.90
Dançava socopé no Fundão, lançava sonoras gargalhadas
para toda a gente.
A mãe, a avó e o pai amofinavam-se. Lôginda já flimou91
mas não
aceitava ninguém. Fazia troça de todos os rapazes da vizinhança.
- Lôginda! Lôginda! Sum Stlacá é rapaz bonito e sabe fazer sapatos.
- Para que é que eu quero sapatos? Sapatos dão calos nos pés.
- Lôginda! Lôginda! Olha mesa bonita que Mé Dgingo fez para ti.
- Eu gosto mais de comer no quintal em cima da pedra. Carpinteiro não
dá fortuna.
- Lôginda! Lôginda! Mé Nóvu trouxe peixe p`ra gente. É bom pescador.
- Pescador morre no mar. Não quero criar filho sem pai.
- Lôginda, olha que tu morres sem filho para te enterrar.
- Solteira é que eu não morro. Mamã não quebra cabeça92
por minha
causa…
Lôginda está a brincar
Lôginda está a folgar
O tempo vai passando…
Lôginda acorda-te
Que a gravana está chegando
As moças do lugar cantavam à porta da Lôginda; mas ela, rindo,
agarrava na bandeja e ia à feira vender limões, cantarolando:
90
Vadgi Nglandge: nome atribuído a um vale situado algures em S. Tomé, por onde passa um riacho. 91
Flimar: atingir a idade adulta. De uma maneira geral, diz-se que uma moça já flimou quando a mesma atinge os 18 anos de idade. 92
Mamã não quebra cabeça: mãe, não se preocupe…
Compra limão
Compra limão, freguesa
Lôginda quer dinheiro
Para fazer enxoval.
- Lôginda, não te maces. Eu ajudo-te – dizia um janota da cidade,
atirando um madrigal.
Lôginda ria, arrumava a bandeja e ia à venda mais próxima comprar o
último lenço da moda.
Um dia, quando todos menos esperavam, Lôginda casou-se.
As moças do luchan ficaram admiradas e satisfeitas.
- Até que enfim! Até que enfim!
O marido da Lôginda nunca parava em casa. Ia à caça todos os dias.
- Simão, tu nunca paras em casa?
Ia à caça todos os dias. A roupa da caça vinha sempre rasgada mas…
nem sécia, nem curucucu, nem rola o Simão trazia de caça. Apenas
roupa rasgada.
Um dia, os criados resolveram ir espreitar o patrão. O que viram nesse
dia deixou-os espantados.
Na larga varanda da casa, Lôginda deu um almoço para mostrar às
amigas que afinal não morreria solteira.
Os criados arranjaram uma corda comprida, prenderam-na de uma
ponta à outra da varanda e colocaram em fila muita banana madura
em grandes e apetitosos cachos.
Em cima da mesa havia izaquente, calúlú, lôçô dóchi, djógò93
, enfim,
muita coisa boa.
Toda a gente comia satisfeita e ria.
93
Izaquente, calúlú, lôçô dóchi (doce de milho), djógò: pratos típicos de S.
Tomé.
Contos do Mundo
189
Só Simão estava mal-disposto nesse dia. Andava de um lado para o
outro, com as mãos atrás das costas, coçando a cabeça.
Os criados, escondidos atrás da varanda, riam e aguardavam…
De repente, de um salto, rugindo, Simão pendurou-se no corrimão da
varanda e começou a engolir sofregamente as bananas, e um comprido
rabo de macaco saiu pelo fundilho das calças.
Toda a gente, atordoada, começou a cantar:
Tanto escolheu que casou com um macaco…
Nota: Esta lenda está inserida num velho ditado santomense que diz:
«Bô côiê côiê, antê casá cu macaco» (escolheste tanto, até que
acabaste por casar com macaco).
Baseia-se num facto real existente em S. Tomé, em que uma moça, por
mais pobre que fosse, só aceitava namoro a um jovem que fosse
funcionário público que trabalhasse numa repartição. Isto porque
ainda que tivesse vencimento baixíssimo, ele apresenta-se bem, isto é,
com roupa sempre limpa, visto que o sector onde trabalhava não
permitia que ele se apresentasse sujo. Porque é um homem fino e,
como tal, tem dinheiro.
«Pode-se apresentar com ele em qualquer lado.»
