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COMENTÁRIOS SOBRE O TERMO INICIAL DA PRODUÇÃO DE EFEITOS VINCULANTES PELAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE Estudo do Caso da Declaração de Inconstitucionalidade do Artigo 5º da Lei nº. 11.960/09 1 GUILHERME SALGUEIRO PACHECO DE AGUIAR 2 [email protected] 1) Enquadramento do tema a ser estudado. A definição dos juros devidos pela Fazenda Pública nos processos judiciais é tema que se mostra conturbado por dois motivos. Em primeiro lugar, pela sucessão de diplomas normativos a regerem o assunto. Além disso, pela divergência doutrinária e jurisprudencial que se criou (i) quando da correta interpretação dos dispositivos legais que os preveem e (ii) quando se busca equacionar os sempre tormentosos problemas de direito intertemporal. Código Civil de 1916, Lei nº. 9.494/97 (com as alterações da MP nº. 2180-35/2001 e, posteriormente da Lei nº. 11.960/09), Código Civil de 2002, todos esses diplomas já definiram os juros devidos pela Fazenda Pública nos processos judiciais. Atualmente, estes são definidos pelo artigo 1º-F da Lei nº. 9.494/97, com a alteração promovida pelo artigo 5º da Lei nº. 11.960/09. Contudo, recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4425 e 4357, que discutiam a constitucionalidade de uma série de modificações promovidas pela EC nº. 62/09 na sistemática dos precatórios, declarou inconstitucional, por arrastamento, este dispositivo legal, tornando a abrir discussões sobre o tema. E mais do que isso: a questão agora passa pela discussão quanto ao termo a quo da produção dos efeitos vinculantes desta decisão declaratória de inconstitucionalidade. Será que já seria lícito aos Tribunais voltarem a aplicar as normas que regeram preteritamente os juros devidos pela Fazenda Pública, mesmo antes da publicação do acórdão das referidas ADIs? Será que, antes de tal publicação, já há como saber, de fato, o teor do que fora decidido? Tendo em vista a envergadura do tema, será que não seria mais prudente aguardar melhor 1 Impossível não agradecer à colega de Procuradoria do Estado Giselle Weber Martins Alves, cujo suporte à confecção da presente tese passa dos limites de mera contribuição discussiva, beirando a co-autoria. 2 Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. 1

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COMENTÁRIOS SOBRE O TERMO INICIAL DA PRODUÇÃO DE EFEITOS VINCULANTES PELAS DECISÕES DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE

Estudo do Caso da Declaração de Inconstitucionalidade do Artigo 5º da Lei nº. 11.960/091

GUILHERME SALGUEIRO PACHECO DE AGUIAR2

[email protected]

1) Enquadramento do tema a ser estudado.

A definição dos juros devidos pela Fazenda Pública nos processos judiciais é tema que

se mostra conturbado por dois motivos. Em primeiro lugar, pela sucessão de diplomas

normativos a regerem o assunto. Além disso, pela divergência doutrinária e jurisprudencial

que se criou (i) quando da correta interpretação dos dispositivos legais que os preveem e (ii)

quando se busca equacionar os sempre tormentosos problemas de direito intertemporal.

Código Civil de 1916, Lei nº. 9.494/97 (com as alterações da MP nº. 2180-35/2001 e,

posteriormente da Lei nº. 11.960/09), Código Civil de 2002, todos esses diplomas já

definiram os juros devidos pela Fazenda Pública nos processos judiciais.

Atualmente, estes são definidos pelo artigo 1º-F da Lei nº. 9.494/97, com a alteração

promovida pelo artigo 5º da Lei nº. 11.960/09.

Contudo, recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4425

e 4357, que discutiam a constitucionalidade de uma série de modificações promovidas pela

EC nº. 62/09 na sistemática dos precatórios, declarou inconstitucional, por arrastamento, este

dispositivo legal, tornando a abrir discussões sobre o tema.

E mais do que isso: a questão agora passa pela discussão quanto ao termo a quo da

produção dos efeitos vinculantes desta decisão declaratória de inconstitucionalidade. Será que

já seria lícito aos Tribunais voltarem a aplicar as normas que regeram preteritamente os juros

devidos pela Fazenda Pública, mesmo antes da publicação do acórdão das referidas ADIs?

Será que, antes de tal publicação, já há como saber, de fato, o teor do que fora decidido?

Tendo em vista a envergadura do tema, será que não seria mais prudente aguardar melhor

1 Impossível não agradecer à colega de Procuradoria do Estado Giselle Weber Martins Alves, cujo suporte à confecção da presente tese passa dos limites de mera contribuição discussiva, beirando a co-autoria. 2 Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

1

definição das ainda tênues linhas do resultadodo julgamento, devendo-se, inclusive, aguardar

manifestação da Corte quanto à eventual modulação dos efeitos da decisão?

O enfrentamento de tais problemas é o principal desiderato do presente artigo, que,

não obstante, não tem como objetivo colocar uma pá de cal sobre o assunto, nem tampouco

exaurir a discussão, que chega a passar dos limites do presente caso concreto e se mostra de

grande importância – como a seguir se demonstrará – ao sistema brasileiro de controle

abstrato de constitucionalidade como um todo.

2) A sucessão de leis a tratar dos juros devidos pela Fazenda Pública nos processos

judiciais3

Na ausência de lei específica prevendo juros à Fazenda Pública, foram aplicados a ela,

durante muito tempo, os juros de seis por cento ao ano, trazidos como a taxa de juros

moratórios legais pelos artigos 1062 e 1063 do Código Civil de 1916:

“Art. 1.062. A taxa de juros moratórios, quando não convencionada (art. 1262), será de seis por cento ao ano.” “Art. 1063. Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada.”

Assim, o tratamento dado à Fazenda Pública não se distanciava daquele que era dado

aos demais devedores.

Tal panorama modificou-se – ainda que sem efeitos práticos - com a MP nº. 2180-35,

de 24 de agosto de 2001, que, ao acrescentar o artigo 1º-F à Lei nº. 9.494/97, dispôs o

seguinte:

“Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.”

Assim, fácil vislumbrar que, apesar de haver dispositivo regendo de forma especial os

juros à Fazenda Pública quando se tratasse de “condenações (...) para pagamento de verbas

remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos”, na prática, não houve

3 Guiando a breve exposição deste capítulo está o Parecer nº. 1/2011 – LMAT, de LEONARDO MATTIETTO, publicado na Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº. 66, Rio de Janeiro, 2011, pp. 326 e ss.

2

modificação da taxa de juros, que continuou a ser de seis por cento ao ano, a mesma devida

por qualquer outro devedor.

Foi tão-somente com a vigência do Código Civil de 2002, portanto, que o dispositivo

legal voltado especificamente à Fazenda Pública realmente significou uma modificação

prática de panorama em relação aos juros devidos por ela nas hipóteses elencadas no artigo

1º-F da Lei nº. 9.494/97.

O novo Codex tratou dos juros moratórios legais em seu artigo 406, in verbis:

“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serãofixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

É verdade que a interpretação do referido dispositivo quanto ao que seria “a taxa que

estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” gerou

a divisão da doutrina e da jurisprudência em duas correntes: (i) uma primeira afirmando que o

artigo referia-se à taxa de doze por cento ao ano, trazida pelo artigo 161, parágrafo primeiro,

do Código Tributário Nacional e (ii) outra defendendo a aplicação da Taxa do Sistema

Especial de Liquidação e Custódia – Taxa SELIC.

Sagrando-se vencedor no Superior Tribunal de Justiça o segundo posicionamento4, os

juros devidos pela Fazenda Pública nas condenações judiciais a ela impostas ficaram regidos

da seguinte forma: (i) no caso de “condenações (...) para pagamento de verbas

remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos”: aplicação dos juros de seis por

cento ao ano, conforme o art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97 (acrescentado pela MP nº. 2180-35/01)

e (ii) nas outras condenações: aplicação da Taxa SELIC, conforme interpretação dada pelo

STJ ao artigo 406 do Código Civil de 2002.

Contudo, mais uma vez, uma alteração legislativa veio modificar tal sistemática. Isso

porque a Lei nº. 11.960, de 29 de junho de 2009, em seu artigo 5º, modificou a redação do

artigo 1º-F da Lei nº. 9.494/97, que passou a dispor da seguinte forma:

“Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária,remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

4EREsp 727.842-SP – Relator Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 20/11/2008. 3

Assim, passou o referido dispositivo a reger os juros devidos pela Fazenda Pública nas

condenações judiciais, independentemente da matéria da condenação. Vale lembrar também

que, de acordo com minuciosa leitura do dispositivo, também é possível inferir que o mesmo

não trata somente de juros, mas expressamente afirma que os “índices oficiais de

remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança” servirão “para fins de

atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora”. Ou seja, tais

índices não englobam somente os juros, mas também correção monetária, motivo pelo qual a

condenação à correção monetária, além da aplicação dos referidos índices revela-se

equivocada, pois incide em bis in idem.

A mesma sistemática de apuração de juros e correção monetária foi adotada pelo

parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição da República, acrescentado pela EC nº. 62, de 09

de dezembro de 2009.

Questão tormentosa – e que foge do âmbito de apreciação deste trabalho – diz respeito

à aplicação imediata da nova redação do artigo 1º-F da Lei nº. 9.494/97 aos processos em

curso. Cumpre destacar, porém, a consolidação da posição do Supremo Tribunal Federal de

que há aplicação a tais processos.5

Contudo, uma última reviravolta na matéria aconteceu quando do julgamento das

ADIs 4425 e 4357. No seu julgamento, o Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade de

vários dispositivos da EC nº. 62/09 - que modificou a sistemática dos precatórios -, incluindo

o parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição da República e, por arrastamento, o artigo 5º da

Lei nº. 11.960/09, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97, como acima se

destacou.

