comunicação rural na era tecnológica

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O fenômeno da Comunicação Rural na era tecnológica – busca de novos caminhos GIUSEPPA SPENILLO i O presente artigo apresenta um esboço da pesquisa que apenas iniciamos acerca do conceito de comunicação rural e suas possibilidades de estudo e aplicação na nova lógica global e informatizada que a era tecnológica vem impondo às diferentes culturas locais, inclusive e igualmente àquelas que se encontram em espaços ainda considerados rurais. Aparecem já como desafio o desemprego que atinge também as áreas rurais, os mercados globalizados, as identidades culturais mundializadas, as alterações no cotidiano (trabalho, lazer, consumo), a informação em tempo real, digital ou via satélite. Por fim, buscamos caminhos metodológicos possíveis para a compreensão flexível, crítica e plural – em acordo com a realidade – do conceito de comunicação rural. Palavras-chave: comunicação rural - pesquisa; tecnologias; desemprego. 1. Apresentação Neste artigo trabalhamos algumas questões que entendemos pertinentes a nosso estudo da comunicação rural e que vimos elaborando numa abordagem investigativa. A pesquisa a que nos debruçamos busca construir uma sistematização acerca do conceito de comunicação rural. Nossa inquietação se origina no programa de curso que recebemos ao chegar à UFRPE (vasto e não direcionado) e nos tantos temas com os quais nos deparamos ao procurar rearrumá-lo. Afinal, a comunicação rural comporta especificidades ainda agora num mundo informático, globalizado e mundializado? Como relacioná-la com as demais instâncias do saber e da realidade? Quais caminhos metodológicos podemos trilhar, hoje, na pesquisa e na prática de comunicação rural? Para encontrar respostas a estas questões consideramos ser necessário analisar primeiramente o conceito de comunicação rural e suas definições que vêm orientando os trabalhos acadêmicos (dissertações de mestrado e teses de doutorado) e ainda práticos (ações governamentais ou da sociedade civil) nos últimos 10 anos – tomamos como referência a queda do muro de Berlim (1989) e com isto a aceleração que se verificou no processo de globalização dos mercados mundiais. Processo que, patrocinado pelos avanços tecnológicos, incide, para além

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Comunicação Rural na Era Tecnológica

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O fenômeno da Comunicação Rural na era tecnológica – busca de

novos caminhos

GIUSEPPA SPENILLOi

O presente artigo apresenta um esboço da pesquisa que apenas iniciamos acerca do conceito de

comunicação rural e suas possibilidades de estudo e aplicação na nova lógica global e informatizada que

a era tecnológica vem impondo às diferentes culturas locais, inclusive e igualmente àquelas que se

encontram em espaços ainda considerados rurais. Aparecem já como desafio o desemprego que atinge

também as áreas rurais, os mercados globalizados, as identidades culturais mundializadas, as alterações

no cotidiano (trabalho, lazer, consumo), a informação em tempo real, digital ou via satélite. Por fim,

buscamos caminhos metodológicos possíveis para a compreensão flexível, crítica e plural – em acordo

com a realidade – do conceito de comunicação rural.

Palavras-chave: comunicação rural - pesquisa; tecnologias; desemprego.

1. Apresentação

Neste artigo trabalhamos algumas questões que entendemos pertinentes a nosso estudo da

comunicação rural e que vimos elaborando numa abordagem investigativa. A pesquisa a que nos

debruçamos busca construir uma sistematização acerca do conceito de comunicação rural. Nossa

inquietação se origina no programa de curso que recebemos ao chegar à UFRPE (vasto e não

direcionado) e nos tantos temas com os quais nos deparamos ao procurar rearrumá-lo. Afinal, a

comunicação rural comporta especificidades ainda agora num mundo informático, globalizado e

mundializado? Como relacioná-la com as demais instâncias do saber e da realidade? Quais

caminhos metodológicos podemos trilhar, hoje, na pesquisa e na prática de comunicação rural?

