colonização e escravidão na bahia a colônia leopoldina
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Colonização e Escravidão Na Bahia a Colônia LeopoldinaTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
ALANE FRAGA DO CARMO
Colonizao e escravido na Bahia:
A Colnia Leopoldina (1850-1888)
Salvador- Bahia
2010
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ALANE FRAGA DO CARMO
Colonizao e escravido na Bahia:
A Colnia Leopoldina (1850-1888)
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em
Histria Social, Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas, Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para a obteno do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Joo Jos Reis
Salvador Bahia
2010
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Carmo, Alane Fraga.
Colonizao e escravido na Bahia: a Colnia Leopoldina, 1850-1888./ Alane
Fraga do Carmo- Salvador, 2010.
Orientador: Joo Jos Reis.
Dissertao (mestrado) UFBA / Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas/
Programa de Ps graduao em Histria social, 2010.
Referncias bibliogrficas: f. 129-136.
1. Escravido. 2. Colonizao - Bahia Colnia Leopoldina. 3. Bahia Histria social 1850-1888. 4. Brasil Histria. I. Reis, Joo Jos. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas,
Programa de Ps-graduao em Histria social. III. Ttulo.
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TERMO DE APROVAO
Alane Fraga do Carmo
Colonizao e escravido na Bahia:
A Colnia Leopoldina (1850-1888)
Dissertao de mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Histria
Social da Universidade Federal da Bahia- UFBA, como parte dos requisitos
necessrios obteno do grau de Mestre em Histria Social.
Aprovada por:
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________
Prof. Dr. Joo Jos Reis (Orientador)
_____________________________________________
Prof. Dr. Wlamyra Ribeiro de Albuquerque
_____________________________________________
Prof. Dr. Isabel Cristina Ferreira dos Reis
Salvador, _____ de _____________ de 2010
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A minha famlia.
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeo a meus pais que apesar de todas as dificuldades da
vida no pouparam esforos para assegurar aos filhos o amor e a educao.
Universidade Federal da Bahia agradeo a oportunidade de estudar, e espero
que esta instituio continue assegurando aos estudantes de poucos recursos a mesma
oportunidade.
Para a elaborao desta dissertao contei com o auxilio de muitas pessoas, o
que fez este trajeto mais leve do que seria caso o trilhasse sozinha. Sou especialmente
grata ao professor Joo Jos Reis, que no mais digno exerccio de sua profisso esteve
sempre disposio auxiliando com sua orientao, sua leitura atenta e interessada, e
suas crticas fundamentais para o amadurecimento do trabalho. Aos professores da
graduao agradeo a dedicao e o apoio, especialmente Helen Mello e Dilton Arajo,
pelo incentivo, por terem despertado em mim o desejo pela pesquisa, servindo sempre
de inspirao.
Agradeo aos professores e colegas da linha de pesquisa Escravido e Inveno
da Liberdade pelas sugestes, crticas e observaes pertinentes que contriburam para
este trabalho. Sou especialmente grata aos colegas Cnthia, Jacira, Ktia Lorena,
Cludia, Valria, Carlos e Daniele pelas sugestes, cesso e indicao de fontes, alm
de fazerem das aulas na ps-graduao momentos de alegria e descontrao.
um amigo muito especial devo a coragem para me lanar a uma pesquisa que
sabia rdua mas ao mesmo tempo promissora: Ricardo Tadeu Caires Silva. A ele devo a
sugesto do tema, a indicao das primeiras fontes, das primeiras leituras, o auxilio na
construo do projeto de pesquisa e leituras atentas e interessadas das verses deste
trabalho.
Devo muitssimo aos funcionrios do Arquivo Pblico do Estado da Bahia,
especialmente a Paulo, Marlene e sua equipe, Edith, Helena e Elaine, Lindemberg e
Raimundo. Aos meus colegas de arquivo, que me ajudaram sempre na coleta de
fontes e nas sugestes quanto a possibilidades nos maos do mesmo arquivo, a Vera
Natlia, Bruna Ismerim, Cleide Cardin, Lgia Santana, Pablo Iglesias e Neuraci Moreira.
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As amigas Cinthia Cunha e Dbora Bastos, pela amizade, incentivo e o carinho de
sempre.
Aos colegas da escola municipal Clriston Andrade e do Projeto Pelourinho de
Arqueologia, pela ajuda, compreenso e apoio em alguns dos momentos mais difceis,
especialmente a Eduardo Pitta, Rosana Najjar, Cludio Csar e Samuel Gordenstein.
As minhas amigas Josane, Geovana e Rosilane por colocarem seus
conhecimentos e talentos minha disposio, me auxiliando em algumas das tarefas
mais espinhosas.
No tenho palavras para agradecer a minha famlia. Meus pais, por tudo o que
fizeram e ainda fazem por mim. Meus irmos Alan e Anderson, pelo amor e carinho de
sempre. A minhas cunhadas, minhas afilhadas queridas, meus tios e tias sempre
generosos. A meus avs, a quem tambm dedico esta conquista como primeira neta a
alar vos um pouco mais altos.
Um agradecimento especial a Dcio Pereira, meu companheiro de sempre, que
esteve comigo nessa caminhada, me apoiando, incentivando e ajudando em tudo com a
pacincia e a compreenso dos que amam.
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RESUMO
Este trabalho estuda a populao escrava da Colnia Leopoldina, localizada no extremo
sul da Bahia, durante a segunda metade do sculo XIX. Na tentativa de compreender
como uma colnia de estrangeiros fundamentada na produo agrcola familiar e no
trabalho livre enveredou pelo trabalho escravo, abordamos de forma complementar os
primeiros anos de existncia da colnia, fundada em 1818. Foi traado um perfil parcial
da sua populao livre, assim como um perfil demogrfico da populao cativa para
melhor elucidar quem eram os sujeitos envolvidos nas diversas histrias de fugas,
revoltas, disputas judiciais, denncias de maus tratos, crimes e histrias de amor,
envolvendo senhores e escravos. Baseada em mtodos quantitativos e uma anlise de
cunho qualitativa, a pesquisa revelou a importncia da famlia escrava na colnia, tanto
como instrumento utilizado pelos senhores para o controle e reproduo da fora de
trabalho, como para os prprios escravos, que contavam com uma parentela solidria e
certamente acessvel nos momentos decisivos como fugas, compra da alforria e terras
onde trabalharam aps a liberdade. Esses dados revelaram ainda que o casamento
escravo, no catlico e possivelmente baseado em ritos protestantes, gozou de certa
legitimidade conferida pela prpria comunidade local, a ponto de os proprietrios
preservarem os casais unidos na hora da venda ou partilha, mesmo antes da lei obrigar a
esta prtica. Os dados revelaram ainda que a rotina de trabalho, ao contrrio do que
declararam proprietrios e moradores da colnia, era rdua e por vezes o direito dos
escravos folga no foi respeitado, pois alguns proprietrios a reduziram a apenas
metade do dia de domingo. Entre inventrios post mortem, testamentos, registros de
matrcula, escrituras de compra e venda, aes de liberdade, processos crimes, registros
eclesisticos de terra e correspondncia entre autoridades consulares, administrativas e
policiais, encontram-se histrias surpreendentes que servem como ponto de partida para
a anlise dos fatos e processos histricos que viabilizaram as conquistas dos escravos na
segunda metade do sculo XIX, e como estes processos foram sentidos em uma regio
to distante do centro da provncia.
Palavras-chave: Escravido, Colnia Leopoldina - Bahia, Histria - Brasil, Sculo XIX.
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ABSTRACT
This study examines the slave population of the Leopoldina Colony, located on the
southern tip of the state of Bahia, during the second half of the nineteenth century. In an
attempt to understand how a colony made up of foreigners and relying on family
agricultural production and free labor switched to slave labor, a secondary strand of
analysis focuses on the first years of the colony founded in 1818. By providing a sketch
of the colonys free population as well as a demographic profile of the resident captive
population this study aims to elucidate the actors involved in the numerous stories of
flights, revolts, judicial disputes, accusations of ill treatment, crimes, and love stories
involving masters and slaves. Using quantitative methods and qualitative analysis, the
research revealed the importance of family to slaves in the colony, both as an instrument
used by the masters to maintain the workforce, and for the slaves themselves, who could
rely on solidary kin that were certainly accessible in the most decisive moments, such as
during flights, or to buy freedom and land to be used after manumission. The data also
reveals that slave marriage, non-catholic and possibly based on protestant rites, carried a
certain legitimacy that was conferred by the community itself to the point where the
proprietors kept the couples united during sales or partitions, even before these practices
were legally enforced. The data also reveal that the work routine, contrary to the
declarations by the colonys proprietors and residents, was arduous, and that sometimes
the slaves right to time off was not respected, as some proprietors reduced it to only
half a day on Sunday. Within these post-mortem inventories, testaments, enrollment
records, purchase and sales deeds, freedom-related suits, criminal lawsuits, church land
records, consular correspondence between consular authorities as well as administrative
and police correspondence, are surprising stories that serve as a departing point for an
analysis of historical events and processes that led to the slaves gains during the
second half of the nineteenth century, and help to understand their impact in a region so
distant from the center of the province.
Key words: Slavery, Colnia Leopoldina Bahia, History Brazil, 19th century.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................. .........13
Capitulo I
A Colnia Leopoldina: processo de formao e perfil da populao livre........................22
Schaeffer: um agente da colonizao a servio do Governo Imperial.............................26 De colonos a senhores de escravos..................................................................................30 Terras frteis nas margens do Perupe.............................................................................33 A cultura de caf na Colnia ..........................................................................................36 Populao livre................................................................................................................44 As maiores fortunas da Colnia Leopoldina: um perfil da elite proprietria..................48
Capitulo II
Caf no cesto da escrava Suzana: rotina de trabalho e relao senhor-
escravo......................................................................................................................................55
A presena da indstria europia no extremo sul da Bahia.........................................58 Insurreio na senzala da Alta Ribeira............................................................................62 Economia domstica dos escravos...................................................................................66 A histria do escravo Alberto..........................................................................................68 Sublevao na fazenda Monte Christo: um clima de liberdade nos ltimos anos da
escravido .......................................................................................................................71
Males de todos os males do termo: algumas palavras sobre o padre Geraldo Xavier de Santana.............................................................................................. ..............................75
Escravos que no esperaram pelo 13 de maio.................................................................78 Libertos na carreira agrcola ...........................................................................................80
Captulo III
Populao escrava e relaes de parentesco........................................................................84
Casamento entre escravos................................................................................................85 Decentes e respeitveis ncleos familiares..................................................................89 Legitimidade e estabilidade da famlia escrava..............................................................94 Possibilidades de unio conjugal entre escravos nas propriedades da colnia...............96 Taxas de crescimento da populao negra: escravos e ingnuos .................................106 Aes extremas em defesa da famlia e da liberdade....................................................112 Redes familiares no auxilio liberdade.........................................................................118
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................122
ANEXOS....................................................................................................................... .........126
FONTES E REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................133
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Lista de mapas, tabelas e grficos.
