(como) pode a democracia mudar? anotações sobre pressupostos

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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 (Como) Pode a democracia mudar? Anotações sobre pressupostos e desafios que dificultam a (observação da) reinvenção da Democracia Mateus Fernandes 1 Ensaio apresentado ao GT “Teoria Política e Pensamento Social Brasileiro”, durante o I Seminário Internacional de Ciência Política (SICP), realizado entre 9 e 11 de setembro de 2015 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob o tema “Estado e Democracia em mudança no Século XXI”. Resumo Com o objetivo de apontar elementos que dificultama observação e implementação de mudanças tanto nas dinâmicas sociais quanto no próprio regime de Estado, este ensaio evidencia um conjunto de três pressupostos a partir dos quais são geralmente concebidas as esferas da atividade política: aquela acerca da natureza humana entendida como guerreira e adversarial; a que visa explicar a natureza operativa das ações coletivas, afirmando sua dependência de líderes e, assim, certa oligarquização em qualquer coletivo; e a que trata da natureza organizativa da sociedade como fraturada por hierarquias e permeada por desigualdades (naturalizadas) insuperáveis. Tais ideias, mesmo quando implícitas nas teorias da democracia, sustentam seus principais desafios sobre bases antidemocráticas. Apresento, assim, uma síntese de 4 desafios, forjados pelas atuais teorias da democracia como delimitadores da democratização. ODesafio das Grandezas indica que as democracias atuais, centradas no Estado-nação, precisam lidar com os “grandes números” de pessoas, de territóriose dos temas e problemas que daí advém. O Desafio das Desigualdades desdobra-se sobre as distintas maneiras como a democracia se mantém apesar de (ou mesmo por causa de) suas “promessas não cumpridas” de igualdade, liberdade e justiça. O Desafio da Representatividade aponta para a complexidade do tema da representação, por estar em flagrante contraste com a noção de “governo do povo”, e sugere que seu desenvolvimento precisa ser repensado, antes, como um tripé “Adesão-Participação-Interação”. O Desafio da Autoimunidade trata do fato de o projetoda democracia não oferecer proteções finais eficazes para se lidar com os usos da democracia contra ela mesma: enquanto mecanismo de regulação de conflitos, a democracia é confundida com sistema eleitoral, e enquanto regime político agonístico, a democracia é identificada à administração do Estado. Se a miríade de experiências de democratização puder ser observadaa partir de outros pressupostos, então talvez possamos repensar nossos desafios atuais e abordar seus fenômenos indagando: estamos no caminho de uma terceira invenção da Democracia? Palavras-chave: Democracia; pressupostos; desafios; demofobia; demofilia. 1 Mateus Braga Fernandes <[email protected]> é doutorando em Ciência Política pelo IPol/UnB e bolsista da CAPES.

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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

(Como) Pode a democracia mudar?

Anotações sobre pressupostos e desafios que dificultam a (observação da)

reinvenção da Democracia

Mateus Fernandes1

Ensaio apresentado ao GT “Teoria Política e Pensamento Social

Brasileiro”, durante o I Seminário Internacional de Ciência Política

(SICP), realizado entre 9 e 11 de setembro de 2015 na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob o tema

“Estado e Democracia em mudança no Século XXI”.

Resumo

Com o objetivo de apontar elementos que dificultama observação e implementação de mudanças tanto nas dinâmicas

sociais quanto no próprio regime de Estado, este ensaio evidencia um conjunto de três pressupostos a partir dos quais

são geralmente concebidas as esferas da atividade política: aquela acerca da natureza humana – entendida como

guerreira e adversarial; a que visa explicar a natureza operativa das ações coletivas, afirmando sua dependência de

líderes e, assim, certa oligarquização em qualquer coletivo; e a que trata da natureza organizativa da sociedade como

fraturada por hierarquias e permeada por desigualdades (naturalizadas) insuperáveis. Tais ideias, mesmo quando

implícitas nas teorias da democracia, sustentam seus principais desafios sobre bases antidemocráticas. Apresento, assim,

uma síntese de 4 desafios, forjados pelas atuais teorias da democracia como delimitadores da democratização. ODesafio

das Grandezas indica que as democracias atuais, centradas no Estado-nação, precisam lidar com os “grandes números”

– de pessoas, de territóriose dos temas e problemas que daí advém. O Desafio das Desigualdades desdobra-se sobre as

distintas maneiras como a democracia se mantém apesar de (ou mesmo por causa de) suas “promessas não cumpridas”

de igualdade, liberdade e justiça. O Desafio da Representatividade aponta para a complexidade do tema da

representação, por estar em flagrante contraste com a noção de “governo do povo”, e sugere que seu desenvolvimento

precisa ser repensado, antes, como um tripé “Adesão-Participação-Interação”. O Desafio da Autoimunidade trata do fato

de o projetoda democracia não oferecer proteções finais eficazes para se lidar com os usos da democracia contra ela

mesma: enquanto mecanismo de regulação de conflitos, a democracia é confundida com sistema eleitoral, e enquanto

regime político agonístico, a democracia é identificada à administração do Estado. Se a miríade de experiências de

democratização puder ser observadaa partir de outros pressupostos, então talvez possamos repensar nossos desafios

atuais e abordar seus fenômenos indagando: estamos no caminho de uma terceira invenção da Democracia?

Palavras-chave: Democracia; pressupostos; desafios; demofobia; demofilia.

1 Mateus Braga Fernandes <[email protected]> é doutorando em Ciência Política pelo IPol/UnB e bolsista da CAPES.

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INTRODUÇÃO

Os debates contemporâneos realizados no interior da Teoria e da Filosofia Políticas sobre a

democracia deparam-se com arraigados pressupostos especulativos, com diversos problemas, com

distintos (e, por vezes, insuperáveis) desafios, com algumas soluções propostas, revistas,

reformadas e acumuladas ao longo de sua tradição e com, pelo menos, um importante paradoxo

entre consenso e insatisfação. Nesse texto, pretendo descrever esse paradoxo eproblematizar

algumas delimitaçõesda articulação entreos desafios, informadas por pressupostos presentes,

mesmo quando implícitos, nas principais teorias da democracia. Para isso, partirei de três ideias

mais gerais sobredemocracia e sobre suas mudanças intermitentes,com o objetivo de apontar

elementos que dificultam ou impedema implementação, emesmo a observação, de tais mudanças

tanto nas dinâmicas e padrões sociais (nos graus de democracia) quanto no próprio regime de

Estado (no tipo de democracia).

Primeiramente, se podemos definir Democracia a contrario como a tentativa permanente

de desconstituição de dinâmicas sociais autocráticas, então ela pode ser entendida como um

metabolismo social inerentemente vinculado à mudança – até mesmo quando, no limite, trata-se

apenas da “circulação de suas elites”. Como indica Mouffe (2005, p. 98), autores de diversos

matizes concordam que a democracia é, fundamentalmente, “a struggle against all forms of

autocratic power”; em especial, contra o poder autocrático da tecnocracia de grandes empresas e da

burocracia de grandes governos centralizados. Assim, uma teoria da democracia pode

reiteradamente retomar a noção de (exercício do) poder do povo para contrapor-se ao poder

autocrático e validar um processo que não desconsidere sua etimologia, mas que precisa ir além

dela, como também argumenta Sartori (1994, Vol. 1, p. 53).

A segunda ideia pretende sustentar que, sendo o oposto de Autocracia, a Democracia é um

artifício da invenção humana2 para, pelo menos: i) dar forma e vasão ao ethos político e agonístico

que circunda a tomada coletiva de decisões políticas sobre o destino público e comum de um

grupamento humano plural, e; ii) regular conflitos, inerentes à coletivização dessas decisões3. Em

2 Isso significa que a política não é nem uma atividade natural, que existe sempre que homens e mulheres se

encontram, nem tampouco alguma substância original que pertença à essência dos seres humanos. Para Arendt

(1999, p. 23), é Hobbes quem primeiro compreende essa questão, embora ele substitua a natureza política

aristotélica por uma natureza bélica.

3 Sartori (1994, Vol. 1, p. 286 e ss.) estabelece distinções, que procuramos seguir aqui, entre decisões coletivas e

coletivizadas, assim como entre graus e tipos de democracia (idem, p. 246 e ss.).

