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1
Maresias
2
3
Índice
Amor 5
Ria 77
Angústia /Inquietude 117
Solidariedade 169
Natividade 185
Liberdade 203
Meu Ílhavo 219
Vida 231
Saudade 239
Mar 249
Amizade 261
Dispersos 267
4
5
Amor
6
7
9
O Marinheiro não volta…
(Glosa a Reinaldo Ferreira)
Maria dos olhos d’água
Por quem tanto estás a orar?
– O marinheiro não volta
Do outro lado do mar…
Menina dos olhos doces
Por quem estás tu a chorar?
– O marinheiro não volta
Do outro lado do mar…
Rapaz dos olhos cansados
Porque os deixas cerrar?
– O marinheiro não volta
Do outro lado do mar…
O Capitão que é o seu
É que nos vai afirmar
– O marinheiro lá volta
Do outro lado do mar…
10
O marinheiro lá volta
Está agora mesmo a chegar.
Vem numa caixa de pinho
– Desta vez o marinheiro
Já não volta para o mar…
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Maio em «Atenas»
Era o fim daquele dia de Maio, em Atenas.
Quanto me queres? Queres mesmo? Quanto?
Perguntaste inquieta com voz doida
E quando em mim pousaste teus olhos
Vi neles a vontade proibida
O meu corpo com tuas mãos entrelaçaste
Enquanto lá fora o sol se sumia.
Era tempo de nos abrirmos
Ao querer, e em dádiva consentida
Deixarmos de ser nós, mas loucura vivida
Beijámo-nos sôfregos, de amor vencidos
Pelo eterno vaivém dos nossos corpos
Até que nos olhámos, quase mortos
Não perguntaste então – não sei porquê? –
Se te queria mais. Ou já não tanto,
Por de amor restares convencida?
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13
Para todos tão longe
Para todos tão longe
Para nós, não tanto!
Fogueira distante
Que aquece a noite gélida.
Ai!... meu pranto.
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15
... E com os teus seios desenhava o vale
... E com os teus seios desenhava o vale
Por onde corresse meu corpo
Pronto para o impetuoso vaivém
Até me desejar longe de mim – além!
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Ué?!...
Águas azuis desta ria
Que correis direitas pr’ó mar
Onde escondeis meu amor?
Não me façais
Mais sofrer,
Tende pena da minha dor
Ué?!...
Dizei-me
Que eu morro d’amor.
Águas de prata da ria,
Em noite de luar d’ Agosto
P’ra onde foi a minha amada
Matai-me este fogo posto
Esta vida,
Tão cedo já acabada.
Ué?!...
Contai-me …
Que eu morro por nada.
18
Águas vermelhas da Ria
Tingidas pelo Sol à tardinha,
Para onde levastes meu bem?
Não a deixei
À noite sozinha,
Levai-me com ela também.
Ué?!...
Falai-me
Que eu morro sem ninguém.
Águas negras, águas da ria,
Vestidas na noite, de breu
Onde está a minha alteza?
Triste destino é
Este, o meu,
Viver em tal incerteza.
Ué?!...
Levai-me
Que eu morro nesta pobreza.
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FINGIDOR…
Perguntou-me se eu também sabia ser um
fingidor (?!).
– Claro – respondi-Lhe.
– Então mostra-me…
Foi o que tentei…
Amar não é para todos…
Amanhã…
Sim amor,
Amanhã,…deixarei de ser fingidor.
Na Tua Ausência
O amor é fogo que arde
Quebrado pela tua ausência.
Diz-mo
Para quem o amor tem,
Não só a sábia arte
Mas guarda dele, também,
Voraz, faminta, apetência.
20
Eu sem de tal saber
Ou de amor, ciência ter,
Vendo-te assim, longe de mim
Tão longe assim,
Eu creio antes
Coitado! …pobre de mim,
Que o amor é fogo ao vento
Que fraco apaga; que forte alenta.
21
Sabes quem eu amaria?
Sabes quem eu amaria?
Quem
Não me pedisse palavras.
Leve ou pesada.
Quem enterrasse os olhos nos meus
E quisesse ser
O meu Orfeu,
E de todas
A melhor, a minha amada.
Pareces ave à procura de nova primavera
Novo tempo, prenúncio de outra era.
Não sonhes assim tão alto
Eu sou romântico. Mas falso.
Há sempre um começo
Uma rosa, um cravo, uma promessa
Mas eu falhei
Ousei voar e só tropeço.
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23
Quando me apresso…
Quando me apresso
E te digo: – tenho de ir
Ouço a Tua queixa: deixa-te um pouco mais
Não tenhas pressa!
Eu não ouço, nem Te bendigo
Que é castigo,
Que não mo impeças.
Finjo não crer
Nem saber, ou até, que isso me importa.
Mas mal te deixo
Sinto que um dia vai ser
Que vais bater com a tua porta
E fechá-la para sempre
Para um beijo teu, nunca mais haverá hora.
Quando parto, sei depois
Ser outro, e não eu que esteve, amor
Preso dentro de teus braços
Quando de dois éramos um só
Enrolados num só laço,
24
E vem-me a terrível dor
De não saber, nem querer, desatar o nó.
25
Boa a noite, com maré-cheia sem baixios para
encalhar
Boa a noite, com maré-cheia sem baixios para
encalhar
Lá vou por entre margens perdidas na solidão
Navegando entre as águas nuas, amor feito
desatino
Consumindo-me no fogo azul da paixão.
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27
Neste percurso egoísta
Neste percurso egoísta
Por mim percorrido
A carregar com o mundo,
Uma rosa me chamou
A prometer amor.
Parei e olhei-a.
A descobrir o seu rubor.
Foi então que lhe disse por onde vou, enfim!
Vou-Te amar…
Não por Ti,
Mas por mim.
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Não contes…
Não contes do meu
Sorriso
Que corre para ti, hoje.
Nem que fecho
A cortina
Para a tua ternura ficar comigo.
Deixa que te envolva,
Ao menos,
No carinho de um suave abraço.
Não contes a ninguém
O desvelo
Com que o faço.
Deixa ficar o segredo
E com ele
O nó sem laço.
Deixa passar o vento
Abre a janela
E deixa-me entrar.
30
Um dia havemos de ir
Como os rios
Correr direitos ao mar.
Para ouvir um búzio
Na praia
Dizer que é bom amar.
31
Oh! nesta noite...
Oh! nesta noite...
Agarro-me a ela em desespero.
Nesta noite
Oh! nesta noite
Queria estar na praia, nu,
Exposto ao vento
A sentir o mar ondular
Por ti a chamar.
Em doce intento.
Oh! …nesta noite
Eu e Tu
Sós...
Nesta noite
Oh! nesta noite
Diluídos no perfume da maresia
Envoltos no vento
Em procura de novo alento,
Voando para lá das palavras
Ao encontro
Das estrelas a anunciar um novo dia.
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Vem por mim…
Queria esta noite
Beijar a mais bela rosa do meu jardim
Encostar a minha boca à tua
Para que ela fique tão rubra
Como papoila viva, carmesim.
Queria ver, afogueadas e brilhantes
As maçãs do teu rosto lindo,
Transformadas framboesas gulosas, assim.
Embriagar-me no licor doce do teu olhar
E envolver meus dedos no dourado do teu
cabelo
Para dele sorver a fragrância do alecrim.
Anda, vem! Atravessa a solidão da noite
E vem acolher-te nos meus braços de pedinte
Para deixar de ser o que somos, na
madrugada.
(vem por mim)
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Exigência
Era noite e havia luar
Quando passámos pela Capelinha
E juntinhos fomos até ao mar.
Deitados na areia, entre o céu e a água
Sonhávamos que a vida era poesia.
Havia paz na noite
E no ar que nos trazia a maresia,
Tela pintada ao natural.
Só o marulhar da vaga cortava
O desvelo com que olhava
Os contornos ternos do teu rosto.
Dos teus lábios vinha a frescura.
Eram mais rubros que a papoila.
Cantavam a vida imaginada
Onde o mar não fosse enfurecido
E o dia se não escondesse enevoado.
Para que o barco por nós conduzido
Transformado ilha flutuante
Aportasse ao mundo mágico, acordado,
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Onde a água fosse tão límpida
Que permitisse ver nossas mãos entrelaçadas
Reflectindo no cristal
Tanto amor a exigir eternidade.
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Não gosto de Ti...Gosto é de querer gostar
de Ti. De te descobrir. E quão pouco tempo
tenho para o fazer!...
Contigo estou condenado
Em não saber quando serei
Ou se vale este meu fado
Nem se para ele, tempo terei.
Mas sem saber:
Tenho o raio do teu perfume
Diluído na memória
Digamos violeta ou outra flor
Mas de Ti seja qual for
Tem a cor.
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39
Tinhas de ser Tu
Tinhas de ser Tu
Tu me havias de enloilar
Um trejeito Teu
Desafio meu
Aonde me pode levar?!
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Ir…
Breve, tão breve foi
Este sonho findo
Que a vida sonhou
E agora?...por onde irei.
Só sei que por aí não vou…
E se for?!...
O que de mim farei?!
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43
Amor de Amor
E não terem mais fim
Estes dias,
E esta vida,
Para beber dos teus seios
Encaixar no teu ventre
Sorver o teu bafo
Dançar a tua música
Em mil volteios
Em mil enleios,
A deixar que o fogo do teu olhar
Me queime
E nele se consuma
A paixão sem parar
Tornada cinza,
Para me diluir em ti
No frio Inverno
Não digas nada,
Amor,
Só amor de amor
Só nós, eu e tu
Somos eternos.
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45
Ai! ...meu pranto…
Ai! …meu pranto…
Para todos tão longe
Para nós, não tanto
És a fogueira distante
Que me aquece a noite,
Um suave instante.
Ai !...meu pranto…
De te não ter perto
Para me matares a sede
Com o gosto
Dum sorriso aberto
No mar do teu rosto.
Ai! …meu pranto…
Não ter aqui
Teus olhos doiros desaguados
Ancorados nos meus
E poder olhar
Para Ti, deslumbrado.
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Ai! ...meu pranto…
Triste esta solidão.
Lá fora, há chuva e há vento
Ninguém vem pela rua
Para me estender a mão.
………Mas a vida continua.
47
Dar de beber à sede
A um canto
O piano me sugere.
Música, quase a medo.
Não, não é dele que provém
É o teu corpo a se desnudar
Para se dar
Em secreto aconchego.
É como ter a maresia
Na dobra do meu lençol
Para eu sentir a vontade
De o voltar a beber
…………Um outro dia
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Inventando os teus lábios
Silencioso este voo nocturno Nem é dia nem é noite, tanta é a claridade Perturbá-lo seria trair o instante que
indecifrável, passa.] Deixo-o seguir viagem
Por mim aqui fico a inventar o espaço De olhos fechados. Deixo-o passar. Na sede de adormecer Inventando teus lábios.
50
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Perto e longe…
Remeto-me ao silêncio
E nele formulo a tua ausência
Nos lábios que invento.
Quanta sede ao adormecer.
Quanto secreto sofrer
De não Te ter.
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As palavras que nunca LHE cheguei a
dizer…
Dói-me esta saudade
Do tempo em que em ti morava.
Dói-me a imagem
Dos teus lábios carnudos
Que eram de rosa aveludados.
Túmidos a implorar que os trincasse,
Em tropel furioso de tantos beijos.
Enfeitavam provocantes
O teu bonito rosto
Deixando adivinhar promessas de novas
madrugadas;]
Onde corpos em dança desencontrada,
Unidos por bocas em paixão,
Se entrelaçavam numa luta de sombras
desassossegadas.]
Meu amor,
Chega-te a mim,
Vamos juntos marear.
