como pode ser entendida a sustentabilidade (veiga)
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Capítulo 3
Como pode ser entendida a sustentabilidade
O que é sustentável? Esta indagação também provoca três pa
drões básicos de resposta. Contudo, o que as diferencia não é seu
grau de complexidade, como no caso do desenvolvimento. Aqui há
duas teses extremas, que criam um impasse e um anátema no âmbito
da retórica científica. Já a terceira, que também procura abrir o tal
"caminho do meio", por enquanto só faz parte da retórica político-
ideológica. Outra vez, os três tipos de respostas serão brevemente
apresentados antes de serem examinados com mais atenção.
Em primeiro lugar, estão os que simplesmente acreditam que
não exista dilema entre conservação ambiental e crescimento eco
nómico. Crêem, ao contrário, que seja factível combinar essa du
pla exigência. Todavia, não há qualquer evidência científica sobre
as condições em que poderia ocorrer tal conciliação. E as posições
dos economistas podem variar de "A" a " Z " justamente porque
ainda não é possível demonstrar uma das duas possibilidades ex
tremas da polémica.
O debate científico internacional passou recentemente a
ser pautado pela hipótese ultra-otimista de que o crescimento
económico só prejudiaria o meio ambiente até um determinado
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patamar de riqueza aferida pela renda per capita. A partir dele, a
tendência seria inversa, fazendo com que o crescimento passasse
a melhorar a qualidade ambiental. Raciocínio idêntico à velha
parábola sobre a necessidade de primeiro fazer o bolo crescer
para depois distribuí-lo melhor. Tanto é, que essa hipótese tem
sido chamada de "curva ambiental de Kuznets", por analogia à
famosa curva em " U " invertido proposta em meados dos anos
1950 pelo terceiro ganhador do prémio Nobel de Economia,
em 1971.
Como já foi visto na primeira parte deste livro, os precários
dados estatísticos disponíveis no pós-Segunda Guerra Mundial,
além de serem apenas sobre um punhado de casos, levaram Simon
Kuznets a achar que pudesse existir uma lei que regeria a relação
entre o crescimento do PIB e a desigualdade de renda. Piorava na
arrancada, mas melhorava depois de ultrapassar certo patamar de
riqueza. Para o desgosto dos que acham que o capitalismo é o fim
da história, tal hipótese foi descartada quando estatísticas sobre
um grande número de países revelaram que, nos úl t imos cin
quenta anos, as relações entre crescimento e desigualdade foram
das mais heterogéneas. Há tudo quanto é tipo de curva, até em
" U " invertido.
Idêntica conjectura sobre a relação entre crescimento e meio
ambiente foi lançada nas páginas de um dos mais respeitados
periódicos científicos de economia: o "QJE" {The QtiarterlyJournal
of Economics, maio 1995, pp. 353-77). Ao examinar a relação
entre o comportamento da renda per capita e quatro tipos de
indicadores de deterioração ambiental - poluição atmosférica
urbana, oxigenação de bacias hidrográficas, e duas de suas conta
minações (fecal e por metais pesados) — Gene M . Grossman e
Alan B. Krueger concluíram que as fases de desgraça e recupera -
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ção ambiental estariam separadas por um ponto de mutação que
se situaria em torno de 8 mil dólares de renda per capita.
O destino dessa hipótese certamente será idêntico. Quando
um grande número de países tiver indicadores confiáveis sobre
um leque mais amplo de variáveis ecológicas, constatar-se-á que
são tão diversos os estilos de crescimento e as circunstâncias em
que ele ocorre, que deve ser rejeitada a ideia de tão linear relação
entre qualidade ambiental e renda per capita. Aliás, já existem
bons indicadores que revelam as tragédias ambientais de países
riquíssimos, como será exposto no próximo capítulo. E ela já foi
desmentida por experimento com variáveis ambientais globais
(Jha & Murthy, 2003). Todavia, até que a comunidade científica
se convença do contrário, a panglossiana proposição de Grossman
& Krueger c o n t i n u a r á a pautar o debate. Centenas de
sofisticadíssimos testes serão relatados em periódicos do calibre
do QJE até que ela possa cair em descrédito.
Fatalidade
As pesquisas do extremo oposto exigirão ainda mais paciên
cia. Desde 1971, o saudoso Nicholas Georgescu-Roegen lançou
o alerta sobre o inexorável aumento da entropia. Baseado na se
gunda lei da termodinâmica, ele assinalou que as atividades eco
nómicas gradualmente transformam energia em formas de calor
tão difusas que são inutilizáveis. A energia está sempre passando,
de forma irreversível e irrevogável, da condição de disponível para
não disponível. Quando utilizada, uma parte da energia de bai-
xa-entropia (livre) se torna de alta entropia (presa). Para poder
manter seu próprio equilíbrio, a humanidade tira da natureza os
elementos de baixa entropia que permitem compensar a alta
entropia que ela causa. O crescimento económico moderno exi-
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giu a extração da baixa entropia contida no carvão e no petróleo.
Um dia certamente voltará a explorar de maneira mais direta a
energia solar. Nem por isso poderá contrariar o segundo princí
pio da termodinâmica, o que um dia exigirá a superação do cres
cimento económico. Para Georgescu, em algum momento do fu
turo, a humanidade deverá apoiar a continuidade de seu desen
volvimento na retração, isto é, com o decréscimo do produto. O
oposto do sucedido nos últimos dez mil anos.
É bom frisar que tão incómoda hipótese permanece simples
mente esquecida pela esmagadora maioria dos economistas. Até
referências a Georgescu passaram a ser evitadas a partir de 1976,
quando o paradigmático manual pedagógico de Paul Samuelson,
Economia, dedicou meia dúzia de linhas para avisar que o autor
do célebre Analytical Economics (Harvard University Press, 1967)
se embrenhara pela obscura ecologia, uma disciplina que, naque
la conjuntura, ainda era tão suspeita para os economistas quanto
a quiromancia. Mesmo assim, são as ideias do genial romeno fale
cido, no ostracismo em 1994, que orientam os mais heréticos
programas de pesquisa.
Para a corrente cética, cujo principal expoente é Herman E.
Daly, só haverá alternativa à decadência ecológica na chamada
"condição estacionária" — que não corresponde, como muitos pen
sam, a crescimento zero. Para efeito pedagógico, Daly costuma
usar uma analogia entre economias de ponta - como a dos EUA
ou do Japão - e uma biblioteca que já esteja repleta de livros, sem
espaço para absorver novas aquisições. A melhor solução é estabe
lecer o princípio de que um novo livro só poderá entrar no acervo
quando outro for retirado, em uma troca que só seria aceita se o
novo livro fosse melhor que o substituído. O u seja, na "condição
estacionária", a economia continuaria a melhorar em termos qua-
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litativos, substituindo, por exemplo, energia fóssil por energia
limpa. Mas nessas sociedades mais avançadas seria abolida a ob
sessão pelo crescimento do produto, que Herman E. Daly consi
dera uma mania ("growthmania").
Seja qual for o futuro resultado dessa colossal polemica, o
que já está claro é que a hipotética conciliação entre o crescimen
to económico moderno e a conservação da natureza não é algo
que possa ocorrer no curto prazo, e muito menos de forma isola
da, em certas atividades, ou em locais específicos. Por isso, nada
pode ser mais bisonho do que chamar de "sustentável" esta ou
aquela proeza. Para que a utilização desse adjetivo não seja tão
abusiva, é fundamental que seus usuários rompam com a inge
nuidade e se informem sobre as respostas disponíveis para a per
gunta "o que é sustentabilidade?"
Neste caso, a elaboração intelectual sobre o que poderia
ser um "caminho do meio" - entre a fábula panglossiana e a
fatalidade entrópica - está muito mais atrasada que no caso do
desenvolvimento. O que tem havido é coisa bem diversa: des
de 1987, u m intenso processo de l e g i t i m a ç ã o e i n s t i t u
cionalização normativa da expressão "desenvolvimento susten
tável" começou a se afirmar. Foi nesse ano que, perante a As
sembleia Geral da O N U , Gro Harlem Brundt land, a presi
dente da Comissão Mundia l sobre Meio Ambiente e Desen
volvimento, caracterizou o desenvolvimento sustentável como
um "conceito polít ico" e um "conceito amplo para o progresso
económico e social". O relatório ali lançado com o belo t í tulo
Nosso futuro comum foi intencionalmente um documento polí
tico, que procurava alianças com vistas à viabilização da Con
ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvol
vimento, a "Rio-92".
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r
Esse processo de institucionalização do "desenvolvimento
sustentável" como simultaneamente maior desafio e principal
objetivo das sociedades contemporâneas está muito bem contado
e interpretado por Marcos Nobre, na primeira parte do livro que
organizou com Maurício Amazonas (2002). O que fez surgir essa
expressão foi o debate - principalmente americano, na década de
1960 - que polarizou "crescimento económico" versus "preserva
ção ambienta l" , inteiramente impregnado por u m temor
apocalíptico da "explosão demográfica", mesclado ao perigo de
uma guerra nuclear ou da precipitação provocada pelos testes. E
não há melhor referência em português para o entendimento des
sas circunstâncias do que a excelente história do ambientalismo
elaborada por John McCormick (1992).
A hipótese panglossiana
O crescimento económico contínuo trará cada vez mais da
nos ao ambiente da Terra? Ou aumentos da renda e da riqueza
jogam as sementes de uma melhora dos problemas ecológicos? É
com esta alternativa formulada em duas perguntas que G & K
(Grossman &C Krueger, 1995) abrem a introdução de seu pionei
ro artigo. Se os métodos de produção fossem imutáveis, é óbvio
que só seria possível responder afirmativamente à primeira per
gunta. Todavia, há inúmeras evidências de que o processo de de
senvolvimento leva a mudanças estruturais naquilo que as econo
mias produzem. E muitas sociedades já demonstraram notável
talento em introduzir tecnologias que conservam os recursos que
lhe são escassos. Em princípio, os fatores que podem levar a mu
danças na composição e nas técnicas da produção podem ser su
ficientemente fortes para que os efeitos ambientalmente adversos
do aumento da atividade económica sejam evitados ou supera-
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dos. E se houver evidência empírica que confirme essa suposta
tendência, será permitido concluir que a recuperação ecológica
resultará do próprio crescimento.
Com o propósito de testar essa hipótese, os autores investi
garam a relação entre a escala da atividade económica e a qualida
de ambiental, utilizando metodologia consolidada e os dados dis
poníveis mais confiáveis sobre qualidade do ar em grandes cida
des e qualidade da água em suas bacias hidrográficas. Além das
séries publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) -
o sistema Global Environmental Monitoring System (GEMS) -
para o período 1977-84, conseguiram dados inéditos para o pe
ríodo 1985-88, junto à agência federal dos Estados Unidos para
o meio ambiente (U.S. Environmental Protection Agency, EPA).
Embora tais medidas estejam muito longe de constituir uma lis
ta representativa das variáveis capazes de descrever a situação dos
respectivos ecossistemas, os autores acreditam que a variedade
dos tipos de poluentes considerados na investigação autoriza uma
generalização para outros tipos de problemas ambientais. E essa
crença certamente foi compartilhada pelos pareceristas que avali
aram o trabalho para o QJE.
O dióxido de enxofre e a fumaça relacionam-se com o PIB
per capita na forma de uma curva em " U " invertido. Na verdade,
a poluição por dióxido de enxofre volta a subir quando são atingi
dos altos níveis de renda per capita, mas os autores consideram
que o reduzido número de observações de casos em que ela atin
giu 16 mil dólares impede que se tenha confiança na forma que a
curva adquire nesse estágio. Para os particulados, constatou-se
um m o n ó t o n o declínio da relação poluição/renda. Todavia, fo
ram encontradas boas "curvas de Kuznets" para praticamente to
dos os outros principais indicadores de poluição do ar e da água:
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B O D (demanda de oxigénio biológico), C O D (demanda de oxi
génio químico), nitratos, coliformes fecais, coliformes totais, chum
bo, cádmio, arsénico, mercúrio e níquel. E os picos de renda per
capita variaram entre 3 e 11 mil dólares, respectivamente para os
coliformes totais e cádmio.
Ao fazer a síntese dos resultados obtidos, G & K afirmam que
não encontraram evidência significativa de que a qualidade
ambiental tenda a se deteriorar de maneira firme, constante, ou
estável, com o crescimento económico. Ao contrário, quase todos
os indicadores apontaram para uma deterioração em fase inicial
do crescimento, mas com subsequente fase de melhoria. Foram
levados, então, a "suspeitar" que essa recuperação posterior esteja
em parte ligada ao aumento da demanda (e da oferta) de prote
ção ambiental quando a renda nacional chega a níveis mais altos.
Os pontos de mutação variam bastante segundo o poluente con
siderado, mas na maioria dos casos eles ocorrem antes que o país
atinja 8 mi l dólares (de 1985) de renda per capita.
Nas conclusões, G & K assumem um tom bem mais incisivo.
Rechaçando gritos alarmistas de grupos ambientalistas, afirmam
que o crescimento económico não causa inevitável dano ao habitat
natural. Segundo eles, isso só ocorre mesmo em países muito
pobres. Todavia, seu meio ambiente será, ao contrário, beneficia
do pelo crescimento económico, assim que atingirem certos ní
veis críticos de renda per capita, próximos ao patamar de 8 mi l
dólares (de 1985).
Desde que essa contribuição empírica de G & K foi publicada
no QJE, p u l u l a m c o n f i r m a ç õ e s dessa "curva de Kuznets
ambiental", pela utilização de outras variáveis, outros países, ou
tros períodos. É preciso lembrar, contudo, que há um pressupos
to na análise de G & K que só pode ser facilmente aceito pela
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comunidade dos economistas convencionais, pois são todos
inveterados otimistas tecnológicos. Todos acreditam piamente que
as inovações tecnológicas acabarão por superar qualquer impasse
que venha a colocar em xeque a continuidade do crescimento
económico. E tal pressuposto é de que os indicadores de poluição
usados por G & K sejam termómetro da qualidade ambiental. Basta
lembrar de alguns outros fenómenos já bem conhecidos — como,
por exemplo, a erosão da biodiversidade, as perdas de patr imônio
genético, o aquecimento global, a deterioração da camada de ozô-
nio, a chuva ácida, ou a escassez de água - para que se perceba o
duvidoso valor científico da extrapolação. E ela ficaria ainda mais
absurda se fosse evocado o inevitável aumento da entropia. Mas
esta é uma ideia que só preocupa um pequeno grupo de econo
mistas heterodoxos, que constituem o extremo oposto do debate
científico, e que com imensa dificuldade estão conseguindo rom
per o isolamento que lhes foi imposto pelo establishment da ciên
cia normal.
