consideracoes sobre a apropriacao na arte
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Consideracoes Sobre a Apropriacao Na ArteTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARAN Hugo Alexandre da Silva Ferreira
CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE
CURITIBA
2011
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CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE
CURITIBA
2011
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Hugo Alexandre da Silva Ferreira
CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE
Monografia apresentada como requisito parcial obteno do grau de Especialista em Ensino das Artes Visuais, Universidade Tuiuti do Paran, Programa de Ps-Graduao, Especializao em Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas. Orientadora: Prof. Ms. Simone Landal
CURITIBA
2011
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TERMO DE APROVAO Hugo Alexandre da Silva Ferreira
CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obteno do ttulo de Especialista em Artes Visuais do Curso de Ps-Graduao latu sensu Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas da Universidade Tuiuti do Paran.
Curitiba, 14 de maro de 2011.
Prof. Ms. Renato Torres
Coordenador do Curso de Ps-Graduao Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas
Universidade Tuiuti do Paran
Orientador: Prof. Ms. Simone Landal Universidade Tuiuti do Paran
Curso de Ps-Graduao Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas
Prof. Dr. Artur Freitas Faculdade de Artes do Paran
Curso de Licenciatura em Artes Visuais
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Dani
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AGRADECIMENTOS
A um Deus chamado Me, o qual eu acredito e deposito a minha f.
minha orientadora Prof. Simone Landal, por botar meus ps no cho. Pessoa a
qual tenho muita admirao pela sua inteligncia e competncia. Agradeo a sua
pacincia e espero que esta pesquisa no seja um ltimo contato. Ainda tenho muito
que aprender contigo.
Aos professores da especializao. Em especial ao Renato Torres, eterno professor
e amigo, sem este no seria possvel a concretizao desta pesquisa. Agradeo
pela pacincia com este seu aluno um pouco indisciplinado. E Joslia S. Salom,
com o olhar de chefe, mas com esprito maternal, pela pacincia, apoio e
compreenso.
turma toda da ps, que enfrentou esta comigo.
minha famlia, em especial meu pai e minha av Regina, que me alimentou com
seu macarron nos almoos entre as aulas. minha irm Sandra, meu irmo Renan
e meu amigo/irmo Samuel, por saber que querem o meu bem. Ao Nivaldo, por
apoiar e ter pacincia com este que lhe veio de brinde.
Daniele, pelo companheirismo, pelo apoio, pelo capricho, pela correo
ortogrfica, pela dedicao, pela pacincia com este louco dentro de casa e pelo
amor. Agradeo e lhe dedico esta pesquisa.
Agradeo a todos.
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o novo
no me choca mais
nada de novo
sob o sol
apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo
Paulo Leminski
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SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................................11
2 CONCEITUANDO E CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE .......14
2.1 CONCEITUANDO A APROPRIAO NA ARTE ................................................14
2.2 CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE: ANTECEDENTE
HISTRICO - ARTE MODERNA SCULO XIX ........................................................17
2.2.1 O realismo integral de Gustave Courbet ..........................................................18
2.2.2 O realismo visual de douard Manet ...............................................................20
2.2.3 A fotografia e outras transformaes ...............................................................22
2.2.4 Os impressionistas ...........................................................................................23
3 ARTE MODERNA : PRIMEIRA METADE DO SCULO XX..................................27
3.1 VANGUARDAS ...................................................................................................28
3.1.1 Colagem ................................................................................................30
3.1.2 Ready-made ..........................................................................................33
3.1.3 Fotomontagem .................................................................................................37
3.1.4 Termos genricos ............................................................................................40
4 ARTE CONTEMPORNEA: SEGUNDA METADE DO SCULO XX...................45
4.1 NEO-DAD .........................................................................................................46
4.2 POP-ART ............................................................................................................52
4.3 NEOVANGUARDA e PS-VANGUARDA ..........................................................59
5 CONSIDERAES FINAIS....................................................................................68
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .........................................................................71
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 - MANET, douard, Olympia, 1863.....................................................................16
FIGURA 02 - TICIANO. Vnus de Urbino, 1538.....................................................................16
FIGURA 03 - GIORGIONE. Vnus dormindo, 1508...............................................................16
FIGURA 04 - COURBET, Gustave. O quebra-pedras, 1849..................................................18
FIGURA 05 - COURBET, Gustave. O encontro, ou Bonjour Monsieur
Courbet, 1854........................................................................................................................19
FIGURA 06 - MANET, douard. L djeuner sur lherbe, 1863.............................................20
FIGURA 07 - NIPCE, Joseph Nicphore. Vista da janela em Le Gras ,1827......................22
FIGURA 08 - MONET, Claude. Impresso, nascer do sol, 1872...........................................23
FIGURA 09 - COURBET, Gustave. O ateli do artista, 1855.................................................23
FIGURA 10 - DEGAS,Edgar. O Ballet Clssico, entre 1871 e 1874......................................24
FIGURA 11 - CZANNE, Paul. O Monte Sainte-Victoire,1902-04.........................................25
FIGURA 12 - SEURAT,Georges. Um domingo na Grande Jatte, 1884.................................29
FIGURA 13 - BALLA, Giacomo. Dinamismo de um co na coleira, 1911..............................29
FIGURA 14 - CARR, Carlo. Demonstrao para interveno na guerra, 1914...................30
FIGURA 15 - SEVERINI, Gino. Natureza-Morta com revista literria "Nord Sud"
(Homenagem Reverdy), circa 1917.....................................................................................30
FIGURA 16 PICASSO, Pablo. Natureza-Morta com palhinha, 1912..................................31
FIGURA 17 - BRAQUE, Georges. Still Life with Tenora, 1913..............................................32
FIGURA 18 - PICASSO, Pablo. Violino, 1912........................................................................32
FIGURA 19 - DUCHAMP, Marcel. Roda de Bicicleta, 1913...................................................33
FIGURA 20 - DUCHAMP, Marcel. Suporte de Garrafas, 1914, rplica 1964.........................34
FIGURA 21 - DUCHAMP, Marcel. Fonte, 1917, rplica, 1964...............................................35
FIGURA 22 - HAUSMANN, Raoul. ABCD, 1923-24...............................................................38
FIGURA 23 - HCH, Hannah. Cortado com a Faca de Cozinha DADA Atravs
da Pana de Cerveja da ltima poca Cultural da Alemanha de Weimar, 1919...................38
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FIGURA 24- HEARTFIELD, John. Adolf, O Super-Homem Engole Ouro e
Vomita Lixo, 1932...................................................................................................................40
FIGURA 25 - RAY, Man. O presente, 1921, replica 1972.....................................................41
FIGURA 26 GIACOMETTI, Alberto. Disagreeable Object. 1931.........................................41
FIGURA 27 - OPPENHEIM, Meret. Le Djeuner em Fourrure, 1936.....................................41
FIGURA 28 - PICASSO, Pablo. Cabea de touro, 1942........................................................42
FIGURA 29 - DUBUFFET, Jean. Butterfly -Wing Figure, 1953..............................................43
FIGURA 30 - RAUSCHENBERG, Robert. Cama, 1955.........................................................47
FIGURA 31 - JOHNS, Jasper. Nmeros em cores, 1958-1959.............................................49
FIGURA 32 - JOHNS, Jasper. Bandeira, 1954-55.................................................................50
FIGURA 33 JOHNS, Jasper. Cortina, 1959........................................................................51
FIGURA 34 - HAMILTON, Richard. O que torna os lares de hoje
to diferentes, to atraentes?,1956........................................................................................54
FIGURA 35 - LICHTENSTEIN, Roy. Whaam!, 1963..............................................................55
FIGURA 36 - WARHOL, Andy. Campbell's Soup Cans, 1962..............................................56
FIGURA 37 - RAUSCHENBERG, Robert. Desenho de De Kooning apagado, 1953 ...........63
FIGURA 38 LEVINE, Sherrie. Sobre Walker Evans n 2, 1981..........................................64
FIGURA 39 - DUCHAMP, Marcel. L.H.O.O.Q, 1919..............................................................66
FIGURA 40 DUCHAMP, Marcel. L.H.O.O.Q. Rase, 1965.................................................66
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RESUMO
Esta monografia apresenta uma investigao sobre a apropriao na arte, entendendo seu incio no comeo do sculo XX na Arte Moderna e se desdobrando at a Arte Contempornea. Optamos em apresentar apenas os principais modos de apropriao, como meio delimitador, como tambm, por um recorte histrico na Arte Contempornea, chegando at os anos 80, pois a produo artstica com o auxlio da apropriao a partir desta poca torna-se vasta, sendo necessria uma outra pesquisa, mais extensa e aprofundada. A pesquisa representa uma contribuio aos estudos sobre apropriao na arte no contexto universitrio, haja vista o tema ser tratado de um modo fragmentado entre os referenciais tericos. A pesquisa foi desenvolvida segundo uma abordagem qualitativa e utilizamos fontes bibliogrficas que discorressem sobre teoria e histria da arte. Atravs deste mtodo de pesquisa buscamos identificar e conceitualizar o termo da apropriao, como tambm, investigar as causas que desembocaram nas primeiras apropriaes. Com isto, investigamos a histria a partir da concepo de realidade da poca, o que resultou no tema do desejo de ruptura da representao da realidade que permeou toda a pesquisa. A partir da apropriao de materiais heterclitos ainda no modernismo, investigamos a passagem deste para uma apropriao da imagem j na Arte Contempornea e tambm a ruptura da representao da realidade e o embaralhamento da arte com a vida. A partir das proposies vanguardistas, resultou numa investigao da apropriao na arte neovanguardista e ps-vanguardista, entendendo um possvel ocaso das vanguardas em meados dos anos 70. A apropriao desde o seu surgimento implicou em inmeros questionamentos acerca da arte, e, mesmo que seu ato torne-se repetitivo, continua a oferecer uma grande investigao sobre o tema. Palavras-chave: Apropriao, Arte Moderna, Arte Contempornea, vanguardas.
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1 INTRODUO
Esta pesquisa apresenta uma investigao sobre a apropriao na arte,
entendendo seu incio na arte moderna e se estendendo para a arte contempornea.
O interesse pela pesquisa surgiu de nossa tentativa de compreenso da apropriao
na arte em geral. Devido ao fato de sermos artista e pblico percebemos a
apropriao em diferentes contextos, seja ela histrica ou contempornea. Essas
diferentes manifestaes de apropriao nos conduziram ao interesse pelo olhar do
pblico de Arte, que vai s exposies e pesquisa os perodos histricos, seja pela
convivncia, ou seja, pela teoria.