Os outros, como, por exemplo, um sapateiro, um funileiro, um
camponês, etc., nunca são aceites, geralmente, ainda que tenham mais
dinheiro que os ditos funcionários.
Era próprio da época, portanto, do sistema colonial, em que só «os
funcionários» eram considerados «gente de bem».
Contos Tradicionais
O Rei e o Gigante Imagem94
Era uma vez um rei que tinha uma
filha, a princesa, que vivia no 12º
andar, num apartamento de vidro. O
rei começara a adoecer e à medida
que ficava cada vez mais doente, ia
ficando cego.
Como não havia meio de ele se
sentir melhor, apesar de vários
tratamentos, decidiu mandar
chamar um gigante que vivia numa
floresta existente naquela terra.
O gigante tinha uma torneira que
deitava apenas uma gota de água
por ano.
Com uma só gota daquela água o
gigante conseguiu curar o rei e este
passou a ver melhor do que via antes
de ter ficado cego.
Muito satisfeito, ofereceu ao gigante uma casa cheia de moedas de
ouro, oferta que foi recusada.
Prometeu-lhe metade do seu palácio, o que também o gigante não
aceitou. Então o rei perguntou-lhe o que queria. A resposta foi que
queria a princesa que vivia no apartamento de vidro.
O rei pensou, pensou… e disse-lhe que aguardasse um pouco.
O referido rei tinha três filhos: um morava em Santo Amaro; outro, em
Guadalupe; o último, em Neves. Assim, ele não tinha na altura
ninguém a quem pedir conselhos.
94
Imagem de autoria Ana Filipa Vidó – aluna da Escola Profissional de Moura, de nacionalidade portuguesa
Contos do Mundo
191
O gigante esperou tanto que ficou aborrecido. Entretanto voltou dias
mais tarde.
Discutiram, discutiram e, como a palavra do rei é sagrada, o gigante
pegou na princesa, meteu-a num saco e saiu.
Eles andaram, andaram… e quando a princesa verificou que estava
perto da casa do seu irmão Mé Pó, pôs-se a cantar:
Mano Mé Pó
Mano Mé Pó
Aquele senhor
Que foi ao palácio
Curar o papá…
O papá deu-lhe uma casa
Cheia de moedas
Ele não quis
Deu-lhe metade do palácio
Também não aceitou
A não ser eu
Princesa da casa de vidro
Ao ouvir isto, o gigante pergunta-lhe:
- Por que estás a cantar, menina?
Ela responde:
- Estou cantando para arrefecer o tempo. Para mais depressa
chegarmos a casa.
Mé Pó, ao ouvir a canção, disse à mulher que ia até à estrada, pois
estava ouvindo uma voz muito parecida com a da irmã, que vivia no
palácio, numa casa de vidro.
A mulher disse-lhe que era mentira e que devia ser uma das suas
amantes que estava a chamá-lo.
Sendo Mé Pó um homem que ouve sempre o que diz a mulher, deixou-
se estar.
O gigante e a moça deixaram Santo Amaro e continuaram a viagem.
Quando ela se apercebeu de que estava perto da casa do irmão Mé
Poçon, em Guadalupe, começou a cantar de novo, contando-lhe o que
se passara.
Mé Poçon ouviu a canção, chamou a esposa e disse-lhe que ia à
estrada, porque ouvira uma voz parecida com a da irmã que vivia no
palácio, numa casa de vidro.
Ela disse-lhe que não, pois devia ser uma das suas amantes que o
chamava. Como Mé Poçon, tal como o irmão, ouve sempre o que a
esposa diz, acabou por não sair mais.
A viagem continuou e a princesa, pouco tempo depois, verificou que
estava perto da casa do irmão Kilambu e começou novamente a cantar,
contando-lhe tudo.
Desta vez a esposa é que ouviu a voz; chamou Kilambu e disse-lhe que
estava a ouvir uma voz muito semelhante à da irmã.
O marido dirigiu-se à estrada e viu que o gigante levava a sua irmã
dentro de um saco.
- Ó senhor, onde é que vai com este sol tão abrasador? – pergunta-lhe
o Kilambu.
- Hum! Hum! Hum!... – gemeu o gigante, acrescentando: - Vou
andando por aí porque vou buscar lenha para acender o lume, depois
vou levar o tacho porque tenho uma grande festa.
- Não – retorquiu Kilambu. – Vamos a casa descansar até o tempo
arrefecer.
