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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA INFANTIL E A INCORPORAÇÃO DA CULTURA ESCOLAR DO ANIMÊ SILVA, Priscila Kalinke (UEM) 1 NEVES, Fátima Maria (Orientadora/UEM) 2 Introdução: Os desenhos animados vêm se apresentando como uma das maiores representantes da indústria de consumo de massa no universo infanto-juvenil. Apesar de uma variedade de estilos, o animê vem crescendo a uma progressão superior aos desenhos animados produzidos pelo ocidente, sua popularidade no Brasil aumentou principalmente a partir da década de 1980, quando algumas emissoras de televisão começaram a transmitir as animações nipônicas, em especial Jaspion, Changeman, Jiraiya, Candy Candy, Speed Racer, entre outros (LUYTEN, 2005). Apesar de sugerir uma grande discussão acerca do tema, pretende-se fazer um recorte buscando refletir a atual influência do animê na construção da memória infantil e consequentemente da cultura escolar. A partir deste breve enredo, a questão fundamental é como está sendo a prática docente diante da recepção, consumo e identificação infanto-juvenil pelos desenhos animados na cultura escolar. De acordo com Chervel (1990), um dos principais problemas na educação é o desencontro entre a rigidez das disciplinas escolares e a evolução de outros conhecimentos adquiridos pelos alunos que não foram obtidos pela escola, como a mídia. Diante disso, a não (ou restrita) flexibidade da educação, levando em conta a transformação constante do aluno, vem desencadeando numa ação docente 1 Mestranda em educação pela Universidade Estadual de Maringá. 2 Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e docente do programa de pós graduação da Universidade Estadual de Maringá.

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

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COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DA

CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA INFANTIL E A INCORPORAÇÃO

DA CULTURA ESCOLAR DO ANIMÊ

SILVA, Priscila Kalinke (UEM)1

NEVES, Fátima Maria (Orientadora/UEM)2

Introdução:

Os desenhos animados vêm se apresentando como uma das maiores

representantes da indústria de consumo de massa no universo infanto-juvenil. Apesar de

uma variedade de estilos, o animê vem crescendo a uma progressão superior aos

desenhos animados produzidos pelo ocidente, sua popularidade no Brasil aumentou

principalmente a partir da década de 1980, quando algumas emissoras de televisão

começaram a transmitir as animações nipônicas, em especial Jaspion, Changeman,

Jiraiya, Candy Candy, Speed Racer, entre outros (LUYTEN, 2005).

Apesar de sugerir uma grande discussão acerca do tema, pretende-se fazer um

recorte buscando refletir a atual influência do animê na construção da memória infantil

e consequentemente da cultura escolar.

A partir deste breve enredo, a questão fundamental é como está sendo a prática

docente diante da recepção, consumo e identificação infanto-juvenil pelos desenhos

animados na cultura escolar.

De acordo com Chervel (1990), um dos principais problemas na educação é o

desencontro entre a rigidez das disciplinas escolares e a evolução de outros

conhecimentos adquiridos pelos alunos que não foram obtidos pela escola, como a

mídia. Diante disso, a não (ou restrita) flexibidade da educação, levando em conta a

transformação constante do aluno, vem desencadeando numa ação docente

1 Mestranda em educação pela Universidade Estadual de Maringá. 2 Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e docente do programa de pós graduação da Universidade Estadual de Maringá.

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descontextualizada. Conforme este autor (1990, p. 211), “não faltam testemunhos que

coloquem em contradição os desempenhos escolares de uma geração com a cultura que

depois será a sua idade adulta”.

Diante desta preocupação, é importante analisar a cultura da escola como um

processo e produto das práticas escolares. A convivência social, e neste sentido inclui-se

dentro da escola, vem passando por diversos desafios diante de um aparato midiatico

que influencia comportamentos e atitudes, mas a questão é: a escola está preparada para

lidar com tais desafios?