O fato da apropriao estar presente contemporaneamente em exposies,
e por ser um grande agente ativo nas transformaes da arte, justifica a relevncia
de tal pesquisa, como tambm, nas consultas bibliogrficas, o tema se apresenta
fragmentado e muitas vezes algumas questes terminolgicas acabam se
confundindo com outras.
Com isto surgiram questes como: O que apropriao na arte? Existe
diferena entre termos prximos como apropriao e citao? O que levou a serem
realizadas as primeiras apropriaes? Quais so os diferentes tipos de apropriao?
E quais so as caractersticas da apropriao na Arte Moderna e na
Contempornea?
Para tais perguntas, traamos uma questo geral que se trata em investigar
o uso da apropriao na Arte. Pela extenso e pela fragmentao dos textos
recolhidos, acarretaram-se trs questes especficas, onde procuramos,
primeiramente, conceituar o termo da apropriao e diferenci-la da citao, haja
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vista so encontradas muitas confuses a cerca dos termos. Em conjunto,
pesquisamos os momentos antecedentes apropriao, em busca de um possvel
esclarecimento dos fatos. Partimos dos artistas que de uma forma ou de outra
tentaram uma aproximao da arte com a realidade. Com isto chegamos na Arte
Moderna da segunda metade do sculo XIX, com os primeiros modernos Courbet e
Manet, sob a orientao da concepo de realidade destes artistas, at os
impressionistas. Para isto utilizamos como principal referencial terico o livro Arte
Moderna de Giulio Carlo Argan, com pontuaes de Antoine Compagnon com o livro
Os cinco paradoxos da modernidade.
No terceiro captulo, j entramos em contato com as primeiras apropriaes
na arte, atravs das vanguardas artsticas, com as colagens cubistas, como
tambm, oferecemos outras categorias de apropriao na arte moderna na primeira
metade do sculo XX, como os ready-mades de Marcel Duchamp, as fotomontagens
dadastas, o objet trouv surrealista e a assemblage, que primeiramente surgiu
como a incorporao de materiais heterclitos na obra de arte, sejam eles orgnicos
ou industriais, para posteriormente, desdobrar-se e tornar-se um termo quase
generalizante das outras categorias. Para este captulo continuamos com os
mesmos autores citados acima, como tambm utilizamos fragmentos de vrios
textos, dentre eles o As vanguardas artsticas de Mario De Micheli, o Lies das
coisas de Agnaldo Farias, o A fotomontagem como funo poltica Annateresa
Fabris e o Da arte: sua condio contempornea de Luciano Vinhosa Simo.
No quarto e ltimo captulo, nos encontramos com a apropriao realizada
na Arte Contempornea, entendendo seu incio, por volta de 1955, com Jasper
Johns. Na primeira parte deste captulo tambm chegamos ao trmino da tentativa
do artista romper a barreira que havia entre a arte e a realidade, que permeou toda a
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pesquisa desde ento. Como tambm na segunda parte deste captulo,
encontramos com a Pop Art, a qual a apropriao deixa de pertencer ao plano
matrico para se transformar em imagem. E na ltima parte, uma pequena
considerao acerca da produo realizada aps as vanguardas artsticas, na ps-
vanguarda, entendendo um possvel ocaso das vanguardas no final da dcada de 70
do sculo XX. Optamos por fazer um recorte histrico, chegando at os anos 80,
dando uma possibilidade de entendimento de parcelas da produo contempornea,
mas no toda ela. Pois a partir desta poca, a produo artstica com o ato
apropriacionista torna-se abundante, o que necessrio uma outra pesquisa
futuramente, mais extensa e aprofundada. Para este captulo, alm dos j citados,
optamos pelo livro de Michael Archer, Arte contempornea: uma histria concisa e o
livro de Alberto Tassinari, O espao moderno, para pontuar a passagem da Arte
Moderna para a Arte Contempornea. Para as transformaes que ocorreram no
mundo e no mundo da arte, utilizamos na pesquisa toda, o livro de Maria Lcia
Bueno, Artes plsticas no sculo XX: modernidade e globalizao. Para a
transfigurao do problema das Belas-Artes em problemas da Arte em geral,
utilizamos o texto O que fazer da vanguarda?Ou o que resta do sculo 19 na arte do
sculo 20? de Thierry de Duve. Para algumas questes especficas sobre
apropriao o texto Procedimentos alegricos: apropriao e montagem na arte
contempornea de Benjamin Buchloh. E para as questes da neovanguarda, os
livros Teoria da vanguarda de Peter Brger e Recodificao de Hal Foster, e ps-
vanguarda em A Apropriao da Tradio Moderna de Ricardo Nascimento Fabbrini.
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2 CONCEITUANDO E CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE
2.1 CONCEITUANDO A APROPRIAO NA ARTE
O termo Apropriao, na sua forma literal, define-se como o ato de tomar
posse daquilo que no lhe pertencia e o torna prprio. Em artes, o termo, difundido e
utilizado a partir do final dos anos 70, expressaria a incorporao de materiais
mistos e heterogneos que no faziam parte da produo artstica do passado,
como tambm o apossamento de signos emblemticos da cultura de massa e como
a utilizao da imagem de uma outra obra de arte (ou da prpria obra de arte).
Mesmo que o termo no tenha sido proferido em seu momento inicial, temos
como marco da apropriao na arte as primeiras colagens, no incio do sculo XX,
do cubismo sinttico de Pablo Picasso e Braque. A colagem, como meio operador
tcnico, ocorre quase simultaneamente com outras correntes artsticas e com os
ready-mades de Marcel Duchamp, o que implica que, de uma forma ou de outra, o
uso de materiais heterclitos compondo a feitura do objeto artstico no poderia ficar
para mais tarde. Porm, no uso destes materiais at ento estranhos natureza da
arte, nos diversos movimentos que se seguiram durante o incio do sculo XX,
encontraremos associaes com o ato de apropriao destes materiais, mas em
seus propsitos encontraremos vrios pontos de divergncia, at mesmo numa
parceria estilstica como a de Picasso e Braque.
Anteriormente ao uso de materiais heterogneos no mbito artstico, o que
caracterizamos hoje de apropriao, um outro termo com caractersticas prximas
deste j vinha sendo realizado por toda histria da arte, mas que tambm s ser
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nomeada na mesma poca do termo apropriao, o termo da citao, ou melhor,
Citacionismo.
Para melhor entendermos o termo apropriao, e para no sermos
confundidos com o termo citao ou citacionismo, no mbito da arte moderna e
contempornea, analisaremos nesta pesquisa algumas obras e processos de
criao de artistas que se utilizaram da apropriao de uma forma explcita e
evidente, sendo necessrias algumas explicaes e definies de termos da
linguagem utilizada na histria da arte mais recente.
Na literatura, a citao geralmente utilizada sob a forma de texto e serve
como apoio a uma pesquisa textual, servindo para afirmar ou refutar um certo
pensamento. J em relao histria da arte, a citao tambm pode se apresentar
sob a forma visual como, quando um artista utiliza a mesma imagem de um trabalho
de outro artista para lhe dar um novo formato. As operaes e processos artsticos
nos quais a citao o mtodo de base, levam o termo geral de Citacionismo:
O termo se refere a um procedimento nas artes plsticas, principalmente nas artes moderna e contempornea, em que o artista faz uso de imagens j consagradas na histria da arte, como referncia na composio de seu prprio trabalho. Essa citao, que pode ser implcita ou explcita, acaba por evocar um dilogo entre artistas e obras, de diferentes perodos e estilos, criando novos contextos para uma mesma imagem (CITACIONISMO..., 2005).
Um dos maiores exemplos de citao est em douard Manet (fig. 01), onde
o artista cita Ticiano (fig. 02), que por sua vez cita Giorgione (fig. 03).
Para o termo Citacionismo, Tadeu Chiarelli caracteriza-o como o uso de
imagens de segunda gerao, onde uma grande parcela de artistas dos anos 80
recupera a pintura e a escultura e empreende uma viagem pelo universo de
imagens produzido pela humanidade atravs da Histria, disponveis a todos pelos
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meios de comunicao de massa (1987, p. 257). O Citacionismo utiliza o que foi
realizado pela humanidade como um banco de dados, passeando pelos movimentos
artsticos sem se prender a eles (PASINI, 1985, citado por CHIARELLI, 1987, p.
261).
J o termo apropriao [...] empregado pela histria e pela crtica de arte para indicar a incorporao de objetos extra-artsticos, e algumas vezes de outras obras, nos trabalhos de arte. O procedimento remete s colagens cubistas e s construes de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), realizadas a partir de1912" (APROPRIAO..., 2005).
Esta definio se resume para um primeiro perodo do sculo XX na Arte
Moderna, onde se usa um objeto pr-existente para incorpor-lo num trabalho
artstico. J para um segundo perodo, na Arte Contempornea, no ser o objeto
em si, mas sim, a apropriao da imagem de algo.
Se atentarmos para as definies de Citao e de Apropriao, num primeiro
momento podemos achar que estamos falando da mesma coisa, porm, a citao
o mtodo de fazer referncia uma imagem ou obra com uma outra forma, a
apropriao o apossamento direto de uma imagem, de uma ideia, de um objeto,
de uma obra, para falar sobre uma outra questo.
Fig.01- MANET, douard. Olympia, 1863. Fonte: http://www.musee-orsay. fr/en/collections/history-of-the-collections Acessado em: 26/01/2011.
Fig.02- TICIANO. Vnus de Urbino,1538. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Tizian_102.jpg Acessado em: 26/01/2011.
Fig.03- GIORGIONE. Vnus dormindo,1508 Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Giorgione_054.jpg Acessado em: 26/01/2011.
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Sendo assim, e no sob uma defesa da qual a apropriao seria o ato,
desde a Antiguidade Clssica, de se apoderar da imagem da natureza e represent-
la, que utilizaremos o termo aqui.
A noo de plgio, que apresenta o mesmo sentido literal de apropriao,
mas no o seu sentido potico, no ser utilizada para o presente texto, pois
entendida como um ato contra a legislao e referente a roubo e pelo simples
diferencial da apropriao como sendo a utilizao de uma coisa j existente, e
especialmente pela sua importncia como funo reflexiva e metalingstica na arte,
sempre tendo a inteno de ser evidente.
2.2 CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE: ANTECEDENTE
HISTRICO - ARTE MODERNA SCULO XIX
Como dito anteriormente, o inicio da Apropriao na arte se deu com as
colagens cubistas e futuristas e os ready-mades duchampianos. Porm, antes de
comear a tratar sobre a apropriao, precisamos buscar na histria da arte um
possvel esclarecimento das causas que originaram as primeiras colagens.