Mapa 1 : Extremo sul da Bahia...................................................................................... 21
Mapa 2: Mapa de localizao das propriedades da Colnia Leopoldina em 1857 com
relevo...............................................................................................................................42
Mapa 3: Localizao espacial das propriedades da Colnia Leopoldina em
1857................................................................................................................................ 43
Tabela 1: Nmero de escravos por proprietrio que no exportou caf em
1839.............................................................................................................................. ...39
Tabela 2: Nmero de ps de caf por lavradores sem escravos em
1840.................................................................................................................................40
Tabela 3: Nmero de escravos por proprietrio, 1840...................................................41
Tabela 4: Populao livre da colnia por ocupao, 1840-1850....................................47
Tabela 5: Distribuio da populao escrava por idade e origem, Colnia Leopoldina,
1860-1888........................................................................................................................91
Tabela 6: Distribuio dos escravos por sexo e idade, fazenda Pombal 2,
1859......................................................................................................................... ........93
Tabela 7: Distribuio de brancos e escravos por fazenda, Colnia Leopoldina
1847.................................................................................................................................97
Tabela 8: Distribuio dos escravos por sexo e origem, fazenda Pombal 2,
1859...............................................................................................................................100
Tabela 9: Distribuio dos escravos adultos por origem e estado conjugal, fazenda
Pombal 2, 1859................................................................................ .............................100
Tabela 10: Distribuio da populao escrava por sexo e origem, Colnia Leopoldina,
1860-1888......................................................................................... .............................102
Tabela 11: Distribuio da populao escrava por sexo e idade, Colnia Leopoldina,
1860-1888......................................................................................... .............................103
Tabela 12: Distribuio da populao escrava por origem e tamanho da posse, Colnia
Leopoldina, 1860-1888............................................................................................... ..105
Tabela 13: Distribuio da populao escrava por idade, Colnia Leopoldina, 1850-
1870.................................................................................................. .............................112
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Tabela 14: Distribuio da populao escrava por idade, Colnia Leopoldina, 1871-
1888.................................................................................................. .............................112
Tabela 15: Relao dos lavradores da Colnia Leopoldina tanto nacionais quanto
estrangeiros 1840.......................................................................................................126
Tabela 16: Distribuio da populao escrava por fazenda e sexo (Colnia Leopoldina,
1860-1888 )....................................................................................................................128
Tabela 17: Valor dos bens dos proprietrios na Colnia Leopoldina (1861-
1884)..............................................................................................................................129
Quadro 1: Famlia originria da africana Juliana, escrava de Ana Sofia Ida Joseph
(fazenda Grully,1872)....................................................................................................129
Quadro 2: Famlia originria de Tereza, escrava de Ana Sofia Ida Joseph (fazenda
Grully,1872)..................................................................................................................130
Quadro 3: Famlia originria de Roberto Cabinda e Rosa Moambique, escravos de
Zlia Huguenin Montandon (fazenda Pombal 2,1858)................................................131
Quadro 4: Famlia originria de Vicente e Esperana, escravos de Zlia Huguenin
Montandon (fazenda Pombal 2,1858)..........................................................................131
Quadro 5: Famlia originria de Antonio e Felisarda Benguela, escravos de Zlia
Huguenin Montandon (fazenda Pombal 2,1858)..........................................................132
Quadro 6: Famlia originria de Jos Muleque e Romana Benguela, escravos de Zlia
Huguenin Montandon (fazenda Pombal 2,1858)..........................................................132
Figura 1: Corte transversal de algumas partes de compem o Despolpador Beaven,
1880, Acervo do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro........................................................59
Figura 2: Nova maquina de secar caf Taunay-Telles, 1881. Acervo do Arquivo
Nacional, Rio de Janeiro..................................................................................................60
Figura 3: Debulhador de caf sendo usado por escravas na fazenda de caf Entre-Rios,
no Vale do Paraba, provncia do Rio de Janeiro, em 1878. J.B. Wiegandt, Acervo do
Instituto de Estudos Brasileiros/ USP..............................................................................62
Grfico 1: Distribuio da populao escrava por faixas etrias e sexo, Colnia
Leopoldina, 1860-1888..................................................................................................106
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INTRODUO
O Brasil tentou durante quase todo o sculo XIX, sem sucesso, atrair
imigrantes estrangeiros que trouxessem suas indstrias e cabedais para este longnquo
destino na Amrica. As primeiras experincias de colonizao com estrangeiros no
Brasil datam de 1808, quando um decreto de D. Joo VI permitiu a doao de terras a
estrangeiros que quisessem formar colnias agrcolas. A instalao da monarquia lusa
nos trpicos viria alterar definitivamente a feio da Amrica Portuguesa. A partir de
ento, muitas aes polticas, econmicas, culturais, etc. - foram efetuadas com vistas
a dotar a regio de uma estrutura digna do imprio portugus. A vinda de imigrantes
europeus fazia parte do conjunto dessas estratgias e tinha por objetivo branquear a
populao, povoar as fronteiras at ento inabitadas e estimular a produo de gneros
alimentcios necessrios ao abastecimento da populao. Entretanto, conquanto
estivesse integrada nos projetos polticos de D. Joo VI, de um modo geral, pouco se
conhece sobre essas primeiras experincias de imigrao no Brasil.1
Segundo Henrique Jorge Buckingham Lyra, a poltica de colonizao empregada
na primeira metade do sculo XIX era regida por uma sucesso interminvel de leis,
portarias e decretos que modificavam constantemente os direitos e obrigaes dos
colonos, que inclusive obedeciam a leis diferentes segundo a data de entrada no pas. O
estudo dos dispositivos legais que regeram essas experincias demonstra a precocidade
de um projeto que comeou a ser executado antes mesmo da construo de um aparato
legal que o fundamentasse.2
Em 1818 foram doadas as primeiras sesmarias para a formao de colnias
agrcolas pelo decreto de 1808. No mesmo ano outro decreto assinado por D. Joo VI
facilitava a formao de colnias agrcolas por estrangeiros, pois alm de ceder a terra
criava um fundo para subvenes a imigrantes que se radicassem no pas. Nesse
momento a idia era uma colonizao dirigida. O governo pagaria as despesas da
viagem, daria subsdios nos primeiros tempos e os isentaria de impostos por um perodo
1 Uma exceo o estudo de Martin Nicoulin, A gnese de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Fundao
Biblioteca Nacional, 1995. 2 Sobre os projetos de colonizao no Brasil na primeira metade do sculo XIX ver Henrique Jorge
Buckingam Lyra, Colonos e Colonias Uma avaliao das experincias de colonizao agrcola na Bahia na segunda metade do sculo XIX, Dissertao apresentada a UFBA, Salvador-BA, 1982; Carlos
H. Oberacker Jr., Jorge Antonio Von Schaeffer, criador da primeira corrente emigratria alem para o
Brasil, Porto Alegre, Metrpole, 1975, pp. 2-26; e Nicoulin, A gnese de Nova Friburgo.
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de dez anos. Segundo Lyra, a principal caracterstica da poltica de colonizao
empregada na primeira metade do Oitocentos seria o acesso terra, o que contrariava os
interesses dos grandes proprietrios.
As colnias deveriam se localizar em pontos distantes dos centros urbanos e
pouco povoados, obedecendo a um objetivo de povoamento e defesa do territrio- no
caso das colnias militares -, alm de desenvolverem a agricultura e no utilizarem
trabalho escravo, a no ser para a derrubada das matas, o que na prtica no foi
respeitado por quase nenhuma delas. Essas experincias diferem em muitos aspectos do
sistema de parceria implementado a partir de 1840 por setores da lavoura cafeeira.
Nesse ltimo caso houve a utilizao do imigrante como fora de trabalho em
substituio ao escravo africano, ao mesmo tempo em que lhe foi negado o acesso
terra. Alis, a poltica de restrio do acesso terra por parte de estrangeiros foi
consolidada em 1850 com a promulgao da Lei de Terras, a lei n 601 de 18 de
setembro de 1850.3
Na Bahia, as principais experincias de colonizao agrcola ocorreram no sul da
ento capitania. A primeira, fundada em 1818, foi a Colnia do Rio Salsa, uma colnia
mista de brasileiros e estrangeiros formada pelo Conde da Palma e extinta j em 1827.4
A Colnia de So Jorge dos Ilhus foi formada em Ilhus, em 1822, por 28 casais de
alemes. Constitua uma experincia de colonizao com auxilio de particulares j que
as famlias imigrantes foram financiadas pelo arquiteto holands Pedro Weyll, que havia
recebido sesmarias na regio em 1818. Datam de 1855 as ltimas notcias sobre sua
existncia, quando havia se transformado em um conjunto de propriedades produtoras
de cacau.
Outra tentativa de colonizao estrangeira foi a Colnia de Santa Januria,
fundada em 1828, em Tapero, tambm no sul da Bahia. Essa colnia foi formada por
irlandeses vindos do Rio de Janeiro para ocupar a regio. Em 1857, provavelmente
3 Sobre a Lei de Terras ver Lgia Osorio Silva, Terras devolutas e latifndio- efeitos da Lei de 1850, Ed.
Unicamp, Campinas, 1996; Ruy Cirne, Sesmarias e Terras Devolutas, Livraria Sulina, Porto Alegre,
1954; e Emlia Viotti da Costa, Da Monarquia Repblica, Edusp, So Paulo, 1992. 4 O rio Salsa localiza-se no municpio de Canavierias, sul da Bahia, e liga o rio Pardo ao rio
Jequitinhonha, em Minas Gerais. Segundo Joo da Silva Campos, Cronica da Capitania de So Jorge dos
Ilhus, Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1981, p.207, essa colnia foi formada por
estrangeiros e soldados brasileiros, com o objetivo principal de promover a navegao pelo rio Salsa e
estabelecer relaes comerciais com a provncia de Minas Gerais. Em 1826 os colonos haviam
desaparecido e a tropa, que constitua o Destacamento de So Francisco da Palma, deixou a regio em
1836.
