compromisso social: uma anÁlise do discurso dos

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1 COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS ALUNOS ÚLTIMO-ANISTAS DOS CURSOS DE PSICOLOGIA RESUMO Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos a fim de que se contraponha a visão cristalizada e naturalizante dos fenômenos sociais e do psiquismo humano, uma nova forma de se conceber o homem e as relações que este estabelece se fez necessária. A partir disso, iniciou-se o que vem sendo discutido como o compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo. Dessa forma, este trabalho teve como objetivo analisar o discurso dos alunos último-anistas dos cursos de psicologia da região do Vale do Paraíba paulista acerca da questão do compromisso social da psicologia, e mais especificamente objetivou-se analisar se os alunos identificam essa questão transmitida durante o curso de formação em psicologia e também compreender como estes alunos identificam essa questão no Código de Ética Profissional do Psicólogo. Foram sujeitos desta pesquisa oito alunos que responderam a uma entrevista semi-estruturada, a qual foi discutida através da técnica de análise de conteúdo, tendo por base todo o referencial teórico apresentado no trabalho. Assim, os participantes demonstraram que a questão do compromisso social é entendida como algo muito importante para a psicologia enquanto profissão, mas, por outro lado, é algo que não se vê comumente na prática psicológica. Tais alunos demonstraram também, que não percebem essa questão como algo transmitido durante o curso, da mesma forma que pouco percebem essa preocupação expressa no Código de Ética da profissão. O que levou a considerar que a falta de questionamento e reflexão frente o que é transmitido na formação acadêmica se transformam na escassez de posicionamento crítico dentro da ciência psicológica e conseqüentemente na falta de subsídios essenciais para a efetivação de uma prática comprometida socialmente. Palavras-chave: Compromisso Social. Formação em psicologia. Psicologia Social

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Page 1: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

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COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS ALUNOS

ÚLTIMO-ANISTAS DOS CURSOS DE PSICOLOGIA

RESUMO

Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos a fim de que se contraponha a visão cristalizada e

naturalizante dos fenômenos sociais e do psiquismo humano, uma nova forma de se conceber

o homem e as relações que este estabelece se fez necessária. A partir disso, iniciou-se o que

vem sendo discutido como o compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo. Dessa

forma, este trabalho teve como objetivo analisar o discurso dos alunos último-anistas dos

cursos de psicologia da região do Vale do Paraíba paulista acerca da questão do compromisso

social da psicologia, e mais especificamente objetivou-se analisar se os alunos identificam

essa questão transmitida durante o curso de formação em psicologia e também compreender

como estes alunos identificam essa questão no Código de Ética Profissional do Psicólogo.

Foram sujeitos desta pesquisa oito alunos que responderam a uma entrevista semi-estruturada,

a qual foi discutida através da técnica de análise de conteúdo, tendo por base todo o

referencial teórico apresentado no trabalho. Assim, os participantes demonstraram que a

questão do compromisso social é entendida como algo muito importante para a psicologia

enquanto profissão, mas, por outro lado, é algo que não se vê comumente na prática

psicológica. Tais alunos demonstraram também, que não percebem essa questão como algo

transmitido durante o curso, da mesma forma que pouco percebem essa preocupação expressa

no Código de Ética da profissão. O que levou a considerar que a falta de questionamento e

reflexão frente o que é transmitido na formação acadêmica se transformam na escassez de

posicionamento crítico dentro da ciência psicológica e conseqüentemente na falta de subsídios

essenciais para a efetivação de uma prática comprometida socialmente.

Palavras-chave: Compromisso Social. Formação em psicologia. Psicologia Social

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COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS ALUNOS

ÚLTIMO-ANISTAS DOS CURSOS DE PSICOLOGIA

AUTOR: SHARLENE APARECIDA NEVES

ORIENTADORA: PROFª DRª CECÍLIA PESCATORE ALVES

BANCA EXAMINADORA:

.Professora Doutora Cecília Pescatore Alves

.Professor Doutor Régis de Toledo Souza

.Professor Doutor Carlos Alberto Máximo Pimenta

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1. INTRODUÇÃO

A Psicologia foi definitivamente institucionalizada em 1962 através da Lei 4119 que

regulamentou a profissão no Brasil e fez com que novas possibilidades fossem se

desenvolvendo a partir desse novo campo de trabalho. Mas, foi a partir da década de 80,

quando os psicólogos começaram a trabalhar no serviço público, que novos desafios

começaram a ser encontrados (Bock,1999b).

Neste momento, segundo esta autora, iniciou-se uma maior reflexão por parte dos

psicólogos quanto ao seu trabalho perante a sociedade brasileira, visto que se depararam com

uma realidade até então pouco conhecida durante a formação acadêmica, até mesmo por

questões políticas; e muito menos explorada pelos convencionais modos de trabalho do

psicólogo. Visto que estes reproduziam o modelo de atuação profissional advindo de outros

países, os quais não correspondiam à realidade social encontrada aqui no Brasil.

É como relata Dimenstein (2001, p.59) sobre o assunto:

Historicamente, a psicologia sempre esteve “míope” diante da

realidade social, das necessidades e sofrimento da população, levando

os profissionais a cometer muitas distorções teóricas, a práticas

descontextualizadas e etnocêntricas, e a uma psicologização dos

problemas sociais, na medida em que não são capacitados para

perceber as especificidades culturais dos sujeitos.

A partir disso, a dimensão da realidade social e a necessidade de conhecê-la

começaram a fazer parte das preocupações de alguns segmentos da psicologia e a nortear

conseqüentes movimentos para isso. De acordo com Bock (1999b), a preocupação em

contextualizar os fenômenos psicológicos e em entender o indivíduo dentro de um processo

histórico se mostrou primordial.

Muitos estudos, desde então, foram e vêm sendo desenvolvidos a fim de que se

contraponha à visão cristalizada e naturalizante dos fenômenos sociais e do psiquismo

humano, uma nova forma de conceber o homem e as relações que este estabelece se fez

necessária, ou seja, deu-se início ao que atualmente vem sendo discutido como o

compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo.

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Segundo Bock et al (2007) a professora Silvia Tatiana Maurer Lane tem uma trajetória

de vida profissional, que faz dela uma das mais importantes influências no desenvolvimento

desse novo projeto para a psicologia. Assim, a autora comenta que:

A única certeza de que nunca abriu mão foi a da necessidade da

produção de uma ciência com compromisso social. Nunca se importou

com rótulos e com passeios por diferentes teorias, porque buscava

outra coisa: um conhecimento capaz de falar da vida vivida e de

apresentar possibilidades de contribuição para a transformação das

condições de vida na busca da dignidade (BOCK et al 2007).

A própria Silvia Lane relata na apresentação do livro “Psicologia Social – O Homem

em Movimento”, do qual foi uma das organizadoras, que esperava com este, contribuir “para

uma psicologia voltada para os problemas concretos de nossa realidade, tornando o

profissional um agente de transformação na sociedade brasileira” (LANE, 2001, p. 7). Neste

mesmo livro, ao falar a respeito da Psicologia Social e da necessidade de uma nova concepção

de homem para a Psicologia a autora afirma:

O ser humano traz consigo uma dimensão que não pode ser

descartada, que é a sua condição social e histórica, sob o risco de

termos uma visão distorcida (ideológica) de seu comportamento

(LANE, 2001, p. 12).

Como vemos, a Psicologia Social como campo de conhecimento dentro da Psicologia,

foi a responsável por trazer a realidade sócio-histórica para a formação e conseqüente atuação

do psicólogo. Isto implica em afirmar a necessidade de que toda a Psicologia seja social, e

como explicou Lane (2001, p.19), isso “não significa reduzir todas as especificidades da

psicologia a esse campo de saber, mas sim que dentro de todas estas especificidades esteja

contida a natureza sócio-histórica do ser humano”.

Deve-se ressaltar também, que os autores deste movimento não se empenham apenas

em discutir o tema ou em defender tal postura, mas principalmente em evidenciar a posição

do psicólogo como permanentemente constituidor de novos conhecimentos científicos, ao

passo que trabalhe unindo teoria e prática, construindo o conhecimento de acordo com as

novas necessidades que encontra.

Sobre isto, Lane (2001, p.15, 16) afirma:

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É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos

encontrar os pressupostos epistemológicos para a reconstrução de um

conhecimento que atenda à realidade social e ao cotidiano de cada

indivíduo que permita uma intervenção efetiva na rede de relações

sociais que define cada indivíduo – objeto da Psicologia Social.

É possível observar essa preocupação atualmente, sobretudo nos documentos que

norteiam tanto os cursos de formação em psicologia no país, quanto naqueles que estabelecem

padrões de conduta que são esperados pelos profissionais da categoria.

Instituída em 2004, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação

em Psicologia, tem como uma das metas centrais para a formação do psicólogo que o curso

assegure princípios e compromissos como a compreensão crítica dos fenômenos sociais,

econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da

profissão. O curso deve garantir também que o profissional consiga atuar em diferentes

contextos considerando as necessidades sociais, os direitos humanos, tendo em vista a

promoção da qualidade de vida dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades

(DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO

EM PSICOLOGIA, 2004).

Neste mesmo documento, descreve-se sobre algumas competências requeridas ao

formado em Psicologia como, por exemplo: analisar o campo de atuação profissional e seus

desafios contemporâneos; analisar o contexto em que atua profissionalmente em suas

dimensões institucional e organizacional, explicitando a dinâmica das interações entre os seus

agentes sociais; identificar e analisar necessidades de natureza psicológica, diagnosticar,

elaborar projetos, planejar e agir de forma coerente com referenciais teóricos e características

da população-alvo e saber usar o conhecimento científico necessário à atuação profissional,

assim como gerar conhecimento a partir da prática profissional (Idem).

A partir destes fragmentos deste documento é possível perceber claramente a

necessidade de que os cursos de formação em Psicologia consigam transmitir os

conhecimentos dos fenômenos psicológicos a partir da realidade sócio-histórica em que estes

se encontram e se desenvolvem. Do mesmo modo que, em consonância com as Diretrizes

Curriculares, observamos estas preocupações também no Código de Ética do psicólogo.

Pode-se verificar no Código de Ética Profissional do Psicólogo aprovado em 2005,

uma constante preocupação em transmitir para o profissional a responsabilidade social de sua

profissão revelando que a elaboração de tal código teve como “princípio geral aproximar-se

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mais de um instrumento de reflexão do que de um conjunto de normas a serem seguidas pelo

psicólogo” (CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO, 2005, p.6). É possível

identificar tal postura em todo o documento, principalmente nos Princípios Fundamentais que

devem nortear a profissão.

Destacam-se assim, importantes considerações acerca da questão do compromisso

social do psicólogo, que podem ser identificadas facilmente nos próprios documentos que

regulamentam e norteiam tanto a formação quanto a atuação deste profissional no país.

Diversos estudos são feitos acerca de perspectivas, limites, e contextos em que tal

assunto se insere ou deveria se inserir, ou seja, há alguns anos o tema do compromisso social

vem sendo discutido por diversos autores, que se empenham em demonstrar a relevância do

assunto e a necessidade da efetivação de tal postura dentro de uma Psicologia comprometida

com a realidade social na qual está inserida.

Frente ao exposto, verifica-se a necessidade de pesquisas que visem compreender

como tal temática é concebida atualmente tanto por alunos de psicologia, quanto por

profissionais psicólogos e também por aqueles profissionais envolvidos com o ensino da

psicologia no Brasil. O presente trabalho procurou oferecer uma contribuição neste sentido, a

partir de pesquisa de campo realizada com alunos do último ano de graduação em psicologia.

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2. PROBLEMA

Como os alunos dos últimos anos dos cursos de Psicologia entendem a questão do

Compromisso Social do Psicólogo?

2.1 OBJETIVOS

2.1.1 Objetivo Geral

Analisar o discurso dos alunos último-anistas dos cursos de Psicologia do Vale do

Paraíba acerca da questão do Compromisso Social do Psicólogo.

2.1.2 Objetivos Específicos

• Conhecer o que os alunos dos últimos anos dos cursos de Psicologia do Vale do

Paraíba dizem a respeito do compromisso social do psicólogo.

• Analisar se os alunos identificam a questão do compromisso social do psicólogo como

algo transmitido durante o curso e necessário na atuação profissional.

• Identificar e compreender como os alunos último-anistas dos cursos de Psicologia

concebem o Código de Ética Profissional do Psicólogo, principalmente no que diz

respeito aos princípios fundamentais que devem nortear a profissão.

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3. REFERENCIAL TEÓRICO

3.1. Formação em Psicologia

Para expor a respeito do histórico da formação em Psicologia no Brasil, serão

utilizadas as explanações de Jefferson de Souza Bernardes encontradas em sua tese de

doutorado, finalizada em 2004. O autor teve como foco apresentar documentos que foram

publicados a esse respeito ao passo que apresenta alguns momentos pelos quais a Psicologia

enquanto profissão e campo de saber estendeu-se.