Para isto teremos que remontar as revolues ocorridas na arte da metade
at o final do sculo XIX, na chamada Arte Moderna, sob o olhar da concepo de
realidade da poca. Diante das controvrsias em relao aos limites temporais da
Arte Moderna, quando alguns concebem o Impressionismo como o incio da Arte
Moderna, entre 1860 e 1870 (ARGAN, 1992, p.75; CAUQUELIN, 2005, p.27;
RUHRBERG, 2005, p.8), e poucos, como o caso de Gombrich (1999, p.536) que
no inclui os impressionistas como os primeiros modernos, mas apenas um deles
(Czanne), optamos pela maioria, na qual abarcam o movimento todo do
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Fig.04 COURBET, Gustave. O quebra-pedras, 1849.Fonte:http:// www.russianpaintings.net/ Acessado em 26/01/11
impressionismo como marca da ruptura com o passado. Porm, a exigncia desta
ruptura no se dar somente neste momento, e sim uma busca desde o Romantismo
histrico (ARGAN, 1992).
Como o nosso propsito est reservado para a busca das causas das
primeiras apropriaes, e que, esta est vinculada com a concepo de realidade
das pocas, onde os artistas aos poucos querem se aproximar desta, e que, tambm,
estar atrelada com a busca da ruptura com o passado ilusionista, a qual se dar
concomitantemente quando o contedo cai da dialtica forma-contedo, ns
iniciaremos com o primeiro artista a propor o conjunto da arte com a realidade
(mesmo que esta ainda esteja arraigada nas concepes do passado).
2.2.1 O realismo integral de Gustave Courbet
O realismo de Courbet (fig. 04) no quer dizer uma imitao da natureza,
pelo contrrio, o prprio conceito de natureza deve desaparecer, enquanto
resultante de escolhas idealistas no ilimitado mundo do real (ARGAN, 1992, p.33-
34). Se no romantismo o valor estava no apelo
dramtico, para Courbet a fora da pintura est
na prpria pintura, pintar as coisas como elas
so, as imagens do seu tempo, sem ideais ou
drama. Rompendo com as tradies artsticas,
Courbet e seu realismo defendiam uma arte
individualista, aceitando os costumes e regras
da sociedade da sua poca e a realidade da vida em seu redor (STREMMEL, 2005,
p. 6).
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Fig 05- COURBET, Gustave. O Encontro, ou Bonjour Monsieur Courbet, 1854: Fonte:GOMBRICH, Ernst H. A histria da arte. 16 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p.510
Tendo a realidade como matria-prima, Courbet supera as poticas do
clssico e do romntico sem negar a importncia da histria, mas que de ambas no
se herda uma concepo do mundo enquanto realidade, apenas com o embate direto
com esta, livre de qualquer regra ou costume, que o artista no comprometer a
sua representao (ARGAN, op. cit., p. 75). O realismo em Courbet um mtodo de
representao da realidade, o que por vezes confundido por Naturalismo, que se
entende como a reproduo da realidade externa fiel realidade (STREMMEL, op.
cit., p.7). A realidade pintada por Courbet se aplica pelo motivo recolhido, e no pela
forma como reproduzida. Com sua tcnica grosseira e pastosa, seus motivos
implicam na rejeio ao convencional e assumem, conscientemente, um carter
provocativo e de choque. Assim, afirma-nos Gombrich,
pretendia que seus quadros fossem um protesto contra as convenes aceitas do seu tempo, chocassem a burguesia para obrig-la a sair de sua complacncia, e proclamassem o valor da intransigente sinceridade artstica contra a manipulao hbil de clichs tradicionais (op. cit., p.511).
Este carter provocativo e de choque e a aproximao da arte com a
realidade, prefiguram os motores que guiaram as
vanguardas artsticas.
Porm, se os motivos da realidade so to caros
Courbet, isto , o contedo da obra, a realidade
impe a realizao das formas. Ento, a expresso
Forma-Contedo ainda estar presente em sua arte,
onde o contedo da expresso decair somente a
partir de Manet e com os impressionistas. Guardando o
referente perspectivo, a realidade dos quadros de Courbet mostram uma outra
realidade, mas que no participam da nossa.
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2.2.2 O realismo visual de douard Manet
Em conjunto, porm de forma distinta de
Courbet, Manet (fig. 06) desenvolver um realismo
num sentido essencialmente visual, o qual recusa o
embate brutal com a realidade, propondo, ao
contrrio, libertar a percepo de qualquer preconceito
ou convencionalismo, para manifest-la em sua
plenitude de ao cognitiva (ARGAN, op. cit., p.75). A
pintura de Manet consiste na libertao da percepo e
a sensao visual, a imediaticidade, a operao pictrica sem regras (acadmicas)
ou apuro tcnico (clssico). Seu interesse estritamente pictrico, se preocupava
apenas com o efeito brilhante das cores (id., p.95).
Manet no recusa as obras do passado como Courbet, tanto que a histria da
pintura ser retomada como um material compositivo e temtico (o que serviu de
grande exemplo de citao ao qual nos referenciamos anteriormente), alterando o
que est representado para o seu tempo. Onde um deus vira burgus e uma deusa
vira uma cortes parisiense.
Os quadros de Manet sero os primeiros a serem tratados como objeto a ser
pintado. Os efeitos ilusionistas de volume ou de claro e escuro no participam da
composio, tudo se apresenta atravs da cor. Porm, seus quadros apresentam
uma estrutura perspectiva, o que caracteriza o adentrar na imagem, ou seja, uma
outra realidade. Contudo, Manet no estar preocupado com o contedo da obra, o
que implica na preocupao livre das formas, retirando o Contedo da expresso
Forma - Contedo. Se a preocupao est na forma, e no no contedo, a
preocupao estar voltada para a superfcie da tela, o que ser o guia para os
Fig. 06 MANET, douard. L djeuner sur lherbe, 1863. Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.96.
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impressionistas a caminho de um segundo estgio da percepo da realidade, a da
planeidade, que seria o achatamento e a justaposio dos planos e no a
superposio das camadas (COMPAGNON, 2010, p. 55).
Se Courbet queria chocar a sociedade pelos seus temas, Manet chocava,
sem querer, pela sua pintura. Pois, ao desafiar as descobertas e convices
adquiridas desde a Renascena, Manet ao perceber que no existem objetos na
natureza com forma e cor fixas que definem e so facilmente reconhecveis em uma
pintura, descobre que ao olhar a natureza, no vemos objetos individuais, cada um
com sua cor prpria, mas uma brilhante mistura de matizes que se combinam em
nossos olhos ou, melhor dizendo, em nossa mente (GOMBRICH, op. cit.,, p. 514).
Gombrich acrescenta que esta descoberta no pode ser atribuda somente a este
artista, mas que foram suas primeiras telas em que ele abandonou o mtodo
tradicional de sombras suaves em favor de contrastes fortes e duros, causaram um
clamor de protestos entre os artistas conservadores (id., ibid.). Recusado no salo
oficial da poca (1863), e exposto no Salo dos Recusados, Manet motivo de
chacota e ira pelo pblico conservador.
Mesmo negando o papel de revolucionrio, pois acredita que sua inspirao
advinha da tradio dos grandes mestres, Manet marca o que Gombrich chama de
terceira onda de revoluo na Frana (aps a primeira onda de Delacroix e a
segunda de Courbet) (op.cit., p.512), e caracteriza toda a arte moderna, pois se ele
se inspira na tradio, mas aceita o presente, Manet est no comeo do movimento
de fuga para o novo (COMPAGNON, op.cit., p.34)
Tanto Courbet quanto Manet rompem sem querer romper, causam escndalo
por outra via que no aquela desejada e apresentam o novo sem estar a sua
procura, pois o que procuram o presente enquanto presente, e no, o novo como o
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22
Fig.07 NIEPCE, Joseph Nicphore . Vista da janela em Le Grs,1827. Fonte:http://dcl.umn.edu/search/show_details?search_string=niepce&per_page=60&&page=1 Acessado em 26/01/11
presente voltado para o futuro, como retrica da ruptura e mito do comeo (id., p.39),
sendo estas caractersticas buscadas pelo modernismo.
2.2.3 A fotografia e outras transformaes
Podemos falar aqui de fotografia, pois a
primeira apareceu em 1826 (fig. 07), tirada por
Nicphore Niepce (RUHRBERG, 2005, p.7), a
qual proporcionar uma revoluo na arte. Com
a fotografia muitos servios sociais passam do
pintor para o fotgrafo (retratos, vistas de
cidades e de campos, reportagens, ilustraes
etc.) (ARGAN, op. cit., p. 78). No s a
fotografia exerceu uma grande transformao na
arte, mas tambm a transformao das tecnologias, a organizao da produo
econmica, a tecnologia industrial ultrapassando a tecnologia artesanal (id., p.14).
Outros fatores importantes foram a ampliao do pblico das artes - com a
modernizao dos transportes e dos meios de comunicao -, a implantao de
novas tcnicas de reproduo, o crescimento de crticos em revistas especializadas,
e at o tubo de tinta em metal, inventado em 1830 e comercializado a partir de 1840,
o desenvolvimento da indstria qumica introduzindo novas cores no mercado e telas
j preparadas para serem utilizadas (BUENO, 1999, p.25-26). Estes foram alguns
pontos na transformao do mundo e da arte. Com a fotografia e a reproduo de
imagens, os artistas se veem na obrigao de reformular a arte pictrica, cuja
necessidade era redefinir sua essncia e finalidades frente ao novo instrumento de
apreenso mecnica da realidade (ARGAN, op. cit., p. 75).
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23
Fig. 08 MONET, Claude. Impresso, nascer do sol, 1872. Fonte: www. Marmottan.com Acessado em 26/01/11
Fig. 09 - COURBET,Gustave. O ateli do artista, 1855. Fonte: http://www.musee-orsay.fr/fr/collections /oeuvres Acessado em 26/01/11
2.2.4 Os impressionistas
Seguindo os passos desenvolvidos por Manet -
que no era impressionista, mas foi se acercando ao
grupo aps 1870 - o grupo impressionista, dentre os
mais conhecidos Monet (fig. 08), Renoir, Degas,
Czanne, Pissarro e Sisley, continha seus pontos de
convergncia:
1) a averso pela arte acadmica dos salons oficiais; 2) a orientao realista; 3) o total desinteresse pelo objeto a preferncia pela paisagem e a natureza-morta; 4) a recusa dos hbitos de ateli de dispor e iluminar os modelos, de comear desenhando o contorno para depois passar ao chiaroscuro e cor; 5) o trabalho en plein-air, o estudo das sombras coloridas e das relaes entre cores complementares (Id., p. 76).
