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“CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS NA BARRA DA TIJUCA - RIO DE JANEIRO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA PROPOSTA ORIGINAL E TRANSFORMAÇÕES” BRANCO SOARES, SANDRA (1); BITTAR, WILLIAM (2) 1 - IPHAN. Centro Lúcio Costa. Departamento de Articulação e Fomento. Rua Timóteo da Costa 297/404 Leblon Rio de Janeiro 22.450-130 [email protected] [email protected] 2 - FAU/UFRJ. Departamento de História e Teoria. DHT Rua Professor Lacê 134/401 Rio de Janeiro RJ 21.060-120 [email protected] RESUMO: Este trabalho apresenta o desenvolvimento da arquitetura residencial da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, desde a década de 1970, através de folders publicitários para lançamento de imóveis em condomínio. Esses folders publicitários permitem estabelecer aspectos diferenciados nas alterações das expectativas dos usuários, resultado dessa nova forma de morar ou viver de determinados grupos, para os quais o espaço interno da casa pode adquirir papel secundário ou até mesmo coadjuvante em um novo conceito de se morar. Palavras-chave: Arquitetura Rio de Janeiro; Habitação; Planejamento urbano. Introdução: Marcados por suas entradas propositalmente monumentais, os condomínios contemporâneos construídos ou inaugurados na primeira década do século XXI, se apresentam como verdadeiras Ilhas da Fantasia. Suas propagandas, de produção gráfica impecável, oferecem ao futuro e feliz proprietário status e glamour associados a uma vida de lazer e relaxamento constantes.

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Page 1: “CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS NA BARRA DA TIJUCA - RIO … · Barra da Tijuca em meados dos anos 1970, quando a região era pouco mais do que um areal com vegetação de restinga

“CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS NA BARRA DA TIJUCA - RIO DE

JANEIRO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA PROPOSTA

ORIGINAL E TRANSFORMAÇÕES”

BRANCO SOARES, SANDRA (1); BITTAR, WILLIAM (2)

1 - IPHAN. Centro Lúcio Costa. Departamento de Articulação e Fomento. Rua Timóteo da Costa 297/404 – Leblon – Rio de Janeiro – 22.450-130

[email protected] [email protected]

2 - FAU/UFRJ. Departamento de História e Teoria. DHT

Rua Professor Lacê 134/401 – Rio de Janeiro – RJ – 21.060-120 [email protected]

RESUMO: Este trabalho apresenta o desenvolvimento da arquitetura residencial da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, desde a década de 1970, através de folders publicitários para lançamento de imóveis em condomínio. Esses folders publicitários permitem estabelecer aspectos diferenciados nas alterações das expectativas dos usuários, resultado dessa nova forma de morar ou viver de determinados grupos, para os quais o espaço interno da casa pode adquirir papel secundário ou até mesmo coadjuvante em um novo conceito de se morar. Palavras-chave: Arquitetura – Rio de Janeiro; Habitação; Planejamento urbano.

Introdução:

Marcados por suas entradas propositalmente monumentais, os condomínios

contemporâneos construídos ou inaugurados na primeira década do século XXI, se apresentam

como verdadeiras Ilhas da Fantasia. Suas propagandas, de produção gráfica impecável,

oferecem ao futuro e feliz proprietário status e glamour associados a uma vida de lazer e

relaxamento constantes.

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4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Sua apresentação revela-os como clubes completos, verdadeiros resorts de luxo.

Prometem novos conceitos exclusivos de moradia que garantem uma nova vida, “que já existia

nos seus sonhos”1.

Para tanto contam com o auxílio de imagens virtuais de seus espaços povoados com

futuros e atléticos moradores, que certamente não precisariam das variadas salas de ginástica

e equipamentos oferecidos.

Tais “bairros” têm sua origem nos primeiros condomínios projetados e construídos na

Barra da Tijuca em meados dos anos 1970, quando a região era pouco mais do que um areal

com vegetação de restinga.

Repleta de dunas, regulada pelo Plano Diretor desenvolvido pelo arquiteto Lúcio Costa,

em 1969, revelava-se como opção e expansão para uma Zona Sul já densamente ocupada.