Para este autor, em um primeiro momento a busca da regulamentação da profissão e

da formação em psicologia surgiu no início da década de 1930 e durou até o final da década

de 1950. O marco de tal momento foi a forte política nacional, orientada para o crescimento

da indústria no país. Com o advento do setor industrial e a criação do Ministério do Trabalho

em 1930 observou-se o grande movimento dos trabalhadores para esse novo setor. O qual, por

sua vez, necessitava de grande número de mão-de-obra com rápida qualificação técnica para o

gerenciamento da maquinaria.

É neste período que o trabalho dos psicotécnicos se fez altamente necessário para

recrutamento, seleção, orientação e treinamento dos novos trabalhadores. Em conseqüência

disso, foi neste mesmo momento que se observou uma primeira ação em direção a um

reconhecimento da profissão, pois houve a necessidade da regulamentação da atuação dos

psicotécnicos e em 1947 foi criado o ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional),

um órgão especializado cujo principal objetivo era contribuir para a eficácia do trabalho de

acordo com as suas necessidades e com as aptidões do trabalhador (BERNARDES, 2004).

“Em relação à formação em Psicologia, trata-se do período dos ‘psicologistas’,

vocabulário utilizado para caracterizar o(a) profissional em psicologia” (BERNARDES,

2004, p. 89).

No campo da Educação, a atuação do psicólogo era confundida com a figura do

orientador educacional. Segundo Patto (1999, apud Bernardes 2004), destaca-se “nesse

momento, na esfera educacional, embora possa ser estendida para outros campos, a

perspectiva clínica e curativa como modelo de atuação em psicologia, orientada para o

diagnóstico e o ajustamento dos indivíduos”.

Na Psicologia Clínica a atuação do psicólogo era fortemente associada à Medicina,

tendo seu trabalho esclarecidamente limitado e podendo apenas exercer funções de orientação

e acompanhamento clínico, tudo subordinado ao trabalho do médico. Sobre isso o autor

esclarece:

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A literatura sobre a história e a historiografia da Psicologia no Brasil,

também abordam o caráter prático e tecnicista presente na profissão e

na formação. Trata-se de uma formação eminentemente técnica,

esbarrando na fronteira de várias profissões já consolidadas, por

exemplo, a Medicina, a Pedagogia e a Administração (BERNARDES,

2004, p. 90).

O segundo momento, segundo o autor, vai de 1960 a 1979, e a Psicologia

caracterizou-se com uma forte postura técnico-cientificista, influenciada pelos ideais

positivistas e utilizando o status do saber científico para se consolidar como ciência e como

profissão.

Em 1962, a Psicologia foi regulamentada como profissão no Brasil e para Campos

(1992, apud BERBARDES, 2004. p. 94), “esta Lei veio referendar e delimitar,

simbolicamente, a existência de um domínio técnico-científico já existente no país,

anteriormente a lei”. Segundo esta mesma autora, esta definição legal:

(...) é um registro histórico dos dois movimentos que lhe deram

origem: o movimento social de progressiva racionalização das funções

a serem desempenhadas nas modernas sociedades industriais, entre as

quais se insere o conjunto de funções atribuídas ao psicólogo, e o

movimento dos profissionais já engajados na prática em busca do

reconhecimento e de segurança para exercer a profissão (CAMPOS,

1992. p. 6 apud BERNARDES, 2004, p. 94-95).

O contexto político-econômico e social é marcante na arena de discussões. Em termos

políticos, o golpe militar de 1964 foi, sem dúvida, um acontecimento marcante. Em termos

econômicos, destaca-se a internacionalização do mercado, sob os primeiros passos de uma

lógica neoliberal.

Algumas conquistas da Psicologia viriam logo a ser significativamente retardadas

com o golpe militar de 1964 e a instalação no país de um regime repressivo que exerce grande

controle sobre os movimentos organizados então existentes (BERNARDES 2004, p. 95).

Ainda neste período, “a Psicologia foi marcada pelo obscurantismo, pelas delações,

pelos rompimentos com compromissos éticos, políticos e sociais” (Idem p. 94).

A graduação em Psicologia, para o autor, produz um tipo de prática psi que, é marcada

pela tradição positivista, tanto com a teoria behaviorista, quanto com uma Psicologia Social

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que reproduz conceitos e técnicas de estudo de inspiração norte-americana. O que se estende

também para outras teorias como a Psicanálise, que além de serem marcadas pela

psicologização da vida social e política, essas teorias derivam uma atuação psicológica que

faz com que grande parte dos estudantes de Psicologia sonhem com os atendimentos clínicos

privados (BERNARDES, 2004). Sobre isso ele ressalta:

A formação, diante das características acima apresentadas, se orienta

para um profissional com uma concepção tecnicista e fragmentada de

seu saber, especializada em torno de uma lógica individualista, de uma

relação dual, asséptica, a-histórica, centrada em seu “consultório”, seja

esse na escola, na fábrica, ou em edifícios da “Zona Sul” carioca ou do

“Moinhos” em Porto Alegre. Trata-se de uma prática segregacionista e

elitizada, atendendo às demandas da classe média e alta, pequeno

burguesa, de grandes centros urbanos. O espírito da modernidade,

combatente do modelo latifundiário rural, atinge um dos ápices de seu

vigor nos modos de atuação do psicólogo (BERNARDES, 2004, p.

100).

Deste modo, conforme descreve o autor, houve um grande crescimento do número de

cursos de formação em Psicologia no país e em dezembro de 1962 o Conselho Federal de

Educação publica a Resolução do Currículo mínimo para os cursos de Psicologia. Tal medida

gerou conflitos entre a categoria pela postura rígida que estabelece os currículos mínimos por

meio de uma lista de matérias e disciplinas. A categoria se mobilizou em função das

tentativas de mudança desse currículo mínimo e fizeram um movimento para o diálogo e

delimitação das Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia. E em 1971 é regulamentado o

Conselho Federal de Psicologia, que surge como órgão auxiliador do Estado para a

fiscalização e orientação dos profissionais da categoria.

Bernardes (2004) expõe que no terceiro momento, a diferença com o período anterior

é observada pela mobilização política dos psicólogos e início de uma profunda discussão

sobre o papel social da Psicologia no Brasil. De acordo com a revista Psicologia: Ciência e

Profissão (1987, p.4 apud BERARDES, 2004, p, 110), esse período “tem se caracterizado

como um período de amadurecimento da categoria, não só pelo seu crescente nível de

organização, mas principalmente pela busca de novas formas de atuação profissional visando

ao atendimento de toda a população e em especial dos setores historicamente

marginalizados”.

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No âmbito político, o país vivenciava uma crise com várias trocas de moedas e

crescimento da desigualdade na distribuição de renda da população. A Psicologia começou a

questionar seu papel social e a discussão em torno das reformas curriculares em Psicologia se

tornou forte.

Os anos 80 pareceram trazer uma re-avaliação por parte dos psicólogos do modelo de

atuação existente e da formação em Psicologia. É como relata Campos (1992):

Várias mudanças na formação em Psicologia foram levadas a cabo

durante a década de 1980. Sinais e sintomas desse movimento são

observados em todos os foros de debate acerca da Psicologia: nas

universidades, nas associações científicas, nos conselhos profissionais.

Nesses foros, o núcleo das discussões era: em primeiro lugar, o

questionamento da prevalência do domínio da técnica (refletindo

sobre os fundamentos ideológicos e sóciopolíticos da atuação do

psicólogo); em segundo lugar, a preocupação com a produção de um

saber relevante para a população que trabalhava junto a Psicologia

(CAMPOS, 1992, apud BERNARDES 2004, p. 112).

Para o autor foi um momento rico em termos de reflexão, embora, como mostram os

documentos, nada pôde ser efetivamente transformado como se almejava. De acordo com os

textos estudados, é possível perceber que houve a predominância de valores e condutas

individualistas e intimistas, os quais se afastam da esfera pública. Entretanto, surgiram

experiências com novas áreas da Psicologia, como por exemplo, toda a discussão da

Psicologia Social que acarretou com a criação da Psicologia Comunitária.

A esse respeito Bernardes (2004), conclui que seria um sacrilégio dizer que foi uma

criação exclusiva do campo acadêmico. Muitas associações e profissionais entraram na

discussão, por insatisfação com os modelos sociais aprendidos, pela articulação com modelos

sociais diversos, pelo início da abertura política no país, entre outros.

Entende-se assim, que vários movimentos de tentativas de ruptura com a ideologia

existente no momento ocorreram. Tais movimentos ocasionaram algumas mudanças não tão

concretas como se esperava, mas nem por isso menos importantes dentro da conjuntura da

ocasião. Como cita o autor, “os primeiros questionamentos sobre a retórica científica entram

em cena. Os primeiros questionamentos sobre as funções sociais da Psicologia também”

(BERNARDES, 2004, p. 114).

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O que modifica o caráter político da profissão, ocasionando novas características a

órgãos como CFP (Conselho Federal de Psicologia) e culminando com o surgimento de novas

entidades afins com propósitos revolucionários e preocupação com o compromisso social da

Psicologia, é o caso da ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) que surge no

início da década de 80.

Antes de encerrar sua narrativa sobre os períodos pelos quais a Psicologia e a

formação em Psicologia passaram no Brasil, o autor descreve sobre o quarto momento

histórico, que compreende o início da década de 1990 e vai até 2004, ano em que foi

concluída sua pesquisa.

Segundo ele “este período inaugura uma nova rodada na regulamentação e

normalização da formação em Psicologia no Brasil, caracterizada pela forte mobilização das

entidades e dos cursos de Psicologia”. (BERNARDES, 2004, p. 118). Isso porque agora há

uma maior organização do Estado em seu posicionamento político, com a consolidação da

democracia, com um plano econômico e uma moeda estável. O que consolida também uma

nova configuração do campo social e cultural do país. No âmbito educacional, novas leis e

reconfigurações para a estrutura do ensino superior.

No campo da ciência há, aparentemente, maior aceitação para novas concepções. O

que indica maior possibilidade de críticas às rígidas posturas “racional-positivista”. É o que o

autor denomina:

A ciência desce de seu pedestal e se transforma em uma prática social

sujeita a erros, controles, mas, também, com acertos e libertações.

Torna-se mais humana com a discussão em torno da reflexividade na

construção do conhecimento cientifico, ou seja, da reflexão entre quem

pesquisa e seu objeto de estudo (BERNARDES, 2004, p. 120).

Sobre a formação em Psicologia, há também um avanço concreto a partir de idéias da

década anterior, que segundo o autor são pontuais, locais, específicos, que começam a

aparecer e são debatidos, criticados, consolidados e socializados. Na página 121 de seu

trabalho o autor afirma que o debate atual se materializa por meio de três documentos

relacionados às Diretrizes Curriculares, visto que estes estão permeados por questões

políticas, educacionais gerais e específicas do campo de conhecimento em questão.

Em suas considerações finais, o autor afirma que pouca coisa mudou em termos da

formação em Psicologia no Brasil, e que esta ainda mantém algumas heranças do século XX,

como por exemplo, a “Tendência Liberal Tecnicista” apresentada por Libâneo (1985, apud

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BERNERDES, 2004, p.184). Ele ainda propõe algumas soluções desdobradas em sugestões e

finaliza afirmando:

“(...) a Psicologia, de instrumental de análise da realidade, transforma-se em objeto de

análise. A Psicologia é uma das principais responsáveis pela maneira como o mundo é visto.

Daí, a importância dos estudos que envolvem a formação” (BERNARDES, 2004 p. 190).

Sobre este assunto, Alves, Correr & Leão (2005), discutem que diante da

complexidade das mudanças na formação do psicólogo, mais do que apresentar respostas

conclusivas é necessário refletir os fundamentos que sustentam a formação do psicólogo até

os dias de hoje no Brasil e salientam que uma característica necessária para ensinar Psicologia

é “mostrar o geral contido no particular e apreender as particularidades subsumidas na

totalidade” (p. 56). E sobre isso destacam:

Propomos que ensinar psicologia no Brasil deve ser: ensinar sobre

como nos tornamos humanos, portadores de características

psicológicas que nos fazem iguais a todos os seres humanos, porém,

seres humanos que se desenvolvem nos embates próprios da nossa

sociedade e produzem processos de consciência inerentes a essa

realidade: esses processos são gerais, mas determinados por

necessidades e possibilidades inerentes à vida neste País (ALVES,

CORRER, LEÃO, 2005, p. 56)

Dessa forma, constatam-se as dificuldades para o ensino em Psicologia no Brasil, visto

que os instrumentos e teorias utilizados ainda não englobam a realidade social histórica e

acabam por se resumirem apenas em identificar os problemas e/ou patologias existentes nos

indivíduos, calcados em uma visão individualista e justificada atualmente pelos desvios

sociais.