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outras palavras, a Democracia foi e é inventada, em apelos ora idealistas, ora normativos, para

tentar realizar o que literalmente promete em sua etimologia: ser o “governo do dēmos”, isto é,

garantir e regular a autonomia e a autolimitação coletivas dos membros daquele grupamento, o

dēmos, para poder decidir, fazer e gerir, interagir entre si e inter-relacionar-se com outros

grupamentos4. Nesse sentido, autonomia difere de autocracia justamente por ser um poder limitado

e controlado pelas circunstâncias da vontade das pessoas por ele relacionadas, de modo que possa

ser revogável tanto quanto descentrado (policrático) ou distribuído5.

Assim é que, a partir de um continuumde variações no que se entende por dēmos, em como

ele é constituído e em que medida ele é constituinte da política, a terceira ideia pode ser formulada:

a Democracia é inventada e reinventada entre a demofobia – que vai do medo da inclusão ou da

abrangência do dēmos na tomada de decisões a restrições procedimentais ou institucionais ao poder

ou à interação do dēmos – e a demofilia, que vai do apelo ao povo ou do engajamento das pessoas,

massas ou multidões a ampliações procedimentais ou institucionais no poder ou na interação do

dēmos6. Vê-se então que a Democracia inventada é atravessada ora por movimentos de

democratização, ora por recuos de desdemocratização7, o que pode ocorrer no polo demofóbico do

continuum, mas também em seu polo demofílico. O que torna inevitável, portanto, que sua dinâmica

seja a da própria mudança.

A tentativa de enumerar pressupostos e de sintetizar desafios das teorias da democracia

atuais, ainda majoritariamente limitadasporfundamentos antidemocráticos8, sejam eles demofóbicos

ou demofílicos, pode contribuir para desanuviar seu horizonte de possibilidades. Esta tarefa parece

relevante quando se fala, cada vez mais, não só de crises “institucionais” ou “de representação”,

mas do risco de que esteja em xeque a formaatual de democracia. Portanto, se a miríade de

experiências de democratização em curso puder ser observadaa partir de outros pressupostos, então

4 Holloway (2003, pp. 43-51) indica que quando o fazer não é alienado, em um fluxo social de produção não

fraturado, ele implica poder, e que poder-fazer, nesse sentido, deve ser entendido como “poder-para”; em contraste

com o “poder-sobre”, um poder-para, como dito, garantir a autonomia e a autolimitação coletivas.

5 Sartori (1994, Vol. 1, p. 279) define autocracia como poder sem controle, sem limites, irrevogável e concentrado

(monocrático) tanto quanto permitem as circunstâncias. Por isso, para ele, democracia é não-autocracia.

6 Proposta semelhante pode ser encontrada em Stepan (1999), embora seu continuum fale sobre modelos de

federalismo que são mais “demos-constraining” ou mais “demos-enabling”, a depender das possibilidades de

minorias parlamentares terem poder de veto sobre iniciativas da União.

7 Essa proposta é desenvolvida por Tilly (2013).

8 Miguel (2002)demonstra, em argumento que utilizamos aqui, como as principais teorias da democracia foram

erigidas sobre bases antidemocráticas.

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talvez possamos repensar nossos desafios e arranjos atuais e abordar seus fenômenos indagando,

com esperança e crítica: estamos no caminho de uma terceira invenção da Democracia?

ENTRE O CONSENSO E A INSATISFAÇÃO

No último século, houve número crescente de países – entre Estados, Nações e Territórios

– ingressando no grupo das democracias formais (ou mínimas). Apesar disso, no início desse século

XXI observa-se certa estabilidade (ou mesmo pequeno declínio) nesse número9, para surpresa ou

preocupação de alguns que tomam como dada seja a impossibilidade, seja a disseminação global do

regime democrático. Ao lado dessa constatação empírica, outra porém, da ordem mais abstrata da

cultura e dos valores políticos, não mais causa espanto: a afirmação de que a democracia apresenta-

se como um valor universal10 – valor ao qual todos os povos teriam direito, a priori e

independentemente de sua condição atual –, desatando o nó que prendia a democratização a uma

transição gradual ou evolutiva de países, instituições e povos. Além disso, é um valor que conquista

sua legitimidade por dar origem ao “único regime político capaz de garantir a aceitação dos

governados” (Miguel, 2014. p. 12).

Há certo consenso, portanto, sobre a escolha – ou melhor, sobre a reivindicação de

democratização – da democracia tanto como regime político e mecanismo de regulação de conflitos

intra e interestatal quanto como um padrão social (adequado e vantajoso) de organização da vida

comum – aquilo que, desde os Antigos, se costumou chamar de ethos ou modo de vida.

Dito de outro modo, haveria certo acordo, mais ou menos difundido, de que é preciso

democratizar as instituições – e, talvez, não só as políticas stricto sensu, mas também as

corporativas, as educacionais e as empresas privadas, como indica Bobbio (1986, pp. 55-57),

embora nesse ponto os dissensos possam ser mais explícitos11. Haveria certa disseminação, no

senso comum cotidiano, da ideia de que os processos democráticos (mais interativos e inclusivos,

9 Segundo os relatórios “Freedom in the World”, temos: i) em 2006, 90 Países Livres (47% de 193 países), 58 Países

Parcialmente Livres (30%), 45 Países Não Livres (23%); ii) em 2008, 89 Países Livres (46% de 193 países), 62

Países Parcialmente Livres (32%), 42 Países Não Livres (22%); iii) em 2011, 87 Países Livres (45% de 195 países),

60 Países Parcialmente Livres (31%), 48 Países Não Livres (24%). Ao comparar os dados da Freedom House

(2012), vê-se que 123 países (64% de 193 países) são considerados Democracias Eleitorais em 2006 e, em 2011,

apenas 117 países (60% de 195 países).

10 A universalização da democracia, ou a compreensão de que a democracia (ou sua democratização) é um valor

historicamente universal, é a aposta defendida por autores, pensadores e políticos tão diversoscomo Enrico

Berlinguer (2006), ex-secretario-geral do Partido Comunista Italiano, seguido de Carlos Nelson Coutinho (2006), e

o ganhador do prêmio nobel de Economia em 1998, Amartya Sen (1999).

11 Algumas críticas à plausabilidade da disseminação da democracia representativa a todas as esferas de convivência

humana estão em Mouffe (2005, pp. 103-104).

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protegidos e garantidos, responsivos e mutuamente vinculantes12) são não só mais legítimos para

conferir autoridade política como são, em alguma medida, “melhores” ou mais bem-vindos que os

demais: e a democracia caminharia, então, no sentido de deixar de ser aquele second best, como há

até bem pouco era conhecida.

Mas há, também e ao mesmo tempo, certa insatisfação com os limites experimentados na e

pela democracia, talvez diante de suas “promessas não-realizadas”13, ou mesmo com o deficit

democrático, isto é, com a diferença sempre deficitária no balanço entre os ganhos da inclusão, da

participação e da redistribuição e entre a manutenção sistemática das desigualdades e dos problemas

institucionais e sociais da representação, somada àquilo que poderíamos chamar de autoimunidade14

da democracia – sua incapacidade genética de impedir, por meios democráticos, os usos que podem

ser feitos contra ela própria.

No entanto, a própria observação desses problemas está condicionada, sobremaneira, por

ideias arraigadas em nossa tradição. É preciso, portanto, evidenciá-las para que se possa avaliá-las.

E assim, talvez, depurar aquelas que inviabilizam, per se,análises políticas comprometidas com o

aspecto intrinsecamente social e cooperativo da política democrática15.

12 Tomamos emprestada, com alterações, a formulação proposta por Charles Tilly (2013), para quem a democracia é

um conjunto de relações (entre Estados e cidadãos) qualificadas por esses quatro elementos: i)amplitude (a

quantidade de grupos de cidadãos que conseguem expressar demandas e a extensão de suas manifestações);

ii)igualdade (o quão equitativamente diferentes grupos de cidadãos experienciam a tradução de suas demandas em

políticas); iii)proteção (em que extensão as opiniões e demandas recebem proteção política para serem expressadas);

eiv)caráter mutuamente vinculante (o quanto o processo de tradução de demandas em políticas mantém os lados

envolvidos e obriga a implementação das decisões).

13 Pode-se entender algumas das promessas não-realizadas da democracia representativa a partir do que se costuma

chamar de “atributos da crise da representação”, mesmo sendo tais atributos “de difícil comprovação”, como afirma

Miguel (2014, p. 98): i) o declínio no comparecimento eleitoral que evidencia, parcialmente, a crise nas eleições; ii)

a ampliação da desconfiança em relação às instituições representativas e à sua eficácia; iii) o consequente

esvaziamento dos partidos políticos, seja por questionamentos à sua relevância para a mediação, seja por

impedimentos – como a crescente burocratização interna – que dificultam o acesso a ele e, portanto, sua

permanência no horizonte de alternativas viáveis aos cidadãos. Sobre o tópico i), cf. também Ribeiro; Borba; Da

Silva (2015). Sobre os tópicos ii) e iii), e em especial sobre accountability eleitoral, cf. também Rebello (2015).