Dai Dong
Seria impossível fingir que Nicholas Georgescu-Roegen ja
mais existira. Então, a esmagadora maioria dos economistas aca
démicos fez de tudo para que ele fosse pura e simplesmente es
quecido, ao longo das últimas décadas do século XX. Nem tanto
por sua longa pesquisa sobre a teoria do comportamento do con
sumidor (1935-73), muito embora o principal resultado tenha
sido demonstrar que a versão neoclássica é empiricamente inacei
tável, mas sim por teses posteriores de caráter evolucionista e re
comendações sobre o que poderia ser um programa mín imo de
"bioeconomia". Enquanto na primeira fase de sua carreira cientí
fica ele era festejado por Paul Samuelson como "pioneiro da eco-
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nomia matemática", a partir de 1973 foi deliberadamente colo
cado na geladeira pelos mandarins da comunidade dos econo
mistas americanos.
A condenação refletia diretamente as inquietações provocadas
pelo fato de defender a tese de que a economia certamente será
absorvida pela ecologia. Isso não acontecerá, dizia Georgescu,
enquanto os economistas puderem raciocinar apenas com prazos
de uma ou duas gerações. Mas basta pensar na administração de
recursos raros necessários à qualidade da vida de todas as próxi
mas gerações para dar-se conta de que a economia atual só poderá
ser considerada um dia como parte da ecologia.
Relato circunstanciado, além de muito sereno, desse trau
mático cisma científico está em artigo obituário de dois professo
res de cepa italiana — Andrea Maneschi e Stefano Zamagni -
publicado quase três anos depois do falecimento de Georgescu,
na edição de maio de 1997 do The Economic Journal. Há, contu
do, um episódio singular desse processo de excomunhão que aju
da a dizer em poucas linhas qual foi a onça que ele cutucou com
vara curta.
Part icipando de assembleia da Amer ican Economic
Association, realizada ao f im de seu encontro anual de 1973,
solicitou que fosse transcrito em ata um texto intitulado "Rumo
a uma economia humana", que havia sido lançado dois meses
antes, na Dinamarca, por um projeto do Fellowship o f
Reconci l ia t ion in t i tu l ado " D a i Dong" . Era u m manifesto
ambientalista, cujo conteúdo agora seria visto como moderado
até pela folclórica convenção nova-iorquina que os republicanos
organizaram em prol da reeleição de George W. Bush. Propunha
essencialmente que a confraria dos economistas saísse do isola
mento em que se metera e assumisse seu papel na gestão do "lar
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Terra" ("Earth home"), juntando-se a cientistas e planejadores de
todas as áreas do conhecimento, com o firme objetivo de garantir
a sobrevivência da humanidade.
Hoje só pode parecer mentira que tal proposta tenha susci
tado celeuma na reunião presidida por Kenneth J. Arrow. No
entanto, a ata publicada na edição de maio de 1974 da The
American Economic Review deixa claro que houve feroz manobra
para que a decisão final sobre a conveniência de se transcrever o
"Dai Dong" ficasse para arbítrio do secretário da associação. Por
isso, esse panfleto, que acabou sendo publicado como apêndice,
em letras de corpo mínimo, é um registro histórico do gigantesco
desprezo que os economistas americanos nutriam pela renascente
preocupação ambiental. O herege Georgescu, que ousava prog
nosticar o avesso - a absorção da economia pela ecologia —, só
podia ter sido mesmo uma vítima de tais circunstâncias.
Trinta anos depois de tão sombrio acontecimento, e passa
dos dez anos da morte de Georgescu, a atmosfera está sendo alte
rada com mais rapidez do que se poderia imaginar. Sua obra vem
sendo seriamente resgatada em todos os continentes. Principal
mente nas páginas de duas revistas científicas - EcologicalEconomics
e Environment and Development Economics —, mas também em
publicações especialmente organizadas para exame sistemático de
suas ideias, como são os casos do l i v ro Bioeconomics and
Sustainability: Essais in honor of Micholas Georgescu-Roegen, orga
nizado por Kozo Mayumi & John M . Gowdy (Ed. Edward Elgar,
1999) e do "Fórum Georgescu-Roegen versus Solow/Stiglitz"
{Ecological Economics 22, Special Issue, setembro 1997).
Georgescu chegou à proposição de que a economia precisa
ser absorvida pela ecologia por considerar que a termodinâmica é
muito mais pertinente para a primeira do que a mecânica. Foi
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assim que ele entrou em colisão com o paradigma que une todas
as correntes do pensamento económico, da mais convencional à
mais heterodoxa, e da mais conservadora à mais radical. "Assimi
lar o processo económico a um modelo mecânico é admitir o
mito segundo o qual a economia é um carrossel que de nenhuma
maneira pode afetar o ambiente composto de matéria e de ener
gia. A conclusão evidente é que não há necessidade de integrar o
ambiente no modelo analítico do processo. E a oposição irredutível
entre mecânica e termodinâmica vem do segundo princípio, a
Lei da Entropia (Georgescu-Roegen, 1973: 38)."
Na verdade, entropia é uma noção suficientemente comple
xa para que não seja às vezes compreendida pelos próprios físicos.
Tentando trocar em miúdos , pode-se dizer que o aumento de
entropia corresponde à transformação de formas úteis de energia
em formas que a humanidade não consegue utilizar. "No limite,
trata-se de algo relativamente simples: todas as formas de energia são
gradualmente transformadas em calor, sendo que o calor acaba se
tornando tão difuso que o homem não pode mais utilizá-lo. Para ser
utilizável, a energia precisa estar repartida de forma desigual. Ener
gia completamente dissipada não é mais utilizável. A ilustração clás
sica evoca a grande quantidade de calor dissipada na água dos mares
que nenhum navio pode utilizar (Georgescu-Roegen, 1973: 39)."
Todo organismo vivo está sujeito ao aumento de entropia, mas
procura mantê-la constante pela extração de seu meio ambiente
dos elementos de baixa entropia necessários à compensação. O cres
cimento económico moderno baseou-se na extração da baixa
entropia contida no carvão e no petróleo. U m dia se baseará em
formas de exploração mais direta da energia solar. Mas nem por
isso poderá contrariar o segundo princípio da termodinâmica, o
que acabará por obrigar a humanidade a abandonar o crescimento.
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A conclusão de Georgescu é por demais inconveniente. U m
dia será necessário encontrar uma via de desenvolvimento hu
mano que possa ser compatível com a retração, isto é, com o
decréscimo do produto. Por isso, no curto prazo é preciso que o
crescimento seja o mais compatibilizado possível com a conser
vação da natureza. Não se trata de conseguir "crescimento zero",
ou "condição estacionária", visões por ele consideradas ingénu
as. Para Georgescu, crescimento é sempre depleção e, portanto,
encurtamento de expectativa de vida da espécie humana. N ã o
considera cinismo, ou pessimismo, reconhecer que os seres hu
manos não querem abrir mão de seu presente conforto para fa
cilitar a vida dos que viverão daqui a dez m i l anos. Trata-se ape
nas, dizia, de entender que a espécie humana está determinada
a ter uma vida curta, porém excitante. Em suma, ficaria na dú
vida entre rir ou chorar se tivesse tido a oportunidade de tomar
conhecimento da atual discussão entre os economistas conven
cionais sobre os dois géneros de sustentabilidade, apresentada a
seguir.
Arenga sobre incompatibilidade
Desde 1969, quando o prémio Nobel passou a ser concedi
do também a economistas, por uma única vez a sua justificativa
referiu-se explicitamente ao crescimento. Foi em 1987, ao con-
templar Robert M . Solow "pela sua contribuição à teoria do cres
cimento económico". N ã o é de estranhar, portanto, que esse tam
bém tenha sido praticamente o único dos economistas laureados
pela academia sueca a realmente entrar na discussão sobre noção
de "sustentabilidade", alardeada justamente naquele ano pelo l i
vro Nosso futuro comum, mais conhecido como Relatório
Brundtland.
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Em sua teoria, inteiramente exposta em obra recente
(Solow, 2000), a natureza jamais consti tuirá sério obstáculo à
expansão. N o longo prazo, os ecossistemas não oferecerão qual
quer t i p o de l i m i t e , seja como fontes de insumos ou
assimiladores de impactos. Qualquer elemento da biosfera que
se mostrar l imitante ao processo produtivo, cedo ou tarde,
acabará subs t i tu ído , graças a mudanças na combinação entre
seus três ingredientes fundamentais: trabalho humano, capi
tal produzido e recursos naturais. Isto porque o progresso c i
entífico tecnológico sempre conseguirá introduzir as necessá
rias alterações que substituam a eventual escassez, ou compro
metimento, do terceiro fator, mediante inovações dos outros
dois ou de algum deles. Em vez de restrição às possibilidades
de expansão da economia, os recursos naturais podem no má
ximo criar obstáculos relativos e passageiros, já que serão inde
finidamente superados por invenções.
Cinco anos depois de receber o Nobel, quando a expressão
"desenvolvimento sustentável" acabara de ser consagrada na con
ferência Rio-92, Solow foi convocado a abordar diretamente esse
tema como conferencista na comemoração do quadragésimo ani
versário da organização Resources for the Future, uma das mais tra
dicionais e moderadas ONGs ambientalistas americanas. O sim
ples tom da primeira frase dessa conferência já indicava bem o
sentido do passo "quase prático" rumo à sustentabilidade que ele
ali propôs: "vocês talvez fiquem aliviados em saber que esta pales
tra não será uma arenga sobre a intrínseca incompatibilidade en
tre crescimento económico e preocupação com o ambiente natu
ral" (Solow, 1993: 162).
Todavia, desse ultra-otimismo tecnológico, que sempre este
ve na base do raciocínio de Solow, não decorre necessariamente
122
um sério desprezo pelo compromisso ético com as futuras gera
ções. Para ele, a noção de sustentabilidade é muito útil, pois a
humanidade precisa evitar tudo o que possa ocorrer em detri
mento de seus descendentes. Não apenas dos mais diretos, mas
também dos mais distantes. Só que isto significa, em seu ponto
de vista, a preservação da capacidade produtiva para um futuro
indefinido, pela ilimitada substituição dos recursos não renováveis.
O que exigirá, evidentemente, mudanças importantes na manei
ra de se medir o desempenho das economias, isto é, dos sistemas
públicos de contabilidade, sejam eles nacionais, regionais ou lo
cais. Será preciso calcular PIBs e PNBs "verdes", que ele prefere
chamar de produtos interno ou nacional "líquido".
Os seguidores de Solow enxergam a sustentabilidade como
capital total constante. Uma concepção que acabou sendo bati-
zada de "fraca". Isto porque assume que, no limite, o estoque de
recursos naturais possa até ser exaurido, desde que esse declínio
seja progressivamente contrabalançado por acréscimos propor
cionais, ou mais do que proporcionais, dos outros dois fatores-
chaves - trabalho e capital produzido, - muitas vezes agregados
na expressão "capital reprodutível". O u seja, nessa perspectiva
de "sustentabilidade fraca", o que é preciso garantir para as ge
rações futuras é a capacidade de produzir, e não manter qual
quer outro componente mais específico da economia. Como diz
Amazonas (2002: 136), é uma visão na qual a ideia de desen
volvimento sustentável acaba sendo absorvida e reduzida a cres
cimento económico. O que explica, aliás, a enfática advertência
de Solow (1992) sobre a inconveniência de se procurar uma
def inição menos vaga de sustentabilidade. Em suma: é seu
fortíssimo otimismo tecnológico que o leva a pregar pela fraque
za da sustentabilidade.
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Otimismo: seco ou suave?
Os economistas neoclássicos que não concordam com a pos
tura de Solow também não se preocupam com definições mais
precisas para o adjetivo "sustentável". O que os diferencia é que
são menos otimistas sobre as possibilidades de troca-troca entre
os fatores de produção, preferindo, por isso, propugnar o que
chamam de "sustentabilidade forte". Em geral, seguem a chama
da Escola de Londres, iluminada pela liderança intelectual de
Dav id W i l l i a m Pearce./ Entendem que o cr i té r io de jus t i ça
intergeraçÕes não deve ser a manutenção do capital total, mas
sim sua parte não reprodutível, que chamam de "capital natural".
E por não ignorarem que grande parte desse "capital natural" é
exaurível, propõem que os danos ambientais provocados por cer
tas atividades sejam de alguma forma compensados por outras.
Esse debate em torno da força relativa que deveria ter a deusa
"sustentabilidade" é dos mais herméticos e bizantinos. Afinal, na
c o n c e p ç ã o neoc láss i ca , o objeto c i ênc i a e c o n ó m i c a é o
gerenciamento racional da finitude dos recursos produtivos em
sociedades marcadas pela infinitude das necessidades humanas.
O manejo dessa contradição se faz por um sistema no qual os
preços exprimem a escassez relativa dos bens e serviços, papel que
tem sido desempenhado da maneira mais eficiente por mercados
livres, sem restr ições (embora quase todos tenham exigido
institucionalização de códigos de comportamento e vários graus
de regulamentação pública, principalmente estatal). A economia
neoclássica lida, portanto, com a alocação eficiente de recursos
escassos para fins alternativos, presentes e futuros, por meio do
sistema de preços de mercado. Neste sentido, a ques tão da
sustentabilidade corresponde à administração mais ou menos efi
ciente de uma dimensão específica da escassez.
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Se os mercados de recursos naturais funcionassem razoável
mente e gerassem seus preços relativos, nem teria surgido pico
cupação especial com a sustentabilidade ambiental, pois eles es
tariam sendo alocados de maneira eficiente ao longo do tempo.
Como isso não ocorre, o problema foi catalogado entre as "imper
feições de mercado". E a saída que parece razoável para os
neoclássicos em geral - de Solow a Pearce - é a criação de novos
mercados para os bens ambientais, como, por exemplo, mercados
de direitos de poluir ou de cotas de emissões. E para que tais
mercados possam surgir, são adotados vários expedientes de
"precificação", mais conhecidos como técnicas de valoração.