Os autores afirmam que ensinar Psicologia até os dias de hoje tem sido basicamente

reproduzir verdades que não permitem dúvidas e questionamentos, enquanto o que deveria

acontecer é o contrário. O ensino desta ciência deveria ser grande possibilitador de novas e

constantes indagações, ou seja, a formação deveria simultaneamente designar à produção de

pesquisas, como expõem os autores: “A pesquisa concebida como método de exploração da

realidade, como uma prática de pensar é que precisa do seu lugar na trajetória de formação

dos futuros psicólogos” (ALVES, CORRER, LEÃO, 2005, p. 59).

Para o ensino da Ciência Psicológica deve haver um compromisso maior em se

conhecer a realidade deste país visto que somente assim, o conhecimento será transmitido e

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reconstruído a todo momento de forma verdadeira e válida. De acordo com os autores, as

formas de atuação na educação também são interações sociais, como o próprio homem que é

“caracterizado por iniciar e interpretar suas interações com seu ambiente físico e social”

(ALVES, CORRER, LEÃO, 2005 p. 67). Daí a importância da pesquisa que visa novos

conhecimentos calcados na realidade social e histórica momentânea e que seja questionada,

revista, reestruturada e principalmente refletida continuamente. Pois:

Não se fazem coisas porque elas precisam ser feitas no passado, ou

porque as queremos feitas no futuro. A única dimensão significativa

do tempo é o presente, porque ele contém o passado e prepara o

futuro, e o presente é sempre realizado na conduta efetiva (ALVES,

CORRER, LEÃO, 2005, p.67).

Ao expor sobre os desafios da formação do psicólogo, partindo da relação entre

psicologia e compromisso social, Mitjáns Martínez (2003) afirma que ao considerar o

indivíduo como eixo da produção e utilização do conhecimento psicológico numa prática

comprometida se coloca em primeiro lugar, a discussão sobre a subjetividade do psicólogo e

especialmente de sua condição de sujeito.

Assim sendo, ela ressalta que:

“Se a subjetividade não é um processo inato e natural, mas constituída

nos espaços sociais de relação dos indivíduos, existe a possibilidade

de delinear esses espaços sociais para contribuir para a constituição de

recursos subjetivos necessários para uma ação comprometida

socialmente” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003, p. 149).

A autora demonstra que, sendo a subjetividade humana constituída socialmente por

meio das relações entre os indivíduos, é possível mover ações para que dentro dos próprios

espaços que se destinam a formação de psicólogos se desenvolvam características que visam a

contribuir para formar os recursos subjetivos necessários para uma prática científico-

profissional socialmente comprometida.

Preocupada em esclarecer este pensamento, a autora explica que de acordo com a

complexidade do desenvolvimento da subjetividade não é possível estabelecer relações de

causa e efeito, pois é conhecida através de estudos científicos a singularidade deste processo e

a diversidade de mecanismos que nele atuam. Trata-se então, conhecendo os limites que

envolvem qualquer estratégia educacional, de estruturar ações que contribuam dentro desses

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limites para gerar contextos favorecedores dos recursos desejados (MITJÁNS MARTÍNEZ,

2003).

Para esta autora, o conhecimento psicológico não tem sido utilizado em prol da

formação do próprio profissional psicólogo. O que a leva assim, a considerar que “a educação

formalizada, e dentro dela a educação superior, é ainda, infelizmente, essencialmente

conteudista, centrada na transmissão de conhecimentos e apenas em algum grau no

desenvolvimento de habilidades profissionais operacionais” (Idem, p. 153). E, mesmo com a

preocupação expressa por vários autores brasileiros em relação à formação do psicólogo no

país, não se observam saltos significativos nessa direção. E argumenta que:

Sem dúvida se tem avançado na clarificação do que o psicólogo tem

que “saber” e especialmente do que o psicólogo tem que “saber fazer”,

porém muito nos falta em relação a clarificar o que tem que “ser”,

aspecto que cobra especial importância se temos em conta que o saber

e o saber fazer são expressões de um sujeito que “é” (Idem p. 155).

Desta forma, a autora argumenta que já existem na produção científica da psicologia

suficientes subsídios para desenhar estratégias educativas, nas quais recursos pessoais

importantes para o exercício compromissado da profissão são suscetíveis de desenvolvimento

(MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003).

E ressalta também sobre a importância da significação do compromisso social para os

professores que são formadores de psicólogos. Segundo ela, para mover ações intencionais

para a formação de psicólogos comprometidos socialmente, se fazem necessária abertura,

flexibilidade, audácia, uma cultura psicológica ampla e concepções educativas avançadas aos

formadores de psicólogos. E principalmente, “um compromisso profissional e social como

sujeitos que lhes permita utilizar suas capacidades, criatividade e energia para contribuir com

a mudança da situação atual da formação” (Idem, p. 157). E sobre isso revela:

“No entanto, muitos professores universitários não possuem essas

características e não são capazes de contribuir efetivamente para as

transformações necessárias. Mesmo que concordem com o discurso,

às vezes vazio e formal do “compromisso social”, não tentam discutir

a fundo seu significado e muito menos despender tempo e esforço

para tentar concretizá-lo, efetivamente, na formação de seus alunos”

(MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003, p. 157).

Page 16: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

16

Assim, percebe-se que uma discussão sobre a questão do compromisso social da

psicologia e/ou do psicólogo no Brasil, implica inicialmente, em revelar os caminhos

percorridos pela formação em psicologia por meio de uma análise crítica que permita

compreender todas as dimensões que estão contidas nesta temática. Pois, para entender como

se dá a profissão e o desenvolvimento da proposta de atuar com compromisso social é

imprescindível antes saber como se estrutura a formação desta categoria.

3.2. O Social e a Questão Social

Durante todo o desenvolvimento do projeto e efetivação desta pesquisa a discussão de

alguns conceitos como o “social” e a “questão social” se fizeram essenciais, devido à

constância em que tais temas surgiram dentro deste contexto e principalmente devido as

formas naturalizadas em que eles se apresentam, evidenciando assim, a necessidade de um

questionamento sobre o que são e como se manifestam dentro dessa conjuntura. Portanto, a

proposta deste capítulo é introduzir uma discussão acerca desta temática, ressaltando que ela é

muito mais abrangente e complexa.

Deste modo, ao propor uma genealogia do social, Silva (2005) justifica que certas

questões sempre fizeram presente na sua trajetória de professora de psicologia social, como o

fato de que a noção de social sempre se deu como se fosse algo intrínseco à condição humana,

usado como sinônimo de sociabilidade, como algo natural e por isso dispensável de

interrogação. Em conseqüência, a proposta de discutir a definição do termo social sempre foi

dificultosa e a de entender qual a função da psicologia social mais ainda.

Para ela, é preciso conceber o social como um campo problemático que possui uma

historicidade e configurações adversas nas mesmas condições humanas e, além disso, é

necessário saber problematizá-lo a partir de uma pesquisa genealógica para compreender que

o social jamais será um objeto real e concreto. Segundo esta autora, em uma perspectiva

genealógica tal como foi desenvolvida por Michel Foucault, o social deixa de ser evidência e

passa a ser tomado como objeto construído e a primeira conseqüência disso é nos depararmos

com a sua multiplicidade. E assim esclarece:

Precisamos admitir que não vamos encontrar apenas uma

configuração do social, mas várias: cada formação histórica cria um

campo de possibilidades de onde emerge uma certa problemática que

engendra, ao mesmo tempo, uma configuração específica do social

(SILVA, 2005, p. 17).

Page 17: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

17

Isto esclarecido, a autora coloca que o importante é “poder compreender quando o

social passa a ser formulado um problema que requer um tipo de intervenção específica”

(Idem). Isto significa que a partir do momento em que certas relações começam a ser vistas

como “disfunções” dentro de determinadas sociedades é que se pode falar em

“problematização do social”. E ao falar em problematização do social, inicia-se o processo de

criação de um corpo profissional específico para se ocupar dessas “disfunções”.

Silva (2005) explana, de acordo com o exposto, que a primeira configuração do social

se caracteriza em torno de um campo assistencial, no qual a sociedade começa a criar espaços

institucionais que se ocupam por assistir populações carentes que não tem mais suas

necessidades supridas dentro do tecido de relações informais da própria sociedade. Como é o

caso dos asilos, dos hospícios e dos orfanatos, por exemplo.

Para esta autora, esta primeira configuração do social é o que Castel (1995) chamou

de modelo “social-assistencial”, e que se caracteriza pelo desenvolvimento de um conjunto de

práticas que possuem função protetora e integradora, com o objetivo de atender certos

segmentos da população carente, mas que para isso delimita alguns critérios para definição

daqueles que serão atendidos, como pertencer à comunidade e a incapacidade para trabalhar.

Nessa primeira configuração do social já se revela uma relação explícita com a

questão do trabalho, “uma vez que a operacionalização de certos dispositivos assistenciais

estará relacionada preferencialmente aos que são julgados incapazes de trabalhar” (SILVA,

2005, p. 20). E que por esta razão “até metade do século XIX, a problematização do social se

encontrará ligada às formas de intervenção que caracterizam o campo assistencial” (Idem).

No entanto, ao descrever sobre a segunda configuração do social, a autora afirma que é

a nova organização da sociedade industrial que vai colocar em evidência uma dimensão

diretamente implicada na questão do trabalho, que não mais se limita apenas a uma

demarcação das populações concernidas pelo campo assistencial em função de sua

incapacidade ou não de trabalhar. E que, “portanto, um dos elementos que precipitará a

formulação do que daí por diante será chamado de “questão social” é, seguramente, uma

reorganização do mundo do trabalho” (SILVA, 20005, p 23). Nessa segunda configuração do

social é possível perceber então, um novo tipo de relação entre a questão do trabalho e da

pobreza.

Tendo em vista essas características das configurações do social, a autora reforça:

[...] o que marca a diferença entre a primeira e a segunda configuração

é precisamente o novo estatuto do social nesta última. O social não se

Page 18: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

18

caracterizará apenas por um conjunto de práticas que buscam regular

os disfuncionamentos da sociedade. Essa característica que já marcava

a primeira configuração do social, permanecerá na segunda, embora

seja atualizada diferentemente em função dos problemas que atingem,

desta vez, a dinâmica da sociedade industrial. O importante é que

agora, nesta segunda configuração, o social se torna, além de tudo, um

objeto de conhecimento. Aí reside a principal diferença com relação à

primeira configuração: a objetivação do social enquanto um novo

domínio de saber (SILVA, 2005, p. 26).

Deste modo, dentro desse processo de objetivação do social, o fenômeno das

multidões desempenhou um papel decisivo, segundo a autora, principalmente porque suas

reivindicações tornavam evidentes as contradições inerentes à dinâmica do projeto liberal. E

ressalta ainda, que a psicologia moderna efetuou suas primeiras aproximações na direção do

social através do fenômeno das multidões.

Sobre isso Silva (2005) dedica um capítulo de seu estudo, para segundo ela, tentar

entender a gênese da noção social no campo psi, e faz isso por meio da análise de três

aproximações diferentes do campo da psicologia em relação ao social, as quais aqui serão

apenas mencionadas.

A primeira tem como objeto o problema originado pelas massas no final do século

XIX, e as idéias apresentadas por Le Bon sobre o caráter irracional das multidões, idéias estas

que constituem um dos principais ingredientes desta primeira aproximação e contribuem para

certa patologização do social. A segunda está relacionada com as transformações sofridas pela

família quando esta perde sua antiga função social enquanto meio de reprodução econômica

no século XIX, e as obras de Freud que atribui uma nova função à família no plano de uma

economia subjetiva. A terceira, diz respeito ao modo pelo qual a psicologia americana

aproxima-se do social através do estudo dos efeitos da interação grupal no aumento da

produtividade (SILVA, 2005, p.53).

E assim considera que:

[...] a característica comum destas primeiras aproximações efetuadas

na virada do século XX é o fato de elas se organizarem em torno de

um mesmo principio analógico que reforça o método das divisões

binárias sobre o qual são construídas suas respectivas argumentações

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19

que pretendem explicar o social a partir do indivíduo e que, assim, não

cessam de produzir um expressivo reducionismo do potencial criativo

e disruptivo imanente ao campo social (idem, p. 54)

Toda essa análise permitiu a autora traçar a terceira configuração do social que,

segundo ela, nos é contemporânea e apresenta-se como um esboço por ser aberta e inacabada

e por não significar que as outras duas configurações tenham sido superadas ou que tenham

deixado de existir.

Esta terceira configuração do social é caracterizada por uma revolução tecnológica e

cibernética que produz um novo arranjo do tecido social a partir do advento de novas

tecnologias, o que aliado a uma concentração de poder do capital dá condições para criação de

uma nova ordem mundial, conhecida pela expressão “globalização”. E logo, é possível dizer

que a principal característica dessa configuração do social “é estabelecer novas coordenadas

nas relações de tempo-espaço, criando uma superfície lisa para a expansão “ilimitada” do

capital que vai sem dúvida afetar os modos de existência em escala planetária” (Idem, p. 111).