É essa declaração de inconstitucionalidade que será esmiuçada e analisada no próximo

capítulo.

3) A decisão do Supremo Tribunal Federal nas ADIs 4425 e 4357

As ADIs 4425 e 4357 tiveram como objeto a análise da constitucionalidade de uma

série de dispositivos introduzidos no texto constitucional por meio da EC nº. 62/09.

Esta emenda surgiu com o intuito de, uma vez mais, alterar a sistemática do

pagamento de precatórios, objetivando a criação de instrumentos jurídicos que permitissem,

em médio prazo, que entes federativos e suas autarquias e fundações honrassem sem atraso

5 Ver, exemplificativamente, o AgR no AI nº. 746.268-RS, Relatora Min. Cármen Lúcia, DJe 05/02/2010. 4

seus débitos. Dessa forma, procurou apresentar modificações maiores e mais drásticas do que

a emenda constitucional que anteriormente reformulou tal sistemática e fracassou no alcance

do referido objetivo - EC nº. 30/00.

No entanto, vários desses instrumentos foram taxados de violadores dos princípios da

moralidade administrativa, isonomia, devido processo legal, contraditório e ampla defesa,

entre outros, o que levou à proposição de quatro ADIs: 4425, 4357, 4400 e 43726 e trouxe à

EC nº. 62/09 o apelido de “emenda do calote”.

Ao final do julgamento das ADIs 4425 e 4357, vários dos dispositivos atacados

tiveram sua inconstitucionalidade declarada pela Corte, incluindo o parágrafo 12 do artigo

100 da Carta, que assim dispõe:

“Art. 100, Parágrafo 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.”

A decisão do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão

“índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, afirmando, conforme

exposto no Informativo de Jurisprudência nº. 698, que “essa atualização monetária dos

débitos inscritos em precatório deveria corresponder ao índice de desvalorização da moeda,

no fim de certo período”, e que tal expressão geraria “afronta à garantia da coisa julgada e,

reflexamente, ao postulado da separação dos Poderes”, por proporcionar a perda do poder

aquisitivo da moeda. 7 8

Outrossim, foi declarado inconstitucional, por arrastamento, o artigo 5º da Lei nº.

11.960/09, que alterou o art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97. Essa alteração, promovida antes mesmo

da EC nº. 62/09, passou a dispor que “[n]as condenações impostas à Fazenda Pública,

independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do

capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento,

dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

6 Sendo as duas últimas extintas por ilegitimidade ativa dos requerentes. 7 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Informativo de Jurisprudência nº. 698. Disponível no site eletrônico do Tribunal: http://www.stf.jus.br . Consulta feita em 17 de agosto de 2013. 8 Também se julgou inconstitucional a expressão “independentemente de sua natureza”, inferindo-se que aos precatórios de natureza tributária “deveriam ser aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário”.

5

A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é uma técnica de decisão nas

ações diretas de inconstitucionalidade que, mitigando o princípio da congruência - aquele

segundo o qual a apreciação jurisdicional deve-se ater ao pedido formulado -, permite ao

julgador declarar a inconstitucionalidade de dispositivos que não foram objeto da ADI, mas

que se encontram atrelados de tal forma ao dispositivo declarado inconstitucional que

apresentam o mesmo vício.

Normalmente, a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento – também

chamada de inconstitucionalidade consequente ou inconstitucionalidade derivada9 – acontece

quando se está diante de um sistema normativo, isto é, quando se está frente a diversos

dispositivos que se interligam organicamente e há pedido de declaração de

inconstitucionalidade de somente um ou alguns deles.

É o que acontece quando, por exemplo, uma lei prevê, em seu artigo 1º, uma isenção

tributária e, em seu artigo 2º, os requisitos para a obtenção de tal benefício fiscal. Imaginemos

a propositura de uma ADI contra tão-somente o artigo 1º da referida lei e que o Supremo

Tribunal Federal o declare inconstitucional. Parece óbvio que, diante da declaração de

inconstitucionalidade do artigo 1º, perde o artigo 2º motivo de existir, uma vez que este se

encontra umbilicalmente ligado àquele dispositivo declarado maculado pela

inconstitucionalidade.

Outro exemplo é quando há um ato normativo que retira sua validade no ordenamento

jurídico de outro ato normativo declarado inconstitucional em sede de controle abstrato de

constitucionalidade. Pensemos numa ADI proposta contra uma lei, mas não contra o decreto

que a regulamenta. Havendo a declaração de inconstitucionalidade da referida lei, perde o

decreto seu amparo na ordem legal, motivo pelo o qual se admite que, apesar de ele não estar

consignado como objeto da ADI, é possível à Suprema Corte arrastar a declaração de

inconstitucionalidade também para o decreto.

Sobre o tema, leciona LUIZ GUILHERME MARINONI:

“Pedindo-se, na ação direta, a declaração de inconstitucionalidade de norma que, por consequência, afeta outros dispositivos, não se poderia, diante de determinada leitura do princípio de que a sentença deve se ater ao pedido, declarar a inconstitucionalidade dos demais dispositivos. Porém, caso fosse assim, a Corte ficaria entre as alternativas de declarar inconstitucional apenas a norma delimitada na petição inicial – deixando de se pronunciar sobre o restante da lei – e não admitir a ação de inconstitucionalidade, diante na inadequação do pedido formulado na inicial, incapaz de afastar a

9 LEAL, Saul Tourinho. Controle de Constitucionalidade Moderno, Niterói: Ed. Impetus, 2010, p. 37. 6

inconstitucionalidade narrada na causa de pedir ou decorrente da ‘causa de pedir aberta’. Tais soluções são obviamente inadequadas. Por isso passou o STF a adotar a técnica da ‘inconstitucionalidade por arrastamento’, que, em resumo, permite arrastar a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo especificamente impugnado até os contaminados pela inconstitucionalidade.”10

GILMAR FERREIRA MENDES também trata do assunto, ao afirmar que:

“A dependência ou interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação”. É o que a doutrina denomina de declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento. Assim, mesmo diante do assentado entendimento de que o autor deve impugnar não apenas as partes inconstitucionais da lei, mas todo o sistema normativo no qual elas estejam inseridas, sob pena de a ação não ser conhecida, o Supremo Tribunal Federal tem flexibilizado o princípio do pedido para declarar a inconstitucionalidade por arrastamento de outros dispositivos em virtude de sua dependência normativa em relação aos dispositivos expressamente impugnados.”11

No presente caso de inconstitucionalidade por arrastamento, qual seja, o de extensão

da declaração de inconstitucionalidade para o artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, percebe-se que

não se trata de sistema normativo, uma vez que, apesar de possuírem normas jurídicas

similares, não há relação de dependência deste dispositivo àquele declarado inconstitucional -

parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição da República. Tanto é assim que a Lei nº.

11.960/09 surgiu anteriormente à EC nº. 62/09, e não posteriormente com o objetivo de

regular em sede infraconstitucional aquele dispositivo da Carta Magna.

Com efeito, é de se vislumbrar que a lei é de 29 de junho de 2009, vigendo a partir do

dia seguinte, ao passo que a EC nº. 62 é de 09 de dezembro de 2009. Assim, pelo menos a

princípio, é possível inferir que a lei não necessitava da emenda constitucional para retirar

dela seu fundamento de validade, uma vez que não surgiu com o objetivo de regulamentar o

parágrafo 12 do artigo 100 da Constituição, até mesmo porque surgiu antes da referida

emenda.

Igualmente, ao analisarmos os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade,

percebemos que a lei “não precisou” da edição da EC nº. 62/09 para ser inconstitucional. Ou

seja, não se tratou de inconstitucionalidade superveniente, mas sim originária, da Lei nº.

11.960/09.

10 SARLET, Ingo Wolfang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; Curso de Direito Constitucional, 2ª edição, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013, p. 1130. 11 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; Curso de Direito Constitucional, 6ª edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 1362.

7

Destarte, é possível ver, a partir da leitura do Informativo de Jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal nº. 698, que trouxe esclarecimentos acerca do julgamento das

ADIs 4425 e 4357, que a declaração da inconstitucionalidade da adoção do “índice oficial de

remuneração básica da caderneta de poupança” teve como fundamento a “afronta à

garantia da coisa julgada e, reflexamente, ao postulado da separação dos Poderes”12 e,

obviamente tais parâmetros de controle de constitucionalidade não surgiram com a referida

emenda, mas, ao revés, já se encontravam presentes no texto original da Carta de Outubro.

No entanto, por entender a Corte que os fundamentos da declaração de

inconstitucionalidade do parágrafo 12 do artigo 100 da Lei Fundamental também se

mostravam presentes quando da análise do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, optou por estender a

declaração de inconstitucionalidade a este dispositivo, não obstante - repita-se - não

consigamos vislumbrar hipótese de sistema normativo ou qualquer dependência da lei à

emenda constitucional para existir.13

Não perquirindo adentrar mais profundamente na discussão acerca da viabilidade da

utilização da inconstitucionalidade por arrastamento como técnica de decisão nas ações

diretas de inconstitucionalidade, seja de forma genérica, seja analisando a sua peculiar

aplicação no caso em tela, ruma-se, de vez, ao principal ponto desse estudo: a análise da

discussão do termo a quo da produção dos efeitos vinculantes advindos da declaração de

inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, que alterou a redação do artigo 1º-F

da Lei nº. 9.494/97. Antes, porém, cabe esclarecer em que pé anda o iter procedimental das

ADIs que promoveram tal declaração de inconstitucionalidade.