Essa foi a maneira de responder à embaraçosa questão sobre
o valor económico de bens que não adquirem valor de troca, não
tendo, portanto, preços. Os economistas convencionais passaram
a dizer que o valor de troca e o valor de uso são apenas duas partes
de um valor total formado por outros tipos de valores, entre os
quais o "valor de existência". Afinal, dizem eles, se algumas pesso
as conseguem satisfação somente por saber que algum ecossistema
particular existe em condições relativamente intocadas, o valor
resultante de sua existência é tão real como qualquer outro valor
económico, seja de uso ou de troca.
Esse valor começou então a ser medido por uma espécie de
análise de custo-benefício da alteração do bem-estar. Para um
indivíduo, o valor da mudança para uma situação preferida será
revelado pela "dispa": sua disposição a pagar por esse ganho. Se,
ao contrário, houver perda, ela será revelada pela "disco": sua dis
posição em aceitar algo como compensação. Para a sociedade, o
valor líquido de uma mudança ambiental pode ser avaliado pela
diferença entre o total das "dispa" dos que esperam ganhar e o
total das "disco" dos que esperam perder.
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Os procedimentos para esse tipo de avaliação que se torna
ram mais usuais são bem semelhantes às sondagens de opinião.
Propõem alternativas a uma amostra populacional afetada por
um problema ambiental de maneira a que sejam registradas as
"dispa" e "disco". Assim, se os cidadãos estiverem bem informa
dos sobre as consequências das opções propostas, podem ser cal
culados valores económicos de bens para os quais não existem
mercados. É dessa forma que costumam ser estimados, por exem
plo, valores de existência de espécies em extinção.
Nesse processo, os adeptos da economia ambiental conven
cional t ambém foram se convencendo de que a dificuldade de
saber qual é o valor económico da diversidade biológica, por exem
plo, não decorre de limitações da ciência económica e sim de
limitações das ciências naturais. Acham que seus métodos de ava
liação só não trazem bons resultados porque os ecólogos costu
mam ter pouca confiança em suas estimativas sobre os impactos
da alteração dos ecossistemas, além de raramente chegarem a um
acordo. Se os peritos não podem construir cenários fidedignos
que descrevam os efeitos de po l í t i ca s alternativas para a
biodiversidade, as "dispa" e "disco" dos cidadãos irão reagir a estes
cenários refletindo aquela incerteza e desinformação, tanto quan
to qualquer incerteza adicional que venha a ocorrer às suas pró
prias preferências com relação à biodiversidade. A confusão, a
ignorância e a apatia entre os leigos refletiriam, então, sinais in
completos e dissonantes dos especialistas.
Pequeno Príncipe
Seria um imenso equívoco imaginar que só os economistas
neoclássicos utilizam essas técnicas de valoração dos elementos
do meio ambiente que não têm preços. Por razões bem pragmáti-
126
cas, ligadas ao maior poder de persuasão de argumentos baseados
em valor monetário, é comum que economistas da corrente mais
cética também se sirvam desses expedientes de precificação. Por
isso, em países de capitalismo maduro, já é comum sondar a opi
nião das pessoas para saber que tipo de valor elas atribuiriam a
uma determinada melhora da qualidade do ar ou à preservação
de um rio. É uma maneira de "internalizar as externalidades", tio
jargão da ciência económica normal.
O maior problema é que esse malabarismo nem sempre con
segue persuadir. Qual poderia ser, por exemplo, o preço do ozô-
nio em rarefação, ou o preço de uma função como a regulação
térmica do planeta? Será que a preservação das diversidades bio
lógica e cultural poderia ficar na dependência do aperfeiçoamen
to dessas tentativas de simular mercados? Questões que só au
mentam a distância entre economistas convencionais e "ecológi
cos", mesmo que usem as mesmas técnicas. Os mais otimistas
consideram que a ciência económica só não respondeu a esses
problemas no passado porque eles não eram considerados pre
mentes pela sociedade. Os outros acham que esses problemas
revelam a imaturidade da economia como ciência, pois questio
nam a própria visão de sistema económico que é comum a todas
as teorias, das mais radicais às mais conservadoras.
U m bom exemplo foi o estudo realizado pela turma da "eco
nomia ecológica" sobre os benefícids proporcionados aos seres
humanos por dezesseis grandes ecossistemas terrestres, publica
do em 1997 pela revista Nature. Diz que as funções desempenha
das por esses ecossistemas, que há milhões de anos vinham sendo
usufruídas gratuitamente pela humanidade, na verdade valem
quase duas vezes toda a riqueza produzida no mundo durante
um ano, isto é, cerca de 33 trilhões de dólares anuais. Para um
127
dos pesquisadores envolvidos, esse resultado "pode até não ser
muito preciso, mas serve para dar uma dimensão da importância
da natureza na atividade humana". Segundo outro membro da
equipe, "fica muito mais fácil para a população e para as autorida
des compreender que, quando se usa a natureza, há um preço a
pagar".
Será que a atribuição de um preço fictício a um bem natural
é a melhor maneira de ganhar a opinião pública para a preserva
ção ambiental? Uma parte crescente dos economistas responde
que sim. N o fundo, eles estão convictos de que a racionalidade
económica sempre dominará as outras racionalidades. Como o
Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, eles acham que os adultos
nunca valorizam uma casa por que ela tem tijolos rosados, com
gerânios nas janelas e pombas no telhado. Só são capazes de ad
mirar sua beleza quando ouvem que ela custa tantos milhões.
O problema é que os adultos t ambém não acreditam em
estórias da carochinha. Sabem que os preços são determinados
simultaneamente pela utilidade e pelo custo de produção. Perce
bem intuitivamente o que coube a Alfred Marshall esclarecer em
1890: "Da mesma forma que não se pode afirmar se é a lâmina
inferior ou superior de uma tesoura que corta uma folha de pa
pel, também não se pode discutir se o valor e os preços são gover
nados pela utilidade ou pelo custo de produção."
Isto quer dizer que só podem ter valor económico e, portan
to, preço, bens que sejam produtíveis e apropriáveis. E tais bens
representam, por mais espantoso que possa parecer, uma ínfima
parcela do universo formado por todos os seres vivos e objetos que
compõem a biosfera. A aceitação dessa microscópica redução foi
indispensável para que se chegasse à visão de sistema económico
representado pelas contas sociais.
128
Como diz o economista espanhol José Manuel Naredo
(1987), ao nos perguntarmos como será possível contabilizar
monetariamente bens naturais que não têm preço, estamos nos
perguntando se é possível estender a economia para um campo
que não seja o seu. A noção usual de sistema económico consoli-
dou-se justamente pelo crescente distanciamento da natureza.
Por isso, toda tentativa de incorporar variáveis ambientais nas
contabilidades esbarra em obstáculos conceituais e práticos que
acabam tornando os resultados muito suspeitos. T ã o suspeitos
quanto esses 33 trilhões de dólares anuais atribuídos a dezesseis
grandes ecossistemas terrestres.
Horizonte
O que realmente opõe os economistas ecológicos a todas as
outras correntes não é, portanto, o uso de técnicas de valoração,
mas sim a crítica básica de Georgescu-Roegen à tese de Robert
Solow, choque que nunca fora exposto de forma tão clara quanto
no fórum publicado em número especial da revista Ecological
Economics de setembro de 1997 (vol. 22, n. 3).
A ideia desse fórum partiu de Herman E. Daly, o mais ilus
tre d isc ípulo de Georgescu. E a apresentação começa com o
pomo da discórdia: recursos naturais e capitais são geralmente
complementares e não substitutos. Pensar, como Solow, que eles
possam se substituir é contrariar du^s leis da te rmodinâmica .
Como dizia Georgescu, imaginar uma economia sem recursos
naturais — como Solow chegou a fazer em 1974 — é simples
mente ignorar a diferença entre o mundo real e o Jardim do
Éden. E a melhor defesa de Solow feita nesse fórum não foi a
réplica enviada pelo próprio, mas sim a de seu colaborador Joseph
E. Stiglitz. O argumento é muito simples: os modelos analíti-
129
cos da economia convencional são feitos para ajudar em ques
tões de médio prazo, isto é, para os próximos 50 ou 60 anos.
U m horizonte no qual os recursos naturais ainda poderão ser
facilmente substituíveis por capital.
Não pode ser mais patente, então, a raiz do impasse. Quan
do se evoca a segunda lei da termodinâmica para evidenciar a
fatalidade entrópica, o horizonte temporal é evidentemente de
longuíssimo prazo. Por isso prevalece um verdadeiro anátema entre
os economistas convencionais e os ecológicos a respeito da
sustentabilidade, mesmo na tal versão chamada de "forte". E a
questão que imediatamente se coloca só pode ser a seguinte: nada
poderia preencher esse imenso vazio que separa modelos de cres
cimento para algumas décadas da milenar fatalidade entrópica?
Não há, neste caso, um "caminho do meio"?
O que existe de diferente não chega a ser um "caminho do
meio", mas sim um desdobramento menos pessimista das ideias
de Georgescu, feito por Herman E. Daly. Sua proposta é superar
o crescimento económico pelo resgate de uma ideia formulada
por economistas clássicos, e principalmente John Stuart M i l l em
1857: a condição estacionária ("stationary state"), que Daly prefe
re chamar de "steady-state economy", certamente por analogia à
hipótese cosmológica de que a densidade total da matéria perma
nece constante no universo em expansão.
Stuart M i l l declarou-se francamente propenso a crer que a
"condição estacionária do capital e da riqueza" seria, no conjunto,
uma enorme melhoria, ao contrário de uma "aversão impassível",
generalizadamente manifestada pelos economistas clássicos que o
antecederam e que ele classificava "da velha escola". Como se trata
de um autor muito pouco lido nos atuais cursos das chamadas
humanidades, os próximos parágrafos resumem o pensamento de
130
M i l l sobre a condição estacionária, usando quase que literalmen
te o seu próprio texto ( M i l l , 1983: 252-4).
Ele começa por confessar que não lhe encanta o ideal de vida
defendido por quem pensa que o estado normal dos seres huma
nos é aquele de sempre lutar para progredir do ponto de vista
e c o n ó m i c o . Atropelar e pisar os outros, andar sempre às
cotoveladas ao encalço do outro não podem ser o destino mais
desejável da espécie humana. Na realidade, esses seriam apenas
sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso. Um está
gio necessário no progresso da civilização. Isso seria um incidente
do crescimento, não uma marca do declínio, pois essa condição
estacionária do capital não é necessariamente destruidora das as
pirações mais elevadas e das virtudes heróicas, como a América,
em sua grande guerra civil, o demonstrou ao mundo, tanto pela
sua conduta como povo, quanto por numerosos exemplos esplên
didos.
Mas esse não é o tipo de situação que os filantropos futuros
desejarão muito ajudar a construir, acrescenta M i l l . Sem dúvida,
é altamente conveniente que, enquanto as riquezas forem consi
deradas como poder, e o tornar-se o mais rico possível for um
objetivo universal de ambição, o caminho para chegar a isso seja
aberto a todos, sem favorecimento ou parcialidade. Mas o melhor
estado para a natureza humana é aquele em que, se por um lado
ninguém é pobre, por outro lado ninguém deseja ser mais rico do
que é, nem tem motivo algum para temer ser jogado para trás
pelos esforços que outros fazem para avançar.
Evidentemente, as energias da humanidade não devem se
enferrujar e permanecer estagnadas. É mais desejável que sejam
utilizadas para conseguir riqueza do que para lutar na guerra.
Mas isso somente até o momento em que suas inteligências pos-
131
sam ser educadas para coisas melhores. Enquanto estas forem pri
mitivas e necessitarem de estímulos primitivos, que os tenham.
Entrementes, os que não aceitam o estágio atual do aperfeiçoa
mento humano - ainda muito inicial - como o modelo último
deste, podem ser escusados por se manterem relativamente indi
ferentes a esse tipo de progresso económico, que desperta as con
gratulações dos políticos comuns e que consiste no simples au
mento da produção e na acumulação de capital. Para a segurança
da independência nacional, é essencial que um país não fique
muito atrás de seus vizinhos nessas coisas. Mas, consideradas em
si mesmas, são de pouca importância enquanto o aumento da
população ou algum outro fator impedir a massa do povo de ter
alguma participação no benefício proporcionado por elas.
O aumento da produção só deveria continuar a ser uma meta
importante nos países atrasados. Nos mais avançados, o que se
necessitaria, segundo M i l l , seria de uma melhor distribuição. E
um meio fundamental seria a limitação maior da população. N i
velar instituições - fossem elas justas ou injustas - não poderia
bastar, pois com isso poder-se-ia apenas fazer baixar quem esti
vesse muito por cima, em vez de fazer subir em caráter perma
nente quem estivesse na base da sociedade.
M i l l supunha que essa melhor distribuição poderia ser ade
quadamente atingida pelo efeito conjunto da prudência e da fru-
galidade dos indivíduos e por um sistema de legislação que favo
recesse a igualdade das fortunas, na medida em que isso fosse
conciliável com o justo direito do homem ou da mulher aos fru
tos, grandes ou pequenos, de seu própr io trabalho. "Podemos
pensar, por exemplo, em limitar a soma que qualquer pessoa pode
adquirir por doação ou por herança ao montante suficiente para
proporcionar uma autonomia razoável. Sob essa dupla influên-
132
cia, a sociedade apresentaria as seguintes características domi
nantes: um conjunto de trabalhadores bem remunerados e aflu
entes e inexistência de fortunas enormes, a não ser que fossem
ganhas e acumuladas durante uma ú n i c a ex i s t ênc i a ; em
contrapartida, um conjunto, muito maior do que atualmente, de
pessoas não apenas livres das ocupações mais duras, mas também
dispondo de lazer suficiente, tanto físico quanto mental, para se
libertarem de detalhes mecânicos e poderem cultivar livremente
os encantos da vida, e para darem exemplos disso às classes menos
favorecidas para o cultivo desses valores" (Mi l l , 1983: 253).