Assim, toda explicação sobre o funcionamento das sociedades nesta configuração

passa pela expressão “globalização”, as transformações no mundo do trabalho são um dos

principais efeitos desse processo de globalização, que na verdade mascara todo um processo

de aumento da violência e da miséria inerente à nova ordem do capitalismo mundial. Nesta

configuração, a estratégia do capitalismo opera menos por exclusão e mais em termos de uma

estratégia de inclusão diferencial e os tipos psicossociais encontrados são o consumidor e o

especulador (SILVA, 2005).

Com uma discussão intensa, a qual aqui foi mencionada resumidamente, a autora

encerra considerando que:

“[...] a função da psicologia social na atualidade é a de realizar uma

ontologia do presente e colocar em questão quem somos e qual é este

mundo, este período em que vivemos. É do encontro com estas

questões e da violência que elas provocam em nosso pensamento que

se pode produzir a criação de novos territórios existenciais que

possibilitem re-singularizar a subjetividade contemporânea em cima

de novos valores” (Idem, p. 126).

Em conseguinte, considera-se importante aclarar brevemente sobre a discussão que fez

Castel (1997), especificamente sobre a questão social e as transformações desta. Dessa forma,

Page 20: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

20

este autor descreve que “a questão social é como uma aporia fundamental, uma dificuldade

central, a partir da qual uma sociedade se interroga sobre sua coesão e tenta conjurar o risco

de sua fratura” (CASTEL, 1996, p.164) e que tal situação tem seu início bem ilustrado com a

industrialização ocorrida no início do século XIX, quando a ameaça da fratura foi

representada pelos proletários das primeiras concentrações industriais. E deste modo, é

possível perceber a importância do desenvolvimento das relações do trabalho dentro desta

temática para este autor, assim como também concebeu Silva (2005).

Castel (1996, p.165) pontua que “a nova questão social hoje parece ser o

questionamento desta função integradora do trabalho na sociedade” e que, muito disso se deve

ao novo desafio que se deparam as sociedades atualmente, desafio este chamado de

globalização, o qual traz mudanças estruturais em toda ordem social.

O autor ainda ressalta que, a despeito de suas explanações dizerem respeito à realidade

européia e mais especificamente a francesa, não há como negar que a situação seja mais grave

aqui no Brasil e em toda a América Latina, mas que isso, acredita ele, seja mais por uma

diferença de grau do que de natureza. E que assim, não é possível propor receitas para o que

pode ser feito frente a essa situação, é possível apenas contar com o debate entre os

interessados nesta problemática.

Dentro deste debate, considera que alguns pontos devem ser abordados, como o

processo de transformação do trabalho em emprego, a forma como a configuração da

sociedade salarial vem sendo condicionada por processos como a internacionalização do

mercado e a mundialização e, diante dessa nova configuração da questão social, que futuro

pretendemos ter? (CASTEL, 1996)

Em outro trabalho apresentado por Pastorini (2004) encontra-se um estudo acerca das

formas como a categoria “questão social” vem sendo empregada. Tal autora faz uma crítica

aos autores que vem tratando desta temática, dentre eles Robert Castel, como a “nova questão

social”. Pois, considera que desta maneira perde-se a processualidade dos fatos como se a

“antiga questão social” tivesse sido superada e/ou resolvida.

Segundo Pastorini (2004), esta problemática pensada à luz das transformações

políticas, econômicas e sociais que vem ocorrendo nos últimos trinta anos nas sociedades

capitalistas, faz com que a questão social venha se manifestando de novas formas, mas

mantêm os traços essenciais de sua origem. E por isso não deve ser encarada como uma “nova

questão social” com o risco de cair no dualismo antigo-novo, passado-presente etc.

Desta forma, ela ressalta que as “manifestações da questão social devem ser

explicadas com base no confronto de interesses contraditórios que trazem como conseqüência

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21

as desigualdades nas sociedades capitalistas” (PASTORINI, 2004, p. 38) e para isso considera

essencial fazer referência às mudanças ocorridas no mundo da produção e, mais precisamente,

no mundo do trabalho, ou seja, seria “impossível explicar e analisar as manifestações da

questão social hoje sem fazer referência ao contexto mais abrangente da reestruturação

produtiva” (Idem, p.37).

E aponta que:

Trata-se de desvendar no mais novo aquilo que permanece, já que só

pode ser novo em relação a algo (àquilo que não é novo), portanto, o

mais novo deve ser explicado em relação àquilo que lhe antecede.

Nesse sentido, a realidade contemporânea nos dará luz para

compreender o passado, e vice-versa; as novas determinações devem

ser pensadas a partir dos desdobramentos das antigas, pois só dessa

forma poderemos acompanhar o movimento histórico e dialético do

real (PASTORINI, 2004, p. 48-49).

Dessa forma, afirma que ao pensarmos nas manifestações da questão social hoje, como

por exemplo, o desemprego crescente, e o aumento da miséria e das desigualdades sociais;

devemos obrigatoriamente pensar no desenvolvimento do capitalismo tardio e dependente da

América Latina. Isto significa que devemos questionar tanto o processo do sistema capitalista

quanto o Estado por ele constituído, visto que o não questionamento leva a perda da

processualidade dos fatos e a conseqüente naturalização dos fenômenos da realidade.

Ao concluir seu pensamento Pastorini (2004, p. 112) também observa que a “questão

social capitalista continua sendo um conjunto de problemas que dizem respeito à forma como

os homens se organizam para produzir e reproduzir num contexto histórico determinado, que

tem suas expressões na esfera da reprodução social”, e de acordo com isso salienta que as

manifestações da questão social nas sociedades capitalistas por si só não se dão da mesma

forma, visto que dependem de particularidades específicas de cada formação social como, por

exemplo, a forma de inserção de cada país na ordem capitalista.

Deste modo, a novidade da questão social atualmente seria a forma que ela assume a

partir das transformações capitalistas em cada sociedade e momento histórico.

A partir dessa breve discussão acerca do “social” e da “questão social” e mais

precisamente sobre as configurações destas temáticas engendradas nas sociedades, é possível

refletir com mais teor a respeito do tema deste trabalho. Visto que, essa discussão, oferece um

Page 22: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

22

princípio de fundamentação para quem deseja compreender e/ou debater a proposta do

compromisso social da psicologia

3.3. O Compromisso Social

Por meio da trajetória da Psicologia enquanto ciência e profissão no Brasil é possível

perceber o surgimento desse projeto denominado atualmente como o compromisso social da

Psicologia e/ou do psicólogo. Visto que tal proposta emergiu como algo óbvio e inevitável

diante da realidade social e política e do contexto histórico no qual se consolidou essa

profissão neste país.

Inúmeros são os trabalhos que descrevem acerca do tema e é possível identificar em

todas as leituras um único consenso que compartilham os autores, qual seja o da

obrigatoriedade em haver um compromisso social na intenção de quem atua como psicólogo.

Pois, tal postura implica em conhecer a realidade sócio-histórica na qual os fenômenos

psicológicos estão se desenvolvendo e compreender que o homem é um ser que constrói e é

construído pela sociedade, sendo assim, indissociáveis um do outro.

Para Bock (1999b, p.321), “discutir o compromisso social da Psicologia significa,

sermos capazes de avaliar a sua inserção, como ciência e profissão, na sociedade e

apontarmos em que direção a Psicologia tem caminhado”. Neste sentido, a referida autora se

propõe a responder duas questões para contribuir para este debate: 1ª) Por que hoje se coloca

esta exigência para a Psicologia, de atuar com compromisso social? e 2ª) Quais os critérios

para se afirmar que a intervenção “demonstra compromisso social”?

Ao responder a primeira questão, a autora expõe dados sobre a realidade brasileira e as

péssimas condições de vida em nosso país e acaba por afirmar que:

[...] hoje, se coloca essa exigência porque as condições de vida do

nosso povo estão se deteriorando; há muita pobreza, muita carência e

estas situações têm gerado sofrimento psíquico e nós psicólogos, já

não podemos mais estar de costas para esta realidade. Ela entra pela

nossa casa; ela se estampa nos jornais e na televisão; ela nos atinge em

nosso trabalho. A realidade já é tão evidente que nos perturba e nos

coloca questões. (BOCK, 1999b, p. 323).

Page 23: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

23

Sobre isso ela ainda pontua que outra questão pode surgir com o argumento de que a

realidade brasileira sempre foi vivida com dificuldades e por que agora se coloca esta

exigência? A resposta para tal questão é fundamental, qual seja, “porque a Psicologia vem se

transformando e vem se aproximando de visões concretas e históricas, abandonando as visões

naturalizantes que ainda caracterizam nossa ciência e nossas técnicas.” (Idem).

Isto nos remete a lembrar novamente, o histórico deste campo de saber no país que a

princípio se detinha apenas em reproduzir os conceitos e modos de atuação cristalizados

advindos de outros países e que infelizmente ainda caracterizam a profissão no Brasil,

embora, o que seja mais importante aqui é que este quadro atualmente vem se modificando,

pois, a “Psicologia está, então, se abrindo para estas questões e isto coloca o compromisso

social como uma possibilidade, como uma exigência, como um critério de qualidade da

intervenção” (Idem, p.325)

A autora responde a segunda questão, ressaltando que não pretende esgotar os critérios

possíveis para a intervenção com compromisso social, mas apenas apontar os que lhe parecem

importantes. Em primeiro lugar, “o trabalho do psicólogo deve apontar para a transformação

social, para a mudança das condições de vida da população brasileira”. Outro critério é

“verificar se a prática escapa do modelo médico de fazer Psicologia. Isto é, se a prática

desenvolvida não pensa a realidade e o sujeito a partir da perspectiva da doença”. E

finalmente, o terceiro critério seria “o tipo de prática que se utiliza”.

Ao analisar o pensamento de Bock (1999b), verifica-se que sua preocupação com a

atuação com compromisso social visa primeiramente à finalidade do trabalho, ressalta que ao

falar de compromisso fala-se, portanto de uma perspectiva ética, e assim, o que vale é a

intenção; a finalidade do trabalho. Segundo a autora, o psicólogo não pode mais ter uma visão

individualizante do sujeito, como se ele existisse só e por si só; o psicólogo deve entender o

Homem concebido dentro de uma sociedade e assim fazer com que qualquer intervenção seja

vista como social, para que, a partir disso, consigamos entender que o sofrimento psíquico

tem a ver com as condições de vida do sujeito e que a prática psicológica remete, ou pelo

menos deveria remeter diretamente a uma transformação da sociedade.

Para melhor explicitar esta postura vale alvitrar o livro: “Aventuras do Barão de

Münchhausen na psicologia”, escrito por Bock (1999a), como fruto de seu trabalho de

doutorado. Neste livro é proposta uma crítica à concepção positivista de um homem

autônomo, utilizando a figura do Barão de Münchhausen, visto que este homem dizia ter sido

capaz de puxar a si próprio pelos seus cabelos e sair do pântano onde estava afundando. “Um

homem que é dotado de capacidades e possibilidades que lhe são inerentes, naturais. Um

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homem dotado de uma natureza humana que lhe garante, se desenvolvida adequadamente,

ricas e variadas possibilidades” (BOCK, 1999a, p.182). Este homem considera a sociedade

apenas como o lugar onde ele se desenvolve, todas as suas potencialidades são naturais e

garantidas pela sua própria condição de homem. É esta concepção que deve ser banida da

Psicologia. Para tanto, destaca:

Temos feito ideologia. Temos contribuído para o desenvolvimento do

sujeito alienado. Compreender-se é compreender o mundo que está a

nossa volta, pois é ele que nos dá sentido.

É preciso discutir o indivíduo. É preciso colocar em questão a ênfase

na individualidade. É preciso terminar com as aventuras do Barão de

Münchhausen na Psicologia (BOCK, 1999a, p.194-195).

Em seguida, de acordo com o segundo critério para analisar a prática psicológica com

compromisso social, a autora sugere que o psicólogo deixe de ver o sujeito a partir da

perspectiva da doença e ter sua prática facilmente limitada. Ao psicólogo, entretanto, cabe

trabalhar em busca da saúde de maneira mais ampla e abrangente, possibilitando ao próprio

sujeito criar alternativas para modificar sua realidade.

No terceiro critério indicado, Bock pontua sobre os tipos de técnicas que os psicólogos

têm utilizado, as quais por muito tempo contemplaram apenas a uma determinada camada da

população, e que por isso são muito distantes da realidade social brasileira e não conseguem

atingir a todos os interessados. Para a autora é preciso inovar, pois, “nossa formação tecnicista

tem nos ensinado coisas prontas para aplicar. Precisamos nos tornar capazes de criar

Psicologia, adaptando nossos saberes à demanda e à realidade que nos apresenta” (BOCK,

1999b, p.327).