Conforme consulta ao site eletrônico do Supremo Tribunal Federal14, ainda não houve

a publicação do acórdão do julgamento, mas tão-somente da ata do mesmo, no DJe. O sistema

mostra também que há ainda várias petições a serem apreciadas pela Corte.

4) O termo inicial da produção de efeitos vinculantes pela decisão do Supremo

Tribunal Federal que declarou inconstitucional o artigo 5º da Lei nº. 11.960/2009.

O entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro.

12 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Informativo de Jurisprudência nº. 698. Disponível no site eletrônico do Tribunal: http://www.stf.jus.br . Consulta feita em 17 de agosto de 2013. 13 Dependência há, como afirmado, da própria Constituição da República, como ocorre com toda lei. Não por outro motivo é que a Lei nº. 11.960/09 foi declarada inconstitucional com base em fundamentos válidos. 14 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: http://www.stf.jus.br . Consulta feita em 17 de agosto de 2013.

8

Os efeitos vinculantes têm previsão no artigo 102, parágrafo 2º, da Constituição da

República, que, com a redação que lhe foi dada pela EC nº. 45/04, assim dispõe:

“Artigo 100. Parágrafo 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”

Dessa forma, o referido dispositivo15 prevê obrigatório respeito dos Poderes Judiciário

e Executivo às decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de

constitucionalidade. Parece-nos, de fato, que, sem a existência de tais efeitos, seria impossível

a sustentação do próprio sistema de controle abstrato de constitucionalidade em um

ordenamento jurídico como o nosso, que, diferentemente do norte-americano, não se encontra

fulcrado no stare decisis, ou seja, na vinculação obrigatória aos precedentes de tribunais

superiores.

Sobre os efeitos vinculantes, elucida ALEXANDRE DE MORAES:

“Assim, uma vez proferida a decisão pelo STF, haverá uma vinculação obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, que deverão pautar o exercício de suas funções na interpretação constitucional dada pela Corte Suprema, afastando-se, inclusive, a possibilidade de controle difuso por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário.”16

A definição do que seriam os efeitos vinculantes é tema sempre presente em manuais

de Direito Constitucional, havendo vasta literatura sobre ele, não raro remetendo o leitor à

análise de direito comparado.

15 E antes dele já o fazia a Lei nº. 9.868/99, no seu artigo 28, parágrafo único, e a Lei nº. 9.882/99, no seu art. 10, parágrafo 3º. 16 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 22ª edição, São Paulo: Ed. Atlas, 2007, p. 749. Segundo o entendimento do autor, os efeitos vinculantes aplicar-se-iam, inclusive ao legislador, “que não poderá editar nova norma com preceitos idênticos aos declarados inconstitucionais, ou, ainda, norma derrogatória da decisão do Supremo Tribunal Federal; ou mesmo, estará impedido de editar normas que convalidem os atos nulos praticados com base em lei declarada inconstitucional” (p. 750). Este, porém, não é o entendimento da maioria esmagadora da doutrina nacional. De fato, pensamos que os efeitos vinculantes não representam óbice à atividade criadora de leis do Poder Legislativo. Devemos entender a edição de nova norma com conteúdo idêntico àquele declarado inconstitucional pelo STF como um convite à Corte a analisar novamente os fundamentos que levaram à declaração de inconstitucionalidade. A mais vanguardista doutrina constitucionalista entende a hipótese como um instrumento de diálogo institucional (ou constitucional) entre os Poderes Judiciário e Legislativo quanto à interpretação da Constituição. Têm-se afirmado que tal simbiose hermenêutica se mostraria proveitosa para permitir que a definição do real sentido da Constituição seja dado não somente pelo Poder Judiciário, mas que conte com a participação de outros Poderes e agentes sociais, mitigando o sempre presente problema contramajoritário dos juízes ao realizarem controle de constitucionalidade. Para ver mais sobre o tema, recomendamos fortemente: BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial Versus Diálogos Constitucionais – A quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2012.

9

Contudo, razoavelmente inexplorada pela doutrina é a análise do termo inicial da

produção dos efeitos vinculantes pelas decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de

controle abstrato de constitucionalidade. Isto é, a partir de quando a decisão da Suprema Corte

é obrigatória “aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”? Trataremos do assunto, cuja relevância é

inversamente proporcional ao número de estudos dedicados a ele, a seguir, no próximo

capítulo.

Permitimo-nos, contudo, antes, trazer à baila o entendimento do Órgão Especial do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a respeito do tema. Mais especificamente, a

respeito do termo a quo da produção dos efeitos vinculantes pela decisão do STF que, em

sede de controle abstrato de constitucionalidade, declarou inconstitucional o artigo 5º da Lei

nº. 11.960/09.

A questão chegou àquele colegiado por meio da Arguição de Inconstitucionalidade nº.

0099102-41.2010.8.19.0001, que teve a seguinte ementa, publicada em 24 de julho de 2013:

“ARGUIÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 1º - F, DA LEI 9.494/97, COM NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/09. INCONSTITUCIONALIDADE, POR ARRASTAMENTO, RECENTEMENTE DECLARADA PELO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PERDA DO OBJETO. EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE DA DECISÃO DA SUPREMA CORTE. INCIDENTE PREJUDICADO. EXTINÇÃO SEM EXAME DO MÉRITO. RETORNO DOS AUTOS À EGRÉGIA 13ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.”

Além disso, o Relator, Desembargador Luiz Zveiter, em seu voto, tratou da questão:

“A questão constitucional remetida a este colegiado cinge-se, em síntese, em determinar qual o índice aplicável aos juros moratórios, nas condenações em que a Fazenda Pública for vencida, além de fixar a eficácia temporal da norma vergastada. Todavia, a Colenda Corte Suprema ao julgar em conjunto as Ações Diretas de Inconstitucionalidade números 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, recentemente - Plenário em 14.03.2013 -, decidiu pela inconstitucionalidade, em parte, por arrastamento, do artigo 1°-F, da Lei n.º 9.494/97, com redação dada pelo artigo 5º, da Lei n.º 11.960/09. Considerando a regra insculpida no parágrafo único, do artigo 481, do Código de Processo Civil, assim como a do também parágrafo único, do artigo 28, da Lei 9.868/99, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem eficácia erga omnes e efeito vinculante, merecendo total deferência deste Órgão. Pelo exposto, julgo prejudicado o presente incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, extinguindo-o, sem examedomérito,com base no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.”

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Ou seja, de acordo com o entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, a decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade do artigo 5º

da Lei nº. 11.960/09 já é apta a produzir efeitos vinculantes, não obstante ainda não tenha

havido a publicação do acórdão por aquele Tribunal e ainda haja inúmeros pedidos de

modulação de seus efeitos ainda pendentes de apreciação.17

Entendendo estar equivocado o supramencionado entendimento, passamos a

colacionar, no capítulo que segue, os fundamentos pelos quais não se pode aceitá-lo. Isto é,

passamos a expor os motivos pelos quais não há como admitir que a decisão do STF que, no

bojo do julgamento das ADIs 4425 e 4357, declarou inconstitucional o artigo 5º da Lei nº.

11.960/09 já produza efeitos vinculantes antes mesmo da publicação do acórdão.

5) Críticas ao entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro.

Como visto no capítulo anterior, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro recentemente apresentou entendimento segundo o qual desnecessária seria a

publicação do acórdão para que a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle

abstrato de constitucionalidade possua efeitos vinculantes. Entendeu o referido colegiado, no

caso da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, que tal decisão

já vincularia a atuação dos Poderes Judiciário e Executivo, ainda que não tenha havido a

publicação do acórdão do julgado, mas tão-somente da ata de julgamento, no DJe.

Se, por um lado, está longe de tratar de entendimento isolado e sem base, tampouco se

trata de decisão imune a críticas, como a seguir se expõe.

5.1) Da publicação do acórdão do julgamento do STF em sede de controle abstrato de

constitucionalidade como condição sine qua non à produção de efeitos vinculantes por esta

decisão.

Os livros que abordam o tema do termo inicial da produção de efeitos vinculantes o

fazem de forma sucinta e, normalmente, limitam-se a se remeter a julgados do STF que

enfrentaram a questão.

Assim, LUÍS ROBERTO BARROSO:

17 Contra este acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foram opostos embargos de declaração, até a data de fechamento deste trabalho - 30/08/2013 – ainda não julgados.

11

“A propósito da eficácia imediata, o STF já decidiu que a declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei surte efeitos a partir da publicação da decisão no DJU, ainda que não tenha transitado em julgado.”18

No mesmo sentido, SAUL TOURINHO LEAL:

“A jurisprudência do STF é no sentido de que o efeito da decisão proferida pela Corte, que proclama a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento.”19

Quanto à jurisprudência da Suprema Corte, alguns precedentes costumam ser

lembrados quando abordado o tema.

Um deles é a Questão de Ordem na ADI 711-AM. Em seu julgamento, no longínquo

ano de 1992, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que “a eficácia

da medida cautelar tem seu início marcado pela publicação da ata da sessão de julgamento

no Diário da Justiça da União, exceto em caso excepcionais a serem examinados pelo

Presidente do Tribunal, de maneira a garantir a eficácia da decisão”.20

Apesar de o julgado supra se referir à produção dos efeitos da medida cautelar em sede

de controle abstrato de constitucionalidade, o marco trazido como termo a quo, qual seja, a

publicação da ata de julgamento no Diário da Justiça da União, foi posteriormente também

utilizado para balizar o início da produção de efeitos vinculantes da decisão de mérito.