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devido as dificuldades advindas com a suspenso dos incentivos financeiros do
governo, os colonos abandonaram a regio.5
E finalmente, em 1845, foi estabelecida no extremo sul da provncia a colnia
militar do Mucury. Essa foi a primeira colnia agrcola formada apenas com nacionais
estabelecida na Bahia. Segundo o chefe da explorao do Mucury e Belmonte, capito
Inocncio Vellozo Pederneiras, a colnia tinha uma feio fortemente militar, o que
desagradava as famlias ali instaladas. Pederneiras ainda alegava que os colonos
selecionados no tinham qualquer experincia agrcola, e na sua maioria eram ex
militares, pescadores, alfaiates, caixeiros, marinheiros, enfermeiros, carapinas, etc. A
colnia foi dissolvida apenas cinco anos depois de sua fundao, em1849.6
Mas foi a Colnia Leopoldina, fundada em 1818 no municpio de Villa Viosa, a
primeira experincia de colonizao agrcola fundada na Bahia. Essa experincia com
colonos alemes e suos alcanou relativa prosperidade, principalmente em
comparao com os empreendimentos agrcolas mencionados, devido exportao do
caf ali produzido, de onde advinha sua importncia e reconhecimento pelas autoridades
provinciais, e a decorrente maior referncia nas fontes administrativas.
A Colnia Leopoldina ficava situada no municpio de Vila Viosa, atual Nova
Viosa, pertencente comarca de Caravelas, no extremo sul da Bahia. A freguesia de
Nova Viosa foi criada em 1720, na foz do rio Perupe, com o nome de Arraial de
Campinho do Perupe, para abrigar portugueses e ndios catequizados. Foi elevada
categoria de Vila em 1768, com o nome de Vila Viosa, e mais tarde, em 1775, ao nvel
de municpio, em territrio desmembrado de Caravelas.7
A Leopoldina foi durante algum tempo uma experincia de colonizao
espontnea, como previa o decreto de 1808, em que estrangeiros adquiriam terras e
atraam colonos para cultiv-la. Quem adquirisse as sesmarias e trouxesse outros
compatriotas tinha direito a metade das terras, o restante seria cultivado pelos demais
colonos. Em troca, os colonos deveriam fornecer parte dos produtos no alimentcios
produzidos na colnia, como o caf, por exemplo. A insatisfao dos colonos com esse
5 Sobre as colnias do Rio Salsa e Santa Januria ver Lyra, Colonos e colnias, p. 24, 31. 6 Relatrio sobre os colonos do Mucury feito pelo Capito Engenheiro, chefe da comisso de Explorao
de Mucury e Belmonte, em 20 de maro de 1849, Arquivo Pblico do estado da Bahia (doravante APEB)
seo Colonial, Colonos e colnias, mao 4607. 7 Durval Vieira de Aguiar, Descries prticas da Provncia da Bahia, com declarao de todas as
distncias intermedirias das cidades, vilas e povoaes, 2 ed., Rio de Janeiro: Ctedra; Braslia: INL,
1979, pp.291-194.
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tipo de contrato, a falta de braos estrangeiros para cultivar a terra, e a falta de uma
administrao aps a morte de um de seus fundadores, em 1825, fizeram com que os
colonos empregassem escravos, repartissem a terra em lotes particulares e investissem
seus recursos na produo de caf para exportao. 8 Essas medidas implicaram no
descumprimento das normas estabelecidas nos decretos reais, principalmente quanto
utilizao de escravos, e assim a Leopoldina foi descaracterizada enquanto colnia por
volta de 1850.
Esta dissertao se dedica a conhecer as vicissitudes dessa colnia e as
experincias sociais ali vivenciadas por imigrantes europeus e escravos desde sua
fundao, em 1818, at a provvel data de sua extino, em 1888. Aqui discutiremos
como e porqu a colonizao ali implantada enveredou, com sucesso, pelo trabalho
escravo, que estratgias de dominao foram adotadas no cotidiano entre imigrantes e
seus escravos, qual o papel dos escravos no processo de desestruturao da colnia a
partir da dcada de 1860, e quais as possibilidades de autonomia escrava nas fazendas
da regio. Dessa forma, pretendemos contribuir para o conhecimento das relaes
escravistas no extremo sul baiano.
Apesar do crescimento de pesquisas relevantes sobre a escravido em outras
regies da Bahia que no Salvador e o Recncavo, pouco se conhece sobre o extremo
sul baiano. A maior parte dos estudos sobre a regio refere-se cidade de Ilhus e seu
entorno, e muitos deles esto relacionados com a temtica indgena. 9
Assim este
trabalho torna-se relevante tanto pelo ineditismo, no sentido de estudar uma pequena
8 Sobre as experincias com colnias agrcolas formada com estrangeiros na Bahia ver Lyra, Colonos e
Colnias, pp.24-33; sobre os anos iniciais da Colnia Leopoldina ver principalmente Carlos H. Oberacker
Jr. A colnia Leopoldina-Frankental na Bahia meridional; uma colnia europia de plantadores no Brasil. RIHGB, Rio de Janeiro,v. 148 (1987), pp 116- 140. 9 Alguns trabalhos sobre o sul baiano: Mary Ann Mahony, Instrumentos necessrios: escravido e posse de escravos no sul da Bahia no sculo XIX, 1822- 1889, Afro-sia, n 25-26 (2001), pp. 95- 139; Joo Jos Reis, Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro-Bahia, 1806 in Joo Jos Reis e Flvio dos Santos Gomes (org.). Liberdade por um fio: histria dos quilombos no Brasil. So Paulo, Companhia
das Letras, 1996, 332-373; e sobre a temtica indgena na regio ver Maria Hilda Baqueiro Paraso, A
guerra do Mucuri: conquista e dominao dos povos indgenas em nome do progresso e da civilizao In
Lus Svio de Almeida (Org), J. ndios do Nordeste: temas e problemas II, Macei, Edufal, 2002; Maria
Hilda Baqueiro Paraso, O sul da Provncia da Bahia na tica dos viajantes do sculo XIX entre 1815 e 1820, In Anais do XI Congresso da Sociedade Brasileira de Arqueologia Brasileira, Rio de Janeiro, SAB; Telma Mriam Moreira de Souza, Entre a cruz e o trabalho: explorao da mo-de-obra indgena no Sul da Bahia (18451875), dissertao apresentada a UFBA, Salvador-BA, 2007.
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mais expressiva comunidade agrcola e escravista na regio, como pela singularidade,
por se tratar de uma das poucas experincias documentadas de relaes entre escravos e
senhores europeus, que no portugueses no Brasil oitocentista.
Diversos trabalhos sobre colnias agrcolas ou sobre a presena de estrangeiros
na Bahia referem-se Colnia Leopoldina, ainda que superficialmente. Os estudos que
mais detidamente se debruaram sobre a colnia e apresentaram alguma documentao
sobre ela foram o artigo de Carlos Oberacker Jr., e o trabalho dos linguistas Dante
Luchesi e Alan Baxter, que ao estudarem a composio tnica e lingustica dos
habitantes do atual distrito de Helvcia, localizado nas terras da antiga Colnia
Leopoldina, foram os pioneiros no estudo dos testamentos e inventrios post-mortem
dos colonos da Leopoldina. Atravs da anlise destes documentos os lingistas
apresentaram uma pequena viso da demografia escrava da regio.10
O estudo de Carlos Oberacker Jr. versa principalmente sobre a fundao da
Colnia Leopoldina, baseado principalmente na literatura alem sobre o tema, mas
tambm nos registros dos viajantes que passaram pela Bahia. Oberacker Jr. Foi quem
mais tempo dedicou escravido na colnia, apesar de no contar com dados mais
substanciais sobre o assunto. Ele sugere uma possvel data para a entrada do elemento
escravo na colnia, e este seria o momento em que ela deixaria de ser propriamente uma
colnia para ser um conjunto de empreendimentos particulares destinados exportao
de gneros agrcolas. Oberacker Jr. ainda apresenta os primeiros colonos que ocuparam
a regio, permitindo o cruzamento dessas informaes com outras coletadas por esta
pesquisa. 11
Waldir Freitas Oliveira reuniu dados sobre a presena dos suos no Brasil, e
enfatizou essa presena na Bahia atravs de um breve estudo da Colnia Leopoldina,
baseado principalmente no opsculo A Colnia Leopoldina, de Hermann Neeser,
publicado em 1951. Esse autor enfatizou a relao entre os colonos suos que se
10 Ver Carlos H. Oberacker Jr. A colnia Leopoldina-Frankental na Bahia meridional; uma colnia europia de plantadores no Brasil. RIHGB, Rio de Janeiro,v. 148 (1987), pp 116- 140; e Alan N. Baxter & Dante Lucchesi. (2004) A comunidade de fala de Helvcia . Ba. Disponvel em:< http:// www.vertentes.ufba.br/comunidades.htm>; e, Alan N. Baxter & Dante Lucchesi. A relevncia dos processos de pidginizao e crioulizao na formao da lngua portuguesa no Brasil. In: Estudos
Lingsticos e literrios,1997, n. 19, p. 65-84. 11 Oberacker Jr. A colnia Leopoldina, p. 118-119.v. Conseguimos identificar as propriedades e a descendncia de alguns dos primeiros colonos da Leopoldina segundo Oberacker Jr., como Filipe
Huguenim, Henri Borel, Eugenio Borel e Pedro Henrique Beguim.
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dirigiram para a colnia a partir de 1840 e a firma sua Meuron & Cia, fundada em
1823 por Franois Meuron, e que posteriormente passou a funcionar no imponente
casaro Solar do Unho, na freguesia da Vitria, em Salvador, para onde se dirigiram
vrios estrangeiros, segundo verificamos nos livros de pedido de residncia para
estrangeiros, disponveis no Arquivo Pblico do Estado da Bahia.12
Hermann Nesser nos ofereceu elementos que serviram como ponto de partida
para a anlise. O romantismo com que descreveu a colnia e as relaes escravistas a
partir da tese do mdico e tambm proprietrio na colnia Carlos Augusto Toelsner,
chamou nossa ateno por estar totalmente em desacordo com as histrias de rebeldia,
fugas, maus tratos e violncia entre senhores e escravos.13
As relaes eram sobremodo
tensas e a prpria superioridade numrica dos escravos no deixava que fosse diferente.
A pesquisa revelou que muitas vezes essa circunstncia levou senhores a cederem s
vontades dos escravos, assim como ao recrudescimento da disciplina.