Ao concluir sobre a questão do compromisso social da psicologia ela ressalta que:

Assumir um compromisso social em nossa profissão é estar voltado

para uma intervenção crítica e transformadora de nossas condições de

vida. É estar comprometido com a crítica desta realidade a partir da

perspectiva de nossa ciência e de nossa profissão. É romper com

500anos de desigualdade social que caracteriza a história brasileira,

rompendo com um saber que oculta esta desigualdade atrás de

conceitos e teorias naturalizadoras da realidade social. Assumir

compromisso social em nossa prática é acreditar que só se fala do ser

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25

humano quando se fala das condições de vida que o determinam

(Idem).

E ressalva ainda, que tudo isso remete a necessidade de transformação da identidade

profissional do psicólogo lembrando que identidade é sempre metamorfose e que por isso não

devemos transformá-la e nos aquietarmos, mas sim reconstruí-la, sempre acompanhando as

mudanças da realidade social de nosso país. E por fim, conclui: “Queremos estar em busca

permanente, em movimento sempre. Queremos que o movimento seja a nossa identidade e

que a inquietação seja nosso lema” (BOCK, 1999b, p.328).

Em consonância com todo o pensamento exposto encontramos na leitura de

Dimenstein (2001), escritos sobre o compromisso social, agora mais especificamente no

contexto da saúde coletiva. Neste trabalho esta autora apresenta uma discussão acerca do tema

apoiada em dados de uma pesquisa realizada em Natal/RN e Teresina/PI acerca da questão do

comprometimento social dos psicólogos que trabalham na rede básica de saúde destas duas

cidades nordestinas.

A princípio, a autora descreve sobre o Sistema de Saúde Pública brasileiro e em

seguida pontua o que considera ser compromisso. Para isso escreve que “[...] compromisso

implica necessariamente em uma tomada de posição; envolve decisão por parte de um

Sujeito/Ator Social e ocorre no plano das ações, da realidade concreta” (DIMENSTEIN,

2001, p.58-59). E com as palavras de Paulo Freire destaca: “A primeira condição para que um

ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir” (FREIRE, 1998,

p.16 apud DIMENSTEIN, 2001, p.59). Deste modo, somente um sujeito que conhece a

realidade sócio-histórica, política e cultural na qual está inserido é capaz de mover ações que

visam a transformar tal realidade.

Os resultados da investigação realizada mostram que para os psicólogos entrevistados,

estar comprometido com o trabalho restringe-se ao cumprimento de tarefas que consolidam o

antigo modelo de identidade desta profissão e que, esses dados, portanto, demonstram que o

psicólogo deve incorporar uma nova concepção de prática profissional. A autora ainda

salienta que “[...] a formação acadêmica não tem fornecido elementos para a construção de

um profissional-cidadão com possibilidade de intervenção adequada aos espaços territoriais

locais [...]” (DIMENSTEIN, 2001. p.62). Ela finaliza afirmando que:

No panorama atual da saúde coletiva, o compromisso profissional não

é uma questão burocrática, mas, especialmente, o desenvolvimento de

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ações/reflexões cuja intencionalidade prática e política é produzir

cidadania ativa, sociabilidade e novas subjetividades (Idem).

Com este estudo verifica-se, mais uma vez, a crucial importância da questão do

compromisso social da Psicologia, desta vez sendo destacada dentro do contexto da Saúde

Pública no Brasil, a partir do modo de atuação e concepção dos próprios psicólogos que nessa

esfera atuam. Os resultados mostraram que ainda é necessário um constante movimento de

transformação que atinja a categoria em todas as suas dimensões e que por mais que essa

discussão pareça obsoleta, a realidade denuncia sua necessidade permanente.

Antes de finalizar esta discussão, é necessário apresentar as idéias de Yamamoto

(2007), não apenas por serem tão recente, mas pela sua devida relevância dentro desse

contexto. Este autor discutiu as possibilidades e os limites do trabalho do psicólogo no campo

de bem-estar social/público incluindo o chamado “terceiro setor” para contextualizar a

discussão dos limites do compromisso social do psicólogo. Tal relevância se faz notar porque

o autor ao passo que admite a existência deste assunto dentro do campo da Psicologia no

Brasil por tanto tempo, entende que a questão dos limites não vem sendo muito explorada,

apesar de que sempre esteve presente.

Yamamoto (2007) pontua que essa discussão sobre o compromisso social do psicólogo

há muito vem acompanhando a trajetória da Psicologia, mesmo que com acepções diversas.

Ele afirma que se compararmos os dados referentes à atuação do psicólogo no setor público

nas primeiras décadas da regulamentação da profissão com os dados atuais, verificaremos que

houve um considerável aumento do número destes profissionais atuando sobretudo, no setor

público da saúde.

Para explicar melhor, o autor expõe sobre as Políticas Sociais no Brasil, pois as

concebe como indispensáveis à “questão social”, visto que, as primeiras acabam por serem

assim chamadas, no plural, porque necessitam se fragmentar em dimensões específicas para

abarcar toda a totalidade da segunda, ou seja, da questão social. Segundo o autor, “É na forma

de políticas setorizadas que as prioridades no campo social são definidas. E política, é sempre

conveniente lembrar, é conflito [...]” (p.32). Por isso e, a partir disso, entendem-se os conflitos

existentes entre as diferentes classes econômicas que surgem de acordo com os diferentes

interesses na distribuição de valores feita pelas Políticas Sociais Públicas. Tais conflitos

acabam por fazer com que os serviços oferecidos pelas Políticas Sociais do Estado, na maioria

das vezes, deixem a desejar para a população (YAMAMOTO. 2007).

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27

Ao trazer essa realidade para o contexto da discussão sobre o compromisso social da

Psicologia Yamamoto (2007, p.32) escreve:

Intervir como profissão (entendida como uma prática

institucionalizada, socialmente legitimada e legalmente sancionada),

no terreno do bem-estar social, portanto, remete a Psicologia para a

ação, exatamente, nessas seqüelas da questão social transformadas em

políticas estatais e tratadas de forma fragmentária e parcializada, com

prioridades definidas ao sabor das conjunturas históricas particulares.

Isto conferirá tanto a relevância quanto os limites possíveis da

intervenção do psicólogo.

Em conseguinte, o autor traz o surgimento do referido terceiro setor como algo lógico

nesta conjuntura, porque “a responsabilidade pelas seqüelas da “questão social” [...] deixa de

ser do Estado – ou, pelo menos, exclusividade do Estado – sendo “dividida” com dois outros

“setores”, o mercado e a sociedade civil” (YAMAMOTO, 2007, p. 33). A sociedade civil,

neste contexto, desempenha importante papel com o serviço filantrópico, voluntário, não

governamental e sem fins lucrativos. O que pode ser traduzido como um recorte da sociedade

civil em esferas, “o estado constituindo-se como “primeiro setor”, o mercado no “segundo

setor” e a sociedade civil no “terceiro setor” (Idem).

A questão que este autor quer deixar clara é a transferência da responsabilidade por

parte do Estado em relação à questão social, a qual se transfere para o “terceiro setor”, que

também traz a despolitização dos conflitos sociais e acaba por acarretar grande importância a

esse novo setor. O que por sua vez, pode ser identificado, dentro da conjuntura da Psicologia

enquanto profissão, como uma ampla possibilidade de trabalho para esta categoria, deixando

de permanecer exclusivamente na esfera particular e partindo para outros setores que agora

não tem a esfera pública como única escolha, para este autor, a atuação do psicólogo

atualmente tem grande abertura no contexto do chamado “terceiro setor”.

Contudo, Yamamoto (2007) escreve que mesmo que os campos de atuação do

psicólogo brasileiro já tenham se modificado, mesmo que com uma mudança tendencial, a

abrangência da questão do compromisso social não se restringe a ação profissional do

psicólogo. É necessário desenvolver uma discussão acerca da “natureza (como esse

compromisso é exercido) e direção (para quê) desse compromisso”. (p.34) Ao expor sobre a

natureza o autor salienta que mesmo tendo seus campos de atuação ampliados para o setor do

bem-estar social, os psicólogos, como já ressaltaram outros autores, ainda mantém os

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28

convencionais modelos de atuação clínica aprendidos pelas referências teóricas clássicas da

Psicologia. Quanto à direção do trabalho do psicólogo, o autor remete ao pensamento de Bock

(1999b) lembrando que a atuação deve apontar para a transformação da realidade social. E

comenta que:

Na realidade, os dois aspectos adicionais à abrangência que

destacamos articulam-se muito estreitamente – não estaríamos, aqui,

defendendo a neutralidade da técnica. As questões postas pela tese da

transformação social são as possibilidades e os limites da ação

profissional (YAMAMOTO, 2007, p.35).

De tal modo, o autor destaca que há uma necessidade de discutir o conceito de

profissão, lembrando sempre que o fazer do psicólogo enquanto trabalho é uma das

especializações inscritas na divisão social e técnica do trabalho, e por isso ao se fazer uma

crítica aos modelos de atuação do psicólogo é preciso evitar exigências que vão além de suas

possibilidades. Pois, como já foi mencionada neste texto, a intervenção que age na esfera da

questão social sempre será uma intervenção parcializada e tem assim, seus limites.

Desta forma, Yamamoto conclui que seja qual for o envolver da Psicologia e de toda a

prática profissional, estes devem ser postos em contexto e que:

[...] o desafio posto para a categoria é ampliar os limites da dimensão

política de sua ação profissional, tanto pelo alinhamento com os

setores progressistas da sociedade civil, fundamental na correlação de

forças da qual resultam eventuais avanços no campo das políticas

sociais, quanto pelo desenvolvimento, no campo acadêmico, de outras

possibilidades teórico-técnicas, inspiradas em outras vertentes teórico-

metológicas que as hegemônicas da Psicologia (YAMAMOTO, 2007,

p. 36).

A partir da exposição do pensamento destes autores é possível concluir que falar do

compromisso social da Psicologia e/ou do psicólogo brasileiro é antes de qualquer coisa falar

do desenvolvimento desta categoria profissional no Brasil e de suas relações com o processo

de ensino-aprendizagem acadêmico, considerando todas as suas dimensões, sejam elas

políticas, teóricas, pedagógicas etc. E considerar que vivemos em uma sociedade contraditória

e que, por isso mesmo, tais contradições também devem estar presentes nessa discussão,

remetendo-nos sempre a refletir sobre as condições sociais e históricas que nos cercam.

Page 29: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

29

4. PROCEDIMENTO

Para atender aos objetivos desta pesquisa considerou-se adequado um estudo descritivo

no modelo de levantamento, pois, segundo Gil (1995), este tipo de pesquisa se caracteriza

pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. Basicamente,

procede-se à solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca do

problema estudado para em seguida, mediante análise qualitativa e/ou quantitativa, obter as

conclusões correspondentes aos dados coletados.

No caso do presente trabalho a análise foi qualitativa e o projeto desta pesquisa foi

aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Taubaté sob o protocolo CEP/UNITAU

nº: 325/08.

Inicialmente, a proposta deste estudo era de que a pesquisa se realizasse dentro das três

Universidades do Vale do Paraíba que oferecem o curso formação em psicologia, devido ao

fato desta ser a região de realização do trabalho. No entanto, infelizmente, uma das

Universidades empôs exigências as quais inviabilizaram a realização da pesquisa dentro da

mesma. Assim, este trabalho se desenvolveu dentro de duas Universidades do Vale do

Paraíba.

Em um primeiro momento, a aluna pesquisadora entrou em contato com os responsáveis

pelo curso de cada Universidade para a apresentação da pesquisa (ver anexo A), e após a

autorização destes, iniciava-se o procedimento de encontrar alunos que de dispusessem a

serem sujeitos desta pesquisa mediante autorização por escrito (ver anexo B).

Desta forma, foram participantes dessa pesquisa oito alunos que estavam cursando o

último ano do curso de Psicologia, ou seja, quatro alunos de cada Universidade. Sendo que,

seis eram do sexo feminino e dois eram do sexo masculino, isso porque, como a maioria dos

estudantes de psicologia no Brasil é do sexo feminino, não foi possível encontrar e/ou obter

consentimento de número de alunos do sexo masculino equivalente ao número de alunos do

sexo feminino. Tais alunos tinham idades entre vinte e dois e trinta e dois anos.

Esta amostra foi selecionada por acessibilidade, pois segundo Gil (1995), este constitui

o menos rigoroso de todos os tipos de amostragem. Por isso mesmo é destituída de qualquer

rigor estatístico. O pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes

possam de alguma forma, representar o universo.