Em momento de voraz especulação imobiliária, as novas propostas começavam a resgatar

valores em processo de extinção na selva urbanizada: convívio social, segurança, tranqüilidade.

Origens:

Após o final da Segunda Guerra, ocorreram significativas transformações nos padrões

de consumo que incorporavam gradativamente o american-way-of-life.

Novos hábitos passavam a frequentar o cotidiano da vida urbana cada vez mais

valorizada, relegando a planos secundários a vida rural.

Edifícios multifamiliares, presentes desde a década de 1920 para abrigar segmentos

mais abastados da sociedade, localizados em áreas privilegiadas pela paisagem, como

Flamengo e Copacabana, disseminavam-se por todo o Rio de Janeiro, com várias proposições

e custos para atender a um público mais amplo.

As primeiras obras, de repertório formal inspirado em modelos franceses, de matriz

classicizante nos anos 1920, foram substituídas, nas duas décadas subsequentes, por edifícios

de linguagem art-déco, que já se desenhara nos arranha-céus americanos no período entre

guerras.

Após a aproximação cultural com os Estados Unidos e o fenômeno crescente da

urbanização, iniciou-se uma busca desenfreada pelo lucro. Projetos notáveis, desenvolvidos por

1 Campanha publicitária de lançamento do Empreendimento “Santa Monica – Jardins”, em junho de 2004.

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competentes escritórios de arquitetura, tornavam-se raros, substituídos por modelos

padronizados, destinados a terrenos com dimensões similares, adotando partidos repetitivos e

pouco criativos, mas com grandes possibilidades no mercado imobiliário.

Alterava-se a silhueta de diversos bairros, onde residências unifamiliares, com seus

jardins e quintais, eram demolidas para que o terreno abrigasse edifícios de vários pavimentos

e muitas unidades. No entanto, nem sempre a infraestrutura de serviços acompanhava este

adensamento.

Além disso, deve ser registrado que após o governo Juscelino, o automóvel passou a

integrar a família brasileira de classes média e alta e a garagem se fez presente nas fachadas

residenciais, em posição privilegiada.

Os edifícios multifamiliares ainda levariam algum tempo para adequar seu programa às

novas solicitações. Os mais antigos, mesmo com plantas confortáveis para abrigar camadas

altas da sociedade, não dispunham sequer de uma vaga para automóveis.

Na cidade do Rio de Janeiro, uma das pioneiras no Brasil a adotar esta nova forma de

morar, projetos elegantes, de plantas bem resolvidas e fachadas que incorporavam a estética

internacional, diversos edifícios no Flamengo, Botafogo e principalmente, Copacabana, não

incluíam a garagem nas suas dependências.

As propagandas se referiam à qualidade do imóvel, conforto das unidades e

modernidade de acabamento, mas elementos como play-ground, áreas de lazer, garagem,

eram inimagináveis no contexto daquelas primeiras décadas do século XX.

A edição do Diário da Noite, de 01 de julho de 1930, estampava em sua primeira página

“Constróe-se, no Rio, o primeiro arranha-céo de luxo para apartamentos”, anunciando o Edifício

Milton, construído na Praia do Russel. A longa matéria expunha as novidades do

empreendimento:

“Assim, implantou-se no Rio de Janeiro, não obstante a sua imensa área, o systema de

habitação das grandes cidades de superpopulação condensada, que augmentam suas

construcções no sentido da altura, à proporção que diminuem as áreas disponíveis(...)”

“O ‘Edifício Milton’ é um magnifico arranha-céo de 11 andares, em estylo Luiz XVI,

construído com verdadeiros requintes de arte e de luxo.

O ‘hall’ não tem igual no Rio. É de uma elegância severa, de amplas proporções, todo

pavimentado de bello mármore colorido italiano e decorado com sobriedade e distincção. O

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prédio é dividido em 16 apartamentos de um conforto e luxo, que ainda não tinham sido

empregados no Rio, em edifícios do gênero.(...)”

“Os maiores desses apartamentos compõem-se de 11 peças, inclusive ampla cosinha e

instalações para criados, de modo a constituírem verdadeiras casas, dotadas de todo o

conforto.

As paredes são forradas de papel de luxo, laqueado e de seda.

Cada apartamento dispõe de aparelho sanitário, lavatório e banheiros magníficos,

coloridos, de fabricação americana. (...)”

