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Comunicação e gestos: rápidas considerações sobre ouvintes filhos de surdos e fala cotidiana de ouvintesAutores:Pablo Regis Andrade Priscila de Macedo

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Page 1: Comunicação e gestos: rápidas considerações sobre ouvintes filhos de surdos e fala cotidiana de ouvintes

Comunicação e gestos: rápidas considerações sobre ouvintes filhos de surdos e fala

cotidiana de ouvintes

Pablo Regis Andrade1

Priscila de Macedo2

Dentro do processo de comunicação, estabelecido entre os indivíduos, podemos

pensar que nos primeiros anos de vida vão se construindo as referências linguísticas e a

afirmação das crianças como falantes e usuários de uma estrutura inteligível ao grupo de

pertencimento. Independentemente do lugar onde tenham nascido, a aquisição de uma

linguagem que expressa significados compartilhados é entendida como uma condição

para a interação com os indivíduos próximos e estranhos ao convívio familiar.

A partir disso vemos que a relação cotidiana entre infantes e adultos, não

importando a modalidade linguística, se oral-auditiva ou gesto-visual, propõe ao menor

a mediação na relação indivíduo-sociedade e também a construção de marcações de

quem são. Logo, carícias, expressões, contatos, escritas, falas e imagens veem compor

os elementos da comunicação que permitem às pessoas trocarem informações entre si,

ao mesmo tempo em que estruturam um modo de reprodução da linguagem

compartilhada (MUSSEN et al, 2001; BAGNO, 2008).

Em relação a famílias em que pais são surdos e filhos são ouvintes, a

comunicação doméstica proporcionada pelos adultos através da Língua Brasileira de

Sinais (LIBRAS) se torna a primeira referência para a troca de informações. Enquanto

processo de aquisição da normatividade social, a socialização de seus filhos ouvintes

nesta modalidade linguística nos leva a pensar que a LIBRAS se configura como

primeira língua (L1) e a língua oral aprendida com outras pessoas a segunda (L2).

Utilizando Giddens (2002) podemos dizer que a

disciplina da rotina ajuda a constituir um ‘referencial’ para a existência,

cultivando um sentido de ‘ser’, e sua orientação do ‘não-ser’, que é um

elemento da segurança ontológica. Inclui orientações em relação a aspectos

do mundo dos objetos que carregam resíduos simbólicos para a vida

posterior do indivíduo (p.42).

O uso linguístico neste caso expressa uma experiência pessoal vinculado à

necessidade comunicativa com os pais e com as outras pessoas. Todavia, devemos nos

1 Mestrando em sociologia pelo PPGS da FCS-UFG. [email protected]

2 Graduanda em Artes Visuais (licenciatura) pela FAV-UFG. [email protected]

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lembrar que a relação entre ambas as línguas não se dá de uma forma traduzível ou

intercambiável entre si de uma forma muito simples. Silva & Nembri (2008) citam o

exemplo de uma professora de língua inglesa que se mostra bastante atenta à

internalização de uma língua, compreensão de seus significados e questões de sua

dinâmica pelos seus alunos. Enquanto responsável por informar em Língua portuguesa

(LP) os sentidos presentes na língua estrangeira a fim de que seus alunos aprendam, ela

se dedicou a demonstrar que a compreensão de outro idioma não se configura apenas

pela utilização de determinados fonemas e léxicos, pois “para aprender uma segunda

língua, é preciso, também, que se aprenda um pouco da cultura do país onde ela é

falada, pois falar um língua é também falar do povo que a fala” (p.9).

Como se pode notar, a possibilidade de uso da língua e do entendimento entre os

falantes decorre de um processo mais complexo do que o simples aprendizado dos

códigos linguísticos. Para Silva & Nembri (2008), quando oralizamos ou sinalizamos

em uma língua temos por trás disso todo um “capital” inerente ao grupo de referência

que faz uso deste sistema de comunicação. Esta noção de estrutura de signos e

significados compartilhados através da fala também está presente em Bagno (2008),

quando analisa criticamente as falas regionalizadas no Brasil e o preconceito quanto a

determinados “portugueses”, por exemplo, o da região nordeste.