O estudo de Henrique Jorge Buckingham Lyra, aborda apenas superficialmente
a Colnia Leopoldina. Da mesma forma a pesquisa de Moema Parente Auguel, cujo
foco a presena de estrangeiros na Bahia, refere-se Colnia Leopoldina apenas
enquanto uma regio desbravada por viajantes estrangeiros que visitaram a provncia
durante o sculo XIX . 14
Todos estes trabalhos foram de grande importncia para o
levantamento das fontes, assim como para o entendimento da Colnia Leopoldina como
um empreendimento ambguo, que ora preservava caractersticas de colnia (pois
continuava cobrando a ajuda financeira e a proteo do governo da provncia, recebendo
mdicos europeus pagos pelo mesmo governo, educando seus filhos na lngua alem e
na religio protestante, e mantendo-se de certa forma isolados naquela regio), ora
comportava-se como um empreendimento totalmente independente, (utilizando
escravos, organizando sua exportao via Rio de Janeiro e desafiando as autoridades
locais).
12 Nos Livros de Registro de entrada de estrangeiros referentes aos anos de 1842 e 1855 localizamos Salomon Jaccard, Emilio Champion, e Carlos Augusto Hertsch declarando o endereo da fbrica de rap
Meuron & Cia como o endereo para onde se dirigiam ao entrar na Bahia. APEB, seo colonial, Polcia,
Livro de Registro de entrada de estrangeiros, 1855, mao 5667, p. 16 verso; e Livro de Registro de
entrada de estrangeiros, 1842, mao 5657-1, p.26 e 31 verso. 13 Nesser, A Colnia Leopoldina. 14
Lyra, Colonos e Colnias; Moema Parente Auguel, Visitantes Estrangeiros na Bahia Oitocentista, So
Paulo, Cultrix; Braslia, INL, 1980.
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19
Os inventrios post mortem constituem a documentao bsica desta pesquisa.
Trata-se de um conjunto de 55 documentos referentes a senhores escravistas e ex
escravos que viveram e morreram na regio da Colnia Leopoldina. Esses documentos
se encontram disponneis no Arquivo Pblico do Estado da Bahia e foram registrados
nos cartrio das cidades de Salvador, Vila Viosa, Caravelas, Porto Alegre (que na
verdade se trata do termo de So Jos de Porto Alegre, um entreposto comercial da
regio de Vila Viosa), e principalmente da cidade de Mucuri. Desses documentos
foram retiradas informaes como o nome, sexo, nacionalidade, estado civil, ramo de
atividade, e poder aquisitivo do proprietrio; nome, extenso e benfeitorias da
propriedade; nome, naturalidade e estatuto jurdico dos administradores e feitores da
propriedade; nome, sexo, naturalidade, ocupao, valor, estado de sade, e na maioria
dos casos idade dos escravos da propriedade. Muitos inventrios trouxeram em anexo a
certido de matrcula dos escravos da propriedade, onde podemos verificar sua
procedncia, ou seja, de quem e de onde foram comprados. Esses dados foram
fundamentais para traar o perfil tanto da populao livre e proprietria da colnia,
como da populao escrava, baseado principalmente nas variveis sexo, idade e
naturalidade.
Os inventrios nos permitiram identificar a recorrncia da famlia escrava nas
senzalas leopoldinenses. Devido a um raro cuidado da parte de proprietrios e
administradores, em algumas propriedades os escravos foram organizados por famlias
no momento da avaliao dos bens do inventariado, tornando possvel o levantamento
de dados sobre as relaes de parentesco escravo em uma mesma posse.
Os processos cveis e crimes trazem informaes s vezes detalhadas sobre a
economia de subsistncia dos escravos empreendida aos domingos e feriados e, em
alguns casos, o emprego desses valores para a compra da alforria. Esses documentos
foram de fundamental importncia para a anlise das tenses e conflitos subjacentes s
relaes de trabalho no sistema escravista, e tornou possvel contar algumas histrias de
vida e resistncia na colnia. Histrias de levantes, fugas coletivas, assassinatos de
senhores e feitores, filicdios, e denncias de maus-tratos, compem algumas das
histrias que emergem dos processos crimes, inventrios e testamentos pesquisados.
Assim como os processos criminais que narram histrias dos que transgrediram
de alguma forma as normas da sociedade escravista, as aes de liberdade apresentam
histrias de vida dos escravos pautadas pela luta e pela esperana de dias melhores. Essa
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fonte nos colocou em contato com as estratgias de escravos que no pouparam esforos
para a obteno da alforria, com episdios de concesso de terra e dinheiro deixados
escravos, e com a possibilidade de acmulo de peclio principalmente atravs do
cultivo de roas nos dias de folga. Essas histrias nos permitiram aproximar das vises
de liberdade forjadas por essas pessoas, uma liberdade que estava em grande parte
ligada terra e famlia.
Recorremos, ainda, a outras fontes, como os relatrios dos presidentes de
provncia e as correspondncias entre o consulado suo, as autoridades provinciais e o
governo central, que fornecem valiosas informaes sobre as atividades econmicas, a
concesso e venda das terras, as dificuldades dos colonos nas primeiras dcadas de
desenvolvimento da colnia e as discusses sobre a questo do elemento servil. As
posturas da Cmara de Viosa, leis e resolues provinciais e imperiais nos informaram
sobre a existncia e o funcionamento do poder pblico, como delegacias, escolas,
cartrios e igrejas. Os registros eclesisticos de terra, os livros de notas do municpio de
Mucuri e os testamentos, aliados aos inventrios post-mortem dos colonos, nos
possibilitaram elaborar um mapa das propriedades, j que informam sobre a extenso
dos lotes, modo de aquisio da terra, localizao espacial das propriedades, as
benfeitorias existentes e culturas em desenvolvimento. documentao manuscrita se
somam os registros de viajantes estrangeiros que passaram pela regio.
Dividimos a dissertao em trs captulos. No primeiro, intitulado A Colnia
Leopoldina: processo de formao e perfil da populao livre, apresentamos o perfil
dos fundadores e dos primeiros colonos que se dirigiram regio de Vila Viosa a partir
de 1818. Devido presso do tempo no foi possvel traar um perfil de toda a
populao livre da colnia. Optamos, ento, por dar preferncia a dois grupos bastante
distintos entre si: os administradores e feitores das fazendas, e os donos das maiores
fortunas da Colnia Leopoldina. A seguir apresentamos alguns elementos que ajudam a
explicar a transformao de uma colnia baseada no trabalho livre em um conjunto de
fazendas baseadas no trabalho escravo. Consideramos em seguida o processo de
aquisio da terra, que de forma geral foi adquirida por doao e apenas aps a Lei de
Terras, de 1850, passou a ser comprada.
Ainda no primeiro captulo tentamos acompanhar o desenvolvimento da cultura
de caf na regio desde pelo menos a dcada de 1840, a data mais remota a que se refere
nossas fontes, passando pelo auge da produtividade e desembocando no endividamento
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21
dos colonos e na posterior alienao da terra. Para tanto foi necessrio um breve
levantamento da estrutura produtiva e de escoamento na regio em que foi estabelecida
a colnia, bem como das formas de obteno de crdito pelos colonos. Organizamos um
mapa para facilitar a visualizao da organizao do espao da colnia baseado
fielmente nas declaraes feitas pelos proprietrios no ano de 1857, de acordo com o
registro das propriedades, como obrigava a Lei de Terras.
No segundo captulo, Rotina de trabalho e relao senhor-escravo, discutimos
a distribuio da propriedade escrava, a estrutura e organizao do trabalho, e os
mecanismos de controle utilizados pelos senhores e administradores estrangeiros para
manter a paz em suas senzalas. Atravs destes elementos foi possvel conhecer um
pouco mais sobre a rotina de trabalho nas fazendas. Em seguida discutimos o
desenvolvimento de uma economia de subsistncia dos escravos, que tinha lugar aos
domingos e feriados, e que em alguns casos facilitava a compra da alforria. Ainda neste
captulo analisamos os conflitos subjacentes s relaes de trabalho sob a escravido,
atravs das histrias de vida e de resistncia, principalmente nas ltimas dcadas da
escravido, quando as sucessivas leis destinadas abolio gradual fizeram sentir seus
efeitos. Encerramos o captulo apresentando as histrias dos libertos bem sucedidos na
carreira agrcola.
No terceiro e ltimo captulo, Populao escrava e relaes de parentesco na
Colnia Leopoldina, empreendemos a anlise demogrfica da populao escrava da
colnia. Foram analisadas variveis como sexo, origem, idade, taxa de masculinidade e
taxa de natalidade e a presena da famlia escrava nas fazendas. Analisamos os laos de
parentesco e afetividade entre os cativos e a decorrente formao de ncleos familiares.
Discutimos, finalmente, o grau de estmulo dos proprietrios a reproduo endgena da
posse, seja por motivos relacionados dinmica do trfico ou, possivelmente,
influenciados por valores religiosos.
As histrias de escravido e liberdade que emergem das diversas fontes so
apenas um fragmento da vida das pessoas que viveram na Colnia Leopoldina. Esses
fragmentos encontram-se nos documentos depositados nos arquivos, mas tambm nos
modos de falar, de cantar, de fiar a palha, de plantar, de remar, nas casas ao estilo
europeu construdas em Nova Viosa, e nas senzalas das fazendas que sobreviveram ao
tempo.
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CAPITULO 1. A COLNIA LEOPOLDINA: PROCESSO DE
FORMAO E PERFIL DA POPULAO LIVRE.
A Colnia Leopoldina foi fundada no municpio de Vila Viosa, atual Nova
Viosa, pertencente comarca de Caravelas, extremo sul da Bahia.15
Aps longa
viagem explorando a regio, o cnsul hamburgus Pedro Peycke e os naturalistas
Freyreiss e Morhardt, naturais de Frankfurt, receberam do governo da provncia a
doao de cinco sesmarias nas margens direita e esquerda do rio Perupe, a oito lguas
de distncia de Villa Viosa, onde deram incio a uma colnia formada por suos,
alemes e franceses, principalmente.16
Mapa 1: extremo sul da Bahia.
Fonte: Instituto Virtual de Turismo-RJ.
15 Ver Aguiar, Descries prticas da Provncia da Bahia, p.291-293. 16
Fala que recitou o presidente da provncia da Bahia, o desembargador Joo Jos de Moura
Magalhes, 'abertura da Assemblia Legislativa da mesma provncia em 25 de maro de 1848. Bahia,
Typ. de Joo Alves Portella, 1848, p.41.