Para encontrar respostas a estas questões consideramos ser necessário analisar

primeiramente o conceito de comunicação rural e suas definições que vêm orientando os

trabalhos acadêmicos (dissertações de mestrado e teses de doutorado) e ainda práticos (ações

governamentais ou da sociedade civil) nos últimos 10 anos – tomamos como referência a queda

do muro de Berlim (1989) e com isto a aceleração que se verificou no processo de globalização

dos mercados mundiais. Processo que, patrocinado pelos avanços tecnológicos, incide, para além

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das questões econômicas, em todas as esferas da vida em sociedade, em especial na cultura e na

comunicação.

“...qualquer pessoa habituada a refletir em termos das ciências sociais contemporâneascompreende que as transformações revolucionárias da ciência e da técnica, com asconseqüentes modificações na produção e nos serviços, devem necessariamenteproduzir mudanças também nas relações sociais.”ii

Por isso o novo cenário e a nova estrutura social a partir da informatização colocam-se comodesafios para a comunicação rural. E, por isso, a preocupação de revê-la investigativamente. Paratanto, dividimos nossa pesquisa em três etapas de estudo, abarcando desde uma revisãobibliográfica em que intentamos compreender o estado da comunicação rural na era tecnológicaem que vivemos; a análise de dissertações de mestrado e teses de doutorado na área dacomunicação rural defendidas no Estado de Pernambuco nos últimos 10 anos; e um estudoempírico acerca das práticas de comunicação rural realizadas nesse período por atores sociais –ou seja, o que se tem feito considerando-se enquanto comunicação rural. Buscamos, ainda,empreender um percurso metodológico crítico e flexível que nos permita dar conta damultiplicidade do ser rural e do fazer comunicação rural na era tecnológica.

Por ora, iniciamos uma reflexão sobre o quadro conjuntural em que se encontra a

sociedade, hoje, e sobre questões que se colocam para a comunicação.

2. Desafios para a comunicação (rural)

A comunicação social defronta-se, hoje, com os desafios impostos pelo aparato tecnológico àdisposição no mercado. Se por um lado alcançamos um estágio de total condição de comunicação– hipercomunicação, para Kaplúniii – por outro corremos o risco da perda da capacidade decomunicação pela valorização da informação individualizada. Ou seja, o acesso a toda tecnologiainformacional não significa para o indivíduo ou para os grupos um estágio mais além – nemqualitativa nem quantitativamente – no fazer comunicação em sociedade.

“Tecnologicamente, terão mais possibilidades que nunca de interconectar-se;mas, esgotado o interesse pelos outros, extinta a prática da participação social ecidadã, lhes restará para comunicar algo além do intercâmbio de pseudo-experiências virtuais?”iv

Isto porque as práticas de uso das tecnologias sempre mais sofisticadas de informação se voltampara o indivíduo isolado, silencioso e despegado de qualquer amarra territorial/ espacial. Além defechar-se em si, preenchido de informações mas vazio de diálogo, o indivíduo da era tecnológicavai também se desvinculando culturalmente de seus grupos identitários (sem vincular-se a algumoutro), uma vez que não produz nem interpreta o mundo a partir de uma lógica compartilhada(como ocorre nas relações interpessoais). É o esfacelamento da cultura, desde um ponto de vistaque a compreende como “produção de fenômenos que contribuem mediante a representação ou

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reelaboração simbólica das estruturas materiais para a compreensão, reprodução outransformação do sistema social.”v

Nesse contexto, a comunicação rural, entendida como “um instrumento prioritariamenteviabilizador de um ‘fórum’ local com capacidade de definir e gerar localmente políticas dedesenvolvimento”vi, deve lutar por manter-se como um momento de encontro, superando asedução da informação rural, sobretudo no agribusiness, direta, imediata e praticamente semesforços interacionais. Para isto a questão fundamental está, então, em reconhecer-se como umespaço de negociação para a sociedade. Negociação esta que se desenrola numa esfera pública,ou seja, no âmbito das manifestações sociais (espontâneas ou não) que darão as condiçõespolíticas a cada grupo (micro) de se colocar na sociedade (macro), e que sustenta o jogo deconsenso e legitimação entre as classes subalternas e a hegemônica.

Assim, a comunicação rural deve eleger como foro por excelência de atuação e de

compreensão da realidade a relação entre o grupo hegemônico (Estado, empresas, investidores,

latifundiários), as culturas populares (classes subalternas: trabalhadores, pequenos proprietários,

desempregados, assentados e reassentados) e a cultura massiva e tecnológica (meios de

comunicação de massa, internet, intranet, redes telemáticas), numa orientação crítica frente à

realidade.