Enfim, Stuart M i l l imaginava uma sociedade com tais carac
terísticas como altamente preferível àquela que via na parte mais
avançada do mundo de meados do século XIX. E não achava que
ela seria apenas perfeitamente compatível com a condição estaci
onária. Afirmava que ela se coadunaria com mais naturalidade
com essa condição estacionária do que qualquer outra. Além dis
so, achava que nos países mais povoados já havia sido atingida a
densidade necessária para possibilitar à humanidade obter, no
grau máximo, todas as vantagens da cooperação e do intercâmbio
social.
Uma população pode ser excessiva, mesmo que todos tenham
abundância de alimentos e de roupa. Não é bom que o homem
seja forçado em todos os momentos a estar no meio de seus seme
lhantes. Um mundo do qual se extirpa a solidão é um ideal muito
pobre. A solidão, no sentido de estar muitas vezes a sós, é essen
cial para qualquer profundidade de meditação ou de caráter; e a
solidão na presença da beleza e da grandeza natural é o berço de
pensamentos e aspirações que não apenas são bons para o indiví
duo, mas também algo sem o qual dificilmente a sociedade pode
ria passar.
133
M i l l não via como se poderia sentir muita satisfação em con
templar um mundo em que não sobrasse espaço para a atividade
espontânea da natureza: um mundo em que se cultivasse cada naco
de terra capaz de produzir alimentos para seres humanos, um mun
do em que toda a área agreste e florida ou pastagem natural fosse
arada, um mundo em que todos os quadrúpedes ou aves não domes
ticados para consumo humano fossem exterminados como rivais do
homem em busca de alimento, um mundo em que cada árvore su
pérflua fosse arrancada, e raramente sobrasse um lugar onde pudesse
crescer um arbusto ou uma flor selvagem, sem serem exterminados
como erva daninha, em nome de uma agricultura aprimorada.
"Se a Terra tiver que perder a grande parte de amenidade que
deve a coisas que o aumento ilimitado da riqueza e da população
extirpariam dela, simplesmente para possibilitar à Terra sustentar
uma população maior, mas não uma população melhor ou mais
feliz, espero sinceramente, por amor à posteridade, que a popula
ção se contente com permanecer estacionária, muito antes que a
necessidade a obrigue a isso" ( M i l l , 1983: 254).
Colapso nervoso
O otimismo de M i l l entrevia grandes mudanças no destino
humano. Somente quando, além de instituições justas, o aumen
to quantitativo da humanidade for guiado de forma planejada
pela previsão criteriosa, somente então as conquistas sobre as for
ças da natureza conseguida pelo intelecto e pela energia de pes
quisadores científicos poderão transformar-se em propriedade co
mum da espécie humana, bem como em meio para melhorar e
elevar a sorte de todos.
Como já foi enfatizado no primeiro capítulo, mas vale a pena
repetir, o padrão de vida médio na Europa e nos Estados Unidos
134
praticamente quadruplicou nos 150 anos que separaram o final
do século X V I I I do abalo sísmico da crise de 1929, como disse
Keynes, graças aos avanços científico-tecnológicos obtidos "atra
vés do carvão, do vapor, da eletricidade, do petróleo e do aço, da
borracha, do algodão e das indústrias químicas, das máquinas
automáticas e dos métodos de produção de massa, do telégrafo e
da imprensa, de Newton, Darwin e Einstein, e milhares de ou
tras coisas, homens famosos e conhecidos demais para enume
rar". Pelos cálculos de Keynes, o crescimento do capital deu-se
numa escala bem superior a uma centena de vezes do que jamais
existiu em qualquer período anterior. "E de agora em diante, não
precisamos esperar um aumento tão grande da população" (Keynes,
1984: 153).
Considera-se em geral que o parto do crescimento económi
co moderno ocorreu durante os noventa anos de revoltas e revolu
ções políticas que separaram a prolongada resistência das treze
colónias norte-americanas à política colonial britânica (da qual
resultou a Declaração de Independência em 1776) e a queda do
governo Tokugawa, no Japão, em janeiro de 1868. Foi durante
esses noventa anos que a Revolução Industrial atingiu as nações
que fazem parte do seleto Primeiro Mundo. E não pode haver
dúvida sobre a ruptura introduzida pela indústria, pois, de 1700
a 1990, o desempenho económico europeu foi mais de vinte ve
zes superior ao dos sete séculos anteriores. O brilhante historia
dor económico Paul Bairoch estimou que, na melhor das hipóte
ses, a produtividade do conjunto da economia europeia dobrou
entre os anos 1000 e 1700, sendo que ela foi multiplicada por 45
nos quase três séculos posteriores. Todavia, quando examinou mais
em detalhe o crescimento económico moderno, o próprio Bairoch
(1987) foi levado a fazer uma clara distinção entre o per íodo
135
anterior e posterior à interpenetração entre ciência e técnica, si
multânea à expansão dos sistemas educacionais.
Apesar de alertar para uma nova doença, a respeito da qual
alguns de seus leitores ainda não teriam ouvido falar, mas sobre a
qual certamente ouviriam muito nos anos seguintes - o desem
prego tecnológico - , Keynes se mostrava tão ou mais confiante
que M i l l sobre o que se poderia esperar para os cem anos posteri
ores a 1930. O crash de 1929 não tirou seu otimismo sobre as
possibilidades económicas de seus netos, frase que deu título ao
ensaio. Seria, segundo ele, "apenas uma fase t emporá r i a de
desajustamento. Afinal, tudo isto significa que a humanidade está
resolvendo seu problema económico. Eu prediria que o padrão de
vida nos países em progresso será daqui a cem anos entre quatro e
oito vezes maior do que o atual. E não seria absurdo considerar a
possibilidade de um progresso ainda maior" (Keynes, 1984: 153).
Contrariamente ao que se poderia deduzir desse forte o t i
mismo que certamente foi confirmado pelos acontecimentos, as
subsequentes conjecturas de Keynes se desdobram em direção
semelhante às de M i l l . Sua conclusão foi que, se não houvesse
grandes guerras ou grande aumento da população, o problema
económico poderia ser resolvido ou, pelo menos, ter uma solução à
vista nos cem anos subsequentes. Isto significa que o problema
económico não constitui — se olharmos para o futuro - o proble
ma permanente da humanidade.
"Por que - perguntariam vocês - que isso é tão surpreenden
te? É surpreendente porque - se em vez de olharmos para o futu
ro, olharmos para o passado - verificaremos que o problema eco
nómico, a luta pela subsistência, sempre foi o problema funda
mental e mais premente da raça humana - não só da raça huma
na, mas de todo o reino biológico, desde o início da vida em suas
136
formas mais primitivas". "Dessa maneira, estivemos expressamente
envolvidos pela natureza - com todos os nossos impulsos e os
mais profundos instintos - na tarefa de resolver o problema eco
nómico. Se o problema económico for resolvido, a humanidade
ficará privada de seu objetivo tradicional" (Keynes, 1984: 155).
"Será isso um benefício? Se de alguma forma acreditamos
nos valores reais da vida, essa perspectiva pelo menos abre uma
oportunidade de benefício. Contudo, penso com pavor no rea
justamento dos hábitos e instintos do homem comum, nele cul
tivados por incontáveis gerações, e que, daqui a algumas décadas,
ele poderá ser solicitado a pôr de lado. Na linguagem atual, não
será de se esperar um 'colapso nervoso' geral? Já temos um pouco
de experiência do que quero dizer - um colapso nervoso do tipo
que já é comum na Inglaterra e nos Estados Unidos, entre as
mulheres das classes privilegiadas. Muitas dessas infelizes criatu
ras, privadas pela riqueza de suas tarefas e de suas ocupações tra
dicionais, não conseguem achar suficientemente satisfatória a si
tuação em que, não tendo necessidade económica de cozinhar,
limpar e remendar, são, contudo, incapazes de descobrir alguma
ocupação mais agradável. Para os que suam pelo seu pão cotidia-
no, o lazer constitui uma doçura esperada - até ser obtida"
(Keynes,1984: 155).
Outro jargão '
O caráter obviamente machista dessa última observação não
impede que se perceba a proximidade entre essas ideias de Keynes
e as que foram formuladas mais de sessenta anos antes por Stuart
M i l l . Para este, a condição estacionária seria uma situação sem
crescimento da população e do estoque físico de capital, mas com
cont ínua melhoria tecnológica e ética. E para Daly, esta seria a
137
19 W
ideia mais relevante para pensar nas economias já maduras do
chamado "Norte" (ou "desenvolvidas", como, infelizmente, se cos
tuma dizer). Pensando nesses termos, a sustentabilidade é uma
questão muito mais crítica para o Norte do que para os periféricos
do Sul. Ela precisa ser antes de tudo atingida lá onde o nível de
uso dos recursos é simultaneamente suficiente para permitir boa
vida à popu lação e compat ível com a capacidade de suporte
ambiental.
O crescimento da população e da produção não deve levar a
humanidade a ultrapassar a capacidade de regeneração dos recur
sos e de absorção dos dejetos. Nos países do centro, tanto a pro
dução quanto a reprodução já deveriam estar voltadas apenas à
reposição. O crescimento físico deveria cessar, com continuidade
exclusiva de alterações qualitativas. Ou seja, na visão de Daly, a
ideia do desenvolvimento sustentável teria quase 150 anos, pois
só foi formulada com outro jargão. Desenvolvimento sustentável
quer dizer, para Daly, desenvolvimento sem crescimento.
Essa mudança radical de uma economia do crescimento, com
tudo que isso implicaria, para uma economia estável (mas não
estática), que começaria pelo Norte e mais tarde também seria
adotada pelo atual Sul, é difícil de ser vislumbrada. Mas Daly
propõe quatro políticas inter-relacionadas em ordem crescente
de radicalismo. As duas primeiras seriam até conservadoras, fun
damentalmente neoclássicas, e não deveriam ser objeto de muita
controvérsia, embora infelizmente o sejam. A terceira certamente
exigiria muito debate, e a quarta com certeza seria considerada
totalmente fora de propósito pela esmagadora maioria dos econo
mistas (Daly, 1997: 179).
Em primeiro lugar, é preciso acabar com essa loucura de
contabilizar o consumo de capital natural como renda. Renda,
138
por definição, é o montante máximo que uma sociedade pode
consumir este ano (com uma dada base de recursos) e ainda ser
capaz de consumir o mesmo montante no próximo ano. Ou seja,
o consumo, este ano, se for chamado de renda, deve deixar intacta
a capacidade de se produzir e consumir o mesmo volume no ano
próximo. Assim, a noção de sustentabilidade está inserida na pró
pria definição de renda. No entanto, a capacidade produtiva que
deve ser mantida intacta tem sido tradicionalmente entendida
somente como capital construído pelo homem, excluindo-se o
capital natural.
Tem-se habitualmente computado o capital natural como
um bem livre. Isto até poderia se justificar no mundo relativa
mente vazio de antigamente. Mas no repleto mundo de hoje,
nada existe de mais antieconômico. E esse erro de implicitamen
te contabilizar o capital natural como renda domina três âmbitos
cruciais: o Sistema de Contas Nacionais, a avaliação de projetos
que exaurem capital natural e a contabilidade do balanço inter
nacional de pagamentos.
No caso das contabilidades nacionais, a questão é bem reco
nhecida, e esforços estão em curso para que tão crasso erro seja
corrigido. Várias organizações internacionais, a começar pelo pró
prio Banco Mundial, empenham-se hoje para encontrar a melhor
maneira de esverdear o PIB e o PNB. Já no caso da avaliação de
projetos, a situação é ambígua. Ele é há muito reconhecido pelos
economistas convencionais que apontam para a necessidade de se
contar o "custo de uso" (encargos de depleção) como parte do
custo de oportunidade de projetos que consomem recursos natu
rais. Todavia, quase sempre isso acaba sendo deixado de lado na
prática usual das instituições de financiamento, a começar (outra
vez) pelo Banco Mundial. Custos de uso não contabilizados apa-
139
recém em benefícios líquidos inflados e em taxas de retorno supe
restimadas. Isto enviesa a alocação de investimentos na direção de
projetos que causam depleção de capital natural, afastando-os de
projetos mais equilibrados ou menos distorcidos.
Corrigir tal viés é o primeiro passo lógico na direção de uma
política de desenvolvimento sustentável. O custo de uso deve ser
contado não somente em face da depleção de recursos não renováveis,
mas também no caso de projetos que exploram recursos naturais
renováveis sem respeito pelo patamar de reprodução. A função de
sorvedouro, ou serviços de absorção prestados pelo capital natural,
pode igualmente se esgotar se usada além de certo ponto. Portanto,
um custo de uso deve ser computado em projetos que comprome
tem a capacidade de assimilação, tal como a possibilidade de um rio
transportar resíduos, ou da atmosfera absorver dióxido de carbono.
E na contabilidade do balanço de pagamentos, a exportação
de capital natural extraído, seja petróleo ou madeira cortada além
do patamar de reprodução, entra na conta corrente e assim é
tratada inteiramente como renda. No entanto, alguma porção
dessas exportações deveria ser tratada como ativo, entrando na
conta capital. Se isso fosse feito dessa maneira, alguns países veri
am seus aparentes superávits na balança comercial convertidos
em déficits atualmente financiados por saques e transferências ko
exterior de seu estoque de capital natural. Reclassificar transações /
de forma a converter superávits na balança comercial em redon
dos déficits exigiria o desencadeamento de recomendações intei
ramente novas pelo F M I , assim que essa instituição começasse a
se preocupar de fato com a sustentabilidade do desenvolvimento.
A segunda política recomendada por Daly é tributar menos
a renda e taxar mais o uso de recursos naturais. Além de remover
os subsídios financeiros explícitos ao uso de energia, água, fertili-
V 140
d» <
uri
zantes e até ao desmatamento, será necessário também retirar os
implícitos. Ou seja, todos os custos externos para as comunida
des gerados pela produção de mercadorias sobre as quais eles não
incidem. A maneira mais simples e operacional seria distanciar a
base de impostos do trabalho e da renda, principalmente quando
se lembra o quanto é distorcido um sistema que taxa trabalho e
renda em situação de imenso desemprego. Isso só desencoraja o
que mais se gostaria de promover: a ocupação.
Seria muito melhor economizar no uso da natureza devido
aos altos custos externos de suas respectivas depleção e poluição,
e simultaneamente favorecer a ocupação de mão-de-obra capaz
de reduzir o desemprego. Em poucas palavras, elevar a produtivi
dade dos recursos naturais. É verdade que são limitadas as possi
bilidades desse tipo de substituição entre recursos naturais e tra
balho, mas é preciso tirar o máximo partido das que existem.