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23
Georg Wilhelm Freyreiss, considerado um dos fundadores e primeiro
administrador da Colnia Leopoldina, era um naturalista suo, especializado em
ornitologia, que conheceu a regio enquanto acompanhava o prncipe Maximiliano de
Wied-Newwied em sua viagem de explorao pelo Rio de Janeiro e sul da Bahia entre
1815 e 1817. Freyreiss parece ter idealizado a colnia junto com outros imigrantes e
reunido financiadores que pudessem contribuir com capital suficiente para a fundao
de uma colnia agrcola.
Freyreiss, que parecia ter algum capital, uniu-se a outros empresrios mais
abastados como o Baro Von Dem Busche, um agrimensor alemo que, ao que parece,
era cunhado de Pedro Weyll, um holands que j tentava a agricultura no extremo sul
baiano, na regio de Ilhus, desde pelo menos 1816, e que tambm se interessava pela
colonizao.17
Aos dois juntaram-se Abraham Langhans, Louis Langhans e David
Pasche. Os fundadores da colnia aparecem reunidos em uma carta de 1824 localizada
por Carlos Oberacker Jr, em que os entitulados fondateurs de La Colonie Leopoldina
do noticias do empreendimento provavelmente ao ministro dos estrangeiros. Todos
estes assinaram a carta, alm dos primeiros colonos que j haviam ali chegado em 1824:
Pedro Henrique Beguin, P.H. Huguenin, Eugenio Borel, J. G. Phillip, Nicolaus Kross e
Johannes Graban.18
Alguns desses nomes nunca mais foram relacionados Colnia Leopoldina,
talvez por a terem abandonado ou por terem morrido sem deixar herdeiros que
quisessem assumir seus papis. Pedro Henrique Beguin, Philippe Huguenin e Eugenio
Borel, no entanto, permaneceram na colnia ainda por muito tempo.
A famlia Borel parece ter chegado regio antes mesmo da fundao da
colnia, acompanhando Pedro Weyll e um tal Scheuermann, e ocupou as proximidades
da fazenda Almada, em Ilhus. Em 1818, Henri Borel j havia fundado a fazenda
Castelo Novo, onde plantava caf. No se sabe exatamente se o suo de Neuchantel
17 Pedro Weyll recebeu a concesso de uma lgua quadrada de terras na regio de Ilhus onde fundou a fazenda Almada, um empreendimento que reuniu outros estrangeiros, alm de ndios e alguns escravos
africanos. Em 1820 fundou a colnia de So Jorge dos Ilhus formada por 28 casais de alemes que se
dedicariam a cultura do caf e do cacau. A colnia no obteve xito ao que parece devido a muitas mortes
ocorridas no inicio da fundao e os colonos sobreviventes espalharam-se pela regio. O prprio Weyll
retirou-se para Salvador onde deu seguimento a sua carreira de arquiteto. Pedro Weyll faleceu em
Salvador em 1839. Ver Oberacker Jr., A colnia Leopoldina-Frankental, p.119. 18 Idem, p.118.
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24
abandonara o empreendimento de Weyll em 1824, e foi juntar-se aos colonos da
Leopoldina, ou se foi seu parente Eugene Borel quem ocupou terras na referida colnia.
Segundo Waldir Freitas Oliveira, Henri Borel, junto com Weill, deixou as terras de
Ilhus para se dirigir a capital da provncia, passando inclusive a trabalhar na firma de
Meuron & Cia, de quem se tornaria scio.19
De sua famlia identificamos o referido
Eugene Borel, Gustave Borel, seu irmo, Carlos Luis Borel, Alexandre Borel, Luis
Borel e Henrique Borel.20
Em 1845, Eugenio Borel estava residindo na Sua e era scio
do seu irmo, a esta data falecido, na firma Eugene & Gustavo Borel, e na plantao
Castelo-Pombal.21
Huguenin e Beguin dividiram a propriedade Pombal em duas
fazendas: Pombal I e II, e seus herdeiros permaneceram na regio at a dcada de 1880.
Outros dois estrangeiros so apontaados na literatura como fundadores da
Colnia Leopoldina: o naturalista Carlos Guilherme Mohrardt e o cnsul de Hamburgo
Pedro Peyck. Mohrardt era mdico em Viosa desde 1818, de onde enviava material
cientfico para a Alemanha. Faleceu naquela regio em 1841, deixando uma plantao
com alguns escravos, mas no temos indcios de que essa propriedade fosse situada na
Colnia Leopoldina.
Pedro Peick morava em Salvador e tinha uma propriedade na colnia
administrada por seu sobrinho Ernesto Krull. Ao que parece contribuiu diplomtica e
financeiramente com a fundao da colnia, mas nunca a administrou. Em ofcio
enviado ao presidente da provncia, em 1832, o cnsul fala sobre sua propriedade no
sul: Tendo de me retirar quanto antes para a minha Plantao Leopoldina cita acima de
Villa Viosa na Comarca de Porto Seguro, onde a minha assistncia muito [necessria]
se faz para o andamento e boa ordem de tal estabelecimento [...]22
Restaram poucas informaes sobre os primeiros colonos da Leopoldina, o que
dificulta o entendimento sobre a transformao da colnia em um conjunto de
propriedades particulares cultivadas com escravos africanos. A morte prematura do
19Waldir Freitas Oliveira, A saga dos suos no Brasil, 1557-1945, Santa Catarina, Editora Letradgua,
2007, pp. 31-33. 20 Relao remetida ao Dr. Juiz de Direito pelo Dr. em medicina Carlos Backmamm Eike em 27 de janeiro de 1848, APEB, seo colonial, Colonos e colnias, Colnia Leopoldina, 1848, mao 4603-3. 21 Ofcio do Cnsul da Confederao sua ao Presidente da provncia em 12 de fevereiro de 1845,
APEB, seo colonial, Presidncia da provncia, consulado da Sua, 1841-1887, mao 1210. 22A grafia das palavras nos documentos manuscritos e impressos citados no texto foi atualizada.
Ofcio do Consulado Hamburgus ao Presidente da Provncia em 15 de outubro de 1832, APEB, seo
colonial, Presidncia da provncia, consulado da Alemanha, Hamburgo e cidades Anseticas, 1828-1869,
mao 1165.
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25
idealizador e administrador da colnia, Georg Freyreiss, em 1825, parece ter marcado
de alguma forma a transio.
Schaeffer, que visitou a colnia em 1821, afirma que a encontrou se
desenvolvendo bem, com alguma plantao de caf cultivada por quatro famlias. A
carta dos fundadores da colnia afirma que em 1824 j havia 50 mil ps de caf
plantados, que poderiam render 5.000 arrobas de caf.23
Nesses documentos no h
referncia presena de escravos durante este perodo, e os diversos presidentes da
provncia da Bahia que se referiram transformao da colnia em um conjunto de
fazendas, deixam claro que no comeo o brao escravo no era utilizado, j que a
colnia deixaria de existir enquanto tal justamente se passasse a utiliz-los. O mesmo
Schaeffer, que havia recebido uma sesmaria numa regio prxima a Leopoldina, em
1821, onde fundou a colnia Frankental, no deixaria de comentar o uso de escravos na
Leopoldina se l os tivesse visto. Em seu livro de 1824 ele enfatizou o prejuzo
decorrente do uso de escravos nas colnias agrcolas para os projetos de colonizao no
Brasil.24
Tanto a Colnia Leopoldina como a Frankental foram regidas pelo decreto de 16
de maro de 1820, que previa que os colonos receberiam cerca de 50 hectares de terra,
casas, sementes, animais de criao e alimentos, com a obrigao de devolver, aps
quatro anos, as sementes, animais e alimentos recebidos. Teriam direito caa,
retirada da madeira de que precisassem, e o pasto seria coletivo. Em contrapartida, os
colonos no poderiam deixar a colnia nos dois primeiros anos, e entregariam a metade
dos produtos, no alimentcios, beneficiados para a exportao, como o caf, por
exemplo. Os artfices ainda tinham a obrigao de iniciar ndios jovens em suas artes.
25Provavelmente, o sistema de meao no agradava os colonos, quanto mais que no
chagavam Bahia as levas de estrangeiros prometidas por Schaeffer para as colnias do
sul da provncia. Aps a morte de Freyreiss, as tentativas de uma experincia apenas
23 Segundo afirma Alice P. Canabrava, A grande lavoura, In Sergio Buarque de Holanda, Histria Geral da Civilizao Brasileira, So Paulo, Difiso Europia do Livro, 1971, p.93. 24 O livro de Schaeffer cujo ttulo original Dr. Ritter von Schaeffer, Brasilien als unabhngiges Reich in Historischer, merkantilistischer und politischer Beziehung. Altona, Hammerich, 1824, no se encontra
traduzido do alemo. Tivemos acesso traduo de alguns trechos disponveis em Oberacker Jr., Jorge
Antonio Von Schaeffer , p 3. 25 Oberacker Jr., A Colnia Leopoldina, p.128.
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26
com colonos livres ficou mais difcil e os colonos passaram a comprar escravos para
cultivar as lavouras de caf.
SCHAEFFER: UM AGENTE DA COLONIZAO A SERVIO DO GOVERNO
IMPERIAL
Jorge Antonio Von Schaeffer faleceu em 1838, provavelmente na Europa, e teve
seu inventrio aberto em Caravelas no ano de 1843. Naquela comarca era proprietrio
da fazenda Jacarand, na Colnia Leopoldina, onde aps sua morte passou a morar a
viva Guilhermina Florentina de Schaeffer, e sua nica filha, D. Theodora Romana
Luiza de Schaeffer, que aparece numa relao de fazendeiros no ano de 1840 como
produtora de caf, brasileira e solteira.
Em 1848, D. Theodora Schaeffer estava casada com Joo Vicente Gonalves de
Almeida, membro de uma das mais influentes famlias da regio, e em 1857 a fazenda
Jacarand, herdada por ela, foi registrada no livro de registro eclesistico de terras de
Vila Viosa em nome do seu marido, que informou se tratar de uma sesmaria de 170 por
1500 braas (3.300m) de terra, doadas ao seu sogro, o Coronel Jorge Antonio von
Schaeffer.
Georg Anton von Schaeffer era natural da Francnia, atual Baviera. Como
mdico e naturalista, se aproximou da princesa Leopoldina em 1818, quando a
Companhia Russo-Americana da qual fazia parte empreendeu uma viagem de
explorao da costa norte americana fazendo escala no Rio de Janeiro. Manifestando
famlia real sua vontade de permanecer em terras tropicais para atenuar sua doena
sofria de gota- recebeu de D. Joo VI uma sesmaria no sul da Bahia. Nas terras
concedidas, Schaeffer estabeleceu no ano de 1821, uma colnia de alemes a que deu o
nome de Frankental, vale dos francos, nas margens do rio Jacarand, prximo ao
Perupe, acima do stio onde foi fundada a Colnia Leopoldina.