14 Para Derrida (2003), a relação democrática e aporética entre igualdade e liberdade expõe a democracia à

suscetibilidade ao que ele chamou de “lógica da autoimunidade”, fazendo referência àquela supressão do sistema

imunológico de um corpo que visa o proteger contra agressões internas ou externas. Como exemplifica Patton

(2007), a alteração de procedimentos democráticos pode ser utilizada (de modo não democrático) para proteger a

própria democracia; ou ainda, a suspensão de liberdades civis pode ser usada com vistas a, supostamente, proteger

(de modo não democrático) a liberdade dos cidadãos.

15 O caráter competitivo não impede a emergência da cooperação, de modo que tais conceitos não são antônimos. No

entanto, não é a competição somente, mas a disposiçãoguerreira e adversarial, que visa à exclusão de um dos polos

do binômio amigo-inimigo, o que aparece ao se pressupor, por exemplo, uma natureza humana hobbesiana.

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Se a democracia é um fenômeno social, isto não pode querer dizer outra coisa senão que

ela emerge de condicionamentos recíprocos entre a realização de determinados padrões sociais de

organização e entre a atualização de mecanismos políticos específicos para regular conflitos,

também sociais. Isso significa que a democracia depende de algumas condições necessárias –

embora não suficientes, porque não são causais – e de algumas dinâmicas próprias para se

cristalizar, isto é, para ser reinventada. Mesmo em suas disputas competitivas e conflituosas, ela

ainda pode ser entendida como um sistema de colaboração16 por meio de ações coletivas17, que se

deparam com possibilidades para serem cada vez mais conectadas e distribuídas pela multidão18.

Argumento, portanto, que a realidade da democracia – o que acontece quando as pessoas

fazem política – depende fundamentalmente: i)da conectividade e dos graus de interação entre

pessoas e grupos, o que condiciona reciprocamente a distribuição da rede social e; ii)da diminuição

de barreiras entre hierarquias e de agentes intermediadores entre elas – isto é, de um padrão de

organização mais distribuído19e não só decentralizado20–, o que aumenta a conectividade da rede

social.

Certo é que as abissais desigualdades políticas mantenedoras de autocracias, que a

imobilidade social geradora de castas e de sistemas sociais fechados, e que as disparidades quase

absolutas no acesso aos loci de poder e de produção (material ou intelectual) ainda persistem. E,

durante boa parte da história da humanidade, isso contribuiu para que o fenômeno cooperativo que

ocorre em redes sociais mais interativas e distribuídas não fosse suficientemente aparente aos que se

ocupavam das teorias políticas.

16 O clássico de Robert Axelrod (2010), “The evolution of cooperation”, demonstra empiricamente como a cooperação

emerge e evolui, se há perspectivas de interações futuras, mesmo sem organização centralizada e a partir de

indivíduos egoístas. Para argumentos que extrapolam os limites da mera agregação de ações autointeressadas e

egoístas, cf. Alves, 2006; em especial, pp. 13-46.

17 Para uma visão com suspeitas pertinentes sobre as assimetrias sociais que impactam a possibilidade de mutualidade

e cooperação, cf. Young (2001).

18 Alguns bons exemplos sobre a (re)descoberta da inteligência das multidões podem ser encontrados no curioso livro

do jornalista James Surowiecki (2005)

19 Como demonstrou Paul Baran (1964), distribuição refere-se a uma topologia diferente daquela encontrada na mera

descentralização. Nessa última, a multiplicação de centros pouco conectados entre si amplia as distâncias sociais e

cria diversas instâncias de intermediação – o que se vê claramente na burocratização.

20 Em uma topologia centralizada, ao menos tem-se os nós periféricos conectados ao centro. Como afirmam Arretche

(2013) e Stepan (1999), se por um lado a concentração da autoridade aumenta o risco da tirania da maioria, por

outro, nota-se maior impacto de Estados centralizados na redução de desigualdades sociais, ainda mais quando

associado à cooperação com as minorias e à ampliação do poder do dēmos.

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Ainda sim, não é difícil verificar que nenhuma dessas barreiras historicamente erigidas foi

ou é suficiente para impedir toda e qualquer interação entre as pessoas ou alguma insubordinação à

intermediação das hierarquias, senão a democracia nunca teria sido inventada como um fenômeno

social. De sorte que, como veremos, a própria noção de indivíduo separado e isolado não faz, a

priori, nenhum sentido, tanto em termos sociais quanto em termos políticos.

PRESSUPOSTOS

Muito embora esses argumentos não sejam exatamente novos nas análises políticas, os

pressupostos colocados à disposição dos cientistas políticos caminham em direção contrária –

quando não, impedindo mesmo que fenômenos políticos sejam desvelados em sua face social. Ao

menos três dessas ideias ainda hoje figuram, mesmo implicitamente – ou talvez até mesmo como

preconceitos –,nas teorias da democracia. Podemos configurá-lascomo um conjunto de três esferas

concêntricasa partir das quais é geralmente concebida a atividade política:

i) da maneira como foi exposta por pensadores que vão de Hobbes a Schimitt, a primeira

esfera procura descrever a natureza humana como sendo guerreira e adversarial, o que nos levaria a

forjar indivíduos atomizados, racionais e egoístas, e assim;

ii) se considerarmos as marcas deixadas contemporaneamente pelas teorias das elites e da

escolha racional, vemos que a segunda esfera visa explicar a natureza operativa das ações coletivas

afirmandosua dependência de líderes e, com isso, a tendência à oligarquização de qualquer coletivo,

de modo que;

iii)a organização social aumenta tanto mais se verticalizam suas hierarquias pois

concebemos a terceira esfera, sobre a natureza organizativa da sociedade, como inevitavelmente

fraturada por divisões e permeada por desigualdades insuperáveis, porquanto naturalizadas, o que

parece ser um dos traços definidores da tradição política iniciada por Platão, em sua separação total

entre governantes e governados.

Como consequênciasdesse conjunto concêntrico, além dos vieses deixados implícitos,

podem ser geradas confusões epistemológicas sobre a natureza do político e sobre o sentido da

política.E issolimita, ao fim e ao cabo,tanto a imaginação de soluções ea invenção de novos e

variados arranjos democráticos, quanto a descrição de seus fenômenos políticos por meio de

padrões já conhecidos. Por isso, vale nos determos em cada um deles um pouco mais detidamente.

A despeito de todo o caráter metafísico ou especulativo de seu argumento, Hobbes

inaugura,com suabellum omnium contra omnes, não só um estado de natureza guerreiro – que

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poderia culminar no extermínio dos homens – mas também um ideal unitário de Estado que visa

justamente controlar, pela exclusividade no emprego dos meios de coerção, a natureza humana

bélica21. Carl Schmitt, por sua vez, ao fazer uso da categoria política identitária de amigo-inimigo22,

estabelece que a medida do político não passa somente pelo agonístico ou competitivo desacordo,

mas pela necessária exclusão do adversário, que é encarado sempre como inimigo23, pela natureza

adversarial do político.E tudo isso poderia ser sintetizado na fórmula invertida de Clausewitz-Lênin,

de modo que, a partir doprimeiro pressuposto – a natureza humana é bélica e adversarial – a

política só poderia ser a continuação da guerra, ainda que por outros meios.

O pressuposto sobre uma natureza essencialmente beligerante e não-cooperativa dos seres

humanos nos levariaà disjunção entre a motivação individual e a possibilidade de cooperação, o que

foi chamado de “dilema da ação coletiva”24. Ele depende, em primeiro lugar, de que esses grupos

sejam vistos como mero agregado de indivíduos, pois o foco é na racionalidade e intencionalidade

individuais, embora a explicação se dê ao nível de padrões de grupo. E esse salto supõe que padrões

coletivos sejam idênticos a agregados numéricos. Isto é, não pode haver nenhuma disposição

coletiva ou complexidade sistêmica que supere a soma das partes individuais25. Em segundo lugar,

ele depende da baixa conexão entre os membros do grupo, pois o critério é de que não haja

confiança mútua possível de ser acumulada, nem expectativa de conexões futuras e reincidentes – o

21 Mesmo se e quando o estado de natureza hobbesiano não pode ser erradicado, como aponta Mouffe (2005, p. 6), ele

pode de fato ser controlado por alternativas mais viáveis, vale ressaltar, tanto mais elas forem democráticas, isto é,

não-autocráticas.