Sob este aspecto mídiatico, como já abordado, o recorte é a analise da influência

do anime, e em especial, o Naruto. Apesar do crescente interesse pelo desenho Naruto,

ainda há pouca citação em trabalhos científicos, talvez por ser recente a exibição da

série na TV brasileira. Diante disso, é importante acompanhar a trajetória da cultura

midiática apreciada pelas crianças e adolescentes, importante fator de construção

ideológica destes que ainda encontram-se em processo de formação.

O anime e mangá tem uma especificidade quanto ao seu público consumidor que

é a incorporação do personagem. O encontro destes personagens são levados à sério

pelos fãs do desenho nipônico, interferindo em sua forma de pensar e agir,

consequentemente na cultura infantil. Conforme já muitos trabalhos realizados acerca

do assunto, o anime também reforça a construção de histórias partindo de arquétipos

entre o bem e o mal (FARIA, 2007). Neste sentido, a identificação destes personagens

marcantes por crianças e adolescentes se torna mais preocupante, ao passo que a

construção de significados apresenta com uma carga ideológica bastante característica

destes esteriótipos.

Além disso, Giroux (1995) acredita numa educação para os meios capaz de

desenvolver no espectador uma leitura mais crítica daquilo que está sendo transmitido.

Com estas pretenções, a pesquisa possibilita o suporte teórico para educadores

trabalharem com os novos desenhos apresentados pelos canais abertos no país,

permitindo a mediação entre TV e educandos.

A relevância do trabalho também pode ser defendida partindo do pressuposto

que a televisão tem ocupado um papel de destaque na educação informal de crianças e

adolescentes, principalmente quando se analisa as horas de consumo pelas mesmas. Em

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paralelo a este fato, Siqueira (2006) aprofunda sobre a produção de sentidos dos

espectadores infantis a partir da construção narrativa e estrutural dos desenhos

animados, afirmando que “sua programação persuade implicitamente a aceitar uma série

de valores, criando sonhos de consumo, ideais de estética e de comportamento, modelos

corporais que poderão ser aceitos por espectadores” (SIQUEIRA, 2006, p.4).

Educação Para os Meios

Alguns teóricos têm demonstrado preocupações sobre as interferências que a

mídia tem exercido na sociedade. Esta preocupação faz-se no sentido principalmente na

maneira que os receptores estão recebendo as mensagens, para superar este problema, a

proposta está em uma educação para os meios de comunicação de massa.

A educação para os meios é uma forma de intervenção nos processos de

recepção. Segundo Orozco, há três décadas já vêm sendo discutidos os métodos

pedagógicos mais eficazes, seguidos de diferentes denominações, como: Recepção

Crítica, Leitura Crítica dos Meios, Recepção Ativa, Educação para a comunicação,

Alfabetização Televisiva e Educação para a Recepção (OROZCO, 1997).

A leitura crítica da mídia tem a preocupação de fazer análises críticas sobre as

mensagens transmitidas pelo meio; a educação para a recepção possui como objeto de

análise o receptor e também estuda diferentes maneiras de realizar a mediação entre os

meios de comunicação e o receptor; a recepção ativa tem como objetivo fortalecer a

capacidade reflexiva dos receptores, para que não se tornem passivos diante dos meios;

a educação para a comunicação tem a finalidade de produzir mensagens,

potencializando desta forma a capacidade comunicativa e; a alfabetização televisiva

prioriza o ensino das linguagens videotecnológicas (OROZCO, 1997).

Orozco (1997) enfatiza que cada modelo de educação para os meios será

utilizado dependendo da perspectiva pedagógica desejada pelos professores e ressalta a

importância de realizar uma educação para os meios nas escolas.

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[...] o denominador comum (destes modelos) do qual todos participam empiricamente de que – seja o que for que façam ou deixem de fazer – os professores, na escola, têm importância para a recepção que os estudantes fazem dos diversos meios de comunicação (OROZCO, 1997, p. 67).

A importância em realizar uma educação para os meios, principalmente nos

jovens, é o desenvolvimento da capacidade crítica dos mesmos que ela resulta. Neste

sentido, Maria Verônica Rezende de Azevedo faz um estudo sobre diferentes ângulos

desta educação para os meios a partir de dois pesquisadores: Jaques Piette e Ismar de

Oliveira Soares (AZEVEDO, 2004).