Na dcada de 1820, Schaffer tornou-se um dos mais importantes agentes de
colonizao a servio do imperador D. Pedro I. Aps uma viagem pelas provncias de
So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde teve oportunidade de conhecer algumas
colnias agrcolas, como a de Nova Friburgo. Ele tornou-se um dos mais entusiastas
defensores da colonizao no Brasil. Ao que tudo indica, foi Schaeffer quem despertou
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27
em Jos Bonifacio o interesse pela colonizao organizada pelo Estado, recomendando-
lhe um sistema militar agrcola.26
As instrues dadas por Jos Bonifcio a Schaeffer, em 21 de agosto de 1822,
pouco antes da independncia do Brasil, encarregavam-no de promover uma imigrao
espontnea de alemes para formar colnias rurais militares na divisa entre as
provncias de Minas Gerais e Bahia, prximo a Caravelas. 27Os colonos artistas e
lavradores receberiam terras, segundo o decreto de 16 de maio de 1820, que servia de
base para a imigrao espontnea ou organizada por particulares, e que previa a
concesso de 400 braas (880m) de terras a serem cultivadas, e mais terras para a
fundao de uma vila. Os europeus ainda seriam naturalizados e gozariam dos mesmos
privilgios dos cidados portugueses. Schaeffer tambm prometeu ajuda financeira nos
primeiros meses enquanto a lavoura dos colonos no produzisse; e mais: sementes,
gado, ferramentas para o trabalho, alm de padres, pastores e mdicos pagos pelo
Estado, o que parece ter sido cumprido pelo menos em relao maioria dos imigrantes
que foram encaminhados futura colnia de So Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
O governo oferecia esse tipo de subsdio e em troca exigia que os colonos
prestassem servio militar em tempos de guerra e desenvolvessem a agricultura. Mas
segundo Carlos Oberacker Jr., isso tudo no passava de um disfarce para a verdadeira
inteno dos portugueses: recrutar militares europeus sob o disfarce de colonos para
formar um dique militar no norte de Minas e no sul da Bahia, impedindo a passagem
das tropas portuguesas para o sul. Segundo o mesmo autor, em 1823 a misso de
Schaeffer foi abortada, segundo ordens de Jos Bonifcio, que acreditava no necessitar
mais do engajamento de militares europeus nas tropas do imperador. 28
No entanto, a misso de trazer soldados alemes foi retomada em 1824, quando
cresceram as dificuldades na Cisplatina, e desta vez foi solicitado a Schaeffer engajar
3.800 soldados suos ou outros europeus, para servir ao Imprio. No mesmo ano ele
conseguiu reunir 2.200 homens entre mendigos, ladres, vagabundos e alcolatras da
Europa.
26Oberacker Jr., Jorge Antonio Von Schaeffer, p.8. 27 Ver Edgard de Cerqueira Falco, Obras cientificas, Polticas e Sociais de Jos Bonifcio de Andrada e
Silva. Coligidas e reproduzidas por, So Paulo, Grupo de Trabalho Executivo das Homenagens ao
Patriarca, 1965, tomo II, p.349 e ss., onde se encontram as Instrues a Schaeffer. 28Oberacker Jr., Jorge Antonio Von Schaeffer, p.8.
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28
Diversas cartas enviadas por D. Pedro e por D. Leopoldina a Schaeffer e seu
amigo Joo Martinho Flach, referem-se imigrao de soldados custa do Estado. Em
carta de 10 de maio de 1826, enviada a Schaeffer pela Imperatriz, esta falava em alguns
milhares de soldados que deveriam ser contratados a pedido do Imperador.
Excelente Schaeffer So Cristvo 10 de maio de 1826.
Suas ltimas duas cartas agradam-me cordialmente e espero,
com verdadeira impacincia, os livros e o resto. A respeito de
dinheiro j seguiu a ordem para o Gameiro a fim de que sejam
pagos os soldados e colonos j contratados, mas o senhor no
deve contratar nenhum mais, visto que o amadssimo
supracitado (!!) diz que lhe falta dinheiro (parece-me que no
no bolso dele).29
O Imperador faz votos para que o senhor j tenha contratado
alguns milhares, assim o outro no teria remdio seno pagar, e
s com este estratagema poder a coisa andar direita e a batalha
ser ganha contra o partido bem-intencionado do Brasil. Aqui
no vai tudo como eu desejaria, mas queremos esperar a melhor
soluo do Todo-Poderoso.
Assegurando-lhe minha eterna amizade e benevolncia,
continuo sua bem afeioada
Leopoldina. 30
Segundo Carlos Oberacker, ainda que naquele primeiro quartel do sculo XIX
muitos colonos europeus tenham embarcado com suas famlias rumo ao Brasil, o Estado
no estava verdadeiramente interessado na vinda de colonos, e estes s foram aceitos
como forma de camuflar a vinda de soldados, o que era expressamente proibido na
Alemanha. Ainda segundo este autor, a maior parte dos militares trazidos por Schaeffer
foram tidos oficialmente por colonos, e alguns, aps anos de servio militar, realmente
se tornaram lavradores e comerciantes em colnias estabelecidas nas provncias do sul e
na Bahia. Esse foi o caso de alemo Carlos Metzker, estabelecido na Leopoldina desde
pelo menos 1823. O Major Metzker era natural da cidade de Osnabruck, Westflia, e
29 O amadissimo supracitado a quem se refere a imperatriz era, provavelmente, o ministro do Negcios Estrangeiros, Antonio Luiz Pereira da Cunha, visconde e depois marqus de Inhambupe, que havia
anteriormente enviado carta a Schaeffer orientando que no trouxesse mais soldados ao Brasil. Na carta
ainda h uma referncia a um tal Gameiro, trata-se de Manuel Gameiro Pessoa, um agente brasileiro
enviado a Paris para recrutar soldados europeus. 30 Bettina Kann e Patricia Souza Lima( org), Cartas de uma imperatriz, traduo Tereza Maria Souza de
Castro e Guilherme Jos de Freitas Teixeira, So Paulo, Estao Liberdade, 2006, p. 444.
-
29
veio para o Brasil por volta de 1820. Antes de chegar a Caravelas, viveu no Rio de
Janeiro e era um dos soldados europeus que, aps cumprir seu tempo de servio,
dedicou-se a carreira agrcola em uma colnia de conterrneos. Em 1840, seu nome
aparece na relao de lavradores da Colnia Leopoldina como proprietrio de 27.000
ps de caf e 18 escravos, e consta a seguinte observao: oficial reformado do
Exrcito do Brasil. Carlos Metzker faleceu na sua fazenda Destacamento, em 1856, aos
80 anos.31
Os colonos que chegavam ao Rio de Janeiro e no se encaixavam na condio de
soldados, ou seja, tinham pagado sua passagem, podiam se dirigir para qualquer regio
onde quisessem obter terras. A maior parte dos trazidos por Schaeffer foram parar no
Rio Grande do sul e na Bahia, ou se fixaram nos arredores do Rio de Janeiro. Na Bahia,
a colnia de Frankental deve ter recebido a maior parte dos colonos trazidos pelo seu
fundador. Consta que Schaeffer prometeu terras a alguns emigrantes alemes providos
de recursos em sua colnia e em outras fundadas por conterrneos.32
A Frankental,
segundo Schaeffer, era cultivada sem o uso de escravos, apenas com a mo de obra dos
prprios colonos e de alguns ndios na derrubada das matas. Ao que tudo indica
Frankental foi a primeira experincia com colonos no Brasil baseada apenas no trabalho
livre.
Schaeffer deixava claro que era contra o uso do trabalho escravo pelos colonos.
Acreditava que atravs da agricultura familiar era possvel desenvolver uma lavoura
lucrativa, como a do caf, e no apenas gneros destinados subsistncia, como se
queixavam os colonos de Nova Friburgo, que diziam s ter conseguido lucro quando
lanaram mo de escravos. Em seu livro de 1824, escreveu
preciso permitir que nas colnias agrcolas haja somente
poucos ou nenhuns escravos negros, pois pelo trabalho escravo,
perder-se-ia uma vantagem da emigrao alem, continuando
uma economia que j existe no Brasil. E cujo resultado no
constitui uma beno geral para a ptria braslica. O Brasil
necessita do dinamismo norte-americano.33
31 Relao dos lavradores da Colnia Leopoldina tanto nacionais como estrangeiros, 1840, APEB, seo
colonial, Agricultura, mao 2329; ver ainda inventrio de Carlos Augusto Metzker, APEB, seo
judiciria, Inventrios, doc. 04/1482/1951/18. 32 Oberacker Jr., Jorge Antonio Von Schaeffer, p.93. 33 Idem, p. 6.
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Os documentos no deixam claro, mas, ao que parece a fazenda Jacarand que
foi de Schaeffer, assim como a propriedade de Joo Martinho Flach, passaram a fazer
parte do conjunto de fazendas denominado Colnia Leopoldina aps a extino da
Colnia Frankental, em 1838, inclusive aderindo ao uso da mo de obra escrava na
lavoura de caf. Em 1840, o nome de Theodora Schaeffer, filha do Coronel, estava entre
os lavradores da Colnia Leopoldina, e constava ter em sua posse 37 escravos, 25
adultos e 12 crias. Em 1848, a referida fazenda Jacarand contava com trs brancos -a
viva, a filha e o genro de Schaeffer- e 30 escravos.
A unio da antiga colnia Frankental Leopoldina marca o fim das duas
colnias agrcolas e o comeo de um novo empreendimento formado por capitalistas
estrangeiros desejosos de enriquecer nas terras brasileiras atravs da produo escravista
do caf. Essa integrao parece marcar, assim, a insero do africano como principal
mo de obra naquele empreendimento, demonstrando ao governo imperial que o Brasil
no estava preparado para empreender qualquer projeto de substituio dos escravos por
trabalhadores livres.