Realizar essa mudança na base da taxação induz maior eficiência
no uso dos recursos naturais e internaliza, de maneira rude e
grosseira, as externalidades de depleção e poluição.
Do ponto de vista político, a introdução de ecotaxas pode
ser vendida sob a bandeira da neutralidade da receita: o mesmo
montante de dinheiro será retirado da coletividade, mas de um
jeito bem diferente. Mesmo mantendo o perfil progressivo do
imposto de renda, que permite subsidiar" famílias de renda muito
baixa, o grosso da receita pública deveria ser extraído de impostos
sobre o uso da natureza, quer na ponta da depleção, quer na da
poluição, mas especialmente da primeira. O u seja, a finalidade
da manutenção do imposto de renda seria a redistribuição e não
a geração de recursos governamentais.
Essa reforma tributária ecológica, crucial para o ajustamento
estrutural, deve ser realizada gradualmente e começar pelas soci-
141
edades do núcleo central, ou orgânico, da economia mundial. O
que mostra bem a dificuldade da operação, pois as organizações
internacionais que já estão adotando o discurso do desenvolvi
mento sustentável têm enorme poder de pressão sobre o Sul, mas
quase nenhum sobre o Norte.
As duas políticas mais controversas
A terceira política recomendada por Daly é a de maximizar a
produtividade do capital natural no curto prazo e investir no
crescimento de sua oferta no longo. Não há desacordo sobre o
princípio lógico de que se deva lidar dessa forma com o fator
limitante de qualquer sistema de produção: maximizar sua pro
dutividade hoje e investir no seu aumento amanhã. O desacordo,
como já foi bem enfatizado, é sobre o fato de se considerar o
capital natural como o fator limitante. É uma ideia que parece
irrelevante para quem acredita que recursos naturais sejam
substituíveis por capital produzido pelo trabalho humano. No
entanto, por mais exercícios que possam fazer os econometristas,
o senso comum reconhece o fato de que capital natural e capital
construído são fundamentalmente complementares e só margi
nalmente substituíveis.
Quando o capital natural era superabundante e seu preço
era zero, realmente pouco importava saber se ele era complemen
tar ou substituto do capital construído. Hoje, quanto mais escas
so se torna o capital natural remanescente, mais complementar
ele se mostra. A captura de peixes, por exemplo, não é limitada
pelo número de embarcações cada vez mais eficientes, mas sim
pelos cardumes que restam. Também não é o número de serrarias
que restringe o corte de madeira, mas as florestas que continuam
de pé. O óleo cru bombeado não se l imi ta pela capacidade
142
construída de extração, mas pelos estoques de petróleo remanes
centes. E a capacidade da atmosfera em continuar servindo como
depósi to de dióxido de carbono talvez ainda venha a ser mais
limitante que os próprios estoques de combustíveis fósseis.
Um substituto de capital natural é a mistura de capitais da
natureza e capitais produzidos pelo homem que ocorre, por exem
plo, em florestas plantadas, criação de peixes etc. É o que pode
ser chamado de capital natural cultivado. Todavia, mesmo dentro
dessa importante categoria h íb r ida , acabarão por se tornar
limitantes os serviços complementares essenciais do capital natu
ral, na forma de chuva, insolação, solo etc. Além disso, em termos
de biodiversidade, o capital natural cultivado sempre é inferior
aos recursos naturais propriamente ditos.
Tanto para recursos renováveis quanto para não renováveis, é
necessário fazer inversões para elevar a produtividade do uso de
recursos naturais. Aumentar a produtividade de um determina
do recurso pode ser, sem dúvida, um bom substituto para a ut i
lização de maior quantidade desse recurso. No entanto, a questão
central reside no fato de que o investimento deva ser feito é no
fator limitante. Em países nos quais esse fator limitante ainda é o
capital construído, não há muito mal em ver que seu investimen
to está sendo subsidiado. O problema é que não há mudança de
comportamento quando o fator limitante passa a ser o capital
natural. '
A quarta política recomendada por Daly é ainda mais pole
mica que as três anteriores juntas. Sair da ideologia da integração
económica global do livre comércio, do livre movimento de capi
tais e do crescimento promovido por exportações em direção a
uma orientação mais nacionalista que busque desenvolver a pro
dução doméstica para mercados internos como primeira opção,
143
recorrendo ao comércio internacional apenas quando claramente
muito mais eficiente. Segundo ele, o globalismo não contribui,
em geral, para um real aumento da produtividade dos recursos
naturais, mas sim para uma competição que abaixa padrões sala
riais e externaliza custos sociais e ambientais mediante exporta
ção de capital natural a baixos preços, enquanto os classifica como
renda.
Globalização
É profundo o choque de visões sobre a globalização. De um
lado, estão os que a enxergam como fenómeno real e pensam que
nada sintetizaria melhor a condição humana contemporânea. Do
outro, céticos, como Herman Daly, para quem tudo não passaria
de ilusão inflada pelo entusiasmo de inocentes globalistas. E nem
de longe tais visões são redutíveis a meras retóricas ou ideologias.
Há muito a se aprender com os dois campos, desde que se consi
ga separar o trigo do joio que em ambos prolifera.
Enquanto os melhores globalistas mostram a crescente im
portância de problemas mundiais que engendram cada vez mais
consciência sobre o destino comum da humanidade, os melhores
céticos alertam para a contínua primazia de interesses nacionais e
de fatos culturais que dão sentido às identidades socioterritoriais.
Tanto quanto os primeiros insistem no crescimento explosivo dos
mercados financeiros durante o último quarto do século passado,
seus contestadores enfatizam a organização das economias reais,
lembrando das insignificantes mudanças nas proporções entre
comércio e PIB ao longo de todo o século, ou das raízes geográfi
cas das multinacionais.
Examinar esse debate com serenidade - "a mais impolítica
das virtudes", segundo o saudoso pensador piemontês Norberto
144
Bobbio - exige ponderação dos bons argumentos lançados por
ambos os lados, com o intuito de discernir terreno comum que
conduza a algo mais consistente, exatamente o contrário dos que
pensam que haveria "consenso" sobre um suposto "fracasso" da
globalização. A falta de cabimento de se falar em consenso sobre
a globalização está magistralmente exposta em opúsculo que David
Held redigiu com Anthony McGrew, intitulado An Introduction
to the Globalization Debate, publicado em português com o título
Prós e contras da globalização (2001).
Depois de dissecar as principais frentes de desacordo entre
globalistas e céticos, a dupla vislumbra cinco áreas de convergên
cia. Os "trigos" dos dois lados tendem a aceitar que esteja ocor
rendo: a) maior interligação económica nas e entre regiões do
mundo, ainda que com consequências multifacetadas; b) novas
desigualdades e abalo de velhas hierarquias, ambos provocados
pela c o m p e t i ç ã o inter-regional; c) ampl i ação de problemas
transnacionais e transfronteiriços (como lavagem de dinheiro ou
d isseminação de organismos geneticamente modificados, os
OGMs); d) expansão das formas de gestão internacional - como
a União Europeia e a Organização Mundial do Comércio ( O M C )
- , que traz novas interrogações sobre o tipo de ordem mundial a
ser construída; e) exigência de novas maneiras de pensar e de dar
respostas criativas sobre as futuras formas democráticas de regulação
política. /
Há, entretanto, pelo menos uma sexta face da globalização,
bem enfatizada em outro livro do grupo de David Held (1999),
que não poderia ser ignorada até pelo pior dos analistas céticos. É
inédito o reconhecimento do caráter planetário da apreensão sobre
a decadência ambiental. E não é por outra razão que os movimen
tos ambientalistas são os que mais questionam (e até desafiam) a
145
manutenção do Estado-Nação como principal lócus de legitimida
de do poder. Aliás, não é mera coincidência o fato de terem sido os
Verdes os primeiros a fundarem um partido europeu, mediante a
fusão de 32 formações políticas nascidas em países que, em grande
maioria, farão parte da UE. Esse primeiro partido europeu foi fun
dado em Roma, durante o carnaval de 2004.
O desgaste da camada de ozônio, o aumento do efeito estufa
e as perdas de biodiversidade são problemas globais em sua pró
pria génese e âmago. São três questões que explicitam o cerne dos
conflitos sociais sobre a sustentabilidade. Este cerne reside na
dificuldade de, preservar e expandir as liberdades substantivas de
que as pessoas hoje desfrutam sem comprometer a capacidade
das futuras gerações desfrutarem de liberdade semelhante ou
maior. Por isso, não poderia ter sido mais oportuna a exposição
dessa tese por Amartya Sen no suplemento Mais!, da Folha de
S.Paulo de 14/03/04. Mesmo que se atribua absoluta supremacia
ao antropocentrismo, ainda assim a questão central é a de garan
tir condições para que as futuras gerações possam desfrutar de
liberdade bem maior que a atual.
São transcendentes duas ideias desse artigo do prémio Nobel
de 1998. A primeira é a crítica ao que muitos supõem ser o "con
ceito" de desenvolvimento sustentável. A versão original, do Rela
tório Brundtland, comparava as "necessidades" desta e das próxi
mas gerações. Na forma ampliada por Robert Solow, a compara
ção passou a ser entre "padrões de vida", mas está ausente das
duas versões a liberdade dos humanos para salvaguardarem aqui
lo que valorizam e aquilo a que atribuem importância. "Nossa
razão para valorizar determinadas oportunidades não precisa sem
pre derivar da contribuição que elas oferecem ao nosso padrão de
vida", escreveu Amartya Sen.
146
A segunda se refere ao senso de responsabilidade quanto ao
futuro das espécies. É justamente pelo fato de a espécie humana ter
conseguido se tornar a mais poderosa que ela deve ter responsabili
dade para com as outras, em generoso e altruísta esforço por mino
rar tal assimetria. Se uma comunidade humana demonstra prefe
rência pela conservação de determinado ecossistema em vez da im
plantação de um parque de diversões, por exemplo, isto só pode ser
sinal de que interesses estreitamente locais foram subordinados a
uma bem mais vasta atenção global a valores morais e estéticos.
Governança
Uma eventual adoção pelos países centrais daquelas quatro
políticas básicas propostas por Herman Daly, e de tantas outras
necessárias para que pudessem empreender uma transição para
um processo de desenvolvimento sem crescimento, exigiria um
verdadeiro choque de al truísmo. Nas palavras de Daly (1996:
201): "a change ofheart, a renewal ofthe mind, and a healthy dose
of repentance". Três evocações religiosas, que ele usa de propósito,
por considerar que mudança tão profunda no rumo das socieda
des contemporâneas — quer se queira ou não — é essencialmente
religiosa. E acrescenta que sabe muito bem que a melhor maneira
de marginalizar uma questão no ambiente académico é classificá-
la de religiosa. Todavia, como bom católico, parece-lhe absurdo
não dar à Bíblia os créditos que lhe são devidos pelos princípios
éticos e morais hoje expostos e analisados por famosos pensadores
laicos, como John Rawls, Robert Nozick e Amartya Sen. Além
disso, também não é impossível encontrar exemplos históricos de
mudanças radicais que emergiram de motivações extra-econômi-
cas e foram fortemente influenciadas por valores e ideais, como
argumenta Romeiro (2000).
147
Raciocínio diferente, mas igualmente exploratório, é feito
por Douglass E. Booth (1998), um entusiasta das ideias de Daly.
Para ele, o problema central está na força dos interesses que preci
sarão ser contrariados, principalmente nos países mais ricos. Não
existe resposta fácil, e ela é altamente especulativa. Por isso, pro
põe um brevíssimo exame de duas possíveis vias de transição.
A primeira, que lhe parece mais óbvia, seria um brusco corte no
suprimento de petróleo motivado por crise política no Oriente Mé
dio. Em prazo mais longo, um eventual esgotamento das reservas de
petróleo e de gás teria o mesmo efeito, sempre segundo Booth. A
explosão do custo energético do sistema certamente engendraria es
forços de conservação e a procura de substitutos em fontes renováveis.
Todavia, além dos riscos de uma volta ao carvão e de uma possível
retomada do alto consumo caso a crise política fosse ultrapassada,
Booth pondera que uma tal via implicaria danos económicos e rup
turas sociais que poderiam ser evitadas por uma transição planejada.
Bem melhor seria, evidentemente, que a t e n d ê n c i a
incremental da consciência coletiva sobre os problemas ambientais
se acelerasse. Com mais força política, o movimento ambientalista
poderia ter sucesso cada vez maior nas batalhas por regulamenta
ções, principalmente no âmbito dos acordos internacionais. Para
Booth, a maior dificuldade, neste caso, é saber se o tempo neces
sário para tal processo institucional não seria superior ao ritmo da
degradação ambiental, principalmente no que se refere ao aque
cimento global. Pode ficar muito tarde para que se consiga uma
reversão. Muito dependeria, segundo ele, da possibilidade de ex
pansão da democracia económica, na perspectiva que tem sido
chamada de "economia solidária". E outra tendência que muito
poderia ajudar seria o desejo por mais lazer. Com mais tempo
livre e maior participação em atividades culturais, a população
148
seria levada a valorizar cada vez mais a natureza, reduzindo o
aumento do consumo material.
Seja como for, a contradição entre o atual imperativo do cres
cimento económico e a finitude dos recursos do planeta acabará
por se resolver de alguma maneira. Impossível prever, entretanto,
se essa solução decorrerá de uma governança cada vez mais
esclarecida do desenvolvimento, de hecatombes provocadas por
catástrofes ambientais, ou de alguma outra saída mais difícil de
se imaginar. Nada disso pode ser antecipado por duas razões bem
singelas. Primeiro, porque ainda está engatinhando o conheci
mento científico sobre a conexão entre os fenómenos humanos e
ecológicos. Segundo, porque esse limitado conhecimento cientí
fico já indica a completa indeterminação dos sistemas adaptativos
complexos, como são os sistemas vivos. Para prazos estimados em
gerações, em vez de anos ou décadas, de nada valem as projeções
do passado recente, por mais argutas que consigam ser.