22 Para Holloway (2003, p. 108), “a teoria política de Carl Schmitt ao se concentrar na distinção entre amigo e inimigo

é, simplesmente, o desenvolvimento coerente da lógica da identidade”. Ferreira (2004) a chama de “A invenção do

inimigo”; em especial, ver o capítulo I, “A medida do político”.

23 Das descrições de Marx sobre a “luta de classe”, inapelavelmente destinada a enterrar a burguesia, poder-se-ia

extrair algo semelhante – ainda que efetivamente ele parta de visões diferentes (pois trata da expropriação dos meios

de produção e do prejuízo da sociedade capitalista à natureza humana, para ele mais próxima da proposta

rousseauniana) e que tenha objetivos diferentes (proporcionar condições para a reforma da sociedade e do homem, e

não subtrair sua natureza).

24 Como descrito por Olson (1999), esse dilema conclui que pessoas, em grandes grupos, não agem voluntariamente

para promover seus interesses comuns. E isso se dá tanto porque não percebem os benefícios da cooperação diante

de sua contribuição mínima quanto, e principalmente, porque não consideram razoável, do ponto de vista individual,

arriscar-se a cooperar quando a deserção pode produzir menos prejuízos ou ter menores custos ao indivíduo.

25 Ao contrário dos funcionalistas e dos estruturalistas, os teóricos da escolha racional não utilizam as consequências

não intencionais das práticas sociais para explicar os padrões coletivos da ação – isto é, não consideram como e por

quê elas persistem como práticas. Seja por sua “função” social, seja por estruturas sociais que as condicionam isso

invalidaria a identidade entre a agregação e os padrões.

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que simplifica o modelo, mas o torna inútil frente a realidade de alguns grupos políticos concretos26.

Finalmente, a conclusão depende de que seja possível (e necessário) identificar alguma forma de

centralização, seja em líderes ou em organizações – o que, vale ressaltar, é a própria conclusão do

argumento.

Ainda assim se mantém nas análises políticas, às vezes de modo velado, essesegundo

pressuposto, sobre a natureza operativa dos coletivos humanos: para mobilizar e organizar a ação

coletiva são necessários líderes destacados, empreendedores que arriscam mais que outros (e que,

possivelmente por isso mesmo, devam recolher mais benefícios e passem a dominar os demais).

Outra consequência que tal visão particular sobre a natureza bélica e adversarial do ser

humano parece produzir é limitar o indivíduo auma racionalidade atomizada e autocentrada. E é

nessa direção que vaia teoria da escolha racional para explicar a lógica da ação coletiva, como

argumenta Ostrom (1991), quandotorna-se evidente a fratura assumida por parte das ciências sociais

ao estudar o fenômeno político27.

Embora a existência de líderes que iniciam e contribuem para organizar a ação coletiva

seja evidentemente um fenômeno político observável, dele não se pode concluir que haja uma

conexão causal – e, portanto, necessária – com a ação coletiva, a não ser a posteriori. E é parte da

dinâmica democrática, se continuamos entendendo-a como movimentos de desconstituição da

autocracia, empreender não só a rotatividade de funções e lideranças, mas a distribuição da rede

social e a reconfiguração de barreiras entre hierarquias. Daí essa evidência ex post facto não poder

figurar como premissa para teorias da democracia, a menos que tal corrente tenha como propósito

conjecturar, em basesantidemocráticas e elitistas, sobre a impossibilidade mesma da democracia28.

Além disso, a tendência a excluir motivações coletivas e emocionais29dos debates

políticos, por sua complexidade, inadequação ou característica idiossincrática, apresenta-se como

26 Como vimos, é justamente a expectativa de interações futuras que representa, no modelo evolutivo de Axelrod

(1981; 2010), uma das condições propícias para a emergência e estabilização da cooperação.

27 A utilização de métodos econômicos para o estudo de fenômenos não econômicos – marcadamente, por exemplo, na

publicação de An economic theory of democracy (1957), de Anthony Downs – é a novidade da teoria da escolha

racional, apresentada em 1980 e descrita por alguns como “o último assalto imperialista da economia na Sociologia:

a subordinação do homo sociologicus ao homo economicus” (Baert, 1997. s/p).

28 Esse é o caso, precisamente, dos principais teóricos elitistas: Pareto, Mosca e Michels. Como explica Miguel (2014,

p. 42), “a afirmação da impossibilidade de uma organização social em que não haja uma minoria dominante é o

traço definidor das teorias das elites”.

29 Iris Young (2002, pp. 52-77) observou três aspectos da comunicação que tornariam as teorias da democracia mais

inclusivas, alargando as possibilidades de representação e de entendimento mútuo por serem formas de “passionate

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“falso-dilema” não só empírica e factualmente30, como também teórica e conceitualmente31. Desse

modo, como demonstra Teles (2007), o problema de regular conflitos no presente democrático

dando publicidade aos traumas e ressentimentos do passado, que não se encerram com a transição

democrática, poderia contribuir mais para o aprimoramento da convivência pública do que a

tentativa – felizmente destinada ao fracasso – de impor ao discurso e às opiniões políticas suposta

racionalidade, almejada linearidade, inabalável lógica ou perigosa instrumentalidade.

Obviamente não é minha intenção, no espaço exíguo desse texto, refutar a possibilidade de

que, no longo prazo e sem condições propícias para empreender movimentos de democratização,

tendências autocratizantes para manter determinados grupos em posições oligárquicas e de

dominação possam efetivamente ocorrer. Ainda assim, é premente que essas afirmações sobre nossa

natureza operativa sejam questionadas e revistas. Se de fato não são elas quem sustentam sozinhas,

por exemplo, o edifício da Lei de Ferro da Oligarquia, proposta por Michels (1982), ou da

weberiana racionalização burocrática, certamente elastampoucoservem para observar e explicar

fenômenos políticos como os aglomeramentos (clustering), enxameamentos (swarming) e

amassamentos (crunching), que tanto têm impactado as democracias atuais. Ao menos não a partir

da complexidade que eles exigem: são fenômenos em que a constelação de multidões converge com

a pluralidade de comunidades emergentes, em que a potência multitudinária, local ou global,

aparece sem a dependência necessária de líderes destacados, de organização prévia ou mesmo de

coordenação centralizada. E não são fenômenos essencialmente novos, embora as condições atuais

em que eles ocorrem certamente possam contribuir, como já ocorreu, para areinvenção da

democracia.

No entanto, como a dinâmica de interação entre pessoas é condicionada reciprocamente

por seu padrão de organização, movimentos isolados que simplesmente ampliem a interação, como

em propostas simplistas de democracias diretas, virtuais ou assembleístas, não são capazes de gerar,

per se, estruturasmais democráticas, isto é, mais distribuídas e com menos barreiras entre

hierarquias ou burocracias de intermediação. Assim, um sem-número de exemplos poderiam ilustrar

persuasion”: narrativas, retórica e saudações. Sob o anedótico nome “bringing the passions back in” (Kingston;

Ferry, 2008), uma coletânea com outros autores reforça essa tese.

30 Para um argumento baseado na relação histórica entre o surgimento das tragédias gregas e o desenvolvimento da

democracia em Atenas, cf. Nascimento; Fernandes, 2015. pp. 281-284.

31 Para uma crítica sobre os problemas da derrocada da narrativa na modernidade, cf. Benjamin, 1994. Sobre os

perigos do historicismoe das “profecias históricas” pretensamente racionais ou científicas em Platão, Hegel e Marx,

cf. Popper, 1974.

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o que é tomado, inclusive para as análises políticas mais recentes, como o terceiro pressuposto,

sobre a natureza organizacional das sociedades humanas: não há funcionamento social – mas o

caos ou o estado de natureza – sem hierarquia, centralização ou especialização32. E um corolário

desse terceiro pressuposto,que funciona como justificativa para sua manutenção, é a naturalização

da separação entre governantes e governados, importante elemento de nossa tradição política,

inaugurada por Platão.