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Se a ria quer morrer no mar
A soluçar de saudade,
Deixa-a ir…
Eu quero viver em ti.
Postado na varanda do teu olhar
A olhar o céu,
Para lhe roubar as estrelas
E com elas enfeitar
O sonho real de te amar.
55
Andorinha a olhar a primavera
Vem comigo, princesa;
Trouxe-te este alinhado bordado
Para enfeitares o leito
Onde quero festejar o teu corpo
Sorver o morango dos teus lábios
Carnudos,
Beijar os figos melaços
Que te rosam o peito;
Sorver o salgado do mar
No declive do teu ventre
Onde guardas a fonte
Que sacia a minha sede
De ti.
Esmordaçar o teu corpo
Fundo
Dardejando-o e endoidando-o
No latejar dos sentidos loucos
Deste mundo.
Trocaremos beijos entre gemidos
56
Enquanto de olhos fechados
Sentirás a maré a subir;
Que vinda do mar nos traz a maresia
Para perfumar a nossa cama
De uma doce poesia.
Afogando-nos na espuma que se desmancha
Contra os novelos que tecem
O teu e o meu corpo.
Fujo para o interior dos lábios
Encostando a língua ao céu da tua boca;
Entrelaço-a nos ais falados
Molhados,
Na saliva quente das margens do sonho
Enquanto enrolo os fios do teu cabelo
Desalinhados,
Para com eles fazer uma trança ao luar;
Encaixados na noite,
Somos como sol a penetrar a sombra
Para trazer a madrugada.
Sinto o anel das tuas coxas
Enlaçando,
Enforcando, o meu corpo
Numa avidez louca de desejo.
Parecemos na noite barcos negros
A marear a vaga alterosa
Em vaivém frenético, contínuo.
Perdidos não param de se procurar
Ligados pela fantasia da intimidade
Dos teus e meus, abraços.
E só por fim quando a acalmia vem
Com ternura me colo aos teus recantos
A minha boca inerte, entreaberta, saciada
Pousa nos teus ombros suados,
Cansados.
E enquanto a minha mão enforma o teu seio
Túmido e pontiagudo,
Abandonado,
Os meus pés tocam os teus
Que estremecem de novo,
Inquietados.
De mansinho lavram os meus,
Deitando a semente à terra
Que não tarda a germinar
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E logo a florir no jardim
Encantado
Do teu regaço lindo.
Como que dizendo
A quem nos olha, cegos, deslumbrados,
Que é tempo de voltar amar.
Chegou ao fim
O Intervalo.
Sou uma andorinha acoitada no ninho
A olhar a Primavera.
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Aprouvesse…
Aprouvesse eu ser lampejo
E para Ti guardaria
Não um, mas todos meus beijos
P’ra matar o teu desejo.
Aprouvesse eu ser flor
E no teu regaço lindo poria
Não um dedal
Mas um jardim feito d’amor
Aprouvesse eu ser mar
E viria à praia
Não uma, mas mil vezes
Para em ti me afundar.
Aprouvesse eu ser céu
E te daria as estrelas
Não uma, mas miríades
Para com elas teceres um véu.
Aprouvesse eu ser dia
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E te daria o sol
Não um, mas todos os precisos
Para só tu brilhares na noite fria.
Aprouvesse eu ser noite
E te daria o luar
Para não uma, mas mil vezes
Em ti, eu pernoite.
Aprouvesse eu ser outro
E te daria esse «eu»
Não mil (!) mas uma só vez
Para saberes que não há nenhum
Tão doce como eu
61
Regresso
Provo o sal do tempo
No teu corpo
Reencontrado.
Percorro as montanhas ocultas
No teu corpo
Recomeçado.
O regresso.
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É de verdade morrer
Vá ….
Sei que queres que te diga
Uma palavra.
Verdadeira ou não,
Que te importa?!
Mesmo que seja tolice
Ou mais ainda, doidice.
Sei que por ela estás morta.
Algo que ninguém consiga entender,
Ou do porquê dela
Sequer perceber.
Eu sei que queres apenas
De mim ouvir dizer
Que viver sem ti,
Não é viver; nem sequer sofrer
É de verdade, morrer….
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A beleza vai
A beleza vai
Esvoaça no tempo célere que se afasta.
Somos coisas
Ainda por explicar.
Sem termos a certeza de nada
Por ínfima que seja.
Deixa-a ir.
Aconchega-te aqui junto a mim.
A olhar a cor macia
Do entardecer encantado.
Tu és a flor mais bonita do meu jardim
Que ano a ano desponta na primavera
A renovar, ano a ano, todo o meu ser.
Enternecidos com a imutabilidade
Dos nossos afectos,
Envoltos pela sua beleza,
Deixamo-nos ficar.
Iguais para nós.
Para os outros desconhecidos.
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Sinfonia à beira-mar……
Olha amor:
Esta noite a lua não virá.
Vem tu que outro luar não há
Tão bonito como o teu olhar
Vem daí e antes da madrugada
Vamos juntos, de mão dada, percorrer a
estrada
Vamos pelos becos e congostas
Que percorremos na nossa meninice
De novo ganhar o tempo que nos foge.
Vamos encher os olhos de nós.
Entretidos na doçura dos nossos beijos
Esqueceremos as vastas constelações
Vamos semear esperanças
E colher as flores
Para com elas enfeitar o bragal dos sonhos.
Entre beijos e abraços ternos
Tomarei nas minhas mãos as rosas dos teus
seios
Que cobrirei de doces beijos.
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Chega-te a mim:
Anda, vem daí
Enlaçados vamos ouvir o mar que nos anseia;
Mergulhar nas suas águas
A matar a sede dos nossos corpos,
Que o mel da maresia sopra e ateia.
Ver inquietos pássaros vadios
A sair do branco farfalho da vaga
Para branquear o negrume da noite;
Deixa-te ficar no meu regaço
A ouvir a rouquidão do seu choro nocturno.
E até que a maré alta nos entrelace
Deixa-me vadiar nas ameias do teu corpo
Numa caravana de beijos, de abraços
E carinhos,
Mil feitiços, enleios tais
A despertar as estrelas que há no mar
Para as colar no azul do teu olhar,
E dele fazer um firmamento estrelado.
Ó mar, ó noite, venham ouvir a melodia
É o teu sussurro, rumor amado
A implorar uma e outra vez…
[Mais!...quero mais…
69
(Sim! Eu sei que tudo são recordações…)
Lindos eram os teus olhos
Vivos!
Rasgados em tua cara, eram de amora
gostosos bagos
Davam-te um ar mais que formosura
Uma graça de mil agrados.
Tua voz era mistura de som e doçura
Saídos
De uns lábios, mais do que a cor, sugeriam o
amor
Férvidos beijos prometiam
Sugestões para horas de louco ardor.
Os teus cabelos eram fios de ouro
Caídos
Enrolados, desciam sobre alvo peito, suave
enleio
Onde dois rubis sanguíneos
Desafiavam da meiguice, credenciado jeito.
70
São desse retrato as saudades que padeço
Vivas!
Teus olhos roubadores na face de carmim,
sendo
Prenda que não sei sequer merecê-la
Meus olhos, outros olhos, olhar não
pretendem.
71
Olha!... Lua
Olha!... Lua
Se alguém bater à minha porta
Diz-lhe que eu não estou.
Fui vadiar para longe com a minha amada,
Envolver-me nos seus braços,
Embriagar-me nos seus afagos
Beber do seu corpo mil regalos
Matar a sede de desejos que o amor
Provoca.
Vou no seu azul marear
Enlear-me na teia do verbo amar
A quebrar a noite de solidão.
Tão longa ela me pareça
Que contrafeito
O sol se embrume e a luz adivinhada
Tarde a sua madrugada.
Olha, lua!
Empresta-me a estrela que tens a teu lado
72
Para a levar ao candeio
A fisgar a sereia, enganosa e leda
Que canta a chamar-me baixinho.
Quero acabar o encantamento
Que me chama vindo do mar;
Quero trazê-la à praia
Na cava de uma onda irada
E aí fazer ouvir o seu grito
Na nudez do seu levanto.
A poesia, essa!, deixo-a no teu luar.
Olha!... Lua…
Se eu te chamar, não me ouças
Deixa-me amar de todas as maneiras
Não respondas, nem interrompas
O galope sem rédeas, a loucura desvairada
Quero morrer de amor
Afogado nos beijos que não mereço
Quero morrer e renascer a cada instante:
A única coisa que lhe peço
É que não pare a embriaguez da noite,
Por amor afadigada.
Olha!... Lua
«Corre» devagarinho
Corre… tão de mansinho para o mar
Que faças a manhã tardar;
Esconde-me no escuro e silêncio da noite
Deixa que os meus gemidos se confundam
Com o piar do maçarico a acasalar;
Eu sou como ele
Ave perdida que regressa ao ninho
Depois de largo voo de ausência,
A querer de novo, e sempre, noivar.
Olha!...Lua
Já te podes mostrar.
Eu fico aqui na praia rumorosa
A ouvir o vento que passa
A arfar na alcova da areia revolvida,
Corpo suado de exaustão
A regressar ao meu estado em pura redenção.
73
Porque o melhor estava em nós…
Passaram primaveras e ardentes estios,
Passou a vida por nós;
Fados e Fados nos poderiam ter trocado
As voltas
Fruto de enganos ou até desvarios.
A tudo fomos resistindo
Porque o melhor estava em nós.
E não no uso que fizemos do nosso corpo
Mas tudo e só o que prometemos apenas.
Lembras-te (?): começava a noite
Barcelona a nossos pés,
E nós em «Atenas».
74
75
Cores de vida nenhuma
A tarde parece tardar
Adormecer.
A luz branda do sol
Esbate-se lentamente até que a lua,
Cheia na sua redondez
Vem espalhar o empalidecer pelo areal.
Os últimos raios de um Sol a esconder-se
Esvaem-se por todo o céu;
Reflexos indefinidos, cores brandas, suaves
Cores de coisa alguma
Cores de vida nenhuma.
Uma leve brisa percorre o meu corpo;
Atento ao sussurro do vento
Vou matando a agonia desta tarde
De um tempo sem sentido
De uma vida cuja chama já não arde.
Tempo perdido de espera
De um amor que ficou de vir
76
E já não vem. Já é tarde…
Olho a montanha ao longe
Recortada no contraluz a sua verdura:
Na tua ausência acho-a negra
Sombra de uma procura
Que deixei em farrapos do nada.
Se tu viesses,
Pousado no teu regaço apetecido
Vê-la-ia
Com esperança renovada.
Em um tempo logo acordado
Olharia o céu, a água, os montes
A natureza viva e apetecida
Reflectida no teu olhar.
A lua vai alta,
Grande na noite morna de angústia
E tu, ausente.
E eu (?!): - presente mas sozinho …
Alheado, tudo para onde olhe
Me parecem olhares escuros
Desta luz empobrecida de fim do dia;
Vejo perfeitamente o que não quero ver
Sem ver o que quero ver
Pareço sonhar sem querer acordar
É preciso que chova
Para me tirar deste tempo de entediante
Onde tudo parece morrer.
Tudo me parece inútil, frustrante
Excepto o desejo de te ter perto de mim.
77
Ria
78
79
81
Do Meu Terraço, Deslumbrado
A Ria
Quando um dia
Já nada restar de mim
Quero que te lembres
Dos meus olhos logo pela manhã
De Ti, de amor se encharcavam
Então
Foge de mansinho para o mar.
Vai a correr até bem longe.
Vai mesmo até lá ao fim onde estarei
À Tua espera.
Guloso de Te beber,
E Te guardar,
Toda e para sempre, cá dentro, bem junto a
mim.