Essa cegueira sobre as possibilidades futuras de formas sus
tentáveis de organização social só poderá diminuir com o aperfei
çoamento das metodologias científicas voltadas à montagem de
cenários. Contrariamente às projeções e às previsões, que tendem
a ser essencialmente quantitativas e a ter poucos pressupostos, os
cenários são narrativas lógicas que procuram justamente lidar com
as mais prováveis mudanças de rumo.'Ao explicitarem visões de
mundo alternativas e desafiarem'as posturas convencionais, os
cenários ajudam a identificar problemas que podem estar na pe
numbra, mas são cruciais para o desenvolvimento humano.
Só solução global
Foi exatamente por isso que o Stockolm Environment Institute
atraiu analistas com longa experiência nesse tipo de abordagem
149
para que integrassem o Global Scenario Group. O primeiro rela
tório desse grupo, intitulado Branch Points: Global Scenarios and
Human Choice, apresenta seis cenários embutidos em três visões
básicas sobre o futuro — convencional, barbárie e grandes transi
ções - , cada uma contendo duas variantes. Quem conhece o valor
pedagógico da utilização da abordagem de cenários certamente
tirará muito proveito do artigo publicado na edição de abril de
1998 da revista Environment, na qual dois diretores do Stockholm
Environment Institute, os cientistas Gilberto Gal lopín e Paul
Raskin, publicaram uma síntese do relatório Branch Points.
Além do simples prolongamento do status quo, que forneceu
o cenário I , de referência, o grupo incluiu na visão convencional
uma variante I I , reformista, que corresponderia à progressiva ado-
ção de propostas políticas já formuladas nas últimas décadas, em
parte consagradas na Rio-92. Além da possibilidade de uma de
sintegração institucional e económica contida num cenário I I I ,
de colapso, o grupo incluiu na visão barbárica uma variante IV,
autoritária, que permitiria tanto a proteção das elites em alguns
enclaves bem manejados, quanto o controle da massa de excluí
dos bem longe dessas fortalezas. Além da possibilidade V, de uma
progressiva adoção do ideário verde mais radical, do tipo "small is
beautifuF, qualificada de "ecocomunitária", o grupo incluiu na
visão das grandes transições uma variante V I na qual os mesmos
objetivos seriam atingidos com intensa globalização. Estes dois
últimos cenários, decorrentes da visão mais idealista, podem pa
recer excessivamente utópicos. Mas o grupo alerta que eles não
são menos plausíveis do que as propostas de sustentabilidade que
excluem profundas transformações sociais.
A principal conclusão desse exercício patrocinado pelo
Stockólm Environment Institute elimina qualquer possibilidade
150
de soluções separadas, uma para o núcleo formado pelos países
mais desenvolvidos e outra para as nações periféricas e semi-perifé-
ricas. Só uma verdadeira solução global poderia garantir um futuro
humano e sustentável, afirma o Global Scenario Group. E ela exi
giria que a formulação das políticas públicas assumisse desde já as
escalas da humanidade e da biosfera. Uma conclusão que pode ser
facilmente tachada de romântica, principalmente numa conjuntu
ra que parece apontar para os dois cenários da visão barbárica como
os mais prováveis. Mas não se deve esquecer que também tendem a
crescer os anseios de uma relação mais saudável com a natureza, as
rejeições às extravagâncias consumistas, as ressurreições de laços
comunitários e, sobretudo, as tentativas de encontrar mais sentido
para a vida humana. Mesmo que esses valores ainda estejam muito
dispersos e incipientes, eles poderão fazer emergir o cenário V I , de
sustentabilidade em contexto de globalização.
A conclusão mais incisiva do estudo refere-se, contudo, ao
cenário I I , reformista, que supõe a firme adoção das propostas do
famoso Relatório Brundtland. O consumo de energia oriunda de
fontes não renováveis, por exemplo, cairia bastante a partir de
2025. Mesmo assim, a concentração de carbono na atmosfera
continuaria a crescer ao longo do próximo século, atingindo ní
veis 25% superiores aos atuais. E foi esse tipo de resultado que
levou o grupo a afirmar que uma estratégia apoiada no Relatório
Brundtland pode até alcançar a sustentabilidade, mas numa si
tuação na qual não valeria a pena viver ("a sustainable world but
not one that is worth living in").
E agora, José?
Como reagem os economistas diante desse dilema entre a
postura francamente otimista de sua ciência normal - a mecânica
151
neoclássica - e uma outra, que poderia ser considerada apocalíptica,
no or ig ina l t e r m o d i n â m i c o de Georgescu, ou meramente
evangelista, na versão de seu discípulo Herman Daly?
Em esmagadora maioria, os economistas simplesmente ig
noram a existência desse dilema. Usam todas as suas energias
intelectuais para continuar a crer naquilo que foram treinados a
acreditar. Por razões eminentemente pragmáticas, ou por fervor
doutrinário, dão preferência ao otimismo teórico de Robert Solow,
ou ao empírico de Grossman & Krueger. Tornam-se usuários de
versões cada vez mais recauchutadas do raciocínio neoclássico,
que sempre serão mais "pé no chão" do que sua antítese ecológica.
E entre esses dois extremos há um heterogéneo pântano que in
siste em tentar "esverdear" outras variantes tradicionalmente anti-
eco lóg icas das c iências e c o n ó m i c a s , sejam elas de ca r á t e r
institucionalista ou duramente marxista.
Em tais circunstâncias, não existe sequer consenso sobre o
modo de classificar as correntes e tendências do pensamento eco
nómico, segundo suas respectivas visões da questão ambiental. E
não poderiam ser mais diferentes as recentes tentativas feitas no
Brasil. Amazonas (2002: 107-286) visualiza três blocos de teori
as: neoclássicas, institucionais e ecológicas. Romeiro (2003: 1-
29) prefere considerar apenas dois campos, os das susten-
tabilidades "fraca" e "forte", que opõem fundamentalmente - mas
não exclusivamente - os economistas neoclássicos aos que se di
zem "ecológicos". Mueller (2004: 97-104) t ambém destaca a
oposição intrínseca entre a economia ambiental neoclássica e a
economia ecológica, mas subdivide esta última em cinco varian
tes: "fundamentalismo socioambiental", "ambientalismo cepalino",
"ambientalismo dos pobres" (Martinez-Alier), "marxismo verde"
e "economia da sobrevivência". Montibeller-Filho (2001: 83-207)
152
já havia destacado o "ecomarxismo" como terceira vertente, ao
lado da neoclássica e da ecológica. E outras três obras t ambém
recentes que merecem ser mencionadas não chegam a apresentar
uma taxonomia das teorias económicas: Aroudo Mota (2001),
Foladori (2001) e Penteado (2004).
De que valeria propor aqui alguma outra tipologia das atuais
linhas teóricas e programas de pesquisa sobre a problemát ica
ambiental? Poder-se-ia, por exemplo, encarar a economia ecoló
gica como uma possível resultante do debate entre neoclássicos e
"ecoenergéticos", como propôs Vivien (1994). Confrontar essas
abordagens com relação a três temáticas distintas: economia dos
recursos naturais, economia do meio ambiente e economia do
desenvolvimento sustentável, como preferiram Faucheux & Noel
(1999). O u simplesmente constatar a persistência da clivagem
entre abordagens ortodoxas - como a de Pearson (2000), por
exemplo - e diversas abordagens não apenas heterodoxas, mas
que sobretudo pretendem promover a aproximação com as ciên
cias naturais. É a pretensão de juntar economia e ecologia que
está na base do programa de pesquisa da chamada "economia
eco lóg ica" . Basta consultar as primeiras p á g i n a s de seu
paradigmático manual, editado por Robert Costanza (1991), para
verificar que o objetivo desse movimento é superar simultanea
mente a "economia convencional" e a "ecologia convencional".
No fundo, todas esses esforços'de classificação se equivalem,
pois as tipologias são sempre dependentes dos critérios escolhi
dos. E qualquer tentativa de explicar como os economistas estão
voltando a dar importância à natureza será necessariamente leva
da a fazer agrupamentos por critérios que pareçam os mais perti
nentes ao autor. Todavia, muito mais importante do que qual
quer dessas tipologias é a compreensão da história do pensamen-
153
to económico, e entender que a economia só pôde se tornar ciên
cia por um processo reducionista que consolidou a noção hoje
usual de "sistema económico". Um sistema formado apenas por
aqueles objetos que além de apropriados e valorados, sejam consi
derados p rodu t íve i s . Coube a Naredo (1987) mostrar, com
meridiana clareza, que todas as tentativas atuais vão no sentido
de estender a economia para um campo que, na verdade, não é o
seu. É por isso, aliás, que alguns economistas ecológicos que pa
recem dos mais heterodoxos acabam usando e abusando, sem a
menor cerimónia, de técnicas de valoração ambiental que foram
concebidas por seus oponentes mais ortodoxos.
Não resta dúvida de que os programas de pesquisa em eco
nomia do meio ambiente se separam essencialmente pela ado
ção de pressupostos contrários sobre a reversibilidade dos pro
cessos de degradação ambiental, uma escolha que está intima
mente associada a um horizonte temporal, de pouquíssimas ou
muitas gerações. Como diz Georgescu (1976), a atividade eco
nómica de qualquer geração não deixa de influenciar a das gera
ções seguintes: os recursos terrestres em energia e materiais são
irrevogavelmente degradados e se acumulam os efeitos nocivos
das poluições sobre o ambiente. Por isso, um dos principais
problemas ecológicos que se colocam à humanidade é o da rela
ção entre a qualidade de vida de uma geração à outra, e particu
larmente o da repartição do dote da humanidade entre todas as
gerações. Ora, a ciência económica não pode sequer sonhar com
o tratamento desse problema. Seu objeto é a gestão de recursos
raros no âmbi to de uma única geração, ou, no máximo, tam
bém das duas seguintes. Não faz parte do raciocínio económico
a demanda e oferta de recursos naturais no ano 3000, para nem
mencionar os que poderiam existir daqui a 100 m i l anos. De
154
resto, nunca seriam mecanismos de mercado os que poderiam
proteger a humanidade de crises ecológicas, nem de otimizar a
repartição dos recursos entre gerações, por mais que se consiga
fixar preços "justos".
Ocorre, todavia, que um grande número das atuais agressões
ao meio ambiente podem, sim, ser mitigadas, ou mesmo evita
das, por mecanismos de mercado cujas instituições resultam de
novas regulamentações, principalmente regulamentações de i n
centivos. E vêm daí as forças que rejuvenescem a ciência econó
mica convencional. E sobre esta questão é fundamental o arguto
relato de casos ocorridos nos Estados Unidos, feito no fascinante
livro Tudo à venda, de Robert Kuttner. Dada a importância desse
depoimento, ele será reproduzido nas próximas páginas com as
próprias palavras de Kuttner (1998: 403-12).
Ti ro pela culatra
A primeira onda de regulação ambiental, nos anos 1970, co
meçou com critérios de saúde pública que procuravam reduzir a
poluição em sua origem. Exigiam que as indústrias empregassem a
melhor tecnologia disponível para conformar-se às normas para a
qualidade do ar e da água, para o controle de substâncias tóxicas e
assim por diante. A lei americana do ar puro (Clean Air Aci) de
1970 obrigava que os modelos de automóveis ano 1975 apresen
tassem uma redução de 90% na emissão de dióxido de carbono e
de hidrocarbonetos, apesar de a tecnologia necessária para atingir
esses resultados ainda não existir na época. A data de cumprimento
desses patamares teve de ser prorrogada, mas os carros dos anos
1980 já os tinham atingido e mesmo superado, graças a tecnologias
tornadas possíveis pela regulação. Hoje o controle da poluição au
tomobilística é um negócio de 7 bilhões de dólares por ano.
155
Nos primeiros anos da regulação da qualidade do ar, vários
problemas se evidenciaram. Os estados não possuíam nem a in
formação nem os recursos para coletar dados sobre as fontes de
poluição. Alguns dos patamares de emissão especificados nos ob-
jetivos iniciais mostraram-se tecnologicamente inatingíveis, ou
proibitivamente caros. Com o tempo, a maioria dos estados con-
formou-se à maioria das normas, mas outros problemas aparece
ram. Logo de início, os idealizadores da Lei do Ar Puro decidiram
impor normas mais exigentes às novas gerações de tecnologias de
produção. Isso parecia fazer sentido. Limpar o ar a um custo acei
tável é uma finalidade de longo prazo. Velhas fontes de poluição
acabariam por se tornar obsoletas. Em termos de custos, parecia
muito mais eficiente exigir que novas fábricas e geradores de energia
incluíssem em seus projetos tecnologias mais limpas do que adaptar
dispendiosamente instalações velhas. Por isso, os requisitos de
emissão mais exigentes foram aqueles aplicados a novas fontes
poluentes.
Contudo, tal abordagem saiu em parte pela culatra. Muitas
usinas elétricas e outros tipos de instalações industriais acabaram
por exigir uma longevidade muito maior do que a projetada, es
pecialmente como resultado de manutenção e renovação. Em
1990, mais de dois terços das emissões de usinas elétricas respon
sáveis pela chuva ácida provinham de instalações com 25 anos de
idade ou mais. A imposição de requisitos mais rigorosos de con
trole de poluição em novas instalações aumentava o custo margi
nal de se construir uma nova usina. De modo que os padrões
mais dispendiosos de emis são impostos a novas fontes
desencorajavam perversamente a adoção de novas tecnologias.
Um segundo problema era que a solução mais barata para se
atingir padrões de qualidade do ar ambiente - chaminés altas -
156
simplesmente exportava o problema. Na primeira geração da
regulação da qualidade do ar, chaminés altas pareciam a solução
ideal. Jogar poluentes na alta atmosfera resulta num ambiente
local mais limpo, possibilitando aos estados atingir mais cedo os
patamares ambientais. Infelizmente, aquilo que sobe cai mais
adiante. O gás sulfídrico e o óxido nitroso emitidos por fábricas e
usinas do Meio-Oeste, muitas das quais queimavam carvão bara
to e sujo, com alto teor de enxofre, voltaram à terra na forma de
chuva ácida, que caía centenas de quilómetros adiante, na Nova
Inglaterra e no Canadá. A chuva ácida matou peixes, desnudou
florestas, arruinou colheitas.