“Um terraço em cada um deles (dos apartamentos), proporcionando vista magnífica,

sobre o mar e sobre a cidade, permite aos moradores gozarem (...) a amenidade da brisa

marinha, que constantemente ali sopra”.

Nenhuma observação sobre a garagem ou equipamentos de lazer, situação que

perduraria até o final da década de 1950, quando surgiram os primeiros play-grounds, dividindo

o espaço de pilotis com poucos automóveis importados.

Com a expansão de edifícios multifamiliares para os subúrbios, questões relativas ao

luxo no acabamento já não eram prioritárias nos anúncios de venda, mas muitos deles já

incluíam um terraço ou um pequeno espaço para reuniões ou salão de festas.

Importante notar que neste momento as qualidades destacadas para um apartamento

eram: conforto, comodidade e aprimorado gosto artístico.

O início do desenvolvimento urbano da Barra da Tijuca a partir do Plano

Piloto

Em 1969, o arquiteto Lúcio Costa foi convidado pelo Governo do então Estado da

Guanabara para desenvolver um projeto urbanístico para a Barra da Tijuca e a Baixada de

Jacarepaguá, áreas destinadas à expansão natural da cidade.

Naquele momento expandiam-se as vias de acesso ao bairro que mantinha ainda sua

natureza bastante preservada. Segundo o arquiteto “a reserva biológica aspirava à preservação

de toda essa área como parque nacional. E, de fato, o que atraia irresistivelmente alí e ainda

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agora, até certo ponto atrai, é o ar lavado e agreste; o tamanho, - as praias e dunas parecem

não ter fim; e aquela sensação inusitada de se estar num mundo intocado, primevo”2.

Frente à vasta paisagem da área o primeiro impulso seria o de impedir que se fizesse

qualquer coisa, mas o processo de ocupação e urbanização já se mostravam irreversíveis.

O plano piloto para a Barra da Tijuca apresentou uma preocupação constante com a

ocupação de forma a se tentar preservar as condições naturais existentes: “O problema

consiste então em encontrar a fórmula que permita conciliar a urbanização na escala em que se

impõe, com a salvaguarda, embora parcial, dessas peculiaridades que importa preservar”3.

Mostrou ainda, curiosamente, uma preocupação com a qualidade dos projetos para a

área a ser urbanizada, ao sugerir que, com o propósito de harmonia, os mesmos fossem

submetidos a uma comissão especial de aferição arquitetônica.

Com a conclusão do Elevado do Joá em 1974 acelerava-se a ocupação do bairro como

expansão da zona sul da cidade. Tal situação seria confirmada pelos folhetos publicitários de

lançamento dos novos condomínios, que confirmam o processo de especulação imobiliária na

área contrariando a inicial proposta urbanística.

Apesar disso, o arquiteto Lúcio Costa, em 1974, ainda demonstrava uma expectativa

otimista frente à referida especulação e consequente perda de qualidade arquitetônica: “É

porém de presumir-se que, com o correr do tempo, a oferta premendo sobre a demanda, a

economia fará valer a sua lei, mantendo os preços da terra sem que a correção neles incida.

E é igualmente de esperar-se que a arquitetura, ainda esquiva, dê um ar de sua graça

na proporção adequada dos edifícios e na serena naturalidade, resguardada ou acolhedora,

das casas entremeadas pelo arvoredo.

Só que, então, já não estarei mais aqui”4.

2 Plano Piloto para a urbanização da baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e

Jacarepaguá. Lúcio Costa, 1969 (COSTA, Lúcio. Lucio Costa. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995) 3 Idem.

4 COSTA, Lúcio (1974). “Registro pessoal”. In: Lucio Costa. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das

Artes, 1995, p.356

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Figura 1-- Folder publicitário do condomínio Atlântico Sul, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, no início da década de 1970.

A Barra da Tijuca consolidada e o novo modelo de vida

Passados mais de quarenta anos, novos valores são instrumentos de atração oferecidos

nos novos condomínios: portarias com segurança 24hs, áreas verdes para se caminhar e andar

de bicicleta, áreas de esporte, silêncio e tranqüilidade.