82
83
Saciado, mas não farto
Esta é mais uma noite em que me embriago
Em ti, e de ti,
Olho-te no reflexo da lua que me atordoa os
sentidos
Revejo-te em todos estes anos vividos
Nos ciúmes de outros, que como eu,
amorosamente te
cativam.]
Estás hoje diferente do que me mostraste ontem.
E sei que amanhã serás de novo diferente.
E é por isso que tão estranhamente
Me apaixono por quem repetidamente me mente.
Sigo as tuas formas de mulher esquiva,
Quando despida das tuas águas me mostras os
recantos do teu corpo]
E me desatinas,
No desejo irrecusável de nele mergulhar – Mulher
viva!
A sorver impudicamente a tua maresia, minha
boca feita, teu porto.]
84
Saciado, mas não farto, deslizo sobre os teus seios
e beijo-os sofregamente]
Até que me digas: – basta!
Na promessa de que amanhã tudo recomeçará de
novo.
E que o teu desejo volte, renovado, a provocar o
meu,
Que pode, eu sei, estar cansado,
Mas para Ti jamais estará morto.
85
AQUILÃO
Foste cantado por Plínio,
Quando vindo lá da serra
Trazes contigo
O perfume da urze e o cheiro da caruma,
Descendo encosta abaixo, caminho ínvio
Sobrevoando a terra, apressado,
Fugindo do braseiro bravio
Para te vires refrescar na laguna.
Exsudaste o marnoto
Fazendo-lhe correr rios de suor
Enquanto cometias o prodígio
De transformares água em flor.
E assim nascia o sal.
Mais do que um milagre,
Igual, só vivido no natal!
Teu sufoco causticava
O moço do moliceiro
Que de vara ombreada
Percorria a auto-estrada da borda
Na procura de um novo veiro,
86
Enquanto lá longe
Um maçarico acordava.
Fazias do mar, lama
Levando contigo a «xávega»
A paragens que pareciam infindas.
Enquanto o arrais endoidado por ti
Te seguia como à sereia
Sem saber se havia mar e norte
Ou se o atrevimento findava em morte.
87
Ria Esquiva
Quando pela frígida madrugada
Entras devagarinho,
Parecendo envergonhada
E me dizes, psst!
Tão de mansinho,
Sabes bem que te acolho e recebo,
Oferecendo-te o meu corpo
Para que nele te aconchegues enrolada,
Mesmo que já não sirva para nada.
Cubro com bragal de linho bordado
Teu corpo feito de lindas águas
Agora cansado.
E deixo que adormeças a sonhar com o norte,
E com as gaivotas grazinas
E os peixitos
Traquinas
Que te debicam o peito
E assim afugentam a morte
Salvando-se da má sorte.
88
Acordado belo
Para que nada perturbe
A paz do teu sono, tão belo
Até que a manhã desponte
E seja eu a chamar
Para te acordar, psst!
Para que não percas
O grandioso momento
Em que o Sol te vem beijar
E as grazinas traquinas começam a gorjear.
Partes sem nada dizeres
A recomeçar teu fadário.
Sem nada fazeres
Ou de mim algo quereres
Deixas-me em lágrimas banhado.
E sem que dos teus lábios
Venha palavra meiga,
Partes em alto devaneio
Bonita, bela, esquiva.
E eu aqui resto, sem vida.
89
Esquecer de Te amar
Olho o mar como olho para ti, pretendendo ir
mais longe]
Que perca o olhar no desvendar da verdade da
tua carícia.]
Sinto-me perto e logo longe, tão longe como
me parece estar a tua ausência.]
Quando a vaga vem, lá de longe enrolada,
desfazendo-se em farfalho]
Parece trazer-te no regaço, deixando-te de
mansinho envolta em mil flores silvestres]
Adormecida na areia…
Já a maresia, os búzios enroscados, as
conchas doces e as algas te envolvem e
prendem]
No areal dourado, o teu corpo abandonado
De Sereia.
Para que possas sentir o sol pousar sobre o
mar azul, inundando-o de vermelhão,]
90
Lembrando um campo de papoilas loucas,
ondulando ao vento, tão longe que o meu]
Olhar não apeia.
Corro a aconchegar-me a ti, no contacto com
a tua frescura, ansioso de ouvir tudo o que]
Ecoa e me enleia:
As marés que trazem os búzios, as conchas e
as pedras a rebolar, alertando-me os]
Sentidos, prendendo-me na teia…
Enquanto os meus lábios já gretados aspiram
o salgado do vento que nos enlaça.]
Com eles beijo os teus seios de onde se
soltam gotas escorregadias]
Da água azul do mar.
Mergulho a minha face nos teus vales, ou
subo ao alto das tuas serras,]
Até que saciado,
Procuro um lugar de refúgio, fundindo-me no
teu corpo,]
Fixando o horizonte para nele encontrar a
linha imaginária onde está escrito]
Nunca me esquecer de te amar.
91
Eternidade afinal, existe
Volto a esta tela
Neste dia ensoalheirado
Revendo a ria, o céu e os montes
Olhando para tudo, extasiado.
Quem teria sido o autor (?)
Que pintou com tão grandiosa intensidade
E com tão aguda sensibilidade,
Para deixar
Em frente de mim postada,
Para me provar
Que afinal existe eternidade.
92
93
À espera…
Minha Costa Nova
Do mar
Dos barcos, dos búzios
E dos burriés
Das gaivinas e borrelhos
Que bonita que tu és
Reflectida ao espelho.
Foi na tua areia que pisei,
E gastei, uma vida,
Olhando a ria embevecido,
E tudo quanto nela havia:
Lá estava uma gaivota a pairar
(Quem sabe?!)
Tal como eu a esperar
Que chegasse o fim do dia.
94
95
REESCREVER A VIDA…
Um espantoso luar
Baila prateado sobre a Ria
Vem acompanhado por ligeira brisa
perfumada
A deslizar sobre as quietas águas
Enredando-as na maresia.
Na noite, deslumbrado
Sôfrego de me encharcar no belo,
Adormecido pelo êxtase,
Procuro reescrever a vida.
Há nesta noite amanhecida
Um sonho no vento
Um sonho no ar
Um sonho por desvendar.
O de te levar pelas águas
Em passos ledos
Para lá da imensidão
Onde restaremos quedos.
A deixar que o amor mande ousar,
Os meus olhos pousados em Ti
96
A desfolhar a flor da primavera
Teu corpo de mulher aberto
Sorvido até que chegue a madrugada.
97
Morre comigo de mansinho
Já se somem as pegadas que ficaram para trás
Nas tortuosas veredas que percorri.
Na convicção de que era caminhada
obrigatória.
E o que dela retenho na memória?
A sensação de uma fogueira apagada
Dias de sol de mudez descarnada
Faróis de lonjuras que se fundiram
Perdidos todos os orientes e ocidentes
Da nossa imaginação desalinhada.
De tudo isso ficou apenas a certeza
De uma paz interior aliviada,
No endemoninhado caminho
Do relógio que não pára a olhar para trás
Para a vida que agora teima em ser lenta
Quando a morte acena cheia de pressa.
Hoje apetece-me a paz real.
Tão cansado estou de a percorrer
Que me deixo soçobrar no areal
A ver a ria morrer comigo,
de mansinho.
98
99
Ciúmes da Ria
Surpreendes-me sempre que te visito.
Nunca pareces cansada de andar de um lado para
o outro.]
Serena
Calma na tua frieza de hoje
Eras a mais bonita no teu entardecer
Onde só a ausência do sol dava pena.
E eu parado
Cansado de tanto correr
Em mim ausente o prazer de viver
Olho para ti extasiado.
Que pena!...
Não encontrando semente para semear,
D. Quixote, atiro-me aos moinhos
Ergo o braço e ferro o punho
Num desbaratar, até de ilusões.
Apenas e só a desbaratar
Pois já nada, nem eu me ergo do chão.
Quem me quer nesta idade sonolenta?
100
Quem me leva a recriar desejos despidos (?)
A fazer-me lembrar pecados já esquecidos.
Parado enciúmo-me de ti
Desse amor que vens fazer à praia
A horas repetidas, não te cansando de amar,
Envolvida com o areal ainda estremunhado
A deixá-lo beber do teu ventre salgado.
101
A ria e só nós, os dois
Quando já não tiveres lágrimas para verter
Vem à minha porta
Àquela casa pousada sobre a ria
Que não tem chaves nem muros, nem
segredos
Ou enredos.
É tua. Entra.
Guardadas estão lá todas as palavras
Que não disse, ou não soube dizer
À ria.
E a Ti, tão grande era meu medo.
Colhe uma flor nesse jardim escondido
E desse modo percebe o que quis contar de
mim
E não me atrevi, porque a mais ninguém
ousaria
Desnudar a intensidade da paixão.
Descalça-te e vem comigo oferecer-lhe este
verso
Vem comigo afundar os pés na areia molhada,
Vem comigo
102
De mãos dadas sentir a dádiva refrescante
Da sua maresia perfumada;
Vem olhar o voo das gaivotas inquietas
Pelo lento marulhar da velha bateira.
Olhar o rosto enrugado de quem lá vem a
contar histórias.]
Aconchega-te ao meu ombro e fiquemos
Na noite a contar o verso, corpos em lume
A ouvir o vento levar o eco latente do nosso
queixume.]
Sou eu e tu à espera de ser o que nunca
seremos…
A ria, e só nós, os dois…
103
Morrerei de menos por a amar demais…
Neste azul, tão azul
vindo sei lá de onde;
Da imensidão do mar, infinita!
Mergulho o olhar na paleta
Densa e resumida
Onde só o sono das asas ondula
A perturbar a solidão.
Invento na luz o sonho
De que a minha palavra
Alcançará o mundo.
Nenhuma o alcançará.
Mas vou repetindo:
Não lhe saberei – nunca! – dizer adeus
Enquanto fiapos restarem de mim;
O sobressalto da sua luz
Embriaga-me de paixão,
Desassossegando o meu sossego.
Quero cingi-la,
Envolvê-la em mil volteios,
104
Em louco delírio, em mil enleios
Valsar…rodopiar….
Sob os céus iluminados
Enlaçá-la em mil anseios,
Prender-lhe as tranças feitas de espuma;
Beijar-lhe os olhos fatigados,
Que esses olhos são meus
Para quando eu chorar
Neles verter a água do mar inteiro.
Coisa impensada:
Amo-a sem ela saber
E até sem eu,
De tanto amor me dar conta.
Amo-a por tanto a olhar
Por tanto em mim a inventar.
Sempre a desejar que o seu corpo
Venha na luz, despido,
Afogar-se na praia reclamando
A última carícia, a última tontura.
Iludo a vida; iludo a morte; iludo o norte
Tudo!, na extrema felicidade
De pousar o meu corpo
No abismo das suas funduras.
Que venha então a morte
Meu louco desejo saciado.
Que me importa?
Morrerei de menos por a amar demais…
105
Na noite olhei a ria (Ausência)
Na noite olhei a ria
Para nela matar a sede do teu corpo
Ver na Água o teu reflexo
E descobrir o silêncio da luz
A forma súbita da tua presença
Na visão nocturna
Surge-me o prateado do teu cabelo
Não há barcos, nem aves
Só ausência
Na água de mel
O teu reflexo
É maré de luz
Fico a olhar
O teu corpo de silêncio,
Nu.
O poema suspenso
Traz-me o teu cheiro.
106
Inventando os teus lábios,
Fecho a janela
E deixo-me adormecer.
107
Ria adormecida
(2ª versão)
Desligo-me do mundo real
E volto a sonhar com o deixar-me entrelaçar
Nos teus cabelos.