A separação naturalizada entre governantes e governados – e é preciso enfatizar que isso é

diferente da mera distinção entre funções e atribuições específicas, temporárias ou rotativas – põem

em risco, e em alto grau, três princípios básicos da democracia, que se foram firmando histórica e

politicamente justamente por sua relevância contra a autocracia: i) a liberdade de influenciar nas

decisões políticas e de se ver protegido de suas ameaças; ii) a igualdade (legal e política, mas

também relacionada à relevância social e epistemológica) de falar e ser escutado, de participação e

presença, de acesso e oportunidade; e iii) a justiça de ver equilibrado o balanço entre esses dois

primeiros (para que a liberdade seja um dispositivo de desconstituição de autocracias e opressões e

para que a igualdade seja um dispositivo de reconfiguração de hierarquias e de superação de

desigualdades), de modo público (isto é, não privativo de um grupo ou organização social) e com

sentido comum (isto é, na produção daquilo que se entende como commons).

É preciso investigar, portanto, a gênese desses dilemas para fundamentar nossas atuais

análises políticas em pressupostos mais condizentes com as possibilidades de interação e conexão

da atual sociedade-em-rede. Daí, talvez, possamos ver emergir novas experimentações de política

democrática, como os fenômenos contemporâneos de aglomeração de multidões, de articulações

transnacionais, de ondas de democratização globais e de experimentações democráticas locais. E é

preciso fazer isso não somente como a tentativa de mera expansão dos limites da democracia

representativa, que adviria de sua reforma ou da radicalização de sua suposta democratização, nem

tampouco como reprodução (anacrônica) do comunitarismo político dos gregos Antigos, mas como

uma possível (e necessária) reinvenção: a terceira invenção da Democracia.

32 Vale notar que esses três nomes dizem respeito, fundamentalmente, a uma mesma e única coisa: i) toda hierarquia

vertical depende da existência da distinção e da manutenção da separação entre o centro e a periferia, entre o topo e

base; ii) toda centralização se dá por alguma atribuição especial àquelas pessoas que estão (porque devem estar) no

centro, em relação à periferia, o que tende a permanecer no tempo por sua naturalização; e iii) toda especialização

como uma separação de “tipos” sociais – e não só como distinção de funções específicas – diminui a mobilidade

social, impedindo o fluxo ou o acesso de pessoas “não especializadas” e, portanto, contribuindo para a

materialização e a cristalização das hierarquias e da centralização.

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DESAFIOS

As teorias da democracia que são informadas, mesmo que implicitamente, pelo conjunto de

pressupostos descritos – isto é,que sustentam um estado de natureza hobbesiano, premissas e

previsões exclusivamente elitistas ou racionalistas, e mesmo atravessadas pelas separações da

tradição platônica –,parecem ser não somente a vertente hegemônica, mas também aquelas que

efetivamente guiam nosso entendimento sobre as possibilidades reais e concretas das atuais

democracias. Assim, os desafios endereçados por elas funcionam como delimitadores de suas

mudanças e nos apontam não só para o que é a democracia atualmente, mas também até onde

podem ir seus movimentos de democratização. Argumento, na sequência, que se pode fazer uma

síntese desses delimitadores a partir de 4 conjuntos de desafios, sustentados por e nessas teorias da

democracia.

A tentativa de democratização que leva à ampliação do dēmos, fazendo multiplicar

disparidades e divergências dentro daquela suposta unidade do “povo soberano”, faz surgir pelo

menos quatro condiçõesàs quais, conjugadas, poderíamos chamar de Desafio das Grandezas:

i) a extensão física, territorial e numérica da comunidade política soberana, geradora de

distâncias e de condições de acesso que dificultam o diálogo e a presença de cada membro, além de

colocar em xeque a validade dos consensos (da maioria) e das diferenças (das minorias);

ii) a complexidade tanto das questões a serem discutidas, que requerem por vezes a

presença de especialistas, de alguma aprendizagem prévia ou de algum domínio epistemológico

específico, quanto das clivagens sociais encampadas pela inclusão universal de grupos e de seus

interesses ao dēmos, o que requer algum tipo de mecanismo político de regulação de conflitos e

alguma mediação entre seus diversos interesses;

iii) a gestão individual do tempo entre a participação pública e a vida privada de cada

pessoa, cujos critérios além de serem bastante variáveis, tratam de conciliar não só o civismo com

as condições materiais, mas também o contexto político e algum balanço entre confiança,

expectativas e benefícios; e

iv) a gestão coletiva do tempo, do mandato e dos recursos materiais entre a proposição, as

etapas intermediáriase a avaliação das políticas.

Assim, no conjunto denominadoDesafio das Grandezas, vemos que a democracia precisa

lidar com a complexidade de um arranjo em que a multiplicidade de interesses e a diversidade de

representações do dēmos, em que os limites de tempo e distância para a construção de espaços

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públicos de debate e deliberação e em que os riscos e possibilidades do número de pessoas

envolvidas, tudo isso a configura, antes, como o regime das múltiplas minorias. Se, por um lado, o

grande número pode revelar-se como “tirania da maioria”33, ou como “questão social”34, por outro

lado, o pequeno número pode revelar-se tanto no “ódio de si” e em minorias discriminadas quanto

nos “narcisismos das pequenas diferenças”35 e em minorias privilegiadas.

Ainda sim, nota-se que o desenvolvimento da democracia passou – e se mantém – pela

ampliação do dēmos, diante de alterações nas condições da comunidade política (isto é, no número

de seus membros, em sua abrangência territorial e nas questões de que ela se ocupa). E isso sugere

que esse modo de democratização se deu, em suma, pela abertura institucional à inclusão (de grupos

sociais antes excluídos, ou por meio da congregação de territórios) e com a ampliação das agendas

políticas, abarcando diferentes interesses e temas.

Não seria inimaginável, portanto, propor soluções para o Desafio das Grandezas que

passassem por novas alterações naquelas condições e que não interferissem na abertura institucional

já conquistada. Arranjos democráticos glocais – quando o significado do global e do local se

tornam, temporariamente, intercambiáveis pela conexão entre eles, ou seja, em que os efeitos da

glocalização passam a poder ser efetivamente considerados – parecem uma alternativa viável ao

dilema de manter a abertura institucional à inclusão frente ao aumento das grandezas da

democracia. Em outras palavras, pode-se imaginar arranjos democráticos que tenham números de

membros e abrangência territorial variáveis e que se ocupem, desse modo, de questões que serão

uma função dessas variações. Como antevia Dahl (2001, p. 121), “talvez hoje e cada vez mais no

futuro seja possível resolver o problema territorial com o emprego dos meios de comunicação

eletrônico”.

Contudo, de um modo ou de outro, as tecnologias (de mídias ou de métodos, seja em

plataformas digitais para participação virtual, seja em conselhos e conferências presenciais

33 Como argumenta Dahl (1989, p. 17), embora a tradição federalista (e, em particular, o pensamento madisoniano)

tenha deixado mais explícitos seus temores frente a tirania da maioria, “a tirania legislativa, ou da maioria, não é

menos tirânica que a tirania do executivo, ou da minoria. São ambas por igual indesejáveis”. Mais ainda, teorias

elitistas defenderiam a ideia de que, uma vez que a maioria jamais governa de fato, toda tirania adviria, quando fosse

o caso, de uma minoria – de uma elite dominante. Essa é, como relembra Dahl (1989, pp. 56-57), a objeção

apresentada por Gaetano Mosca.

34 Em sua estrita distinção entre o espaço público-político e a esfera privada, Arendt (2001, p. 52) aponta para os riscos

da invasão do primeiro pela última, quando o regime de necessidade, e a economia, tomam de assalto a política,

aumentando “a probabilidade de que o social, e não o politico, constitua a esfera pública”.

35 Como explicam Reino & Endo (2011), Freud escreve a expressão em três diferentes obras, mas é em O mal-estar na

civilização (1930) que o tema é mais explorado, no sentido que nos interessa aqui.

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pulverizadas pelo território) continuam com a representação limitando seu horizonte de

possibilidade e, portanto, deságuam quase sempre em procedimentos indiretos (aqueles em que há

delegação de poder a outra pessoa). E isso significa que, embora o Desafio das Grandezas tenda a

ser minimizado com a experimentação de diferentes tecnologias, ele se mantém como desafio para a

democratização sempre e quando está atrelado – como causa ou como efeito – aos outros dois

desafios, que consideraremos em sequência.

O Desafio das Desigualdades desdobra-se sobre as distintas maneiras como as

democracias representativas atuais se mantêm apesar de (ou mesmo por causa de) suas “promessas

não-realizadas”, e no que diz respeito à relação entre seus princípios de igualdade, liberdade e

justiça.