DE COLONOS A SENHORES DE ESCRAVOS
Em 1855, Joo Mauricio Vanderley, ento presidente da provncia da Bahia,
afirmava que a Colnia Leopoldina
Foi fundada em 1818, no municpio de Vila Viosa margem
do rio Peruhype. Ignora-se o nmero de colonos que para ali tem
entrado desde a poca de sua fundao at hoje; mas o seu
estado relativamente florescente. Entretanto no pode ser
considerada como uma colnia regular; por quanto na
agricultura empregam-se quase exclusivamente braos escravos. 34
A presena de escravos como fora de trabalho nos empreendimentos agrcolas
fez com que o viajante Robert Av-Lallemant tambm encontrasse inconvenincia em
34 Fala recitada na abertura da Assemblia Legislativa da Bahia pelo presidente da provncia, o doutor Joo Mauricio Wanderley, no 1.o de maro de 1855, Bahia, Typ. de A. Olavo da Frana Guerra e Comp.,
1855,p.40.
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denomin-la colnia. Assim ele descreve o processo de estruturao da Leopoldina em
sua visita a regio em 1859:
Deve fazer mais ou menos 40 anos que os primeiros colonos se
fixaram no Peruipe. Foram sobretudo suos diligentes os
primeiros colonos que, antes de todas as outras nacionalidades,
iniciaram os trabalhos ali. Logo se lhes seguiram franceses e
alemes que, com o auxilio de alguns escravos, foram pouco a
pouco fundando uma serie de fazendas, que fizeram prosperar,
at que muitos brasileiros mesmo, vieram reunir-se a eles. Disso
resultou uma longa cadeia de cafezais em ambas as margens do
rio, sob o nome de Leopoldina, que por isso no quero chamar
uma colnia, uma vez que toda essa cultura feita por braos
escravos.35
Os vrios relatrios dos presidentes da provncia e documentos do consulado da
Sua na Bahia discutem a questo da mo-de-obra empregada no cultivo do caf na
Colnia Leopoldina. So quase exclusivamente braos escravos, africanos e crioulos em
nmero muito superior ao de colonos estrangeiros. difcil, entretanto, precisar a exata
populao escrava na colnia ao longo dos seus quase setenta anos de existncia.
Segundo Carlos Oberacker Jr., colonos compraram escravos quando estes eram
baratos, isto , antes da proibio do trfico em 1850. Ou seja, os africanos disposio
dos colonos foram comprados antes do auge produtivo da colnia, que ocorreu
exatamente na dcada de 1850. Nesse perodo a maioria dos colonos no comprava
mais escravos, embora contasse com mo-de-obra escrava suficiente para uma produo
em crescimento. Uma das sadas encontradas pelos escravistas da Leopoldina foi a
procriao de escravos atravs do incentivo formao de famlias. O fazendeiro
Augusto de Coffrane, por exemplo, possua 25 escravos adultos e 45 crias em 1840.
Se, como afirma Oberacker Jr., o que assegurou o sucesso da Leopoldina era,
no a extenso ou a qualidade da terra, mas a eficincia no seu aproveitamento, atravs
de uma maior engenhosidade no plantio, na colheita e no beneficiamento do caf, era de
se esperar um aumento no ritmo de trabalho e uma exigncia ainda maior da parte dos
trabalhadores escravizados. Alm do aumento do nmero de escravos, os colonos
apostavam na explorao mxima da fora de trabalho diminuindo o tempo de folga.
35Av-Lallemant, Viagens pelas provncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, 1859, Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia, 1980, p.152.
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Sobre a compra dos primeiros escravos, temos poucas informaes. Podemos
apenas tecer algumas consideraes sobre o capital disposio dos colonos para a
compra de escravos. Suspeitamos que o capital proveniente das primeiras safras
pudessem assegurar a compra dos primeiros braos. Ainda que os colonos tivessem
dvidas a sanar com os fundadores da colnia, eles conseguiram comprar as
propriedades aps o desmembramento da sesmaria e da mesma forma poderiam adquirir
escravos. Os estrangeiros que vieram posteriormente para a regio contaram com o
apoio financeiro da firma Meuron & Cia, estabelecida em Salvador desde pelo menos
1822.
O suo Franois Meuron era dono de uma fbrica de rap instalada no antigo
casaro chamado Solar do Unho, que lhe foi arrendado por Antonio Joaquim Pires de
Carvalho e Albuquerque, Baro e depois Visconde da Torre de Garcia dvila, por
volta de 1827. Segundo Waldir Freitas Oliveira a firma funcionou como um ponto de
apoio aos compatriotas recm-chegados. Muitos colonos que seguiram para o sul da
Bahia contaram com apoio financeiro da firma, que lhes garantia os custos dos seus
empreendimentos, ao menos at a colheita das primeiras safras. 36 De fato, alguns
colonos que se dirigiram para a Colnia Leopoldina declararam no registro de entrada
de estrangeiros que se dirigiam ao Unho, freguesia da Vitria, na fbrica de rap.37
Ainda segundo Freitas Oliveira, citando um manuscrito indito de Hermann
Nesser sobre a colonizao sua no sul da Bahia, diversas firmas comerciais de
estrangeiros interessados na exportao atuaram como consignatrios dos colonos
estabelecidos na Bahia. Devido a essa parceria financeira os colonos da Leopoldina se
livravam de execues judiciais quando no conseguiam sanar suas dvidas, mantendo
as terras e os escravos dados como garantia.38
Mais tarde os prprios colonos mais
abastados desempenhavam esse papel, concedendo emprstimos vultosos a seus
vizinhos. Alguns formaram firmas como Eugenio & Gustavo Borel, Maulaz,
Jeanmonod & Giroud, Coussandier & Tavares, e ainda uma Sociedade Colonial
36 Oliveira, A saga dos suos no Brasil, pp33-35. 37, APEB, seo colonial, Polcia, Livro de Registro de entrada de estrangeiros, 1842, mao 5657-1, p.26,
31 verso, e 93. 38 Oliveira, A saga dos suos no Brasil, p. 53.
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formada pelos maiores proprietrios da colnia destinada a conceder crdito aos
fazendeiros.39
Provavelmente, as firmas comerciais, tanto de estrangeiros como de brasileiros,
dispensavam aos cafeicultores da Colnia Leopoldina o crdito necessrio para a
compra de escravos e tudo o mais que precisavam para incrementar sua produo. Esse
crdito tambm possibilitava a compra de terras nas margens do rio Perupe, j que
desde a Lei de Terras ela passou a ser vendida e no mais doada a estrangeiros, ainda
que a mesma lei fosse destinada, entre outras coisas, a promover a colonizao.
TERRAS FRTEIS NAS MARGENS DO PERUPE
A compra de terras foi fundamental para o aumento da colnia e o incremento da
cafeicultura na regio. Ainda que a maioria das terras dos colonos tivesse sido doada
antes da Lei de Terras que restringiu a doao de lotes a estrangeiros e dificultou a
apropriao das terras devolutas nacionais por particulares, muitos dos estrangeiros
chegados posteriormente tiveram que obter seu lote por compra. Compravam pequenos
lotes a herdeiros dos primeiros colonos e a brasileiros residentes na rea, de preferncia
com alguma plantao de caf, e os reunia formando propriedades com rea suficiente
para uma produo de caf para exportao.
Alguns conseguiram formar verdadeiras plantations, como destacou Bert
Barickman. De acordo com este autor, a Colnia Leopoldina foi o nico caso baiano em
que a lavoura cafeeira deu origem a grandes propriedades como as desenvolvidas no
Sudeste.40
Porm, ele ressalta que as reas produtoras eram modestas, e algumas no
tinham escravo algum. As fontes apontam que o tamanho mdio dos lotes doados aos
primeiros colonos era de 1500 braas de terra, ou 3.300 metros, mas as propriedades
registradas segundo exigncia da mesma lei de Terras variavam muito de tamanho:
algumas no passavam de 50 braas (110m) enquanto outras ainda conservavam o lote
39 APEB, seo colonial, Agricultura, Livro de registro eclesistico de terras de Villa Viosa, 1857-1863,
mao 4827. 40 Ver Bert J. Barickman, Um contraponto baiano, Acar, fumo, mandioca e escravido no Recncavo, 1780-1860, R.J.Civilizao Brasileira.2003, p.63; sobre a expanso da lavoura cafeeira no Sudeste ver
principalmente, Emlia Viotti da Costa, Da senzala colnia, 3 ed. So Paulo, Fundao Editora da
Unesp, 1998; Stanley Stein, Vassouras: um municpio brasileiro do caf, 1850-1900, Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1990.
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original. O desmembramento das terras como forma de saldar as dvidas da propriedade
parece ter sido muito comum como identificamos em alguns inventrios dos
estrangeiros de segunda gerao.
Beguim declarou em 1859 que obteve a fazenda Monte Christo por compra. No
mesmo ano Joo Flach declarou: sou senhor de uma Sesmaria concedida ao defunto
meu Pai pelo Governo Imperial, cuja Sesmaria tem mil e quinhentas braas de frente, e
mil e quinhentas de fundos. 41 E ainda
Declaro que possuo por ttulo de compra feita aos herdeiros do
finado Henrique Borrel, hum terreno de cem braas de frente, e
mil e quinhentas de fundos, extremando a Leste com Joo
Martinho Flach, ao Oeste com Gustavo Vignet, ao Norte com as
terras publicas devolutas, e ao Sul com o Rio Perupe. Joo
Flach. Colnia Leopoldina, 11 de julho de 1859. 42
Respondendo exigncia da lei n 601 de 1850, de que as pessoas que tivessem
recebido sesmarias, ou terras concedidas pelo governo deveriam registr-las sob pena de
perderem a posse, o subdelegado da Colnia Leopoldina informou:
Passo a informar a VEx que nele (2 distrito de Vila Viosa)
existem sesmarias concedidas pelo Governo a mais de trinta
anos, assim como posses em poder de primeiros ocupantes, sem
outro ttulo mais do que a sua ocupao, e em poder de segundos
ocupantes tendo sido transferida a estes por ttulo de legitimas.
Tambm existem terras concedidas pela Cmara Municipal
ainda no poder dos primitivos concessionrios, considerados
como simples posses e sujeitas a legitimao na forma da lei. 1
de novembro de 1860.43
Mas o subdelegado nada informava sobre a subdiviso dos lotes doados aos
colonos. Muitos lavradores obtiveram mais terras atravs da compra de lotes a
proprietrios que receberam terras concedidas pela Cmara como prova o registro das
41 A medida da propriedade equivale a 3.300m, de largura e comprimento. 42APEB, seo colonial, Agricultura, mao 4827. Livro de registro eclesistico de terras de Villa Viosa,
1857-1863. 43 Oficio do subdelegado de polcia da colnia Leopoldina ao presidente da provncia em 1 de novembro
de 1860, APEB, seo colonial, Polcia, mao 3005.