E em ti pousar. Mergulhar
Meu corpo sobre o teu, ofegante,
Bate em uníssono de desejo
Não há brisa para o momento ser ainda maior.
A brancura falsa do luar toma muitas cores
No suave anoitecer concedido aos amantes.
As casas de risquinhas coloridas,
Já se cobriram de um cinzento em redor
Basta de demora com as palavras fora de nós;
É chegado o momento de comunhão
apetecida.
Porque melhor que o sonho da vida em
cenário falso
É mesmo concretizar o sonho quando
acordados
Antes que a noite se aposse do nada da minha
vida.
108
Vejo-te chegar: Vens!
Os teus lábios carnudos oferecem -me
O céu.
Os teus braços correndo ao meu encontro
Trazem-me as tuas mãos, primeiro.
Enlaço-me nelas, percorro o teu peito
Obedecendo ao teu puxar suave.
E em gestos de pressa arrebatadora
Louco, corpo febril em procura ardente
Desnudo-te, puxando a ponta do teu véu,
Para assim poder sorver a tua seiva nascente.
Já não há tempo para nada.
Deixamos de ser os dois para ser um só;
Ouço o teu sussurro, sinto o teu espasmo
E todas as suaves variações do teu corpo
Ah! como é bom tanta coisa fazer
No cúmulo do prazer
A loucura da vida esquecer.
Sinto-me igual por dentro como por fora: – nu
Procuro refúgio de náufrago resgatado
E colo-me a ti languidamente.
O mundo não existe: só eu e tu!
Na suavidade dum enlaço, sossegado.
Como pode um mar assim tão bravo
Virar, ainda que tão brevemente
Ria adormecida?
Ah! Como é bonito este poente de hoje:
As suas cores nevoentas a esconderem que a
vida corre.
109
Natureza adormecida…
Desligo-me do mundo real
E volto a sonhar com o entrelaçar-me
Nos teus cabelos.
Em ti pousar
Meu corpo sobre o teu, ofegante
Batendo em uníssono de desejo
Em comunhão apetecida.
Merecida.
Vejo-te chegar: Vens.
Os teus lábios carnudos oferecem-me
O céu.
Os teus braços correndo ao meu encontro
Trazem-me as tuas mãos, primeiro.
Enlaço-me nelas, percorro o teu peito
Obedecendo ao teu puxar suave.
E em gestos de pressa arrebatadora
Louca,
Desnudo-te puxando o teu véu.
Já não há tempo para nada.
Deixamos de ser os dois para ser um só;
110
Ouço o teu sussurro, sinto o teu espasmo
E todas as suaves variações do teu corpo
Ai como é bom tanta coisa fazer
No cúmulo do prazer.
Tanto de nós sofrer, e até
A noção da vida esquecer.
Sinto-me igual por dentro como por fora: – nu
Procuro refúgio de náufrago resgatado
E colo-me a ti languidamente.
O mundo não existe: só eu e tu!
Na suavidade dum enlaço, sossegado.
Como pode um mar assim tão bravo
Virar, ainda que tão brevemente
Ria adormecida?
111
Andorinha do mar
Detenho-me
Neste fim de tarde ensolarado
Sentado no murete que me separa da ria
Encho os olhos com o azul vivo das suas
águas.
E trago lá de longe as asas da gaivota que
graciosamente]
Esvoaça.
Conto uma a uma as conchas sem perceber
Para onde foi o seu morador.
E desperto com o chap-chap da tainha que
esvoaça.
Sentado aqui, solitário, vejo mais céu.
Intriga-me esta enormidade sem fim
Onde as estrelas se penduram.
Sinto no confronto com a sua grandeza
Que a vida parece custar menos, a mim.
Ou que é menos fria, e que nela há (ainda)
acenos
112
frescos:]
Uma andorinha do mar veio pousar a meu
lado.]
Apetece-me viver apenas com os sentidos.
Sentir sem possuir, guardar cá dentro;
A vida na essência do momento.
113
Ria adormecida
Tarde limpa, intemporal
Que o acaso pintou
De uma tranquilidade imaculada
A ria parece estender-se até ao infinito.
Sobre ela, docemente pousadas
As embarcações miram-se no vitral espelhado
Num momento exacto a sugerir eternidade;
Há nesse olhar a mudez da saudade
De um tempo não esquecido
Ou então apenas, um murmúrio traído (?!)
Aqui o tempo findou
Anunciando a noite mais bela
Onde amor se escreve tão longo
Como curta a vida.
No marulhar dos murmúrios.
A luz parece despida, recolhida,
Alheada a entretecer os dias da memória.
Deixo-me aqui ficar, esquecido, a sorver a
maresia,
114
A sonhar acordado
Com a estranha precisão daquela simetria.
Fico à espera que as sereias venham de
madrugada
Para me levar para qualquer lado.
Singrando no seu peito nu
Chegarei a um porto de abrigo,
Onde a noite não escureça;
A encontrar a natureza redoirada.
Para a pintar no silêncio recolhido,
[de meus olhos amanhecidos.
115
Namoro renovado
E brinquei… brinquei
Enlevado
Quando depois da longa ausência
Te vi de novo. Amanhecia!
Logo te namorei com os meus olhos
Inquietados
À procura do amor nos teus;
Da tua pele amanhecida, beijada pelo sol
Vi surgirem miríades de estrelas
Que pareciam pousadas em teus olhos
Para fazer de mim, teu cativo
Com mil brilhantes me ferias,
Ou era assim tanto, o quanto me querias?
Apeteceu-me contá-las…
Mas depois achei loucura;
Para cantar a beleza e o teu encanto
Nem todas as estrelas do céu chegariam
Porventura.
116
Ditosa esta a sorte de assim te amar;
De nunca te olvidar
Indiferente ao tempo da separação.
Se a arte de amar eu não soubera
E nem contigo a aprendera,
Eu não seria louco, tão pouco,
Pois que a vida sem de amor enlouquecer
Não é vida,
É pálido entardecer.
117
ANGÚSTIA INQUIETUDE
118
119
121
Despedida…
Hora de cerrar os vitrais,
Correr as portas
E deitar um olhar de adeus
Ao silêncio daquela luz.
Ouço o longínquo apelo
Da gaivina a espairecer
No quintal da infância.
122
123
Verão ainda, ou já inverno?
Sou todo silêncio, pouco mais;
As pálpebras dormentes
Impedem saber em que rosa-dos-ventos
Descortino o tempo.
Invento no espaço
A cor da palavra suspensa
No torpor da tarde.
Já inverno, o pôr-do-sol
Vem de madrugada.
Por ali fico indefeso a ler teu poema
Com a luz apagada.
Na praia iluminada.
124
125
Os Setenta
E chegaram
Nesta insípida noite
Os setenta anos de uma vida
Atribulada,
Marcada pelo sonho
Desmedido.
Bonita de ser reinventada.
Cinquenta primaveras.
Mais os vinte Outonos
Fica a sensação
De que neles tudo valeu
Até a indisponibilidade
Para ser outro
Que não eu.
126
127
Sigo ao colo do vento
A vida o que não diz mostra
Não na epiderme mas no silêncio interior
Na mudez da sombra
Ou no silêncio das pupilas já gastas,
Onde pouco a pouco nem sequer há chama.
Chegado o Inverno
Olho para mim e não dou comigo
Corro sem correr
Corro sem saber
Sigo ao colo do vento
À espera que chegue o momento.
128
129
Horas vagabundas
Roubaram-me as horas vagabundas,
Perdidas na sem razão do fugir à lógica da
vida.
Já nelas me não descortino, especado
A olhar o fulgor do sol a se esvair,
envergonhado.
Horas de vida sem tempo
Em que eu era o mesmo sem ser igual;
À procura de um ou outro momento
Em que a tua imagem viesse num cavalo
alado
Ali, se sentar ao meu lado
Para alívio dos meus ais entediados.
130
131
ANGÚSTIA
Temo o dia
Em que traído deixe escapar
A angústia que vou guardando,
E me faz sangrar.
Mas que escondo – sei lá! –
Tantas vezes mesmo de mim.
Não sei exactamente quando.
Mas um dia
Deixo de fingir
Que desprezo o afecto teu.
E o sonho, a noite, o desejo
Ai! tudo belezas da minha mentira
Que julgas?
Que fora eu
Sem dela me alimentar,
Para que todos os dias ao acordar
Tenha, sempre e ainda, vontade,
A vontade de não desesperar.
132
133
Os Rios que quis levar ao Mar…
Espaço,
Galáxias;
Eu sei lá
Exactamente até onde vai o espaço sideral?
Não cabe em mim a noção do infinito, sem
fim,
Por onde se passeiam vias lácteas
Errantes.
Penetrar num daqueles buracos negros
Ao encontro de um momento já passado,
Soterrado na massa ultra densa, inerte,
Tão negra como mil sóis apagados,
Furacão de sombra errante no infinito,
É regressar a uma nova infância.
Assombro-me (!) ou caio em paz?
Ao perceber que tudo comecei e nada dou por
concluído]
Fico quieto no silêncio à procura do infinito
da razão.]
134
Saio destas noites, sereno, mais convicto e
reforçado]
Que por muito que a vida esteja já puída
Ainda bate seguro este pobre coração
À espera de uma nova alvorada
E outra …ou outra …ou outra ainda
De onde brote minha vontade renovada.
Sou eu próprio, assim, um mistério
Em contínua feitura, fazendo-me.
Sem um Deus que me guarde no seu Império
Ou uma Nau que me leve p’rá «ilha
afortunada»
Para lá viver, aquém, na bruma
A sonhar
Com os rios que quis levar ao mar
Deixados encalhados na praia,
Feitos espuma.
135
Dobrado o «CABO DOS SETENTA»
E o que fazer agora dobrado o Cabo dos
setenta?
Olhar com os olhos tristes os poucos e
esganados horizontes,]
E ficar por aqui a mendigar emoções novas
Quando o suão que traz na mão a foice
Espreita escarrapachado no varandim o
momento em que me distraia?]
Que hei-de dar à vida, senão uma enorme
vaia,
À magana que não poucas vezes, em vez de
amor, só me deu coice;]
E que em vez de talento só soube colocar à
prova
O sôfrego que a quis beber em taça de ouro,
num só momento,]
Todas as delícias prometidas: – o céu, o azul,
a loucura vã de quem inventa (?)]
136
Revejo-me nessa já longa história,
inconsequente.
Onde ontem esperei, hoje, já não espero, nem
sequer tento,]
Deixo-me conduzir não por aquilo que queria
ver, mas que vi]
E sem nada esperar, contudo, não me renego.
A vida foi-se,]
Eu sigo. Coração apaixonado, sem saudade de
voltar àquela «praia».
137
Em que por assim querer, estamos
Sou o homem de olhar acinzentado
Que segue a mulher insinuante
De cor de canela que surge do império.
Já não olho para a sua silhueta,
surpreendentemente, pasmado.
Mas para o que retenho da imagem que se foi
dissolvendo.
A luz não me ofusca porque dela apenas
retenho a miragem.
Interessa-me pouco por onde foi, o que fez,
ou onde andou. A sério…
É um enigma de que perdi o desejo. Voltar a
descobri-la.
Vou jogando com ela à batota.
Há um terno de mãos que não se mostra.
Finge-se.
Ela joga comigo estranhos jogos florais.
E às vezes a vida. Eu não.
Melhor deixar repousar a poeira do passado
138
Que ficar com os olhos perdidos do presente,
ausente.
Sinto por vezes que sorrimos. Ou choramos?
E que insinuando, sem nunca o dizer
Lembramos esses anos que nos fugiram.
A noite de ausência que por assim querer,
estamos.
139
Hoje ainda …mais só…
A paz e a inquietação, habituais.
A paz de quem voltou costas à vida.