Se, como afirma Dahl (2001, p. 20. grifo do autor), “um impulso para a participação

democrática desenvolve-se a partir do que poderíamos chamar de lógica da igualdade”, então as

desigualdades que vemos surgir no e pelo processo democrático parecem mesmo andar na

contramão dessa lógica, que por si só já é bastante complexa. Assim, é necessário estabelecer uma

definição de desigualdade que possa contribuir para a clareza e especificidade do que é expresso por

essa palavra. Nesse sentido, parece útil a definição apresentada por Miguel (2014, p 300):

Desigualdade […] significa uma assimetria no controle de determinados recursos que: (1)

possui impacto nas trajetórias possíveis relativas de indivíduos e grupos; (2) reflete

padrões estruturais, não sendo efeito do acaso ou de escolhas pessoais livres; e (3) está

vinculada a relações de dominação, isto é, à capacidade de uns bloquearem a ação

autônoma e/ou a obtenção de ganhos por parte de outros.

Se as diferenças precisam ser organizadas artificialmente pela política democrática para

que se alcance o ethos igualitário que a inspira, pode-se argumentar que a força de estruturas sociais

(como, por exemplo, uma organização de baixa conectividade para a rede social) tende a limitar as

possibilidades de dinâmicas sociais, reduzindo “as possibilidades de ação política dos indivíduos de

grupos prejudicados pelas desigualdades” (Miguel, 2014. p. 301), como, por exemplo, um

hardware limita a operabilidade de um software.

Do ponto de vista da topologia da rede social, portanto,é a distribuição – e não somente a

descentralização – que pode interferir nos processos de hierarquização com vistas à redução de

desigualdades. Essa hierarquização (ou centralização derecursos econômicos, sociais, políticos e

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simbólicos36) faz surgir pelo menos quatro desafios aos quais, conjugados, poderíamos chamar de

Desafio das Desigualdades:

i) desigualdades e opressões sociais (de classe, gênero, raça, vinculadas à sexualidade),

sustentadas por um padrão de hierarquização das diferenças entre modos de vida que privilegia

aspectos de grupos dominantes, bloqueando acessos a recursos e oportunidades sociais, usufruídos

ou controlados de modo privado (isto é, como privilégios) por esses grupos dominantes, reduzindo

a capacidade de ação, intervenção e representatividade dos grupos dominados e favorecendo uma

dinâmica social de subordinação, oposta ao ideal democrático de autonomia coletiva;

ii) assimetrias de recursos e poder político, associadas tanto aos privilégios de grupos

dominantes quanto aos estigmas e diferenças de status que marcam negativamente a trajetória dos

grupos dominados, seja quando da produção coletiva de suas identidades e propostas, seja quando

da defesa ou consecução de seus objetivos políticos, favorecendo uma dinâmica social de

heterodeterminação, oposta ao ideal democrático de liberdade de autodeterminação e autolimitação;

iii) diferenças cognitivas ou epistemológicas, forjadas a partir de hierarquização prévia de

posições sociais e conhecimentos específicos que remodelam a valorização de funções (por critérios

anteriores à interação ou à sua aplicação) e limitam a pluralidade de conhecimentos validados social

e politicamente, aumentando a tecnocratização e favorecendo uma dinâmica social de

heterodidatismo e de naturalização das especializações, oposta ao ideal democrático de igualdade (e

mesmo do que se deveria entender por mérito);

iv) disparidades entre reconhecimento e redistribuição, aprofundadas por uma tendência

sistêmica e capitalista de concentração de riquezas, associada à privatização do poder e da

influência, favorecendo uma dinâmica social de subrepresentatividade (quando são reduzidos os

efeitos das expressões, das oportunidades de engajamento e da amplitude das interações de grupos

vulneráveis ou com baixo reconhecimento), oposta ao ideal democrático de justiça social37.

36 Baseados no trabalho de Dahl em sua fase inicial (1940), e no entendimento de que a democracia é tentativa de

desconstituição da autocracia, podemosconcluir que a concentração do poder é a antítese da igualdade democrática.

Assim, só com a redistribuição de recursos econômicos, sociais, políticos e simbólicos é que se pode falar em uma

ordem social que contribua para efetivas reduções de desigualdades.

37 Nesse sentido, pode-se tomar a definição de injustiça apresentada por Iris Marion Young, para quem elaé “mais do

que simplesmente o fato de que pessoas sofrem infortúnios que não merecem. Ela diz respeito a como regras

institucionais e interações sociais conspiram para estreitar as opções que muitas pessoas têm” (apud Miguel, 2014.

p. 305). E, disso, tem-se que justiça social, definida a contrario, ou seja, sendo o oposto de injustiça, diz respeito a

como regras institucionais e interações sociais contribuem para (e são derivadas de) a ampliação de acesso a opções,

caminhos e recursos, de modo que pessoas e grupos possam validar socialmente seus modos de vida.

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Essa conjugação proposta, no entanto, precisa ser compreendida de maneira a não

esquecermos que “esses diferentes padrões de desigualdade se inter-relacionam de forma complexa:

não são nem independentes entre si, nem redutíveis uns aos outros” (Miguel, 2014. p.

304).Portanto, por óbvio que seja, é preciso explicitar novamente sua interconexão com o próximo

conjunto de dilemas.

O Desafio da Representatividade aponta para a complexidade do tema da representação

comoimpasse das democracias representativas contemporâneas: o povo é o soberano que não

governa, pois deve ser representado pelo governante para exercer sua soberania. Talvez não se

possa contornar esse impasse com o simples abandono, impensável atualmente, da representação

política. É isso que parece justificar o argumento de que “a representação política é incontornável

para qualquer tentativa de construção da democracia em Estados nacionais contemporâneos”

(Miguel, 2014. p. 13). Seria preciso considerar, portanto, a democratização da representaçãocomo

condição para o aprimoramento das atuais democracias38.

Além disso, no entanto, sugirorepensaros movimentos de democratização como um tripé

“Adesão-Participação-Interação”, visando ao aumento na interação do dēmos.Nesse tripé, a

Adesãoé o modo que exige que arepresentação se limite a um dos lados da separação funcional

entre tomadores de decisão e o cidadão comum submetido a essas decisões (isto é, aumenta a

distância entre representantes e representados); a Participação diz respeito à capacidade de

influência na agenda pública e à inclusão (da presença ou da “perspectiva social”) nos debates

públicos; e a Interação corresponderia à ampliação das condições de formação autodeterminada das

preferências (individuais e/ou coletivas), por meio da associação temporária para o engajamento em

problemas comuns e públicos.

Isso poderia contribuir para analisarmos a representatividade, e não só a representação.A

representatividade, portanto, tem a ver com as capacidades reais ou socialmente viabilizadas, em

condições artificialmente estabelecidas pela política como iguais, para que grupos ou indivíduos e

38 Miguel (2014, pp. 15-17) aponta para, pelo menos, quatro entraves para uma representação mais democrática: i) a

separação entre governantes e governados, apontada no que chamamos de “terceiro pressuposto”; ii) a formação de

uma elite política, a reprodução das desigualdades sociais e a subrepresentação, pela distância e especialização

funcional entre governantes e governados, e pela dificuldade de aplicação do “princípio da rotatividade”, já que a

permanência no poder tende a ser o principal objetivo desse grupo governante – o que foi discutido em nosso

segundo pressuposto e no Desafio das Desigualdades; iii) a ruptura do vínculo entre a vontade dos representados e a

vontade dos representantes, dada pela diferenciação social e funcional entre seus interesses – o que foi discutido em

nosso segundo e terceiro pressupostos; e, iv) na representação eleitoral, a distância entre o momento das promessas

de campanha e o momento do exercício do mandato – problematizado pelo Desafio da Autoimunidade.

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seus interesses possam “contar”, pois indica: i)o efeito da liberdade de expressão (i. e., de falar e ser

escutado); ii)a efetividade do engajamento (i. e., de ter condições para produzir ou interferir na

agenda pública) e; iii) a eficácia da interação (i.e., da ampliação de acesso a recursos materiais e

simbólicos para a ação política).