Segundo Piette, a educação para os meios segue duas perspectivas: a perspectiva

dos efeitos – dos usos e das satisfações – tem como proposta programas que asseguram

que a relação dos jovens com o meio seja uma experiência cultural enriquecedora e

estes programas devem reconhecer a importância dos meios na socialização dos jovens;

e a perspectiva crítica, vista sob um olhar voltado para a análise do papel e das

influências dos meios na reprodução das desigualdades sociais, realizadas através de

estudos com análise econômica e política destes meios, esta perspectiva tem por

objetivo fazer com que o jovem entenda a verdadeira finalidade dos meios e perceber

as idéias e interesses subliminares (AZEVEDO, 2004).

Sob uma outra ótica, Soares identificou três vertentes geradoras de conteúdos de

estudos em Educação: A primeira é a vertente moralista, que leva-se em conta o grau de

violência e a falta de qualidade das programações, este projeto prevê a coibição do uso

dos massivos, chegando até utilizar-se da censura do Estado. A segunda vertente é

culturalista que tem por objetivo incluir nos estudos de comunicação no sistema de

ensino, devido à importância dos meios de comunicação para a opinião pública. A

última vertente, a dialético-indutiva, tem a preocupação com os aspectos culturais e

morais da linguagem e com as relações que os indivíduos estabelecem com os

meios.(AZEVEDO, 2004).

Segundo Belloni, esta educação tem como finalidade formar receptores mais

conscientes frente aos meios.

Este novo campo de saber e intervenções, que vem desenvolvendo no mundo inteiro, desde os anos de 1970, a mídia-educação, ou educação

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para as mídias, tem objetivos amplos relacionados à formação de usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de informação e comunicação (BELLONI, 2001, p.46).

A educação para os meios, portanto, torna-se fundamental para a

formação de cidadãos mais críticos e reflexivos e deve ser uma prática constante de pais

e educadores no processo de educação de crianças e adolescentes, para que não aceitem

passivamente tudo que lhes é transmitido.

A pesquisa objetiva principalmente a formação de cidadãos mais críticos e

menos passivos diante dos meios de comunicação de massa. Para alcançar este objetivo

é fundamental uma educação para os meios, que possibilite aos receptores enxergarem

além do que assistem.

Teoria da Recepção

De acordo com Martín-Barbero, a recepção não pode ser analisada como uma

etapa do processo de comunicação, ao refletir sobre o assunto é necessário pensar no

processo por completo. Desta forma, ao realizar pesquisas sobre a recepção deve-se ter

atenção para que não se façam estudos “etapistas” (BARBERO, 1995).

Este cuidado apontado por Barbero tem sua relevância no que se diz respeito às

conclusões que se chegam quando os estudos sobre recepção partem destas

fragmentações. Ao prosseguir de tal forma o receptor torna-se apenas um ponto de

chegada de um processo de comunicação, pois nesta concepção o modelo de comunicar

tem a simples finalidade de chegar a uma informação, isto é, obter um significado já

pronto, partir de um pólo a outro (BARBERO, 1995).

A pesquisa seguindo este método acima leva a duas concepções: condutista e

iluminista. Segundo Barbero, a concepção condutista se sustenta no fato que o receptor

se resume ao processo final da comunicação e nunca o início, neste ponto de vista o

emissor é quem possui a iniciativa do processo e ao receptor cabe somente responder os

estímulos produzidos por tais emissores. A outra concepção, a iluminista, era concebida

no século XIX, no qual o processo de educação se restringia a transmitir o

conhecimento para àqueles que não conhece. “O receptor era ‘tábua rasa’, apenas um

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recipiente vazio para depositar os conhecimentos originados, ou produzidos, em um

outro lugar” (BARBERO, 1995, p. 41).

Barbero salienta que há ainda, atualmente, muitos que pensam em uma visão

extremista de que o receptor é simplesmente uma vítima das ações manipulatórias

praticadas pelos emissores, sem que perceba nenhuma destas intenções que lhes são

transmitidas (BARBERO, 1995).