A inquietação de quem dela quer mais!
Ir ou ficar?
Tomar a posição da inércia, ou assumir
movimento?
Essa a difícil decisão deste solitário momento.
Paneio como a vela da barca da vida
Preso ainda ao chão, mas prestes a voar.
Oh! como seria boa a vida, a durar
E nós dois sempre, aqui, a não perceber que
passava.
A fazer de conta, a olhar
Além do orvalho, o gemido, o eco latente de quem
se afastava.]
140
141
O Barco da Ilusão
Terminada a tarde
Feita braseira de mil sóis
Veio a noite primeva
Sem sopro nem sombra
Errando na ria, neste praiar do mar;
Os meus olhos, outrora sonhadores,
Olhando o que
Aos outros trará vida.
A mim, apenas vejo sorrir a morte.
Silêncio coalhado de prata,
Solidão estendida no sono impaciente
Cortada pelo pio de uma ou outra gaivota.
No meu choro correm bagas de gritos:
Já não virá o dia, algum dia(!)
Que há-de ser «novo dia».
Avança ao som de toques marciais
Comandados pelo soar estridente do clarim.
Amanhã haverá nova alvorada
Azul, enevoada, ou imprecisa
Pouco já me importa, ou colhe,
Que chegue a fria madrugada
142
E apague e dê por finda
Esta errante caminhada.
Sou gaivota de asa ferida
Na borda do mar irado, enxerida
Esperando o barco da ilusão.
Colher amarras, alar a vela, largar do cais
E vogar além… ainda mais além…sempre além,
Partir como ave de arribação.
143
O «baú» que se deixa na Costa-Nova, tipo
«Reserva» é surpreendente.
Encontrei lá este. Porque não hei-de
compartilhar com os amigos
A VIDA é «soma e segue»
Pudesse eu sentir o bafo dos dias quentes
Para deixar de sentir a dor
A dor tremenda de me ver ainda acordado
Em tudo o que escrevi.
Nessas folhas em que amei e fui amado
Ainda que noutras, não sei (?) odiado…
Sinto a dor tremenda de nelas não ver gestos,
Seria que lá não couberam?
Ou estando lá, eu os não vi, tão escassos eles
eram?
A vida é “soma e segue”.
Por isso quem me dera morrer num instante
Antes que o inverno mos negue.
Ateio as poucas brasas que ainda há
Enfim!
144
São frias pelos beijos que não recebi.
Recuso o sono, a paz e a solidão
Que só hei-de querer no fim.
Quando então já longe de mim.
Mas não deixo, hoje, de escrever
Num cravo ruivo para Ti
O que já não sei dizer a mim.
145
Eu…
Neste Tempo
Dos dias sem tempo
Colho uma flor
Da roseira de espinhos
Que foi esta vida,
Sem riso nem graça,
Roda de náusea em que girei
Na absurda maneira de querer ser,
Ao mesmo tempo, fogo e orvalho,
Na mesma hora, meigo e trovão.
Estridente e desatinado clarim
A procurar o peregrino
Que havia em mim.
Guarda-a. Aqui ta deixo.
É a mais bela, a mais vermelha rosa
Deste sonhado jardim.
Com ela te aceno. Estou de partida;
Já nada me prende a nada
Tanta foi a esperança gasta, ofendida.
Tempo este, de inexorável solidão
Lancinante desassossego
146
Onde se desfazem sonhos e ilusão
Lá fora já vem a noite. Não tenhas pena.
Nada mais peço, nem sequer já mereço
Paguei à vida chorudo preço
O de querer sempre ser, só e apenas,
Eu…
147
Onde estão «os céus» prometidos (?)
Grande desatino
Percorre este tempo
Num turbilhão de emoções;
Crianças, velhos e novos,
Todos (!)
À espera que chegue o momento
Em que trazido na noite,
Enovelado no xaile do vento,
Chegue o adulado menino.
Mas o menino não virá.
Para quê (?) regressar ao ponto de partida,
Se o Homem é negação de obra-prima,
Clamorosa imperfeição da obra divina.
Se o menino viesse
Encontraria de novo,
Na praça, os Vendilhões
A chorar (pel)a pobreza do Povo.
Choram a pobreza mas não O servem.
148
Alarido de carpidores,
São os mesmos que em surdina
Nos púlpitos do templo
À uma se levantam, votam
E a decretam.
De novo (e sempre!) em nome do Povo traído
Prometem um mundo novo.
Eu por mim desiludido
Naufrago varado na praia afortunada
Procuro na rosa-dos-ventos
Orientes (ou ocidentes?)
Novo rumo para esta pátria ousada.
Nova epopeia iluminada,
Em procura de outra Antília de novo
amanhecida,
Bem lá nos longes do mar, escondida.
Um Portugal revoltado
De onde fosse banido
Crianças a tiritar de frio
E homens a estender a mão
A uma escassa migalha de pão.
Deus, Ó Deus, porque ficam assim tão longe,
Inacessíveis (!),
Os «céus» que prometeste?
149
O passado…passou…
Sentado no terraço
Afundo o olhar na ria,
Ao querer saber tudo a meu respeito.
Sinto a brisa quente que me traz o aroma da
saudade
Vejo no espelho do seu azul prateado
Enigmático sorriso estampado no meu rosto
baço;
Afinal, a vida pode ser olhar…e nada mais.
Neste fim de tarde quero lembrar
As últimas ofertas de sonhos
Os últimos momentos em que me dei
As derradeiras palavras que escrevi
Os últimos afectos com que matei a tua sede
…
Não consigo reencontrar-me;
Recolho o olhar
E regresso para dentro de mim.
Nesta desconstrução que persigo
150
Mas não consigo dilucidar
Pareço não ter deixado rasto
Naquilo de que me afasto.
Nem ao menos dos momentos que contigo
[vivi.
151
Pegadas …Ou Pela beirinha do mar sigo as
pegadas (2ª versão)
Pela beirinha do mar sigo as pegadas
Infindáveis,
Por outros, deixadas no areal;
Muitos outros, tantos!
Que como eu perseguem
A procura de se reencontrarem.
Esquecer o passado meu É o mesmo que correr atrás do vento que me
fustiga;
Nele pouco encontro de que valeu.
Vem o farfalho branco da vaga
E tudo que está para trás, se apaga.
Como se a vida recomeçasse de novo
Tento olhar em frente e seguir caminhada.
Para onde vou (?) Não sei.
Sem o peso dos erros vou mais leve,
A deixar de novo as minhas pegadas,
As minhas marcas, na vida ainda que breve.
O passado foi-se
152
O importante é que desperte um novo dia
Em que volte de novo a ser eu,
Mas um outro eu.
Agora, inteira e totalmente: LIVRE!
153
Novo poente
Sem luz na luz
Lá veio
De mansinho despertar-me
Outro ano
Outro peso
O tempo é um louco desengano
Que fique dele
Este momento
Em que olho para trás
E pressinto que a vida
Em mim não coube,
Que só em mim mora
A solidão
E este jeito de dizer: – não!
O tempo passa e caminha
E tu sem chegar
154
155
A Ria e as penas que sinto de mim…
Escurece
Mas eu vejo aquele voo da gaivina
Em dança fandangueira
Voa rente e logo se eleva,
Vadia e graciosamente ligeira
Rasando o farfalho da vaga que persegue
E onde refresca
As «penas» das suas asas.
E eu por aqui fico por perto
À espera do momento de te ver.
Enquanto espero e sorvo a poção da maresia
Que me embriaga.
Já a provei…
Sabe-me a pouco
E só tu matarás esse desejo louco
Da saudade que quero
Em ti afogar.
Anda!… vem daí
156
Vem em segredo, que eu prometo
Não contar a ninguém
O que vamos celebrar.
Anda!…vamos voar!
Para eu matar em ti
As penas que sinto de mim
157
DESPEDIDA ….hoje…
Cansado
De mim ou da vida por mim,
Venho aqui ao meu terraço
Para me despedir de ti, neste ano tão ruim,
Que não deu nem para um pequeno namoro
Nem para te dizer as palavras que para ti
guardei;
Não houve tempo. Coitado de mim.
Vieste bonita pra o adeus.
Encharco o olhar no brilho que reflectes nesta
noite.
Embevecido
Pouso os olhos no prateado
Que flutua em ti
São miríades estrelas a brilhar
No vestido com que me convidas
Para em ti nadar.
158
É então que me decido;
Lanço-me nos teus braços,
Aconchego-me ao teu corpo húmido
Bebo do teu perfume
Afogo-me na doçura dos teus enlaces
Embriago-me no licor dos teus beijos
Teço a rede com que entrelaço teus olhos.
Faço-me teu, assim, na
Inteireza do meu nu
Como nunca me fiz
Para assim melhor te sentir
E possuir,
Teu desejo a desaguar em mim
Meu desejo a morrer em ti.
E sei… sei que amanhã já não virás
Viverei então de recordações: voltarei a ser eu
O mesmo de sempre
Inconstante a desatar o nó cego,
Lucidamente a repudiar quanto não enxergo
A voltar, lentamente, à realidade
A sonhar contigo, o mar e o longínquo
firmamento
Serei eu, sozinho
A cantar o azul do meu encantamento.
Pois: compreendo uma vez mais
Que não posso ser só teu
E que a ilusão me venceu
Por ora.
Descansa; não sou de ninguém
Não posso mais dar-me
Pois não posso moldar-me
A ser outro que não eu,
Tão longe de ti, como de mim.
Não …
Não posso ser mais nada
Só eu…
Só eu
No intervalo das aventuras
A procurar-me
Por entre o vazio das palavras
Que guardo para ti.
159
Mãe!
Tenho frio, mãe;
Não de agasalho, mas frio
Que vem de dentro de mim
Como de quem morre por fora
Ainda que vivo por dentro.
Já não ouço as canções com que me
Embalavas
E eu acordado sonhava….
Estendendo os braços de forma abstracta:
A noite chegava e tu a meu lado velavas,
………………………….……Mãe!
Mãe!
Tenho sono, mãe
Mas não consigo dormir.
Procuro a dobra de cetim do cobertor
Aonde a chupar adormecia
E só encontro as dobras ásperas da vida.
Fico com os olhos abertos
A ver tudo sem enxergar nada,
160
Por mais que tente e faça
Não valho nada, não digas nada,
……………………………Mãe!
Mãe!
Tenho sede, mãe,
Não de água para a mitigar
Mas das palavras em que me dizias
Que a verdade
Nunca me iria abandonar.
Mãe:
Quem me quer agora, não me conhece
E quem eu conheço
Não me apetece.
Deixei tudo passar
E tudo ficou para trás.
Até tu,
……………………….Mãe!
Mãe!
Tenho fome, mãe;
Não fome de vitualhas
Mas de ouvir chamar-me de «teu herói»
Por saber dizer não!, aos canalhas.
Hoje não sou já herói de coisa nenhuma
Mas tão só pedinte de que me deixem morrer igual
Ao que sempre fui,
Preso ao chão, descrente dos céus. Ai a vida, Mãe: amargo caminho deste teu menino…
A que nem a morte de mim Te afastou
……………………………….….Mãe!
Mãe!
Olho para a vida que correu, mãe
E lembro que me dizias
Ser eu para ti um livro aberto:
Bom por dentro
E «mau» por fora.
Hoje Mãe,
Já nem por dentro serei bom.
161
A vida não concede esse privilégio
Aos vencidos da história;
Condenados a não triunfar
Já não vale a pena parecer
Apenas mau por fora, a protestar;
Há que sê-lo de corpo e alma: inteiro
………………………………Mãe!
162
163
Reencontro
Vem Ria!
Corre e vem roubar-me a este desengano
A este silêncio amargo que me entedia,
Tão intenso que o seu «ruído» me ensurdece.