Nesse sentido, a Rcl 2576-SC21, que afirmou haver a produção de efeitos a partir do

marco já traçado pela ADI 711-AM, ainda que pendentes de julgamento embargos de

declaração. É a seguinte a ementa do julgado:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CUMPRIMENTO DA DECISÃO. 1. Desnecessário o trânsito em julgado para que a decisão proferida no julgamento do mérito em ADI seja cumprida. Ao ser julgada improcedente a ação direta de inconstitucionalidade - ADI nº 2.335 - a Corte, tacitamente, revogou a decisão contrária, proferida em sede de medida cautelar. Por outro lado, a lei goza da presunção de constitucionalidade. Além disso, é de ser aplicado o critério adotado por esta Corte, quando do julgamento da Questão de Ordem, na ADI 711 em que a decisão, em julgamento de liminar, é válida a partir da data da publicação no Diário da Justiça da ata da sessão de julgamento. 2. A interposição de embargos de declaração, cuja conseqüência fundamental é a interrupção do prazo para interposição de outros recursos (art. 538 do CPC), não

18 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 5ª edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 239. 19 LEAL, Saul Tourinho. Op. Cit., p. 238. 20 ADI 711-AM, Relator Min. Néri da Silveira, DJ 11/06/1993. 21Rcl 2576-4-SC, Relatora Min. Ellen Gracie, DJ 20/08/2004.

12

impede a implementação da decisão. Nosso sistema processual permite o cumprimento de decisões judiciais, em razão do poder geral de cautela, antes do julgamento final da lide. 3. Reclamação procedente.”

A Relatora, Min. Ellen Gracie, em seu voto, foi expressa em afirmar que a produção

de efeitos da decisão de mérito deveria seguir o mesmo parâmetro já fixado em decisão

anterior para estabelecer o termo inicial da produção de efeitos pela decisão cautelar:

“Ademais, esta Corte, quando do julgamento da Questão de Ordem, na ADI 711, entendeu que a decisão, em julgamento de liminar, é válida a partir da data da publicação do Diário de Justiça da ata da sessão de julgamento. O mesmo critério, penso, deve ser aplicado à hipótese de julgamento de mérito, mesmo que impugnado o correspondente acórdão pela via de embargos de declaração.”

Em outra ocasião, no julgamento do Agravo Regimental na Rcl 3473-DF22, decidiu o

Supremo Tribunal Federal da mesma forma:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITO VINCULANTE. PUBLICAÇÃO DA ATA DE JULGAMENTO. OBSERVÂNCIA. RECLAMAÇÃO. NÃO-PROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o efeito da decisão proferida pela Corte, que proclama a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento. II. - Precedente: Rcl 2.576/SC, Ellen Gracie, ‘DJ’ de 20.8.2004. III. - Agravo não provido.”

Nesta última Reclamação, pretendeu-se ver garantida a autoridade da decisão do STF

nas ADIs 3105 e 3128, que julgaram constitucional a contribuição previdenciária sobre os

proventos de aposentadoria dos servidores públicos inativos, instituída pela EC nº. 41/03.

Afirmando que o acórdão reclamado havia ofendido tal autoridade, ao declarar

inconstitucional tal cobrança mesmo depois da publicação da ata dos julgamentos das ADIs, o

reclamante teve sua Reclamação julgada procedente.

Não obstante os trazidos precedentes e as mencionadas contribuições doutrinárias

(que, praticamente, apenas se remetem aos julgados do STF sem maiores análises críticas),

entendemos que a publicação da ata de julgamento não deve ser o termo inicial da produção

de efeitos vinculantes pelas decisões do Tribunal em sede de controle abstrato de

constitucionalidade e, especificamente, pela decisão que declarou a inconstitucionalidade do

artigo 5º da Lei nº. 11.960/09.

22AgR na Rcl 3473-9-DF – Relator Min. Carlos Velloso, DJ 09/12/2005. 13

Primeiramente porque a simples publicação de atas de julgamento não consegue trazer

contornos aceitáveis ao resultado das deliberações na Corte. Há que se admitir que o

acompanhamento do julgamento também se dá por meio de Informativos Semanais de

Jurisprudência e até por meio da TV Justiça e é, acima de tudo, elogiável que os interessados

consigam ter acesso ao teor das discussões travadas no Supremo Tribunal Federal por estes

meios, que cumprem grande papel de, na medida do possível, trazerem maior transparência à

Corte e ampliarem a necessidade de boa fundamentação por parte dos Ministros em seus

votos, submetidos a controle social maior.23

Contudo, a publicação do acórdão parece-nos fundamental para que se consiga,

efetivamente, elucidar o teor da decisão da Corte e destrinchar seu verdadeiro conteúdo.

Inúmeros pontos obscuros – e que permanecem obscuros, apesar do acesso às discussões

pretorianas por meio dos instrumentos acima relatados – só são efetivamente conhecidos

quando da publicação do acórdão, possuindo este documento exatamente a profícua função de

plasmar o acordo da Corte, desiderato de imensa importância, sobretudo em julgamentos de

controle abstrato de constitucionalidade, que, além de afetar a todos, não raramente possuem

votos com fundamentos tão divergentes que mal conseguimos saber qual o denominador

comum dos mesmos.24

Igualmente, vale lembrar que o antigo julgamento da Questão de Ordem na ADI 711-

AM, apesar de se referir à produção de efeitos da decisão cautelar, serviu como fulcro ao voto

da Relatora Min. Ellen Gracie na Rcl 2576-SC e o julgamento desta Reclamação acabou por

virar precedente citado quando enfrentado o tema do termo inicial da produção de efeitos

vinculantes pelas decisões em sede de controle abstrato de constitucionalidade.

Lembrando que, como realçado supra, a doutrina pouco acrescenta, remetendo-se aos

mesmos julgados do STF, acreditamos ser necessário haver nova discussão sobre tão

importante questão. Até porque os três precedentes pretorianos analisados têm nuances que

não permitem traçar uma regra geral sobre a questão.

Com efeito, a Questãode Ordem na ADI 711-AM não se referiu a decisões de mérito

e, ainda assim, foi utilizado, sem mais profundas discussões, para embasar a decisão da Corte

na Rcl 2576-SC.

23 Sobre o tema, ver: FONTE, Felipe de Melo. Votos do STF são cada vez mais para o grande público. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-mai-20/felipe-fonte-votos-stf-sao-dirigidos-cada-vez-grande-publico - Acesso em 18 de agosto de 2013. 24 De fato, o problema da identificação da ratio decidendi nos votos dos Ministros em controle abstrato de constitucionalidade é problema que aflige a doutrina, por dificultar o mapeamento dos motivos determinantes da decisão, sendo questão que ainda aguarda solução.

14

Esta, por sua vez, foi proferida em um caso bem específico. Explica-se. Havia sido

concedida, na ADI 2335-SC, liminar suspendendo os efeitos de determinada lei estadual que

previa o pagamento de diárias de Auditores Fiscais. Contudo, a liminar não foi corroborada na

decisão de mérito pela Corte, que julgou improcedente a ADI. Inobstante o julgamento de

mérito, não ocorreu a volta do pagamento das diárias, alegando a Gerência de Recursos

Humanos da Secretaria de Fazenda que a liminar ainda estava a produzir efeitos enquanto não

houvesse a publicação do acórdão que declarou a constitucionalidade, argumento que acabou

rejeitado pelo STF na Reclamação.

Já no Agravo Regimental na Rcl 3473-DF, o entendimento de que a decisão do

Supremo já possuía efeitos vinculantes a partir da publicação da ata, além de fazer referência

à Rcl 2576-SC sem maiores análises críticas, teve como propósito obrigar os Poderes

Judiciário e Executivo a não entenderem como inconstitucional a EC nº. 41/03, vinculando-os

quanto à constitucionalidade da mesma.

Assim, fácil é perceber que, dos três precedentes trazidos, um deles (Questão de

Ordem na ADI 711-AM) referiu-se à medida cautelar e os outros dois (Rcl 2576-SC e Agravo

Regimental na Rcl 3473-DF) tiveram como desiderato fazer com que decisões pela

constitucionalidade produzissem efeitos vinculantes desde a publicação da ata, sendo que a

primeira revogou liminar que determinara a suspensão dos efeitos de lei estadual e ambas

simplesmente reforçaram a presunção de constitucionalidade inerente à atividade legislativa.

Por estes motivos é que devemos entender que as mencionadas decisões do Supremo

Tribunal Federal, por suas peculiaridades, não podem servir para criar uma regra segundo a

qual basta a publicação de atas de julgamento para a produção imediata de efeitos

vinculantes.25

A declaração de inconstitucionalidade de uma determinada lei - e a produção de

efeitos vinculantes por esta declaração - é algo que necessita de maiores cuidados do que

decisões liminares ou que acabam por referendar a presunção de constitucionalidade das leis

(neste último caso, decisões declaratórias de constitucionalidade).

Assim, entendemos que não se mostra possível a produção de efeitos vinculantes sem

que haja a publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal, merecendo este tema receber

nova análise pretoriana. Sem o acordo da Corte, torna-se árdua a tarefa de identificar os

25 Ao revés, se há uma regra tratando do assunto, esta deve ser o comando plasmado no artigo 187 do RISTF, segundo o qual “A partir da publicação do acórdão, por suas conclusões e ementa, no Diário da Justiça da União, a interpretação nele fixada terá força vinculante para todos os efeitos.” Ainda assim, acreditamos que tal dispositivo deve ser interpretado à luz do ordenamento jurídico em que está inserido; isto permitiria sua mitigação em casos extraordinários, como a seguir se demonstrará.