Para Barbero, o processo de recepção é um processo de interação. O processo de

comunicação não se faz presente se o receptor ao receber determinada mensagem não

passar por processo de produção de sentidos, ou seja, deve haver uma interação entre as

mensagens transmitidas e recebidas pelo receptor. (BARBERO, 1995)

Entretanto, Barbero propõe estudos que tomem como base não apenas a relação

entre receptor e mensagem, mas também as relações dos mesmos com a sociedade ou

outros atores sociais (BARBERO, 1995).

A recepção, portanto, na concepção de Barbero trata-se de um processo nos

quais os receptores passam a ser agentes ativos no processo de comunicação, não se

restringindo a receber mensagens passivamente como se fossem simplesmente

consumidores do produto produzido pelo emissor, sem produzir estímulo algum.

Formação de Valores

A ausência de uma programação que retrata as diferenças da sociedade produz

uma imagem de adolescentes não adaptadas a todas as realidades, tornando-se vagas e

padronizando ideais e valores não aplicados, em grande parte, a todos os espectadores. Da mesma maneira que ocorre com grande parte da produção genérica da tevê – nos últimos anos, por sinal, responsável por avalizar e divulgar de forma ampla a visão psicanalítica da adolescência –, ela é muito calcada em referências, valores e ideais de vida inspirados em jovens de classe média. Assim, omite todo um aspecto de diferenças étnicas, culturais e sociais que constituem o perfil dos jovens brasileiros (VIVARTA, 2004, p. 23).

Segundo Belloni, a televisão mostra as crianças e adolescentes situações que

ainda não estão preparados psicologicamente para enfrentar. “A televisão funciona

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como uma janela para o mundo dos adultos, apresentando às crianças e adolescentes

formas estereotipadas dos valores, normas e modelos de comportamentos socialmente

dominantes”. (BELLONI, 2001, p.39).

Estas formas de imposição de valores são transmitidas pelos veículos de

comunicação de maneira subliminar, fazendo com que os espectadores participem da

trama, adquirindo traços dos personagens midiáticos. O indivíduo vive este simulacro: sua vida cotidiana é invadida por imagens de homens políticos, personagens de novela, locutores esportivos e de acontecimentos importantes, que se misturam às perspectivas e relações da vida real, muitas vezes fornecendo os conteúdos destas relações, outras vezes aliviando tensões, eludindo os conflitos no ambiente familiar. As pessoas realmente se envolvem com a trama das novelas, tomam partido pelos heróis, torcem por sua vitória e sofrem com sua dor. Graves problemas morais são colocados pelas telenovelas... Este turbilhão de imagens que preenche o cotidiano das crianças e adolescentes vai formando sua personalidade e ao mesmo tempo (mas provavelmente não da mesma forma) que suas vivências e suas percepções do mundo exterior, real, concreto (BELLONI, 2001, p. 64, 65).

O papel dos meios de comunicação aumenta ao transmitirem informação e

valores aos jovens, pois se trata de um público em processo de formação e estes meios

são os principais instrumentos de socialização dos mesmos. Cresce também a

responsabilidade dos profissionais que trabalham com este público, é necessário que

tenham uma qualificação e preparação adequada para se comunicar com crianças e

adolescentes. (VIVARTA, 2004, p.22).

A construção da mémoria e identidade infanto-juvenil colaborada pelos

audiovisuais

Em primeiro lugar, deseja-se abordar a memória como elemento fundamental na

história de vida de cada indivíduo. A mesma é construída e reconstruída a partir que

novos elementos entram em nossa mente. O desenho animado é um destes elementos

que incrementam e dão novos sentidos às percepções de mundo, em especial das

crianças, ou mesmo reforça aquelas idéias já apropriadas por seu intelecto.

Para iniciar, a memória para Stephanou e Bastos (2005, p. 420) é:

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[...] uma espécie de caleidoscópio, composto por vivências, espaços e lugares, tempos, pessoas, sentimentos, percepções/sensações, objetos, sons e silêncios, aromas e sabores, texturas, formas. Movemos tudo isso incessantemente e a cada movimento do caleidoscópio a imagem é diversa, não se repete, há infinitas combinações, assim como, a cada presente, ressignificar consiste em nossos atos de lembrar e esquecer, pois é isso a memória, os atos de lembrar e esquecer a partir das evocações do presente. (STEPHANOU e BASTOS, 2005, p. 420).