Embora o problema da chuva ácida já estivesse bem do
cumentado desde os anos 60, o Congresso norte-americano
ficou travado por quase vinte anos até que se decidisse por
controlá-la. O dilema era a repartição dos custos. O principal
culpado era o carvão de tipo sujo, abundante na região dos
Apalaches e amplamente usado pelas empresas de eletricidade
da região central dos EUA. O Meio-Oeste era responsável por
uma parcela desproporcionalmente alta de prec ip i tações de
chuva ácida, mas controlar diretamente tais emissões não cau
saria somente elevação dos custos locais de eletricidade; tam
bém fecharia as portas de muitas das minas de carvão de alto
teor de enxofre de West Virgínia, Penhsylvania e Kentucky, a
um custo de dezenas de milhares tle empregos. Os estados do
Sul e do Oeste, estes últ imos detentores de um carvão muito
mais l impo, destinado à exportação, não estavam dispostos a
arcar com os custos da limpeza do Meio-Oeste, que não queria
pagar mais caro pela eletricidade, porque isso originaria uma
desvantagem competitiva regional. De modo que o impasse
permaneceu.
157
Nesse ínter im, os economistas continuavam a refinar sua
posição em favor da regulação por incentivos — neste caso, a nego
ciação de direitos de emissão. Embora de início a permissão de se
vender "direitos de poluir" tenha se configurado para muitos
ambientalistas como um modo de sancionar a poluição e de de
gradar partes do país que ainda estavam limpas, os economistas
conseguiram demonstrar que um ambiente perfeitamente
imaculado seria inatingível. Sendo assim, o desafio colocado à
política pública era como conseguir o máximo de controle de
poluição com um mínimo de custo - independentemente de qual
controle de poluição se tratasse. Embora repulsivo à primeira vis
ta, um sistema que cria e permite a negociação de licenças de
poluição apresenta diversas virtudes.
Antes da criação de direitos negociáveis de emissão, uma ge
radora que emitisse gás sulfídrico em quantidade superior ao l i
mite permitido tinha quatro opções básicas: 1. mudar para um
c o m b u s t í v e l menos poluente; 2. incorporar tecnologia
ant ipoluição, normalmente dispositivos de dessulfurização; 3.
construir instalações novas e mais modernas; 4. apostar em que a
economia de energia reduzisse a produção e, portanto, a polui
ção. Uma geradora mais eficiente, cujas emissões totais já se en
contrassem abaixo dos limites admitidos, não tinha qualquer
motivo em especial para reduzi-los ainda mais, mesmo que isso
fosse tecnicamente factível e barato.
Direitos de poluir
Com a aparição dos direitos negociáveis de emissão, a gera
dora mais suja ganhou uma quinta opção. Passou a poder com
prar, no mercado aberto, o direito de poluir. Simultaneamente, a
geradora mais limpa passou a ter uma nova oportunidade de lu -
158
crar. Poderia reduzir ainda mais suas emissões, fazendo com que
lhe sobrasse uma quantidade maior de licenças para vender. A
virtude dessa abordagem foi que passou a permitir que as forças
descentralizadas do mercado encontrassem o caminho do menor
custo para reduzir a poluição no sistema como um todo. Caso
uma companhia de energia elétrica de Ohio concluísse que seria
mais barato trocar o carvão pelo gás natural, de modo a entrar em
conformidade com os limites de emissão, seus executivos escolhe
riam esse caminho. Mas caso acontecesse de a mesma quantidade
de poluição poder ser reduzida de modo ainda mais barato por
uma geradora mais moderna, situada, digamos, no Colorado,
então se tornaria mais interessante para a empresa de Ohio ad
quirir direitos excedentes de emissões da empresa do Colorado.
Haveria redução da mesma quantidade de poluição por chuva
ácida, mas a um custo menor.
A criação de uma espécie de "mercado obrigatório" mediante
negociação do direito de poluir é uma evolução sofisticada da
regulação convencional. N u m esquema de negociação de emis
sões, as fontes ganham quando vão além dos controles mínimos
que exerceriam se o sistema fosse outro. Enquanto a regulação
convencional é concebida para forçar a empresa a internalizar seus
custos sociais, os esquemas de comercialização de emissões são
projetados para internalizar objetivos sociais nas decisões de pro
dução da firma.
Nos quinze anos anteriores à promulgação das emendas de
1990, a EPA conduziu experimentos com a regulação de merca
do em diversos domínios. Kuttner enfatiza que esses experimen
tos mostraram quão essencial é o processo de formulação de polí
ticas públicas no desenvolvimento de tais híbridos regulatórios.
Para que a p o l í t i c a referente à chuva ác ida pudesse ser
159
implementada, foi necessária uma boa dose de manobra política,
pois era preciso harmonizar interesses divergentes. As regras esta
vam sendo subitamente alteradas, e não havia uma forma "ótima"
de alocar os custos, salvo por meio de barganha política.
Fortuitamente, aconteceu de as forças políticas se conforma
rem em um alinhamento propício. Em 1990, os ambientalistas e
os economistas, que uma década antes eram adversários desconfi
ados, haviam encontrado algum terreno comum. A maioria dos
principais grupos ambientalistas, que inicialmente havia se me
lindrado com a questão da venda do direito de poluir, passou a
aceitar a ideia das licenças negociáveis - caso fossem solidamente
amarradas a uma estrutura regulatória estável, que garantisse a
redução de emissões totais ao longo do tempo. Exceto os mais
doutrinários, todos os economistas reconheciam que um tal mer
cado exigiria uma regulação significativa.
Além do desafio da política havia, o desafio do planejamen
to. Os experimentos com créditos comercializáveis de poluição
anteriores a 1990 haviam mostrado que os planejadores tinham
de dar resposta a diversas questões técnicas complexas devido a
incertezas e custos de transação, um mercado de licenças negoci
áveis de larga escala. Qual seria a meta nacional atingível para a
redução das precipitações de chuva ácida? Os limites de emissão
deveriam exprimir-se na forma de taxas relativas à produção ou
referir-se a quantidades totais admissíveis de poluentes? Quais
poluentes deveriam ser contemplados? E assim por diante.
Apesar de mercantil, o sistema resultante não foi de livre
mercado. E, com efeito, críticos conservadores reagiram precisa
mente nesses termos. Lamentam que vales negociáveis não cons
tituam realmente uma abordagem de livre mercado, pois é ainda
um órgão público que determina o nível das licenças, e estas não
160
forçam os poluidores a compensarem aqueles prejudicados pela
poluição. Nesse sistema, dizem eles, é o processo político que
determina os patamares iniciais ou ótimos de poluição, e não a
barganha entre os poluidores e aqueles que arcam com o custo da
poluição.
É importante registrar a ressalva de Kuttner sobre as possibi
lidades de generalização do esquema. Insiste em que o sucesso da
regulação por incentivos no caso da chuva ácida não significa que
se trate de uma abordagem para qualquer t ipo de regulação
ambiental.
Ela funciona para a chuva ácida porque o problema é nacio
nal, as fontes de poluição são isoladas e essencialmente fungíveis
e a tecnologia para medir emissões é relativamente precisa. O
regime de licenças negociáveis pode envolver uma mescla de
regulações tanto de comando e controle como de incentivos.
Outros tipos de regulação necessariamente requerem comando
direto. Por exemplo, muitíssimos produtos químicos são de tal
modo tóxicos que faz mais sentido simplesmente proibi-los do
que maquinar alguma espécie de mercado em torno do direito de
usá-los em troca de um preço muito elevado.
Em resumo, há bastante espaço para atingir metas sociais
por meio do mercado e da regulação mercantil - do mesmo modo
que, em uma economia mista, existe espaço para o mercado. Mas
a regulação por incentivos e o mecanismo de preços não propor
cionam uma abordagem superior em todos os casos, ou todo o
tempo. E a regulação por incentivos continua a ser regulação. Só
quem alimente um ponto de vista utópico sobre os mercados
pode se surpreender com essas conclusões. O sistema no qual o
mercado privado opera é inevitavelmente estruturado pela lei e
pelas escolhas democráticas. Tais escolhas podem levar a tipos de
161
economia mista relativamente eficientes ou ineficientes. Mas a
busca por um mercado livre perfeitamente puro, ou por uma
economia que seja livre de influências políticas, é uma ilusão,
conclui Robert Kuttner (1998: 403-12).
Programa mínimo
A ques tão que se coloca, portanto, é se a tão almejada
sustentabilidade poderá ser paulatinamente conquistada por
mecanismos semelhantes aos que foram acima descritos, ou se,
em algum momento, se tornará necessário adotar t ambém deci
sões semelhantes às que Georgescu-Roegen (1976: 33-35) es
boçou em seu "programa bioeconômico m í n i m o ' \e progra
ma tem oito pontos, a seguir resumidos. Primeiro, proibir to
talmente não somente a própria guerra, mas a produção de to
dos os instrumentos de guerra. Segundo, ajudar os países sub
desenvolvidos a ascender, com a maior rapidez possível, a uma
existência digna de ser vivida, mas em nada luxuosa. Terceiro,
d iminui r progressivamente a população até um nível no qual
uma agricultura orgânica bastasse à sua conveniente nutr ição.
Quarto, evitar todo e qualquer desperdício de energia — se ne
cessário por estrita regulamentação - enquanto se espera que se
viabilize a utilização direta da energia solar, ou que se consiga
controlar a fusão termonuclear. Quinto, curar a sede mórbida
por "gadgets" extravagantes para que os fabricantes parem de
produzir esse tipo de "bens". Sexto, acabar t ambém com essa
doença do espírito humano que é a moda, para que os produto-
' res se concentrem na durabilidade. Sétimo, as mercadorias mais
duráveis devem passar a ser concebidas para que sejam conser
tadas. Oitavo, reduzir o tempo de trabalho e redescobrir a im
portância do lazer para uma existência digna.
162
9
<f
Depois de formular esses oito pontos de seu programa mínimo
bioeconômico, Georgescu reconhece que é muito difícil imaginar
que as sociedades humanas venham um dia a adotá-lo. E assim con
clui que o destino do homem é o de ter uma vida curta, mas fogosa,
em vez de uma existência longa, mas vegetativa, sem grandes even
tos. "Deixemos outras espécies — as amebas, por exemplo — que não
têm ambições espirituais herdar o globo terrestre ainda abundante
mente banhado pela luz solar" (Georgescu-Roegen, 1976: 35).
A atual retórica sobre o desenvolvimento sustentável oscila
entre essa sinistra visão de futuro, delineada por Georgescu, e a
confiante crença de que surgirão, em tempo, os novos mercados e
as inovações tecnológicas capazes de evitar, ou contornar, as catás
trofes ambientais. Por isso, além de ter surgido a já mencionada
distinção entre sustentabilidade forte e fraca, também surgiu um
sério debate sobre o caráter "objetivo" ou "subjetivo" do "concei
to" de sustentabilidade (Hueting e Reijnders, 1998). E há ainda
quem diga ser absolutamente necessário ir além da sustentabilidade
para que seja possível abordar a atual desordem existente no rela
cionamento humano com a natureza (Jamieson, 1998).
Na verdade, nos últimos anos, a palavra sustentabilidade pas
sou a ser usada com sentidos tão diferentes que até já se esqueceu
qual foi a sua génese, bem anterior à atual aplicação ao desenvol
vimento, à sociedade e até à cidade." Em algum momento das
últ imas décadas do século XX, úm velho conceito (aqui, sim,
sem aspas) da biologia populacional passou a ser transferido, por
analogia, para os sistemas humanos. Contudo, mesmo nas áreas
mais familiarizadas com o tema - floresta e pesca - , a ideia de
sustentabilidade ainda esbarra em conhecimentos rudimentares
sobre os possíveis comportamentos dos ecossistemas, como ad
vertiu Rebelo (1996).
163
Acontece que estão justamente nas fraquezas, imprecisões e
ambivalências da noção de sustentabilidade as razões de sua força
e aceitação quase total. Como dizem Nobre e Amazonas (2002:
8), essa noção só conseguiu se tornar quase universalmente aceita
porque reuniu sob si posições teóricas e políticas contraditórias e
até mesmo opostas. E isto só foi possível exatamente porque ela
não nasceu definida: seu sentido é decidido no debate teórico e
na luta política. Sendo assim, sua força está em delimitar um
campo bastante amplo em que se dá a luta política sobre o senti
do que deveria ter o meio ambiente no mundo contemporâneo.
Além disso, esse conflito está ancorado, em última instância, nas
diferentes visões sobre a inst i tucional ização da problemát ica
ambiental.
C o m o enfatizam Nobre e Amazonas (2002: 8) , a
sustentabilidade é o carro-chefe desse processo de institucio
nalização que insere o meio ambiente na agenda política interna
cional, além de fazer com que essa dimensão passe a permear a
formulação e a implantação de políticas públicas em todos os
níveis nos Estados nacionais e nos órgãos multilaterais e de cará
ter supranacional. E um dos principais resultados da disputa po
lítica pela definição da sustentabilidade foi um claro predomínio
da economia na determinação do que devam ser a teoria e a prá
tica do desenvolvimento sustentável (DS). "Mais do que isso, é o
mainstream da teoria económica, a economia neoclássica em sua
vertente ambiental, a teoria hegemónica na determinação do que
seja o DS e, por consequência, do que seja a própria posição do
meio ambiente na prática política, social e económica. E isto não
decorre simplesmente da posição hegemónica de que já dispõe a
economia neoclássica no âmbito da teoria económica, mas igual
mente de sua posição hegemónica estratégica nos órgãos de
164
regulação e fomento de caráter mundial, como o F M I ou o Banco
Mundial" (Nobre e Amazonas, 2002: 9).
/
Por evocar, em última instância, uma espécie de "ética de
p e r p e t u a ç ã o da humanidade e da vida" , a e x p r e s s ã o
sustentabilidade passou a exprimir a necessidade de um uso
mais responsável dos recursos ambientais, o que só pode ser
complicado para qualquer corrente de pensamento que se fun
damente no utilitarismo, individualismo e equilíbrio, como é o
caso da economia neoclássica, isto é, numa racionalidade da
maximização das utilidades individuais com a resultante deter
minação do uso "ót imo" ou "eficiente" dos recursos em equilí
brio. Todavia, como "uso ót imo" e "uso sustentável" são catego
rias que atendem a critérios distintos - o de eficiência e o de
equidade - , Amazonas (2002: 108) apresenta a economia
ambiental neocláss ica como u m esforço de compatibi l izar
"otimalidade" com "sustentabilidade". E depois de examinar
todos os meandros das diversas variantes da economia neoclássica,
institucionalista e ecológica, o autor conclui que a questão é
aberta e de natureza ética: fazer ou não opções normativas na
direção do favorecimento de gerações futuras, abrindo mão de
afluência imediata (Amazonas, 2002:278).