15

fundamentos que embasaram a declaração de inconstitucionalidade, bem como saber os fiéis

contornos dessa declaração.

Entendendo que a publicação do acórdão também é condição sine qua non à produção

de efeitos vinculantes, são as palavras de GUILHERME PEÑA DE MORAES:

“A decisão definitiva de mérito é recoberta de eficácia erga omnes e eficácia vinculante, desde a publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal no Diário de Justiça da União.”26

Voltando agora ao caso da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº.

11.960/09, vale destacar recente despacho do Min. Luiz Fux nas ADIs 4357 e 4425 que,

mandando que continuem os pagamentos de precatórios por todos os Tribunais de Justiça do

País, reconhece que a Corte precisa se pronunciar ainda sobre o preciso alcance da decisão:

“Sem embargo, até que a Suprema Corte se pronuncie sobre o preciso alcance da sua decisão, não se justifica que os Tribunais Locais retrocedam na proteção dos direitos já reconhecidos em juízo. Carece de fundamento, por isso, a paralisação de pagamentos noticiada no requerimento em apreço.”

Ora, se só é possível dar linhas mais concretas, definir “o preciso alcance” da decisão

da decisão do Supremo Tribunal Federal com a publicação do acórdão, parece claro que os

efeitos vinculantes só podem ser produzidos após a publicação do mesmo.

Por isso é que - repita-se - acreditamos que a publicação do acórdão das ADIs 4425 e

4357 é condição sinequa non à produção de efeitos vinculantes pela decisão do Supremo

Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09. Ou

seja, até que ocorra a referida publicação, qualquer órgão colegiado que reconheça a

inconstitucionalidade do mencionado dispositivo o estará fazendo incidentalmente, e não por

estar obrigado em razão de efeitos vinculantes da decisão do STF. Deverá, dessa maneira,

remeter a questão ao seu Órgão Especial, em obediência ao princípio da reserva de Plenário,

trazido na Constituição Federal, no seu artigo 97, e também pelos artigos 480 e seguintes do

Código de Processo Civil.

Equivocada, portanto, a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio de Janeiro quando, em sede de Arguição de Inconstitucionalidade, realizou julgamento

26 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional, 4ª edição, São Paulo: Ed. Atlas, 2012, p. 231. Discordamos, porém, do citado autor (como a seguir se revelará) no sentido de que não entendemos que a publicação do acórdão seja, necessariamente, o termo inicial da produção de efeitos vinculantes (o que é diferente, vale notar, de entendê-la como necessária à produção de tais efeitos).

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sem exame do mérito, por entender que o incidente processual restaria prejudicado pela

declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09 pela Suprema Corte.

Isto posto, resta fazer uma última observação: estamos a afirmar que a publicação do

acórdão das ADIs que declararam a inconstitucionalidade do dispositivo acima mencionado é

condição para a produção de efeitos vinculantes pela decisão do Supremo Tribunal Federal.

Contudo, ao contrário do que parece defender GUILHERME PEÑA DE MORAES (ver

citação retro), não estamos defendendo que o termo inicial da produção de tais efeitos seja a

publicação do acórdão. Não. A publicação do acórdão é requisito para que exista a eficácia

vinculante, mas não é, necessariamente, o seu termo a quo.

Isso porque, atualmente, não se pode ignorar a possibilidade de modulação dos efeitos

das decisões de controle de constitucionalidade e que tal decisão por modular é algo que vem

sendo feito com alguma constância pelo STF. Sabendo que essa modulação pode ser feita

mesmo depois da publicação da ata de julgamento, surge mais um relevante argumento para

se ter maior cautela na definição do termo inicial da produção de efeitos vinculantes das

decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e, mais

especificamente, no caso da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº.

11.960/2009. É o que trataremos a seguir.

5.2) A questão da modulação de efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de

controle abstrato de constitucionalidade.

O princípio da supremacia da Constituição é um princípio instrumental de

interpretação constitucional. Ou seja, é um princípio que auxilia a atividade do intérprete

constitucional quando da aplicação de normas, definindo qual ou quais delas serão aplicadas

ao caso concreto. São, de fato, os princípios instrumentais espécie de sobrenormas – ou

normas de 2º grau -, uma vez que eles têm como objetivo a definição das normas que mais

serão levadas em consideração em determinada hipótese, criando critérios de julgamento.

Nas palavras de LUÍS ROBERTO BARROSO,

“Os princípios instrumentais de interpretação constitucional constituem premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem atender, no processo intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta. Nenhum deles encontra-se

17

expresso no texto da Constituição, mas são reconhecidos pacificamente pela doutrina e pela jurisprudência.”27

Já sobre o princípio da supremacia da Constituição, especificamente, continua o autor:

“O poder constituinte cria ou refunda o Estado, por meio de uma Constituição. Com a promulgação da Constituição, a soberania popular se converte em supremacia constitucional. Do ponto de vista jurídico, este é o principal traço distintivo da Constituição: sua posição hierárquica superior às demais normas do sistema. (...) Como consequência do princípio da supremacia constitucional, nenhuma lei ou ato normativo – a rigor, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se for incompatível com a Constituição.”28

Ou seja, o princípio da supremacia da Constituição tem como fundamento a

superioridade do poder constituinte sobre o poder constituído, ideia essa fruto da concepção

de soberania popular encontrada em “momentos constitucionais”29, nos quais o povo, em

ocasiões de ruptura, participando mais ativamente na política do que ocorre ordinariamente,

fixa parâmetros superiores que deverão reger a vida em sociedade.

HANS KELSEN30, partindo de sua concepção piramidal do ordenamento jurídico,

também dá ao princípio da supremacia da Constituição um viés formal, afirmando ser a Carta

Constitucional o fundamento de validade de todas as normas jurídicas do ordenamento.

Portanto, norma jurídica que não encontra seu fundamento de validade imediatamente ou não

na Constituição, não deve subsistir.

Resumindo sistematicamente o que se acabou de afirmar, conclui GUILHERME

PEÑA DE MORAES:

“O princípio da supremacia constitucional denota que a Constituição veicula as normas jurídicas de máxima hierarquia no sistema de Direito Positivo, figurando como fundamento de validade de todo ordenamento normativo. A supremacia, sob os aspectos de forma e matéria, é decomposta em supremacia formal e supremacia material. De um lado, a supremacia formal induz a relação de hierarquia entre a Constituição e as demais espécies normativas, eis que a primeira é produzida pelo poder constituinte originário, ao passo que as segundas são produzidas pelos poderes constituídos, sendo aquele qualificado como anterior e superior em face destes. De outro lado, a supremacia material indica a maior importância das normas constitucionais, já que a estrutura fundamental do Estado é delineada na Lex Legum.

27 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2ª edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 299. 28 Idem, p. 300. 29 ACKERMAN, Bruce. We the people: foundation. Cambridge-Massachussetts: Belknap press of Harvard University Press, 1995,v.1. 30 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1990, p. 120.

18

A supremacia decorre de um antecedente e importa em um consequente. Por um lado, no que alude ao antecedente, a Constituição é suprema em relação às demais espécies normativas, vez que foi estabelecida em decorrência do exercício do poder constituinte originário, e não pelos poderes constituídos. Por outro lado, no que atine ao consequente, faz-se mister o desempenho da jurisdição constitucional, com a finalidade de assegurar a efetiva supremacia da Constituição em razão de outras espécies normativas.”31

Conclui-se, dessa forma, que o princípio da supremacia da Constituição tem

fundamento na ideia de que o povo, em momento de incrível lucidez política e reestruturação

social, opta por se autovincular32através de uma norma superior que deverá reger a produção e

a interpretação das demais normas e que, por isso, necessário se faz o controle destas normas

em relação à Constituição,objetivando a garantia da supremacia deste diploma.

O raciocínio supra é a base da ideia do controle de constitucionalidade, que não deverá

permitir que qualquer norma em descompasso com a Constituição sustente-se como válida no

ordenamento.

No Brasil, como na imensa maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo, adotou-se o

princípio da nulidade da lei inconstitucional33 como corolário da própria ideia de supremacia

da Constituição. Isto é, norma inconstitucional não pode produzir efeitos porque não tem

fundamento de validade, devendo ser expurgada do ordenamento jurídico e ter todos os

efeitos que eventualmente já tenha produzido cassados, sob pena de, ainda por pouco tempo, a

norma inconstitucional “ter valido mais do que a Carta Magna”.

Exatamente por tudo isso que se explicou que é bastante polêmico o artigo 27 da Lei

nº. 9.868/99:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

Este dispositivo - que tem como semelhante o artigo 11 da Lei nº. 9.882/99 - permite

que o STF, ao julgar ADIs e ADCs, module os efeitos da declaração de inconstitucionalidade

para que estes só se operem a partir do trânsito em julgado da decisão ou a partir de qualquer

31 MORAES, Guilherme Peña de. Op. Cit., pp. 119 e 120. 32 Sobre constitucionalismo e autovinculação, ver: ELSTER, John. Ulisses and the sirens. New York-Cambridge: Cambridge University Press, 1979. 33 Em oposição, o sistema de controle de constitucionalidade conhecido como “austríaco”, atribui à norma inconstitucional não a sanção de nulidade, mas de anulabilidade, preservando os efeitos pretéritos produzidos pela norma antes da declaração de inconstitucionalidade.

19

outro momento, anterior ou posterior34 à decisão declaratória de inconstitucionalidade.

Objetiva com isso, a preservação dos valores segurança jurídica e excepcional interesse

social.