Assim, do ponto de vista das dinâmicas sociais e dos mecanismos políticos de ampliação

da representatividade, cada um desses graus da livre-interação, porquanto limitados e distintos, mas

interdependentes, faze surgir pelo menos um impasseespecíficoque, juntos,conformam aquilo que

denominaremos como Desafio da Representatividade:

i)buscar resolver a crise da representação39, que envolve em larga medida sua legitimação,

dentro das esferas necessária e estritamente representativas, o que limita a interação auma forma

deadesãoaos mecanismos, mais ou menos inclusivos, de formação de interesses, identidades ou

comunidades políticas (que, por sua vez,só poderiam ser constituídas por essa mesma

representação), invisibilizando os diferentes graus em que pessoas e grupos interagem entre si (e as

diferentes experimentações de democracia que podem surgir daí);

ii)considerar que a constituição das agendas depende exclusivamente do aumento da

participação em uma agenda pública e, portanto, da capacidade de universalização de interesses e

demandas, compatíveis com a certa hierarquização de aplicação de recursos, o que desconsidera

tanto os impedimentos (formais e materiais) para essa universalização quanto se sustenta na

percepção (equivocada) da agenda pública como um funil e não como parte (importante, mas não

única) na mobilização da opinião e dos recursos públicos para a resolução de problemas em um

ambiente de pluralismo político(ou seja, como se os únicos problemas dignos de atenção tivessem

de se apresentar como “grandes questões nacionais”);

iii)considerar que a opinião pública, a formação das preferências e das identidades ou a

vontade coletiva podem ser vistas como mera agregação de aspectos singulares (ou individuais),

impondo desafios à adaptação da representação ao crescente descentramento de identidades, à

diversificação de comunidades políticas e à variação nos mecanismos de resolução de conflitos em

um ambiente de pluralismo social;

39 As tentativas de formular essa ideia mais amplamente como “crise da democracia” se mostram míopes, quando não

enviesadas, pois deixam de visualizar o paradoxo intrínseco à junção do substantivo (democracia), que fala sobre o

governo do povo, com o adjetivo (representativa) que retira do povo, justamente, o governo, ao atribuí-lo aos

representantes. A justificativa para isso têm como ponto de partida as “democracias atualmente existentes”, que são

essencialmente democracias representativas e eleitorais, como aponta Miguel (2014, p. 98). Sobre isso, cf. também a

nota .

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iv)sustentar que o princípio representativo em que “um fala em nome de outros”, fundado

na lógica da geração artificial de escassez e de unidade, seja o melhor (quando não o único) modo

de interação política para a decisão autônoma e coletiva sobre problemas comuns e públicos, de

modo a inutilizarmétodos alternativos que se fundam na lógica da abundância e da multiplicidade e,

portanto, no reequilíbrio da redistribuição de recursos, no questionamento de sua hierarquização

preestabelecida (às vezes, extra-politicamente), na remodelação dos critérios de validação de

interesses e no reconhecimento de suas esferas públicas correspondentes.

Podemos afirmar então, em sintonia com a formulação de Miguel (2014, p. 135) para uma

teoria ampliada (e tridimensional) da representação política, que há uma “precondição do

funcionamento de um regime democrático: a difusão das condições materiais mínimas que

propiciem, àqueles que o desejem, a possibilidade de participação na política”. E vale agregar a esse

conjunto o questionamento de que haja uma aptidão especial para o governo – e a consequente

hierarquização que a partir dela se mostra necessária e que, ao mesmo tempo, a justifica. Talvez

seja isso, também, o que precisa ser problematizado para que se retome aquele impulso da lógica da

igualdade, que sustenta que pessoas têm iguais capacidades para decidirem sobre o destino comum

que lhes afeta40. ODesafio da Representatividade, portanto, procura conciliar diversas formulações

e justificações do “princípio da distinção”41 – ao mesmo tempo em que procura manter os vínculos

entre representantes e representados para legitimar tal separação – comum regime que se funda na

igualdade.

Assim é que esses dois desafios – o da Representatividade e o das Desigualdades – tratam,

cada um a seu modo, mas interconectados, de princípios fundantes do que quer que se entenda por

democracia – a lógica da liberdade e a lógica da igualdade. Falta ainda, no entanto, um último

desafio a ser apresentado e que, se não é o mais destacado, certamente é o único aporético por

definição.

O Desafio da Autoimunidade trata das partes constituintes (os “genes”)desses projetos de

democracia, isto é, daquilo que parece ser inescapável e que foi sendo conformado como um traço

inequívoco de continuidade e perecimento – ou seja, de indeterminação – entre as distintas

Democracias Inventadas – a primeira, pelos antigos gregos, e a segunda pelos modernos

40 Uma proposta nesse sentido, mesmo que ainda incipiente diante do problema colocado, já se encontra em O Mestre

Ignorante (2002[1987]) e O Espectador Emancipado (2012), de Jacques Rancière.

41 Manin (2010. pp. 187-188)usa essa expressão para relembrar o fato de que, na instituição do governo representativo,

“representantes eleitos podiam e deviam ser cidadãos eminentes, socialmente diferentes dos que os elegiam”.

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antiabsolutistas. Com isso, constatamos a manutenção de alguns impasses que, desde sempre, geram

insatisfação e promessas não cumpridas. Ao menos três deles constituem o que chamamos de

Desafio da Autoimunidade:

i)o projeto da democracia, envolvendo um balanço aporético entre os princípios de

liberdade e igualdade, não oferece proteções finais eficazes (isto é, democráticas e justas) para se

lidar com os usos da democracia contra ela mesma e, assim;

ii)enquanto mecanismo de regulação de conflitos, a democracia é identificada ao sistema

eletivo vigente, o que atualmente mantém a confusão entre o princípio da liberdade democrática e a

competição eleitoral e partidária, e a confusão entre o princípio da igualdade democrática e o voto

universal –confusões ampliadas tanto mais a democraciase limite a ser definida somente como

método ou “regras do jogo” – e, ainda;

iii)enquanto regime político agonístico, a democracia é identificada ao Estado, o que

atualmente mantém a confusão entre política e violência,ampliada tanto mais sua dinâmica de

administração estatalfor adversarial e bélica, e tendo como consequência a diminuição do sentido do

público como aquilo que é comum entre governantes e governados.

Sobre o primeiro impasse, vê-se que um dos grandes dilemas a ser enfrentado na

democraciaéa possibilidade sempre presente de uso de seuinstrumento político – seja a oratória, o

discurso e a persuasão, seja o voto e a competição eleitoral – contra a própria democracia. Isso

coloca em risco não só a estabilidade de seu princípio de justiça, uma função aporética da

convergência entre igualdade e liberdade, mas coloca em questão também sua capacidade mesma de

servir como artifício legítimo para decisões coletivas sobre o destino comum e público.

Assim desdobra-se o segundo impasse, quando “o desafio gerado pela possibilidade de

manipulação da determinação da 'vontade coletiva', através do uso estratégico das normas de

agregação de preferências” (Miguel, 2014. pp. 14-15), levaria à conclusão de que qualquer forma de

decisão coletiva sobre questões comuns seria inócua e vazia, quando não inapropriada, pois é

facilmente manipulável. Conclusões desse tipo, além de insustentáveis, dependem justamente da

identidade, questionável, entre democracia e sistema eletivo. Embora seja crucial saber “como” se

decide, a democracia também precisa considerar “quem” decide, “onde” decide, “o que” decide e,

com efeito, a autolimitação de saber sobre “o que não” se decide.

Ainda assim, esse problema do uso democracia – ou, particularmente, das eleições – contra

a própria democraciaparece não poder ser eliminado, por meios democráticos,mas somente

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controlado42dentro dos limites das atuais democracias representativas. Embora, é claro, ele

tampouco possa se superado sem algumas das “condições mínimas” asseguradas por essas mesmas

democracias, uma vez que elas garantem janelas de oportunidade para a expressão e reivindicação

de soluções. Por isso a democracia precisa não somente ser reafirmada, como ampliada e

reinventada.

Sobre o últimoimpasse, vê-se que o Estado, enquanto instituição política desenhada para

conter a bellum omnium contra omnes,passa a valer-se pouco a pouco da democracia, enquanto

regime político agonístico,como método “aceitável” de administração dos conflitos. Desse modo,

pelo condicionamento recíproco entre a dinâmica democrática e a estrutura estatal, tal como

acontece ao se rodar um software em um hardwarelimitado ou incompatível, a violência

(estrutural)é amalgamada à (dinâmica) política. Daí o pressuposto de a natureza adversarial e

guerreira dos seres humanos não poder ser erradicada, na política democrática, mas tão-somente

controlada(pela violência do Estado).