A averso pela arte acadmica j vinha acontecendo h um bom tempo, com
Courbet e Manet rompendo com os moldes clssicos e a poeticidade romntica, mas
com a difuso da fotografia, os artistas esto libertos da tarefa de representar o
verdadeiro, onde a pintura tende a se colocar como pura pintura, isto , mostrar
como se obtm, com procedimentos pictricos rigorosos, valores de outra maneira
irrealizveis (Id., p. 79), e a preferncia pela paisagem e o trabalho en plein-air, que
s foram possveis depois da inveno da tinta
em tubo e da tela pronta, comprovam como os
artistas estavam afinados com as inovaes
tecnolgicas e no contra elas.
No caso da fotografia, os artistas tanto
no foram contra, que fizeram uso dela (Fig. 09
e 10), pois sabiam as distines que existiam
entre uma imagem pictrica e uma imagem fotogrfica. Courbet foi o primeiro a
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24
Fig. 10 -DEGAS, Edgar. O Ballet Clssico, entre 1871 e 1874.Fonte: http://www.Musee Orsay.fr/en/collections/works-in focus/painting.html? Acessado em 26/01/11
captar o ncleo do problema: realista por
princpio, nunca acreditou que o olho humano
visse mais e melhor do que a objetiva; pelo
contrrio, no hesitou em transpor para a pintura
imagens extradas de fotografias (Id., p.81), e
ainda, retratava o universo da classe
trabalhadora inspirado na iconografia das
representaes populares (BUENO, op. cit.,
p.22).
No caso da tinta em tubo, comprova,
pelo menos em parcela, e serve de exemplo, a passagem da tecnologia artesanal
para a tecnologia industrial.
O Impressionismo ser um prolongamento das realizaes dos primeiros
modernos, Courbet e Manet, muito mais prximo deste ltimo,
no tange desvalorizao do tema, para se deter no problema da pintura pura; e, por outro, valorizar a cor empastada, a pincelada rpida e o fascnio pela luz de alguns pintores romnticos, bem como a noo de pintura como vivncia fenomenolgica. Ao conciliar duas formas diferenciadas de concepo artstica, o enfoque que o Impressionismo d a arte, apesar de se referenciar ao Romantismo em sua aparncia formal e ao Realismo no que diz respeito a sua postura frente ao real, ganha um novo sentido (SIMO, 1998, p. 10).
Prximo da postura frente ao real, os impressionistas mostram uma nova
possibilidade de pesquisa, pois suas pinturas aos poucos deixam de ser uma
representao do real, para se preocupar com a representao da impresso
(COMPAGNON, op.cit., p.56), e com o plano ou a superfcie pictrica. Como dito
anteriormente, a planeidade - citada por Compagnon atravs dos escritos de
Greenberg e conquistada segundo este autor por Czanne - seria o achatamento da
imagem e a justaposio dos planos e se transformaria num equivalente da
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25
Fig.11-CZANNE,Paul. O Monte Sainte-Victoire, 1902-04. Fonte: http://www.artchive.com/ artchive/C/cezanne/mt_s-v_4.jpg. html.Acessado em 26/01/11
realidade (COMPAGNON, op.cit., p. 55). Acrescentemos a indagao de Simo:
Mas o que inaugura no Impressionismo uma nova esttica? Parece-nos que a
ruptura com a esttica realista se dar no momento em que sua pintura deixar de
ser uma representao do real para se afirmar como um equivalente da realidade
(SIMO, op. cit. p. 11). Porm, este equivalente da realidade no se dar com os
impressionistas, pois se suas pinturas ainda guardam a perspectiva Renascentista,
ou pelo menos algum aspecto de profundidade, a planeidade no ser conquistada.
A profundidade no se v, ela uma construo do esprito, e a perspectiva engana o olho. Mas, segundo uma apologia que procura paradoxalmente tornar a nova pintura acessvel nos prprios termos da arte que ela pretende substituir, a pintura que elimina, pouco a pouco, o espao do relevo ainda considerada uma imitao, imitao seno daquilo que se sabe, pelo menos daquilo que se v (COMPAGNON, op.cit., p. 55-56).
Esta imitao daquilo que se v, como modo das coisas a serem imitadas,
perdurar desde Czanne at Jasper Jonhs (TASSINARI, 2001, p. 37).
Como nem Czanne (Fig. 11) admitia o
achatamento, a planeidade se dar em dois
momentos, a primeira parcial com a colagem
cubista e segunda total com Jasper Johns,
aproveitando aqui a citao de Steinberg por
Tassinari (2001, p. 9), a qual admite e aceita o
ano de 1955 como a passagem da Arte Moderna
para a Arte Contempornea.
Contudo, o impressionismo marca uma
espcie de evoluo em direo autenticidade, atravs da supresso do artifcio e
da redeno da pintura clssica (COMPAGNON, op.cit., p. 55). O problema a partir
de agora no est voltada de no que pintar e sim como pintar, revelando um
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26
procedimento operacional em si (SIMO, op. cit., p. 14). O problema da arte est na
prpria arte. Abriu-se o caminho para o modernismo.
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27
3 ARTE MODERNA : PRIMEIRA METADE DO SCULO XX
Na Arte Moderna, os artistas formam-se a partir e contra o naturalismo de
matriz renascentista ou da perspectiva artificial. Esta negao perspectiva dada
pela compreenso da superfcie pictrica nas palavras de Maurice Denis em 1890:
Lembrar que um quadro antes de ser um cavalo de guerra, uma mulher nua ou
uma anedota qualquer essencialmente uma superfcie plana recoberta de cores
combinadas numa certa ordem (DENIS citado por TASSINARI, 2001, p.17). A
negao ao passado tradicional, o antinaturalismo ou anti-ilusionismo, tambm por
conta das inovaes tecnolgicas, o avano industrial, o apelo renovao esttica,
a crise do artesanato e, principalmente, a crise da representao que desencadearo
ao modernismo.
Para no ficarmos em dvida sobre as noes dos termos modernizao,
modernidade e modernismo, nos distinguir Bueno:
Modernizao um processo econmico e tecnolgico, ligado esfera material da sociedade. Modernidade um fenmeno societrio e cultural, que emerge em decorrncia da modernizao. Modernismo um movimento artstico, que teve lugar na Europa no inicio do sculo XX, se tornando uma manifestao especfica da modernidade nas artes. O modernismo no foi a realizao da condio artstica moderna, apenas uma de suas expresses (op. cit., p. 42).
Modernismo um termo genrico que se encaixa na ltima dcada do sculo
XIX e na primeira do sculo XX. Dentro do modernismo encontramos vrias correntes
artsticas, que, se antigamente a ruptura custava aparecer, aqui a ruptura se dar ao
mesmo tempo entre as correntes artsticas, ou at dentro da prpria corrente. E a
partir da primeira da dcada do sculo XX que se formaro as vanguardas
artsticas, preocupadas no mais apenas em modernizar ou atualizar, e sim em
revolucionar radicalmente as modalidades e finalidades da arte (ARGAN, op. cit.,
p.185). E aqui que surgem as primeiras apropriaes.
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28
3.1 VANGUARDAS
O termo Vanguarda, derivado do francs Avant-garde, de origem militar,
utilizado no decorrer do sculo XIX, significa, no sentido literal, a parte frente do
corpo principal da tropa. Seu emprego poltico, aplicado desde a revoluo de 1848
[...], designava tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita; aplicava-se ao
mesmo tempo aos progressistas e aos reacionrios. Da, passou ao vocabulrio da
crtica de arte (COMPAGNON, op.cit., p. 41).
De 1848 a 1870, na vanguarda com atribuio uma metfora esttica,
houve um deslocamento da arte servio do progresso social, tornando-se arte
esteticamente frente de seu tempo, sendo o primeiro com seus temas e o segundo
com suas formas (id., ibid.). Porm no podemos confundir a Modernidade dos
primeiros modernos com a Vanguarda, como se os dois aparecessem ao mesmo
tempo e possussem o mesmo dilema. Pois a Modernidade se identifica com o
presente no presente contexto, j a Vanguarda supe uma conscincia histrica do
futuro e a vontade de se ser avanado em relao ao seu tempo (id., p. 40). A
Modernidade como termo abstrato, designa o conjunto dos traos da sociedade e
da cultura que podem ser detectados em um momento determinado em uma
determinada sociedade (CAUQUELIN, 2005, p. 25). Os primeiros modernos
estavam na sua modernidade, enquanto ns que aqui escrevemos esta pesquisa
estamos na nossa. Os primeiros modernos assumiram uma atitude vanguardista,
sem s-los. Pois, na verdade, uma vanguarda artstica traz em si o progresso, o
avano diante daquele que j foi. Se Courbet e Manet progrediram ou causaram
escndalo ao apresentarem a sua novidade, no foi pela inteno de ser. Uma
vanguarda artstica julga a sua prtica artstica, com um ponto de vista crtico
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29
integrado esta prtica e com a inteno de estar frente de seu adversrio
(COMPAGNON, op. cit., p. 43). Segundo Compagnon, os primeiros a reinvidicarem
ou se considerarem uma vanguarda foram
os neoimpressionistas (Fig. 12), que julgam
a sua prtica artstica em termos de uma
poltica da arte (id., ibid.). Os
neoimpressionistas consideram-se frente
do impressionismo, a vanguarda deste. Do
sentido militar ao esttico, o termo
vanguarda, entendido como antecipao,
evolui de um valor espacial para um valor temporal, e Compagnon completa,
depois do impressionismo, todo o vocabulrio da crtica de arte torna-se temporal. A
arte se apega desesperadamente ao futuro,
no tenta mais aderir ao presente, mas a
antecip-lo, a fim de inscrever-se no futuro
(Id., p. 44). Para os vanguardistas preciso
romper com o passado e com o prprio
presente a fim de no querer ser superado.