Como instrumento de coleta de dados foi utilizado entrevista semi-estruturada (ver

apêndice A) constituída por quatro questões que visavam obter respostas que fossem de

Page 30: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

30

encontro com os objetivos propostos neste trabalho. As entrevistas foram gravadas e após

serem transcritas as fitas foram destruídas (ver apêndice B).

Para analisar os depoimentos dos entrevistados trabalhou-se a análise de conteúdo

realizada a partir do referencial teórico apresentado neste trabalho.

Segundo Ferreira (2008), a análise de conteúdo é usada quando se quer ir além dos

significados, da leitura simples do real. Para esta autora, tudo que é dito, visto ou escrito pode

ser submetido à análise de conteúdo

Criada inicialmente como uma técnica de pesquisa com vistas a uma descrição

objetiva, sistemática e quantitativa de comunicações em jornais, revistas, filmes, emissoras de

rádio e televisão, hoje é cada vez mais empregada para análise de material qualitativo obtido

através de entrevistas de pesquisa (Machado, 1991, p. 53).

A análise realizada enfatizou as entrevistas a fim de identificar e compreender o que

está por trás de cada conteúdo manifesto. “(...) o que está escrito, falado, mapeado,

figurativamente desenhado e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida

para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explícito e/ou latente)” (MINAYO, 2003,

p. 74).

Deste modo, após a transcrição das entrevistas iniciou-se o processo de organização do

material através de constantes leituras do mesmo. A partir disso, considerou-se mais adequado

separar a análise de acordo com as respostas obtidas para cada questão. E em seguida, os

temas ou assuntos que emergiram em cada questão foram sendo separados em forma de

categorias.

Estas categorias foram colocadas em tabelas para que assim, pudessem ser

acompanhadas de frases retiradas das próprias entrevistas, a fim de uma melhor compreensão

sobre a categoria apresentada.

Feito isso, cada categoria foi discutida a luz do referencial teórico apresentado neste

trabalho e a partir das constatações obtidas pela própria aluna pesquisadora não apenas

durante toda a realização desta pesquisa, mas também durante todo o curso de formação em

psicologia. Visto que esta pesquisadora é também parte do universo aqui representado pelos

alunos entrevistados.

Page 31: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

31

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para discutir os relatos coletados por meio das entrevistas, considerou-se adequado

separar a análise de acordo com cada questão e em seguida apresentar as categorias que

emergiram em cada uma delas.

Dessa forma, ao analisar a primeira questão: “O que você entende da relação da

psicologia com o compromisso social?”, é possível identificar as seguintes categorias de

análise destacadas nos trechos das falas dos entrevistados:

1ª categoria: Inserção da psicologia no social Entrevista

“as pessoas não têm a noção da importância dela no social hoje” Nº 1

“eu acho que a psicologia tem que tá voltada mais pro social” Nº 2

“eu acho que a psicologia ela tem que olhar mesmo pro social” Nº 3

“eu acho que a psicologia (...) tem muito a contribuir pro meio social” Nº 5

A primeira categoria, diz respeito à inserção da psicologia no social, isto é, as

respostas que foram inseridas nesta categoria demonstraram que a relação que estabelece da

psicologia com o compromisso social se baseia no quanto, estes entrevistados percebem a

psicologia, enquanto profissão, atuando e promovendo ações efetivamente neste campo social.

A partir das falas dos entrevistados fica evidente que, para eles, esta união entre

psicologia e meio social ainda não é real e/ou suficiente, ou seja, concebem esta relação como

essencial, mas ainda não vêem isso como algo concreto.

Uma provável explicação para essa evidência pode ser percebida em outra fala

bastante presente nestas entrevistas, que diz respeito à necessidade de a psicologia deixar de

ser uma profissão que trabalha, por tradição, para a elite e começar a dirigir seu trabalho para

as outras camadas da população que são mais carentes, possuem menor poder aquisitivo,

muitas vezes estão em situação de risco ou em estado de vulnerabilidade social e que também

necessitam do trabalho oferecido pelos psicólogos. E que neste sentido, a atuação voltada para

a prevenção e promoção de saúde se faz altamente indispensável.

Dentro deste contexto, vários participantes mencionaram ainda o fato de que o

psicólogo não pode mais trabalhar apenas com o modelo clínico e tradicional que há décadas

caracteriza a profissão, pois tal modelo limita a atuação deste profissional e não corresponde a

demanda de toda a população que se insere dentro do que chamaram de meio social.

Page 32: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

32

Assim, é possível perceber que os alunos entrevistados verificam, inicialmente, a

precisão do compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo de acordo com o que colocou

Bock (1999b) a esse respeito, ao pontuar que essa discussão parte do questionamento a

respeito da direção em que a psicologia tem caminhado na nossa sociedade e que isso nos leva

a refletir sobre as reais condições de vida da nossa população e conseqüentemente sobre os

modelos de intervenção e técnicas cristalizadas que vem sendo utilizadas.

Entretanto, também é possível identificar que, ao falarem dessa necessidade da

psicologia atuar efetivamente no meio social, os alunos entrevistados demonstraram uma

concepção do termo social pouco explorada, indicando que entendem o social como um

sinônimo de sociabilidade, o que vai de encontro com o que foi posto por Silva (2005), onde

pontua que este termo sempre aparece como algo natural e inerente a condição humana,

ocultando assim, sua problemática e historicidade que o fazem ter configurações diversas em

cada sociedade.

Deste modo, tal concepção naturalizada é o que dificulta o questionamento do termo e

sua problematização, fazendo com que assim, não se consiga desenvolver novas formas de

enfrentamento e estratégias de intervenção que possibilitem a real transformação das

condições de vida da maior parte população.

A segunda categoria identificada nesta primeira questão é a seguinte:

2ª categoria: Contribuição para a sociedade Entrevista

“é você ter um compromisso com a sociedade” Nº 4

“tá ajudando mesmo no desenvolvimento da sociedade (...) dessa evolução

toda que vem ocorrendo”

Nº7

As respostas incluídas nesta categoria dizem respeito ao compromisso do profissional

de psicologia em relação à sociedade em que ele está inserido, ou seja, demonstra a

necessidade de atuação do psicólogo visando contribuir com a sociedade de forma geral, a

partir do momento em que faz intervenções específicas, acompanhando as transformações que

ocorrem ao longo do tempo e participando de seu desenvolvimento.

Esta concepção ressalta o que foi pontuado por Bock (1999b) quando diz que para

contribuir para transformações sociais no Brasil é necessário acompanhar as mudanças da

realidade social e ajudar a reconstruí-la. Observa-se, aqui, que os respondentes possuem uma

concepção sobre o compromisso social da psicologia sustentado em postulações não

Page 33: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

33

naturalizantes, mas que envolvem a atuação do profissional de psicologia como sujeito com

possibilidades de atuações transformadoras na vida cotidiana da sociedade em movimento.

De acordo com Bock (1999a, 1999bb), a preocupação em contextualizar os fenômenos

psicológicos e em entender o indivíduo dentro de um processo histórico se mostra primordial.

Pois, compreender o mundo a nossa volta é o que nos dá sentido para compreendermos os

próprios indivíduos.

Em conseguinte, destaca-se a terceira categoria para esta primeira questão:

3ª categoria: Compromisso de ajuda Entrevista

“eu acho que a psicologia tem trazido bastante benefícios para ...para

algumas pessoas que necessitam de ajuda...”

Nº 8

Nesta categoria destacou-se a relação de ajuda que é concebida para este campo de

saber, fica evidente neste caso, a concepção de que a psicologia é vista como uma ciência que

vem usando seus conhecimentos para ajudar quem precisa.

Entretanto, o ponto que merece destaque nesta categoria, diz respeito à necessidade de

reflexão sobre que ajuda é essa que está sendo falada? Pois, este termo dentro da psicologia,

quando considerado como algo que dispensa questionamento e melhor conceitualização, tanto

pode levar a um mero reducionismo da atuação do psicólogo, como pode indicar uma prática

duvidosa.

Afirmar apenas que a psicologia ajuda as pessoas é algo muito vago e impreciso. É

necessário discutir sobre as formas pelas quais a psicologia vem concebendo e

desempenhando esta relação de ajuda ao longo de sua história.

No estudo realizado por Bock (1999a), sobre o significado do fenômeno psicológico

na categoria dos psicólogos, constatou-se, entre outros, que a prática profissional aparece

relacionada a conteúdos morais de ajuda ao próximo, de auxílio etc. O que para a autora, é

evidenciado como uma noção onipotente da profissão e de si próprios como profissionais,

como se o psicólogo tivesse em suas mãos a possibilidade de fazer o outro feliz a partir dos

conhecimentos que detém.

Nesta concepção, não se coloca uma finalidade social ou política ao trabalho do

psicólogo, as finalidades ainda estão ligadas a um movimento natural do próprio homem, o

que levou Bock (1999a) a concluir que a maioria das respostas dadas pelos psicólogos se

enquadra na visão liberal de homem e que poucas se encaixam no que denominou de visão

sócio-histórica.

Page 34: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

34

E neste sentido, verifica-se uma aproximação com a categoria anterior e o que dizem

os autores Silva (2005) a cerca da necessidade de questionamento sobre o que vem a ser o

social, assim como Castel (1996) e Pastorini (2004) sobre as manifestações da questão social

e suas diferentes configurações nas sociedades em cada momento histórico, para que assim

não ocorra uma naturalização dos fenômenos da realidade.

Para finalizar sobre a primeira questão, é necessário pontuar sobre a quarta categoria

que se apresenta:

4ª categoria: Atuação do psicólogo Entrevista

“onde tem gente tem social, então eu acho que a gente não pode distinguir

uma coisa da outra assim”

“noção do que o psicólogo faz, que espaço ele ocupa nesse mundo”

Nº 6

Esta categoria diz respeito à atuação do psicólogo de forma abrangente, em todas as

esferas da sociedade, ou seja, a atuação psicológica voltada para o ser humano onde ele

estiver. E neste sentido, a relação da psicologia com o compromisso social se dá por meio

dessa abrangência e também se faz presente em todos os lugares.

Contudo, se nos apoiarmos nas idéias de Yamamoto (2007), veremos que esta temática

não se limita tão somente a atuação abrangente do psicólogo. Isto significa que, o fato de o

campo de atuação do psicólogo estar crescendo e se desenvolvendo em outras esferas da

sociedade, por si só não significa que esta atuação denota um compromisso social.

Para ele, é necessário discutir a natureza e a direção desse compromisso, pois sobre a

natureza, vemos que mesmo ampliando seus campos de atuação os psicólogos ainda mantêm

seus antigos modelos de atuação clínica, como podemos observar também no estudo feito por

Dimenstein (2001). E quanto à direção desse compromisso, ele deve apontar como colocou

Bock (1999b) para a transformação da realidade social.

Assim, verifica-se que entender a relação da psicologia com o compromisso social é

algo mais complexo e que necessita de discussão e questionamentos constantes, levando em

conta as contradições e as historicidades de cada sociedade. Assim como se faz necessário

saber reconhecer os limites que são impostos nesta temática pela própria questão social e suas

diversas configurações.

Para dar continuidade a análise é preciso colocar a primeira categoria que emergiu da

segunda questão da entrevista, qual seja: “Como você entende essa relação na produção

científica e na área de atuação?”.

Page 35: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

35

1ª categoria: Práxis insuficiente Entrevista

“eu acho que na área científica ainda tem muito pouco falando”

“na atuação eu acho que o pessoal tá começando também a praticar, mas

também tem pouquíssimos”.

Nº 1

“eu acho que é um campo limitado” Nº 2

“eu acho que o psicólogo ainda tem muito a conquistar nesse sentido” Nº 3

“acho que são poucas, não são muitas” Nº 4

Nesta categoria foram incluídas as respostas que consideram que a produção científica

e/ou a atuação psicológica que demonstra um compromisso social não são satisfatórios dentro

deste contexto. Para estes alunos a atuação do psicólogo e a realização de pesquisas voltadas

para esta temática são entendidas como algo importante e necessário, contudo ainda não se

apresentam suficientes.

Sobre esse assunto, é mandatório relembrar as idéias de Lane (2001) quando pontua

que o psicólogo deve ser permanentemente constituidor de novos conhecimentos acerca da

realidade na qual está inserido, a partir do momento que nela atua e percebe que os antigos

modelos de atuação já não correspondem à atual demanda social.

E dentro disso, entende-se a necessidade da concepção da práxis psicológica mais

atuante dentro dos cursos de formação em psicologia, visto que os alunos ainda entendem a

ciência e a profissão como coisas distintas. É necessário entender essa relação existente entre

teoria e prática para que só assim, possam ser construídos conhecimentos que atendam a

realidade social dos sujeitos.

Neste sentido, Lane (2001) ainda afirma que a condição sócio-histórica do ser

humano não pode ser esquecida para não cairmos em uma visão distorcida e ideológica.