Exatamente por essa flexibilização ao princípio da nulidade da lei inconstitucional é

que várias críticas foram dirigidas ao dispositivo, atribuindo-lhe a mácula de

inconstitucionalidade. Registre-se que há, inclusive, duas ações diretas de

inconstitucionalidade que o colocam em xeque: tratam-se das ADI 2154 e ADI 2258.

Outros, porém, afirmam que, para que o dispositivo fosse constitucional, deveria ele

ter vindo na própria Constituição, e não em lei infraconstitucional. É a posição de ELIVAL

DA SILVA RAMOS:

“O ponto mais importante, entretanto, reside na patente inconstitucionalidade do art. 27 da Lei Federal n. 9.868/99, na medida em que interfere nos efeitos inerentes à sanção de nulidade com que, em nosso sistema jurídico, se combate a inconstitucionalidade legislativa, sanção essa que decorre das características do modelo de fiscalização traçado pela Lei Maior, configurando, como já se viu um princípio constitucional implícito. O sistema de controle português, com características estruturais bastante próximas as do brasileiro, também contempla o instituto da convalidação parcial da lei declarada nula por inconstitucionalidade, porém ali, acertadamente, a matéria foi disciplinada em nível constitucional. (...) Ao que tudo indica, esse dispositivo, que também atenua em termos temporais a ineficácia absoluta congênita do ato normativo inconstitucional, constitui a fonte inspiradora do legislador infraconstitucional brasileiro, que, todavia, não atentou aos limites de sua atuação nessa matéria.”35

Não obstante as críticas, pugnamos pela constitucionalidade do artigo 27 da Lei nº.

9.868/99. Isso porque, longe de entendermos que ele afronta à supremacia da Constituição,

acreditamos que, ao contrário, ele auxilia a sustentação do referido princípio, bem como a

preservação do princípio da unidade da Constituição, outro princípio instrumental de

interpretação constitucional, que visa a orientar o hermeneuta a dar coerência e

sistematicidade quando da interpretação da Lei Maior, harmonizando conflitos entre normas

da própria Constituição que, não raro, se mostram presentes em casos concretos.

Na verdade, o que busca o artigo 27 não é pura e simplesmente fazer com que ato

normativo inconstitucional “valha mais do que a Constituição” em alguns momentos, mas

permitir que certos valores albergados no Texto Constitucional sejam protegidos no confronto

34 Em sentido contrário, entendendo existir óbice à estipulação como termo inicial para a produção de efeitos da decisão data posterior à publicação da decisão no Diário Oficial, “uma vez que a norma inconstitucional não mais pertence ao ordenamento jurídico, não podendo permanecer produzindo efeitos”, MORAES, Alexandre de. Op. Cit., p. 748. 35 RAMOS, Elival da Silva. Controle de Constitucionalidade no Brasil – perspectivas de evolução, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 300.

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concretamente surgido com valores outros que demandam a declaração da

inconstitucionalidade com efeitos retroativos.

O que se tem, efetivamente, não é o confronto de norma constitucional (que

fundamenta a declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroativa) e norma

inconstitucional, mas sim o embate entre norma constitucional e outra norma ou valor

também de status constitucional que demanda a manutenção da eficácia da lei

inconstitucional, ainda que somente por certo período.

O fenômeno revelado, então, é o da ponderação entre valores e normas

constitucionais, possuindo o artigo 27 da Lei nº. 9.868/99 função de auxiliar o hermeneuta na

aplicação da Constituição frente ao conflito surgido, preservando ao máximo os polos

divergentes e buscando manter os princípios da supremacia e da unidade da Constituição.

Sobre o dispositivo, LUÍS ROBERTO BARROSO aponta que:

“Trata-se, como se percebe claramente, da formalização de um mecanismo de ponderação de valores. Mas há aqui uma sutileza que não deve passar despercebida. Poderia parecer, à primeira vista, que se pondera, de um lado, ao princípio da supremacia da Constituição e, de outro, a segurança jurídica ou o excepcional interesse social. Na verdade, não é bem assim.36 O princípio da supremacia da Constituição é fundamento da própria existência do controle de constitucionalidade, uma de suas premissas lógicas (...). Não pode, portanto, ser afastado ou ponderado sem comprometer a ordem e unidade do sistema. O que o Supremo Tribunal Federal poderá fazer ao dosar os efeitos retroativos da decisão é uma ponderação entre a norma violada e as normas constitucionais que protegem os efeitos produzidos pela lei inconstitucional. Como, por exemplo: boa-fé, moralidade, coisa julgada, irredutibilidade de vencimentos, razoabilidade.”37

Assim, desnecessário se revela que o dispositivo que prevê a modulação de efeitos

venha na Constituição para ser válido, uma vez que a sua utilização como instrumento de

ponderação só se dará quando do embate entre valores e normas ambas de igual hierarquia

constitucional.

A modulação de efeitos, apesar de vir sendo cada vez mais empregada pelo STF em

sede de controle abstrato de constitucionalidade38, está longe de ser a regra no nosso sistema

36 Divergindo desse entendimento, parece ser o entendimento de GILMAR FERREIRA MENDES in MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; Op. Cit., p. 1386: “O princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social.” O Supremo Tribunal Federal, no Julgamento dos Embargos Declaratórios na ADI 3601-DF, cuja ementa vem colacionada a seguir no texto, também parece ter seguido essa segunda corrente. 37 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 5ª edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 233 e 234. 38 Boa parte da doutrina aceita o emprego da modulação de efeitos da decisão que declara inconstitucionalidade também em sede de controle difuso de constitucionalidade, e por qualquer órgão jurisdicional. O próprio STF

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e, assim, não chega a ameaçar o princípio da nulidade da lei inconstitucional. Seu uso deve ser

parcimonioso, em hipóteses nas quais os efeitos retroativos (ex tunc) se mostram

demasiadamente ofensivos à segurança jurídica ou então contrários a excepcional interesse

social.

Além disso, independe de requerimento das “partes”39, podendo ser feito pela Corte,

ainda que não instada a tanto. Contudo, não havendo requerimento inicial para que seja feita a

modulação de efeitos e, efetivamente, o Tribunal não a fazendo, pode, ainda, este ser

provocado a fazê-la por meio de embargos declaratórios.40

Extremamente ilustrativo sobre essa questão específica e outras já abordadas supra é o

julgamento dos Embargos de Declaração na ADI 3601-DF, cuja ementa se colaciona a seguir:

“EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 3.642/05, QUE “DISPÕE SOBRE A COMISSÃO PERMANENTE DE DISCIPLINA DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL”. AUSÊNCIA DE PEDIDO ANTERIOR. NECESSIDADE DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 1. O art. 27 da Lei nº 9.868/99 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais, de modo que sua efetiva aplicação, quando presentes os seus requisitos, garante a supremacia da Lei Maior. Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, esta Suprema Corte tem o dever constitucional de, independentemente de pedido das partes, aplicar o art. 27 da Lei nº 9.868/99. 2. Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão, reputa-se aplicado o efeito retroativo. Entretanto, podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração. 3. Necessidade de preservação dos atos praticados pela Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal durante os quatro anos de aplicação da lei declarada inconstitucional.

tem decisões aplicando a modulação de efeitos ao realizar controle difuso de constitucionalidade. Como exemplo, ver: RE 197.917-SP – Relator Min. Maurício Corrêa, DJ 05/07/2004. Sua utilização em decisões de constitucionalidade, apesar de difícil, também vem sendo aceita, sobretudo quando há mudança de jurisprudência consolidada. Admitindo a modulação quando da declaração de constitucionalidade, ver: ED na ADI 3756-DF – Relator Min. Carlos Britto, DJ 23/11/2007. 39 Valendo lembrar que, por ser um processo de cunho objetivo, a utilização do conceito de “partes” do processo civil tradicional, no qual há interesses subjetivos em jogo, é, em parte, atécnica. 40 Nesse sentido, LUIZ GUILHERME MARINONI in SARLET, Ingo Wolfang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; Op. Cit.: “[A] a modulação de efeitos constitui um poder-dever do Tribunal e, assim, cabe-lhe sempre se pronunciar sobre a sua necessidade, independentemente da lei que esteja sendo impugnada.” (p. 1088). E prossegue: “Não há dúvida que o dever de modulação dos efeitos é corolário do poder de declarar a inconstitucionalidade da norma. É irracional supor que o STF, tendo poder para declarar a inconstitucionalidade, necessita de requerimento para prestar a tutela jurisdicional que lhe compete de modo adequado, e, assim, para isentar determinadas situações consolidadas dos prejuízos decorrentes dos efeitos das suas próprias decisões.” (p. 1091). Registre-se, ainda, emblemática frase trazida na ementa de recente decisão do STF: “Os embargos de declaração constituem a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de inconstitucionalidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do direito panoramas caóticos, do ângulo dos fatos e relações sociais.” (ED em ADI 2797-DF, Relator Min. Menezes Direito, Relator para Acórdão: Min. Carlos Ayres Britto, Dje 28/02/2013). A seguir, será visto que nossa posição quanto à suposta necessidade de, em todos os casos, falar a Suprema Corte sobre a modulação de efeitos, como defendido por LUIZ GUILHERME MARINONI, é um pouco diferente.