Este movimento, que não se repete, é o ressignificado que damos ao passado a

partir dos elementos que temos no presente, neste sentido, o audiovisual pode ser um

novo elemento do presente que fornece suporte para nossa visão do passado.

Le Goff (2003, p.419) também conceitua memória como “propriedade de

conservar certas informações, [...] graças às quais o homem pode atualizar impressões

ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. É importante enfatizar

que ele finaliza pontuando que o indivíduo pode “representar” como passadas, ou seja, a

partir das concepções e vivências de cada um.

Cronologicamente, Le Goff (2003) divide a constituição da memória e seus

meios disponíveis: 1) nas sociedades sem escrita, ditas “selvagens”, têm-se a memória

étnica; 2) da pré-história à antiguidade, o desenvolvimento da memória constitui-se a

partir da oralidade a escrita; 3) a memória medieval em equilíbrio entre o oral e o

escrito; 4) do Século XVI aos nossos dias, prevalece os progressos da memória escrita.

Grosso modo, e talvez de forma equivocada, constituo a linguagem audiovisual

como um dos progressos da memória escrita observada pelo autor. O desenho animado

constitui como um destes mecanismos que constituem a memória.

Neste sentido, a cultura infantil vem sendo pautada pela mídia, que de acordo

com Steinberg e Kincheloe (2001) a partir dos anos 50 as experiências das crianças vem

sendo produzidas por corporações, como programas de TV, cinema, videogames e

música. Ou seja, no mundo contemporâneo, crianças e adolescentes passaram por um

deslocamento no interesse dos textos escritos pelos audiovisuais, privilegiando estes

elementos aliadas às formas verbais (SILVA, 2004). Neste processo o que é importante

ressaltar são as formas de recepção de construção de identidade por estes públicos,

conforme a memória em construção.

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Com relação à construção de identidade infantil, Boynard (2002) recorda sobre o

mecanismo de identificação psíquica que faz referência às experiências das crianças que

serão reforçadas na adolescência e servirão de “matéria-prima” para a formação do

indivíduo adulto. Essa construção vai depender dos estímulos que esta criança vai

receber, conforme diz a autora, com esta premissa, atribuímos previamente à televisão

um papel de destaque, uma vez que a exposição de crianças aos estímulos e à influência

dos meios de comunicação, especialmente os eletrônicos, produzem modelos de adultos

– pais, professores e outros heróis – com os quais a criança se identifica e que poderiam

impactar seu psiquismo.

De acordo com McCloud (2004) a identificação da criança pelas histórias em

quadrinhos é facilitada pela “cartunização” – muito presente nos animes - na produção

de características dos personagens, os traços marcantes e simples permitem melhor

projeção do leitor para com estes.

Sobre isso, Gombrich (2007) acrescenta que estes desenhos caricaturados

permitem que apenas algumas mudanças nos traços lineares do personagem representem

de forma expressiva seus sentimentos sem perder suas características fundamentais.

A identificação com o personagem em determinadas condições são tão

marcantes que, em um estudo sobre o tema realizado por Silva (2006), demonstrou que

muitos acabam fazendo parte do cotidiano das crianças, como no “consumo de produtos

(...); na linguagem (...) e; nas brincadeiras (...)” (p. 107).

O que não pode ser esquecido nesta exposição é a característica marcante do uso

de cenas de violência no anime. Este é mais uma forma reprodutiva das crianças e

adolescentes que o consome ao passo que desejam se espelhar nos heróis criados pelos

desenhos animados. O uso excessivo da violência para Barbosa (2003), tende a

banalizar a violência por parte do espectador, fazendo com que este considere

engraçadas as cenas mais pesadas e o reproduz sem problemas.

Partindo de uma teoria defendida por Vygotsky, os processos do conhecimento

são construídos a partir do resultado da experiência pessoal e subjetiva a uma atividade.