Tenho frio de ver a noite, tenho sede de ver o
dia.
Vem Ria!
Foi no meu mar interior que o rio da vida veio
desaguar;
Trouxe no seu ventre o inverno da vida.
Vejo pessoas como barcos negros a navegar
Cruzando o breu da noite sem se verem, ou
sequer saudar.
Vem Ria!
Traz contigo o vento para varrer as minhas
penas.
Quero nele verter as minhas rosas de espinhos
Quero nele sentir o ressoar do meu coração
distante
164
Quero que ele me traga a parte do meu sonho
que pereceu.
Vem Ria!
Traz-me o azul para nele embrulhar as
recordações
Onde nem tudo, no passado, foi falso
Quero recordá-lo para o volver presente
Trazer para junto de mim, quem está ausente.
Vem Ria!
Oh! Quanto nos afastámos neste verão de dor
Recomecemos, hoje, o nosso inocente amor.
Deixa que este tempo do não viver, não dura
sempre:
Eu vou acordar deste sono falso, deste
cansaço aparente.
Vem Ria!
Eu não sonho possuir-te, ser contigo carnal
Não: contigo não quero ser, assim, banal
Quero voltar a ver-te nua, mas não possuída
Quero voltar contigo ao pedaço de vida
interrompida.]
165
Desculpem-me companheiros: hoje não
estarei
Quisera eu, de novo, reunir convivas
Amigos!
E para eles erguer fausta mesa
Onde a amizade fosse coisa viva.
De Baco colher o melhor mel das cepas
Vinhos sublimes, sem igual e variados
E com eles erguer o copo, saudar a vida
Falar de coisas sérias, outras não
Que a vida não é só siso, é também riso.
Corro até à janela do meu navio
Onde embarquei neste resto de vida;
Fico absorto, olhando o céu, hoje sem sardas
luminosas
A noite está fria como eu.
E insossa sem o acre da maresia.
A vida parece parada, untuosa,
Já nela não mora a poesia.
166
Vou-me esconder atrás da porta
Para enganar a realidade;
Se ela entrar que me não encontre.
Fico apenas com as duas sensações:
A de viver só o que é real
E de já não sonhar com os «impossíveis».
Mesmo o mínimo de sonho me parece logo
real.
Desculpem-me companheiros: hoje não
estarei.
167
Encolhi as asas… e continuei.
Saí de um sonho.
E nessa bonita pompa de sensações
Olhei pela janela
A contemplar, espantado, o voo de uma
gaivota,
Na curva que deu para vir ter comigo.
Via-a(!),
Asas esticadas, tinha na ponta de uma, o azul
do firmamento
E na outra, o azul riscado da ria.
Já acordado, espero como ela agachado,
A chegada do ocaso arroxeado,
Para no crepúsculo esconder as amarguras
De ser um barco à deriva, perdidas as amuras.
No sonho voltei por momentos a ser criança
A pensar que a vida é sempre azul
Que no azul só há «penas» brancas.
168
Estremunhado, despertei:
A minha vida foi um vale de lágrimas,
Seco(!),
Porque nela raramente chorei.
Apenas encolhi as asas… e continuei.
169
Solidariedade
170
171
173
Um dia pediram-me umas palavras para os
25 Anos do CASCI.
Nem a ilusão foi capaz de esbater
Do nosso espírito, a pobreza dos afectos,
E assim disfarçar o final da nossa utopia.
Nem o egoísmo do conforto em que vivemos
Nos levou a esquecer o drama dos que Lutavam com a vida, tentando, só e apenas,
Sobreviver.
Nem sequer hesitámos em deitar para trás,
A cobardia de negar às almas infelizes,
As migalhas com que fomos aliviando a sua
dor…
Nem lhes negámos a Solidariedade
Para, ao menos, ressuscitar horas felizes em
que
Visionassem outro mundo…
Nem nos ausentámos das durezas do mundo,
174
Nem esquecemos a realidade trágica dos que,
Nem exigir já sabiam…
175
A Morte, afinal, existe!
E sem que fosse ainda Primavera
Cobriram-Te de flores
Fazendo de Ti uma criança.
Parava ali a dádiva da Tua vida.
A Morte, afinal, existe!
Mas sossega:
Apesar dela o Mundo avança.
A luta foi cheia de sentido
Quando transformaste dores, em sorrisos
Nos rostos de tantas crianças.
Ninguém poderá destruir as pontes que Te
levaram ao sonho.
Nem os passos com que calcorreaste as
veredas sinuosas]
Com fantasmas espreitando a toda a hora,
medonhos!]
Toldados de rancor e desamor, prontos a
lançar suas verrinas insidiosas.]
(No dia do Teu Aniversário)
176
177
Ser Solidário(a)
Ser solidário(a) é desejar ir correndo ao rumo.
Ir sem medo de regressar
Mesmo que a caminhada seja inútil.
É ousar e logo transformar o sonho
Na freima dos abraços.
É bater à porta e ouvir dizer: – Não!
É ter frio e tão ter agasalho;
Para os outros, para si, não!
É suportar a hostilidade dos que
Nem sequer sabem abrir a mão,
Pois só sabem dizer: – Não!
É sentir-se escorraçado(a), vexado(a),
intolerado(a)
Pelos que têm prazer para dizer sim,
Mas só sabem dizer: – Não!
178
É voltar sempre de novo
A gritar…
A ousar…
A levantar os olhos do chão
Para dizer:
Vencido (a) eu (?!) …Não!
(29º Aniversário do Casci)
179
Adopção
Nesta noite queria adoptar uma estrela
Para com ela m’envolver
Em sonho louco
Que de tudo tivesse um pouco
Fossemos só nós dois, apenas,
Aqui ou noutro lugar, não sei onde, nem
como,
Queria uma noite de vida sem amanhecer
Transformada em amor para a todos dar,
Solidariedade bastante para a todos chegar.
Queria usar o seu brilho como condão
Para iluminar os campos das guerras
– De todas as guerras –
Volvendo-os trigais ululantes de espigas
prenhes
Para transformar (armas) em pão.
Fazê-la «rosa de marear»,
Não para procurar outros mundos
Com novas pobrezas para explorar,
Mas caminhos de papoilas imaginados
Onde não mais corresse o sangue dos fracos,
180
Substituído das levadas
Para lavar as feridas dos oprimidos
Em gesto de humilde misericórdia.
Novos «Orientes» imaginados
Em descoberta do «Homem Novo», livre.
Irmão de irmãos sorrindo ao vento
Em tempo intemporal, nunca acabado
Rostos enxutos de lágrimas
Postas a forrar o mundo
De Paz, Fraternidade e Concórdia.
181
30 Anos a dar-se
Queria ver-te sempre assim
Parecendo que foi ainda ontem,
Era então a madrugada dos sonhos
Quando te vi nascer.
Poder aqui contar
Em cada imagem
Em cada linha deste verso
O querer que ultrapassou a miragem.
E ousou, ousar.
Quereria hoje olhar o sol
E nos longes da memória de então
Contar as queixas de antemão desiludidas.
Longo e extenso é o rol
Desse tempo apaixonado, irrecusável
A querer chegar a qualquer lado,
Que lado? – a todo o lado.
Era o mundo da fraternidade
Que apelava, ali, à nossa frente,
182
Girava …girava, imparável.
Nele havia
Olhos em rostos de silêncio
Que a miséria desenhara,
Onde uma lágrima fugidia
Corria, à tua espera.
Foste então
Ancoradouro seguro
Aconchego macio,
Veludo
Para pés nus de tanta criança.
Foste abrigo quieto,
Cais de desembarque,
Substituto de ausência,
Para quem tinha sido e já não mais era,
Senão anseio de existência.
Foste mão estendida
Que se deixa entrelaçar
Nas mãos sujas
Dos meninos da poeira.
Sozinhos, sentados à beira da estrada,
Sem sonho maior que a ilusão
Sem ilusão maior que nada
Colhem o vento sem forma,
Na noite sem tempo,
Dum tempo que é nada.
Hoje trinta anos vividos
As estrelas continuam no céu.
Só que encobertas pelas nuvens.
Há muitas escondendo a dor.
Outros serão os fados
Ninguém sabe o que serão
E que importa?
Fados serão….
A vida nunca foi um paraíso. No jardim
resta ainda tanta flor……
183
Solidariedade
Sei que não posso mudar tudo que está errado.
Mas sou Solidário:
Mudo aquilo que posso e me atrevo.
Vivo preso no diário dos meus sonhos.
Fecho os olhos para ver, de mim, o que faço
para os outros,]
Meus irmãos de sangue, meus irmãos de
língua, meus irmãos do mundo tristonho.]
Quero ver-vos desiguais, iguais.
Adivinhar em vós a igualdade finalmente
alcançada.]
184
185
Natividade
186
187
189
Natal…Tempo de incomodidade
Noite limpa,
De pureza imaculada
Nas gentes, na alma “corre” parada.
No Amor, e na Dor,
A insensibilidade desnudada
Reflecte o negrume do “presente”, passado,
Onde sonhei o mundo. Tudo!
Hoje perplexo
Olho e não vejo,
Falo…e estou mudo.
190
191
Natal 2007
Trazes notícias da fome
Que corre no Chade, na Nigéria
Onde meninos tristes
Andam à solta, sob a fúria dos homens.
E com eles corre a miséria
Que por todos os lados existe.
Tristes notícias trazes contigo
E nos vens dar, hoje, Menino…
Nesta noite em que a solidão
Nos cerca como um muro
E nos leva a crer
Que é inútil lutar;
Que tudo é em vão,
Que para o homem só a guerra
É a única, e a grande razão.
192
193
Outro Natal…
Que salvei no naufrágio desta viagem
acidentada, mas única, da vida?
Os vendavais são cada vez mais soltos.
Voltar ao desejado porto,
Ou naufragar, e deixar ir este miserável
corpo?
Seja para que lado enxergue
Vejo na tábua a tempestade
Fora de água sobra apenas, a vontade.
Que salvar deste naufrágio? A vida?!
Que importa? Já não há prémio;
Nem fama. Nem da amizade, sentido grémio?
Mas venha de lá desdita
Eu ponho de lado a tristeza
Sorrindo-me da sua vileza.
194
E bebo convosco amigos
Às damas que bem amei
A quem no peito guardei
Todas que ao longo de lustros
Não me deixaram tempo para ódios.
Tão loucos e geniais foram os bródios.
195
Natal Feliz …
Encho a concha das minhas mãos vazias
Com a Esperança,
Para contigo a repartir.
Olha que se esvai por entre os dedos,
Não a deixes fugir.
O Inverno não há-de durar sempre
Os pousios dos tempos são passageiros.
196
197
O Presépio da vida
Ah! Noite finalmente chegada
Nesta vida perdidiça, de sabor a fel.
Amargurada.
Presépio de figuras esquecidas,
Perdidas
Na imensidão de um céu sem a estrela,
Com magos de mãos vazias
Sem pão para ofertar
Ao menino(s)
Para a fome lhe(s) matar.
Ah! Noite fria, noite de cão
Onde não há reis nem roque,
Nem sequer um poeta a cantar
As razões da inconformada visão.
Noite de luz despida, de fria solidão
E cruel desamor
Onde tantos têm tudo
E muitos outros,
Nem sequer uma migalha de pão.
198
Ou a esperança de um dia promissor.
Nem sequer o direito de «amanhã», dizerem
Não!
199
Noite de ausência
Nestes dias sem noite
Sento-me à lareira
A olhar, indiferente,
As rabanadas na mesa,
Os pinhões e ovos moles
Queijo e iguarias tais,
Café, bacalhau e grão
Cardápios de todos os Natais
Em casas onde não falta o pão.