- Tens o comer de que eu gosto? – perguntou-lhe o gigante.
- Tenho, sim senhor – respondeu.
- Tens uma casa onde eu possa dormir?
- Sim, tenho.
- Tens água em quantidade que eu possa beber?
Contos do Mundo
193
- Tenho, sim senhor.
- Então, vamos.
Kilambu conduziu o gigante até sua casa. Pediu à esposa que fosse
buscar lenha. Pegou no maior tacho que tinha e pô-lo na rua. Acendeu
o lume, pôs o tacho e preparou o comer. Depois de tudo pronto, o
homem comeu e encheu o estômago de tal ordem que já nem podia
andar. Anoiteceu e disse ao Kilambu que queria dormir. Este arranjou-
lhe um quarto onde podia dormir à vontade.
O gigante disse-lhe:
- Quando eu tiver os olhos bem abertos, e as centopeias, gitas,
suássuás, lagartixas, enfim, todos estes bichos, comecem a sair, então
estou a dormir. Quando tu me vires com os olhos fechados, estou a
dormir. Ouviste?
- Sim, senhor – respondeu Kilambu.
O gigante deitou-se e fez do saco, em que estava a princesa, almofada.
Kilambu também esteve ali todo atento, esperando que o homem
adormecesse.
Quando viu sair os tais bichos, Kilambu pediu à esposa que lhe fosse
buscar um dos maiores sacos que tinha em casa. Entretanto, foi ao
curral e tirou de lá um grande bode. Meteu-o no aludido saco,
amarrou-o bem, e, com jeito, levantou a cabeça do gigante, tirou a
irmã e em troca pôs o saco em que estava o referido animal. Depois de
tudo isso, pediu à mulher e à irmã que tirassem tudo de casa e
levassem para bem longe e ficassem lá à espera dele. Feito isto,
espalhou gasolina em toda a casa, lançou fogo à mesma e saiu a correr.
Quando a casa começou a arder, o gigante, ao ser queimado, deu uma
explosão tão grande que o palácio do rei estremeceu. O rei, ao ouvir o
estrondo, ficou logo desconfiado de que fosse o gigante que havia sido
morto e disse à rainha que talvez fosse o Kilambu.
Entretanto, Kilambu, a mulher e a irmã dirigiram-se ao palácio do pai.
Chegando ali, aquele pôs o pai ao corrente do que se passara.
O rei, abanando a cabeça, mandou chamar os outros filhos para com
eles fazer uma reunião.
Os mesmos apareceram passado algum tempo, e o rei perguntou-lhe
se não tinham ouvido o grito da irmã quando era conduzida pelo
gigante. Disseram-lhe que sim, mas que não saíram de casa porque as
respectivas esposas disseram-lhes que eram talvez as suas amantes…
Então, fez de novo a mesma pergunta ao Kilambu, perante os irmãos.
Este disse-lhe que foi a sua mulher quem o tinha chamado, quando
ouviu a voz. Por isso saiu logo à estrada onde o viu levar a irmã.
Finalmente, dirigindo-se aos dois primeiros filhos, e o rei disse:
- Vocês irão viver para a terra em que haja água mas sem comida. A
minha casa há-de tornar-se um veneno para vocês.
Voltou-se para o Kilambu e disse-lhe:
- Tu, Kilambu, irás ocupar a metade do meu palácio, mais a tua mulher,
onde viverão em paz.
Munquém e a Rola
O Munquém95
combinou com a Rola para fazerem banquete.
- Nós vamos matar a nossa mãe para a gente comer – disse o
Munquém à Rola, que era sua comadre e bastante amiga.
Aquela aceitou, muito perturbada, e pensou na maneira de não
cumprir a proposta da amiga e salvar a mãe.
Quando chegou a casa, contou à mãe o sucedido e explicou-lhe o que
pensava fazer.
- A mãe vai ao local combinado, começa a comer e, se a armadilha a
prender, não se preocupe. Tenha calma – disse a Rola à sua
progenitora.
95
Munquém: ave colombiana muito parecida com a rola.
Contos do Mundo
195
Chegou o dia aprazado para o festim.
Então, o Munquém encarregou a mãe de ir ao pé de Bôbô-bôbo96
arranjar comida. Mas a Rola, que tinha tudo combinado, disse à mãe
que seria ela a primeira a poisar em cima do Bôbô-bôbô, e a primeira a
descer no chão. Só então desceria a mãe.