Esta atividade é mediada por signos culturais, que pode ser o próprio consumo dos

meios de comunicação de massa. Conforme as mudanças tecnológicas evoluem,

continua o ciclo de aprendizagem (FINO, 2001). Neste sentido, a mídia passa a ser um

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importante elemento para a construção do conhecimento a partir do seu consumo em

massa.

Para Merlo-Flores (1999) essa forma de aprendizagem torna-se superficial em

função dos elementos incidentais utilizados pelos meios, além da leitura entrelinhas que

pode afetar o discurso, os gestos, as atitudes, os hábitos gerais e, longo prazo, a cultura.

A superficialidade e a negação de sua identidade (por conta do processo

imitativo dos personagens de uma série, por exemplo), reproduzem uma sociedade

alienada de acordo com Freire (1981). Para ele, um ser alienado não é autêntico e vive

numa realidade imaginária e não a sua própria. Porém ressalva que a problemática

maior não está no processo imitativo e sim na “passividade com que recebe a imitação

ou na falta de análise ou de auto-crítica” (p. 35).

De forma resumida, a preocupação maior de Freire neste processo “educativo” é

a forma de recepção do espectador e, intuitivamente, a mediação de pais, educadores e

demais formadores de opinião para a formação de indivíduos mais críticos. A

reprodução se dá após a assimilação do desenho - o que Piaget (1971) chama de

imitação “deferida”, pois acontece após algum tempo de ter presenciado a cena – o que

reforça o papel processual e educativo dessa mediação.

A educação para os meios tornou-se ainda mais relevante no início do século

XX, que foi marcado por grandes transformações tecnológicas e o avanço dos meios de

comunicação e informação. Estas transformações possibilitaram um novo “fato social”,

a cultura de massa ou homem-massa, isto é, com os avanços tecnológicos foi possível

uma readequação nos modos de vida da sociedade (NEUMANN, 1990).

A cultura de massa se desenvolveu a partir da década de 30, primeiramente nos

Estados Unidos e após a Segunda Guerra Mundial expandiu-se para o conjunto de

países ocidentais, alterando os modos de consumo da sociedade. Segundo Morin o

desenvolvimento tecnológico permitiu que as massas populares urbanas e parte da

população rural tivessem acesso a novos padrões de vida, que estão ligados ao bem-

estar, consumo, que até o momento só era possível para as classes burguesas (MORIN,

1975, p.75). Este novo padrão de vida está ligado à cultura de massa, que é o produto da

dialética entre produção-consumo e no centro desta dialética encontra-se a sociedade. É

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esta sociedade que vai ser o alvo da indústria cultural, “[...] a produção cultural cria o

público de massa, o público universal” (MORIN, 1975, p. 37).

De acordo com Sato (2005 apud FARIA, 2007), historicamente, foi por volta

deste período, graças ao cinema, que os japoneses conheceram os desenhos animados. O

primeiro curta-metragem produzido por meio de papel e nanquim foi em 1913 com

autoria de Seitaro Kitayama, intitulado Saru Kani Kassen (A Luta entre o Caranguejo e

o Macaco), fundamentadas em fábulas infantis japonesas.

Após este impulso, a indústria de animação japonesa não parou mais e caminhou

para marcar as características próprias dos animes conhecidos atualmente. Em 1927 foi

produzido o primeiro desenho animado sonoro japonês (Osekisho – O inspetor de

Estação) e em 1937 surgiu o primeiro desenho nipônico em cores (Katsura Hime –

Princesa Katsura).

Mas foi após a Segunda Guerra Mundial que o estrangeirismo começou a tomar

conta do Japão, modificando costumes e até o idioma, o que influenciou também na

formação de identidade dos desenhos japoneses, que começou a ser chamado de anime

em função da palavra inglesa animation. Na década de 50, o desenhista Osamu Tezuka

revoluciona o mangá e cria personagens com olhos grandes e brilhantes (para transmitir

emoções sinceras e psicologicamente profundas, conforme Moliné, 2004) e influenciado

por Walt Disney utiliza novas técnicas de enquadramento cinematográfico. Assim o

anime toma características próprias (FARIA, 2007).