Para Argan, o primeiro movimento que se
pode chamar de vanguarda o Futurismo
italiano (1910) (Fig.13), entendendo o termo vanguarda como aquele que
[...] investe um interesse ideolgico na arte, preparando e anunciando deliberadamente uma subverso radical da cultura e at dos costumes sociais, negando em bloco todo o passado e substituindo a pesquisa metdica por uma ousada experimentao na ordem estilstica e tcnica (op. cit., p. 310)
Fig.13 -BALLA,Giacomo. Dinamismo de um co na coleira ,1911. Fonte : ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 444
Fig.12 - SEURAT,Georges. Um domingo na Grande Jatte, 1884. Fonte:http://www.artic.edu/artaccess/ AA_Impressionist/pages Acessado em 26/01/11
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30
Fig.14-CARR,Carlos. Demonstrao para interveno na guerra (manifesto Intervencionista), 1914. Fonte: AGUILAR, Gonzalo Moiss. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2005
Por sua vez, o Futurismo (Fig.14), que no
seu incio utilizava uma linguagem divisionista,
onde o movimento dado pelas reverberaes
luminosas que envolvem os corpos, multiplicando
as vibraes e dilatando-as no espao (DE
MICHELI, 2004, p. 224), por volta de 1911, sua
orientao torna-se cada vez mais prxima do
sintetismo de tendncias cubistas (Fig. 15). O
cubismo analtico que surgiu um ano antes do
Futurismo, j havia revolucionado o mundo da arte
influenciando um sem nmero de artistas. Picasso e
Braque no tinham este esprito da revoluo e da
polmica igual aos futuristas, por isto, por vezes no
so chamados de artistas vanguardistas. Aqui, ns
atribuiremos o Cubismo Sinttico uma vanguarda
positiva, a qual foge das intenes extremamente
radicais da vanguarda negativa, porm questiona o
sistema de representao vigente desde o
Renascimento, com a imagem disposta a partir de uma
perspectiva central (BRGER, 2008, p. 203). Com o
advento de suas colagens em 1912 que Picasso e Braque marcam um gesto ou
um passo essencial para a histria da pintura (COMPAGNON, op. cit., p. 59 e
TASSINARI, op. cit., p. 37).
3.1.1 Colagem
Fig.15-SEVERINI, Gino . Natureza morta com revista literria "Nord Sud" (Homenagem Reverdy), circa ,1917 Fonte: http://www.christies.com Acessado em 26/01/2011;
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31
No modernismo, os primeiros a romperem quase completamente com a
representao, numa tentativa de apresentar a realidade ao invs de represent-la,
sero os cubistas Picasso e Braque, mais precisamente, na fase do Cubismo
Sinttico.
A primeira colagem de Picasso,
Natureza-morta com palhinha (Fig.16), foi
realizada em maio de 1912, e em setembro,
Braque utiliza a tcnica da papier coll numa
natureza morta. No mesmo ano, Boccioni prope
introduzir na arte a dimenso real. Cubismo e
Futurismo haviam introduzido no interior da
matria pictrica e escultrica materiais
heterogneos, provenientes do universo industrial e da sociedade de massa, dando
vida colagem e escultura polimatrica (FABRIS, 2003, p.11). O ano de 1912 ser
o marco da apropriao na arte. Difcil estabelecer quem fez a primeira colagem,
pois, enquanto um associa a primeira Picasso (Id., ibid.), outro associar Braque
(GREENBERG,1959, p.95). Porm a maioria no far esta distino (ARGAN, 1992;
SCHAPIRO, 2002; RUHRBERG, 2002; DE MICHELI, 2004; GOLDING, 1967;
TASSINARI, 2001), atribuindo ao cubismo sinttico, ou seja, ambos, a inveno da
colagem. Porm, preciso estabelecer uma distino entre as colagens realizadas
em ambos: Picasso (Fig. 18) o inventor da colagem, e Braque (Fig. 17) inventor do
papier coll.
indicativo das diferenas de temperamento e de talento entre os dois pintores que Picasso tivesse sido o descobridor da colagem, a qual pode ser descrita como a incorporao de qualquer material estranho superfcie do quadro, enquanto Braque foi o inventor do papier coll, uma forma particular de colagem, em que tiras ou fragmentos de papel so aplicados superfcie da pintura ou desenho (GOLDING, 1967, p.46).
Fig.16-PICASSO, Pablo. Natureza-Morta com palhinha, 1912. Fonte : ZIMMERMMAN, Beate; BUCHHOLZ. Elke Linda. Picasso . Colgna: Knemann, 2001. p. 41
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32
Fig. 17 -BRAQUE, Georges Still Life with Tenora, 1913. Fonte: http://www.moma.org/ collection/provenance/provenance_object.php?object_id=38330 Acessado em 26/01/11
Ainda pode parecer a mesma coisa, mas a
diferena que a colagem a introduo de um
elemento real numa representao da realidade, e o
papier coll um elemento independente da
composio que pode ser constituda como base
cromtica ou pode receber intervenes grficas,
funcionando tanto como fundo quanto como
representao ilusionista no primeiro plano (FABRIS,
op. cit., p.12). O que isto quer dizer que, se um pedao
de jornal para Picasso pode se transformar numa
guitarra na sua pintura, para Braque o pedao de jornal
ser um pedao de jornal em sua pintura. Se os
fragmentos de Braque so utilizados de maneira lgica,
ainda naturalista, os de Picasso so utilizados de
maneira paradoxal, pois convertem e extraem
significados diferentes daquele conhecido, e seu uso no
servir de maneira representacional do elemento. Cada
fragmento de jornal forma o signo de um significado
visual; ento quando junta sua extremidade de outro, ele se re-forma e o
significado muda (KRAUSS, 2006, p.43). Portanto, Picasso quem mais se
aproxima do rompimento total com a representao.
A colagem picassiana funde figura e fundo, coisas e espao, no
apresentando mais aquela linha perspectiva que desde o Renascimento controlava a
nossa viso. Se, como falvamos, que desde os artistas realistas e dos
impressionistas, o artista tende aproximao da arte com a realidade, mesmo que
Fig 18-PICASSO, Pablo. Violino, 1912. Fonte: http:// collection.centrepompidou.fr/Navigart/images/ Acessado em 26/01/11
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33
Fig.19 DUCHAMP,Marcel Roda de Bicicleta, 1913. FONTE: MINK, Janis. Marcel Duchamp Germany: Taschen, 1996. p. 50
de forma paradoxal, a colagem de Picasso a que mais se aproximara desde ento.
S no se apresenta como objeto participante da nossa realidade, porque as
colagens esto aplicadas sobre um fundo. um fundo raso. E se ainda
apropriado pens-lo como um fundo porque, apesar dos papis colados ou das
linhas riscadas sobre ele, ou, ainda, em razo dessas mesmas linhas e recortes, ele
recua para uma profundidade, ainda que rasa, ptica (TASSINARI, op.cit., p. 39).
Para exemplificar esta questo, poderemos citar a janela renascentista. No
Renascimento, com sua perspectiva aplicada, um quadro d a iluso de ser uma
janela aberta, a qual os nossos olhos adentram para este outro espao, uma outra
realidade. Agora, se fecharmos a vidraa desta janela, chegamos aos
impressionistas que pintam este vidro de modo que deixam transparecer o outro
espao, a outra realidade. J com a colagem cubista, a vidraa est fechada com os
recortes colados no seu anverso, e no reverso do vidro est aplicada uma demo de
tinta que cobrir todo o vidro.
O vidro/tela tido como pintura/objeto. A colagem a figura que est na
superfcie. A demo de tinta o fundo. A distncia da
figura e do fundo da espessura do vidro. Raso. Porm,
um fundo.
3.1.2 Ready-made
Em 1913, Marcel Duchamp apresenta seu primeiro
ready-made (objeto pronto) retificado, que consiste em
uma roda de bicicleta acoplada a uma cadeira de
madeira (Roda de Bicicleta) (Fig.19). Em 1914 a vez
de um ready-made sem assistncia (WOOD, 2002, p.
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34
Fig. 20 DUCHAMP, Marcel. Suporte de Garrafas, 1914, rplica,1964. Fonte:www.abcgallery.com. Acessado em 26/01/11.
12), quer dizer, um objeto retirado do seu mbito original e colocado sem
interferncia alguma do artista, num local expositivo, sendo este apenas um suporte
de metal para garrafas (Suporte para Garrafas) (Fig. 20). Na verdade, somente em
1915 que Duchamp nomeou estes objetos como ready-mades, pois, segundo o
artista, antes serviam apenas como forma de distrao (DUCHAMP in CABANNE,
2002, p. 79). Se, como sugere Farias,
a colagem o gnero o ready-made a espcie. Embora tenha surgido um ano depois da colagem, em 1913, o ready-made, isto , a apropriao e re-contextualizao no mbito da arte de um objeto qualquer produzido em escala industrial, de autoria annima, cuja ordem funcional supera qualquer pretenso esttica, joga o problema para um territrio muito mais amplo, do qual a colagem apenas um caso particular, e denominado posteriormente por alguns tericos, como assemblage (2007, p. 6).
Foi somente em 1917 que Duchamp props seu
ready-made mais conhecido e provocativo, a Fonte (Fig.
21), um urinol comprado numa loja de ferragens. Na
realidade, no o exps, visto que o Comit de Seleo do
Salo dos Independentes de Nova York retirou o objeto da
exposio. Duchamp fazia parte do Comit, mas inscreveu
seu ready-made com a assinatura R. Mutt para despistar
a sua presena na exposio. O nome de Duchamp, de
fato, no apareceu como tendo sequer contribudo para a
exposio de 1917. Ele foi, no entanto, responsvel pela obra mais famosa da
mostra uma obra que o pblico jamais viu (TOMKINS, 2004, p.204).
A Fonte rompe com o passado tradicional, onde a mais importante
caracterstica era a visualizao de uma obra de arte, a sua feitura, a sua tcnica,
acabando com o deslumbre visual e com as retinas viciadas, como nas palavras do
prprio artista:
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35
Desde Courbet acredita-se que a pintura endereada retina; este foi o erro de todo mundo. O frisson retiniano! Antes, a pintura tinha outras funes, podia ser religiosa, filosfica, moral (...) absolutamente ridculo. Isso tem que mudar; no foi sempre assim (DUCHAMP in CABANNE, op. cit., p. 73).
O ready-made no uma obra de arte uma antiobra. Esta antiobra tem
o efeito de provocar a histria da arte e as instituies que apresentam essas obras,
a priori, porque no o objeto de Duchamp que a sua obra, e sim, o seu ato, a sua
idia, a sua ao de pr tal objeto em um local, e a posteriori, porque este mesmo
local tem por costume tornar sagrado um trabalho artstico.
O ready-made, dentro de sua concepo de antiarte, nega toda possibilidade de julgamento esttico fundado no objeto, situando-o para alm do juzo da fealdade e da beleza. A noo de esttica neste caso se confunde com o prprio ato reflexivo acerca do valor da arte. A partir desta iniciativa, Duchamp afirma que tudo ou qualquer coisa poder vir a ser arte, mas nem tudo de fato o . (SIMO, op. cit., p.3)
Tanto que a escolha dos ready-mades se d pela
indiferena esttica, que tal objeto no acarrete a
nenhuma emoo esttica, numa total ausncia de bom
ou mau gosto (DUCHAMP in CABANNE, op. cit., p. 80).
assim que Duchamp quebra as relaes que
entendamos sobre a arte, matria e obra, o autor e obra,
espao institucional e museolgico e obra. a
apropriao do objeto como negao da manualidade,
da unicidade, da individualidade, da autoria, por
conseguinte, a retirada do estatuto de valor artstico do objeto.