Segundo Bock et al (2007) Silvia Lane não se preocupava com a teoria a ser utilizada, pois o

mais importante para ela, é construir conhecimentos com vistas a transformação das

condições de vida da maioria da sociedade brasileira, com promoção de cidadania e

dignidade.

Esta postura é o que precisa ser incorporada no pensamento e nas atitudes, tanto dos

estudantes quanto dos profissionais de psicologia no Brasil, pois o que se percebe é que a

maior preocupação durante a realização de pesquisas e na atuação desta categoria é a

“fidelidade” às teorias e aos métodos que estas propõem, descartando as transformações

Page 36: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

36

históricas que ocorrem ao longo tempo e que refletem mudanças no desenvolvimento e nos

modos de vida dos seres humanos.

Outra preocupação expressa nesta categoria diz respeito à limitação da atuação

psicológica votada para a transformação social, e novamente relembramos Yamamoto (2007)

quando descreve acerca das possibilidades e dos limites da questão do compromisso social,

pois como já foi posto, é necessário que se conheça o alcance dessa prática. Não podemos

acreditar que o fato de a psicologia se inserir na realidade social fará com que os problemas se

acabem ou que as questões de desigualdade social sejam superadas.

Para estes alunos que estão prestes a se tornar profissionais e adentrar ao campo de

trabalho, há a preocupação ainda maior e constante sobre as possibilidades de colocação

profissional e de remuneração. Apreensão esta que é facilmente compreendida, mas que

deveria se reverter em tomada de posicionamento que reflita criticamente quanto a este campo

de trabalho que ao longo do tempo foi construído pela própria categoria.

A proposta de atuação com compromisso social implica, portanto, em uma ciência e

uma profissão que tenha conhecimento das vastas contribuições que pode oferecer, mas que

prioritariamente se questione, se reformule e se re-signifique diante das transformações

histórico-sociais. É preciso transformar a insatisfação em ação.

Em seguida, a segunda categoria emergida nesta questão é:

2ª categoria: Responsabilidade da formação Entrevista

“acho que isso é um objetivo do curso de psicologia”

“porque no nosso curso, por exemplo, não se busca muito isso, essa direção

do social”

Nº 5

“eu acho que falta muito isso ainda nos cursos”

“eu acho que nesse nosso curso a gente não teve um grande embasamento

desse compromisso com a sociedade né?”

Nº 7

As respostas que deram origem a esta categoria, demonstram um ponto de vista de que

os cursos de formação de psicólogo devem ”promover” e “incentivar” tanto pesquisas quanto

uma atuação que denote um compromisso social. Estes entrevistados mostraram ainda, que

entendem a produção científica como algo muito importante e necessário para embasar a

atuação profissional.

De acordo com esse pensamento podemos citar o que foi posto por Alves, Correr e

Leão (2005) que igualmente evidenciam a obrigação dos cursos de psicologia no Brasil em

Page 37: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

37

proporcionar e oferecer apoio às pesquisas científicas que retratem a realidade social para que

assim, os alunos possam conhecer efetivamente a realidade circundante e agir para

transformá-la.

Assim, de acordo com a percepção dos alunos entrevistados, destacam-se também as

idéias apresentadas por Mitjáns Martínez (2003) que argumenta que o conhecimento

psicológico ainda não é utilizado dentro das instituições formadoras dos próprios psicólogos e

por isso os cursos acabam por oferecer uma formação conteudista, preocupada apenas em

transmitir conhecimentos e não em desenvolver estratégias que visem o desenvolvimento de

habilidades profissionais voltadas para a leitura da realidade e efetivação do compromisso

social, como por exemplo, capacidade de reflexão crítica, sensibilidade perante os problemas

humanos e sociais entre outros.

Um exemplo do que muitas vezes acontece dentro das instituições acadêmicas, diz

respeito às exigências absurdas que são justificadas pelos processos burocráticos quase que

infinitos que por inúmeras vezes desmotivam ou inviabilizam a realização de pesquisas

durante a formação. Como aconteceu neste próprio trabalho, quando uma das universidades

que serviria como local de realização para a pesquisa, colocou exigências incompreensíveis,

as quais mesmo assim foram acatadas, mas que até o momento de finalização do trabalho não

obtivemos se quer uma resposta.

Por conseguinte a terceira categoria destacada nesta segunda questão se coloca:

3ª categoria: Predomínio da área clínica Entrevista

“infelizmente hoje em dia a clínica ainda é a mais exacerbada né?”

“a clínica tradicional ela é a mais comum e nem sempre ela tem

o compromisso que talvez o psicólogo deveria ter”

Nº 6

Esta categoria traz uma preocupação em relação ao habitual modo de atuação do

psicólogo durante o histórico da profissão. Como podemos demonstrar, a questão aqui

colocada reflete um certo descontentamento e/ou inquietação acerca da atuação do psicólogo

que historicamente se dedicou ao trabalho clínico.

Esta discussão, contudo, não é novidade dentro da produção teórica de alguns

segmentos da psicologia e são vários os autores que destacam essa verificação de forma

crítica e contextualizada.

Dimenstein (2001), após uma pesquisa realizada com profissionais que atuavam na

saúde pública em duas cidades do nordeste brasileiro, constatou que os modos de atuação

destes profissionais ainda eram os característicos da prática clínica privada e deste modo,

Page 38: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

38

acredita que “os psicólogos precisam incorporar uma nova concepção de prática profissional,

associada ao processo de cidadanização” (Idem, p. 62). Do mesmo que colocou Bock (1999b)

ao expor sobre os critérios que afirmam se a prática demonstra compromisso social, e destaca

que um deles é verificar a intervenção e as técnicas que utilizam, pois o psicólogo não pode

ter uma visão individualizada do sujeito e trabalhar com propostas que atendam apenas a uma

camada da população, como é o caso das clínicas privadas.

Para finalizar a análise da segunda questão, observamos a quarta categoria que dela

emergiu:

4ª categoria: Concepção de cientificidade Entrevista

“na verdade, tem partes da psicologia que eu vejo que é área científica e na

verdade tem partes da psicologia que eu não vejo como área científica né?"

“a busca (...) pra psicologia se torna científica tá mais ligada mesmo na área

da comportamental né?”

Nº 8

Esta categoria implica em uma discussão acerca do caráter científico que é atribuído a

psicologia. Nela percebe-se claramente que a compreensão de ciência ainda está muito ligada

a áreas de visão mais positivistas da psicologia.

E a questão que se coloca neste momento indaga o porquê, mesmo hoje, quarenta e

seis anos após a regulamentação da profissão no Brasil, esta dúvida ainda se faz presente.

Esta concepção é colocada como dúvida visto que na própria fala do entrevistado é

possível verificar a incerteza do que diz, procurando sempre, ao finalizar cada frase uma

palavra ou gesto de concordância por parte da entrevistadora.

Dessa forma, por meio do que foi colocado a cerca da trajetória em formação em

psicologia e das formas que caracterizam essa profissão no país, é possível entender que haja

essa incerteza se essas práticas correspondem ao modelo considerado como científico. De

acordo com Bernardes (2004) a psicologia em sua trajetória histórica utilizou o status de saber

científico para se consolidar como ciência e profissão influenciada, especialmente por ideais

positivistas.

Portanto, essa concepção vem de encontro com o que argumentam os autores, como

Alves, Correr e Leão (2005), quando afirmam que na formação em psicologia, a pesquisa

deve ser entendida como método de exploração da realidade. E se a realidade é algo que se

transforma constantemente, a pesquisa deve ser uma prática de pensar, de refletir, de

questionar sempre.

Page 39: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

39

Como isso ainda não é constatado eficazmente nos cursos, os alunos concebem como

científicas aquelas áreas da psicologia que realizam pesquisas e em seguida apresentam

técnicas prontas para serem empregadas em quaisquer populações, estabelecendo relação de

causa, efeito e solução, sem considerar as contradições existentes mesmo em espaços

semelhantes.

Na análise da terceira questão: “Você acha que o Código de Ética aborda essa

questão? De que maneira?”, identificam-se as seguintes categorias?

1ª categoria: Insuficiência do Código de Ética Entrevistas

“eu acho que não (...) acho que deveria pontuar um pouco mais o trabalho do

psicólogo social”

Nº 1

“ainda não tive o cuidado de olhar assim e pensar nisso pro social

especificamente, mas assim, eu acho que nos dá uma certa proteção né?”

Nº 3

“eu acho que não é muito bem abordado no código de ética não” Nº 4

“poderia ser mais elaborado também pra essa questão”

“eu acho que não é suficiente, pra questão de... desse âmbito social não”.

Nº 8

Foram incluídas nessa categoria as respostas que acreditam que o Código de Ética

Profissional do Psicólogo não aborda de forma suficiente a questão do compromisso social.

Para estes respondentes o código de ética deixa “algumas lacunas” em alguns pontos

que consideram importantes na atuação psicológica comprometida socialmente, o que por eles

foi expressa como atuação voltada para o social, e atuação exercida pelo psicólogo social.

Dessa forma, consideraram que este instrumento privilegia a atuação clínica e

especificamente o setting terapêutico, “deixando a desejar pro social”.

Outro fator relevante demonstrado nestas respostas foi a concepção de que o Código

de Ética é um instrumento que serve somente para proteger os psicólogos, por meio da

imposição de normas para serem seguidas, como se fosse um manual para uma execução

mecânica.

É possível perceber também, que as respostas verificam a psicologia enquanto

profissão muito dividida. Provavelmente, isso se dê novamente, pelo desenvolvimento da

formação em psicologia que se caracteriza por dividir a ciência psicológica em teorias, linhas

e áreas de atuação por exemplo. No entanto, o código de ética é um instrumento que

representa uma categoria e por isso mesmo o seu conteúdo é norteador de toda atuação em

psicologia, sem quaisquer exceções.

Page 40: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

40

Esta categoria é de grande relevância, porque apesar de mostrar conteúdos diferentes

em aspectos da mesma questão, ela fora considerada representativa de apenas um fato, qual

seja a falta de um maior aprofundamento e/ou discussão a cerca do que vem a ser e do que

propõe o código de ética profissional para aqueles que estão a alguns meses de se tornarem

psicólogos.

Para fundamentar tal afirmação, somente o texto de apresentação do Código de Ética

Profissional do Psicólogo (2005) se faz suficiente. Neste escrito, primeiramente, toda

profissão é definida como um corpo de práticas que buscam atender demandas sociais através

de normas técnicas, mas é ressaltado que a missão primordial de um código de ética

profissional não é de normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar um

padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social da categoria.

E argumenta-se ainda, neste mesmo texto, que todo código de ética expressa uma

concepção de homem e de sociedade, traduzem princípios e normas que pautam pelo respeito

ao sujeito humano e seus direitos fundamentais e constituem a expressão de valores tais como

sócio-culturais, que refletem a realidade do país entre outros. Por isso não pode ser visto como

um conjunto de normas e imutável no tempo, deve ser refletido continuamente visto que as

sociedades transforma-se e as profissões também.

Para dar continuidade a esta discussão, a segunda categoria que emergiu desta questão

foi:

2ª categoria: Diversidade na concepção Entrevistas

“eu acho que sim. Eu acho que fala dessa questão de você ser responsável pelo

outro né? no cuidado com o outro, então eu acho que o outro é qualquer pessoa

né?”

Nº 2

“acredito que o código de ética se preocupa muito com essa questão social (...) a

partir do momento que eles falam dos princípios...”

Nº 5

“Aborda. Quando o código de ética ele coloca quais são limites da nossa atuação

ele tá falando um pouco de compromisso social”

Nº 6

“Eu acho que aborda sim né? ele vê tudo que o psicólogo realmente precisa né?

é um amparo pra gente o código de ética né?

Nº 7

Nesta categoria observam-se respostas que constatam a questão do compromisso

social inserida no código de ética profissional do psicólogo e mais que isso, através delas é

Page 41: COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS

41

possível verificar diferentes formas que tal questão pode ser percebida, transmitida ou

discutida.

Como por exemplo, a questão da abrangência da atuação expressa na entrevista

número dois. Quando no Código de Ética profissional do Psicólogo (2005) é colocada a

questão de que este instrumento deve garantir relação adequada de cada profissional com a

sociedade como um todo, baseando-se em valores universais tais como na Declaração

Universal dos Direitos Humanos e outros, é admissível a abrangência à que se destina essa

atuação profissional, preocupada em garantir a dignidade, o respeito, a integridade, entre

outros propósitos aos indivíduos sem distinção, discriminação ou qualquer forma de

preconceito.

Outro respondente verifica que essa preocupação com o compromisso social é

ressaltada nos sete princípios fundamentais apresentados no código. Tais princípios

expressam conteúdos que devem nortear a atuação do psicólogo, como, por exemplo, que “o

psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade

política, econômica, social e cultural” (Idem, p. 7).