Nisto dirigiu-se à mãe do Munquém, que, no chão, já estava debicando
incessantemente e de forma inocente, para lhe avisar que a sua já
tinha chegado e estava em cima do poleiro.
A Rola disse ao Munquém que era melhor esconderem-se. A mãe da
Rola desce ao chão e começa a comer juntamente com a companheira.
Passado algum tempo, estavam ao pé da armadilha.
Continuaram a comer, até que se aproximaram da referida armadilha,
onde ficaram presas em virtude de o Munquém ter fechado o flé97
.
No entanto, começaram a pensar qual das duas seria devorada em
primeiro lugar.
A mãe do Munquém foi a primeira, porque tinha sido ele a fazer o
convite.
- Eu vou buscar a tua mãe – disse a Rola.
E assim foi. Mataram-na e comeram-na.
Quando chegou a vez da mãe da Rola, surge uma grande discussão. Ela
não queria que fosse o Munquém a tirar a mãe da armadilha, pois só
ela sabia a artimanha que havia de empregar.
Discutiram tanto até que a Rola acabou por voar, tendo chegado
primeiro ao local da armadilha. Mete a ponta de uma asa debaixo do
flé, deixando assim um espaço entreaberto.
96
Bôbô-bôbô: fruto cujas sementes são muito apreciadas pelas colombianas, principalmente as rolas. 97
Flé: armadilha feita com ramas de palmeira, destinada a pegar algumas aves, principalmente os munquéns.
A pobre mãe, ao ver uma esperança da liberdade, sai e voa para uma
árvore. A Rola acompanha a mãe. Do alto do poleiro, diz para o
Munquém:
- A tua mãe foi comida mas a minha não.
O Munquém, cheio de remorsos, voa para cima da armadilha, pondo-
se a lamentar, chorando:
- Mé mu, pé mu, pé mu…
A Rola trocista, responde:
- Mé mu, pé mu… vé, qué-té qué-té…
Nota de autor: Esta história pretende explicar o significado do cantar das duas
aves.
Contos do Mundo
197
Agradecimentos
Agradecemos a todas as pessoas que colaboraram directa ou
indirectamente na recolha de contos, lendas, provérbios e mitos, que
foram fundamentais para a concepção desta pequena brochura.
Desta forma, agradecemos às alunas da Universidade Sénior de Moura,
todas de nacionalidade Portuguesa, especialmente a D. Maria Faria
Carrasco, D. Misica, D. Mariazinha Camacho, D. Mariana Caeiro, D.
Antónia Santos, D. Evangelina Lopes, D. Maria do Céu Campaniço, D.
Diamantina Gorjão.
Aos alunos da Escola Profissional de Moura, Nelson Júnior, de
nacionalidade Brasileira; Sandra Riscador, José Santana, Ana Filipa
Vidó, Miguel Ramos, de nacionalidade Portuguesa; Florentino Neto, de
nacionalidade São-Tomense; Idiana Cumba, de nacionalidade
Guineense; Djenira Correia, de nacionalidade Cabo-verdiana.
Agradecemos também a Florentina Fartadi, de nacionalidade Romena;
António Ferreira, de nacionalidade Portuguesa.
Bibliografia
Arquivos de Serpa - Edição Câmara Municipal de Serpa
A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo, de Manuel
Joaquim Delgado
Lendas e Narrativas de Santo Aleixo da Restauração – Elisa
Nunes Machado
Contos populares moçambicanos, de Eduardo Medeiros, 1997
"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", de
Aldónio Gomes, 1999
“Contos Tradicionais Santomenses”, Edição da Direcção
Nacional da Cultura, República de São Tomé e Príncipe,
Editorial Caminho, 1984
“Contos Populares Russos”, colecção Outras Obras, Veja, 1.ª
Edição, 1996.
“Lendas Portuguesas”, Amigos do Livro, Editores, Lds.
Sites Consultados
http://tatianflor.vila.bol.com.br/tatiana.html
http://www.terravista.pt/Bilene/4619/Conto10.html
Contos do Mundo
199
Equipa Técnica
Ana Luísa Dimas
Dina Valente
Jaime Salvadinho
Marisa Rico
Susana Carvalho
Coordenação
Antónia Vilar Baião