Oferecia-se no início “uma possibilidade de renovação, de desdobramento, já sem os

erros do passado para uma reformulação total do seu status. (...)Desafogo, pulmões livres,

horizontes novos. Para os olhos. Para o espírito. Uma cidade passada a limpo”5. Esta nova

cidade, com ênfase na qualidade de vida, dispunha de uma área construída mínima em relação

ao total do terreno, com edifícios distanciados e com farta aeração e iluminação.

A relação direta da expansão com a Zona Sul ratificava-se nas denominações

atribuídas aos blocos de edifícios dos novos condomínios e aos próprios: Atlântico Sul com

seus edifícios (Visconde de Albuquerque, Vieira Souto, Delfim Moreira, Borges de Medeiros,

Epitácio Pessoa...), Novo Leblon, Nova Ipanema e Barramares.

5 “Rumo o Atlântico Sul” – Material produzido para o lançamento do Condomínio Atlântico Sul no início da década de

1970.

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Figura 2- Condomínio Nova Ipanema em folder publicitário por ocasião do lançamento imobiliário (década de 1970)

A propaganda distribuída em folhetos de cuidadosa produção gráfica ou peças

publicitárias atraentes nas imagens e nos jingles cumpriam seu papel de ímã social, pois “em

nova Ipanema você estará morando no mesmo lugar em que seus fins de semana têm tudo

para serem maravilhosos, onde seus filhos poderão brincar, como você, nos tempos do

passado”6, contando ainda com um rápido acesso à Zona Sul e Centro através dos novos

projetos rodoviários. A praia, ainda pouco freqüentada, era oferecida “sem a feroz disputa por

um lugar ao sol”7.

A sofisticação anunciada revelava-se em espaçosos apartamentos, apresentados em

plantas esmeradas, acompanhadas da indicação de artistas e colaboradores (Burle Marx,

Agostinelli, etc.) responsáveis pelo detalhamento.

Ali se consolidava um novo modelo de vida, elegante, confortável e alternativo àquele

padrão urbano condenado à obsolescência planejada. Mas a procura da tranqüilidade foi

substituída por uma violenta busca pelo consumo.

Decorridos quarenta anos anos, os novos condomínios residenciais, muitas vezes

temáticos, parecem construídos para um determinado “estilo de vida” ou para grupos

específicos. Às suas denominações estão agregados os valores propostos em atrativa

6 Folder publicitário de lançamento do Condomínio Nova Ipanema, distribuído como suplemento da Revista Manchete

nº1214, julho de 1975 7 Folder publicitário de lançamento do Condomínio Nova Ipanema, distribuído como suplemento da Revista Manchete

nº1214, julho de 1975

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adjetivação: Barra QUALITY, Barra FUN, LIFE Residencial, Península FIT, Península SMART,

SUN Prime, SUNSHINE, Barra ALLEGRO, UP Leblon, AquaGreen, chegando-se às Ilhas

Samoa e Bora Bora Resort Real.

A marca deve englobar uma idéia de felicidade como fim, não como meio. O objeto

arquitetônico, aqui disposto como um mero produto de consumo, apresenta-se como um

medicamento capaz de evitar ou corrigir, talvez de forma definitiva, um estado de desânimo.

Satisfação garantida. Nestas novas “ilhas de diversão ou fantasia”, com seus parques florestais,

aquáticos e academias, não é permitido ficar triste ou ser infeliz. Pois elas oferecem condições

que nos permitiriam viver segundo determinados estados de espírito.

Os novos condomínios têm “todas as atrações de um verdadeiro resort” tanto que,

muitas vezes, se autodenominam desta forma.

Como bem escreveu Alain Botton em seu livro A arquitetura da Felicidade,

“Valorizamos certas construções por sua capacidade de reequilibrar nossa natureza

deformada e encorajar emoções que nossos compromissos predominantes nos forçam a

sacrificar. (...)

Figura 3 - Campanha publicitária de lançamento do condomínio Allegro agregando em suas denominações os valores propostos para o novo estilo de vida.

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A arquitetura pode amplificar e solidificar tendências transitórias e tímidas, e, portanto,

nos permitir acesso mais permanente a uma variedade de texturas emocionais que de outra

forma só experimentaríamos acidental e ocasionalmente.”8

A cenografia é ousada, já que o mercado se torna altamente competitivo e exige

criatividade para atrair o consumidor. Os lugares projetados passam a ter um forte apelo

narrativo, assumindo formas retiradas de um imaginário idílico ou moldado através de imagens

da propaganda eficiente.