(Por onde estarão os comensais?)
Mesa cheia e eu vazio.
Mato com whisky a solidão.
Volto-me entre dois suspiros
Tiro a mão que me suporta a cabeça
Fixo o olhar em algures, distante,
E vou por aí aos tropeções dentro de mim
Em claro desatino
À procura de mim, menino.
200
A felicidade não está no que temos;
Vai «naquilo» que perdemos.
201
Presépio
Nesta noite
De tanta acalmia interior
Fico-me a olhar o presépio
Absorto, por certo maravilhado.
Brota em mim um enlevo da inocência
Que julgava já perdida,
O sol já se escondeu.
O silêncio estreme
Convida-me a aproximar da fronteira do
sonho.
Fico pasmado com tamanha transparência
Da cristalina doçura daquele menino risonho;
AH!
Só uma criança pode sorrir assim…,
Na imaculada pureza original.
Olhar para o mundo,
E crédulo,
Dar-se para O humanizar.
202
Apetece-me soerguê-lo das palhas
E levá-lo para longe do mundo, comigo
Para juntos passearmos no jardim da
primavera
Não para falarmos de poderosos nem reis
Nem chorar penas das guerras, ou do medo
que já era
Ou da fome das crianças,
Ou da pomba do mundo substituída por feroz
fera.
Mas da chama de um novo sonho que remoça
Que nos leve à reconquista da distância
O mar, o mar de novas areias, o mar das
ilusões
Navegar é preciso…
Para encontrar a alma de um mundo novo:
Ser Povo
De novo.
203
Liberdade
204
205
207
Liberdade
Foste a gaivota
Que de mansinho a esvoaçar
Num dia d’ Abril,
Nos mastaréus desta Caravela feita País,
Por entre perigos mil
Suave, vieste pousar.
Sabia que irias chegar
Que podias ou não ficar
Ou partir para longe. Voar!
(Era preciso ousar)
Onde andas hoje?!
Em que longes
Semeias sonho ou ilusão (?)
Que mar, que vela,
Que arte,
O que é preciso (?) p’ra dizer:
– NÃO! Que Tu não existes
LIBERDADE,
208
Se em qualquer parte
Uma criança chorar por pão.
Mas se em mim não te sentisse,
Ou contigo não sonhasse
(Que voltarás um dia)
Que dor, que verdade
Que ia ser de mim (?!), sem Ti
Meu amor
Ó LIBERDADE!
209
Liberdade não se dá… Conquista-se
Flor! Minha flor d’Abril
Toda perfume
Toda feita de sonhos
E promessas,
Eram mais que mil.
Eras uma flor por esfolhar
Trazias nas pétalas vermelhas
A cor do amor.
Eras a chama, eras lume
A incendiar nosso fervor
Levando um povo a cantar,
Um só Povo, Povo unido,
Convencido
A ir pelas ruas, pelos becos,
Pelo mar, pelo ar
Punho erguido, a gritar,
Que não…,
Que o Povo unido
Nunca! … Nunca mais será vencido.
210
Olho-te hoje, flor,
Minha flor, flor de Abril
E choro um bem perdido.
Hoje o sonho morreu.
Pois não sendo sonho
Era talvez acto pueril.
E só agora percebo,
O erro meu.
A Liberdade não se dá.
E muito menos se compra.
A Liberdade só será
Pelo povo entrevista,
Se resultado da luta,
Imposta pela conquista.
211
25 ABRIL 2009
Seja o que seja, haja o que houver
Foste o dia mais lindo
Que algum dia, dia por dia
Em outra qualquer manhã, de tantas manhãs,
O tempo se cumpriu
Naquela manhã de Abril.
Eu sei que os meus olhos sonham
Mais do que a razão, o infinito
Moram neles mais sonhos,
Sonhos bonitos
Do que o mundo possa conter
Mais do que olhando, só imaginando, os
posso ver.
Não quero tudo que prometeste.
Apenas um pouco da esperança que trouxeste
Quando da bruma de um tempo de nevoeiro
Surgiste com fulgor. Era Portugal inteiro
Debruçado à janela a ver-te acontecer
Era Portugal nascido, a ver o amanhã.
212
213
25 Abril 2010
Em Portugal
De novo os corvos debicam
Os restos.
O povo calado,
Já pouco ensaia o gesto.
Deixo secar as lágrimas
Mas não o sonho
Da Liberdade, da Igualdade e da
Fraternidade,
De um mundo novo.
Só secando as minhas lágrimas
Poderei ver as do meu POVO.
Coragem Amigo
Coragem Companheiro
Chegada a hora,
Num outro «abril» qualquer
A gente ainda sabe o que quer
Ainda sabemos dizer não.
Sairemos de novo à rua.
214
Cravo ruivo erguido
Passado de mão em mão,
A clamar
Grilhetas de volta?!
Não!
215
ABRIL 2011
Murchou o cravo florido
Que nos mostraste naquela manhã
Erguido no cano de uma espingarda,
Ali deixado por mão de uma criança.
Símbolo da paz afirmada
Vinha contar a história:
Era uma vez uma guerra acabada.
O cravo rubro era a soma de todos os sonhos
sonhados
Alquimia de vontades, fantasia, magia,
Nascidas naquela madrugada
Onde todos éramos irmãos soldados,
Acabara a incerteza, indizível ansiedade.
Quem não quis cantar
Esse dia de Abril amanhecido,
Em que havia vozes, lágrimas, mãos a vibrar
Era a poesia que corria,
O anunciar um Portugal, então apetecido.
Todos colhemos um cravo
216
E com ele na lapela
Passeámos a esperança.
Ou com ele na mão erguido
O povo foi vaga no amanhecer
No desejo de tudo querer
Não importava saber o que queria
Queria tudo aquilo que via
E sabia tudo aquilo que não queria
nunca mais…
Não! nunca me arrependerei do que fui
E nós – todos nós – sonhámos assim esse dia
demais
Em que uma flor fosse mais do que uma flor
Um país para se fazer adiante – e ser!
Princípio do fim de todos os medos,
Naquele Abril, o país amanheceu.
Hoje, de novo é Abril,
Mas um Abril igual a tantos mais.
Já não há cravos, nem sonhos, nem rosas
Nem da promessa do Graal, se enxerga o sinal
O de cumprir Portugal.
217
25 Abril 2012
E foi neste caminho tortuoso
Mais longo que as curvas da vida,
Que o resto das tuas promessas se
desvaneceu,
Já não há cravos nem rosas, nem espingardas
Nem sonhos gritados aos céus,
Tudo é nebuloso.
O Povo desunido, foi claramente vencido.
Meu canto é triste.
Choro em cada verso a desilusão
Dos sonhos que não cabiam na mão.
De todas as mãos.
Hoje é véspera do não chegar nunca a ser.
Vou por aqui ficar a velar
À espera de que aconteça o que quer que seja;
Ao longe ouço tambores, mas não os vejo
E eu queria vê-los e ouvi-los rufar
A anunciar
Que é lenta a marcha, mas há que recomeçar.
No ar paira uma promessa
218
De um dia se voltar a cantar
Os versos da primavera, de novo florida.
Seremos então tantos, seremos todos
De braço no ar a empunhar de novo a flor
A gritar a raiva que nos move
A perguntar «aos tais»:
De novo enganados?!
Não! Nunca mais.
219
Meu Ílhavo
220
221
223
Futuro
A viver
Desiludido,
Vou porfiando nesta terra,
Centro do meu mundo,
À espera que amanheça
O futuro.
Ser assim.
Inquieto,
Mais que tudo
Mistério intenso e profundo.
Na ânsia que apareça.
Força,
Vontade,
Espírito
Que derrube a indiferença
E o muro,
Deixando ousar
O futuro.
224
A Ousar, Ousando,
A Construir, Construindo,
A Amar, Amando
225
Ílhavo a apodrecer
Nem amor, nem ódio, nem guerra
Desenha o perfil, o ser
Desta triste e pobre Terra
Que é Ílhavo a apodrecer.
Ninguém sabe o que quer que seja
Ninguém alma mostra ter,
O que é mau, ou o que é bom
Ninguém chora;
Tudo é distante, inverdadeiro.
Ílhavo não sorri por ora
Cobre-nos cerrado nevoeiro.
226
227
Um canto novo virá
Minha terra
Minha amada de sempre
Minha terra para sempre
Terra das gentes
Da ria, do sol
E do mar,
Porque Te sinto chorar?
Eu sei que já não és hoje
A mesma que foste outrora.
Tuas azenhas já não choram
E o teu sol já não brilha,
Tua ria está cansada de correr
Para se ir afogar no mar.
Mas Tu estás longe de morrer!
Um dia lá virá um canto novo
No bico de uma gaivina
Que pousará levando a acreditar
228
Que com ele chegou a hora
De devolver o sonho ao teu povo
E pô-lo de novo a ousar…
De novo a navegar.
229
Ser homem sem preço
Quero esconder-me dos Homens
Embrulhar-me na saudade
Desta terra que já foi
Estrada marinha,
E hoje se arrasta num torpor
Sem sonho, nem crença
Despida de amor.
Naufraga à deriva
No mar da bazófia
Saloia, atrevida.
Quando me despedir
De mim, quero
Por todos e para todos
Os que comigo viveram o sonho,
Deixar
As folhas em que me retratei,
Intranquilo,
A defrontar a onda,
Vivendo a vida a querer ser igual
Aos que, nunca o desejando,
230
Sempre foram desiguais.
Por ensejo ou coisas mais.
Não lhes deixo agulha,
Rumos, cartas, ou destinos,
Ou até loucos desatinos,
De sítios por onde andei
A marear a minha lonjura.
Longes que já nem eu sei, se ousei.
Sei apenas que queria zarpar,
Sair de mim, cortar raízes,
Ir tão longe que impossível fosse
Voltar,
A ter a idade que nunca tive.
Mas prometo
Ainda inventar último verso,
A reafirmar de mim
Que morri, talvez,
Por muito viver;
Sempre a querer
Mais do que ser homem,
«Ser Homem» sem preço.
231
Vida
232
233
235
Vida
Vieste de mansinho, urgente e imprevista.
Parecias tiritar de frio na noite primeira
Que me oferecias…
Sem fingires ou sequer disfarçar,
Que te preparavas lesta para abandonar,
À sorte que me oferecias…
Psst! Disse-Te eu…
E Tu espantada com tamanho desatino
Olhaste-me, nu, inocente, inquieto humano
Esquadrinhando o tudo dentro do nada,
Ainda sem tino, dando asas à fantasia…
Que queres tu?!... menino, ainda agora
amanhecido.]
Que queres?!... que outros não ousam de mim.
Inquiriste cansada, soturna e dorida
Enquanto lá fora o vento zunia.
236
Que me deixes ser eu…
Não, apenas e só, um igual a tantos mais
Que por certo esquecerias.
Mas outro que se mude a cada hora que mude,
Que viva sôfrego e sedento, a vida no vento
Desafiando o tempo
No prazer de um só momento.
E viva sem horas vazias
O canto da tua magia…
Em quão longo tempo, de tão breve momento.
237
Cinzento é que não…
Tudo em mim, é preto, ou branco.
Parece que desconheço o cinzento,
Pois o sonho impede-me de dizer, talvez.
Ando sempre à procura do tempo
Onde me debato, à vez
Entre a afirmação, cruel momento
Que me diga estar ainda vivo,
Ou na ausência, apenas adormecido
Dou a minha voz à revolta.
Não entendo a vida envolta em névoas.
Por isso ateio o fogo onde m’ imolo,
Errante, na procura da verdade sem tréguas
Propondo-me levá-la comigo, ao colo.