Conforme a linha temporal, os animes foram comercializados

concomitantemente ao processo de expansão da indústria cultural e o desenvolvimento

dos meios de comunicação de massa. Apesar das grandes produções ocidentais, os

desenhos nipônicos continuam fazendo sucesso e formando consumidores fiéis ao seu

produto.

O processo de aculturação escolar do anime

A cultura escolar vem sendo influenciada por vários fatores por meio de

mudanças no âmbito político, econômico, social e a inserção das novas tecnologias que

alteram significativamente na convivência escolar. No bojo desta discussão, a cultura

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escolar deve ser analisada como um processo e produto das práticas de diferentes

manifestações de alunos e professores num contexto social. A explosão das novas

tecnologias - como o uso dos meios audiovisuais - vem moldando valores que

desencadeiam modificações no interior da escola, consequentemente a cultura escolar.

No caso dos desenhos animados, a prática da identificação e reprodução dos heróis

pelas crianças demonstram comportamentos midiatizados que se inserem dentro da

instituição escolar.

É importante ressaltar que Dominique Julia (1995) e André Chervel (1990)

estudam a cultura escolar como um conjunto de teorias e práticas do conhecimento

submetidas pelo aluno e a apropriação desses comportamentos em suas relações

pessoais. Para o primeiro autor (1995, p. 11) por cultura escolar entende-se:

[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo épocas (finalidades religiosos, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).

Em complemento, o autor também sugere que por cultura escolar é conveniente

compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis, que se desenvolvem

em um meio mais informal, como por exemplo, os meios de comunicação e as relações

sociais.

McAllister (2009, p. 329) nos indica sobre a mercantilização da cultura infantil,

“isto porque aumentam a pressão para incentivos recentes para criar anúncios

‘agressivos’, o crescimento de corporações sinergísticas de megamídia e a proliferação

de novas mídias, criando novos espaços para o marketing e as vendas na mídia”.

Entretanto, Steinberg e Kincheloe (2001) alerta que a simples condenação

destes aspectos ligados a cultura infantil, acompanhadas por chamadas de censura é

ineficiente. As autoras fazem um chamado para aqueles que se preocupam com este

fato, que se envolvam em debates ligados a este contexto e conclui seu raciocínio

afirmando que a desorientação da identidade infantil pode ser uma reação a

inconsistência entre a cultura infantil e o posicionamento escolar.

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A construção de identidade e a memória que vem sendo formada nas crianças

vêm em conformidade a uma cultura infantil mercantilizada por meio de programas

infantis que remetem a crianças como objeto a ser temido.

Considerações Finais:

Este artigo foi resultado de uma pesquisa de referências bibliográficas acerca da

apropriação dos meios de comunicação de massa por crianças e adolescentes, em

especial os desenhos animados japoneses que vêm aumentando sua demanda por parte

deste público.

Em um primeiro momento, pretendeu-se esclarecer o conceito de educação para

os meios no que diz respeito ao processo de desconstrução do desenho para que o

espectador não os receba com um olhar de um simples receptor, mas sim com um olhar

mais reflexivo e ativo. Neste sentido, o professor passa a ter um importante papel na

construção do conhecimento a partir do que os alunos recebem da mídia.

Posteriormente, a pesquisa focou mais no objetivo principal do artigo, que foi o

de identificar o processo de construção de memória infanto-juvenil e a inserção do

animê ambiente escolar. Acredita-se que este meio de comunicação vem reforçando os

diálogos e brincadeiras acerca de aspectos ligados a este formato de desenho animado

na sala de aula e nos intervalos, dentro da escola.

Este trabalho tem como ponto inicial este resgate bibliográfico, o que se

pretende, posteriormente, expandir para um trabalho com análises de estudo de caso a

fim de aprofundar este estudo, que não se esgota em pesquisa bibliográfica.

REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. AZEVEDO, M. Verônica. Telejornalismo e Educação para a Cidadania. São Paulo: Beca Produções Culturais, 2004. BELLONI, L. Maria. O que é Mídia-Educação. Campinas: Autores Associados, 2001. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo)

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