Duchamp abriu mo da sua condio de artista, compreendido como aquele que cria obras de arte, em troca do artista como aquele que se apropria, uma estratgia capaz de provocar o colapso do meio artstico fundamentado em valores como o carter artesanal da obra de arte, cujo primeiro e principal corolrio era justamente a figura do autor. Tomando o objeto feito anonimamente, Duchamp desferia um golpe mortal na noo clssica de arte. (FARIAS, op. cit., p. 7-8)
Fig.21DUCHAMP, Marcel. Fonte, 1917. Rplica, 1964. Fonte: MINK, Janis. Marcel Duchamp. Germany: Taschen, 1996. p. 66
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36
O artista em Duchamp se transforma em sujeito artista, sendo aquele que
existe antes do trabalho artstico. Ele participa de uma rede, a qual legitima a sua
posio enquanto artista, sendo que este legitimar um objeto como sendo artstico
(SIMO, op. cit., p. 3).
Como afirma Cauquelin, instaura-se um novo mtodo no qual o artista passa
a escolher o material para fazer arte, "no cria mais, ele utiliza material" (op. cit., p.
97). Nas prprias palavras de Duchamp, "fazer alguma coisa escolher um tubo do
azul, um tubo do vermelho (...). Esse tubo foi comprado por voc, no foi feito por
voc. Voc o comprou como um ready-made: todas as telas do mundo so ready-
mades 'acrescentados' e trabalhos de montagem" (DUCHAMP citado por
CAUQUELIN, 2005, p. 97).
O ready-made foi uma alternativa que Duchamp encontrou para quebrar a
esfera representacional que, mesmo com a extraordinria abertura propiciada pela
colagem e a conseqente utilizao de materiais extra-artsticos (FARIAS, op. cit.,
p. 7), os cubistas ainda insistiam. No podemos colocar Duchamp em relao com
aquela linearidade a qual estvamos falando anteriormente, em que os artistas
vinham se aproximando da arte com a realidade e rompendo aos poucos o carter
representacional do objeto pictrico, pois a leitura dos objetos no entra em
concordncia com os trabalhos dos artistas lidos at ento. Pois, como afirma
Brger:
Os ready-mades de Duchamp no so obras de arte, e sim manifestaes. No a partir da totalidade forma-contedo dos objetos individuais assinados por Duchamp que se pode fazer uma leitura do sentido de sua provocao, mas unicamente a partir da oposio entre objetos produzidos em srie, por um lado, e assinatura e exposio de arte, por outro (op. cit., p. 110)
O trabalho artstico de Duchamp est em seu ato ou gesto. Valorizando o
gesto casual e no o gesto movido pelo eventual interesse esttico de um objeto
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37
dado, Duchamp valoriza o conceito, a idia que preside toda ao (FARIAS, op. cit.,
p. 7). E seu gesto implode no sistema artstico, alterando todo um pensamento que
vinha rastejando h sculos. Troca todos os sentidos estticos de feitura, material,
gosto, autoria, por questionamentos com potencial ontolgico (o que arte?),
epistemolgico (como saber se ?) e institucional (quem determina?) (KRAUSS,
2004, citada por FARIAS, 2007, p.8).
Tanto este gesto quanto o processo de 'escolher' coisas j existentes esto
intimamente ligados s idias de apropriao, que influenciaram um grande nmero
de artistas na arte contempornea, no sendo 'escolhidos' somente elementos do
mundo, mas tambm se valendo de imagens de obras prprias ou alheias ou at
mesmo a prpria obra de um outro artista, concreta e materialmente.
3.1.3 Fotomontagem
Com a inveno da colagem e a vanguarda provocativa e o grito de
liberdade dos futuristas, como tambm os ready-mades duchampianos, surge em
Berlim com o movimento dadasta a Fotomontagem em 1918. A data gera
controvrsia entres os participantes, pois enquanto uns como Hannah Hch e Raoul
Hausmann tomam para si a ideia da fotomontagem em 1918, para outros como
George Grosz e John Heartfield dizem que a inveno foi realizada por eles em
1916. A defesa de Grosz, que, as correspondncias que ele tinha com Heartfield,
eram realizadas com recortes dos mais variados tipos como:
[...] anncios publicitrios, rtulos de garrafas e fotografias de revistas, recortados arbitrariamente e montados de maneira absurda. Essa estrutura gerou cartes postais feitos mo que os dois amigos trocavam entre si, nos quais as imagens justapostas diziam aquilo que as palavras no podiam afirmar por razes de censura (FABRIS, 2003, p. 16)
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Fig.23-HCH, Hannah. Cortado com a Faca de Cozinha DADA Atravs da Pana de Cerveja da ltima poca Cultural da Alemanha de Weimar, 1919.Fonte:http://www.artres.com/c/htm/CsearchZ Acessado em 26/01/11
Porm nenhum destes cartes sobreviveu e por falta de evidncia concreta,
intitula-se como a primeira fotomontagem a Cinema sinttico da pintura (perdida),
realizada por Hausmann de 1918 (id., ibid.). Independentemente de quem a
inventou, a fotomontagem pertence ao grupo dadasta, mais especificamente o de
Berlim.
O Dadasmo, como movimento, surgiu no Cabaret Voltaire em Zurique com
o manifesto de 1916 de Hugo Ball, continuado em Paris por Tristzan Tzara e Francis
Picabia com o Dad Manifesto em 1918 e depois em Berlim com o Berlim Dad
por John Heartfield (Fig. 24), George Grosz, Raoul Hausmann (Fig. 22) e Hannah
Hch (Fig. 23) em 1920.
Diferente da vanguarda positiva a que atribumos ao Cubismo, o Dadasmo
se assumir como uma vanguarda negativa, (posto dado pelos Futuristas). O
positivo para o Cubismo est para questionar a arte mas no para neg-la. A sua
atitude de antecipao, apresentao do novo, estar ligada aos desdobramentos
da arte enquanto progresso. J uma vanguarda negativa assume a proposio da
negao e o prefixo anti como norma. Uma vanguarda negativa antiartstica,
Fig.22-HAUSMANN,Raoul. ABCD, 1923-24. Fonte: http://www.metmuseum.org. Acessado em 26/01/11
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antiliterria, antipotica, etc.; vai contra a beleza, contra as leis da lgica, contra a
perfeio, contra ao que universal, contra a ordem, etc.; contudo a favor da
liberdade do indivduo, da espontaneidade, do imediato, do atual, do aleatrio e
principalmente da contradio. O Dad tudo isto e mais um pouco. Seus gestos,
mais do que obras de arte, assumem a provocao, o choque e o escndalo como
instrumento de expresso (DE MICHELI, op. cit., p. 135). Como o dadasmo nasceu
aps as outras manifestaes que j haviam se afirmado, tornar-se- anticubista,
antifuturista, antiabstracionista, porm operando com os meios, as invenes e
inovaes destes movimentos. O Dad a miscelnia destes movimentos, agindo
nas suas contradies (id., p. 137).
No caso do Dad de Berlim, o ingrediente que se serviro os artistas est na
colagem cubista. Apenas como ingrediente, no como afirmao. Sua forma de
subverso e seu contedo revolucionrio. A fotomontagem age nos extremos da
arte e da poltica. Lembremos que o perodo de Primeira Guerra Mundial e de
censura. E como bons dadastas, os artistas de Berlim iro contra a censura e contra
ao militarismo, tornando-se cada vez mais politizados.
O fato de Heartfield e Grosz trabalharem em estreita colaborao com rgos de oposio ao governo deve ser analisado num quadro de politizao da cultura, que a marca distintiva do grupo dadasta de Berlim. Antiprussiano, antiburgus e antiliberal, o grupo de Berlim ope-se Repblica de Weimar e demonstra simpatia pela linha revolucionria da Liga Spartacus, na qual militavam Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. A Primeira Guerra Mundial o grande aglutinador das atitudes anticonvencionais de Herzfelde, Heartfield e Grosz, que desenvolvem aes desestabilizadoras da ordem a fim de protestar contra o militarismo e o patriotismo alemes (FABRIS, op. cit., p. 19).
E no caso artstico, lembremos que a fotomontagem s foi possvel em
conjunto com a proliferao da fotografia, a reproduo tcnica e os meios de
comunicao e cultura de massa. O incio das vanguardas e da fotomontagem
coincide
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Fig. 24 - HEARTFIELD , John .Adolf, O Super-Homem Engole Ouro e Vomita Lixo 1932, impresso aps1942. Fonte:http://cybermuse.gallery. ca/cybermuse/ Acessado em 26/01/11
[...] com esse momento crucial da histria no qual, sob o impacto da crescente participao das massas na produo coletiva, os modelos tradicionais, que contriburam para a formao do carter do indivduo burgus, foram rejeitados em favor de modelos que reconheciam os fatos sociais de uma situao histrica na qual o sentido de igualdade se havia intensificado a tal ponto, que essa igualdade poderia ser adquirida at mesmo a partir de um nico, graas aos meios de reproduo (BUCHLOH, 2000, p. 181).
Os dadastas de Berlim viram que a
fotografia tinha um potencial muito maior do que um
simples instrumento burgus. E se a questo
negar a funo interpretativa da arte, estabelece-se
uma convergncia dos meios de reproduo tcnica
com os dispositivos operadores de arte. E se os
meios de comunicao atingem uma massa, ou
seja, um maior nmero de espectadores, a
alternativa da provocao e do choque cria um
estranhamento no pblico em relao s situaes
experimentadas no dia-a-dia (FABRIS, op. cit., p. 48), como tambm serve de alerta,
como denncia, as notcias falsas sobre a guerra pela imprensa burguesa (id., p.
23).
Por mais non sense que fosse o Dad, os artistas sabiam o que estavam
fazendo. Sabiam tanto, que sabiam negar a si prprio. Dada como antidad. Pois
eles sabiam que a estratgia da provocao e do choque, quando vira um esquema,
da segunda vez que se tenta provocar o choque, no choca mais.
3.1.4 Termos genricos
Preferimos chamar de termos genricos alguns termos que correspondem
ou se assimilam com aqueles que acabamos de relatar. Tal preferncia se d por
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Fig.26-GIACOMETTI, Alberto. Disagreeable Object. 1931. Fonte: WoodParishttp:// artanddesign.lelaluxe.com/2009/06/momas-collection-of-erotic-surrealism.html Acessado em 26/01/11
Fig. 27 - OPPENHEIM, Meret. Le Djeuner en Fourrure, 1936. Fonte: SCHNECKENBURGER, Manfred. Escultura. In: WALTHER, Ingo F. (org.). Arte do sculo XX. Vol. 2. Lisboa: Taschen, 2005
uma questo linear e pelo fato que, se abrirmos uma
subseo para cada termo, podemos cair na redundncia.