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terras feito em 1857. Uma dcada antes, o mdico Joo Conrado Lang informava que na
colnia havia pequenas propriedades, chamadas por ele de stios que no seriam
enumeradas numa relao encomendada sobre as propriedades agrcolas da colnia,
pois mudavam de dono a todo momento.
Alguns desses stios pertenciam a ndios e a africanos libertos. No conseguimos
identificar os ndios proprietrios de terra na colnia, mas temos informaes sobre
alguns africanos. Manoel de Alfredo e Honrio de Alfredo eram africanos libertos,
senhores e possuidores de 50 braas (110m) de terra no lado sul do rio Perupe, as
quais tinham comprado com plantaes de caf. Ceclia Flach, africana liberta, havia
comprado na dcada de 1870, por 440 mil ris, 25 braas (55m) de terras no lado sul da
colnia. O vendedor era Otvio Maurcio Joseph, herdeiro de um dos primeiros colonos
da regio.
A questo da terra e das riquezas propiciadas pela cultura do caf, bem cedo
causaram desentendimentos entre colonos e autoridades administrativas brasileiras.
Diversas peties enviadas ao cnsul da Sua demonstram a forte presso que havia
sobre os fazendeiros por parte de delegados, juzes de paz, juzes de direito e
proprietrios brasileiros que viam os estrangeiros como usurpadores de suas terras e
riquezas. Os estrangeiros acusavam as autoridades nacionais de um cime
antipatritico, enquanto os brasileiros os acusavam de tomar as matas mais prximas
a Villa Viosa, privando aos brasileiros de as lavrarem, alm de introduzirem
costumes no adequados a este pas. Infelizmente o informante no explicou quais
seriam estes costumes inadequados, talvez se referisse a religio.44
A disputa era por terras produtivas naquela regio. Aquelas terras, apesar de
reputadas fertilssimas, tinham uma produtividade questionvel. Carlos Oberacker Jr.,
baseado em Carlos Toelsner, afirma que a terra era boa, mas no da melhor qualidade.
Em 1847 o juiz de direito da Colnia Leopoldina informava que aquela poca j havia
falta de terra porque j aqui tem fazendas que no lhe existe mais aonde lavrar, e todas
as matas da beira do rio j esto reduzidas a campos, que era este o terreno mais
frtil.45 Exatamente neste perodo h registro de brasileiros que estavam deixando Vila
44 Oficio Ao Sr. Dr. Caetano Vicente de Almeida Junior, em 04 de maro de 1847, APEB, seo colonial,
Agricultura, Colnia Leopoldina,1845-1880, mao 4603-3. 45 Oficio Ao Sr. Dr. Caetano Vicente de Almeida Junior, em 04 de maro de 1847.APEB, seo colonial,
Agricultura, Colnia Leopoldina,1845-1880, mao 4603-3.
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Viosa em direo a colnia devido ao xito da cultura do caf, o que agravou os
conflitos entre brasileiros e estrangeiros.
Vila Viosa era por volta da dcada de 1850 uma vila quase abandonada
segundo relatos de viajantes e autoridades da regio. Em relatrio da Cmara Municipal
de Caravelas ao presidente da provncia, em 1857, se l que a vila no representa hoje
seno runas, e o nmero de seus habitantes se acha muito limitado. O motivo seria a
retirada em massa dos agricultores para a Colnia Leopoldina, pois os povos preferem
sempre seu bem estar e suas comodidades a qualquer outra considerao. O relatrio
ainda informava que houve uma tentativa fracassada por parte da Cmara de manter os
moradores em Vila Viosa, atravs da aprovao de posturas impedindo que as
embarcaes subissem Colnia, centralizando assim o comrcio naquela vila.
A debandada dos agricultores de Vila Viosa refletia o bom momento
econmico da colnia. verdade que a maioria dos agricultores migrantes no tinha
grandes posses, mas junto aos pequenos proprietrios vieram representantes de algumas
das maiores famlias da regio como Almeida Vellozo, Barbosa de Oliveira e Pereira de
Sena. A presena de lavradores e comerciantes brasileiros sem dvida ajudou a
incrementar a economia da colnia, mas tambm agravou os conflitos entre estes e os
estrangeiros.
A CULTURA DE CAF NA COLONIA
Apesar de o Brasil j produzir caf desde o primeiro quartel do sculo XVIII,
apenas a partir da dcada de 1810 ele passou a atuar efetivamente no comrcio
internacional de caf. Aproveitando, ainda que tardiamente, as oportunidades oferecidas
pela revoluo do Haiti na virada para o sculo XIX, o Brasil aumentou as cifras de
1.500 toneladas anuais, entre 1812-16, para 6.100 toneladas entre 1817-1821.46
Em
1830 o caf passava a ser o principal produto brasileiro de exportao, desbancando o
acar, e em 1850 correspondia a mais da metade das exportaes brasileiras.47
46 Rafael de Bivar Marquese, A Ilustrao luso-brasileira e a circulao dos saberes escravistas caribenhos: a montagem da cafeicultura brasileira em perspectiva comparada, Hist. cienc. saude-.Manguinhos, vol.16, n.4,pp.869. 47 Barcikman, Um contraponto baiano , p.61.
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A Bahia participava com modestas somas em relao s provncias do Rio de
Janeiro e So Paulo. Segundo Barickman, mesmo no auge da sua produo, na dcada
de 1850, a Bahia s fornecia cerca de 2% do caf exportado.48
Por esta poca haviam se
destacado trs centros cafeicultores na provncia da Bahia: o Recncavo baiano; a
regio de Ilhus, Camamu e Valena; e a regio de Porto Seguro e Caravelas, no
extremo sul.
O destaque da regio de Caravelas se dava principalmente por causa da Colnia
Leopoldina que se destacava como centro produtor e exportador de caf. Seus cafezais
exportaram em 1839 o total de 36.277 arrobas de caf. Barickman informa que em 1848
estes produtores j exportavam 65 mil arrobas. Tendo em vista que a exportao total
da provncia naquele ano era prxima a 130 mil arrobas, Caravelas e a Colnia
Leopoldina contribuam com quase a metade do valor exportado. Ainda assim, o mesmo
autor afirma que esses valores sequer se aproximavam do montante de caf produzido
no Sudeste, que chegava a 9.201.355 arrobas de caf exportado pelo porto do Rio de
Janeiro naquela data.49
No se sabe ao certo como os estrangeiros enveredaram pela cultura do caf nas
margens do rio Perupe. A tradio local apresenta uma verso para o aparecimento da
planta de caf na regio desde 1787, antes da chegada dos colonos em Viosa. Segundo
relato do Capito Manoel da Silva Chaves Snior, um agricultor morador em Vila
Viosa, o caf chegou regio pelas mos dos missionrios Barbadinhos italianos, que
vieram do sul, e por terra a fim de pregarem a Misso nesta Comarca. Estes
missionrios trouxeram um escravo que torrava o caf e oferecia a bebida aos
moradores da vila. O tio do capito tomou uns gros e os plantou no seu sitio, de onde
vendia arbustos da planta aos agricultores de mandioca, espalhando assim a nova
cultura que perfeitamente se adaptou ao solo da regio.50
48Idem, p.63. 49 Para dados de exportao de caf na regio de Caravellas e na provncia da Bahia, ver Barickman, Um contraponto baiano, p. 62-63, 153; e para dados sobre as exportaes de caf das provncias do sudeste
na primeira metade do sculo XIX, ver Sebastio Ferreira Soares, Notas estatsticas sobre a produo
agrcola e carestia dos gneros alimentcios no Imprio do Brasil, Rio de Janeiro, Typografia Imp. E
Const. De J. Villeneuve e Comp., 1860, p. 209. 50 Joo Antonio de Sampaio Vianna, Breve noticia da primeira planta de caf que houve na comarca de Caravelas ao sul da provncia da Bahia escripta segundo dados authenticos, RIHGB, n05(1843), p.77-79.
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Pelo que se sabe, as terras ao longo do rio Perupe eram propcias ao
crescimento da planta. O caf crescia com facilidade e dava bons frutos. A escolha dos
estrangeiros que se fixaram na Colnia Leopoldina pela cultura do caf sem dvida
estava ligada as oportunidades que o caf poderia oferecer no mercado internacional,
principalmente aps a Revoluo do Haiti, principal produtor. A doao de terras pelo
governo imperial e provincial, as estreitas relaes com comerciantes de Salvador e da
Corte, com membros do governo imperial, como a prpria imperatriz Leopoldina,
somados a facilidade de escoamento da produo, viabilizavam o negcio.
Os produtores escoavam a produo pelo porto de Caravelas. Para chegar a
Caravelas, o caf era transportado em lombo de burro at o pequeno porto de Viosa, e
de l seguia em canoas at a cidade. Da era exportado para Salvador e Rio de Janeiro.
Segundo ofcio de diversos proprietrios de Viosa ao presidente da provncia, em
1857:
A via de transporte para o comercio por mar, sendo o porto de
embarque e desembarque a cidade de Caravellas, e os veculos,
os vapores das companhias Pedroso e Mucury, e embarcao de
vela de grande e pequeno porte, convindo notar que as diferentes
produes, para que cheguem ao porto de embarque e sejo
recebidos nestes veculos so trazidos de diversas partes do
municpio em animais at os portos de beira rio, e da em
canoas. 51
Todos os inventrios consultados apresentam pelo menos uma canoa grande para
este servio. Apesar de muitas vias fluviais e martimas disposio dos produtores, o
transporte era dificultado pela pequena profundidade do rio Perupe e a formao de
bancos de areia que provocava o encalhe de muitos barcos. No havia pontes ou canais
para reduzir as distncias, assim como quase no havia estrada por terra.52
Alm das
dificuldades e do alto custo, esse transporte de trecho em trecho facilitava a ao do
roubo da carga.
51 Oficio da Cmara Municipal de Caravellas ao Dignssimo Presidente da Provncia, em 15 de junho de 1857. APEB, seo Colonial, Presidncia da provncia, 1852-1888, mao 1296. 52 O problema do transporte para escoar a produo da colnia preocupou plantadores, comerciantes e autoridades provinciais durante todo o tempo de sua existncia. Autoridades pediam a construo de
pontes, estradas e melhoria das empresas de navegao. Na dcada de 1880 houve uma presso da
Cmara de Caravelas para que a estrada de ferro Bahia-Minas tivesse uma estao na Colnia Leopoldina
para facilitar o escoamento da produo, oferecendo outra alternativa de transporte alm do mar. Em 1897