Sendo uma questão primordialmente ética, só se pode lou
var o fato da ideia de sustentabilidade ter adquirido tanta impor
tância nos últimos vinte anos, meímo que ela não possa ser en
tendida como um conceito científico. A sustentabilidade não é, e
nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou
aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto
quanto a ideia de democracia - entre muitas outras ideias tão
fundamentais para a evolução da humanidade - , ela sempre será
contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em estado puro.
165
Como enfatizou Georgescu-Roegen (1999: 43-47), logo no iní
cio de seu principal livro, sobre o papel da entropia no processo
económico, sempre será possível encontrar características não de
mocráticas no país mais democrático do mundo, como sempre
será possível encontrar aspectos democráticos em países subjuga
dos por regimes ditatoriais.
Todavia, se só há bons motivos para louvar essa rápida ado
ção do adjetivo sustentável, esse é justamente o motivo de se per
guntar se a ideia de ser humano que ele abarca é suficientemente
abrangente. E é aqui que se concentra a elegante crítica de Amartya
Sen à definição mais aceita, proposta em 1987 pelo pioneiro ma
nifesto Nosso futuro comum (Relatório Brundtland). Além das
cruciais "necessidades" das atuais e futuras gerações, tão enfatizadas
nesse documento, as pessoas também têm valores. Valorizam prin
cipalmente sua própria capacidade de pensar, avaliar, agir e parti
cipar. Ver os seres humanos apenas em termos de necessidades é
fazer uma ideia muito insuficiente da humanidade, diz o prémio
Nobel de Economia de 1998 (Sen, 2004: 17).
As pessoas não são apenas pacientes, cujas demandas reque
rem atenção, mas também agentes, cuja liberdade de decidir qual
valor atribuir às coisas e de que maneira preservar esses valores
pode se estender muito além do atendimento de suas necessida
des. É preciso perguntar, então, se as prioridades ambientais não
deveriam também ser encaradas em termos de sustentação das
liberdades humanas. "No contexto ecológico, basta considerar
um ambiente deteriorado, no qual as gerações futuras não pode
rão respirar ar fresco (devido às emissões poluentes), mas no qual
essas gerações futuras sejam bem ricas e bem servidas de outros
confortos que seu padrão de vida talvez se sustente. Uma aborda
gem de desenvolvimento sustentável seguindo o modelo de
166
Brundtland-Solow talvez se recuse a ver qualquer mérito nos pro
testos contra essas emissões, sob a justificativa de que a geração
futura terá ainda assim um padrão de vida pelo menos igual ao
atual. Mas isso desconsidera a necessidade de políticas de restri
ção de emissões que possam ajudar as gerações futuras a ter a
liberdade de desfrutar do ar fresco que soprava para as antigas
gerações" (Sen, 2004: 18).
Como se pode constatar a partir dessa crítica de Amartya
Sen à versão mais amplamente aceita da noção de sustentabilidade,
o debate científico está neste caso bem menos amadurecido do
que o debate sobre a ideia de desenvolvimento.
Sete transições
O destino da biosfera está virtualmente ligado a todos os
aspectos do futuro do homem e, por isso mesmo, exige mais do
que nunca uma agenda de pesquisas científicas. Uma agenda que
conclame pessoas de muitas instituições e de uma ampla varieda
de de disciplinas a pensar juntas sobre se pode haver cenários
evolutivos que conduzam da situação presente para um mundo
"quase-sustentável no século X X I " , na visão do prémio Nobel de
Física de 1969, Murray Gell-Mann. Ao explicar o que entende
por "sustentável", começa por lembrar que o significado literal da
palavra é inadequado. A ausência completa de vida na Terra pode
ser sustentável por milhões de anos, mas não é isto o que se quer
dizer. A tirania universal pode ser sustentável durante gerações,
mas também não é isto que se pretende. Imagine-se, então, um
mundo muito apinhado e altamente regulado, talvez extrema
mente violento, com apenas algumas espécies de plantas e ani
mais sobreviventes (estes últimos intimamente relacionados com
a sociedade humana). Mesmo que estas condições possam de al-
167
gum modo ser mantidas, elas também não correspondem ao que
se quer dizer com mundo sustentável. Enfim, o que Gell-Mann
(1996: 356) quer mostrar é que o que se está procurando "abarca
um tantinho de desejabilidade junto com a sustentabilidade".
Surpreendentemente, diz ele, há um certo acordo hoje sobre o
que seja desejável. H á um certo consenso sobre as aspirações da
humanidade que se corporificam, por exemplo, em declarações
das Nações Unidas.
Que tipo de futuro se está visualizando, então, para o plane
ta e para a humanidade quando se mistura aos desejos uma dose
de realismo? Certamente não se pensa em estagnação, sem espe
ranças de melhoria das vidas dos seres humanos famintos e opri
midos, mas também não se quer dizer abuso contínuo e crescente
do meio ambiente enquanto a população cresce, os pobres ten
tam elevar seu nível de vida e os ricos exercem enorme impacto
per capita. A humanidade precisa evitar guerras, tiranias, pobre
za, assim como degradação desastrosa da biosfera e destruição da
diversidade biológica e ecológica. Trata-se de obter qualidade de
vida para o homem e para a biosfera que não seja conseguida
principalmente à custa do futuro. Abarca a sobrevivência de d i
versidade cultural humana e também de muitos dos organismos
com os quais ela divide o planeta, assim como as comunidades
que eles formam. Ou seja, para Gell-Mann (1996: 358-84), o
principal desafio para a humanidade é realizar um conjunto de
sete ^transições interligadas para uma situação mais sustentável
no século X X I " .
Em primeiro lugar, uma sustentabilidade maior, se puder ser
alcançada, significaria uma estabilização da população, globalmen
te e na maioria das regiões. Em segundo, práticas económicas que
encorajem a cobrança de custos reais, crescimento em qualidade
168
em vez de quantidade, e a vida a partir dos dividendos da natureza
e não do seu capital. Terceiro, uma tecnologia que tenha compara
tivamente um baixo impacto ambiental. Quarto, é preciso que a
riqueza seja de alguma forma mais equitativamente distribuída,
especialmente para que a extrema pobreza deixe de ser comum.
Em quinto, são imprescindíveis instituições globais e transnacionais
mais fortes para lidar com os problemas globais urgentes. Sexto, é
fundamental um público mais bem informado sobre os desafios
múltiplos e interligados do futuro. E sétimo - e talvez o mais im
portante e mais difícil de tudo - , o predomínio de atitudes que
favoreçam a unidade na diversidade, isto é, cooperação e competi
ção não violenta entre tradições culturais diferentes e naçÕes-Esta-
dos, assim como a coexistência com os organismos que comparti
lham a biosfera com os seres humanos.
Em seu esforço de compreensão da natureza e das socieda
des, os teóricos precisam privilegiar as hipóteses mais simples e
gerais que permitem dar conta de uma grande variedade de pro
blemas. E não houve disciplina que mais seguisse essa linha do
que a física. Inquestionáveis resultados foram obtidos na procura
de equilíbrios com a hipótese de que eles não dependiam das
condições iniciais, ou seja, com a hipótese de que quase todos os
fenómenos são reversíveis. Foi com o surgimento da termodinâmica
que tal hipótese geral pôde ser abandonada, fazendo nascer uma
nova física. '
O pensamento económico teve evolução análoga. Quando a
economia política se transformou em análise económica, a ideia
de equilíbrio passou a ocupar o centro nervoso da disciplina. Na
segunda metade do século X X , foi o estudo da existência, da
estabilidade e até da unicidade do equilíbrio que se tornou o
principal esteio da análise económica. Tanto a ausência de fric-
169
ção, quanto a falta de pertinência da história são as hipóteses
centrais que levam diretamente à ideia de perfeita reversibilidade
ao equilíbrio. Uma reversão do sentido do movimento de qual
quer variável permite facilmente a volta ao equilíbrio anterior.
As pesquisas científicas dos últimos vinte ou trinta anos in
dicam uma reje ição bem generalizada dessa h i p ó t e s e .
Termodinâmica não linear, inércia dos sistemas técnicos, dificul
dades de estabilização macroeconómica pelas políticas monetári
as e fiscais, tomada de consciência sobre os limites do cálculo
económico aplicado às degradações ambientais, tudo isso mostra
a necessidade de levar em conta a história de qualquer sistema.
Não há retorno ao estado inicial. Nas mais diversas áreas do co
nhecimento, histerese, persistência, inércia e irreversibilidade
passaram a ser noções decisivas das pesquisas científicas contem
porâneas. Para fazer um balanço sobre a evolução desse tipo de
pensamento na ciência económica, realizou-se em Paris, em 1989,
um importantíssimo colóquio sob a égide da Escola de Altos Es
tudos em Ciências Sociais, e dele resultou um livro que deve ser
considerado como uma das principais referências de um futuro
ponto de mutação (Boyer, Chavance & Godard, 1991).
Então, o que é sustentabilidade?
Depois de comparar as duas respostas mais científicas, que
se opõem pelo grau de confiança que depositam na possibilidade
de novas tecnologias virem a reverter os obstáculos ambientais à
continuidade do crescimento económico, e depois de revisar as
obscuras tentativas de construir um discurso sobre o que poderia
ser considerado um "caminho do meio", qual é o balanço que
pode ser feito? Seria possível encontrar uma resposta positiva,
direta e concisa à pergunta?
170
Outra vez, entre autores que mais se dedicaram ao assunto
ao longo dos últimos quatro decénios, desde os primeiros prepa
rativos da célebre Conferência de Estocolmo, realizada em 1972,
é Ignacy Sachs quem melhor soube evitar simultaneamente o
ambientalismo pueril, que pouco se preocupa com pobrezas e
desigualdades, e o desenvolvimentismo anacrónico, que pouco se
preocupa com as gerações futuras. E sua visão aparece claramente
no segundo capítulo de um pequeno livro publicado em 2002,
Caminhos para o desenvolvimento sustentável, que reproduz sua
apresentação ao quinto encontro bienal da International Society
for Ecological Economics, realizada em Santiago de Chile, entre
15 e 19 de novembro de 1998, e cujo tema foi "Beyond Growth:
Policies and Institutions for Sustainability".
Sachs considera que a abordagem fundamentada na
harmonização de objetivos sociais, ambientais e económicos, pri
meiro chamada de ecodesenvolvimento, e depois de desenvolvimento
sustentável, não se alterou substancialmente nos vinte anos que se
pararam as conferências de Estocolmo e do Rio. E acredita que
permanece válida, na recomendação de objetivos específicos para
oito das suas dimensões: social, cultural, ecológica, ambiental,
territorial, económica, política nacional e política internacional.
No que se refere às dimensões ecológicas e ambientais, os objetivos
de sustentabilidade formam um verdadeiro tripé: 1) preservação
do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis;
2) limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito e realce
para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais.
A sustentabilidade ambiental é baseada no duplo imperati
vo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de soli
dariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela compele a tra
balhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma
171
a caixa de ferramentas do economista convencional. Ele impele
ainda a buscar soluções triplamente vencedoras (Isto é, em ter
mos sociais, económicos e ecológicos), eliminando o crescimento
selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas,
tanto sociais quanto ambientais. Outras estratégias, de curto pra
zo, levam ao crescimento ambientalmente destrutivo, mas social
mente benéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico, mas
socialmente destrutivo (Sachs, 2004).
Leituras mais recomendadas
Das muitas referências bibliográficas deste capítulo, devem ser destacados
cinco livros publicados no Brasil, cuja leitura certamente será muito frutífera.
O livro de Marcos Nobre e Maurício Amazonas sobre o processo de
institucionalização do desenvolvimento sustentável surge em primeiro lugar,
pois fornece simultaneamente introduções à dinâmica política e às teorias
económicas que precisam ser conhecidas por quem queira evitar os inúmeros
riscos trazidos pela proliferação de interpretações das mais ingénuas sobre o
assunto. Será uma verdadeira vacina contra o senso comum. Em paralelo, vale
a pena conhecer as grandes questões ambientais que constituem a base objeti-
va desse processo. E não há nada melhor para esse objetivo do que a coletânea
organizada por André Trigueiro. Quem quiser ver análises mais específicas de
aspectos da dimensão brasileira dessas questões, certamente deverá consultar a
verdadeira enciclopédia organizada por Wagner da Costa Ribeiro. Finalmen
te, bons textos introdutórios às abordagens económicas das questões ambientais
serão encontrados no livro patrocinado pela EcoEco e organizado por Peter
May, Maria Cecília Lustosa e Valéria Vinha. Deliciosos aperitivos para a leitura
mais decisiva: a excelente exposição sobre as inter-relações entre o sistema
económico e o meio ambiente preparada pelo professor da UNB Charles
Mueller, com certeza a maior autoridade brasileira nesse tema.
172
Capítulo 4
Como pode ser medida a sustentabilidade
H á um movimento internacional liderado pela Comissão para
o Desenvolvimento Sustentável (CSD) das Nações Unidas, cujo
objetivo é construir indicadores. Reunindo governos nacionais,
inst i tuições académicas, ONGs, organizações do sistema das
Nações Unidas e especialistas de todo o mundo, esse movimento
pretende pôr em prática os capítulos 8 e 40 da "Agenda 2 1 " ,
firmada na Rio-92, referentes à necessidade de informações para
a tomada de decisões. Em 1996, a CSD publicou o documento
"Indicadores de desarollo sostenible: marco y metodologias", que
ficou conhecido como "Livro Azul". Continha um conjunto de
143 indicadores, que foram, quatro anos depois, reduzidos a uma
lista mais curta, com apenas 57, mas acompanhados de fichas
metodológicas e diretrizes de utilização. Foram muito importan
tes para que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
pudesse lançar, em 2002 e 2004, os primeiros indicadores brasi
leiros de desenvolvimento sustentável (IBGE, 2002 e 2004).
A importância desses dois pioneiros trabalhos do IBGE não
deve ser subestimada pelo fato de a maioria de suas estatísticas e
173