O que chamaremos de genricos so os termos: objet
trouv e a assemblage.
O objet trouv, derivado do francs objeto
encontrado, designa a maior parte dos objetos
surrealistas e surgem por volta de 1920. Muito prximo do
termo ready-made inventado por Duchamp, o objet trouv
consiste em encontrar objetos pelo acaso,
escolhidos pelas suas funes estticas e fazer a
juno destes, provocando um estranhamento pelas
associaes inconciliveis. Se o objet trouv joga
com os mesmos procedimentos do ready-made e
da colagem, como a apropriao e a subtrao do
sentido, fragmentao e justaposio dos
fragmentos, a diferena maior est na escolha do
tal objeto. Enquanto os ready-mades esto para a
indiferena visual do objeto e a recusa da emoo
esttica, o objet trouv reconhece no objeto achado
um objeto esttico, portanto um critrio de gosto e
de beleza, mesmo que est beleza seja um tanto
estranha, pois a beleza surrealista se afirmar
atravs do enunciado de Lautramont: Belo como
o encontro casual de uma mquina de costura e um
guarda-chuva sobre uma mesa cirrgica (DE MICHELI, op. cit.,161).
Fig.25- RAY, Man. O presente, 1921, replica 1972. Fonte:http://www.tate.org.uk/tateetc/issue12/unholytrinity.htm. Acessado em 26/01/11
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Fig. 28 : PICASSO,Pablo Cabea de touro, 1942. Fonte:http://gramatolo gia.blogspot.com/2008 _04_01_archive.html Acessado em 26/01/11
Continuando o legado dos primeiros ready-mades
duchampianos, onde dois ou mais objetos so
justapostos, os primeiros objets trouvs assumiram um
carter, atravs do automatismo, de irritabilidade das
faculdades do esprito (id., p. 162). Invs da indiferena
duchampiana, o objet trouv surrealista agir como
provocador ptico, tanto que viraram referncia para os
objets desagrables (objetos desagradveis) tendo como
exemplo os trabalhos de Man Ray (Fig.25) e Alberto
Giacometti (Fig26).
Ao longo dos anos 30 do sculo XX, os objetos surrealistas (Fig.27) se
proliferam de modo que cada objeto ser classificado pela sua categoria: objetos
transubstanciados, de origem afetiva; objetos a serem projetados, de origem
onrica; objetos-modelos, de origem hipnaggica; e outros mais (id., ibid.).
Tomado por modelos e significados dspares, o objet trouv ao longo dos
anos da Histria ser atribudo a tudo que carrega este procedimento: acoplamento
de duas realidades aparentemente inconciliveis num plano que aparentemente no
conveniente para elas (ERNST citado por DE MICHELI, op. cit., p. 161). Por isto
veremos em textos o termo atribudo, mesmo que erroneamente, para ready-mades
duchampianos at objetos que se comportam para representar algo, como o caso
da Cabea de touro (Fig. 28) de Pablo Picasso. o termo generalizado para tudo
que se parece com o procedimento. O mesmo acontece com o termo Assemblage.
O termo assemblage cunhado por Jean Dubuffet (Fig. 29) em 1953,
orientado pela esttica da acumulao, para fazer referncia aos trabalhos que vo
alm das colagens, onde qualquer tipo de material pode ser incorporado uma obra
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de arte (ASSEMBLAGE..., 2008). Oriundo de todas as categorias as quais j
relatamos aqui, como colagem cubista, ready-made, fotomontagem, objet trouv,
etc., a assemblage
[...] uma modalidade de construo plstica na qual se enquadra a colagem, simples ou complexa, no importa, mas que se define por ser composta de materiais distintos quanto as suas caractersticas fsicas como tambm quanto ao uso que dele se fazia [...] e, como tais, portadores de temporalidades, informaes e conceitos diversos (FARIAS, op. cit., p. 10).
No se valendo apenas de materiais
industrializados ou da comunicao, os materiais para
confeccionar uma assemblage podem ser de origem
natural, como areia, pedra, madeira, asas de borboleta,
etc.. A partir de materiais banais, mas sem retirar a sua
identidade fsica e funcional, Dubuffet os utiliza de
maneira informal, para, diferente da colagem cubista,
enfatizar as qualidades visuais e tteis destes
fragmentos aplicados em uma obra de arte.
O termo de Dubuffet se expandiu com a exposio The Art of Assemblage,
no MOMA de Nova York em 1961. A exposio incluiu 140 artistas internacionais,
incluindo Braque, Cornell, Dubuffet, Picasso, etc. num mesmo pacote. Fazendo com
que o termo se misturasse com as outras categorias das quais j relatamos. Por isto
o termo assemblage vira histrico, sendo aplicado, por vezes, tanto para colagens
cubistas, aos objets trouvs (sendo este a matria-prima para a assemblage), etc.,
como tambm para aquilo que veio depois do termo, como as esculturas junk de
John Chamberlain, que fazem uso de refugo industrial, sucatas e materiais
descartados de todo tipo; os trabalhos dos membros do Nouveau Ralisme como o
artista Arman, que se apropria das coisas que pertencem ao contexto fenomnico do
Fig.29-DUBUFFET, Jean. Butterfly-Wing Figure,1953 Fonte:http://hirshhorn.si.edu/visit/collection_object.asp?key=32&subkey=2718 Acessado em 26/01/2011
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mundo moderno e as acumulam como se fossem presas (ARGAN, op. cit., p. 558);
as combine paintings de Robert Rauschenberg e as pinturas de Jasper Johns, as
quais no retrataremos por hora, pois estamos a um passo da Arte Contempornea.
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4 ARTE CONTEMPORNEA: SEGUNDA METADE DO SCULO XX
No entenderemos por hora, como se a Arte Contempornea no se
dispusesse de um tempo de constituio, ou melhor, como se a Arte
Contempornea fosse atemporal, podendo ser retratada entre recortes de ida e
volta, assinalando certos artistas da Arte Moderna pertencentes Arte
Contempornea, como descreve Cauquelin (2005). Claro que entendemos que um
artista como Duchamp ser um agente ativo em que se espelhar a
contemporaneidade, e que sua Fonte ganha fora ou reconhecimento a partir dos
anos 50. Porm, um objeto como a Fonte, na Arte Contempornea, ganha aspectos
contrrios daqueles que lhe foram propostos. A Fonte ganha estatuto de obra de
arte e se transforma em um objeto histrico e esttico, como teria dito Rauschenberg
afirmando nunca ter visto uma escultura to bonita como o urinol de Marcel
Duchamp (HONNEF, 2004, p.8).
Por isto entenderemos a passagem da Arte Moderna para uma Arte
Contempornea seguindo trs fatores: 1) a obra de arte deixando de representar
algo para participar da realidade, como vnhamos relatando - com Jasper Johns e o
fim da iluso (STEINBERG, 2008, p.32); 2) a apropriao deixa de ser material para
se transformar em uma imagem novamente com Johns (BUCHLOH, op. cit., p.
182) e depois com a Pop Art; 3) quando a arte moderna se transforma em histria
com as vanguardas tardias e a ps-vanguarda1 (FABBRINI, 2003).
Para o primeiro fator, como j vnhamos relatando, que, desde o
Renascimento, atravs da perspectiva, os artistas representavam uma realidade, a
1 Deixemos claro que para Fabbrini (2003), a periodizao da arte neste presente contexto se divide num imaginrio da modernidade artstica, dos artistas vanguardistas, ou seja, do fim do sculo XIX aos anos 1960 e 1970, e num imaginrio contemporneo, ou ps-vanguardista, a partir do final dos anos 70, o que no concorda com o ponto de partida da Arte Contempornea aplicada por Archer (2001) e Tassinari (2001).
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qual nossos olhos eram guiados para dentro da imagem. Com os artistas modernos,
aos poucos, aquela distncia vai se aproximando do plano pictrico. Na Arte
Contempornea a representao da realidade posta de lado, para o objeto artstico
ser uma realidade. Se um quadro ia para dentro, agora ele salta para fora. Se
antigamente a tridimensionalidade era realizada atravs da iluso ptica num
espao bidimensional, agora a tridimensionalidade passa a ser real.
Para isto, tomemos como ponto de partida - tanto do ponto de vista de
Tassinari (2001) quanto do ponto de Michael Archer (2001) com o livro Arte
Contempornea - os artistas neodadastas, Robert Rauschenberg e Jasper Johns.
4.1 NEO-DAD2
Os trabalhos de Robert Rauschenberg e Jasper Johns, a partir dos anos 50,
foram denominados por Neo-dad devido ao uso particular de temas derivados do
mundo cotidiano (ARCHER, 2001, p. 2). O termo, continua Archer, est mais
voltado para os trabalhos de Duchamp do que as atividades do Cabaret Voltaire de
1916 (id., p. 3). Estes temas derivados do mundo cotidiano apresentam-se como
qualquer tipo de objeto que pode ser utilizado para fazer um trabalho artstico,
seguindo a risca e ampliando a idia da assemblage. Archer completa o conceito de
assemblage com duas idias-chaves:
A primeira a de que, por mais que a unio de certas imagens e objetos possa produzir arte, tais imagens e objetos jamais perdem totalmente sua identificao com o mundo comum, cotidiano, de onde foram tirados. A segunda a de que essa conexo com o cotidiano, desde que no nos envergonhemos dela, deixa o caminho livre para o uso de uma vasta gama de materiais e tcnicas at agora no associados com o fazer artstico (id., p.3-4)
2 Optamos pelo termo Neo-dad, mesmo que desprezado por Steinberg (2008) e por Argan (1992), pelo simples fato destes artistas se encontrarem a meio caminho do Expressionismo abstrato Pop Art.
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Seguindo este pensamento podemos associar o
uso do cotidiano com a aproximao da arte com a vida
to desejada por Rauschenberg (Fig. 30).
A partir de 1953, Rauschenberg produziu uma
srie de pinturas a qual ele denominou de Combine
Paintings, que atravs de combinaes como fragmentos
de pintura gestual expressiva (ensinamentos do provindos
do Action Painting) com animais empalhados, sinais de
trnsito, fotografias, etc., formam uma assemblage, tanto
na apropriao e no uso de materiais heterclitos, quanto
uma assemblage de categorias apropriacionistas das quais relatamos anteriormente:
colagem, ready-made, objeto surrealista, etc., tudo numa mesma obra. Porm, de
forma alguma, meramente uma aglomerao vital e arbitrria como uma
representao de uma cena de rua, mas sim um tecido polifnico com referncias
formais, iconogrficas e polticas cruzadas (SCHNECKENBURGER, 2005, p.510).