Dessa forma, o conceito de rural livra-se dos estigmas tradicionais que a dualidade rural xurbano tem imposto às leituras dos modos de vida daqueles que se ocupam e sobrevivemprioritariamente da agricultura/ agropecuária, assumindo-se, então, como variação possível dasculturas populares. “O popular está associado à produção simbólica das classes subalternas, aações e representações não-hegemônicas, isto é, a práticas e produções culturais que em princípionão compõem o repertório cultural das classes hegemônicas.”vii

Reconhecendo-se como um espaço público de elaboração e formação de opiniões na sociedade, acomunicação rural habilita-se a dar conta de um novo cenário mundial, global e informático, quese revela em diferentes instâncias do cotidiano como o trabalho, o consumo, o lazer, e cria novoshábitos, novas condições de existência, novas possibilidades de inserção social, e também novoscontingentes de excluídos – propiciando, assim, outras formas de compreensão e atuação narealidade.Por exemplo, a perspectiva do desenvolvimento local, trabalhado como “um esforço demobilização de pequenos grupos no município, na comunidade, no bairro, na rua, a fim deresolver problemas imediatos ligados às questões de sobrevivência econômica, dedemocratização de decisões, de promoção de justiça social”viii, aponta para uma inserção direta narealidade do grupo, o que dá à comunicação rural a tarefa de agir criticamente (no sentido detransformar) sobre as questões do local, do micro, buscando reverter a exclusão social do macro(tecnológico e global).A comunicação rural pode, inclusive, atuar como uma permanência da interpessoalidade e dacomunicação-diálogo na era da impessoalidade e do isolamento tecnológicos. Assim, questõesreferentes a) ao trabalho, alterado em sua estrutura na ordem informática; b) ao consumo –tornado descartável e desterritorializado; c) ao lazer e à educação permanente – já entendidos

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como substitutos do trabalho quanto ao papel agregador, de relacionamentos, de exercício dacriatividade e da criticidade no mundo informatizado; d) à prática comunitária, cotidiana eautônoma da comunicação, de modo mais ou menos formal, estimulando as competênciasculturais comunicativas dos indivíduos/ receptores são caminhos possíveis de atuação dacomunicação rural na era tecnológica.

O trabalho, o consumo, o lazer, a educação e a comunicação comunitária: temas pertinentes

A globalização dos mercados pode ser entendida como decisiva na conformação da comunicaçãorural pois ela altera significativamente as condições da produção rural e, ainda, atua sobre aprodução e identificação cultural dos grupos, a partir da desterritorializaçãoix da produção e doconsumo de bens e serviços. Dessa forma, a produção de comunicação, vista indissociada dofazer cultural dos grupos e ainda de suas condições concretas de existência, vê-se alterada emsuas práticas cotidianas – conscientemente ou não (e é melhor que seja consciente) – e em seusobjetivos, que precisam responder aos anseios sociais.O trabalho enquanto sinônimo de produção/ realização individual e comportando toda asignificação social de status quo, pertencimento de classe, poder aquisitivo e decisório, vê-seprofundamente alterado em sua estrutura, uma vez que a informatização dos meios de produção ea robótica deslocam a mão-de-obra humana para fora do processo produtivo. E não somente pelaredução de postos de trabalho, mas também por excluir aqueles trabalhadores que, semconhecimento da linguagem informática, estão dispensados de qualquer forma de trabalho queinteresse ao mercado. E, logo, da participação na riqueza social, uma vez que a aquisição de benscontinua atrelada à posse monetária. É o desemprego estruturalx, que não encontra soluções naspolíticas convencionais de utilização dos excedentes de mão-de-obra formados historicamentedesde a revolução industrial.

“O problema de (...) centenas de milhões de pessoas estruturalmente desempregadasem todo o mundo (isto é, pessoas que não estão desempregadas em conseqüência deuma conjuntura desfavorável, mas o estão em conseqüência de mudanças da estruturade ocupação, através da substituição do trabalho humano tradicional pelos autômatos)não pode ser resolvido pelo auxílio-emprego. Isto vale sobretudo para os jovens, aosquais a nova tendência tecnológica privará da oportunidade de trabalho, no sentidotradicional da palavra, desde o início da vida produtiva.”xi

Schaff percebe o campesinato já envolvido nas mudanças promovidas pela automação, emboraconfira a ele uma posição de isolamento, em que pese os meios de comunicação de massa e detransporte cada vez mais presentes nos espaços não-urbanos, que diferencia definitivamente otrabalho agrícola do trabalho urbanoxii.