A Democracia, no entanto,parece ter sido inventada pelos antigos justamente com tentativa

de separação entre o âmbito da política, marcado pelo poder-fazerou pela persuasão no interior da

comunidade política, e o momento da guerra, marcado pela coerção oupelo uso da violência no

exterior da comunidade política43. Com a unificação de comunidades políticas sob a égide do

Estado-nação, o que muda no contexto – e que se reflete como a segunda invenção da democracia –

não é somente o elevado número de pessoas ou a complexidade e o tempo para a tomada de

decisões, mas a criação de uma nova unidade política: o indivíduo, arrebanhado para constituir uma

nação pouco conectada entre si, isto é, com alta hierarquização, forte centralização e incrementada

especialização. Esse indivíduo inventa, portanto, um modo de regulação indireto (ou mediado) – a

democracia representativa –, que não só modifica o estatuto da igualdade democrática (e o limita,

como vimos, ao voto), mas também seu princípio de liberdade, ao concentrar-se mais em garantir

42 Diversos mecanismos sociais e institucionais de controle, tanto de “checks and balances” (freios e contrapesos)como

de accountability horizontal e vertical, foram sendo paulatinamente agregados ao jogo democrático com vistas a

diminuir a incidência do problema da ação ameaçadora das partes no processo de delegação de poder, por meio de

sua limitação recíproca.

43 A distinção entre poder (político) e violência (guerreira), como argumenta Arendt (2009), foi perdida com o advento

do Estado-nação justamente porque essa é uma instituição desenhada para a guerra (e não para a política, portanto),

conformada por seus meios coercitivos e seu aparato bélico-policial, além do próprio caráter de exceção de sua

soberania. O Estado-nação, assim descrito, está sob o risco permanente seja da guerra total, seja do regime

totalitário. Por isso ela pretende resgatar a dignidade (e o sentido) da política; não para imitar os gregos, mas para

enfatizar aquela distinção necessária.

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proteção individual frente ao Estado, por meio da “possessão” de direitos individuais44 – o que foi

entendido pelos modernos como “liberdade negativa”. E isso ocorre sempre que o Estado

modernoapresenta-se como ameaça a seus próprios cidadãos. Como sintetiza Miguel (2014, p. 13),

esse é o dilema entre “permitir a livre expressão dos interesses em conflito e ainda assim manter

uma unidade mínima, sem a qual nenhuma sociedade pode existir”.

Desse modo, quando coesão social e coerção do Estado passam a ser uma e a mesma coisa,

a democracia limita-se a um método de unificação da comunidade política, constituída por

indivíduos, para administração do Estado. Ederiva-se daí não haver democracia fora do Estado ou

para além da “posse” de direitos individuais, assegurada exclusivamente por ele45. Com isso, as

atividades sociais (e políticas) são vistas como a luta contra inimigos por recursos escassos, uma

estrita hierarquização é estabelecida conforme o mando-obediência, é reforçada a separação entre os

que ordenam e os que executam as ordens, isto é, entre as decisões tomadas por um grupo e a

execução a ser levada a cabo pelos demais, com a imposição de suas consequências a todos,

partícipes ou não do processo de decisão – em suma, todas elas características presentes num

“estado de guerra”. Por isso a democracia se depara, cotidianamente, com o Desafio da

Autoimunidade, que impõe limites ao desenvolvimento da própria democratização e ao que, na

ânsia de superá-los, são impostos quase sempre movimentos de desdemocratização. E, assim, em

suas intermitentes mudanças, caminha a Democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pretendeu argumentar aqui, em síntese, é que os limites da imaginação sobre

soluções para os desafios da democracia se mantêm estanquessesão tratados tão somente como

impasses perenesda democracia, e não também como inadequação dos princípios que nos guiam

diante deles.Assim, projetos de democratização deveriam buscar remover de suas bases os aspectos

de “não-democracia” – isto é, de autocracia – que se fazem presentes seja nas teorias da democracia

seja nas práticas democráticas, seja em dinâmicas sociaisseja em instituições políticas

representativas ou participativas.

A formulação um tanto extensa e com algumas subdivisões internas pretendeu, por um

lado, contribuir para explicitar e melhor apresentar a complexidade de alguns dos desafios para as

44 Mouffe (2005, pp. 18-19) argumenta que direitos e cidadania, pensados democraticamente, devem ser exercidos de

modo coletivo ou coletivizado, mesmo quanto articulados pelo indivíduo liberal.

45 A apatridia, desse modo, deixaria um conjunto de pessoas sem, de fato, nenhuma garantia sobre sua humanidade.

Essa é uma das problemáticas que a universalização dos direitos humanos enfrenta, pelo menos, desde 1789.

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teorias da democracia. No entanto, a carência de síntese pode impor custos à elegância e ao

entendimento. E, prejudicado o entendimento, o que se dilui é justamente a potência do argumento.

Para um bem-vindo auxílio nessa tarefa – não só de elegância estilística, mas também de

precisão conceitual –, apresento a formulação de Norberto Bobbio (1983, p. 89) sobre “os quatro

inimigos da democracia”, quais sejam: “as grandes dimensões, a burocratização crescente do

aparelho estatal, o tecnicismo sempre maior das decisões a tomar, e a tendência à massificação da

sociedade civil”46.

Qualquer tentativa de recorrer a uma conexão determinante entre os desafios aqui

sistematizados e cada um desses “paradoxos da democracia” pode ser arriscada, dadas as diferenças

tanto de abordagem quanto de léxico entre eles. No entanto, pode ser frutífero reconhecer que

Bobbio (1983, pp. 59-62) apresenta:

i) um primeiro paradoxo que fala algo sobre o Desafio das Grandezas, quando

explicitamente menciona as grandes dimensões das sociedades atuais e a complexidade de se “pedir

sempre mais democracia em condições objetivas sempre mais desfavoráveis”;

ii) um segundo paradoxo que considera a possibilidade de que a organização burocrática –

“um aparelho de estrutura hierárquica e não democrática, de poder descendente e não ascendente” –

cresce em proporção e amplitude junto com o Desafio das Desigualdades, se é verdade que “o

processo de democratização e o processo de burocratização não somente ocorrem ao mesmo tempo,

mas o segundo é consequência direta do primeiro”47;

iii) o diagnóstico, no terceiro paradoxo, de que incrementos na tecnocratização das

decisões, comuns em sociedades industriais contemporâneas, leva ao aumento de espaços de

decisão reservados a especialistas e, assim, impõe barreiras à superação do Desafio da

Representatividade quando restringe, se este for mesmo o caso, movimentos de democratização da

46 Para o argumento em sua forma mais desenvolvida, cf. Bobbio (1983, pp. 58-66).

47 A conexão mais própria entre diminuição das desigualdades pelo Estado e sua consequente burocratização aparece

na citação, feita por Bobbio (1983, p. 60), de Silvio Spaventa: “Uma sociedade democrática, na qual foi proclamada

a igualdade jurídica de todos diante da lei, tem exigências que impõem ao estado um número sempre maior de

serviços e repartições, cujo objetivo é o de criar as condições através das quais cada indivíduo possa, com sua

própria atividade, conquistar um estado que, de algum modo, corresponda à sua igualdade de direitos. Daí a

necessidade de alargar sempre mais os limites da administração comum, que cria sempre novas relações entre

cidadãos e o representante desta administração comum, que é justamente o estado”. Que o estado seja o único

responsável, ou mesmo o mais indicado em todos os casos, pela indução do desenvolvimento ou pela redução das

desigualdades sociais é questão polêmica, da qual não tratarei aqui.

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própria representação, de modo que seria contraditório “pedir sempre mais democracia em uma

sociedade sempre mais tecnicizada”48;

iv) o problema autoimposto pela democracia de lidar com sua indeterminação e com suas

tendências ao nivelamento e à massificação, o que faz ser “necessário o emprego, mais ou menos

amplo, mais ou menos intenso, de técnicas de organização do consenso”, que nos parece semelhante

à formulação do Desafio da Autoimunidade.

Assim, são justamente asvariaçõesno dēmos – em sua ampliação, interatividade,

constituição e em seu poder – que nos levama reinventar ademocracia como processos mais

interativos e inclusivos, protegidos e garantidos, responsivos e mutuamente vinculantes. Desse

modo, seus desafios criam (e são criados por)um tipo de sociedade e de regime político, moldado

pelas atuais democracias representativas mas não limitado a elas, que precisa continuamente

inventar, legitimar e tornar a questionarseuspadrões de organização e seusmodos de regulação –

apesar dos conflitos gerados em sua coletivização, mas seguramente também por causa deles.

48 O aspecto contraditório, para Bobbio (1983, p. 61), se encontra no fato de que “pedir mais democracia significa

pedir a extensão das decisões que competem àquele que, pelas condições objetivas do desenvolvimento da sociedade

moderna, se torna sempre mais incompetente”. Embora concorde com a conclusão, a premissa de incompetência

parece, senão temerária, potencialmente antidemocrática.

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