Nunca sou só eu; mas eu e os outros,
Pondo os olhos de sonhador, até bem longe
Não para ver o que não sinto; mas para me
sentir o outro.]
Que olha, olhando não só para a esperança,
mas para o grito.]
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Saudade
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Saudades de mim, menino
Ai barcas, ai barcas
Tão triste é vosso negror,
Por onde ides navegar?
Que espreita
O olho que levais na proa?
Ai amores, ai amores
Da ria amada,
Ai amores do verde pino…
Ai saudades de mim, menino
Levai-me em vosso vagar.
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245
Hoje a minha Mãe
É noite.
É noite na noite.
A morte veio, e levou-Te
Para baixo da terra
Onde só há noite.
Que venha…Que venha…
Essa magana.
Venha ela e me detenha,
Que eu levo-Te um cravo.
O jardim já não tem gente
Nem sequer nele há sonhos
Mas apenas olhares vagos.
Só a custo suporto o travo
Dos que vivem tristonhos
Sem nada entenderem,
Ou sequer quererem
Que surja outra madrugada quente.
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TEREI SAUDADES
Terei saudades do mar
Quando na terra me esquecer.
Anda, vem amor,
Vem-me aconchegar.
Anda. Vem daí
Vamos marear.
Vadiar descalços
Pela beirinha do mar
Perdidos na areia náufraga
Que deu à praia.
As nossas pegadas
Darão o passo para acontecer.
Ficarás a saber
Que Tu és ainda o meu fogo
E que só dentro de ti
Sei, exausto, que me venci.
Juntos adormecemos,
Eu, Tu e o Mar.
248
Terei saudades de ti
Quando o dia amanhecer.
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Mar
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Arrais olhando o mar
O Desafio do Arrais
AH! MAR!
Cabes inteiro no meu cachimbo
Quando louco espumas de raiva,
E te dobras alevantado
Olhando-me espantado!
Bebo-te de um gole.
Embebedo de ti os meus olhos
Na esperança de ser gaivota
A medir as braças do teu infinito,
Para então te dizer…
Afinal…OH MAR!
És tão pequenito…
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O Mar e o Arrais
Que trazes farfalho da vaga que lá vem?
Com que dimensão, com que medo me queres
aterrecer,]
Ou com que inquietação me queres saber?
Não aceitas (?), danado, quem tem medo de ti
não tem.]
Pode vir de breu, negro e ameaçador.
Podes trazer contigo o vento a chiar e a rugir,
Relâmpago ou trovão a zunir;
Podes trazer tudo, Mar sem fundo,
Mar de todo o mundo.
Vem estipor!
A tudo direi basta
Que o medo é breve, mas a glória vasta.
De ti, minh’alma não teme fugir
Nem dor colher, sorriso ou afago.
Chegada a hora de te fruir
Bebo-te, mostrengo, de um só trago.
Vem danado!
256
Se a tua grandeza é vasta
Para a dominar, uma mão me basta.
Pois tu, afinal – ó Mar! –
És tão pequenino
Que a tua imensidão
Cabe aqui, todinha,
No seio da minha mão.
257
MAR
Olho assombrado para ti
Mar!
Não sei das lonjuras de onde vens;
Nem razão do desassossego que trazes
contigo.
Mora em ti permanente inquietação
E uma eterna crispação
Quando vens apressado
No regresso de outras paragens;
Que mostrengos viste tu MAR?!
Dos que Portugal sonhou primeiro,
Que ainda os não tivéssemos aquietado.
Vens de azul vestido guiado pelo voo da
gaivota
Que te convida a descansar no leito da praia.
Para que melhor possas olhar o céu.
Num repente ensombras o teu ondular
E ela desatina e vem pousar em terra
À espera que emudeça o teu escarcéu
E eu sei apenas que só por te chamar
Mar! …
258
Percebo a tua dimensão
Vislumbro as montanhas ocultas no teu corpo
A erguerem-se cobrindo-se de branco véu.
És abismo profundo em dialecto de carícias
com a praia]
Enrolando ao compasso do vento,
A beleza afogueada da vaga ao entardecer;
A espalhar-se na areia prateada pela Lua
Que já lá vem, ciumenta das serras a descer
És sonho, és dor, és acaso,
Sombra dos que sepultaste, maldição de
vivos,
Apenas o teu nome continua a me abismar
MAR!
Fera amansada
Rugindo na noite assombrada
Com cega brutalidade.
Acordas azul, envolto na bruma da ilusão.
E os meus olhos ficam azuis, imensos,
Com a febre de querer ir contigo: – navegar
Vieste antes da palavra;
Na rara intenção de provar
A existência da eternidade.
Antes dos tempos tu já eras
Depois dos tempos tu serás.
Nada que eu faça sou eu
O mundo é teu.
De ti todo inteiro; de mim nada.
Mar!!!Mar!!! se eu te chamar
Não voltes para trás, MAR.
Eu sou como o vento na forma incompleta.
Vai; deixa que nele se esvaia este longínquo
apelo meu.]
259
Poder de novo voltar a ser… Mar…
Olho a tua grandeza
A imensidão das tuas lonjuras
E de um modo absurdo
Sinto que (ainda) existo
Num passado que foi teu.
Sinto-o no desassossego que me causas
Sinto-o na pequenez que me rodeia
E apetece-me perguntar:
Porque nos não ajudas
De novo a cumprir Portugal?
A partir para achar,
Cá dentro,
A árvore, a flor, a praia, a ave e a fonte
A encher de esperanças as horas navegadas
Para assim ultrapassar o medonho.
260
Galgar valas, aldear encostas, subir os
montes,
Em conquista de novo o sonho
A recuperar a altivez,
E entre o chão encontrado e o império perdido
De novo, tão só, voltar a ser português.
A desejar querer
Poder de novo ser
Povo de um país amanhecido.
261
Amizade
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263
265
Amigos hoje, nem eu sei…
Amigos hoje, nem eu sei já quantos o são, ou
restam,]
De verdade.
Uma mão é bastante para os numerar.
Longe vai o tempo
Em que eu era ilha afortunada
Rodeada de ilhéus
Que mar algum tornava longe.
Um a um foram-se afundando no horizonte,
Deixando-me em estranho despertar.
O vento uiva a ditar a sorte
E eu cada vez mais só,
Fico a olhar, absorto, para a imensidão do
mar.
Vá, mar!
Solta de dentro de ti uma alegria
Hoje, amanhã
Que o seja, seja qual for o dia
266
Em que o meu olhar, olhando
Mesmo sem ver
Sinta no perfume doce da maresia
A inebriante magia da sua presença.
Não só a de desejar, mas de a ter.
267
Dispersos
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269
271
FAINA MAIOR
Agora é tarde.
Outros contam a história que escreveste
E chamam-lhe sua.
E Tu que calçavas as botas e cerravas os punhos,
Marinheiro que o sonho abençoara
E partias depois de beijar teu filho,
Ficas a ouvir a história das «estórias» que lhes
escrevias.]
Que não falam da tua inquietação de então.
Terra pão?
E não falam do teu sofrimento, no momento,
Terão alimento?
E não falam da tua alienação quando em vão
Andavas sozinho perdido na imensidão.
Ninguém explica a dor sombria que então sentias
Naquele lugre carregado de medos,
Sabia-se lá se haveria humanos regressos?!
É por isso que clamo pela tua presença
Queria reunir os destroços que sobraram
E dizer aos contadores da tua história imensa
Que era o medo quem fazia os heróis.
E toda essa imensidão de bravos,
272
Que sonhavam, sofriam e choravam
Só para que os seus filhos não fossem,
Eles também,
Os novos escravos…
273
«Outoniço»
Acordo hoje,
Nesta manhã que sendo linda
A mim, doente me parece.
Como as folhas das árvores que o Outono
empalidece.]
Olho o céu que se mostra, aqui, pequeno,
Sem lonjuras onde pouse o meu olhar
Além!
Estou triste, a olhar a minha gente deprimida
E eu, outoniço também.
274
275
Carpe diem
Recolho-me aqui, bem para junto de Ti
Na tentativa de me render à filosofia
Da natureza que nos criou e alimenta.
Carpe diem,
É a mensagem que me pareces recomendar:
Saber é proibido.
Querer saber o fim que um qualquer «deus»
Me dará, é proibido.
Saber se faltam ainda poucos
Ou muitos invernos, que um qualquer «deus»
me concederá,
Saber até se este não será o último
É proibido. Fugaz, é a única certeza da vida.
Mas se o for, que este sendo o último
Não seja o menos importante.
Traz pois contigo as musas para com elas
beber
Todo meu vinho;
O melhor que não fique guardado
Bebamos à vida; olha que o tempo é ciumento
E foge para longe de nós.
276
Deixa-o ir; fica aqui junto de mim,
Nunca acredites no amanhã!
Vamos aproveitar o que a vida nos oferece
E colher cada botão acabado de florescer
Antes que só nada mais haja que espinhos
Para viver ou …morrer.
277
Nova mensagem
Hoje, amigo, deixa-me falar de um País
Que foi soldado pelo braço forte de Afonso
Curto da perna mas longo na bravura
Correu com o moiro iroso que só da vida já
cura,
E olhando para a praia ocidental
Afirmou aqui vai nascer Portugal!
Hoje, amigo, deixa-me falar de uma pátria
Que teve um rei trovador
Que trovou cantigas de amigo
Por Isabel perdido de amor:
Que as rosas não eram o bastante de lhe bastar
Mas urgente fazer uma Pátria para ao mundo
a dar.
Hoje, amigo, deixa-me falar de uma pátria
Feita de um punhado de arraia-miúda
A erguer-se para dizer ao mundo inteiro
Que aqui não há lugar para nefandos andeiros
278
Portugal não foi feito para vender
Portugal foi feito para ser; e a vida para o
defender.
Hoje, amigo, deixa-me falar de um império
Filho de uma pátria que queria ser maior que
o mundo
Que teve um rei, pai de longínquos mares
Maiores de todo o olhar que fosse bem até ao
fundo;
Neles rei algum mandava. Viu-se terra nunca
sonhada
Que tanto a queria o nosso El-rei D. João
Segundo.
Hoje, amigo, deixa-me falar de uma pátria
Onde intrusos mostrengos ousaram criar e
porfiar
Três vezes o francês entrou
Muitas mais o espanhol veio na noite de breu
Sonhando um povo conquistar
De um país que não era o seu.
Hoje, amigo, deixa-me falar de uma pátria
Que deuses malévolos um dia castigaram:
Que desgraça que vileza fazer gládio da
natureza.
Para baixo a morte, para cima a vida, ordenou
Pombal
E de novo se fez, fazendo-se Portugal.
Renascia o Sonho de revelar o Santo Graal.
Hoje, amigo, deixa-me falar de uma pátria
Que desde então caminhou pela bruma
Nos sonhos de um quinto império acreditado,
Desfeito no farfalho da maré, à praia atirado
Tempo foi, séculos correram
Nem primeiro nem segundo, tudo se foi à
uma.
Hoje, amigo, deixa-me falar de uma pátria
Onde entraram robots sem rosto, homens sem
alma
A espezinhar o seu povo, a calcar as suas
gentes
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Uma troika de mostrengos vindos lá dos
confins do mundo]
Para nos dizer que já nada é certo, senão saber
o que se não quer:]
Que tais mostrengos deitem a nau ao fundo.
Mas, hoje, amigo, deixa-me falar de uma
pátria
Amedrontada à beira mar posta a entristecer
Sem trabalho e sem pão. É tempo de dizer
basta
É tempo de dizer não. Fazer da voz uma
canção
E da canção uma arma. Não para ser império
de novo então.]
Mas para se ser livre e dono da tua pátria.
[Escravo, isso (!) não!
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