“...a eliminação da diferença entre o trabalho no campo (na agricultura) e o trabalhonas cidades (na indústria e nos serviços) continua sendo uma exigência, embora suarealização pareça, hoje, mais promissora que no passado. Já hoje a aplicação damicroeletrônica ao maquinário agrícola torna possível realizar automaticamente certas

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operações no campo inclusive durante a noite: melhor fertilização automática do soloantes da semeadura etc. Os novos avanços da engenharia genética permitirão aosagricultores não apenas incrementar imensamente as colheitas, como tambémselecionar as plantas mais resistentes às condições climáticas. A simbiose das plantascom certas bactérias permitirá que aquelas assimilem nitrogênio diretamente daatmosfera sem a necessidade da fertilização do solo etc.”xiii

A automação pode aproximar a forma de produção agrícola daquela urbana, no que se refere àvelocidade, à redução do risco, à dispensa de mão-de-obra, substituída pela máquina, à variedadee qualidade, mas não pode por si só transformar o campo numa cidade. Logo, os traços culturais eidentitários do homem rural precisam ser considerados nesta introdução de tecnologias naprodução. Quanto ao trabalho rural, discutimos em outro momento a necessidade de se pensarnovas formas de ocupação e sustento para o homem do meio rural.

“Nesta fase de transição, como fica o setor primário da economia? Como envolver omeio rural neste cenário? Também na produção agrícola a tecnologia que dispensamão-de-obra vai se impondo. Tanto nos latifúndios mecanizados e que chegam já aorequinte de utilizar robôs em tarefas como a aplicação de defensivos químicos, quantoem projetos governamentais de colonização, reforma agrária ou reassentamento emque a população é formada basicamente por pequenos agricultores.”xiv

Essas alterações na produção trazidas pela era tecnológica implicam em transformações no modode vida, historicamente marcado pelo trabalho. Transformações que ocorrem em especial noconsumo inadvertido de produtos descartáveis – simbólica ou concretamente mediado por umrecurso tecnológico; no lazer e na educação – alçados a espaços de reconstrução das relaçõessociais de produção perdidas pela informatização, de exercício da criatividade e da criticidadexv;na comunicação social, alterada tão revolucionariamente quanto a produção dos bens e serviçosna lógica global e informática.

“...com a revolução tecnológica as demandas dos consumidores ganham outrossentidos – por conta da velocidade, dos estímulos gerados pela informática, como ocelular e a internet, por exemplo, e pela projeção de uma postura de lazer sobre otrabalho, que vai sendo diminuído de valor frente aos avanços da robótica. Isto apontapara uma tendência de consumo de produtos finais (e não mais em estado depreparação), inclusive os alimentos – principal fonte econômica nos meios popularesrurais ainda hoje, e para produtos de entretenimento (como o turismo).xvi

Nesta nova era a carga de poder e realização sociais e, ainda, individuais se desloca da esfera dotrabalho para a esfera da comunicaçãoxvii enquanto troca e existência social. Isto aponta para umavalorização do conhecimento na área da comunicação e para a abertura de novas possibilidadesde atuação profissional.No entanto, esta atuação deve estar atualizada, por conta das tecnologias de comunicação emconstante mudança, e ser qualificada técnica, teórica e eticamente, por conta da competição nomercado de trabalho, agravada pela onda irreversível da informatização, e por conta da seriedade