E mesmo quando pontua a respeito dos limites que devem ser respeitados na prática

psicológica, como já fora discutido em outras questões, esse entendimento é algo essencial

para a atuação do psicólogo. Assim como é igualmente importante compreender que este

instrumento serve de apoio e abrange as questões da atuação em psicologia da forma crítica e

contextualizada historicamente e por isso mesmo deve ser revisto e questionado quando

necessário for.

De acordo com as falas dos respondentes percebe-se então, o surgimento de algumas

questões que fazem parte de toda a temática proposta e inserida no código de ética.

Entretanto, é possível perceber também, certa dificuldade ou falta de aprofundamento

acerca destas questões. Dessa forma, o que os entrevistados apresentam nesta categoria é um

princípio de entendimento do que vem a ser a questão do compromisso social por meio das

colocações inseridas no código de ética profissional do psicólogo. Entendimento este, que

sem dúvida, deve ser melhor discutido, principalmente a fim de que se evidencie a

necessidade da efetivação dessa postura.

Desta forma, para esta terceira questão, a interpretação de apenas duas categorias

separadas em concepções claramente contrárias não quer dizer que esta seria a única forma de

analisá-las, todavia foi a forma mais “apropriada” neste momento para conseguir discuti-las.

E finalmente a análise da quarta e última questão: “Qual a sua avaliação sobre o

Compromisso Social do psicólogo?” pode ser expressa através das seguintes categorias:

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42

1ª categoria: Motivação pessoal Entrevistas

“olha é até difícil responder né? porque (...) a gente tem que escolher uma ênfase

né? e eu escolhi o compromisso social porque eu acho que todo ser humano tem

que ter uma... um olhar diferente pro outro”

“então, às vezes, a gente não gosta de lidar com a própria ferida”

Nº 1

“eu acho que não é todo mundo que tem esse compromisso social, porque é

muito assim... só consultório...”

“eu acho que pra mim, essa área social é que mais desperta atenção e eu entrei

na psicologia com esse intuito”.

Nº 2

“na verdade... não sei se... até coisa do destino né? mas eu penso muito mais até

estar trabalhando pra esse social né?

“porque não sei se você percebeu, eu acredito nesse trabalho, eu acho que a

gente acreditar nisso é o mais importante sabe?

Nº 3

Logo após o término de cada uma dessas entrevistas, essa constatação de uma

motivação pessoal para atuar com compromisso social, se fazia estridente. Isso porque esta

questão, ao passo que perguntava sobre a avaliação de cada entrevistado sobre o compromisso

social do psicólogo de uma geral, possibilitava que os respondentes colocassem sua visão e,

além disso, a justificasse.

E foram essas justificativas que mais chamaram a atenção. Visto que denotam que a

preocupação e a concepção de atuar com compromisso social advêm por motivos que pouco

se relacionam com o que foi transmitido ao longo desses cinco anos de formação acadêmica.

Nestes casos, essa motivação ocorreu mesmo antes do ingresso na universidade, e a

colaboração e/ou a responsabilidade da formação para essa escolha é algo minimizado.

De acordo com as Diretrizes Nacionais para os cursos de graduação em psicologia

uma das competências e compromissos do psicólogo deve ser analisar criticamente a

realidade social, cultural, política e econômica do país. Talvez essa capacidade de análise

crítica seja o que está faltando dentro dos cursos, para que, por meio dela, os alunos consigam

compreender a obrigatoriedade de uma prática comprometida socialmente não apenas por

motivos pessoais.

Entretanto, estas respostas também trouxeram algumas preocupações e conteúdos que

merecem ser pontuados, como a concepção de que a psicologia deve trabalhar a “multi e a

inter-disciplinariedade”, que o psicólogo trabalha com a “prevenção” e a “promoção de

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saúde”, e que a prática mais comum é de “consultório”, mas que só beneficia “quem tem

dinheiro para pagar”, entre outros. Tais respostas demonstram um distanciamento da

cristalizada forma de atuar em psicologia e por isso mesmo se aproximam de uma atuação

comprometida com a realidade social.

Em seguida verificam-se as respostas que deram origem à segunda categoria para esta

quarta questão:

2ª categoria: Importante e precário Entrevista

“eu acho que o psicólogo ele tem um compromisso, eu acho que ele é bem ciente

do que ele faz, tudo”.

“mas também tem as exceções né? que chega e vê uma demanda muito... um

público muito vulnerável lá e se assusta e não segue com o compromisso dele”

Nº4

“eu avalio como sendo essencial fundamental e que todos os psicólogos têm que

ter esse compromisso”

Nº 5

“seria mais importante que o psicólogo tivesse mais envolvido nisso mesmo né? Nº 7

“eu acho que tem poucos psicólogos que tão mais ligados nesse...nessa área

social, grupos sociais, o pessoal procura mais saber de clínica, de resolver

problemas individuais e não de um coletivo né?”

Nº 8

As respostas que fizeram emergir essa segunda categoria, dizem respeito à

compreensão da importância e da necessidade de os psicólogos terem uma atuação com

compromisso social, mas também revelam que para eles, isso não é algo que predomina

dentro desta profissão atualmente.

Essa constatação vai de acordo com o que colocaram diversos autores como, por

exemplo, Bernardes (2004), Bock (1999a, 1999b), Dimenstein (2001), Lane (2001) entre

vários outros que se preocupam em mostrar essa realidade vivenciada pela categoria

profissional dos psicólogos no Brasil.

Os alunos aqui entrevistados demonstraram uma visão a cerca do que vem a ser o

compromisso social como algo importante, mas também evidenciaram a não constatação de

tal postura a partir dos conhecimentos que obtiveram na formação acadêmica. Pois, o que se

percebe é que os alunos ainda têm muitas dificuldades para relacionar os conteúdos

aprendidos nos cursos durante a formação e a real necessidade da maior parte da população

deste país.

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Essas dificuldades, certamente, são embates da própria formação em psicologia no

país, que não tem possibilitado e mais que isso não tem privilegiado o desenvolvimento de um

pensamento crítico acerca da realidade social dentro dos espaços de formação.

Para finalizar a análise das entrevistas, a terceira categoria desta última questão é:

3ª categoria: Compromisso dos formadores Entrevista

“eu acredito que eu tô numa posição privilegiada, primeiro porque eu tô muito

protegida pela universidade né? então o compromisso que eu atuo como

estudante de psicologia, na verdade, não é meu, são dos meus supervisores que

me mandam fazer as coisas, que me orientam...”

Nº6

O conteúdo expresso nesta categoria vem mencionar pela primeira vez, a

responsabilidade dos formadores de psicólogos neste contexto. Até agora, falou-se muito

sobre a formação em psicologia e por meio desta resposta podemos discutir um pouco sobre

os professores universitários nas faculdades de psicologia.

Uma das determinações expostas nas diretrizes Curriculares para os cursos de

graduação em psicologia define que os estágios realizados pelos alunos durante o curso

devem ser supervisionados pelos professores. Desta forma, mais do que transmitir conteúdos

dentro das salas de aula e laboratórios, estes docentes têm a responsabilidade de acompanhar

as primeiras atuações dos então estagiários em psicologia.

E em consonância com isso, destacamos o que colocou Mitjáns Martínez (2003)

quando ressalta sua forte preocupação em relação à significação do compromisso social dos

formadores dos psicólogos. Para esta autora, “o compromisso social do psicólogo e em

primeiro lugar dos que formam psicólogos é hoje mais que nunca necessário se pretendemos

uma prática profissional e social na qual a psicologia possa ser utilizada a serviço de uma

sociedade mais justa” (p. 158).

E argumenta também que não basta reconhecer tal postura apenas no discurso, é

imprescindível praticar e instrumentalizar os programas de formação em psicologia para

efetivação deste compromisso. Assim, não se pode deixar que o individualismo, a

competição, a falta de sensibilidade, a falta de trabalho em equipe e o desinteresse pela

produção e o saber dos pares caracterize as instituições acadêmicas onde os psicólogos são

formados, como segundo ela acontece atualmente.

As primeiras leituras da realidade e dos fenômenos psicológicos que os alunos fazem e

que lhes servem de base para desenvolverem seu próprio pensamento estão, neste momento,

estritamente relacionadas com as concepções individuais dos próprios professores-

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45

supervisores. Estes profissionais têm, na realidade, uma responsabilidade e um compromisso

maior do que a princípio se apresenta na formação destes estudantes.

Contudo, esta responsabilidade está mais ligada à capacidade de oferecer meios para

que o aluno se desenvolva do que apenas e tão somente lhe ensinar a fazer. O aluno não deve

ser um reprodutor dos atos e pensamentos dos professores e supervisores, pois assim nunca

desenvolverá seu próprio pensamento e compromisso.

A formação em psicologia e os próprios formadores, neste sentido, parecem não

estarem se preocupando em possibilitar o desenvolvimento da autonomia dos alunos, o que

conseqüentemente faz com que também não desenvolvam seu próprio compromisso.

Portanto, a análise aqui apresentada procurou discutir os temas que se evidenciaram de

forma mais clara durante a realização das entrevistas e a organização do material coletado na

concepção da aluna pesquisadora. O que significa que esta análise não pretende ser conclusiva

ou que demonstra a única forma de discussão a respeito do que foi exposto, ela se define por

apresentar aproximações a respeito da problemática proposta durante o desenvolvimento deste

trabalho.

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6. CONCLUSÃO

Para contemplar tudo que foi posto neste trabalho, é possível afirmar que, para os

alunos dos últimos anos dos cursos de psicologia da região do Vale do Paraíba, a questão do

compromisso social é concebida como algo muito importante para a psicologia enquanto

profissão. Mas, por outro lado, também é entendida como algo que não se vê comumente na

prática psicológica.

Esta concepção é mais bem entendida quando se verifica que, para estes alunos, a

atuação psicológica comprometida socialmente não é algo transmitido durante o curso de

formação em psicologia, com vistas a capacitá-los para uma atuação mais voltada para a

realidade social brasileira e assim se diferenciar das práticas que ainda caracterizam a

profissão no país.

A evidência de uma cristalização dos modos de atuação do psicólogo brasileiro, como

já foi posto por diversos autores, mostra que a prática clínica ainda é a mais comum entre os

psicólogos. E que, na maioria das vezes, aqueles que desejam uma atuação diferente trazem

uma motivação pessoal para isso em que pouco se relaciona com o que foi aprendido no curso

de graduação.

Desta forma, a formação em psicologia no país, é algo que merece destaque dentro

dessa conjuntura e que deve ser questionada continuamente a fim de que se reflita sobre o que

tem sido ensinar psicologia no Brasil e o que deveria ser de acordo com a realidade em que

vivemos.

A discussão acerca da questão social também se mostrou fundamental neste contexto,

pois os alunos respondentes mostraram que ainda concebem o social como algo natural que

apenas abarca todas as populações e instituições da sociedade contemporânea.

Dessa forma, mesmo acreditando que a proposta de atuar com compromisso social é

algo necessário, estes alunos que estão prestes a se tornarem psicólogos ainda não sabem

exatamente o que isso significa e, além disso, não sabem como fazê-lo.

A expressão deste desconhecimento pode ser verificada por meio das concepções a

respeito do instrumento norteador da profissão que é o código de ética profissional do

psicólogo. Tal instrumento é entendido pelos alunos, como normatizador da categoria, a fim

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de identificar o que se pode e o que não se pode fazer atuando como psicólogos. Assim, toda a

preocupação expressa neste instrumento sobre o comprometimento social do psicólogo não é

identificada pelos alunos de forma clara e contextualizada.

Todos os conteúdos e visões expressados através das entrevistas que foram realizadas

demonstram que estamos caminhando para uma psicologia mais humana, contudo, também

demonstram que a naturalização dos fenômenos psíquicos ainda se faz muito presente na

prática psicológica.

A falta de questionamento e reflexão frente o que é transmitido na formação

acadêmica se transformam na escassez de posicionamento crítico dentro da ciência

psicológica. Os determinantes sociais, políticos, culturais e econômicos são minimizados

frente aos psíquicos e naturais.

E conseqüentemente, todo o processo histórico dos sujeitos e sociedades não recebe a

devida relevância. E verifica-se a falta de subsídios essenciais para uma prática comprometida

socialmente.

Para concluir, é indulgente colocar que a proposta deste trabalho não é dizer o que é

certo e errado dentro da psicologia no Brasil, mas sim, evidenciar a necessidade de

questionamento acerca da psicologia enquanto ciência e profissão e qual a finalidade da

prática psicológica neste país.

Uma ciência e uma profissão comprometida socialmente visa disponibilizar todos os

seus recursos para todos a quem de direito se julguem necessitados. Visa trabalhar com intuito

de colaborar para a transformação da sociedade em que vive e que tanto necessita. E acima de

tudo, visa estar aberta à discussão e a modificação sempre, acompanhando o movimento

constante dos homens e sociedades.

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