Nestas pinturas, em que objetos vo sendo depositados e acabam
representando algum motivo genrico, numa mistura desorganizada desenvolvem-
se campos de tenso entre os territrios do artstico e do real (HONNEF, op. cit., p.
22). Como bem entendia Rauschenberg sobre o processo artstico:
A pintura est ligada arte e vida. Nenhuma delas pode ser feita. (tento agir no espao que se encontra ambas.) Um par de meias no menos adequado para fazer um quadro do que a madeira, pregos, terebentina, leo e tecido. Uma tela nunca est vazia (RAUSCHENBERG citado por RUHRBERG, 2005, p. 314).
Se Rauschenberg age entre o intervalo da arte e da vida, seu amigo Jasper
Johns opta pela relao arte e realidade.
Fig.30-RAUSCHENBERG, Robert. Cama,1955.Fonte: http://www.moma.org/collection/. Acessado em 26/01/11
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Ao contrrio de Rauschenberg, Johns reconhecido pelas suas pinturas que
se apropriam de imagens banais e que so tratadas isoladamente como um alvo,
uma bandeira, um conjunto de nmeros. Para muitos sem muito objetivo. Em
grande parte, o objetivo dessas imagens a sua falta de objetivo o espectador
procura um significado especfico, o artista est mais preocupado em criar uma
superfcie (LUCIE-SMITH, 2006, p. 95). As pinturas de Johns, aproveitando uma
imagem j preestabelecida, como uma bandeira, j no uma bandeira, como
tambm no uma bandeira pintada, e sim uma questo sobre pintura. Com muita
ironia, o artista renova as questes provocadas pelos ready-mades. Ao utilizar estas
coisas vulgares, descontextualiz-las do seu primeiro sentido, com suas formas j
existentes sem a necessidade de invent-las, o artista se interessa pelo fato de uma
coisa no ser o que , de ela se tornar qualquer coisa diferente daquilo que
(JOHNS citado por RUHRBERG, op. cit., p. 311). Uma bandeira se transformando
em uma superfcie pintada. A realidade da coisa pintada esbatendo-se com a
realidade da pintura (RUHRBERG, op. cit., p.310).
Johns, como havamos dito, ser o artista que encerrar uma linha histrica
que tentou romper a noo da representao da realidade. Uma pintura como Flag
(Bandeira) de 1955, marca dois pontos de transformao na arte em que devemos
nos concentrar.
O primeiro a ruptura com a noo de representao da realidade. Isto se
d, a grosso modo, por no haver temas sublimes ou uma iluso ptica e pela
ambivalncia da pergunta quando estamos diante dela: isto uma bandeira ou uma
pintura?. Se uma pintura, uma pintura abstrata, empastada, e muito banal. Se
uma bandeira, uma imagem representando uma bandeira. Se continuar a
apresentar uma dicotomia entre as coisas, no se chega a lugar nenhum. Pois,
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Fig.31 - JOHNS, Jasper, Nmeros em cores,1958-1959. Fonte: http:// www.superstock.com. Acessado em 26/01/11
com a relao da pintura com a coisa pintada que se investiga o fenmeno da coisa
percepcionada como realidade. Johns construiu um idioma pessoal no qual objeto e
emblema, quadro e tema convergem indivisivelmente. O
tema est de volta no como preenchimento ou
adulterao, no em algum tipo de parceria, mas como
condio mesma da pintura (STEINBERG, op. cit., p. 49).
A pintura, que j por sua tcnica se apresenta como
objeto, ao se apropriar de uma imagem ou um cone, ou
seja, na sua condio abstrata da coisa, se transformar
em uma estrutura rgida, no havendo meios que se
traspassem tela. Quando uma imagem tratada como imagem e no sobre
aquilo que ela representa, aceitasse a imagem de uma maneira planificada. Se
antigamente uma pintura apresentava uma leitura arredondada que nossos olhos
escorregavam para dentro do quadro, a pintura de Johns a mesma coisa de ponta
a ponta3. Archer faz esta relao para a pintura com nmeros (Fig.31):
No caso de Johns isto era a soluo do problema originado no Expressionismo Abstrato de pintar com igual nfase sobre toda tela, em lugar de faz-lo no centro, onde o assunto principal normalmente aparecia, e arredondar as margens para dar sustentao. Uma sequencia numrica que comeava no canto superior esquerdo e terminava no inferior direito era um sistema apropriado para a obteno do resultado desejado (op. cit., p. 9-10)
Se continuarmos com o exemplo que fizemos anteriormente para a colagem
cubista, onde a perspectiva renascentista daria a iluso de uma janela aberta, a qual
os nossos olhos adentram para uma outra realidade; com os impressionistas a
vidraa da janela fechada e pintada de modo que deixam transparecer a outra
realidade. Posteriormente, com a colagem cubista, a vidraa permanecer fechada
3 Pgina seguinte: Fig.32 - JOHNS,Jasper. Bandeira, 1954-1955. Fonte: http://www.moma.org/collection/ Acesso em: 26/01/11.
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Fig. 33 JOHNS, Jasper. Cortina, 1959. Fonte: STEINBERG, Leo. Outros critrios: confrontos com a arte do sculo XX. So Paulo: Cosac Naify, 2008.p. 69
com os recortes colados no seu anverso e, no reverso do vidro, estar uma
aplicao de uma demo de tinta que cobrir todo o vidro, restando apenas um
mnimo de profundidade; no trabalho de Jasper Johns, o artista vai at a janela e
fecha a cortina (STEINBERG, 2008, p.68) (Fig. 33).
Se Jasper Johns fecha algo histrico,
tambm abre uma outra questo, que corresponde
ao nosso segundo ponto de transformao da arte:
quando a apropriao deixa de ser material para se
transformar em imagem.
Se, antes a apropriao estava destinada
ao uso de materiais palpveis, no caso de Johns,
como tambm em Rauchenberg, pois este realizou
inmeras pinturas atravs da serigrafia, a
apropriao estar destinada ao uso de uma
imagem pr-concebida, como melhor afirmara
Buchloh:
...a Flag, de Jasper Johns, 1955, no apenas marcou o incio da recepo de Duchamp na arte americana, e portanto o comeo da pop art, como introduziu, para sermos mais precisos, um mtodo pictrico at ento desconhecido pela Escola de Nova York: a apropriao de um objeto/imagem cujos aspectos de estrutura, cor e composio determinaram as escolhas do pintor durante a execuo do quadro (op. cit., p. 182).
Johns no pega uma bandeira de verdade e cola sobre a superfcie do
quadro, ele reproduz uma bandeira. Com isto, ao utilizar a apropriao da imagem,
abre um caminho para os artistas da Pop Art. Porm, devemos lembrar que a
apropriao de imagens no se tornar uma regra, tanto que os trabalhos de Johns
dos meados da dcada de 60 apresentaro objetos incorporados em sua pintura.
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4.2 POP-ART
A Pop Art surgiu na Inglaterra em 1956 com Richard Hamilton, e quase ao
mesmo tempo, a partir das invenes de Rauschenberg e de Johns, nos Estados
Unidos, com este ltimo obtendo mais sucesso. Se atentarmos ao fato, veremos que
dois plos distintos apresentam uma proposta igualada, mesmo com finalidades
distintas, concomitantemente. Isto se d por duas questes importantes na
transformao do mundo da arte: a consolidao da mudana da capital da arte, de
Paris para Nova York, e a globalizao da arte (BUENO, op. cit., p. 193). A mudana
da capital da arte se d, a grosso modo, a partir de trs fatores histricos
conseqentes. O primeiro com o Armory Show em 1913.
A ideia de realizar uma grande exposio retrospectiva do movimento moderno foi resultado da iniciativa de 25 artistas, oriundos da Ash Can e do grupo de Stieglitz, que, em 1913, organizaram a primeira mostra de arte moderna de repercusso nacional: The International Exibition of Modern Art. Ocupando as instalaes do 69th Regiment Armory de Nova Iorque, ficou conhecida como Armory Show (Id., p. 60).
A proposta da mostra, a princpio, era divulgar e promover a pintura
americana, porm, como a maioria dos trabalhos era europia e de grandes e
renomados artistas, posta ao lado, a pintura americana s serviu para ser
ridicularizada pela maior parte do pblico (id., p. 62). Alm da revelao e do
sucesso da obra europia, muitos artistas, ao visitarem a Amrica, viram uma
potncia inovadora no mbito artstico naquele local. Alm de que, Nova York seria
um bom reduto para escapar da Primeira Guerra. Mas aps o fim desta, os artistas
retornam Paris.
O segundo fator foi o xodo dos artistas europeus em direo Amrica,
devido a Segunda Guerra, na passagem dos anos 30 para os 40, e muitos se
instalando de vez (Id., p.91). Aps a guerra uma nova gerao de artistas
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americanos vai caminhando com os prprios ps, sem sofrer muita influncia dos
europeus ou querendo romper de vez com eles, comeando uma nova identidade:
segmentada, atomizada e mutante (id., p. 93). Durante a guerra surge o fenmeno
da internacionalizao, que para a populao consistia no desejo da preservao da
paz entre seus iguais, porm, no seu miolo, consistia na dominao poltica de
liderana americana (id., p.110). Para melhor entendermos a noo de
internacionalizao, nos explicar Bueno:
A internacionalizao consiste na exportao, para alm das fronteiras nacionais, de modelos econmicos, polticos, filosficos, modos de ser e viver, contedos artsticos e culturais, produzidos em naes poltica e economicamente fortes para adquirirem hegemonia internacional em alguns ou em muitos setores (id., p. 111).
A internacionalizao ser um passo para a sociedade globalizada que
ento conhecemos. A globalizao implica nas mesmas questes da
internacionalizao, como a expanso, a queda de fronteira, a aproximao de
culturas, etc., porm opera de forma distinta. Ao invs de operar na
homogeneizao da humanidade, como num processo civilizatrio de
ocidentalizao mundial e de domnio americano, como o caso do conceito da
internacionalizao, a globalizao implicar na heterogeneizao da sociedade,
que, da mesma forma que amplia as relaes sociais e um repertrio simblico
comum, ainda guarda uma pluralidade de vises (id., 112). Porm, isto se dar
apenas aps a guerra.
O terceiro fator que consolidar de vez a mudana da capital da arte est, de
forma simblica, no ano de 1956.
Em 1956, comea a transparecer a influncia dos americanos com a exposio Modern Art in United States, na Tate Gallery, em Londres. O impacto sobre os artistas da nova gerao gerou um deslocamento do foco das inovaes artsticas na Inglaterra, de Paris para Nova Iorque (id., p. 157).
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Fig. 34 - HAMILTON,Richard. O que torna os lares de hoje to diferentes, to atraentes?,1956. Fonte :http://www.kunsthalle-tuebingen.de/ Acessado e