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do objeto. A profissionalização para a promoção da comunicação rural, no espaço comunitário,parece dar conta do contexto em que vivem os jovens em localidades populares e periféricas, poisprocura reverter a situação de exclusão com a prática de atividades geradoras de renda e com aparticipação na produção social da comunicação, que vem destituindo-os do direito de decisão edo exercício da cidadania, na busca de uma comunicação pluralxviii.Em nossas atividades temos percebido que a prática da comunicação comunitária/ rural: 1) é deinteresse dos grupos populares; 2) é sentida como uma deficiência que impede o crescimento dogrupo; 3) é possível ser desempenhada por integrantes da comunidade, porém exige dedicação edisponibilidade. Esses indicadores revelam que há demanda em potencial para atuação deprofissionais nesta área e que os jovens residentes no local constituem o segmento ideal pararealizá-la.São as características de formação a longo prazo e intermitente – inclusive com uma preocupaçãoeducativa (capacitação técnica e crítica), de aceitação e confiança do grupo, que podemdiferenciar e legitimar a comunicação rural promovida por um profissional, de modo aestabelecer na comunidade verdadeiros momentos ou condições de diálogo e participação efetivados indivíduos. Esse trabalho pode ser realizado através do uso dirigido de qualquer veículo decomunicação, desde que se esteja apto a enfrentar os problemas próprios de cada meio, e quesejam apenas recursos para propiciar uma comunicação com qualidade na comunidade. O perigoque se corre no uso dos meios de comunicação é fazer-se seu escravo, saindo da prática dacomunicação para a informação individualizada, principalmente no contexto tecnológico. Kaplúnadverte:

“...bem-vindos sejam, desde que sejam aplicados crítica e criativamente, a serviço deum projeto pedagógico, ultrapassando a mera racionalidade tecnológica; como meiosde comunicação e não de simples transmissão; como promotores do diálogo e daparticipação; para gerar e potenciar novos emissores mais que para continuar fazendocrescer a multidão de receptores passivos.”xix

De acordo com os recursos disponíveis, qualquer mídia pode ser utilizada por um grupo popularpara alcançar objetivos de comunicação. Cabe, então, ao técnico elaborar uma comunicaçãoadequada, em conjunto com a comunidade, que construa a mensagem certa, no veículo certo, nomomento e lugar certos de acordo com o público para o qual se dirige. É preciso, ainda, criarsituações para avaliar com o grupo os resultados que se vem obtendo no trabalho decomunicação.xx Todos estes aspectos teóricos-metodológicos visam garantir a autonomização dogrupo com o qual se trabalha, de modo a não se correr o risco de criar na comunidade umadependência em relação ao profissional de comunicação.

“Para isso, o comunicador deverá saber formular essas demandas e dar-lhes

forma, não mais apenas como executor, através da ênfase no adestramento, como

ocorre dentro das habilitações atuais. Ele deve ser fundamentalmente um

planejador, alguém capaz de conceber o processo integral que vai do projeto à

realização, alguém que saiba integrar conteúdos, discursos e públicos de maneira

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criativa e experimental. (...). Vale dizer que esse eixo visa à formação profissional

assentada sobre projetos de caráter integral e integrado e que seja uma alternativa à

formação tecnicista e midiacentrada.”xxi

Uma possibilidade está em dirigir o trabalho de comunicação rural para a capacitação profissionaldos moradores de modo a desenvolverem atividades tais como o jornalismo comunitário,programas radiofônicos para emissoras locais, programas para transmissão em carros de som,jornais-murais, fotojornalismo, documentários em vídeo, programas televisivos, home pages,folder, mala direta, cartilha, que servem como instrumento de comunicação organizacional, nocaso organizações comunitárias, e podem gerar emprego e renda. A capacitação para o uso derecursos comunicacionais aparece como alternativa para atuar sobre problemas identificadoslocalmente, levando o grupo a assumir sua realidade e capacidade para transformá-la. É aindauma forma para que se crie na comunidade o hábito de comunicar-se de fato, em seu sentido maisamplo: trocar experiências e crescer com elas.Estes são, a nosso ver, alguns desafios para a comunicação rural na era tecnológica – há aindaquestões referentes à participação política, à articulação (“concertação”) entre os diferentes atoressociais envolvidos nas práticas rurais. Embora sejam temas um tanto mais complexos do quepodemos abordar teoricamente, já vislumbramos caminhos para habilitar a comunicação rural acompreendê-los criticamente e ativamente (o que esperamos elaborar metodologicamente).

3. Objetivos

§ Geral: Conhecer o estado da comunicação rural, suas especificidades e imbricações com as

demais instâncias do saber e da realidade, na atual era tecnológica, globalizada e

mundializada, de modo a conformar um campo de estudo próprio.