22

4. Aplicabilidade, ao caso, da excepcional restrição dos efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/99. Presentes não só razões de segurança jurídica, mas também de excepcional interesse social (preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – primado da segurança pública), capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional. 5. Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital nº 3.642/05 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado.”41

Feito este introito quanto à questão da modulação de efeitos em sede de controle de

constitucionalidade, tentando, dentro das pretensões deste estudo, analisar seus principais

pontos, polêmicas e desideratos, basta uma breve pesquisa na jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal para perceber sua ampla utilização em casos nos quais “os fatos derrotam as

normas”.42 43 44

Dessa forma, uma vez analisada a importância adquirida pela modulação de efeitos no

sistema de controle de constitucionalidade brasileiro45 e sua frequente utilização em decisões

do STF46, merece crítica a corrente jurídica que defende a eficácia vinculante das decisões de

controle abstrato sem que tenha havido a possibilidade de o Excelso Pretório debater sobre

eventual modulação de efeitos em casos nos quais se mostra evidente o risco à segurança

jurídica ou à excepcional interesse social.

Note-se, não se está a defender a aplicação indiscriminada da modulação de efeitos

sempre que a questão ofereça o risco de arranhar o princípio da segurança jurídica ou

excepcional interesse social. Não. A defesa de tal tese não é admissível frente ao próprio

fundamento teleológico do dispositivo: oportunizar que o julgador faça uma ponderação entre

os valores mencionados e outros princípios e valores albergados na Constituição e que

demandam a declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos. Impor que o

resultado dessa ponderação seja sempre a modulação de efeitos é uma contradição em si, já

41 ED na ADI 3601-DF – Relator Min. Dias Toffoli, DJ 14/12/2010. 42BINENBOJM, Gustavo; A nova jurisdição constitucional brasileira, 1ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 180. 43 Sobre o tema, ver: LAGO, Rodrigues Pires Pereira. O Tempo Pode Cicatrizar a Inconstitucionalidade? Disponível em:http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-tempo-pode-cicatrizar-a-inconstitucionalidade . Acesso em 20 de agosto de 2013. 44 O caso mais famoso no qual se percebe a “força normativa dos fatos” (expressão do intelecto de GEORG JELLINEK - Teoria General Del Estado, 2ª edição. Trad. De Fernando Los Rios, México, Fondo Cultura Econômica, 2000, pp. 319 e ss.) é o do Município Luís Eduardo Magalhães, criado por lei declarada inconstitucional pelo STF. O Supremo Tribunal Federal, nesse caso, declarou a inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade da lei impugnada, mantendo sua vigência pelo prazo de 24 meses, tempo razoável para o legislador estadual reapreciar o tema. Trata-se da ADI 2240-BA – Relator Min. Eros Grau, DJe 03/08/2007. 45 E não somente no Brasil. Há precedentes nos quais se mitigou a ideia de que a decisão que declara a inconstitucionalidade da lei deve sempre retroagir mesmo nos Estados Unidos. O caso mais célebre é o Linkletter v. Walker, de 1965. 46 Apesar de, como visto, a regra do modelo de controle de constitucionalidade adotado entre nós continuar sendo a declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos.

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que a análise deve ser feita em cada caso concreto. Ponderação com resultado já conhecido de

antemão não é ponderação.47

O que se pugna é que, em casos nos quais, de antemão, facilmente se visualiza ofensa

ao princípio da segurança jurídica ou lesão à excepcional interesse social, caso procedente a

ação e declarada a inconstitucionalidade48 da norma, seja oportunizado ao Supremo Tribunal

Federal decidir quanto à aplicação da modulação antes que a decisão produza efeitos

vinculantes. E até quando haveria essa “retenção” da eficácia vinculante? Isto é, até quando se

pode esperar um pronunciamento do Tribunal para que ele fale a respeito da modulação sem

que os efeitos vinculantes já estejam valendo? Até que ponto vale manter em dormência a

eficácia vinculante da decisão para aguardar um pronunciamento do Supremo Tribunal

Federal sobre a questão da modulação? Para ensaiar respostas a essas perguntas, acreditamos

que se deve pensar em diferentes hipóteses, traçadas de acordo com três variáveis: (i) o

momento em que se insta o STF a falar sobre a modulação, (ii) o fato de ter a Corte Suprema

já se pronunciado sobre a modulação e (iii) a facilidade da percepção de grave risco à

segurança jurídica e a excepcional relevância social do caso. Em relação à última variável,

chamaremos os casos nos quais não há essa facilidade de percepção de “ordinários” e os casos

nos quais há tal facilidade de “extraordinários”.49

Assim:

(i) se o pedido de modulação de efeitos for feito na petição inicial (Lei nº. 9.868/1999

– artigo 3º, II) ou nas informações prestadas pelos órgãos ou autoridades das quais

emanou a lei ou o ato normativo impugnado (Lei nº. 9.868/1999 – artigo 6º)50 e o

Tribunal tratar da questão, seja para acolher, seja para refutar a modulação, não se

mostra necessário aguardar eventual novo pronunciamento da Corte sobre o tema,

podendo os efeitos vinculantes já serem produzidos a partir da publicação do

47 Para uma análise aprofundada sobre o tema, com a fixação do procedimento e de parâmetros de ponderação, ver: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, Rio de Janeiro - São Paulo: Ed. Renovar, 2005. 48 Ou mesmo constitucionalidade, como abordado na nota nº. 38, apesar da dificílima ocorrência na prática. 49 Parece-nos claro que a utilização deste último parâmetro é de subjetividade tremenda, mas acreditamos que esse alto grau de subjetividade não impede, necessariamente, sua utilização. Critérios subjetivos e definições que demandam a atividade do hermeneuta jurídico a integrá-las não são incomuns no dia-a-dia do jurista. Discricionariedade e conceitos jurídicos indeterminados são institutos que exemplificam o que se está a afirmar. Acreditamos, assim, que, apesar da falta de contornos mais rígidos, o parâmetro trazido pode ser utilizado, uma vez que, não obstante a existência de casos concretos que fiquem na penumbra, é possível traçar casos que residem na óbvia extraordinariedade (certeza positiva de extraordinariedade) ou na clara ordinariedade (certeza negativa de extraordinariedade). 50 Ou, ainda, em qualquer outro momento antes do julgamento. Já em relação a quem possui legitimidade para pedir a modulação de efeitos, trata-se de tema extremamente controverso e que foge do âmbito do presente estudo.

24

acórdão. Isso valeria tanto para os casos ordinários como para os extraordinários.

Registre-se, contudo, que, ainda assim, pode haver modificação da decisão se,

levantado aspecto ou ressaltada a importância de algum fundamento pró-

modulação de efeitos em embargos declaratórios e o Tribunal resolver voltar atrás

na sua opção por não modular.51

(ii) se o pedido de modulação de efeitos for feito na petição inicial (Lei nº. 9.868/1999

– artigo 3º, II) ou nas informações prestadas pelos órgãos ou autoridades das quais

emanou a lei ou o ato normativo impugnado (Lei nº. 9.868/1999 – artigo 6º)52 e o

Tribunal se omitiu quanto à questão, deve-se aguardar o julgamento de eventuais

embargos de declaração apontando a mencionada omissão para, só depois, haver a

produção de efeitos vinculantes. Isso valeria para qualquer caso, ordinário ou

extraordinário.

(iii) se inexistir pedido de modulação de efeitos na petição inicial (Lei nº. 9.868/1999 –

artigo 3º, II) ou nas informações prestadas pelos órgãos ou autoridades das quais

emanou a lei ou o ato normativo impugnado (Lei nº. 9.868/1999 – artigo 6º) e o

Tribunal tratar da questão53, seja para acolher, seja para refutar a modulação, não

se mostra necessário aguardar eventual novo pronunciamento da Corte sobre o

tema, podendo os efeitos vinculantes já serem produzidos a partir da publicação do

acórdão. Tanto para casos ordinários quanto para extraordinários.

(iv) se inexistir pedido de modulação de efeitos na petição inicial (Lei nº. 9.868/1999 –

artigo 3º, II) ou nas informações prestadas pelos órgãos ou autoridades das quais

emanou a lei ou o ato normativo impugnado (Lei nº. 9.868/1999 – artigo 6º) e o

Tribunal não tratar da questão, deve-se analisar se se trata de caso ordinário ou

extraordinário:

(a) sendo ordinário, há eficácia vinculante desde a publicação do acórdão do

julgamento, não havendo necessidade de aguardar eventual incursão da Corte

quanto à questão da modulação de efeitos.

51 Claro que se, ao julgar os embargos de declaração, houver revisão por parte do Tribunal de sua prévia decisão pela não modulação, poderá haver perplexidades. Isso porque, no espaço de tempo entre a publicação da decisão que optou por não modular e a publicação do acórdão dos embargos declaratórios, que voltou atrás, haverá decisões judiciais várias espalhadas pelo País baseadas (com razão, dada a produção de efeitos vinculantes a partir da primeira decisão) na decisão posteriormente alterada. Tal remota possibilidade, contudo, parece-nos ser um risco que se deve correr, sendo a posição aqui defendida, a nosso ver, fruto de sopesamento razoável entre (i) a proteção da Constituição e a retirada o mais cedo possível do ordenamento jurídico da norma inconstitucional e (ii) os valores que fulcram à modulação de efeitos (segurança jurídica e excepcional interesse social). 52 Ver nota nº. 51. 53 Vale lembrar que, conforme se afirmou retro, trata a avaliação da modulação um poder-dever do Tribunal.

25

(b)No entanto, tratando-se de caso extraordinário, entendemos que se deva

aguardar eventuais embargos de declaração incitando o Tribunal a se pronunciar

sobre o tema, não havendo produção de efeitos vinculantes desde a publicação do

acórdão. Somente depois da análise da possibilidade de modulação pelo Tribunal,

instado a se manifestar por meio de embargos declaratórios, é que deve haver a

eficácia vinculante da declaração de inconstitucionalidade. Caso não haja a

oposição de embargos declaratórios, também, por óbvio, já se mostra possível a

produção de efeitos vinculantes.