Em meio à discussão sobre o aprendizado, Mussen et al (2001) afirmam que os

indivíduos estão sempre aprendendo coisas novas, e diante do uso de uma modalidade

linguística podem nomear tudo ao seu redor. Mas, não é só através da linguagem oral

que surdos ou ouvintes se expressam. Como mencionam, Mussen et al (2001) e Santana

(2007), as crianças se valem de significados construídos a partir da gestualidade, ainda

que esta comunicação não tenha uma estrutura linguística. Expressões faciais e

indicações de direções através de movimentos com as mãos podem, por exemplo, tornar

a comunicação mais significativa do ponto de vista da compreensão da informação, não

num sentido de completa, mas de inteligível.

O sentido aplicado da reflexão sobre gestualidade e comunicação tem respaldo na

análise linguística feita por Quadros e Karnopp (2009). Tomar a língua como referente

de comunicação que expressa sentimentos e emoções não significa que estamos

negando movimentos corporais e os significados que os contatos físicos podem

adquirem nas interações. Suponhamos uma cena em que duas pessoas dialogam sobre

um tema e que uma delas diga algo não muito agradável ou esperado, a reação ao

fenômeno pode se dar através da fala ou de gestos. Se a situação fosse interpretada pelo

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segundo como uma ofensa, este poderia aplicar à fala um gesto que cooperasse com a

comunicação eficiente, utilizando uma “palavra torpe”.

Figura 1: Torpes palavras de Alexandre de Macedo – Estúdio IFG

A necessidade de sermos entendidos, a garantia de que a mensagem foi de fato

compreendida nos faz usar gestos para fixar, frisar, reforçar ideias e informações. A

imagem, no caso da comunicação em LIBRAS, está necessariamente acompanhada de

uma informação que os olhos e a expressão facial confirmam (QUADROS e

KARNOPP, 2009), e não um sinal manual, pois, enquanto uma modalidade gesto-

visual, o uso das mãos está estruturado para a própria comunicação.

Outro exemplo de gestos utilizados por ouvintes é o de levar o dedo, pedindo a

atenção ou a oportunidade para se expressar. Na interação o outro percebe o movimento

e, compreendendo o significado, sem que o primeiro precise explicar o porquê do

movimento, permite-o um turno de fala. Mas, se tomado isoladamente, o mesmo gesto –

mão levantada com o dedo indicador para cima, o polegar colado ao indicador e os

outros abaixados – possui significado diferente na LIBRAS. A imagem formada pela

mão pode ser lida como a letra “G” do alfabeto didactológico.

Imagem 2: Sala de aula nº 3 – FAV/UFG. Acervo pessoal de Priscila de Macedo - 2010

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No caso de surdos e ouvintes o visual pode ou não se estabelecer o mesmo

significado, pois, depende de como percebem a informação. Na percepção do surdo,

uma sequência de gestos que possuam correspondestes linguísticos na LIBRAS tendem

a identificar o “falante” como também um surdo ou um intérprete. Deste modo, a língua

utilizada acaba definindo o outro.

Tomando as devidas proporções, o estudo de Bagno (2008) nos permite pensar

esta relação de identidade, pois, quando um indivíduo utiliza o “R” retroflexo na

linguagem cotidiana, outros usuários da língua tendem a reconhecê-lo, por exemplo,

como nato do Centro-oeste brasileiro. Trata-se de percepção do outro pelo modo como

faz uso da LP. De modo análogo, o uso de LIBRAS gramatical poderia identificar que

aquele que comunica é um surdo, ou ainda um ouvinte filho de surdos, já que admitimos

uma habilidade bilíngue e até cultural.

Enfim, nesta proposta expomos algumas informações sobre a comunicação e os

gestos de modo que podemos refletir sobre o cotidiano, intencionalidade e mescla entre

oralidade e gestualidade. Considerando os dois grupos de pessoas, surdos e ouvintes, em

ambos os casos os “corpos falam”.

Referências bibliográficas

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições

Loyola, 2008.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

MUSSEN, Paul et al. Desenvolvimento e personalidade da criança. São Paulo: Editora

HARBRA, 2001.

SANTANA, Ana Paula. Surdez e linguagem: aspectos e implicações neurolinguísticas.

São Paulo: Plexus, 2007.

SILVA, Angela C., NEMBRI, Armando G. Ouvindo o silêncio: surdez, linguagem e

educação. Porto Alegre: Editora Medição, 2008.