§ Específicos:1. Produzir uma revisão teórica acerca dos temas que afetam direta e ainda indiretamente a

comunicação rural enquanto ciência e enquanto prática.2. Sistematização do conceito de comunicação rural a partir das definições utilizadas em

trabalhos acadêmicos nos últimos 10 anos em Pernambuco.3. Registro do que se tem feito em comunicação rural, no Estado de Pernambuco, pelos atores

sociais presentes nos meios rurais.4. Delimitar um campo de estudo e de atuação profissional para a comunicação rural.5. Propor possibilidades de compreensão do espaço da comunicação rural na era tecnológica.

4. Metodologia de trabalho

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A metodologia de trabalho escolhida baseia-se numa combinação livre e plural de métodos etécnicas de coleta de dados, análise e interpretação: a revisão bibliográfica sobre temas derelevância para a pesquisa, o estudo teórico de trabalhos na área da comunicação rural, aobservação participante, o diário de campo, a entrevista semi-estruturada e gravada, as fotografias(técnica de uso da memória), as conversas informais e o registro etnográfico do ambiente.xxii

Nossa preocupação está em construir uma base metodológica que nos permita dar conta dasmúltiplas realidades formadoras do rural na era tecnológica, de modo a que possamos lercriticamente estas realidades e, ao mesmo tempo, não nos deixarmos limitar pela rigidez que acristalização de um conceito contém de ameaça à compreensão das dinâmicas sociais. Aprincípio, a utilização das técnicas de pesquisa deve ocorrer em três etapas, a saber:1ª: Estudo teórico, a partir de dados secundários, sobre temas relacionados à comunicação ruralna era tecnológica.2ª: Estudo teórico, a partir de dados primários, sobre o conceito de comunicação rural e suasdefinições usadas em trabalhos acadêmicos.3ª: Estudo empírico, a partir de investigação de campo, sobre as práticas de comunicação ruralrealizadas por atores sociais presentes em diferentes contextos rurais em Pernambuco.A busca dos métodos para a realização da pesquisa procura contemplar as peculiaridades dosgrupos rurais, em seu cotidiano, a partir das relações que se constróem na sociedade entre o grupohegemônico e os grupos populares. Assim, a construção das categorias de análise dos dados deveesboçar-se desde antes da execução da pesquisa, de forma a conduzir a sistematização da coletados dados, avançando analiticamente ainda durante a investigação. No entanto, é precisoestabelecer a pesquisa enquanto uma ação crítica sobre o real – e, ainda, sobre o que esperar daprática da comunicação rural diante das questões/ desafios colocados pela era tecnológica.

“...é uma proposta teórica de crítica que segue em conjunto com a reflexão

sobre a ação local, pontual, fragmentária, minoritária, não-teleológica, despojada das

ilusões da modernidade. Isto é uma ação propriamente pós-moderna, o que não

significa senão um reescalonamento, porque por um lado é crítica no seu sentido

teórico, e, por outro, ação local no sentido prático. O reescalonamento é a proposta de

crítica que inclui outra proposta, propriamente política, uma vez que a crítica se insere

no contexto social da ação prática cotidiana.”xxiii

Este é o desafio metodológico que a era tecnológica apresenta não só à comunicação rural, masantes à ciência da comunicação: decifrar seus enigmas construindo um conhecimento capaz de irmais além do saber científico, lá nas esferas da realidade que se ressentem de um olhar crítico edesprendido de ideologias, apto a dar contribuições aplicáveis a um mundo que se redesenha apartir de uma racionalidade tecnológica presente já em todas as instâncias da vida.

5. Referências Bibliográficas

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VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro : Editora 34, 1993.

i Mestre em Comunicação Rural / Professora da UFRPE.ii SCHAFF, Adam. A sociedade informática. São Paulo : Brasiliense, 1995, p. 21.iii KAPLÚN, Mário. “Processos educativos e canais de comunicação”. Comunicação & Educação. São Paulo : CCA-ECA- USP/Moderna, n. [14]: 56 a 67, jan./abr. 1999, p. 71.iv Id. Ibid., p. 72.