O empreendimento Bora Bora Barra Resort Real se apresenta como planejado “para

reproduzir a atmosfera de um resort internacional na Ilha de Bora Bora, na Polinésia Francesa,

um dos destnos mais visitados do mundo”9.

Figura 4- Ilustração de área de lazer proposta com um imaginário idílico associado aos mares do

Pacífico no Condomínio BoraBora-Barra Resort Real.

8 BOTTON, Alain de. A arquitetura da Felicidade. São Paulo: Rocco, 2006. P. 121.

9 Citação retirada da campanha publicitária de lançamento do condomínio Bora Bora Barra Resort Real (dezembro

de 2007)

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Estes conjuntos de edifícios terão sempre, em comum, elementos fundamentais de

resorts clássicos: jardins, cascatas, spas e principalmente, piscinas, muitas piscinas,

configurando os “espaços aquáticos”.

Figura 5 - "Parque aquático" de condomínio na Barra da Tijuca, similar aos de resorts

paradisíacos.

Na desesperada busca por novidades consumíveis, os empreendimentos passam a

oferecer uma diversidade ímpar de formas de lazer como parede de escalada, halfpipe (a antiga

rampa de Skate), putting green (golfe), piscinas com “borda prainha”, piscina lazy river, piscina

semi-olímpica, ilhas de relaxamento, tenda de massagem com ofurô, alameda contemplativa, e

alameda monumental, mini-horta, hamman (banho árabe), sala de pilates, quadras de squash,

sauna úmida, redário, biribol, sala de artes musicais, beauty center (o antigo cabeleireiro),

banho romano, street skate, streetball, espaço gourmet, cozinha infantil, baby lounge, lan

house, home theater, cyber space, piscina de aquaspinning aquecida e spa e outros tantos

nomes recriados para atrair e despertar desejos.

A moradia comporta-se como mero coadjuvante, algo como “compre um título de um

clube e adquira o direito de morar por ali”. Tal atitude está refletida nos folhetos promocionais,

pois os projetos das unidades, quando estão representados, se encontram no final, com pouco

destaque.

Os partidos estéticos, na busca por atraentes inovações, sucumbem em revisões

pouco inspiradas de modelos neoclássicos, mediterrâneos, linhas européias ou estilos de

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arquitetura francesa (sic), uma profusão de cornijas, arcos, colunas “clássicas”, mansardas,

platibandas selecionadas de catálogo ou bem produzidas enciclopédias de arte, evocações

icônicas várias que supostamente estariam em sintonia com os elementos das praças e jardins.

Nestes espaços externos comuns, torna-se freqüente o encontro ou a citação

equivocada de elementos arquitetônicos específicos como a pirâmide do Louvre e arcos do

triunfo. Os nomes dos edifícios passam a ter apelos significativos como Place des Voges.

Figura 6 - O Condomínio Le Parc, na Barra da Tijuca, inseriu em seu paisagismo uma réplica da Pirâmide do Louvre

Figura 7 - Revisões pouco inspiradas de modelos classicizantes e estilos de arquitetura francesa

(sic), com uma profusão de cornijas, arcos, colunas “clássicas” e algumas falsas mansardas.

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Mas também oferecem segurança – elemento crucial -, sofisticação, conforto e

modernidade, segundo o anunciado. A portaria de entrada ou mesmo o vistoso portal do

condomínio passa a atuar como diafragma ou filtro social, separando a casa do restante da

cidade formal. Além do controle de segurança, o elemento arquitetônico dispõe-se como uma

eficiente barreira para os problemas e tensões da urbe, que ficam lá fora.

As denominações adotadas pelos condomínios e seus espaços passam a incorporar

estereótipos ao utilizarem diferentes idiomas, menos o português. Elegante agora é viver em

inglês ou francês. Mora-se em um Flat no Golden Green, onde, ao chegar, passa-se pela Place

des Voges e se é recepcionado por uma concierge. Seu filho menor estará no child care

enquanto o outro estará ensaiando na garage band, sua mulher estará no fitness center

enquanto você poderá se exercitar no putting green. Termina-se o dia no espaço gourmet do

Bora Bora. E tudo isso sem pagar taxa de embarque ou atrasos nos aeroportos nacionais.