O caso das ADIs 4425 e 4357, em cujo julgamento foi declarada a

inconstitucionalidade por arrastamento do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, parece ser de

evidente extraordinariedade. Com efeito, a questão dos juros devidos pela Fazenda Pública

nas condenações judiciais, é fácil visualizar, é dotada de excepcional interesse social. Além

disso, tendo em vista as incontáveis condenações que se basearam no artigo 1º-F da Lei nº.

9.494/97, com a redação dada pelo dispositivo declarado inconstitucional, para arbitrar juros e

correção monetária e que, dessa forma, podem ser rescindidas, parece óbvio que a declaração

de inconstitucionalidade passa pela consideração do princípio da segurança jurídica.

Caso a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09 se dê com

eficácia retroativa, um sem número de decisões que se basearam nesse dispositivo para o

arbitramento de juros e correção monetária poderão ser rescindidas, desde que respeitado o

prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, que é de dois anos, contados a partir

do trânsito em julgado, conforme redação do artigo 485 do Código de Processo Civil.54

Ou seja, a aplicação ao caso da clássica regra de que lei inconstitucional é lei nula e,

portanto, não pode produzir qualquer efeito, devendo a declaração de inconstitucionalidade

operar efeitos ex tunc, pode gerar uma quantidade tão grande de demandas judiciais buscando

a rescisão dos julgados que se fulcraram no dispositivo declarado inconstitucional para a

fixação de juros e correção monetária que se mostra evidente a necessidade de um

pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito, não necessariamente modulando

efeitos, mas afirmando fundamentadamente se fará uso da modulação de efeitos ou não.55

54 Vale lembrar que a doutrina majoritária e a jurisprudência do STF entendem ser irrelevante a data da declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato para a contagem do prazo decadencial de dois anos. Em sentido contrário, entendendo que, nesses casos, o início do prazo deve se dar com a decisão declaratória de inconstitucionalidade, BARROSO, Luís Roberto in O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 5ª edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 239. 55 Vale dizer que o próprio STF já havia dado pistas de que consideraria a possibilidade de modulação, conforme reportou o Informativo de Jurisprudência nº. 698: “Por fim, deliberou-se apreciar questão relativa a eventual

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É clara a percepção de que tal juízo de ponderação, sopesamento, surge como um

verdadeiro dever da Corte, já que a simples aplicação da decisão com efeitos retroativos, sem

dúvida, gera risco à segurança jurídica e possui notório excepcional interesse social: todas as

condenações das Fazendas Nacional, Estaduais e Municipais dos últimos dois anos poderão

ser rescindidas, gerando um imprevisto incremento nos valores condenatórios a ser suportado

pelo Erário, sem que esse pudesse preparar-se para tal. Os cálculos são dantescos e, se não é

impossível fazê-los, é questão que transcende o presente estudo.

Assim, defendemos que, em casos como este - aqui denominados de extraordinários -,

nos quais o prognóstico da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já é de

grande assombro aos valores a que o artigo 27 da Lei nº. 9.868/99 se reporta, seja

oportunizado ao Tribunal o pronunciamento acerca de eventual modulação de efeitos antes

que a decisão produza efeitos vinculantes.

Há, é verdade, decisões do Supremo Tribunal Federal – e a Rcl 2576-SC, acima

analisada, é uma delas – segundo as quais não haveria necessidade de se aguardar o

julgamento dos embargos declaratórios para que a decisão embargada produzisse efeitos.56 57

Há decisões da Corte nesse sentido inclusive em sede de controle concreto de

constitucionalidade, destacando-se duas delas: (i) ED nos ED no AgR no ARE 640.735-DF e

(ii) ED nos ED no AgR no RE 685.079-RS, ambas de Relatoria do Min. Celso de Mello.

Em relação à Reclamação, dois argumentos embasaram a opção por não esperar o

julgamento dos embargos de declaração para que a decisão já produzisse efeitos: (i) a decisão

declarou a constitucionalidade da norma, apenas corroborando o princípio da presunção de

constitucionalidade e (ii) a produção de efeitos desde logo tinha como objetivo principal

retirar a eficácia da decisão liminar que, em sentido contrário à decisão de mérito, havia sido

pela suspensão da eficácia do ato normativo. Dessa maneira, parece-nos que inaplicável a

ratio desta decisão a decisões de inconstitucionalidade, sobretudo àquelas, como a que

declarou a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, nas quais há forte

modulação de efeitos da decisão oportunamente.” Disponível no site eletrônico do Tribunal: http://www.stf.jus.br . Consulta feita em 17 de agosto de 2013. 56 Na referida Reclamação, há voto vencido do Min. Marco Aurélio no sentido de que, como os embargos de declaração teriam como função o aprimoramento da decisão, necessário seria aguardar o julgamento dos mesmos para que a decisão embargada produzisse seus efeitos. 57 Registre-se a existência de corrente em sentido diametralmente oposto, afirmando a impossibilidade de produção de efeitos vinculantes antes do trânsito em julgado da decisão. Esta corrente baseia seu entendimento em interpretação dada ao artigo 102, parágrafo 2º da CRFB de que “decisões definitivas de mérito” a produzir efeitos vinculantes seriam decisões transitadas em julgado. Além disso, como o artigo 28 da Lei nº. 9.868/99 menciona a publicação da decisão “após o trânsito em julgado” no seu caput e fala de efeitos vinculantes em seu parágrafo único, só haveria eficácia vinculante após trânsito em julgado da decisão

27

necessidade de apuração da necessidade de modulação de efeitos, requerida por meio dos

embargos de declaração.

Em relação às outras duas decisões, proferidas em sede de controle concreto de

constitucionalidade, tratam-se de casos nos quais os embargos de declaração foram usados

com intuito meramente protelatório, fato este que levou o Relator a afirmar a possibilidade de

produção de efeitos da decisão embargada ainda que pendentes o julgamento de embargos.

Irônico é que o Relator, em seu voto, afirma justamente que os casos são excepcionais,

devendo, assim, a solução dada também fugir da regra. Por óbvio tal entendimento também é

inaplicável a casos nos quais embargos de declaração, longe de possuírem caráter protelatório,

mostram-se, na verdade, fundamentais para demandar da Corte uma resposta sobre a

importante questão da modulação de efeitos, como é o caso da declaração de

inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09.

Ressalte-se que há, de acordo com breve consulta ao site eletrônico do STF, pedido de

modulação de efeitos no bojo das ADIs 4425 e 4357. Há, inclusive, manifestação do

Advogado-Geral da União informando que “estão sendo realizadas tratativas com Estados,

Municípios e a Comissão de Precatórios do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

para buscar, no menor período de tempo possível, submeter à apreciação de Vossa Excelência [Min.

Luiz Fux] proposta de modulação das decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal

nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade na 4357 e na 4425.”

Isto posto, evidencia-se que não somente a publicação do acórdão das ADIs 4425 e

4357 é condição sine qua non à produção de efeitos vinculantes pela decisão que declarou a

inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09, como também se faz necessário, para

a produção dos referidos efeitos, aguardar manifestação da Suprema Corte sobre eventual

modulação de efeitos da declaração, tendo em vista os potenciais riscos que a retroatividade

dos efeitos desta declaração podem gerar ao princípio da segurança jurídica e por se tratar de

evidente hipótese de excepcional interesse social.

6) Síntese Conclusiva

O presente trabalho teve como objetivo principal analisar a questão do termo inicial da

produção de efeitos vinculantes por decisões de controle abstrato de constitucionalidade e,

mais especificamente, analisar o caso da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da

Lei nº. 11.960/09, no bojo das ADIs 4425 e 4357. Além disso, tratou-se do posicionamento

adotado pelo Órgão Especial do TJ/RJ segundo a qual tal decisão declaratória de 28

inconstitucionalidade já produziria efeitos vinculantes, ainda que não tenha havido, até o

presente momento, a publicação do seu acórdão e nem manifestação do STF sobre eventual

modulação dos seus efeitos.

Chegando ao fim do estudo, podemos apresentar as seguintes conclusões:

1. Não merece prosperar entendimento do Órgão Especial do TJ/RJ, em Arguição de

Inconstitucionalidade, que afirmou que a decisão declaratória de inconstitucionalidade

do artigo 5º da Lei nº. 11.960/09 já possui efeitos vinculantes, uma vez que, ainda não

tendo ocorrido a publicação do acórdão do STF, não é possível saber o conteúdo exato

da declaração de inconstitucionalidade, apesar de já ter havido a publicação da ata do

julgamento.

2. A aplicação da modulação de efeitos, apesar de ainda ser excepcional, vem se

mostrando cada vez maior nas hipóteses em que“os fatos derrotam as normas”. Por

essa razão, em casos tidos como extraordinários, nos quais é fácil um prognóstico de

que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos pode arranhar

o princípio da segurança jurídica ou ir contra excepcional interesse público, só é

possível admitir a produção de efeitos vinculantes por decisões declaratórias de

inconstitucionalidade depois de manifestação da Suprema Corte sobre eventual

modulação de efeitos. O caso da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da

Lei nº. 11.960/09 é uma evidente hipótese na qual se mostra essa extraordinariedade.

3. Conclui-se pela possibilidade de produção de efeitos vinculantes da decisão que

declarou a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.960/09 somente após a

publicação do acórdão desta decisão, fazendo-se necessária também prévia

manifestação do STF quanto a eventual modulação de efeitos da declaração

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