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v CANCLINI, N.G. (1983 : 29) Apud: JACKS, Nilda, RONSINI, Veneza. “Mediações na recepção: estudocomparativo entre receptor urbano e rural”. BRAGA, J., PORTO, S., FAUSTO NETO, A. A encenação dos sentidos– mídia, cultura e política. Rio de Janeiro : Diadorim, 1995, p. 226.vi SANTOS, M. Salett Tauk, CALLOU, Angelo Brás Fernandes. “Desafios da comunicação rural em tempo dedesenvolvimento local”. Signo. Revista de Comunicação Integrada. João Pessoa, V.2, N.3, 1995, p. 46.vii ESCOSTEGUY, A.C. “A pesquisa do popular na comunicação: uma análise metodológica”. São Paulo, 1993.Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo.viii SANTOS, Maria Salett Tauk, CALLOU, Angelo Brás. “Desafios da comunicação rural...”. Op.Cit., p. 45.ix O termo desterritorialização tem, para Martín-Barbero, quatro definições possíveis, se compreendido a partir dahistória social dos povos latino-americanos: 1) migrações internas do campo para a cidade; 2) desnacionalização(perda da memória territorial por meio da diluição de valores nacionais provocada pelos MCM); 3) desmaterialização(formação de um campo imagético e simbólico do real provocada pela tecnologia a serviço da informação); 4)desurbanização (fragmentação das cidades em pequenos espaços de fato vividos por cada indivíduo). MARTIN-BARBERO, Jesús. “Dinámicas urbanas de la cultura”. http:/ www.filo.uba.ar/otros/naa/jmb.htmx “...a automação e a robotização (...) provocarão um grande incremento da produtividade e da riqueza social; poroutro lado, os mesmos processos reduzirão, às vezes de forma espetacular, a demanda do trabalho humano. Isto éinevitável, independentemente do número de esferas de trabalho que forem conservadas e do número de esferasnovas que possam surgir...” SCHAFF, Adam. A sociedade informática. São Paulo : Brasiliense, 1995, p. 27.xi Id. Ibid., p. 29.xii Id. Ibid., p. 46-48.xiii Id. Ibid., p. 47.xiv SPENILLO, Giuseppa. “Comunicação rural: elo possível entre o desenvolvimento local e as novas tecnologias deinformação”. CALLOU, Angelo Brás. (org.) Comunicação rural e era tecnológica. Série Fractais. Recife : ImprensaUniversitária (UFRPE/ NTC-Recife), 2000, p. 24.xv Ver MARCELLINO, Nelson. Lazer e humanização. Campinas : Papirus, 1995. E ainda SCHAFF, A. A sociedadeinformática. Op. Cit.xvi SPENILLO, Giuseppa. “Comunicação rural: elo possível ...”. Op. Cit., p. 25.xvii “Na sociedade pós-industrial, a fábrica deixa de ser a representação metafórica central da sociedade; linguagensvarrem a sociedade; a produção de objetos é substituída pela desmaterialização comunicativa que exorta ao consumo.Nunca a experiência social foi tanto comunicação.” (grifo do autor). NEIVA Jr., Eduardo. Comunicação – teoria eprática social. São Paulo : Brasiliense, 1991, p. 17.xviii Comunicação plural é um conceito usado por Martín-Barbero para sintetizar um tipo de comunicação socialideal, esperado pela democracia, em que as diferenças étnicas, religiosas, de gênero, culturais seriamverdadeiramente superadas, e não apenas toleradas. MARTÍN-BARBERO, J. “La comunicación plural: alteridad ysocialidad”. Dia-logos de la Comunicación. N. 40, Lima, set. 1994.xix KAPLÚN, Mário. “Processos educativos e canais de comunicação”. Op. Cit., p. 74.xx Ver KUNSCH, Margarida. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo : Summus,1986, p. 122-123.xxi LOPES. Op. Cit., p. 17 (grifos da autora).xxii Eco diz que “numa tese histórica ou filológica existem métodos tradicionais de pesquisa a que o autor não pode sesubtrair, enquanto para os trabalhos sobre os fenômenos sociais em evolução muitas vezes o método precisa serinventado”. ECO, U. Como se faz uma tese. São Paulo : Perspectiva, 1986, p. 27.xxiii COLETIVO NTC. Atrator estranho. N. 31 – “Crítica como método”, p. 12.