No lugar de uma arquitetura integrada à vida cotidiana e aos respectivos contextos e

necessidades, opta-se por morar na Terra Encantada ou Magic Land, que pode, diante das

circunstâncias tornar-se uma “Terra do Nunca” para seus futuros habitantes.

Se em diversos momentos o espaço da casa foi preocupação primeira e

primordial na hora da escolha de um imóvel, tal atitude foi substituída por uma cultura que

privilegia, sobretudo, a concretização de uma felicidade pasteurizada através da aparente

concretização de uma ilusão oferecida por atacado pelo mercado. Uma combinação de

arquitetura e entretenimento, sonhos de consumo em massa tipo ready-made. Os apartamentos

agora passam a ser coadjuvantes desse glamour.

As representações estampadas nos folders de lançamentos dos novos

condomínios remetem, imediatamente, às imagens idílicas dos pacotes de resorts oferecidos

pelas agências de turismo. Afinal, não será mais necessário viajar para experimentar as delícias

do Caribe ou mesmo do nordeste. O Sauípe ou Cancún estão aqui, disponíveis em prestações

a perder de vista pelos próximos vinte anos.

Após a consolidação do objeto do desejo de morar, tais propostas saíram dos

limites da Barra da Tijuca e invadiram o mercado imobiliário de toda a cidade, da Zona Sul à

Zona Norte, passando pelo Centro, com novos lançamentos vendidos em pouco mais de uma

hora.

Todos prometem segurança, lazer e serviços. No Condomínio Le Parc, por exemplo, a

responsável pelo empreendimento criou uma empresa especial (Facilities), “exclusivamente

.

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para manter a qualidade e o conceito dos empreendimentos desenvolvidos”10. Oferece os

serviços básicos incluídos no condomínio como a manutenção de jardins, do clube, do SPA e

outros opcionais como limpeza nos apartamentos, lavanderia, tinturaria, e ainda via call center

ou internet, serviços de sapataria, conserto de roupas, buffet, farmácia, personal trainer,

petshop etc.

Os lançamentos são disputados eventos, com coquetéis oferecidos em estandes

elegantes, showrooms, apartamentos decorados e diversas maquetes, que são espetáculos à

parte. A gráfica digital também contribui para a visualização dos complexos prontos através de

sites com tours virtuais que, dentro da condição pós-moderna, torna-se mais atraente do que o

verdadeiro.

Alguns dos novos condomínios, agrupados, transformam-se em verdadeiros bairros,

com até 657.000m2, como é o caso do Condomínio Península, no bairro da Barra da Tijuca.

No entanto, tal crescimento significativo não vem acompanhado da infra-estrutura

necessária. As vias, já saturadas, dificilmente suportarão a nova demanda de tráfego, assim

como a rede de água, esgoto e o abastecimento de energia que deverão receber significativa

ampliação.

Mas ainda assim esses mundos de fantasia se tornaram paradigmas do final do século

XX e início do XXI.

Com a tentativa de mudança do conceito de “bem morar” na cidade do Rio de Janeiro

busca-se, nos condomínios residenciais, verdadeiros centros de entretenimento urbanos numa

tentativa de solução para preencher suas vidas contemporâneas.

O velho sonho de uma vida melhor assume uma imagem mais consumista. Uma vida

artificialmente produzida de forma a proporcionar sempre novas aventuras ou experiências

emocionais.

10

Jornal do Brasil. Classificados JB. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2003.

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Figura 8- Ilustração de área de lazer idílica proposta para o condomínio Verano Barra Residence

Park, na Barra da Tijuca.

Surge uma questão sobre como queremos viver.

Afinal, a busca atual da felicidade se encontra em cenários e sonhos pré-fabricados,

expostos na estante, aguardando a avidez e o poder econômico do gosto consumidor?

Pois ali, como indica o atraente folder promocional com elaborado projeto gráfico, “As

pessoas se redescobrem e se renovam. Com sofisticação, glamour. Um lugar maravilhoso.”

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